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ARTIGO ORIGINAL

Competências para a gestão de


Unidades Básicas de Saúde:
percepção do gestor*

COMPETENCIES TO MANAGE BASIC HEALTHCARE UNITS: MANAGER’S PERCEPTION

COMPETENCIAS PARA LA GERENCIA DE CENTROS DE SALUD:


PERCEPCIÓN DE LOS GESTORES

Adriana Maria André1, Maria Helena Trench Ciampone2

RESUMO ABSTRACT RESUMEN * Extraído da disser-


O artigo descreve uma investi- The objective of this research was El artículo describe una investi- tação "Competências
para gestão de Uni-
gação realizada para conhecer o to identify the competences profile gación hecha para conocer el perfil dades Básicas de
perfil de competências dos ges- of the healthcare Unit Manager's de competencias de los gestores Saúde: percepção do
tores de Unidades Básicas de Saú- and verify if it facility the imple- de Centros de Salud y verificar si gestor, Escola de
Enfermagem, Univer-
de (UBS) e verificar se favorecem mentation of the new clinical and esas favorecen la implementación sidade de São Paulo,
a implementação dos novos mo- managerial models proposed. de los nuevos modelos asisten- 2006.
delos assistenciais e gerenciais To understand the changes in the ciales y gerenciales. Se eligió la 1 Mestre em Enferma-
gem na área de
propostos. A modalidade pes- health care management, the au- modalidad investigación-acción, Administração em
quisa-ação foi utilizada por se thors have analyzed the social por ser un estudio social con base Serviços de Enfer-
magem pela Escola
tratar de estudo social com base transformation in their historical empírica, en la cual los investiga- de Enfermagem,
empírica, na qual os investiga- and dynamic context; the research- dores y los sujetos de la investiga- Universidade de São
dores e sujeitos do estudo intera- action methodology was chosen ción interactúan en el escenario. Paulo (EEUSP).
Assessora Técnica
giam no cenário onde foi realizado. because the authors are involved Se efectuaron entrevistas y grupo de Planejamento da
Participaram dezenove gestores cooperatively in the scenery. The focal. Participaron diecinueve Coordenadoria Regio-
de uma Supervisão Técnica de subjects of this study were nine- gestores de una Supervisión Técni- nal de Saúde Sul de
São Paulo (licenciada).
Área da Secretaria Municipal de teen managers from one of the ca de Área de la Secretaría Munici- Assessora da
Saúde de São Paulo. Foram reali- Health Technical Supervision in pal de Salud de São Paulo. Los Superintendência da
zadas entrevistas e grupo focal. Health of São Paulo City. The data temas motivadores del grupo focal Fundação Getúlio
Vargas (IDE/FGV-SP).
Os temas disparadores do grupo was gathered by individual inter- se generaron a partir del análisis São Paulo, SP, Brasil.
foram gerados pela análise das views and by means of a focus de las entrevistas, para propiciar adriana.andre@fgv.br
entrevistas visando à problema- group. Results showed that the la problematización. Fue eviden- 2 Doutora em Psicolo-
gia. Professora Titu-
tização. As evidências mostraram perceptions of current managers ciado que la percepción de los ges- lar da Escola de
que a percepção dos gestores em regarding the competences to ma- tores, al respecto de las competen- Enfermagem, Univer-
relação às competências para gerir nage a Basic Healthcare Unit cias para gestionar un Centro de sidade de São Paulo
(EEUSP). Líder do
uma UBS baseia-se em uma visão involving a simplistic view that Salud, son basadas en una visión Grupo de Estudos e
simplista que influencia direta- directly influences the implemen- simplista, influenciando directa- Pesquisas sobre
mente o modo de operacionali- tation of strategies and the dyna- mente el modo de operar las estra- Aspectos Psicos-
sociais do Ensino e
zação das estratégias e na di- mics of working teams, to becoming tegias y la dinámica de los equipos, do Gerenciamento
nâmica das equipes, dificultando processes no efficient. contribuyendo a la ineficacia de las em Saúde. Pesqui-
sadora do CNPq.
a implementação de propostas propuestas. Chefe do Departa-
mais eficazes. mento de Orientação
Profissional da Esco-
la de Enfermagem,
DESCRITORES KEY WORDS DESCRIPTORES Universidade de São
Administração de Serviços Health Services Administration. Administración de los Servicios Paulo (EEUSP). São
de Saúde. Management. de Salud. Paulo, SP, Brasil.
mhciamp@usp.br
Gerência. Professional Competence. Gerencia.
Competência profissional. Competencia profesional.

