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Pietro Ubaldi

I – PARTE II – PARTE

III – PARTE
A LEI DE DEUS
PREFÁCIO .................................................................................................................................................................. 1
I. Novos Caminhos ...................................................................................................................................................... 2
II. Separatismo Religioso ............................................................................................................................................ 3
III. O Problema do Destino ........................................................................................................................................ 5
IV. Em Harmonia com A Lei ..................................................................................................................................... 7
V. A Infalibilidade da Lei ........................................................................................................................................... 8
VI. A Justiça da Lei................................................................................................................................................... 10
VII. Mudança de Planos ........................................................................................................................................... 12
VIII. A Transitoriedade do Mal e da Dor ............................................................................................................... 13
IX. Das Trevas À Luz ............................................................................................................................................... 15
X. Aparências e Realidades ...................................................................................................................................... 17
XI. O Extraordinário Poder da Vontade ................................................................................................................ 18
XII. O Edifício da Evolução ..................................................................................................................................... 20
XIII. O Funcionamento da Lei ................................................................................................................................. 22
XIV. Escola da Vida .................................................................................................................................................. 23
XV. Em Busca da Felicidade .................................................................................................................................... 25
XVI. Do Separatismo À União ................................................................................................................................. 27
XVII. A Realidade dos Instintos .............................................................................................................................. 29
XVIII. A Musicalidade da Lei .................................................................................................................................. 31
XIX. O Fracasso da Astúcia ..................................................................................................................................... 33
XX. A Justiça da Lei ................................................................................................................................................. 35
XXI. O Evangelho e O Mundo ................................................................................................................................. 36
XXII. A Impecável Justiça da Lei ............................................................................................................................ 38
XXIII. A Conquista do Poder e A Justiça Social .................................................................................................... 40
XXIV. A Lei Aplicada À História ............................................................................................................................ 41
XXV. Evolução da História ..................................................................................................................................... 43

QUEDA E SALVAÇÃO
PREFÁCIO ................................................................................................................................................................ 51
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................................................... 52
O PROBLEMA DO CONHECIMENTO ............................................................................................................... 52
I. Esquema Gráfico: Involução – Evolução............................................................................................................. 57
II. A Sabedoria da Lei............................................................................................................................................... 62
III. A Ética Universal ................................................................................................................................................ 67
IV. Negatividade e Positividade ............................................................................................................................... 71
V. Princípios de Uma Nova Ética ............................................................................................................................. 78
VI. O Erro e Sua Correção ....................................................................................................................................... 84
VII. Mecanismo da Correção do Erro ..................................................................................................................... 88
VIII. Evoluído e Involuído ........................................................................................................................................ 94
IX. Determinismo da Lei .......................................................................................................................................... 97
X. Dinâmica do Processo Evolutivo ....................................................................................................................... 102
XI. Impulsos da Evolução ....................................................................................................................................... 108
XII. O Fenômeno Queda - Salvação ...................................................................................................................... 115
XIII. Uma Etica Progressiva .................................................................................................................................. 119
XIV. Níveis Evolutivos e Tipos Biológicos ............................................................................................................ 126
XV. Técnica do Fenômeno da Redencão ............................................................................................................... 132
XVI. Ajuda de Deus e Missão................................................................................................................................. 138
XVII. As Estratégias do Bem e do Mal.................................................................................................................. 142
XVIII. Conceito de Morte para O Evoluido e O Involuído ................................................................................ 146
A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS
P R E F Á C I O .................................................................................................................................................................. 153
I. Verdades e Morais Relativas.......................................................................................................................................... 153
II. A Posição do Homem Espiritual Diante das Religiões de Massa. A Religião Unitária e Científica do Futuro ..... 155
III. A Atual Fase Evolutiva da Sociedade Humana ........................................................................................................ 157
IV. Um Mais Avançado Conceito de Deus e da Vida ..................................................................................................... 161
V. Arremesso e Correção da Trajetória da Vida. A Terapia dos Destinos Errados..................................................... 163
VI. As Três Fases do Ciclo da Redenção .......................................................................................................................... 165
VII. A Técnica Funcional do Destino. A Futorologia e A Racional Planificação da Vida .......................................... 171
VIII. A Nova Moral e A Técnica da Salvação .................................................................................................................. 176
IX. A Resistência À Lei e Suas Conseqüências ................................................................................................................ 186
X. O Problema do Karma e A Justiça de Deus ................................................................................................................ 188
XI. A Função da Bondade e do Amor de Cristo Diante da Rígida Justiça da Lei do Pai ............................................ 190
XII. O Homem Diante da Lei ............................................................................................................................................ 194
XIII. A Inteligência do Diabo ............................................................................................................................................ 198
XIV. O Conceito de Criação .............................................................................................................................................. 199
XV. As Conquistas Espirituais do Novo Homem do Futuro.......................................................................................... 202
CONCLUSÃO .................................................................................................................................................................... 206

PENSAMENTOS
PRIMEIRA PARTE – COMO ORIENTAR A PRÓPRIA VIDA ................................................................................... 209
INTRODUÇÃO – ORIENTAÇÃO ................................................................................................................................... 209
I. O Princípio de Retidão ................................................................................................................................................... 211
II. A Lei do Retorno ........................................................................................................................................................... 212
III. Um Novo Estilo de Vida. O Método do Respeito Recíproco ................................................................................... 213
IV. Um Novo Tipo de Moral .............................................................................................................................................. 216
V. As Posições do Indivíduo Perante A Lei ...................................................................................................................... 218
VI. Análise das Forças da Personalidade e O Conhecimento do Futuro. O Fim das Guerras. ................................... 220
VII. O Futuro Estado Orgânico Unitário da Humanidade ............................................................................................. 222
VIII. Por Que Se Vive. As Trajetórias Erradas e A Técnica de Sua Correção ............................................................ 223
IX. O Problema da Delinquência ...................................................................................................................................... 225
X. A Fabricação do Técnico, do Produto e do Consumidor .......................................................................................... 227
CONCLUSÃO .................................................................................................................................................................... 230

SEGUNDA PARTE – ANÁLISE DE CASOS VERÍDICOS .......................................................................................... 233


INTRODUÇÃO – ORIENTAÇÃO ................................................................................................................................... 233
I. Diálogo Com As Leis da Vida ........................................................................................................................................ 235
II. A Nova Ética .................................................................................................................................................................. 237
III. A Técnica do Fenômeno .............................................................................................................................................. 239
IV. Primeiro Caso ............................................................................................................................................................... 241
V. Segundo Caso ................................................................................................................................................................. 247
VI. Terceiro Caso ............................................................................................................................................................... 248
VII. Quarto Caso ................................................................................................................................................................ 250
VIII. Quinto, Sexto e Sétimo Caso .................................................................................................................................... 252
IX. O Novo Tipo de Exame de Consciência ...................................................................................................................... 255
X. Como Fazer Um Novo Exame de Consciência ........................................................................................................... 258
CONCLUSÃO .................................................................................................................................................................... 261

Vida e Obra de Pietro Ubaldi (Sinopse)...............................................................................................página de fundo


Pietro Ubaldi A LEI DE DEUS 1
A velha linguagem continua sendo repetida. Mas todos estão
A LEI DE DEUS acostumados a ouvi-la e não reparam mais. O mundo progrediu
e se tornou diferente. Parece que, nos milênios da sua vida reli-
giosa, em vez de ser transformado pelas religiões ao realizar os
PREFÁCIO princípios delas, ele as transformou para suas comodidades. Em
vez de aprender a viver nas regras da Lei, aprendeu a arte de
Os capítulos deste livro constituem uma série de vinte e qua- evadir-se delas, a astúcia das escapatórias para enganar o próxi-
tro palestras, proferidas na Rádio Cultura São Vicente, todos os mo e até mesmo, se fosse possível, Deus. Então, se os velhos
domingos, no período de 17 de agosto de 1958 a 8 de fevereiro sistemas não adiantam mais e se este é o resultado deles, por que
de 1959, tendo por isso, algumas vezes, o caráter de conversa. não usar hoje outra linguagem, que seja mais bem compreendi-
Ao mesmo tempo, elas foram publicadas no jornal O Diário, de da? Por que não se apoiar sobre outros impulsos e movimentar
Santos. Apresentamos agora, aqui reunidas, essas palestras. Elas outras alavancas, às quais o homem possa melhor obedecer? Por
continuam desenvolvendo sempre mais os conceitos expostos que não ver a vida no seu sentido utilitário, oferecendo também
em nossos dois livros: A Grande Batalha e Evolução e Evange- vantagens, quando se pede virtudes e sacrifícios?
lho, da segunda trilogia de nossa segunda Obra, de 12 volumes Foi por isso que nasceram estas palestras. Com os nossos
como a primeira. Trata-se sempre do estudo da lei de Deus, para livros: A Grande Síntese, Deus e Universo e O Sistema, tínha-
que saibamos, realmente, como orientar a nossa própria vida. mos atingido uma visão bastante completa da estrutura orgâni-
No livro O Sistema (Gênese e Estrutura do Universo), fo- ca do universo. Tratava-se, então, apenas de deduzir destes
ram apresentadas as teorias básicas da formação e do funcio- princípios gerais as suas consequências práticas, colocando-os
namento do universo. Nos dois referidos livros, A Grande Bata- em contato com a realidade da nossa vida e verificando se eles
lha e Evolução e Evangelho, entramos no terreno prático das permanecem verdadeiros também nos pormenores do caso par-
consequências e aplicações dessas teorias, efetuando o controle ticular. Deste modo, o problema da conduta humana foi en-
racional e experimental da sua verdade. Tivemos, por isso, de frentado de uma forma diversa, isto é, em sentido racional e
enfrentar o problema da conduta humana no campo da ética, as- positivo, tornando-se – tal como os da ciência – logicamente
sunto do presente volume (A Lei de Deus) e do que se lhe se- demonstrável e experimentalmente controlável, apoiado nos
guirá (Queda e Salvação). Mas há uma diferença entre os dois. fatos que todos vemos, e encontrando assim a sua explicação.
O primeiro, este que temos em mãos, trata o assunto de um Foi possível deste modo chegar a uma ética universal, que,
modo geral, com uma linguagem fácil, acessível, adaptada a pa- sendo independente de qualquer religião particular, é absolu-
lestras pelo rádio. O segundo, Queda e Salvação, considera o tamente – como são a matemática e a ciência em geral – im-
mesmo assunto da conduta humana e da ética, mas de maneira parcial e verdadeira para todos, porque faz parte da grande lei
diferente, penetrando em profundidade os problemas, atingindo que rege tudo, escrita no pensamento de Deus, podendo ser
os pormenores, provando as teorias com demonstrações racio- vista realizada nos fatos. Chegamos assim, nestas palestras, a
nais e colocando-as em contato com a realidade dos fatos. Por uma orientação que sai do terreno empírico das religiões para
isso esse segundo livro voltará a falar de temas que, no primei- entrar no terreno positivo da ciência, e isto justifica a nossa
ro, foram esboçados apenas superficialmente e tratados com conclusão de que elas têm de ser ponderadas por toda mente
linguagem diferente, em função de outros ângulos. Podemos que queira e saiba raciocinar e, por isso, aceita sua demonstra-
afirmar isto porque o plano desse segundo livro já está se apro- ção, como a de um teorema de matemática.
ximando de nossa mente e, desde agora, vemos os liames que A novidade e importância deste ponto de vista, sustentado
unem os dois volumes no mesmo motivo fundamental de ética. nestas palestras, baseia-se nos seguintes fatos:
O aspecto em função do qual encara-se este problema no pre- 1) Trata-se de uma ética universal, que diz respeito à vida e
sente livro é o homem, como cidadão do seu mundo terreno. permanece verdadeira em todas as suas formas, ao atingirem
Por outro lado, a perspectiva sob a qual será tratado o mesmo um dado nível de evolução, em qualquer corpo celeste do uni-
problema no livro Queda e Salvação é o pensamento de Deus, verso. Por isso, ficando acima de todos os pontos de vista par-
que, através de Sua lei, dirige o ser para a sua salvação final. ticulares e relativos, esta ética resulta absolutamente imparcial
No primeiro caso, a ética é concebida olhando-se para a Terra; a respeito das divisões humanas, porque é completamente in-
no segundo, olhando-se para o Céu. dependente delas.
