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A Previsão de Cláusula Arbitral nos Contratos Celebrados com a

Administração Pública

Kaline da Silva Santos∗

Resumo

Durante muito tempo, discutiu-se a possibilidade de utilização da arbitragem pela


Administração Pública. Por arbitragem, entende-se um processo legal, não judicial,
para dirimir controvérsias através de sentença emitida por profissional com
conhecimento técnico do assunto. Discutia-se tanto a arbitrabilidade objetiva quanto
a subjetiva. O ponto sobre o qual paira a maior controvérsia é o alcance do princípio
da legalidade. O presente estudo buscou verificar o alcance do princípio da
legalidade no que diz respeito aos contratos da Administração e a possibilidade da
previsão de cláusula arbitral em qualquer contrato celebrado com o Poder Público.
Para tanto, utilizou-se análise dos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais,
bem como dos dispositivos legais pertinentes, notadamente, a Constituição da
República. Não há unanimidade entre a doutrina e a jurisprudência. Também não há
previsão legal clara acerca do assunto. Diante da falta de previsão clara e da
necessidade de observância do princípio da legalidade, conclui-se que, não é
possível a previsão de cláusula arbitral nos contratos com a Administração Pública,
salvo nas hipóteses expressamente previstas em lei.

Palavras-chave: Administração. Contratos. Arbitragem. Legalidade


Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Vale do Rio Doce
e-mail: kalinessantos@gmail.com
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INTRODUÇÃO

Durante muito tempo, a doutrina brasileira discutiu se seria possível a


Administração Pública submeter-se à arbitragem. A dúvida pairava tanto sobre a
arbitrabilidade subjetiva quanto sobre a objetiva.
No âmbito da arbitrabilidade objetiva, discute-se a possibilidade de
utilização da arbitragem pelo Poder Público em razão da indisponibilidade do
interesse público, ainda que o contrato verse sobre direitos patrimoniais.
Já, no que diz respeito à arbitrabilidade subjetiva, discute-se a abrangência
do princípio da legalidade. Sobre esse aspecto, as opiniões dividem-se basicamente
em duas correntes:
A primeira entende que o princípio constitucional não pode ser interpretado
de maneira tão restritiva, sob pena de engessar a atividade da Administração
pública. Segundo os defensores de tal corrente, caso o princípio da legalidade seja
entendido literalmente, o administrador necessitará de previsão legal específica para
cada ato ínfimo a ser praticado; o que inviabilizaria a execução de qualquer serviço
público, em razão do tempo necessário para que o ato legislativo se torne perfeito e
executável.
Já a segunda, sustenta que o princípio da legalidade não pode ser ignorado
em nenhuma circunstância. A Administração além de não fazer o que é vedado por
lei, só pode agir com expressa previsão legal. Assim, não é o bastante que a
legislação não impeça a utilização da arbitragem pelo Poder Público, há que existir
uma lei prevendo expressamente tal possibilidade.
Após a alteração da Lei nº 8.987/95 (Lei de concessões), pela Lei nº
11.196/95, que incluiu o art. 23-A, a discussão sobre o alcance do princípio da
legalidade passou a pautar-se pela interpretação do dispositivo legal retro. Referido
dispositivo prevê como cláusula essencial do contrato de concessão, a definição do
modo amigável para solução dos litígios contratuais (arbitragem).
Diante de tal previsão, a questão cinge-se em verificar se é possível uma
interpretação extensiva da lei acima, para aplicar a possibilidade de utilização do
juízo arbitral em qualquer contrato celebrado com a Administração, eis que a Lei de
Concessões está a referir-se às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de
serviços públicos.
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As posições da jurisprudência ainda não se consolidaram em um só


entendimento. Assim, é necessário que se estude a arbitrabilidade objetiva e
subjetiva levando-se em consideração a abrangência dos princípios constitucionais
da legalidade e indisponibilidade do interesse público, tendo como base a legislação
vigente e o entendimento da doutrina especializada.
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1. ARBITRABILIDADE SUBJETIVA E OBJETIVA