Recebido: 05/09/2007
Competências para a gestão de Unidades Básicas Rev Esc Enferm USP
Aprovado:
de 07/07/2008
Saúde: percepção do gestor
André AM, Ciampone MHT
2007; 41(Esp):835-40.
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INTRODUÇÃO Além das limitações de ordens práticas, financeiras e as
ligadas à legislação municipal, existe a subjetividade
A correlação entre os modelos de gestão dos setores permeando as relações de poder advindas da dimensão po-
públicos e privados permite verificar que nos serviços pú- lítico-partidária. A ascensão à posição de gestor de UBS não
blicos prevalecem modelos de gestão tradicionais, ancora- é decorrente de avaliação meritória, mas proveniente de in-
dos em estruturas rígidas que definem hierarquias dicação política, relações de amizade e confiança mantidas
verticalizadas e processos decisórios centralizados. com o superior hierárquico imediato ou com instâncias polí-
ticas superiores. Por exemplo, cada vez que muda o Prefeito,
Ao focarmos o setor público de saúde e, mais especifica- ocorrem indicações para cargos considerados de confiança,
mente, o papel dos gestores de Unidades Básicas de Saúde que se estendem também aos escalões técnicos no âmbito
é importante ressaltar que no nível local eles são reféns de dos serviços de saúde, gerando descontinuidade de ações
regulamentações que restringem severamente, no plano for- em função de interesses partidários e não em função de
mal, sua autonomia. Dentre outras limitações, não contam avaliações ancoradas em necessidades reais.
com orçamento próprio para gerir recursos humanos, con-
tratar, descontratar, realizar negociações salariais ou instalar REVISÃO TEÓRICO-CONCEITUAL
mecanismos de incentivo ou sanção condicionados à pro-
dução de metas quanti ou qualitativas. Os servidores Entre os estudiosos da área de Recursos Humanos, um
concursados não podem ser demitidos e, para que ocorra dos conceitos de competência que tem sido bastante utiliza-
uma simples transferência, o gestor depende da anuência de do consiste em:
instâncias de âmbito regional e central, no caso da organiza-
ção do Município de São Paulo. conjunto de conhecimentos, habilidades e ati-
tudes que afetam a maior parte do trabalho de
No caso de unidades que contam com o ...o fato de ter no uma pessoa e que se relacionam com o de-
Programa de Agentes Comunitários de Saúde mesmo local de sempenho no trabalho; a competência pode
(PACS) e o Programa de Saúde da Família (PSF) trabalho funcionários ser mensurada, quando comparada com pa-
as contratações são feitas sob o regime da drões estabelecidos e desenvolvida por meio
que exercem funções de treinamento(3).
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ou
pelas organizações Sociais de Saúde denomi- semelhantes e que
recebem salários Os conhecimentos e habilidades requeri-
nadas instituições parceiras. Isto facilita o pro- dos pelo profissional que vai assumir ou que
cesso de contratação e demissão, mas ambas diferentes gera
já assume a função de gestor são perpassa-
as ações devem ser aprovadas pelas instânci- dificuldades na gestão
dos pelas dimensões técnica, administrativa,
as superiores. Contudo, o fato de ter no mes- dos recursos política, ética e psicossocial(4).
mo local de trabalho funcionários que exer- humanos.
cem funções semelhantes e que recebem salá- Há consenso entre estudiosos da Admi-
rios diferentes gera dificuldades na gestão dos nistração, que conceitos como de gestão estratégica se apli-
recursos humanos. cam plenamente aos serviços de saúde e são fundamentais
ao processo gerencial: definição da missão, análise dos re-
Para que ocorra um eventual fechamento da Unidade, cursos, necessidades e cenários, desenvolvimento e monito-
seja para manutenção, reforma ou treinamento o gestor deve ramento dos planos de ação, elaboração de políticas para
pedir permissão à instância superior e, caso aprovado, deve conferir viabilidade aos planos e processos de avaliação con-
aguardar a publicação com antecedência no diário oficial do tínua, são alguns exemplos de instrumentos fundamentais
município. ao campo do gerenciamento(5).
Assim, qualquer iniciativa mesmo visando ao cumpri- Também há consenso de que o processo decisório en-
mento da finalidade de melhoria do serviço deve ser discuti- volve não somente a análise dos dados, dos processos, dos
da com a Supervisão Técnica de Área, com o Conselho Ges- recursos, da relação custo-benefício como também da base
tor da unidade e com a Coordenadoria Regional de Saúde(1). de suporte político que o gestor deve ter para a aprovação e
sustentação de planos de ação.
Assim, pode-se afirmar que o sistema continua referen-
dando que os gestores sofram processo de desconcentração, A produção do conhecimento na área de administração
definida como a delegação de responsabilidade sem a equi- de serviços de saúde indica que o gestor enquanto líder
valente delegação de poder decisório, transferindo-se res- deve saber trabalhar com sua equipe de maneira a desenvol-
ponsabilidades pela implementação de decisões centraliza- ver os conhecimentos e habilidades do grupo, buscando
das, porém sem a prerrogativa de poder modificá-las confor- sinergia e desenvolvimento contínuo do mesmo(4-6).
me a necessidade local(2).