Até agora, o problema da nossa conduta foi enfrentado empi- 2) Trata-se de uma ética positiva, baseada em fatos, como é
ricamente pelas religiões, que se encarregaram disto. Porém as a ciência, constituindo nada mais senão um capítulo da Lei, que
soluções oferecidas por elas se baseiam em princípios teóricos rege tudo e que é estudada pela ciência em seus outros aspectos.
axiomáticos, não demonstrados, representando na realidade, Ética de efeitos calculáveis, determinística, baseada em princí-
muitas vezes, apenas o resultado de ilusões psicológicas não pios absolutos, sem escapatórias, a exemplo da lei da gravitação
controladas, ainda não comprovadas, cegamente aceitas, produto e das leis do mundo físico, químico, biológico, matemático etc.
do desabafo de instintos e impulsos do subconsciente. No entan- 3) Trata-se de uma ética utilitária e praticável, concorde
to a forma mental moderna tornou-se mais culta e astuta, que- com o princípio fundamental da Lei: a justiça, que é também o
rendo, por isso, olhar atrás dos bastidores da fé, para ver o que anseio do ser, e esta justiça exige que o sacrifício da obediên-
há de positivo, tanto mais porque aquela fé implica em uma vida cia à Lei e o esforço para evoluir encontrem a sua recompensa.
dura de virtude e sacrifício. O temor genérico de uma penalidade Ética correspondente ao instinto fundamental do ser, que é fu-
e a esperança de um ganho, sem saber onde e como, nos céus gir do sofrimento e chegar à felicidade. Por isso vem a ser uma
que começam a ser explorados e percorridos de verdade pela ci- ética capaz de ser entendida e aceita, pois satisfaz à forma
ência, não convencem mais as consciências insatisfeitas. Agora mental do homem moderno.
que se aproxima o fim da civilização europeia, encontramo-nos 4) Trata-se de uma ética racional, logicamente demonstrada,
nas mesmas condições do fim do Império Romano, quando nin- que se sustenta não porque se baseia na fé cega, no princípio de
guém acreditava mais nos deuses. Como, então, ficará de pé a autoridade ou no terror de castigos arbitrários e obscuros, mas
forma, esvaziada da substância? No meio de tantas religiões, an- porque convence quem saiba pensar. Uma ética que não admite
tes de tudo preocupadas em combater umas às outras, para con- enganos, porque nela se pode ver tudo com clareza, na perfei-
servar e aumentar o seu império espiritual, o mundo fica subs- ção e na bondade das regras, às quais devemos obedecer até às
tancialmente materialista, apegado sobretudo aos seus negócios. últimas consequências de cada ato nosso.
2 A LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
5) Esta ética resulta de um sistema filosófico-científico uni- maneira a ser compreendida. Procurarei fazer com que estas
versal, que abrange e explica tudo do princípio ao fim, sistema conversas se prolonguem o mais possível, a fim de chegar, se
do qual ela representa um aspecto controlável nas suas conse- porventura já não tenha sido alcançada, a uma comunhão de
quências práticas da vida comum. Estas conclusões se baseiam pensamento mais completa, a uma união de mente e coração,
no valioso apoio de teorias positivas gerais, que as sustentam, que constitua uma ponte através da qual eu possa dar tudo de
orientando-nos também a respeito de tantos outros fenômenos, mim mesmo, doando tudo aquilo que consegui compreender e
dos quais estas teorias oferecem uma interpretação lógica. realizar na minha longa experiência, numa vida de tempesta-
6) Esta ética pode ser submetida a um controle experimental des e introspecção profunda. A dor constrangeu-me a apren-
no laboratório da vida, com o mesmo método positivo da expe- der a superá-la, para fugir dela ou, pelo menos, domesticá-la.
rimentação utilizado pela ciência para controlar a verdade das Neste nosso mundo, são muitos os que sofrem, e ensiná-los
outras leis que vai descobrindo. E, juntas, todas estas leis, ao como amansar a dor é obra de caridade. Procuraremos tam-
lado desta ética, constituem a grande lei que rege o todo. bém satisfazer a sede de conhecimento que se encontra ani-
7) De fato, estas conclusões foram submetidas por nós, que nhada no fundo de cada alma. Tudo isto quero comunicar aos
as estudamos em nossa própria vida e na alheia por meio sécu- amigos, que serão meus herdeiros.
lo, a controle experimental, o qual as confirmou plenamente. E Dizem que meus livros são difíceis demais, mas eles não
muitas testemunhas viram os fatos que aconteceram. constituem todo o meu trabalho. Eis que é chegado o momento
8) Trata-se de uma ética que não diz coisa nova, mas apenas da realização desta outra parte do trabalho, na qual minha tarefa
repete com outras palavras o que já foi dito pelo Evangelho e é traduzir as teorias difíceis em palavras simples, repetindo e es-
pelas religiões mais adiantadas que o mundo possui. Apenas clarecendo tudo numa forma diferente, acessível a todos, sem as
quisemos dar de tudo isto a demonstração lógica e a prova expe- complicações da ciência, sem as dificuldades da alta cultura,
rimental, explicando com outras palavras a necessidade de tomar conservando-nos apegados à substância, mas simplificando o
a sério e viver o que, há milênios, está sendo repetido ao mundo. que é mais complexo, aproximando-nos da realidade do nosso
9) Esta ética não somente nos orienta no imenso mundo mundo, melhor compreendida por todos, porque a vivemos em
fenomênico em que vivemos, dirigindo com conhecimento a nossa vida de cada dia. As grandes teorias do universo serão
nossa conduta, mas também explica o que está acontecendo, descritas de outra forma. Esta nova exposição daquelas mesmas
dando a razão dos fatos que nos cercam e justificando-os logi- teorias terá a vantagem de confirmá-las, em virtude de estar em
camente, quando não desejamos aceitá-los, como no caso do contato mais direto com os fatos. Desta maneira, elas se tornarão
sofrimento. Respondendo às nossas perguntas e oferecendo acessíveis sem a necessidade de esforço mental, que nem todos
uma solução razoável aos problemas da nossa vida, esta ética podem fazer, e de cultura, que nem todos possuem. Assim, estas
ilumina o caminho que temos a percorrer, para que possamos verdades poderão ser compreendidas e utilizadas por um número
vê-lo e avançar por ele, mas não de olhos fechados, e sim com cada vez maior de pessoas que desejem ser beneficiadas e preci-
as vantagens oferecidas pelo conhecimento da Lei e a certeza sem de orientação, a fim de melhor se dirigirem na vida.
da sua justiça e bondade. Para que não haja qualquer mal-entendido, desejamos
10) Esta ética responde a uma necessidade do momento his- afirmar, logo de começo, que a nossa finalidade é só fazer o
tórico atual. O céu, contemplado, admirado e venerado na Terra, bem. Queremos fazer isto, oferecendo o fruto do nosso pen-
sempre de longe, como sonho praticamente irrealizável, não pode samento e da nossa experiência, para que os amigos possam
ser apenas teoria vivida por poucas exceções, mas deve descer e deste conhecimento tirar para si próprios a maior utilidade,
realizar-se entre nós. Seria absurdo que os grandes ideais existis- que é a utilidade espiritual, a base da material, porque não se
sem para nada, como o homem preguiçoso preferiria. Apesar da pode isolar uma da outra.
sua indiferença, ele não pode paralisar as forças da evolução na Nossa tentativa não se destina a impor ideia alguma ou a
realização do seu objetivo fundamental, que é o progresso. fazer prosélitos. É apenas uma oferta livre, que não obriga nin-
Com o desenvolvimento da inteligência e o aumento do guém a aceitá-la. Quem estiver convencido de possuir outra
conhecimento, vai aparecer também no terreno da ciência po- verdade melhor e estiver satisfeito com ela, que não a abando-
sitiva a verdadeira concepção de Deus e da Sua lei. Então ela ne. Quem não gostar de pesquisas no terreno dos inúmeros
sairá das formas das religiões particulares em luta entre si, da mistérios que nos cercam de todos os lados, quem não quiser
clausura das igrejas, do exclusivismo dos seus representantes, incomodar-se com o trabalho de aprofundar o seu conhecimen-
e o homem, mais consciente, perceberá a grande realidade que to, enriquecendo-o com novos aspectos da verdade, fique tran-
é Deus, colocando-se finalmente, para o seu bem, na obediên- quilo na sua posição. Não desejamos perturbar ninguém; não
cia à ordem da Lei. andamos em busca de seguidores, a fim de conquistar domínio
na Terra; não somos rivais de ninguém neste campo. O nosso
São Vicente, Páscoa de 1959. único interesse é a pesquisa para atingir o saber. Este, e só es-
te, é o nosso objetivo, que não visa absolutamente conquistar
I. NOVOS CAMINHOS qualquer poder neste mundo.
Permanecemos, por isso, com o maior respeito por todas as
Plano e método de trabalho. verdades que o homem possui e pelos grupos que as represen-
tam. Respeitamos os campos já conhecidos, embora sigamos
Na véspera do meu septuagésimo segundo aniversário, aqui por nossa conta, explorando novos continentes. Respeitamos
em Santos, onde desembarquei, vindo da Itália, há quase seis as verdades já conquistadas, embora procuremos ver mais lon-
anos, em dezembro de 1952, começo esta primeira série de rá- ge. Respeitamos todas as religiões e doutrinas, sem pretender
dio-palestras, a fim de poder chegar a um contato mais próximo de maneira nenhuma destruí-las ou superá-las, a fim de substi-
com os meus amigos. Até agora, este contato se realizou por in- tuí-las por outras. Ensinaremos sempre o maior respeito pela fé
termédio da palavra escrita, através dos meus livros. Hoje ele se e pela filosofia dos outros.
realiza também de viva voz, o que torna mais real e mais atual O nosso lema é que o homem civilizado jamais agride o
o contato com o ouvinte, resultando em uma aproximação mai- seu próximo, assim como um ser evoluído nunca entra em
or do que aquela obtida pelos escritos dirigidos ao leitor. polêmicas. Isto significa que, para nós, quem agride o próxi-
Entro assim numa fase nova do meu trabalho, na qual me mo não é civilizado e aquele que entra em polêmicas, para
aproximarei do povo com uma linguagem mais simples, de impor à força as suas ideias aos outros, ainda não é evoluído.
Pietro Ubaldi A LEI DE DEUS 3
Não quer dizer que ele seja mau, mas simplesmente que está O mundo atual parece que está se tornando cada vez pior.
atrasado no caminho da evolução, fato comprovado pelo uso Mas Deus pôs limites à liberdade do homem. Desse modo, es-
de métodos que o aproximam mais da fera. O método utiliza- te não tem o poder de parar o funcionamento da Lei, que tudo
do revela a sua própria natureza e o nível de vida a que per- rege. O mundo pode ser conduzido ao desmoronamento e ao
tence. Mais adiante explicaremos isto melhor. “Dize-me co- fracasso, mas o prejuízo é somente para quem levá-lo a seguir
mo lutas e dir-te-ei quem és”. tal caminho. A lei de Deus permanece imutável. Isto quer di-
Tranquilizem-se, assim, aqueles que supõem esteja eu fa- zer que, no meio de tantos crimes e injustiças, a justiça de
zendo campanhas contra alguém. Isso significaria retroceder Deus fica de pé, e os que fracassarem serão os piores. Mas,
milhares de anos no caminho da evolução. Proceder assim se- para os justos, para os honestos, que não mereceram a reação
ria sintonizar com forças negativas de destruição. E veremos da Lei, fica em sua defesa a justiça de Deus. Perante Ele, cada
que, entre tantas leis que dirigem o mundo, existe uma segun- um fica sozinho com o seu destino, para colher o que semeou
do a qual quem destrói acaba destruindo a si mesmo, quem e receber o que mereceu.
agride o próximo agride a si mesmo, quem faz o mal o faz an- Veremos o que significa destino, procurando penetrar o se-
tes de tudo a si mesmo. Veremos a maravilhosa justiça de gredo da nossa vida através do conhecimento das leis que a re-
Deus sempre presente em ação, inclusive neste mundo de in- gem. Muita coisa teremos de ver juntos. Nesta primeira palestra
justiça. Veremos que a ciência e a lógica não estão contra a fé. não é possível tocar senão em alguns assuntos gerais. Mas,
Os poderes do intelecto nos foram dados por Deus para com- pouco a pouco, entraremos cada vez mais nos problemas da vi-
preender e demonstrar a verdade com provas reais, pois que a da, que temos de resolver, e nas perguntas que surgem em nos-
fé pode apenas vislumbrá-la. sa mente, às quais é necessário responder. Eis a conclusão que
Veremos, provenientes de planos de vida mais elevados, podemos antecipar: Deus vem ao nosso encontro de braços
muitas coisas boas e maravilhosas, que, se quisermos, podemos abertos, com uma lei de bondade e de justiça, e podemos rece-
atrair à Terra. ber felicidade, quando a tivermos merecido, por termos semea-
Maravilhosa descida de sabedoria e de bondade, através de do bondade e justiça. Há um caminho para chegar à felicidade,
que se manifesta entre os homens a presença de Deus! Procu- mas se o homem não quer segui-lo, a culpa e as justas conse-
raremos aprender a arte de viver em paz e no respeito ao pró- quências não podem ser senão dele mesmo. Devido à escassez
ximo, o que constitui a base de uma feliz convivência social.
do tempo, não podemos prosseguir hoje, mas continuaremos
As longínquas teorias dos nossos livros descerão do mundo
depois. Irá, assim, realizar-se um colóquio entre as nossas al-
das abstrações, até a sua aplicação se tornar prática, podendo
mas, até chegarmos a um abraço de compreensão e alegria para
assim conferir frutos reais a quem o desejar. Não prometemos
mim, por tornar-me útil ao próximo, para que os ouvintes pos-
poderes mágicos nem felicidade fácil, mas seremos nós mes-
sam desfrutar das vantagens de compreenderem melhor a vida
mos que nos colocaremos, juntamente com tudo o mais, den-
e, consequentemente, semearem para si menos sofrimentos.