Antes de adentrar especificamente na análise da possibilidade de a


Administração Pública submeter-se ao juízo arbitral, cumpre conceituar o instituto e
esclarecer o alcance objetivo e subjetivo da arbitragem.
Entende-se por arbitragem, um processo legal, não judiciário, onde as
partes solicitam a intervenção de um profissional técnico com experiência no
assunto, que emite uma decisão denominada sentença arbitral, que possui força
executiva de título judicial, nos termos do art.475-N, IV do CPC.
A Lei nº 9.307/96 (Lei de Arbitragem) trata dos dois assuntos logo no art. 1º,
ao dispor que as “pessoas capazes de contratar” podem valer-se do juízo arbitral
para dirimir litígios versando sobre “direitos patrimoniais disponíveis”.
A primeira parte do dispositivo legal trata da arbitrabilidade subjetiva, ou
seja, quem pode utilizar a arbitragem.
Em consonância com a ordem jurídica interna, a lei dispõe que são somente
as pessoas capazes de contratar, eis que o juízo arbitral, em regra, é utilizado para
dirimir litígios contratuais.
Por outro lado, a lei não faz distinção entre pessoas físicas e jurídicas,
desde que gozem de capacidade civil, nos mesmos termos do Código Civil. Decorre
daí, a conclusão que tanto as pessoas físicas como as pessoas jurídicas
regularmente constituídas podem valer-se de tal instituto.
Como o art. 104, ao exigir agente capaz, quer dizer apenas um sujeito com
personalidade jurídica e capacidade civil, compreendida como a possibilidade de ser
titular de direitos e obrigações, em princípio, é possível entender que a
Administração Pública pode submeter-se ao juízo arbitral, partindo do ponto de vista
subjetivo, eis que os negócios serão celebrados sempre com um ente personalizado
que a represente.
A parte final do art.1º da Lei de Arbitragem diz respeito ao outro vértice da
questão, qual seja, a arbitrabilidade objetiva. Trata-se da determinação do objeto a
ser apreciado pelo juízo arbitral.
A lei afirma que apenas direitos patrimoniais disponíveis podem ser objeto
de decisão arbitral.
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Portanto, a questão cinge-se em determinar se os direitos patrimoniais do


Poder Público são disponíveis.
Antes de afirmar que sim ou não, é oportuno relembrar a divergência
existente na doutrina pátria acerca dos contratos celebrados com a Administração,
por ser questão relevante na determinação da disponibilidade dos interesses
patrimoniais.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, enumera três opiniões a esse respeito. A
primeira delas entende que não existe contrato administrativo, visto que, em virtude
da supremacia do interesse público ali representado, não se respeita os princípios
da igualdade entre as partes e da autonomia das vontades, essenciais em todos os
contratos.
Há também aqueles que entendem serem todos os contratos celebrados
com a Administração, contratos administrativos puros, regulados pelas disposições
do direito público e marcados pela supremacia da Administração.
Por fim, a terceira corrente defende que há uma diferença entre o contrato
administrativo e contrato privado firmado pela Administração, sendo que, este último
não ostenta todas as peculiaridades do contrato administrativo tradicional; posição
defendida por Di Pietro, Carvalho Filho e Cretella Júnior.
A maioria dos autores que entendem existir tal dicotomia afirma que os
contratos firmados sob o regime administrativo dizem respeito a interesses públicos
primários e, os contratos privados, a interesses secundários.
Expostas as ideias acerca do contrato administrativo, passemos à discussão
acerca arbitrabilidade objetiva, propriamente dita.
A fração da doutrina que entende não existir contrato administrativo ou que
todos os contratos celebrados com a Administração, direta ou indireta, são contratos
administrativos puros, entendem que não é possível a previsão da cláusula
compromissória, uma vez que os direitos em jogo, ainda que de natureza
patrimonial, não se revestem do caráter de disponibilidade negocial.
Tal posição é justificada pela proposição de que o patrimônio da
Administração, não lhe pertence, mas sim, à coletividade, dessarte, não pode ser
objeto da disponibilidade do administrador.
Esse parece ser o melhor entendimento. Considerando o patrimônio da
Administração como pertencente à coletividade, não é possível defender que o
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administrador, figura temporária, que age apenas como um representante, disponha