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Considerando a gestão de serviços de saúde, compreen- pensável. Essa competência é definida como a capacidade
de-se o processo saúde-doença como: de reunir pessoas em torno de projetos, metas, objetivos e
processos de trabalho, obtendo resultados significativos,
a síntese de um conjunto de determinações que operam motivação do grupo e clima de trabalho favorável(8).
numa sociedade concreta, produzindo, nos diferentes gru-
pos sociais o aparecimento de riscos ou potencialidades Fica evidente que para operacionalizar um dado modelo
característicos, por sua vez manifestos na forma de per- assistencial há necessidade de desenvolver localmente um
fis ou padrões de doenças ou saúde e que a qualidade de modelo gerencial pertinente que seja capaz de favorecer as
vida a que cada grupo sócio-econômico está exposto é ações fundamentais à sustentação do processo.
diferente e, portanto, é igualmente diferente a sua exposi-
ção a processos de risco que produzem o aparecimento Isso posto, os objetivos da presente investigação con-
de doenças e formas de morte específicas, assim como sistiram em: 1) conhecer a percepção dos profissionais que
seu acesso a processos benéficos ou potencializadores exercem a gestão de Unidades Básicas de Saúde acerca de
da saúde e da vida(7).
quais são as competências necessárias à operacionalização
Cabe ressaltar que o modelo assistencial para intervir de novas práticas de gestão que privilegiem o coletivo e o
nesse processo tem dimensões políticas, administrativas e trabalho participativo; 2) problematizar se a formação e o
técnicas. Diz respeito à consecução de diretrizes da política preparo dos gestores influenciam o modo de operacio-
de saúde, que devem traduzir-se num arranjo jurídico, nalização das estratégias e a dinâmica das equipes envolvi-
organizacional e técnico direcionado aos problemas e ne- das nos serviços, tendo em vista a composição de um perfil
cessidades de saúde de uma dada realidade epidemiológica. de competências gerenciais compatíveis com os novos mo-
Assim, não é apenas um conjunto de práticas, mas inclui as delos de gestão em saúde.
concepções que as precedem e segundo as quais elas são
pensadas, operadas e organizadas. Essas práticas se orga- MÉTODO
nizam e se conformam na própria dinâmica social e política e
nos espaços possíveis dos projetos e dos interesses dos Nesse trabalho, optamos pela pesquisa-ação, uma mo-
grupos sociais, traduzindo-se no modo como o Estado e a dalidade de pesquisa social com base empírica que envol-
sociedade civil, incluindo as instituições de saúde, as orga- ve pesquisadores e sujeitos de modo cooperativo e par-
nizações de trabalhadores, as empresas que atuam no setor, ticipativo. Este tipo de orientação metodológica permite
se organizam para produzir os serviços de saúde. Assim, a o aumento do conhecimento ou do nível de consciên-
gestão do serviço de saúde legitima um conjunto de inter- cia do grupo envolvido no processo, acerca do objeto de
venções como modo operatório de um dado modelo. O mo- pesquisa (9-10).
delo de gestão empregado permite ou não transitar de um
modelo assistencial pautado na atenção médica para um Assim, a vertente metodológica adotada foi a da pes-
modelo de atenção à saúde; de um modelo tradicional quisa social, na perspectiva qualitativa, tendo como base de
(flexneriano) para um modelo de produção social da saúde, análise dos dados a dialética, pois entendemos que não se
ou seja, de um modelo clínico para um modelo epide- compreende a mudança no processo de gerenciamento da
miológico; da lógica da programação tradicional para a da assistência dos serviços de saúde, sem levar em conta o
organização tecnológica do processo de trabalho em saúde. processo histórico em seu dinamismo, provisoriedade e tran-
sitoriedade social(9).
Estudos revelaram que o sistema de saúde brasileiro
atualmente é palco da disputa e da coexistência de modelos Os sujeitos da pesquisa foram os gestores de 19 Unida-
assistenciais diversos, cujas características derivam da ten- des de Saúde de uma das Supervisões Técnicas de Área
são entre a tendência de reprodução conflitiva dos modelos da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo. Foram se-
hegemônicos ao lado daqueles que buscam transformações(5). guidas duas etapas: na primeira realizamos entrevistas e
na segunda, grupo focal. Para a entrevista foram convida-
Apoiando-se nessas considerações, o gerenciamento
dos 06 gerentes, 03 gerentes que fizeram o curso Ge-
local de saúde deve ser desenvolvido por profissional com-
renciamento de Unidades de Saúde (GERUS) ou outro cur-
petente, capaz de liderar e agregar valor aumentando o po-
so de gerenciamento e 03 gerentes que não fizeram ne-
tencial de sua equipe e conjugando esforços para utilizar
nhum curso específico na área gerencial. A partir da análi-
recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos de
se do material proveniente da transcrição das falas grava-
modo a aumentar a resolutividade do serviço na área de
das durante as entrevistas, realizamos uma leitura flutuan-
abrangência, em conformidade com o modelo assistencial
te do conjunto das comunicações que foi seguida pela
pautado na epidemiologia social.
constituição do corpus, desvelando os núcleos de sentido
Para conduzir processos de mudança nas organizações, que constituíram os temas disparadores do encontro de
dentre as competências do gestor local, a de liderança é grupo focal. Neste, consideramos que os gerentes presen-
mencionada por estudiosos da Administração, como indis- tes eram porta-vozes da problemática e percepções dos