tro de uma visão da vida clara, singela e positiva, constituída
Procurarei falar de alma para alma, a cada um, como em segre-
pela lei de Deus, a qual pode ser dura quando o merecemos,
do ao ouvido, a fim de esclarecer os vossos problemas, focali-
mas é sempre boa e justa. Devemos compreender, finalmente,
como está feita e como funciona esta grande máquina do uni- zando-os diretamente, para confortar os que sofrem, orientar os
verso, construída e movimentada por Deus, dentro da qual vi- que duvidam, pacificar os revoltados, encaminhar para Deus os
vemos e de que somos parte. Ela é a nossa casa, onde mora- desviados, dar uma fé e uma esperança aos descrentes. Para nos
mos, sem no entanto a conhecermos. libertarmos da disciplina da Lei, de nada vale dizer que Deus
Movimentando-nos acertadamente, evitaremos o sofrimen- não existe: Ele permanece existindo; de nada vale negar a Sua
to, que é a campainha de alarme que nos avisa quando comete- lei: ela continua funcionando; de nada vale escondermo-nos nas
mos um erro, que deve ser corrigido para voltarmos à harmonia trevas: a luz persiste resplandecendo no Alto. Estamos vivendo
na ordem da Lei. Enquanto não regressarmos àquela harmonia, dentro desta lei viva, da qual deriva nossa própria vida. Esta lei
a dor não pode acabar. É lógico que o bem-estar possa nascer representa o pensamento e a vontade de Deus, que é a causa
apenas de um estado harmônico e que a desordem não possa primeira da vida universal.
gerar senão sofrimento. O ser é livre, mas o universo é um con- Continuaremos, assim, falando juntos, de amigo para amigo,
certo musical, onde qualquer dissonância produz sofrimento. unidos por um liame de bondade, para o bem de ambos. “Sem
Na verdade, o que se deve colher, quando o homem continua- bondade não se pode dizer a verdade”. Considerarei cada ouvin-
mente se rebela contra a ordem da lei de Deus? Num sistema te como um amigo meu pessoal, com o qual estou desabafando a
dessa natureza, é lógico que a felicidade não possa ser atingida minha paixão de beneficiar o próximo. Não sou rico para dar di-
senão pelo caminho da obediência e que a revolta não possa nheiro, não sou poderoso para oferecer vantagens materiais. Dou
trazer senão sofrimentos. O estado em que se encontra nosso o que tenho: o pensamento que recebi por inspiração e o amor
mundo comprova, na realidade dos fatos, a verdade desta afir- do meu coração. Como recompensa, espero que este pensamento
mação. Dado que seria absurdo atribuir a causa de tanto mal a seja compreendido e que este amor seja retribuído.
Deus, que não pode ser senão bom e perfeito, não resta outra al-
ternativa senão atribuí-la ao homem Quanto maior for a revolta, II. SEPARATISMO RELIGIOSO
tanto maior será o sofrimento, até o homem rebelde aprender, à
sua custa, a obediência. Se quisermos fugir à dor e conquistar a
Respeito por todas as crenças
felicidade, qualquer que seja a nossa filosofia ou religião, temos
de compreender que existem leis, existem leis, existem leis; se
continuarmos violando-as, como costumamos fazer, teremos Estou novamente convosco, continuando a nossa primeira
tanto sofrimento, que acabaremos por compreender que existem conversa. Destas conversas faremos muitos elos, e destes elos
leis e, se não quisermos sofrer, não há outro caminho a não ser uma corrente de inteligência e de bondade, para construir um
nos ajustarmos a elas. Se o mundo conseguisse aperceber-se dique contra a ignorância e a maldade que inundam o mundo.
disso, esta seria a maior descoberta dos nossos tempos. Eis o Estas palestras singelas, estas palavras que saem dos meus
conhecimento que consegui atingir em meio século de trabalho lábios, serão úteis para afastar tantos mal-entendidos e dúvidas
mental e de controle experimental. Este é o presente que agora que, por incompreensão do meu trabalho, nasceram desde a mi-
quero oferecer aos meus amigos. nha primeira vinda ao Brasil em 1951. Peço desculpas por ter
4 A LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
de falar de mim, o que me é desagradável. Mas não há outra uns aos outros. Dizemos civilizado porque só esse tipo de ho-
maneira de esclarecer o caso. Tenho aqui de repetir mais uma mem pode fazer parte da nova humanidade que está surgindo, a
vez aquela afirmação de universalidade e imparcialidade, que qual não será constituída por bandos de lobos, mas sim por uma
foi e sempre será meu lema. Devo também explicar que as mi- coletividade social unida e colaborando organicamente. Esse
nhas palavras têm de ser entendidas literalmente: elas não con- novo mundo, que amanhã será melhor, é o que mais nos inte-
têm outros significados ou subterfúgios. Ora, imparcialidade ressa; um mundo de compreensão e de colaboração recíprocas;
quer dizer inexistência de partido, compreendendo-os todos; o mundo do “ama o teu próximo como a ti mesmo”. Assim, po-
significa não ficar fechado na forma mental de facção ou de demos concordar com tudo, menos com essa vontade de não
grupo particular algum, sobretudo quando este grupo, seja ele concordar. Mas não condenamos ninguém por isso, porque esse
qual for, impõe que se combata outros grupos, perseguindo-os método corresponde a uma lei que pertence a um dado plano de
com suas condenações e julgando-os errados e maus, porque vida. Não se deve considerar isso maldade, nem se deve chamar
são diferentes do próprio grupo. de mau o ser que, não sendo bastante evoluído, comete erros
Infelizmente, esse instinto de exclusividade, pelo qual não porque ainda não compreendeu e não sabe fazer melhor.
se pode afirmar a verdade própria a não ser condenando como Uma vez expliquei a alguém o meu ponto de vista de im-
erradas as verdades dos outros, é produto do nosso nível de vi- parcialidade e universalidade. Sua face iluminou-se e, de súbi-
da humana, sendo isso apanágio do homem em geral, qualquer to, ele respondeu: “compreendo, trata-se de um novo partido: os
que seja a religião ou grupo doutrinário ao qual pertença. Não é imparcialistas e universalistas”. Este fato mostrou-me como a
a diferença ideológica dos pontos de vista das religiões que forma mental comum não consegue conceber coisa alguma, se
deixamos de aceitar. Tudo isso é natural e lógico. Em nosso não a vir bem fechada dentro dos limites do relativo, isto é, na
mundo relativo, não pode existir coisa alguma senão de forma forma de um grupo particular bem separado dos outros e, logi-
relativa. Assim, nele, também a verdade não pode aparecer se- camente, em luta com eles. Esta forma mental, colocada perante
não dividida em seus aspectos diferentes. O que não podemos a ideia de universalidade, não consegue concebê-la senão na
aceitar é a atitude de condenação, de exclusividade da posse da forma de um imperialismo dominador, cujo poder central con-
verdade e de agressividade, que muitas vezes se encontra nas segue submeter a todos. E, de fato, é assim que o mundo se en-
religiões e nos grupos doutrinários. Não nos interessa tomar contra, é isso o que vemos na Terra.
parte nestas rivalidades terrenas, que nada têm a ver com a pes- Quando cheguei ao Brasil, a convite de um desses grupos,
quisa da verdade, que buscamos. outro grupo levantou-se contra mim, dizendo ter chegado um
O nosso objetivo não é defender um patrimônio já adquirido, enviado de Satanás. E, quando sustentei algumas teorias deste
mas sim nos enriquecermos com novas conquistas, para doá-las outro grupo, fui censurado pelo que me havia convidado. Assim
a quem as quiser. Não estamos amarrados a quaisquer interesses acontece sempre, pois se trata do mesmo tipo de homem, que,
terrenos, que imediatamente se constroem por cima de toda e possuindo uma só forma mental, é levado a proceder sempre da
qualquer verdade. Quem está mergulhado no trabalho de pesqui-
mesma maneira, isto é, com condenações e anátemas, seja qual
sa não pode despender as suas energias nessa luta de rivalidades.
for o grupo a que ele pertença.
A nossa tarefa não é conservar o passado, defendendo-o, mas
É assim que nascem os mal-entendidos. O meu trabalho não
sim construir o futuro. Os nossos interesses não estão na Terra,
é, como todos desejariam, oferecer-me para ser um seguidor a
mas somente nessa construção. O respeito que temos pela ver-
mais e engrossar as fileiras desse ou daquele grupo, mas sim fa-
dade de cada um e que todos devem ter para com as verdades
zer pesquisas, a fim de resolver problemas ainda não resolvidos,
que o mundo possui, não pode interromper o caminho da vida e
esclarecer dúvidas, compreender mistérios, responder perguntas
a evolução do pensamento. O passado não pode paralisar o flo-
para as quais as religiões, as doutrinas e as filosofias ainda não
rescimento do futuro. E no mundo há lugar para todos.
deram respostas. Disso se conclui que a ideia comum de imperi-
O primeiro mal-entendido nasceu quando julgaram que nós
representávamos este ou aquele grupo e, por conseguinte, que alismo religioso, em busca de adeptos e seguidores, não me inte-
éramos inimigo dos outros grupos, inimizade para nós sim- ressa e não faz parte do meu trabalho. Falo bem claro: não quero
plesmente inconcebível. De maneira alguma saberíamos tomar de nenhum modo chefiar coisa alguma na Terra; não quero con-
parte nessa luta de rivalidades, que requer uma forma mental quistar poder algum neste mundo. Não há, portanto, qualquer
adaptada para isso, a qual não possuímos. Assim, fugimos de razão para rivalidades. O que almejo é só utilizar esta minha
qualquer grupo tão logo apareça esse espírito de condenação. O condenação de viver neste baixo nível de vida para ajudar os ou-
mal-entendido consistiu em se ter julgado encontrar um inimigo tros a se elevarem a um nível espiritual mais alto. Se me fosse
onde não existia inimigo algum, pensando em guerra, quando permitido, só uma vez, ser egoísta, o meu único desejo seria ir-
tratávamos apenas da maneira como resolver os problemas do me embora, fugindo para bem longe deste mundo, e não voltar
universo. Gostaríamos de explicar aqui, de um modo bem claro: mais. Por isso as lutas pelas conquistas humanas, que tanto inte-
não somos guerreiros, mas sim pensadores, que não tem inte- ressam aos meus semelhantes, não têm sentido para mim. Con-
resses humanos a defender. Nosso inimigo é a ignorância, causa sidero-as muito cansativas e não cuido delas. As minhas lutas di-
de tantos sofrimentos, e não o homem, a quem queremos aju- rigem-se para objetivos totalmente diferentes.
dar. Neste mundo, podemos ser presas dos fortes e astutos, mas É necessário explicar tudo isso, para que meu trabalho seja
não somos fortes nem astutos para fazer presas. compreendido. Infelizmente, em nosso mundo, estamos acostu-
Concordamos assim com todos. Os únicos seres com os mados a supor que cada palavra seja uma mentira, julgando que
quais não podemos concordar são os que não querem concordar somos astutos quando conseguimos descobrir essa mentira. Isso
de forma alguma e buscam, pelo contrário, impor-se ao próxi- é o que, suponho, aconteceu também a meu respeito. Daí nasceu
mo, vencendo-o. Ora, esta é uma mentalidade atrasada, que o o mal-entendido, porque, neste caso, acontecia o inacreditável,
homem verdadeiramente espiritualizado não pode aceitar sem isto é, que as minhas palavras, na realidade, eram verdadeiras,
retroceder milênios no caminho da evolução. Mesmo que seja não havendo por trás delas outra ideia para encobrir. É necessá-
permitido fazer guerra, isso só será possível contra quem quiser rio tomar as minhas palavras literalmente, pois elas querem di-
fazer guerra. Em vez dos pontos de contraste, para lutar, esma- zer simplesmente o que dizem, não contendo segundas inten-
gando-se uns aos outros, o homem civilizado procura e sabe ções. Para quem não quer conquistar poderes na Terra, é lógico
encontrar os pontos de concórdia, para colaborar, ajudando-se que o método seja diferente daquele empregado pelo mundo.