livremente dos bens da sociedade.
De igual modo, não é sensato que se entregue a decisão final acerca do
litígio contratual a um árbitro, sem a chancela do Poder Judiciário e sem a oitiva do
Ministério Público, principais órgãos responsáveis por fiscalizar e proteger o
interesse público.
Insta consignar o posicionamento doutrinário em sentido contrário, para que
se possa formar uma ideia clara da situação.
Aqueles que defendem a disponibilidade de alguns direitos da
Administração, afirmam que tais direitos são, geralmente, objeto dos contratos
privados, visto que, tais contratos vinculam interesses públicos secundários.
Em se tratando de interesses secundários, os direitos patrimoniais seriam
disponíveis, pois, possuem expressão pecuniária, são quantificados monetariamente
e, a sua comercialização não causa grave dano à coletividade. Nesse caso, sob o
ponto de vista objetivo, a Administração pode se submeter ao juízo arbitral.
Entretanto, não é possível concordar com tal posicionamento. Ainda que o
contrato verse sobre direitos patrimoniais, o simples fato de serem quantificados
monetariamente e comerciáveis, não implica, diretamente, na sua disponibilidade.
Não é prescindível ressaltar que trata-se do interesse coletivo e, tal
interesse, representado por direitos patrimoniais ou não, merece tratamento
especial. Portanto, a disponibilidade deve ser analisada sob um prisma subjetivo e
não puramente objetivo (voltado tão somente para a expressão material dos
direitos).
O interesse coletivo sempre será sobreposto ao interesse particular. Mesmo
que o contrato tenha características acentuadas de direito privado, o objeto do
negócio jurídico ainda é um direito pertencente à coletividade. Portanto, os litígios
advindos de tal contrato, não podem ser resolvidos pelo juízo arbitral.
Caso se concluísse que os direitos patrimoniais da Administração são
disponíveis, o que não é o caso, ainda existiria outro obstáculo à utilização da
arbitragem pelo Poder Público. Trata-se do princípio constitucional da legalidade,
segundo o qual, o Administrador precisa de permissão legal expressa para a
realização dos atos administrativos.
Impende ressaltar a posição ocupada pelos princípios constitucionais no
ordenamento jurídico brasileiro. Os princípios são diferentes das normas legais
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especialmente no que diz respeito à sua função. Em regra, os princípios exercem as


funções de fundamentar, orientar a interpretação ou de fonte subsidiária do direito.
Além disso, os princípios funcionam como limitações impostas ao legislador
e ao julgador. Enquanto que a lei é uma vontade “do povo” manifesta pelos seus
representantes, sendo constantemente alterada de acordo com a evolução social, os
princípios constitucionais, por serem parte da Constituição e constituírem fonte
especial de direito não são modificados ao sabor da vontade legislativa. Devem ser
respeitados, especialmente, por se referirem a direitos fundamentais do individuo ou
à coisa pública.
Outrossim, toda interpretação jurídica deve ter por base os princípios
constitucionais, inclusive, em respeito à hierarquia das normas jurídicas. Atentando à
importância dos princípios constitucionais, a análise da possibilidade de a
Administração submeter-se á arbitragem deve ser feita sob a luz do princípio da
legalidade.
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2. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

A Constituição da República, em seu art.37, afirma expressamente que a


Administração direta ou indireta de qualquer dos Poderes dos entes federados
devem obedecer ao princípio da legalidade, ou seja, só podem agir quando há
disposição legal autorizando.
O princípio da legalidade foi pensado como meio de assegurar o respeito ao
interesses da coletividade, não deixando que o administrador aja a seu bel prazer,
prejudicando o interesse público, que é sempre superior à vontade individual,
mesmo que essa vontade seja do responsável pelos negócios públicos.
Com tal escopo, a Constituição engessou a atuação do administrador,
obrigando-o a agir tão somente na presença de autorização legal.
No que diz respeito à inserção de cláusula arbitral, é certo que o
administrador só o poderá fazê-lo havendo o permissivo legal.
Após a promulgação da Lei de Concessões (Lei nº. 8.987/95), o que se
discute não é a aplicação do princípio da legalidade, mas sim, o seu alcance.
Há quem entenda que uma lei genérica pode autorizar o administrador a
praticar um ato; por outro lado, outros entendem que deve haver uma previsão
específica para cada ato administrativo.
A parcela da doutrina que adota a primeira linha de entendimento afirma
que, caso o agente público precise de uma lei específica autorizando cada
providência necessária ao cumprimento de suas funções, o serviço público nunca
seria executado, conforme afirma Ada Pellegrini Grinover ao citar Lúcia Valle
Figueiredo:

O princípio da legalidade não pode ser compreendido de maneira


acanhada, de maneira pobre. E assim seria se o administrador, para prover,
para praticar determinado ato administrativo, tivesse sempre que encontrar
arrimo expresso em norma específica, que dispusesse exatamente para
aquele caso concreto. (GRINOVER in Revista de Direito
Administrativo nº 233, FGV:2003)