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demais gerentes locais, viabilizando o grupo. O encontro Ao relacionarmos os conhecimentos considerados ne-
foi gravado, transcrito e realizamos a crônica a partir da cessários pelos sujeitos da pesquisa e os conhecimentos
síntese das falas e interpretação dos valores, comporta- propostos como necessários à formação de um gestor nos
mentos, conflitos e contradições que as permearam. Na cursos pertinentes à área de gestão de serviços de saúde,
análise utilizamos os conceitos estruturantes do referencial fica patente o quanto os gerentes detêm uma visão simplista
teórico como construtos norteadores da análise do materi- voltada para o objeto de suas práticas em comparação com
al empírico oriundo do grupo. um conjunto de conhecimentos específicos e mais abran-
gentes trabalhados na formação nos cursos específicos de
APRESENTAÇÃO E gestão em saúde.
ANÁLISE DOS RESULTADOS
O segundo tema relacionou-se às habilidades gerenciais
que eles julgavam que deveriam ser desenvolvidas pelo ge-
Dos dezenove gerentes da Supervisão Técnica de Área, rente a partir dos conhecimentos essenciais. As discussões
10 participaram da pesquisa, ou seja, 52,63%. Destes, 70% no grupo apontaram para: capacidade de negociação com
eram do sexo feminino e 30% do sexo masculino, sendo 40% as instâncias externas da unidade, com a hierarquia superior
médicos, 20% dentistas, 20% psicólogos, 10% fono- e com a máquina administrativa; habilidade de diálogo com
audiólogos e 10% enfermeiros. os funcionários e com a população; persistência para man-
Em relação ao preparo para exercer a gerência, 50% fizeram ter um projeto construido coletivamente mantendo clareza
o curso de Gerenciamento de Unidades de Saúde (GE-RUS), dos objetivos; manter-se atualizado tecnicamente e na sua
10% realizaram curso de gestão em outra Instituição e 40% área de atuação; ter jogo de cintura, flexibilidade para relaci-
não possuíam qualquer curso na área de gestão. Quanto ao onar-se com a população e colegas da equipe; ter controle
tempo de exercício na função, 90% ocupavam emocional e da maneira de se portar e de con-
essa posição entre 03-05 anos, 10% assumiram duzir; ter habilidade para lidar com dados e
há menos de 01 ano e somente 20% possuíam
O conjunto de atitudes interpretá-los e paciência.
experiência em gestão em outro serviço, que elencadas como
importantes ao Em relação às habilidades, apesar de o fa-
não na Secretaria Municipal de Saúde. Quanto
zerem de maneira intuitiva sem ancoragem nos
aos cursos de pós-graduação, 90% informaram exercício da posição
conhecimentos essenciais, muitas das citadas
ter realizado cursos nas suas áreas técnicas es- de gestor mostra-se
coincidiam com o referencial teórico utilizado