Pietro Ubaldi A LEI DE DEUS 5
Nosso método, na verdade, é oposto ao do homem comum. III. O PROBLEMA DO DESTINO
Nós queremos trazer harmonia ao invés de luta, paz em vez de
guerra; queremos levar esclarecimento onde exista dúvida, es- A semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória.
perança onde haja desespero, fé onde esteja a descrença, co- Como orientar nossa vida no plano geral do universo,
nhecimento onde se encontre a ignorância. Eis o que procura- conhecendo o funcionamento da Lei.
mos fazer. Conseguiremos realizar o que Deus quiser. Quando
sucede que o homem empregue toda a sua boa vontade, as qua- No capítulo anterior, tocamos rapidamente no assunto de uma
lidades que possui e o seu esforço para colaborar com a vonta- ciência da vida como método para ser menos infeliz e alcançar
de de Deus, o restante fica nas mãos d'Ele. O triunfo depende êxito, através da aprendizagem da arte de viver sabiamente, em
de elementos que não conhecemos, escapando ao nosso domí- harmonia com a lei de Deus, seguindo com obediência a Sua
nio e ao nosso controle. Mas se procurarmos compreender e Vontade. Vamos agora explicar melhor estes conceitos.
seguir a vontade de Deus, certamente esta vontade virá ao nos- É difícil a arte de saber viver. A vida é um vaso que pode-
so encontro para nos ajudar. mos encher com o que quisermos. Mas a verdade é que temos
Estudando juntos esse método, aprenderemos a arte de al- desejado enchê-lo de erros. O que podemos receber então, se-
cançar sucesso, inclusive na vida prática. Os homens práticos não sofrimentos? Quando era moço, li alguns livros sobre a arte
não observam que, para obter êxito no campo material, é ne- de alcançar sucesso na vida. E hoje ainda se encontram livros
cessário, antes de tudo, uma boa orientação no campo espiritu- sobre este assunto. Mas trata-se de uma ciência de superfície,
al, do qual tudo depende, não apenas os resultados dos negó- que se baseia na sugestão, na arte exterior de se apresentar, de
cios, mas também a conservação da saúde e a sensação de falar e de convencer o próximo. Ora, isso só pode levar a um
bem-estar em nós mesmos e em tudo o que nos rodeia. Em êxito parcial, momentâneo, superficial. O verdadeiro êxito na
nosso universo, tudo está coligado, e as coisas não podem iso- vida consiste no problema da construção de um destino, um
lar-se umas das outras. Quem não está orientado nos grandes problema complexo e de longo alcance, que só pode ser resol-
conceitos da vida, não o pode estar tampouco nas coisas pe- vido conhecendo-se não só o funcionamento das leis profundas
quenas de cada dia, que são consequências das grandes. O nos- que regem a vida, mas também a posição de cada um dentro
so trabalho nestas palestras será esmiuçar as teorias gerais da dessas leis, enxergando assim o plano de uma vida enquadrada
grande orientação até às suas consequências concretas, que nos no plano geral do universo, em função de Deus. Mas o homem
tocam de perto, para aprender a viver conscientemente, conhe- não conhece nem um nem outro desses dois planos. Como se
cendo o valor dos nossos atos, desde suas origens até seus úl- pode chegar a uma orientação completa do caso particular,
timos efeitos. Esta é a ciência da vida, que nos explica a signi- quando não se conhece a lei geral? A maioria não é dona dos
ficação dos movimentos da nossa alma, bem como dos aconte- acontecimentos da sua vida, mas sim serva, sendo dirigida por
cimentos que nos rodeiam. Cada vida se desenvolve não ao eles. A vida deveria ser um trabalho orgânico, consciente, exe-
acaso ou guiada pelos nossos caprichos, mas sim conforme um cutado em profundidade, dirigido logicamente para finalidades
certas, que a valorizem, dando-lhe um sentido construtivo.
plano particular, que se chama destino e é consequência do
A vida é um jogo vasto e complexo. Podemos deixá-la de-
nosso passado, na forma em que o quisemos viver.
correr levianamente, mas, neste caso, ou perdemos o nosso
Temos falado que há uma lei. Aprenderemos, pouco a
tempo, ou semeamos sofrimentos, cometendo erros. E, depois,
pouco, a arte sutil de viver em harmonia com essa lei, que re-
as consequências terão de ser suportadas inevitavelmente por
presenta Deus, arte que constitui o segredo da felicidade. Ire-
nós. Fala-se de destino e da sua fatalidade. Mas nós mesmos
mos verificando, cada vez mais, que a espiritualidade, verda-
somos os construtores desse destino e, depois, ficamos sujei-
deiramente entendida e vivida, produz incríveis efeitos “úteis”
tos à sua fatalidade. A nossa vida atual se apresenta como um
também no plano material. Falamos de utilidade, pois não
fenômeno sem causas e sem efeitos, se considerada isolada-
queremos roubar o tempo dos nossos leitores, mas sim fazer mente. Para ser compreendida, é preciso concebê-la em fun-
um trabalho “útil” a todos. É preciso usar com mais inteligên- ção das vidas precedentes, que a prepararam, e das vidas futu-
cia a nossa vida, tornando-nos cidadãos iluminados e consci- ras, que a completam. O presente não pode ser explicado se-
entes deste nosso universo, colaborando com a vontade de não como fruto do passado, das ações livremente desencadea-
Deus, que o dirige. Aprenderemos a ver com outros olhos, en- das, cujas consequências são agora o que chamamos o nosso
tão tudo será diferente. Ao invés de rebeldes construtores de destino. Da mesma forma que o passado representa a semea-
sofrimentos, como somos hoje, tornar-nos-emos, para o nosso dura do presente, o presente representa a semeadura do futuro.
bem, obedientes construtores da felicidade. Seremos então A semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória. Verifica-se,
amigos e colaboradores de Deus, seus obreiros na grande obra assim, este jogo complexo de semeadura e colheita, entrelaça-
da vida, que vai subindo até Ele, pois, tão logo tivermos com- das em cada momento da nossa vida.
preendido que a Sua vontade visa somente ao nosso bem, não Esta é a lei de Deus, e ninguém pode modificá-la. Mas, den-
desejaremos outra coisa senão realizá-la. tro desta lei, somos livres para nos movimentar à vontade. As-
Diz-se muitas vezes que Deus está presente. E não há dú- sim, somos ao mesmo tempo livres e dependentes. Temos, de
vida: Deus está presente. Mas não basta dizer isto. É preciso acordo com nossa vontade, o poder de nos arruinar ou de nos
aprender a perceber esta presença, chegar a compreender o salvar, mas não podemos alterar a Lei, ficando a nossa ruína ou
Seu pensamento e seguir o caminho marcado pela Sua vonta- salvação fatalmente sujeitas às suas normas. A lei de Deus re-
de. É verdade que Deus está entre nós, mas isto tem uma fina- gula os movimentos de tudo que existe e, portanto, do homem
lidade. Deus está entre nós, dentro de nós, para que respire- também. Conhecê-la quer dizer conhecer as regras do jogo da
mos esta Sua presença e possamos fundir-nos em harmonia vida, isto é, a ciência da própria conduta, a arte de evitar os
com a Sua vontade, realizando em nossa vida os ditames da movimentos errados e fazer os certos, para fugir do dano pró-
Sua Lei. E isso também tem uma finalidade, que é nos levar a prio e atingir o máximo bem-estar possível. É indiscutível a su-
não errar mais, como se costuma. Não errar quer dizer não so- perioridade do homem que possui este conhecimento, em com-
frer mais os dolorosos choques recebidos em consequência do paração com quem, na luta pela vida, não o possui. O primeiro
erro, que por sua vez é violação da Lei. Isso significa evitar tem muito mais probabilidades de alcançar sucesso do que o
sofrimento, proporcionando-nos tranquila felicidade, que só é segundo. Para quem conhece a lei geral, é possível colocar-se
possível num estado de ordem. dentro dela, na devida posição, evitando as dolorosas conse-
6 A LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
quências de uma posição errada. O homem comum acredita vi- luta de todos contra todos, sem repouso. Esse contínuo estado de
ver no caos, onde procura impor a própria vontade a tudo e a guerra é uma dura, mas merecida, condenação, devida à psico-
todos. Mas, de fato, não é assim. Esta suposição é fruto da sua logia de revolta que domina na Terra. Pelo contrário, naquele
ignorância. Não há vontade humana que possa dominar o poder mais alto nível de vida, a qualidade mais útil é a boa vontade de
da Lei. Esta é constituída não só como norma, pela inteligência obedecer a Deus e à Sua lei, merecendo assim, conforme a justi-
de Deus, mas também como poder, pela vontade d'Ele. Isto ça, a Sua ajuda. Acontece desse modo um fato incompreensível
quer dizer que as normas são ao mesmo tempo uma força que para a mentalidade do mundo: quando a merecemos, esta ajuda
quer a realização delas, uma força irresistível, viva e ativa, chega por si mesma, não nos pedindo coisa alguma sequer em
sempre presente em todos os tempos e lugares, da qual não é troca. O resultado é maravilhoso e inacreditável para o nosso
possível fugir. A Lei é boa, sábia, paciente e misericordiosa, mundo. A nossa vida passa a ser garantida, e tudo é providenci-
mas é também justa, de uma justiça inflexível, de modo que, ado de maneira a não nos faltar nada. Mas isso pode verificar-se
quando a criatura abusa, ela se desencadeia como furacão e der- somente quando o tivermos merecido, cumprindo o nosso dever
ruba tudo, coibindo o abuso. perante a Lei, vivendo conforme a vontade de Deus.
A coisa mais importante na vida, a base de tudo, é a orien- Surge então uma coisa que o mundo não acredita ser possí-
tação. E a maioria vive correndo atrás das ilusões do momen- vel. Para chegar a possuir aquilo que precisamos e para alcan-
to, desorientada e descontrolada. Só quem conhece tudo isto çar sucesso não é necessário força ou astúcia. Basta tê-lo mere-
pode orientar-se, inclusive a respeito do seu destino e das fi- cido, como a justiça o exige. Aqui não é o prepotente ou o astu-
nalidades particulares que lhe cabe atingir na vida atual. Pode to quem vence, mas sim o homem justo, que cumpre o seu de-
assim evitar os atritos dolorosos contra a Lei, que atormentam ver. Em um nível de vida mais evoluído, somos regidos por um
os rebeldes, e subir mais facilmente, levado pela corrente da princípio mais alto. Trata-se do nível a que pertencem os indi-
Lei. Esta então o ajuda, uma vez que ele quis colocar-se em víduos mais amadurecidos.
obediência a ela. Quem, por ter compreendido, sabe obedecer O incrível é que, nesse novo mundo, vemos funcionar a Di-
com inteligência, conhece o caminho mais rápido e menos do- vina Providência. Ela funciona de verdade, mas, logicamente,
loroso para a salvação. só para quem o merece. É lógico que ela não funcione para
Seguir a Lei quer dizer seguir a vontade de Deus. Esta é quem não o merece. Quando o tivermos merecido, podemos ter
uma posição bem estranha para o mundo, que ainda obedece à a certeza de que se verificará para nós esse milagre da Divina
lei animal do mais forte. Seguir a vontade de Deus não quer di- Providência, que nada nos deixará faltar do que precisarmos,
zer perder a própria e tornar-se autômato. Essa obediência é um seja para a alma, seja para o corpo. Em geral não se acredita
estado de abandono em Deus, em absoluta confiança, como o que isto possa acontecer de verdade, porque é de fato muito ra-
filho nos braços da mãe. Mas esse abandono é ativo e dinâmico, ro tal acontecimento, porquanto também é raro haver mereci-
como o de quem vai atrás de um guia sábio e bom, que o de- mento. O mundo está cheio de necessidades porque está cheio
fende e lhe garante o êxito, desde que o seguidor queira obede- de cobiça. A causa da necessidade é a cobiça. Quem semeia in-
cer com boa vontade, sinceridade e fidelidade. É o abandono do saciabilidade tem de colher fome. Quem furta, tirando dos ou-
operário consciente da sabedoria do patrão, que é quem manda tros o que não ganhou honestamente, com o seu trabalho, terá
e a quem, para sua própria vantagem, convém o operário obe- de viver na miséria, até que aprenda, à sua custa, a lição da ho-
decer, acompanhando e colaborando. Ninguém pode negar as nestidade. Para reconstituir o equilíbrio da Lei, surge a privação
vantagens de trabalhar juntamente com Deus, apegado ao To- correspondente ao nosso abuso. Paga-se caro esse abuso, mas o
do-Poderoso. Esta é uma posição de vantagem, pois fornece à mundo parece ignorar uma lei tão simples. Somos livres, mas
criatura poderes que não pode atingir quem caminha sozinho, responsáveis. E o seremos tanto mais responsáveis, quanto mais
dirigido apenas pela sua própria vontade e inteligência. possuirmos em riqueza e poderes, pelo bom ou mau uso que de-
Se soubermos aprender esta arte de viver em harmonia com les fizermos. Teremos sempre de prestar contas à Lei, que po-
Deus, a nossa existência se deslocará do plano da injustiça e da derá nos tirar tudo, deixando-nos na penúria, se, pelo mau uso
força, no qual vive o homem, ao plano da justiça e da bondade, do poder ou da fortuna, tivermos merecido.
onde tudo funciona com princípios diferentes. Trata-se de subs- O próprio Sermão da Montanha, de Cristo, baseia-se nesse
tituir o instinto de domínio do nosso eu individual, que vai até à princípio. Mas quem o toma a sério? É por isso que vemos tanta
revolta contra Deus, pelo desejo de concordar com a Sua vonta- pobreza no mundo. Quem criou a pobreza não foi Deus, mas
de, num estado que, em vez de ser de separação, representada sim o homem com a sua desobediência à Lei. Deus não ficou
pela nossa debilidade, será, ao contrário, de união, que constitui esperando até agora para que o socialismo descobrisse o pro-
a nossa fortaleza. Então, a vida se tornará outra coisa para nós. blema da justiça social. A justiça da Lei, completa e perfeita,
Ela não será mais dirigida pelo princípio da força e do engano, sempre funcionou. Quem tem olhos para ver, fica horrorizado
que levam ao esmagamento e à desilusão, mas será, antes, diri- ao considerar a leviandade do mundo, que está brincando com
gida pelo princípio da justiça e da sinceridade, que reconhecem forças terríveis, condenando-se a sofrer as consequências. É as-
o nosso direito a tudo de que necessitamos para viver, de acordo sim que vemos tantas humilhações para os que foram orgulho-
com o nosso merecimento. São dois princípios absolutamente sos, tanta necessidade onde houve desperdício no supérfluo,
diferentes. Cabe a nós, conforme os nossos pensamentos e con- tanto constrangimento à obediência onde houve poder demais e
duta, pertencer a um ou outro desses dois planos e, por conse- mau uso das posições de domínio.
guinte, sermos regidos por princípios bem diferentes, muito me- O mundo é ainda tão ingênuo, que acredita ser suficiente
nos duros e dolorosos no segundo caso. Este é um problema ab- apossar-se de uma coisa de qualquer maneira, para que se te-
solutamente individual, de escolha e resultados individuais, in- nha o direito de possuí-la. Não sabe que tudo quanto possuir-
dependente da maneira boa ou má como os outros queiram re- mos sem justiça, por não havê-lo ganhado com merecimento e
solvê-los. Não importa se o mundo não quer transformar-se, pre- por não ter querido fazer dele bom uso, será gasto, consumido
ferindo o contrário. Cada um pode transformar-se e salvar-se por e corroído interiormente por esta falta de justiça, que, mais ce-
sua conta. Cada um constrói o seu próprio destino. É lógico que do ou mais tarde, não pode deixar de conduzir ao fracasso. A
Deus seja justo, e é justo que as consequências advindas do nos- riqueza mal construída é coisa podre e envenenada, que não
so comportamento sejam o efeito de causas engendradas por nós pode dar senão frutos da mesma natureza para quem a possui.