Assim, é que, defendendo a efetividade do serviço público e o princípio da


economicidade, afirmam que, nem sempre a lei precisa ser específica.
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Com a promulgação da Lei nº. 8.987/95, regulamentando os contratos de


concessão firmados com o Poder Público, a legislação passou a prever a
possibilidade de utilização da cláusula arbitral pela Administração, pois, o art.23, XV
do referido dispositivo legal diz ser cláusula essencial do contrato de concessão, a
previsão do foro para solução amigável dos litígios contratuais.
Diante disso, a discussão voltou-se quase que exclusivamente para esse
ponto: se é possível utilizar a previsão da Lei nº 8.907/95 para dizer que todos os
contratos celebrados pela Administração podem inserir a cláusula arbitral.
Parte da doutrina entende que não se pode utilizar uma previsão feita pelo
legislador para uma situação específica e aplicar a qualquer contrato.
Essa parece ser a posição mais acertada. O dispositivo legal acima trata de
pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, que integram a
Administração Pública de forma indireta. Entretanto, a Administração Pública indireta
inclui ainda, as autarquias, fundações e empresas públicas. A Lei de concessões
não trata deste segmento da Administração, tampouco da Administração direta.
É de se concordar com o entendimento que não é possível uma
interpretação tão extensiva do princípio da legalidade. A previsão expressa pela lei
acima, não pode ser aplicada analogicamente a situações não previstas por ela.
O contrato de concessão obedece a um regime jurídico próprio, tanto que
existe lei especifica definindo seus limites e peculiaridades, sendo, portanto,
impossível fazer uma transferência do dispositivo para outras situações, sob pena de
infringir o princípio da legalidade, sendo necessária a edição de lei que regulamente
com mais clareza a utilização do instituto da arbitragem.
Endossando tal entendimento, Suzana Domingues Medeiros:

A falta de clareza da legislação, aliada à falta de uniformidade na doutrina,


vêm levando o tema cada vez mais aos nossos tribunais, seja no âmbito
administrativo, seja no âmbito judicial. Todavia, a jurisprudência ainda tem
se mostrado confusa e não uniforme.
Por essas razoes, acreditamos que seja fundamental a edição de lei que
venha a estabelecer de modo claro e preciso a utilização do instituto da
arbitragem pela Administração Pública, definindo os seus limites e
particularidades, de modo a gerar segurança para aqueles que contratam
com o Estado e pôr fim à controvérsia. (MEDEIROS, in Revista de
Direito Administrativo n° 233, FGV: 2003)

Partindo de tais premissas, é possível concluir que apenas as empresas


públicas e sociedades de economia mista podem utilizar-se do instituto da
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arbitragem. A Administração direta, assim como as fundações públicas e autarquias


não podem fazê-lo, eis que a previsão legal específica trata somente das empresas
públicas e sociedades de economia mista.
Não é demais ressaltar que as fundações públicas e autarquias diferem das
empresas públicas e sociedades de economia mista em vários aspectos, mormente,
no que diz respeito ao patrimônio, sendo que estas possuem patrimônio próprio e
aquelas, são mantidas com o patrimônio público. Portanto, não seria sábio equipará-
las.
Por outro lado, parte da doutrina autorizada entende que, em hipótese
alguma, a Administração pode incluir a cláusula compromissória em seus contratos,
em razão do disposto pelo art.55, §2º da Lei nº 8.666/93 (Lei de licitações e
contratos). Segundo tais publicistas, ainda que a lei de licitações seja anterior à de
concessões, não foi revogada por esta.
Assim, em face da disposição do art. 55, §2º da Lei de licitações, no sentido
de que nos contratos celebrados com a Administração, seja declarado como foro
para solução de litígios, o da sede da Administração. A partir de tal disposição,
entendem que seria impossível a utilização da arbitragem, pois, o contrato, nesse
caso, é exorbitante, logo, não há como aplicar o juízo arbitral, eis que este
pressupõe a renúncia pelas partes contratantes do direito de ação.
Não obstante, a jurisprudência tende a aceitar a utilização da arbitragem
pelas sociedades de economia mista e empresas públicas, inclusive, sob o
argumento de atender o interesse público.
Nesse sentido, posicionamento do STJ:

Administrativo. Mandado de Segurança. Permissão de área portuária.