pecíficas e 10% que nunca realizaram qualquer coerente com o perfil
como base neste estudo que aponta quais ha-
curso de pós-graduação. de competências bilidades devem estar presentes no perfil de
O primeiro tema emergente das entrevistas apontado pela competências do gestor(3,11-12). No entanto,
referiu-se aos conhecimentos gerenciais que literatura... ressaltamos que habilidades devem ser de-
os sujeitos julgavam ne-cessários ao gestor senvolvidas pela mobilização de conhecimen-
de Unidade Básica de Saúde para desempenhar o seu papel tos adquiridos.
de maneira eficiente e eficaz. As percepções revelaram que
estes deveriam conhecer: as propostas do SUS, a máquina O terceiro tema discutido no grupo foi que atitudes de-
administrativa, a população, a Unidade, o pessoal, a dinâmi- vem permear as competências do gestor. Os resultados fo-
ca das relações humanas, o potencial de cada funcionário e ram: ser mais democrático; conseguir ouvir, conviver e su-
como trabalhar a interse-torialidade. Destacaram a necessi- portar o conflito; não ser muito personalista mas capaz de se
dade de ter compromisso com a proposta da atenção básica; preservar; ser claro para falar e saber ouvir o lado do funci-
ter participado das propostas ou estar consciente das metas onário; ter equilíbrio, bom senso e credibilidade; manter pro-
e prioridades da região e do município. ximidade com a população; não ser ditador pois democracia
propicia crescimento e fortalecimento; ser exemplo manten-
Comparando esses conhecimentos gerenciais consi- do atitude respeitosa e coerente; ser pró-ativo e estimular
derados pelo grupo com os conhecimentos gerenciais abor- isso na equipe; ser imparcial e justo; ser humilde; ser obser-
dados nos cursos de gestão das mais importantes Univer- vador e interferir menos.
sidades do país, verificamos que nos cursos os conheci-
mentos básicos para fundamentação teórica do gestor con- O conjunto de atitudes elencadas como importantes ao
vergem para os seguintes temas: estatística, economia, exercício da posição de gestor mostra-se coerente com o
epidemiologia, sociologia, tecnologia da informação, teoria perfil de competências apontado pela literatura que subsi-
geral da administração, psicologia, legislação em saúde, dia as competências gerenciais ressaltando-se que essas
políticas de saúde e outros que propiciam a instrumentali- devem ser compostas a partir do contexto do comportamen-
zação mais específica como: administração financeira, con- to organizacional que representa o conjunto de valores éti-
tabilidade, administração de recursos humanos, logística, cos, morais e sociais aceitos pelo grupo de atores que parti-
administração de recursos físicos e materiais. cipam dos processos da instituição(11-18).