mesmos. De acordo com o mundo atual, as qualidades mais Só pode acabar, assim, em uma traição, como é justo que acon-
úteis para vencer são a força e a astúcia. Isso cria um estado de teça. No fundo das coisas não existe o que aparece na sua su-
Pietro Ubaldi A LEI DE DEUS 7
perfície. Ali reina de fato a justiça de Deus, e não importa que concordam, ou lutando uma contra a outra quando são discre-
o homem não queira tomar conhecimento dela, pois ela conti- pantes. No primeiro caso, elas dizem a mesma coisa, e então é
nua funcionando da mesma forma. Possuir o mundo inteiro, fácil conhecer a vontade de Deus. No segundo caso, elas dizem
quando esta posse estiver fora da justiça, não oferece seguran- duas coisas diferentes. Mas, quando tivermos separado desse
ça alguma. Acima de todos os poderes humanos existe esse conjunto o que é efeito da nossa vontade, restará aquilo que nos
poder maior, que é a justiça da Lei. Lembremo-nos de que a vai revelar qual é a vontade de Deus a nosso respeito.
vida é uma força inteligente e só defende os que são úteis à Se observarmos a nossa vida, veremos que há fatos sobre os
conservação e ao desenvolvimento dela. quais podemos exercer a nossa livre-escolha à vontade. Mas ve-
A conclusão desta palestra é que a Divina Providência exis- remos também que existem outros fatos acima da nossa vontade,
te de verdade e funciona. Mas, para isso, é necessário saber fa- acontecimentos em relação aos quais não há escapatórias. Há
zê-la funcionar, movimentando-a através do acionamento das uma parte da nossa vida que é regida como por um destino, com
alavancas às quais ela obedece. Veremos depois quais são estas características quase de fatalidade, onde prevalece uma outra
alavancas. O fato é que ela funcionará a nosso favor, se mere- vontade, maior do que a nossa, à qual, queiramos ou não, temos
cermos. Observei isso, controlando e experimentando, durante de obedecer. Muitos acontecimentos parecem possuir uma von-
toda a minha vida e sei que é verdade. O que tivermos merecido tade própria, contra a qual não adianta nos rebelarmos, sendo
com as nossas obras não são os bens que ficam espalhados pela inútil fugir deles, apesar de tentarmos por todos os meios.
rua, aonde podem chegar os ladrões, mas está regular e ordena- Na vida há para todos uma parte livre, mas também existe
damente guardado no banco do Céu, de onde nada se pode fur- uma parte em relação à qual vigora o princípio da aceitação, na
tar. Este é o único emprego verdadeiramente seguro dos nossos qual a vontade de Deus se manifesta e o espírito da nossa deso-
capitais. Esta é a maneira verdadeiramente inteligente de fazer bediência não tem poder algum. Esta parte pode ser triste ou
negócios. A Divina Providência não é um milagre, mas sim a alegre, de satisfação ou de sofrimento, mas é sempre justa,
lei natural de um plano de vida mais alto, onde vigora uma jus- obrigatória, imposta pela Lei. Em geral, esta é a consequência
tiça que não atraiçoa. Ali não existe engano, e não se pode en- fatal do que livremente semeamos em nosso passado. Isto, po-
ganar. Esta Providência é um princípio que pode funcionar para rém, não por um princípio de fatalismo, que nos tornaria autô-
todos aqueles que se encontram na posição devida, de maneira matos irresponsáveis, mas sim como efeito exato do que nossa
a serem por Ela alcançados. Deus está presente para proteger a livre-vontade quis realizar no terreno das causas, para que ela,
todos, mas é natural e justo que só receba o benefício dessa pro- conforme a Lei, tivesse de atuar no terreno dos efeitos. Aqui
teção quem compreendeu a necessidade de obedecer à Sua Lei. termina o domínio da nossa livre-escolha e vigora, em seu ple-
no poder, a Lei, que exige sempre obediência.
IV. EM HARMONIA COM A LEI Entramos assim no domínio do destino e vemos a maneira
pela qual o construímos para nós mesmos. O que domina tudo e
O nosso destino e a vontade de Deus. todos é sempre a Lei, ou seja, a vontade de Deus. Disso não se
pode escapar. Mais cedo ou mais tarde, teremos de obedecer. Os
Continuemos falando sobre a Divina Providência. Se sou- inteligentes procuram conhecer a Lei nos seus princípios gerais
bermos olhar em profundidade, além da superfície das coisas, e a vontade de Deus no caso particular das suas vidas. Aceitando
veremos um mundo regido por leis diferentes daquelas que vi- o que eles sabem que é justo, evitam atritos, choques e revoltas,
goram em nosso mundo. Trata-se de substituir o espírito de que geram a dor. Este é o caminho direto, mais proveitoso e me-
egoísmo e de separatismo vigente por um espírito de união com nos doloroso. Se cometeram erros, estão prontos a pagar de boa
Deus e de colaboração com o próximo. Trata-se de nos colo- vontade, conforme a lei de Deus. O método da aceitação pacífi-
carmos num estado de aceitação perante a lei de Deus, ao invés ca resolve o conflito entre a criatura e a Lei de maneira mais rá-
de nos colocarmos num estado de imposição para com o pró- pida e tranquila, seja qual for a pena que se deva pagar.
ximo. É na aplicação desta nova lei, enunciada pelo Evangelho, Os que não possuem esta inteligência e boa vontade, estan-
que consiste o segredo da felicidade e o caminho para fugir dos do ainda mergulhados na ignorância e na revolta, rebelam-se,
muitos sofrimentos que nos atormentam. ao invés de aceitar, aumentando assim as suas faltas, piorando a
Falamos de união com Deus, de obediência à Lei, de aceita- sua posição, amontoando novas dívidas por cima das antigas.
ção da vontade d'Ele. Surge agora a pergunta: como é possível Estão acostumados a usar o sistema próprio do plano de vida
chegar a compreender esta vontade de Deus a que devemos obe- animal do homem na Terra, segundo o qual o mais forte é o que
decer? Deus não tem boca, mas fala; não tem mãos, mas opera. vale e vence. Mas não sabem que esse plano de vida inferior
Deus está presente, não há dúvida, mas não podemos percebê- encontra-se regido pelas leis dos planos superiores, que a vio-
Lo em forma material, na superfície das coisas, com os nossos lência só pode dar fruto na Terra e que unicamente nesse baixo
sentidos. Deus está presente, mas na profundeza de tudo o que nível de vida é possível o domínio da injustiça. O que esse tipo
existe. Há então dois caminhos para percebê-Lo: ou com a in- de homem julga ser a lei de tudo, não é senão a lei do seu am-
trospecção, olhando e penetrando dentro de nós, por intermédio biente terrestre. Assim o homem, revoltando-se, usa o método
da meditação ou concentração, ou olhando os efeitos que, da errado, pensando que por intermédio da revolta possa vencer,
profundidade onde está Deus, vêm até à superfície, revelando impondo-se, quando, na verdade, está agindo de um modo que
assim a natureza das coisas que os geram e movimentam. Pode- serve apenas para fabricar a dor.
se assim chegar a compreender o pensamento de Deus, pelo me- Mas é lógico e justo que assim seja, porque a dor é a única
nos no que diz respeito à nossa vida, quer afinando os sentidos voz compreendida por ele, e não há outro caminho para guiar
no caminho da espiritualização, quer, para os que não conse- um indivíduo que, por natureza, recusa submeter-se, até que
guem olhar para dentro, olhando para fora, ou seja, observando ele compreenda a existência da Lei. Rebelar-se é o maior erro
o que vai acontecendo conosco e ao redor de nós. Não podemos que se pode cometer. Se a Lei do universo quer que o caminho
negar que a primeira origem de tudo está na profundidade e que para a felicidade seja de obediência, é lícito ao homem cons-
Deus, embora não tenha mãos, opera. A nossa vida e o nosso truir para si quantos sofrimentos queira, porque isto o faz abrir
destino não se desenrolam ao acaso, mas são dirigidos por Deus. os olhos e o obriga, para seu bem, a aprender. Mas não lhe é
Então, se os acontecimentos podem, até certo ponto, ser o efeito possível destruir a Lei, pois nesse caso, se ele possuísse esse
da nossa vontade, exprimem em grande parte também a vontade poder, lançaria tudo no caos. Se Deus permitisse ao homem
de Deus. As duas vontades se misturam, colaborando quando tanto poder, a ruína e o sofrimento humanos já não seriam
8 A LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
apenas momentâneos e suscetíveis de reparação por intermédio terreno, sobre o qual, de outra maneira, não seria possível
da dura limpeza feita pela dor, mas seriam um fracasso defini- construir. Trata-se de um trabalho feio, desagradável, desairo-
tivo, um mal irreparável, uma derrota de toda a obra de Deus, so, mas necessário, que os construtores, de raça mais nobre,
sem outra possibilidade de salvação. nunca fariam, nem poderiam fazê-lo, porque, depois de termi-
De certo, a ignorância e a rebeldia do homem almejariam nado, quem o executou tem de ser afastado para não prejudi-
chegar até tal fim. Mas a sabedoria e a bondade de Deus o sal- car a nova construção. E é isto, de fato, o que vemos aconte-
vam à força, para seu bem, de tão grande desastre, constran- cer nas revoluções, nas quais é raro constatar que quem as
gendo-o a não se perder, obrigando-o a limpar-se, a corrigir-se realizou tenha recolhido para si o fruto das suas lutas.
e a aprender através da dor. Perante um quadro de lógica, bon- Continuaremos, nestas nossas conversas, observando quão
dade e justiça assim tão perfeitas, ainda há no mundo gente profunda é a sabedoria da Lei e quão grande é a ignorância do
que, sem ter compreendido nada, quer julgar Deus como cul- homem a seu respeito. Concluímos a nossa conversa de hoje
pado pelos sofrimentos existentes no mundo. Procuram-se as- observando que, queiramos ou não, nos fatos concernentes a
sim infelizes escapatórias, lançando-se a culpa em Deus ou nos nós, a nossa vontade e a vontade de Deus, no final das contas,
próprios semelhantes. Mas é inútil. Tudo fica na mesma. Os trabalham juntas. Não porque a boa vontade do homem tenha
erros têm de ser corrigidos, as dívidas têm de ser pagas, a lição de colaborar, mas porque Deus permite que a nossa vontade
tem de ser aprendida. Quando chega a dor, nunca queremos também trabalhe, estabelecendo para ela limites, efeitos e dire-
admitir que a culpa seja nossa, e não de outros. Perante a Lei, ção final. Podemos assim calcular quantas forças atuam entre-
cada um se encontra sozinho e trabalha por sua conta. Cada um laçadas, a todo o momento, em cada ato da nossa vida. Antes de
fica com o destino que quis construir para si mesmo. Rebelar- tudo, está presente a nossa vontade passada, agora na forma dos
se é pior. O máximo que se pode fazer é resignar-se e corrigir- seus efeitos, que aparecem como fatais. Acima desses impulsos
se, construindo para si, de agora em diante, um destino melhor, sobrepõe-se e opera a nossa vontade atual, que tem o poder de
de convicta obediência a Deus, agradecendo-Lhe pela dura li- corrigir, nos seus efeitos, aquela nossa vontade passada, inici-
ção que vai conduzi-lo à felicidade. ando novos caminhos ou endireitando os antigos. Todo esse
Esta é a verdade mais importante que cada um precisa trabalho o homem não o cumpre sozinho, abandonado a si
compreender: Deus é, em tudo e sempre, o dono absoluto, e mesmo, mas, pelo contrário, executa-o ao longo dos trilhos de
da Sua Lei não podemos nos evadir. Seja qual for a religião a uma estrada já marcada pela lei de Deus, que estabelece o ponto
que o homem pertença, seja até o maior dos ateus, ele obede- até aonde o ser está livre para errar, o poder e a natureza das re-
ceu, obedece e obedecerá sempre a Deus, no sentido de que ações da Lei ao erro, a técnica da elaboração e assimilação das
não pode escapar da Sua lei. Por exemplo: o fato de perten- experiências e a meta final de todo o grande caminho da evolu-
cermos a uma ou outra crença não nos isenta da dependência ção. Estamos no começo das nossas explicações e já podemos
da lei da gravitação. O erro está em acreditar que estas verda- vislumbrar quantas coisas contém a nossa vida de cada dia,
des, das quais estamos falando, sejam particulares a este ou mesmo nos seus impulsos e atos mais simples.
