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QUATRO PERGUNTAS
Depois destas considerações gerais, olhemos mais profundamente para o verso 18 desta
narrativa de Mateus.
“E, chegando-se Jesus, falou-lhes, dizendo: É-me dado todo o poder no céu e na terra.
Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações...”
Nós vemos, pelo texto, que algo foi dado. Há muitas considerações a serem feitas sobre esta
extensa fala de Cristo, onde ele dá o motivo de pregarmos o evangelho pelo mundo. Talvez al-
guém ache que eu passarei tempo demais tratando de assuntos que nada tem a ver com mis-
sões, mas se aqui está a motivação bíblica referente ao evangelismo, precisamos olhar para ela
com muito cuidado e atenção. Façamos, assim, quatro humildes perguntas para este verso.
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A primeira pergunta é: Para quem foi dado? O texto diz: “Jesus, falou-lhes, dizendo: É-me
dado...”. Nosso evangelismo, indubitável e inegociavelmente, deve ser motivado naquele que
recebeu: Em Jesus. A missão da Igreja é levar “graça e apostolado por amor do seu nome [de Je-
sus], para a obediência por fé, entre todos os gentios” (Rm 1:5). Se apenas levarmos graça para o
mundo, nosso trabalho será incompleto. Graça, sem Jesus, não é graça – desgraça, talvez. Tudo
tem que ser feito por amor do nome d‟Ele. Por amá-lo e querer fazer o nome d‟Ele grande entre as
nações. Faço dois comentários sobre isto:
1. Se nossa motivação é baseada em quem Deus é, devemos, conseguintemente, ser moti-
vados pelo Filho, já que Ele é a perfeita imagem do Pai (Cl 1:15). Muitos desprezam falar de Jesus
para falar apenas de Deus. O problema é que “Deus” tornou-se um conceito genérico: existe o
Deus dos hindus, dos mulçumanos, dos cristãos, etc. Jesus foi claro quando disse: “sereis minhas
testemunhas” (At 1:8). Deus enviou Seu filho – precisamos mostrá-lO como imagem do Pai.
2. Nossa pregação, assim como nossa motivação, deve ser baseada no filho unigênito de
Deus. Ele é o único mediador entre Deus e os homens (I Tm 2:5), pois “não há salvação em ne-
nhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo
qual importa que sejamos salvos” (At 4:12).
Nossa segunda pergunta é: o que foi dado? Lemos: “É-me dado... o poder”. Nossas tradu-
ções em português são meio vagas na tradução desta palavra. Aliás, acredito que qualquer tra-
dução seria vaga. Essa é uma palavra que é usada de um modo interessante por Mateus. Olhe-
mos para ela por um instante.
O termo aqui traduzido como “poder”, no grego, é “exousia”, que significa um “poder de
escolher, reger e governar. Liberdade de fazer como se quiser”. Isso foi o que Deus pai entregou
para Jesus. Foi-lhe dado essa “exousia”, esse poder para fazer o que bem desejar, para governar
e para reger o mundo.
Existe uma regra de interpretação bíblica que devemos atentar neste momento. Se quiser-
mos conhecer o significado exato de uma palavra para um escritor, devemos analisar o uso desta
mesma palavra em outros momentos e ver como ela é usada, na esperança de encontrar uma
passagem que explique o que aquela palavra significa1. Ao observarmos o uso de “exousia” por
Mateus, observamos que ele a usa mais oito vezes em seu evangelho. Quatro vezes referente à
autoridade que Jesus tinha para ensinar (7:29; 21:23,24,27), duas referentes à autoridade d‟Ele pa-
ra curar e perdoar pecados (9:6,8), uma sobre a autoridade dos discípulos para curar e expulsar
demônios (10:1). Nenhumas destas sete passagens dão alguma luz sobre alguma peculiaridade
no uso deste termo. Bem, existe ainda uma ultima passagem para olharmos, e é ela que faz toda
a diferença em nossa análise:
“E o centurião, respondendo, disse: Senhor, não sou digno de que entres debaixo do meu
telhado, mas dize somente uma palavra, e o meu criado há de sarar. Pois também eu sou
homem sob autoridade [exousia], e tenho soldados às minhas ordens; e digo a este: Vai,
e ele vai; e a outro: Vem, e ele vem; e ao meu criado: Faze isto, e ele o faz.” (Mt 8:8,9)
Assim como em Hebreus 11, temos um verso em que um termo é explicado. O que é ter e-
xousia? É ter o poder para dizer a um: vai, e ele ir; dizer a outro: vem, e ele vir; e a outro: Faça isto,
e ele fazer. Essa é a autoridade que Cristo tem! O que Ele disser, é cumprido. Ele tem poder para
dizer e acontecer. Ele tem poder para criar mundo apenas com o poder se Sua voz. “Porque fa-
lou, e foi feito; mandou, e logo apareceu” (Sl 39:9).