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CONCLUSÕES Verificamos também que existe uma distância muito gran-
de entre o que os gestores acreditam ser os conhecimentos
Resgatando alguns elementos do construto teórico que gerenciais necessários a um gestor de Unidade Básica de
dá sustentação ao presente estudo destacamos pesqui- Saúde e aqueles considerados conteúdos programáticos
sas sobre gestão e cultura organizacional na administra- essenciais e que são desenvolvidos nos cursos de gestão
ção pública brasileira, que mostram que 70% dos gestores em saúde. Outro aspecto verificado foi que independente
são centrados em tarefas, 23% em pessoas e apenas 7% em de ter ou não participado de curso de capacitação em ges-
tarefas e pessoas, demonstrando falta de atenção ao sis- tão, as rotinas do dia-a-dia dos gestores estudados pouco
tema social, que deve ser pano de fundo de todos os pro- se modificaram. Uma hipótese formulada diz respeito ao fato
da lógica política predominar em relação à lógica técnica que
cessos organizacionais(10). Estudos apontam que os gesto-
opera a condução de mudanças tanto assistenciais como
res considerados mais eficazes passam a maior parte do tem-
gerenciais no sistema público.
po administrando pessoas e tomando decisões com relação
a elas e que, hoje em dia, o investimento no capital huma- O sistema ainda é regido predominantemente por princí-
no e nas relações é o aspecto mais valorizado para atingir pios administrativos que se assemelham aos tradicionais e
resultados(15-17). ultrapassados, devido à rigidez da mediação que deve ser
mantida entre interlocutores interessados em diferentes pro-
No contraponto, pesquisas apontam que as estruturas jetos. Tal fato acarreta planejamentos e direcionamentos di-
da administração pública conduzem à beira do caos devido ferentes a serem implementados ao mesmo tempo pelos agen-
a: lentidão dos processos decisórios; falta de delegação de tes da gerência no nível do meio com seus interlocutores,
poder; objetivos definidos no nível gerencial e que não são gerentes e agentes que atuam nos loci das práticas e que
compartilhados com as chefias intermediárias e executores; enfrentam as agruras de não poderem planejar as ações,
falta de capacidade de análise de situações em relação aos passando o tempo todo improvisando e apagando incên-
ambientes interno e externo; falta de plano de carreiras; prá- dios, como referem os próprios sujeitos da pesquisa.
ticas de controle inadequadas ou inexistentes e a presença
da organização informal como antagonista à formal(15-16). Isso, aliado ao desconhecimento do gerenciamento do tem-
po e do estresse, do gerenciamento de conflitos, do geren-
Essas pesquisas referendam que algumas tentativas de ciamento das mudanças e da falta de planejamento estraté-
inovação gerencial na administração pública não contri- gico participativo com direcionamento uniforme, leva a refe-
buíram para reestruturar a organização do trabalho e não rendar resultados obtidos em outras pesquisas que defen-
propiciaram a incorporação das concepções de qualidade dem que a demanda pela descrição de um perfil gerencial e
dos sujeitos envolvidos nem alteraram as relações de poder pela capacitação devem vir juntos com novas práticas de
existentes entre gerentes, funcionários e usuários. Porém organização do trabalho(18).
verificou-se que as atitudes dos gerentes frente à inovação
influenciaram as atitudes dos seus subordinados e que o Não se pode deixar de mencionar que há necessidade de
modelo de administração burocrática em vigor em muitas redesenhar os macroprocessos e de entender que novas
instituições públicas é ainda de cunho patrimonialista, com competências devem ser desenvolvidas para que haja con-
o objetivo dominante de conquistar e manter espaços de dições de melhorar os serviços prestados à população no
poder(16-17). serviço público, especificamente nas Unidades Básicas de
Saúde.
Tomando por base os estudos citados e os resultados
Quanto aos estudos que elencam as competências ge-
da presente investigação se pode concluir que o gestor
renciais, é possível apreender algumas que são de consen-
despreparado para tal é hoje um dos nós críticos do serviço
so entre os autores(2-3,11-12,18) que se dedicam nacional e in-
público, pois propicia discrepâncias quanto à liderança ne-
ternacionalmente ao estudo do tema como: visão global
cessária para conduzir processos de mudança e executar
(sistêmica e de longo prazo); comunicação eficaz; negocia-
políticas de saúde, levando à manutenção de projetos que
ção e gerenciamento de conflitos; gerenciamento de mu-
devem ser superados. É o que acontece nas diversas unida- danças; gerenciamento do tempo e do estresse; uso do pro-
des pesquisadas. Assinala-se que construir competências cesso decisório participativo; gestão de planos, ações e re-
para a gestão de Unidades Básicas de Saúde ainda é muito sultados; pensamento criativo; fomento de um ambiente
mais um projeto individual do gestor de buscar capacitação produtivo de trabalho; ter responsabilidade ética e social,
ou não do que uma política de recursos humanos do Estado saber responsabilizar-se e comprometer-se.
ou Município que valorize esse desenvolvimento como es-
sencial. Observa-se pelos resultados do presente estudo, Conhecer o perfil de competências dos atuais gestores
que aqueles que mais precisariam desenvolver competênci- de UBS de uma área tomada como amostra da SMS-SP per-
as gerenciais são os que menos percebem ou valorizam essa mitiu concluir que as competências deles não favorecem a
necessidade. implementação dos novos modelos assistenciais e gerenciais