àquele grupo, religião ou filosofia humana, quando elas, de
fato, são verdades que existem e continuam existindo e funci- V. A INFALIBILIDADE DA LEI
onando mesmo quando o homem não as conheça ou não as
queira admitir. Elas existem de maneira independente do co- A função da dor e a sabedoria da Lei.
nhecimento, da negação e mesmo da existência do homem. A
conclusão é que todos obedecem a Deus: os crentes, sabendo Em nossos dois últimos capítulos, falamos da Divina Provi-
o que fazem; os descrentes, sem o saberem; os bons, de boa dência e da vontade de Deus. Dissemos tudo aquilo não para
vontade, de olhos abertos, por amor, sustentados pela justiça fazer teorias, mas porque se tratam de forças que dirigem a nos-
de Deus; os maus, de má vontade, nas trevas, revoltados, com sa vida e que devem ser levadas em consideração, se não qui-
raiva, esmagados pela mesma justiça de Deus. sermos sofrer as consequências. Quem quiser viver com sabe-
É bem estranha e primitiva esta maneira de conceber tudo doria, sem se lançar aos mais variados perigos, evitando sofri-
em função de si mesmo, pela qual o homem se faz centro, fi- mentos, tem de compreender que há uma lei sempre presente e
nalidade única e também, como se pudesse, dono da criação. ativa, sendo muito arriscado não a respeitar. Se já tivéssemos
Mas em quantos erros e ilusões psicológicas ele incorre nessa aprendido todas as lições que a Lei contém, não cometeríamos
primitiva maneira de conceber as coisas! E com quantas dores mais erros, desaparecendo assim as reações, necessárias para
terá o homem de pagar a sua ignorância! Quantas vezes terá nos reconduzir ao caminho certo da nossa libertação. Então de-
de bater a sua dura cabeça contra as paredes da Lei, até que veria desaparecer também a dor, dado que a sua presença no
compreenda quão inútil e dolorosa é a loucura da sua rebeldia mundo seria absurda, porque, uma vez aprendida a lição, ela
e quão grande é a vantagem de coordenar-se com a Lei, con- não teria mais função alguma a preencher. Lembremos que a
forme a vontade de Deus! Lei é sempre boa e justa. Se às vezes usa o chicote, é apenas
Esta vontade, saibamos ou não, queiramos ou não, é a at- porque, devido à nossa dura insensibilidade, não há outro meio
mosfera que todos respiramos, da qual não podemos sair, as- para nos corrigir e conduzir-nos assim para o nosso bem.
sim como, inevitavelmente, respiramos o ar da atmosfera ter- Todos sabem, através da sua própria experiência, que a dor
restre. Os materialistas julgam que a ciência poderá impor-se é ponto fundamental da nossa vida. No entanto, também é ver-
à lei de Deus, quando na verdade poderá apenas demonstrá-la. dade que cada um, no fundo de sua alma, alimenta um sonho
Ao mesmo tempo em que eles estão trabalhando para constru- de felicidade. Mas quando é que, tanto para os poderosos como
ir um mundo sem a espiritualidade, a Lei, que rege a evolução para os humildes, chega a realizar-se de fato o que mais ambi-
da vida, dirige-os, impulsionando-os a construir um mundo cionam? Os desejos dos pobres e dos poderosos, na maioria
baseado nessa espiritualidade. Todos, construtores e destrui- dos casos, ficam insatisfeitos e acabam fracassando em desilu-
dores, apesar de agirem de formas opostas, na verdade colabo- sões. Todos correm atrás de miragens que nunca se realizam, e
ram dentro da mesma Lei, para realizar a mesma construção. tudo, no final, desaparece num engano. Encontra-se, porventu-
Assim como a morte é necessária para gerar a vida, colabo- ra, no mundo alguém que esteja satisfeito? O que há de real
rando com ela para sua constante renovação, sem o que não para todos é o sofrimento.
seria possível a sua evolução, os destruidores também são ne- Por que tudo isso? Quem deu origem a essa condenação?
cessários para realizar os mais baixos trabalhos de limpeza do Estamos cheios de desejos de felicidade, mas apenas encontra-
Pietro Ubaldi A LEI DE DEUS 9
mos sofrimentos! Que maldade! E quando procuramos uma Também as células do câncer quereriam viver, mas somos nós,
causa para tudo isso, pensamos logo em alguém para sobre ele porventura, cruéis quando as afastamos, cortando o tumor?
lançar a culpa de tanta crueldade. Então, ou culpa-se Deus, por Também os criminosos quereriam gozar a vida à sua maneira,
ter feito uma obra errada, ou o próximo, que deveria comportar- mas poderemos nós considerar-nos ruins quando, em defesa da
se de outra maneira. Mas isso nada resolve, porque Deus per- sociedade, os isolamos nas prisões?
manece inatingível e o próximo sabe defender-se. Além disso, a A rebeldia do homem é uma espada que ele usa contra si
dor não desaparece, pelo contrário, torna-se mais dura na revol- mesmo. A Lei, no entanto, impede a sua destruição. Ele quere-
ta contra Deus e na contínua luta de todos contra todos. ria perder-se, e a Lei quer levá-lo à salvação. Mas Deus o per-
Continuamos, assim, todos mergulhados no mesmo pânta- doa, pois sabe que o homem é um menino carente de ajuda e,
no: ricos e pobres, cultos e ignorantes, poderosos e fracos. Al- na sua inconsciência, está procurando só o seu dano. Mas Deus
guns que se julgam mais astutos procuram emergir do pântano, não pode permitir que esse dano se realize. Ele quer somente o
amontoando riquezas, enganos e crimes, pisando os outros para nosso bem. A lição tem de ser aprendida. Disto não há como
atingir a felicidade. Mas esta é instável, porque falsa, disputada fugir, porque, de outra maneira, o plano de Deus desmoronaria
contra mil rivais invejosos, roída por dentro pela natural insaci- e nós involuiríamos, ao invés de evoluirmos. Cientifiquemo-nos
abilidade da alma humana. E, mais cedo ou mais tarde, na luta destes pontos: o progresso tem de se realizar, por isso a lição
de todos contra todos, também os poucos que emergem acabam tem de ser aprendida; o homem é o mesmo, não restando para o
afundando-se e desaparecem, tragados pelo pântano comum. educador outro método senão a dor. A prova desta verdade é
Que jogo torpe é a vida! Esta seria a conclusão. encontrada no mundo: para os educadores e suas leis vemos
Se tivermos nas mãos uma maquina maravilhosa, mas, pela acontecer o mesmo que acontece com Deus e a Sua lei. Assim,
nossa ignorância da técnica do seu funcionamento, somente Ele tem de salvar à força os rebeldes inconscientes.
conseguirmos que ela produza péssimos resultados, dando-nos O chicote é duro. A dor não foi criada por nossa imagina-
apenas atribulações em vez de satisfação, quais providências ção. Ela existe. É fato positivo que todos conhecemos. Penetra
seriam aconselháveis para resolver o caso? As máquinas hu- por todas as portas, sem sequer pedir licença. Não adianta ser
manas, se mal usadas por estarem em mãos inábeis e, portanto, rico, inteligente ou poderoso. Ela sabe tomar todas as formas,
destruidoras, estragam-se e deixam de funcionar. Mas existe adaptando-se a cada situação. Há dores feitas sob medida para
uma tão perfeita, que o homem não conseguiu estragar ou im- os pobres, os ignorantes e os fracos, assim como para os ricos,
pedir seu funcionamento. Acontece por vezes que, pelo mau os homens cultos e os poderosos. Os deserdados estão cheios de
uso da máquina, não é ela que sofre, mas sim o mau operário, inveja dos que se encontram acima deles, mas não sabem que
que não soube fazê-la funcionar. Assim é que surge a dor, e acima das suas dores encontram-se, às vezes, dores maiores.
então só há um remédio: aprender a técnica do funcionamento Será que nas mais altas camadas sociais desaparecem os defei-
da máquina, a fim de fazê-la trabalhar bem, para nossa vanta- tos humanos? E se não desaparecem, como pode não funcionar
gem, e não mal, para nosso dano. a salvadora reação da Lei? Ela não pode abandonar ninguém,
Esta máquina representa a lei de Deus. Ela é também boa tampouco os que, por terem subido mais alto na Terra, são os
educadora. E qual o papel do educador? Seu único objetivo é o mais invejados, e não pode porque, sendo o poder deles maior,
bem dos alunos, e nós somos os alunos da lei de Deus. O edu- maior é a sua responsabilidade e, por conseguinte, maior a rea-
cador não deseja vinganças, punições ou sofrimentos, porque ção da Lei. Deus pode perdoar muito mais facilmente a um po-
ama os seus alunos. Se estes tivessem boa vontade para ouvir e brezinho ignorante e fraco do que àqueles que possuem recur-
fossem bastante inteligentes para compreender, bastaria a ex- sos, conhecimento e posição de domínio. Aos que mais conse-
plicação das grandes vantagens da obediência. Mas os alunos guem materialmente subir na vida, estão muitas vezes destina-
são rebeldes, não querem aceitar outras regras de vida senão das provas mais difíceis e dores maiores. Mas a Lei é justa e
aquelas provindas de suas próprias cabeças, além do que, se não pode deixar ninguém fora do caminho da redenção. É justo
têm inteligência, querem usá-la só para se revoltar contra a e lógico que a riqueza, o poder, a glória e coisas semelhantes
Lei. Então o que pode fazer o educador? O fato é que os alunos pelas quais o homem primitivo tanto luta, sejam apenas mira-
não querem ser educados, mas sim destruir o educador. Eles gens que acabam na desilusão. A última realidade da vida con-
desejariam estabelecer uma república independente dentro de tinua sendo sempre a insaciabilidade do desejo e o sofrimento.
um Estado, uma outra máquina funcionando às avessas, contra Em que impasse nos encontramos, meus amigos, pelo fato
a máquina maior que a hospeda. É um caso parecido com o do de possuirmos um desejo louco de felicidade e termos de viver
câncer, que representa uma tentativa de construção orgânica numa realidade de insatisfação e de dor! Estamos presos neste
em sentido parasitário e destruidor da vida, através da multi- contraste. Almejamos o que nunca poderá realizar-se: a satisfa-
plicação celular em forma antivital. ção completa. Mas como se pode satisfazer completamente a
Então, para o educador, não há outra escolha. Das duas insaciabilidade? Como se pode resolver assim para nós este de-
uma: para agradar, poderia não reagir, como desejaríamos nós, sejo de felicidade, senão numa ilusão? Parece que a felicidade
os alunos, e como acontece no caso do câncer com os organis- está atrás de um horizonte e que basta atingi-lo para encontrá-
mos fracos, que não sabem defender-se. Neste caso, porém, de- la. Mas, quando o atingimos com o nosso esforço, descobrimos
pois de ter destruído tudo, as próprias células destruidoras do outro horizonte e verificamos que a felicidade está ainda mais
câncer, por sua vez, hão de morrer também. Ora, o educador adiante. A corrida continua assim, sem fim, atrás de uma mira-
sábio não pode permitir isto. O que lhe resta é reagir, impondo gem que se afasta à medida que avançamos. Mas ninguém se
disciplina. Isto é duro, porém não há outro caminho. Esta tenta- pergunta o que quer dizer este jogo estranho, de querer encher
tiva de construir uma máquina às avessas dentro da máquina um vazio que não se pode encher, de procurar atingir uma de-
regular, ou uma república inimiga dentro de um Estado organi- terminada meta que vai fugindo de nós à medida que nos apro-
zado, ou um câncer dentro de um organismo sadio, ameaça a ximamos dela. Queremos sempre mais. Quem não possui, quer
função de bem que o educador, custe o que custar, tem de cum- possuir. Quem possui, quer possuir mais, seja riqueza, conhe-
prir. E ele pode fazer tudo, menos renunciar a esta sua função, cimento, glória, poder etc. De fato, é o que vemos acontecer no
porque dela depende o que para ele é mais importante: o bem mundo. O desgosto de quem não possui é a carência. A pena de
dos alunos. Então, se ele quer verdadeiramente bem a estes, o quem possui é não possuir o bastante ou o medo de perder o
que pode fazer senão usar de disciplina e ensinar por esse mé- que já possui. Qualquer que seja a nossa posição, tudo tende a
todo, já que os outros, mais benignos, não deram resultado? se resolver no sofrimento da insatisfação.