Perguntemos, agora, em terceiro lugar: em que extensão isso foi dado? O texto expressa
que foi dado para Cristo “o poder no céu e na terra”. Essa expressão é um hebraísmo para dizer
que Ele tem poder sobre tudo. Se um engenheiro tem autoridade sobre o pedreiro, ele pode dizer:
“construa essa parede, e o pedreiro irá”. Mas esse mesmo engenheiro não pode dizer ao nada:
“construa uma parede”, pois nenhuma parede aparecerá, já que ele não possui tal autoridade.
Cristo pode dizer “haja luz”, e a luz aparecerá (Gn 1:3), não importa a quem Ele o diga. Ele tem
autoridade sobre o que sequer existe para do nada, fazer tudo aparecer (ex nihilo, como dizem).
1 Um exemplo: se eu quero entender o que “fé” significa para o autor de Hebreus, eu preciso ver como
essa palavra aparece ao longo de toda a carta. Quando você depara-se com o Capítulo 11, você lê: “Ora,
a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem” (v. 1), seguido
de uma lista de exemplos sobre Fé. Entender esse capítulo, especialmente o verso 1, é essencial para enten-
der o que o autor quer dizer sempre que usa a palavra “fé”.
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O salmista diz: “Nos céus estabeleceu o Senhor o seu trono, e o seu reino domina sobre tudo”
(103:19). Vejam: ele domina sobre céu e terra, sobre tudo que há para ser reinado. Toda a criação
está nas palmas das mãos de nosso Senhor. Ele sustenta “todas as coisas pela palavra de seu po-
der” (Hb 1:3). Todas as coisas! Do céu a terra, Deus domina tudo o que há.
Deus tem autoridade sobre a matéria inanimada. “E disse Deus: Haja luz; e houve luz. E disse
Deus: Ajuntem-se as águas debaixo dos céus num lugar; e apareça a porção seca; e assim foi. E
disse Deus: Produza a terra erva verde, erva que dê semente, árvore frutífera que dê fruto segun-
do a sua espécie, cuja semente está nela sobre a terra; e assim foi” (Gn 1:3,9,11). Ele mandou, e
houve luz; Ele ordenou, e a vegetação se fez. Ele desejou, e o mundo foi alagado por águas:
“Porque eis que eu trago um dilúvio de águas sobre a terra...” (Gn 6:17). Ele é aquele que até o
vendo e os mares lhe obedecem (Mc 4:41): “E ele, despertando, repreendeu o vento, e disse ao
mar: Cala-te, aquieta-te. E o vento se aquietou, e houve grande bonança” (Mc 4:39).
Deus tem autoridade sobre as criaturas irracionais. “Havendo, pois, o SENHOR Deus formado
da terra todo o animal do campo, e toda a ave dos céus, os trouxe a Adão...” (Gn 2:19). “E de
tudo o que vive, de toda a carne, dois de cada espécie, farás entrar na arca, para os conservar
vivos contigo; macho e fêmea serão. Das aves conforme a sua espécie, e dos animais conforme a
sua espécie, de todo o réptil da terra conforme a sua espécie, dois de cada espécie virão a ti,
para os conservar em vida” (Gn 6:19,20). Nem foi Adão que procurou os animais e nem foi Noé
quem os pôs na arca. Deus levou os animais até eles. Deus governa-os. Se Ele diz: “vá até lá”, eles
certamente irão. “Depois veio a ele a palavra do SENHOR, dizendo: Retira-te daqui, e vai para o
oriente, e esconde-te junto ao ribeiro de Querite, que está diante do Jordão. E há de ser que be-
berás do ribeiro; e eu tenho ordenado aos corvos que ali te sustentem” (I Rs 17:2-4).
Deus tem autoridade sobre os homens e os filhos dos homens. Ouçam as Escrituras: “O cora-
ção do homem planeja o seu caminho, mas o SENHOR lhe dirige os passos” (Pv 16:9). “Do homem
são as preparações do coração, mas do SENHOR a resposta da língua” (Pv 16:1). “Como ribeiros
de águas assim é o coração do rei na mão do SENHOR, que o inclina a todo o seu querer” (Pv
21:1). “Muitos propósitos há no coração do homem, porém o conselho do SENHOR permanecerá”
(Pv 19:21).