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que incluem estratégias que lhe são inerentes, tendo em despreparo do gestor influencia diretamente o modo de ope-
vista que não se percebem e nem são reconhecidos pelo seu racionalização das estratégias e a dinâmica das equipes en-
grupo de referência como líderança. volvidas nos serviços podendo levar à ineficácia e inefici-
ência dos processos.
Os dados mostraram que a percepção dos atuais geren-
tes, em relação às competências para gerir as UBS, tende a Com isso, apesar da limitação referente ao fato do cená-
uma visão simplista e que existe despreparo desses agen- rio ter mostrado apenas uma pequena parte da complexida-
tes para assumirem a posição. Assim sendo, defendemos de e da diversidade das situações inerentes a um Município
que para haver a ascensão de profissionais à posição de de porte gigantesco como São Paulo, consideramos que os
gestor de uma Unidade Básica de Saúde ou a quaisquer resultados dessa investigação possam subsidiar políticas
serviços de saúde deveria ser instituído um sistema de de recursos humanos que validem um perfil de competênci-
avaliação de competências e certificação de formação pro- as gerenciais que seja mais favorável à consolidação de no-
fissional meritória, na qual cursos específicos de Gestão vos modelos de gestão em saúde em consonância com os
em Saúde fossem pré-requisitos. Isto porque se sabe que o novos modelos assistenciais almejados.

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