10 A LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
Mas como é possível que a Lei, dando prova de tanta sabedo- des. O impasse está no fato de parecer impossível atingir na
ria no funcionamento do universo, possa fazer, sem objetivo al- Terra a felicidade, apesar de ser isto o que todos mais alme-
gum, um jogo tão cruel, condenando-nos a essa corrida que não jam. A crueldade do jogo está na condição de se ter absoluta
acaba e que parece sem sentido? E se há um sentido, qual é? Não necessidade de uma coisa que nunca se chega a possuir. Por
estamos fazendo teorias, mas apenas procurando compreender o que somos condenados a esta traição?
que vemos acontecer em nosso mundo, a toda hora. Pensemos Todos procuram a felicidade. Quanto mais é primitivo e ig-
um pouco. Pode o objetivo último da vida ser o de continuarmos norante o ser, tanto mais acredita na ilusão de que seja possível
satisfeitos com as comodidades materiais deste mundo? Ou tem encontrá-la na Terra. Mas, ao mesmo tempo, ele tem de com-
de ser ele a conquista de formas de existência em planos sempre preender que uma felicidade, ao ser atingida, não é mais felici-
mais elevados, progredindo e aperfeiçoando-nos sempre mais? dade. O homem se acostuma a tudo, e tudo perde o valor com o
Se não houvesse a insaciabilidade, tudo ficaria parado na satisfa- hábito. A satisfação habitual de todos os desejos acaba no enfa-
ção atingida, estagnado, inerte, num estado em que tudo acabaria do. Tudo vale e satisfaz enquanto é luta de conquista, esforço
apodrecendo. Se fosse assim, quem nos impulsionaria para fren- para realizar. Se, após atingir-se a primeira meta, não surgisse
te? Dessa maneira, deixaria de haver o movimento mais impor- outro desejo para alcançar resultados maiores e, com isso, um
tante, que constitui a razão da existência, isto é, o deslocamento novo esforço, tudo acabaria no tédio. Se nós recebêssemos tudo
no sentido da perfeição, progredindo por meio de contínuo aper- de graça, não dando prova do nosso valor para ganhá-lo e, por-
feiçoamento. É preciso compreender que este é o escopo da vida: tanto, sem ter um verdadeiro direito à posse, tudo acabaria anu-
a busca da própria evolução. A evolução, com essa corrida que lado no vazio produzido pela sensação de nossa inutilidade. Na
parece sem sentido, é indispensável para ascender. A ascensão é justiça da Lei está escrito que desfrutaremos de uma satisfação
necessária para chegar à salvação, porque não há outro caminho em proporção à necessidade que ela vai compensar e ao esforço
para nos libertarmos do mal e atingirmos a verdadeira felicidade. que fizermos para atingi-la. É agradável comer quando temos
A mesma coisa se pode dizer a respeito da dor. A nossa fome, beber quando estamos com sede e possuir as coisas de
vida se baseia nesta dura condenação, que parece uma cruel- que necessitamos e pelas quais lutamos. Mas quem tem e sem-
dade sem sentido. Por que isso? O mundo ocidental aceita a pre teve de tudo, de tudo está farto e cansado. Isto chega até a
ideia de que a paixão de Cristo foi um meio de redenção. O destruir o desejo de viver, e é justo que seja assim, porque se
que significa isto? Em todas as religiões do mundo existe o trata de uma vida inútil. Desse modo, os mais desafortunados
conceito de que o sofrimento é útil, que saber sofrer é virtude são os que nasceram demasiadamente ricos, sem terem conhe-
cido necessidades ou feito esforços para aprender alguma coisa
que constitui mérito. A razão deste fato é sempre a mesma: a
ou procurá-la, não tendo nada a desejar.
dor existe porque é um meio para progredir. Nela se baseia a
evolução, que tem exatamente a maravilhosa função de des- Assim, vai-se aprendendo cada vez mais a arte do sábio
comportamento, em disciplina, ordem e obediência à Lei, até
truir a dor. Se a dor, que todos percebem e tantas coisas ensi-
que a criatura não vá mais bater contra as duras paredes dessa
na, é meio de evolução, a evolução é por sua vez meio de sal-
Lei, livrando-se, dessa forma, do choque da desilusão e do so-
vação. Tudo o que é maceração, seja dor, trabalho para criar
frimento. Isto porque a gaiola é uma prisão apertada só para o
ou esforço para subir, é meio de salvação. É grande erro que-
ser que não sabe dentro dela andar e movimentar-se com inteli-
rer parar o progresso que nos leva para Deus.
gência, mas é palácio maravilhoso para quem, já tendo batido
O quadro aqui apresentado parece duro, mas não contém
muitas vezes contra aquelas paredes, sabe guiar-se e, assim, não
enganos: é justo, lógico e verdadeiro. A conclusão não é a tris-
provoca mais, com os seus movimentos errados, a reação que se
teza nem o pessimismo. A porta para a felicidade não fica fe- chama dor. A Lei é realmente um palácio maravilhoso para os
chada, mas bem aberta para todos os honestos, todos os de boa que aprenderam a conhecer a disposição dos seus apartamentos
vontade. Não estamos aqui para destruir, mas para construir. Se e instalações, localizando as portas e as janelas, que permitem
destruímos alguma coisa é só no terreno das ilusões, para cons- toda a liberdade, desde que os movimentos sejam inteligente-
truirmos no terreno sólido da verdade. mente ordenados. A Lei é palácio maravilhoso, repetimos, para
ali morar a nossa alma, com tanto maior satisfação quanto mais
VI. A JUSTIÇA DA LEI se aprenderam as regras do sábio comportamento, e com tanto
maior sofrimento quanto menos se conhecem estas regras. É um
O homem em busca de felicidade e a disciplina da Lei. palácio feito de andares sobrepostos, que se apoiam uns por ci-
ma dos outros, em perfeita lógica, com passagens e escadas dos
Temos falado da Divina Providência, da vontade de Deus, inferiores aos superiores. É um palácio em que as paredes falam
das desilusões e dos sofrimentos da vida num quadro único, e raciocinam, em que o mobiliário e as demais comodidades
em que cada coisa esta conexa a outra e todos os fatos e pro- crescem em beleza à medida que se sobe para os andares superi-
blemas estão ligados entre si, revelando-nos cada vez mais, na ores. Mais ainda, é uma máquina que obedece quando sabemos
unidade do pensamento diretor central, a sabedoria e a bonda- apertar os botões que a movimentam. A Lei se torna assim um
de de Deus. Mas o assunto é vasto e aparecem sempre novos extraordinário veículo para quem tiver desenvolvido a inteligên-
aspectos a contemplar, novos problemas a resolver e novas cia necessária ao seu controle, um veículo de sabedoria, de po-
perguntas a responder. Um problema leva a outro, cada respos- der e de felicidade. Mas o homem atual ainda não possui essa in-
ta provoca outra pergunta. Iremos assim avançando de maneira teligência, de maneira que, para ele, a máquina funciona muito
a compreender cada vez melhor o grande plano de Deus, com mal, produzindo apenas atritos, choques e sofrimentos.
o qual Ele dirige a nossa vida e a existência do universo. Nesta Este estudo da estrutura da Lei, que, queiramos ou não, é a
viagem, teremos de ir ainda mais longe do que as mais magni- nossa casa, dentro da qual temos de morar, leva-nos a uma con-
ficentes e longínquas estrelas, porque elas estão fechadas nas sequência importante, pois nos ensina o caminho para viver
dimensões do espaço e do tempo, enquanto o pensamento per- bem, fugindo à dor. Como vimos, na lógica da Lei, o sofrimen-
tence às dimensões espirituais superiores. to é tanto maior quanto mais se desce aos andares inferiores do
Mas continuemos a desenvolver o nosso assunto atual. Vi- palácio, até que, nos seus subterrâneos, encontram-se as cadeias
mos em que impasse nos encontramos na vida. E verificamos torturantes a que se costuma chamar inferno; e tanto menor
isto apenas num rápido esboço de explicação. Temos de enten- quanto mais se sobe para os andares superiores, onde finalmen-
der melhor como funciona este jogo, que parece tão cruel e te encontramos nas torres altíssimas do palácio a feliz liberdade
sem sentido, e compreender, enfim, as suas causas e finalida- a que costumamos chamar paraíso.
Pietro Ubaldi A LEI DE DEUS 11
Ora, dentro desse palácio, moramos no andar que nos per- ceis ou atalhos, para encurtar o caminho à felicidade. Visando
tence, conforme a nossa natureza, a qual é precisamente aquela nossa comodidade, desejaríamos enganar e contraverter a Lei,
que construímos voluntariamente para nós com as nossas obras. mas, como é lógico e justo, não conseguimos desta maneira
No entanto a porta que leva aos andares superiores está sempre senão ludibriar a nós mesmos, porque, ao invés de chegar à
aberta a todos. O problema é só um: descobrir onde ela está, en- felicidade, chegamos à dor.
trar por ela e, uma vez achada a escada para subir, escalar de- Não há dúvida, tudo isso é bem duro. Porém a Lei é hones-
grau a degrau com o nosso esforço. Este é o caminho lógico, ta e não nos engana. Cada esforço para subir recebe a sua re-
justo, sem enganos, para vencer a dor e nos aproximarmos da compensa e, a cada passo dado à frente, sobe-se um pouco no
felicidade. Pode parecer uma maneira dura de falar, mas tudo caminho que nos afasta do sofrimento e nos leva à felicidade.
isto é claro, sincero e honesto. Acredita-se, porém, mais nas fe- Cada prova superada representa uma conquista de sabedoria,
licidades que o mundo promete, porque, não exigindo o nosso um desenvolvimento de inteligência, um enriquecimento de
esforço, são fáceis e cômodas. Mas elas se desvanecem como experiências e um amadurecimento superior, que nos conferem
bolha de sabão. Isto é lógico. Só os ignorantes podem acreditar novos poderes, os quais nos ajudam a subir sempre mais rápi-
que seja possível ganhar o que não foi merecido. Mas isto é do e facilmente. Cada luta vencida contra a inferioridade da
exatamente o que o mundo mais anseia, portanto é justo que re- própria natureza é um degrau escalado; significa um cresci-
colha desengano e tudo pareça traição. mento em estatura, por ter atingido uma posição mais elevada;
De tudo isso se pode tirar uma conclusão muito importante, constitui um empecilho removido, para nos erguermos, ga-
mesmo no terreno prático, ou seja, que existe um meio certo nhando cada vez mais altura. Este é o caminho da libertação
para fugir à dor. Esse meio é evoluir. Isso quer dizer que o so- marcado pela Lei, e não existe outro.
nho de felicidade aninhado no fundo de cada alma não se en- Tudo se transforma à medida que subimos: o terreno, a pai-
contra ali para nunca chegar a ser satisfeito, não é um impulso sagem, o ambiente, a visão, o ar que respiramos. E se transfor-
traidor que tenha apenas a função cruel de nos levar ao engano. mam também, para a espiritualidade, os próprios conceitos de
Esse instintivo e irresistível desejo de felicidade tem um senti- liberdade e felicidade.
do sadio e verdadeiro, porque o seu escopo é nos empurrar pa- Para os animais que evoluíram até ao plano humano, este
ra frente, constrangendo-nos a experimentar muitas formas en- pode parecer um paraíso. Mas, para os que pertencem a planos
ganadoras de felicidade, até encontrarmos a verdadeira. Assim, mais adiantados, nosso mundo pode parecer um inferno. Se é
o homem, fechado na sua atual moradia ou apartamento, que é fácil e natural a um diabo viver entre diabos, não o é, porém,
o plano de vida ao qual pertence, vai tateando pelas paredes até para um anjo. Mas a condenação a essa descida pode verificar-
encontrar a porta e, desse modo, a escada que conduz ao andar se por dois motivos: ou para o ser pagar as suas dívidas, ou para
superior. O homem supõe que ela possa estar aqui ou acolá, e cumprir uma missão em benefício dos seus irmãos inferiores.
assim vai experimentando tudo que se encontra no seu plano: a Este é, em suas linhas gerais, o mecanismo da Lei, ao qual
riqueza, o poder, a glória, os gozos dos sentidos etc. Ele julga estamos encadeados. Iremos estudá-lo sempre mais de perto,
encontrar assim o caminho para satisfazer o seu desejo de feli- para aprendermos a nos movimentar dentro dele, de maneira a
cidade. Mas logo repara que não encontrou a porta que alme- não provocarmos dor, mas sim felicidade. O que queremos sali-
java, mas apenas uma porta que conduzia a uma parede dura, entar na conclusão do presente capítulo é a absoluta impossibi-
sem saída. Então ele diz ter sido enganado e começa de novo a lidade de nos evadirmos dessa lei, porque ela representa o prin-
experimentar por outro lado, sempre à procura da porta que o cípio fundamental da nossa própria vida. Não há filosofia, igno-
levará à verdadeira felicidade. rância ou subterfúgio que nos possa eximir dessa obediência.
Isso parece uma condenação. No entanto o homem, corren- Podemos inverter tudo, mas, dessa maneira, nós é que ficamos
do atrás das suas miragens, vai trabalhando experimentalmente em oposição à Lei, a qual continua de pé. Esta obediência é o
e, assim, aprendendo o caminho certo, desenvolvendo a sua in- nosso único apoio, porque, fora da Lei, estamos fora da vida. A
teligência. Cada desilusão é uma lição aprendida, um erro no fuga à dor não está na revolta. Isso só piora a situação. Quando
qual não se cai mais, um degrau subido na escada da evolução. uma máquina não funciona, não se deve ser tão ignorante a
Se tudo isso parece ser traição, não o é de fato, nem para a Lei, ponto de acreditar que ela possa ser consertada com pancadas e
que atinge assim o seu verdadeiro objetivo, ao fazer o homem pontapés. Saindo dos trilhos da estrada, não conquistamos a li-
evoluir, nem para o ser humano, que, a seu turno, acaba alcan- berdade, mas caímos no abismo. O homem está acostumado a
çando a real finalidade de sua existência: evoluir. Só quem não iludir as leis humanas e julga possível e vantajoso fazer o mes-
compreendeu nada desse sábio jogo pode queixar-se dele. Mas mo com a lei de Deus. Como se pode dela evadir-se, se ela está
agora, que vemos claro e compreendemos o seu significado e dentro de nós, representando a nossa própria vida, e se nosso
objetivo, é mister concluir que não se poderá imaginar método afastamento dela conduz à morte? É possível burlar as leis hu-
mais perfeito e sabedoria mais profunda. manas, mas não é possível enganar a lei de Deus.