Deus tem autoridade sobre criaturas espirituais, sejam anjos ou demônios. “... o Senhor envi-
ou o seu anjo, e me livrou da mão de Herodes...” (At 12:11). “E Deus mandou um anjo a Jerusalém
para a destruir...” (I Cr 21:15). “Mandará o Filho do homem os seus anjos, e eles colherão do seu
reino tudo o que causa escândalo, e os que cometem iniqüidade” (Mt 13:41). “Enviou Deus um
mau espírito entre Abimeleque e os cidadãos de Siquém...” (Jz 9:23). “Agora, pois, eis que o SE-
NHOR pôs o espírito de mentira na boca de todos estes teus profetas...” (I Rs 22:23). “... e atormen-
tava-o [a Saul] um espírito mau da parte do SENHOR” (I Sm 16:14). Até sobre Satanás, lemos que
“... disse-lhe Jesus: “Vai-te, Satanás...”, e “Então o diabo o deixou...” (Mt 4:10,11).
Não existe nada, entre todo o cosmos, que escape da mão do Senhor.
Em ultimo lugar, observemos o quanto desta autoridade foi dada a Jesus. Não nos é penoso
ler as palavras de nosso mestre: “É-me dado todo o poder no céu e na terra”. Todo o poder. Todo
ele. Nenhuma gota de poder foi retida para Cristo. Nenhuma fagulha de autoridade lhe falta.
Embora tenha vindo em humildade, Ele voltará poderoso como agora Ele o é. O nível mais pro-
fundo de soberania lhe foi concedido. Nada pode resistir ao Seu querer e até o menor dos elé-
trons move-se debaixo de Seu cuidado. “Porque o SENHOR dos Exércitos o determinou; quem o
invalidará?” (Is 14:27). “Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado” (Jó
42:2). “Todos os moradores da terra são por ele reputados em nada; e, segundo a sua vontade,
ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão,
nem lhe dizer: Que fazes?” (Dn 4:35). “No céu está o nosso Deus e tudo faz como lhe agrada” (Sl
115:3; cf Ef 1:11).
Sei que pareço ter saído do assunto proposto, mas precisamos entender bem as palavras de
Cristo se quisermos viver de acordo com as ordens d‟Ele. Resumindo com uma frase tudo que foi
digo até aqui: o que nos motiva para ir é a soberania infinita de Cristo sobre tudo. Sabendo disto,
vamos olhar para algumas aplicações disto no nosso evangelismo.
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Agora que contemplamos (talvez, para alguns, exaustivamente) a Soberania de Deus, va-
mos olhar para como isso influi e motiva diretamente nosso evangelismo.
Em primeiro lugar, Deus ser Soberano mostra que Ele merece discípulos. Ninguém no céu, na
terra ou debaixo da terra é digno de louvor e adoração, senão Aquele que é Soberano. Todo o
mundo é d‟Ele e devemos fazer este mundo cativo a Cristo.
Em segundo lugar, precisamos considerar a motivação que temos em perceber que Ele po-
de, verdadeiramente, nos comissionar. Se um pobre engraxate tentar enviar alguém para uma
missão, ele será desprezado pelos homens ao seu redor. “Quem ele pensa que é para me mandar
fazer algo?”, dirão. Deus, o Soberano-mor do universo, enviou-nos em uma missão – não há ho-
mem no mundo que, em sã consciência, negue este envio.
Em terceiro lugar, somos motivados porque Deus é Soberano sobre a salvação. A graça de
Deus é soberana! Já disse nosso Cristo que ninguém pode ir a Ele, se pelo Pai não lhe for concedi-
do (Jo 6:65). É Deus quem, soberanamente, traz os salvos para Si, preparando-os para a ressurrei-
ção (Jo 6:44). É o próprio Senhor quem abre os corações dos infiéis para atentar às palavras de
salvação (At 16:14). Aprendemos, em Romanos 9, que é o próprio Deus quem prepara os homens
para a perdição (v. 22) ou para a glória (v. 23). Não há ninguém além d‟Ele que, pelo Seu Espírito,
pode convencer “o mundo do pecado, da justiça e do juízo” (Jo 16:8). Ele é completamente So-
berano sobre a salvação dos homens, nenhum deles é salvo sem a mão de Deus estar operando
em seus corações (Ez 37).