Celebração de Cláusula compromissória. Juízo arbitral. Sociedade de
economia mista. Possibilidade. Atentado. (STJ. MS nº 11.308/DF.
Primeira Seção. Data do Julgamento: 09/04/2008. DJE:
19/05/2008)

De acordo com o entendimento endossado pelo julgado acima, é legal a


submissão à arbitragem, uma vez que não se estaria abrindo mão do interesse
público ou transigindo com este, mas sim, buscar uma forma mais rápida de defesa
do interesse público.
A parcela da doutrina que defende tal posicionamento argumenta ainda,
que a opção pela arbitragem não fere o princípio do juiz natural, pois, nos contratos
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celebrados com a Administração que ostentam características de direito privado, é


feita através da livre manifestação de vontade das partes em buscar uma solução
amigável para o litígio.
Com a devida vênia, o entendimento acima só pode prevalecer no que diz
respeito aos contratos celebrados com as pessoas de direito privado prestadoras de
serviço público. Essas celebram contratos tipicamente privados e, possuem
patrimônio próprio que é disponível.
Ainda que se afirme que ao firmar o compromisso arbitral a Administração
não está a transigir com o interesse público, é de se notar que a lei de arbitragem
pressupõe exatamente o contrário, ao dispor no art. 1º, que os direitos patrimoniais
devem ser disponíveis. Se a própria lei prevê tal necessidade, não há que se falar
em busca de solução mais rápida sem disposição, pois o dispositivo legal coloca
como pressuposto de existência da convenção de arbitragem, a transigibilidade dos
direitos.
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CONCLUSÃO

Considerando que não há conclusão pacífica na doutrina e jurisprudência, é


preciso que o entendimento seja baseado nos princípios constitucionais reguladores
da atividade administrativa e da hermenêutica jurídica.
Ora, é incontroverso que o administrador não pode deixar de observar o
princípio da legalidade. Insta ressaltar, que no caso da Administração Pública, o
princípio da legalidade implica em previsão legal específica para cada hipótese. No
caso da arbitragem, as previsões legais existentes para o seu uso, são sempre em
situações específicas, como no contrato de concessão.
Assim, não se pode usar de verdadeira analogia, com o fito de “driblar” o
princípio constitucional, aplicando-se um dispositivo legal que refere-se a concessão
envolvendo sociedade de economia mista e empresas públicas para regulamentar
todos os contratos que envolvem a Administração direta, autarquias e fundações
públicas, pessoas jurídicas com características, inclusive de cunho patrimonial
completamente diferentes entre si.
Verifica-se também, que quando a jurisprudência trata do tema, refere-se a
contrato celebrado por sociedade de economia mista (como no acórdão acima). A
sociedade de economia mista, apesar de integrar a Administração Pública indireta,
não se confunde com o Poder Público, tanto que possui patrimônio próprio, ao
contrário do que ocorre com os órgãos da Administração direta, razão pela qual, a
Lei de concessões não pode ser interpretada extensivamente para aplicar-se às
fundações, autarquias e órgãos da Administração Pública direta.
Conforme todo o explanado acima, a previsão de cláusula compromissória
nos contratos celebrados pela Administração direta e pelas autarquias e fundações
públicas encontra óbice tanto no aspecto subjetivo quanto objetivo da arbitrabilidade.
No aspecto objetivo, em razão da indisponibilidade do interesse público,
ainda que representado por direitos patrimoniais; no subjetivo, em razão da
obrigatoriedade do respeito ao princípio da legalidade pelo administrador,
ressaltando-se que, no caso, tal princípio implica na previsão legal específica.
Considerando que a legislação brasileira não prevê de forma clara a
possibilidade de a Administração valer-se do juízo arbitral em qualquer situação,
prevendo contratos específicos onde tal instituto pode ser usado, a Administração
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Pública não pode celebrar contrato contendo cláusula compromissória, salvo


naqueles casos expressamente previstos em lei.
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BIBLIOGRAFIA

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: 15 de outubro


de 1988.

_______, Lei nº 8. 666: Lei de Licitações. Brasília: 21 de junho de 1993.

_______, Lei nº 8. 987: Lei de Concessões. Brasília: 13 de fevereiro de 1995.

_______, Lei nº 9.307: Lei de Arbitragem. Brasília: 23 de setembro de 1996.

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CARDOSO, Maria Clara Pereira. A utilização da arbitragem pelo Estado. Direito


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CRETELLA JÚNIOR, José. Direito Administrativo Brasileiro. Rio de Janeiro:


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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21. ed. São Paulo: Atlas,
2009.

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21/07/2009: 11h38.

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