Como saber disto motiva o cristão a pregar para os perdidos? Exatamente pela deliciosa
verdade de que Deus é quem salva os homens, não eu. John Alexander, primeiro presidente da
Associação Cristã Interuniversitária, disse em uma pregação na Urban 67:
"No começo da minha carreira missionária, afirmei que, se a predestinação fosse verda-
deira, eu não poderia ser um missionário. Agora, após mais ou menos vinte anos de luta
com a dureza do coração humano, asseguro que nunca poderia ser um missionário, a
menos que eu acreditasse na doutrina da predestinação"2
João 10:16 apresenta muito bem como a Graça Soberana nos motiva a fazer missões: “Ain-
da tenho outras ovelhas, não deste aprisco; a mim me convém conduzi-las; elas ouvirão a minha
voz; então, haverá um rebanho e um pastor”. Cristo tem, certamente, outras ovelhas. Os filhos de
Deus "andam dispersos" (Jo 11:52) entre “toda tribo, língua, povo e nação" (Ap 5:9). Todos aqueles
que querem fazer missões tem uma santa confiança n‟Aquele que salva o pecador. Deus salvará,
sim, Seus Filhos. Estamos indo numa missão certa. Motive-se! Existem outras ovelhas fora do aprisco
que só precisam ouvir a mensagem do evangelho, a fim de que sejam salvas - o Bom Pastor co-
nhece as que são Suas e as chamará pelo nome. Isto me dá uma força sem igual, espero que te
motive também. John Piper comenta sobre o incentivo que este verso de João 10 traz, dizendo:
“[Um dos incentivos] desse versículo é que as ovelhas que ele chama virão com certeza.
„É preciso trazer também essas, e elas ouvirão a minha voz.‟ O que é impossível aos ho-
mens, é possível para Deus! Quando Paulo terminou de pregar na cidade de Antioquia
[da Pisídia], Lucas descreve assim os resultados: „Creram todos os que haviam sido desti-
nados para a vida eterna‟ (At 13:48). Deus tem uma pessoa em cada povo. Ele a chama-
rá com poder criador. E eles crerão! Que poder há nessas palavras para vencer o desâ-
nimo nos lugares difíceis da vanguarda!”
Acredito que a história de Peter Cameron Scott exemplifica perfeitamente como a Graça
Soberana de Deus nos motiva ao Ide. Scott nasceu em 1867, na Cidade de Glasgow. Motivado
para pregar o evangelho na África, viajou corajosamente para este continente. No entanto, sua
viagem findou em um ataque grave de malária, forçando-o a voltar para sua cidade.
Depois de se recuperar, ele resolveu voltar; desta vez, na companhia do irmão. Em pouco
tempo, o irmão de Scott morre por conta de uma febre. Mesmo só, Peter continuou motivado pa-
ra pregar o evangelho na África. Mas, pela segunda vez, sua saúde cedeu, fazendo-o retornar à
Inglaterra.
Peter Scott estava simplesmente desolado. A depressão tomou conta dele devastadora-
mente. Ele desejava pregar na África, mas onde encontrar a força para isto? Deus proveu uma
2 Citado por John Piper em: Alegrem-se os povos: a Soberania de Deus em Missões. Editora Cultura Cris-
tã. São Paulo, 2001.
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motivação santa na abadia de Westminster. Ao chegar defronte ao túmulo de David Livingstone
e ajoelhar-se para orar, leu naquela lápide: “TENHO OUTRAS OVELHAS QUE NÃO SÃO DESTE REBA-
NHO; PRECISO TRAZER TAMBÉM ESSAS”. Scott levantou-se com as esperança renovadas, voltando
à África. A missão fundada por ele é atuante no continente africano ainda hoje. Deus tem outras
ovelhas que serão salvas soberanamente por Sua maravilhosa graça – sê forte e corajoso, nosso
Deus é Soberano.
Além disso, somos motivados pelo fato de Deus proteger Seu povo do mal, a fim de cumprir
Seus supremos propósitos na evangelização. O Senhor, em Atos 18, anima Paulo em sua obra mis-
sionária, dizendo: “Não temas, mas fala, e não te cales; porque eu sou contigo, e ninguém lança-
rá mão de ti para te fazer mal, pois tenho muito povo nesta cidade” (v. 9-10). Deus motivou Paulo
a continuar pregando pelo fato de que havia muito povo d‟Ele naquela cidade – novos converti-
dos pela pregação do Apostolo (v. 8). Nosso Salvador protege seu servo a fim de que ele continu-
asse ensinando a Palavra (cumprindo completamente o Ide, vide Mateus 28 e Marcos 16) dentre
os que iam sendo salvos, como lemos: “E ficou ali um ano e seis meses, ensinando entre eles a pa-
lavra de Deus” (v. 11).
3 Exposição de Atos 1.8: Características da Evangelização Bíblica. Pode ser lido em teologiaevida.com