É lógico que, para o homem, tudo isso represente trabalho. Essa lei está em todos os lugares e em todos os tempos, di-
Ele gostaria de satisfazer o seu desejo de felicidade sem fazer rigindo a vida em todos os seus níveis. Ela existe para todos.
esforço algum. Mas a Lei é justa e nada concede gratuitamen- Ninguém lhe escapa, qualquer que seja a sua filosofia ou reli-
te. É precisamente a dureza dessa justiça a melhor garantia de gião. A lei de Deus é verdadeira e funciona tanto para católicos,
que as promessas da Lei serão mantidas, enquanto vemos que protestantes, espíritas, budistas, maometanos etc., como para os
os fáceis caminhos do mundo levam ao engano. Por razões ateus, que tudo negam. Um avião, se violar as leis que regem os
profundas, as quais veremos pouco a pouco, a evolução é co- seus movimentos, cai da mesma forma, seja qual for a religião
mo a subida de uma montanha. E temos de subi-la com nossos dos seus comandantes, ou mesmo que sejam descrentes. Assim
próprios esforços. No entanto somos preguiçosos e preferimos também, o organismo humano tem saúde ou adoece indepen-
ficar sentados à beira do caminho. Mas, desse modo, não nos dente da fé ou filosofia do indivíduo. A lei de Deus é a lei uni-
afastamos do feio pântano que se encontra na base da monta- versal da vida, como universais são as leis do mundo físico e
nha. E no pântano estão todas as dores, enquanto no cume da dinâmico, que dela fazem parte. No caso em questão, trata-se
montanha estão todas as felicidades. O terreno, porém, que pi- de leis morais e espirituais, positivas como as outras, e que um
samos na subida é de pedras, escorregadio, cheio de tropeços. dia a ciência descobrirá e demonstrará para o homem do futuro.
Então paramos desanimados, porque, enquanto nossa alma Esta é a lei que estamos estudando e explicando aos homens de
anseia felicidade, temos de enfrentar sofrimento. Procuramos boa vontade que tenham ouvidos para ouvir e desejem, para o
de todas as maneiras fugir dele, seguindo travessas mais fá- seu bem, ser orientados na vida.
12 A LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
VII. MUDANÇA DE PLANOS dele, em última análise, não fica aqui nada de definitivo. Tudo
o que fazemos está sujeito a uma tal caducidade, que o trabalho
A vida é escola para aprender e subir. parece a tarefa de um escravo condenado a construir eterna-
mente em cima de areias movediças. Observado só na sua apa-
Procuremos agora ver mais de perto a estrutura do meca- rência exterior, esse trabalho parece inútil, uma condenação
nismo da Lei, que, como observamos, dirige a nossa vida. sem sentido. Mas existe um sentido, pois a construção que o
Temos verificado que o homem é impulsionado para as du- homem realiza não está na Terra, e sim dentro de si mesmo. Se
ras experiências da vida pelo seu instintivo e irrefreável desejo suas obras se reduzem, afinal de contas, a um deslocamento de
de felicidade, mas que esta, na Terra, não pode ser atingida. E matéria, que permanece na superfície terrestre, onde esse contí-
temos visto que tudo isso se resolve numa corrida em busca de nuo esforço aparenta, em sua essência, ser apenas uma corrida
um inacessível ponto final, que se afasta de nós à medida que atrás de ilusões, não é, todavia, inútil, pois não se trata de uma
nos aproximamos dele. Embora não seja satisfeito nosso desejo, vitória terrena, mas representa uma fadigosa experiência para
realiza-se a vontade da Lei, pois ela atinge assim o seu escopo, aprender. Se não quisermos cair como presas da ilusão, é preci-
que é nos fazer evoluir, e isto significa aproximarmo-nos sem- so compreender que o verdadeiro fruto do nosso trabalho não
pre mais da almejada felicidade. Acontece desse modo que a está na obra realizada, mas na lição aprendida, na qualidade ad-
corrida, dolorosa e cheia de desilusões, conduz sempre à felici- quirida, no progresso atingido. Só assim se explica porque as
dade, ainda que o caminho seja mais fatigante e amargurado do leis da vida não se interessam por aquilo que mais nos interes-
que o homem desejaria. Assim, o que parecia ser crueldade da sa, ou seja, a conservação dos resultados materiais atingidos
Lei revela-se como sua bondade e profunda sabedoria. com tanto sacrifício, que, abandonados a si mesmos, ficam sem
A conclusão, então, é que esse jogo complexo representa defesa e logo acabam por se perder. Nem por isso, no entanto, o
somente uma escola destinada a ensinar a disciplina da Lei, pa- progresso para. O que permanece não é a obra realizada, mas é
ra sabermos desejar com inteligência o que é possível atingir o conhecimento adquirido da sua técnica construtiva, com a
para o nosso bem, dirigindo-nos sabiamente pelos seus cami- qual se podem realizar outras obras semelhantes em número in-
nhos. O mais importante disso tudo é que vamos subindo de um finito, abandonando-se as anteriores, que valem só como expe-
plano de existência para outro mais elevado, onde vão desapa- riência. Este é o verdadeiro significado de todos os trabalhos e
recendo a prepotência, a injustiça, a maldade, as lutas e os so- de todas as obras humanas. A Lei não cuida da conservação do
frimentos que atormentam o ser nos planos inferiores. É pelos fruto material, porque é o fruto espiritual que tem valor, e este
frutos que se conhece a árvore, e não se poderiam desejar frutos fica gravado na alma de quem realizou o trabalho.
melhores. Isto nos prova a sabedoria e a bondade de Deus, sen- Podemos agora compreender o verdadeiro valor das coisas
do um convite para nos entregarmos confiantes aos seus braços. que chegam às nossas mãos. A Lei no-las deixa possuir, manu-
É possível compreender agora o significado e a boa finali- sear e dirigir, contudo, cedo ou tarde, chega o dia em que temos
dade da luta pela vida, que é a lei do nosso plano. Esta lei, de nos desprender delas, e teremos então de devolvê-las à terra,
nesse seu aspecto tão duro, não é princípio biológico univer- de onde a tomamos, restituindo tudo, até o nosso próprio corpo.
sal, mas só qualidade dolorosa particular dos planos inferiores Assim, todas as coisas não nos são dadas senão por emprésti-
de existência, próximos aos da animalidade, existindo apenas mo, em usufruto temporário. Nosso é só o bom ou mau uso que
como meio a ser superado e destinado a ser relegado aos pla- tivermos feito das coisas recebidas. Todo o restante fica na Ter-
nos inferiores pelos seres em evolução. Os diferentes planos ra. Isto não quer dizer que, com a morte, não possamos levar
de existência são regidos por princípios diferentes, de modo a nada conosco. A Lei nos tira apenas o que é inútil e que, na ilu-
desaparecerem lutas e necessidades, à medida que vamos su- são da vida, julgávamos ser a coisa mais importante, enquanto
bindo a escada evolutiva. nos deixa levar conosco o que vale mais, o verdadeiro fruto do
Chegamos ao ponto que mais nos toca de perto. Continuan- nosso trabalho, ou seja, a nossa experiência, representando a
do ao longo desse caminho, acabaremos por atingir um plano sabedoria a ser utilizada por nós mesmos. Esta experiência é a
onde lutas e necessidades já não existirão mais. Isto quer dizer riqueza acumulada de que somos donos, o capital que teremos a
que as necessidades da vida, pelas quais tanto se combate, serão nosso dispor nas futuras vidas.
satisfeitas sem luta, gratuitamente. Explica-se assim o fenôme- Então tudo o que possuímos na Terra é somente material es-
no da Divina Providência, fato que se realiza inclusive em nos- colar, meio para aprender. E as consequências desse fato tam-
so mundo, em benefício dos mais evoluídos, pertencentes, pelos bém estão escritas na lógica da Lei e são muito importantes. Se a
seus merecimentos, a mais altos planos de vida. O esforço exi- finalidade de tudo o que chega ao nosso poder é nos ensinar o
gido pela Lei é duro, mas a sua justiça quer também que, à me- uso certo das coisas, adquirindo-se o sentido da justa medida e
dida que avançamos, ele se vá tornando cada vez mais leve. as qualidades de ordem, autocontrole e disciplina, é justo que a
Quanto mais ascendemos, tanto mais diminui o esforço neces- Lei nos tire tudo, quando temos cobiça demais e fazemos mau
sário para continuar a ascender, aumentando ao mesmo tempo o uso dos nossos poderes. E é justo também que a Lei nos deixe
rendimento do nosso trabalho. Com a evolução tende a diminu- tudo, quando não temos cobiça e fazemos bom uso do que pos-
ir o esforço requerido para continuar a evoluir, tornando-se to- suímos. Se a perda das coisas nos abala, porque a elas estamos
dos os benefícios cada vez mais gratuitos. Ocorre uma coisa pa- muito apegados, então, para aprender a lição de que elas são um
recida com a velocidade do movimento. Este é tanto mais fati- meio e não um fim, é bom perdê-las, para podermos entender
gante quanto mais estamos apegados a Terra, porém torna-se que os verdadeiros valores da vida, aqueles que merecem o nos-
mais fácil e rápido no ar, prosseguindo sem dificuldades e sem so apego, encontram-se noutro lugar. Mas, se a perda das coisas
esforço algum nos espaços siderais. Evolução quer dizer liber- não nos abala, porque a elas não estamos mais apegados, isto
tação e potencialização, levando a anular os empecilhos que, significa que aprendemos que elas são um meio e não um fim.
nos planos inferiores, nos tolhem o caminhar. Nos planos supe- Nesse caso, somos espontaneamente o que devemos ser, isto é,
riores de existência desaparecem, juntamente com todas as suas apenas administradores honestos, e podemos possuir tudo sem
tristes consequências, as duras leis da animalidade e ferocidade, perigo algum para nosso espírito. Acontece, então, que, na lógi-
predominantes em nosso plano de vida. ca da Lei, passa a não haver razão para que as coisas nos sejam
Compreende-se e justifica-se, assim, a dura necessidade do tiradas, mas, pelo contrário, até há motivo para que tudo nos seja
trabalho em nosso mundo. A última razão para a existência des- doado, porque, uma vez aprendida a lição, não há razão que jus-
se trabalho não se pode, no entanto, encontrar na Terra, porque tifique renúncias forçadas e limitações dolorosas. Esta é a lógica
Pietro Ubaldi A LEI DE DEUS 13
da Lei. O caminho para chegar à abundância é o desapego. A da satisfação, para acordar em nós o desejo de coisas mais ele-
lógica do mundo é uma contraversão da lógica divina, e a prova vadas e no fazer ir à procura delas. É assim que, desapegando-
disso são os frutos que nele se colhe, isto é, luta e necessidade, nos das coisas inferiores e apegando-nos às superiores, conse-
onde poderia haver paz e bens em abundância para todos. guimos subir um novo degrau na escada da evolução, realizando
Como se vê, a Lei é inteligente e tem a sua lógica, podendo- dessa forma aquilo que é a maior finalidade da vida, em vez de
se raciocinar com ela. Ora, a lógica da Lei é que o impasse de correr atrás de dolorosas ilusões. Eis pois que, como quer a bon-
sofrimentos e desilusões no qual se encontra o homem em seu dade da lei de Deus, a felicidade está em nosso caminho, espe-
plano de vida, tem de ser resolvido e não pode existir senão pa- rando por nós, para ser atingida com o nosso esforço, vindo ao
ra ser resolvido, porque, se assim não fosse, seria uma conde- nosso encontro, se quisermos cumprir esse dever.
nação louca e cruel, um trabalho duro sem escopo nem sentido. Desta maneira, ficam de pé a bondade de Deus e a sabedoria
Mas a Lei é boa e lógica. Assim, a vida é apenas uma escola da Lei, revelando-se justo, então, o que ao primeiro olhar pare-
para aprender, e tudo se explica e justifica. ce ser um engano cruel. Compreende-se, assim, o verdadeiro
A conclusão desta nossa conversa, por estranha que pareça, sentido do jogo de nossa vida, tal qual o vemos desenvolver-se
é que podemos obter tudo e de graça, mas só quando não dese- em nosso mundo.
jarmos mais com cobiça, porque, só neste caso, o possuir não Continuaremos, assim, a explicar o significado de tantas
representará mais um perigo para nós. Se o escopo de tudo é coisas e fatos que nos cercam.
evoluir, é lógico que seja tirado de nós tudo o que constitui a
base de um apego excessivo, pois isto não nos deixaria prosse- VIII. A TRANSITORIEDADE DO MAL E DA DOR
guir em nossa mais importante obra, que é progredir no cami-
nho da evolução. Em outras palavras, o obstáculo para que tudo Os loucos métodos do mundo e o verdadeiro caminho.
chegue da infinita abundância existente em todas as coisas é a
nossa incapacidade de saber fazer bom uso delas, esquecendo- Já aprendemos que a finalidade da posse das coisas não é
nos da verdadeira razão pela qual as possuímos. Às vezes fal- gozá-las, mas sim aprender a arte de possuí-las conforme a Lei,
tam ao homem muitas coisas porque ele ainda não aprendeu a fazendo delas não uma prisão que nos retém em baixo, mas um
empregá-las sensatamente. Após atingir as necessárias qualida- meio de experiência para evoluir.
des de inteligência, bondade e desapego, imprescindíveis à boa Agora podemos compreender quão louco é o método que o
direção de tudo, não há mais motivo que justifique a privação. mundo usa. Ele corre cegamente atrás das coisas, para apode-
Por que deveria a Lei atormentar-nos sem um escopo útil para o rar-se delas, movido pelo seu instinto de ambição, que julga
nosso bem? Deus não pode querer isto. levá-lo à felicidade. Mas não sabe que tudo está regido por
Na Terra há de tudo em demasia. O que falta é saber de tudo leis, ignorando que, para conquistar e manter a posse de ri-
fazer bom uso. O homem ainda não aprendeu esta lição, e, para quezas e poderes, existem regras e que esses resultados não
que evolua, faz-se mister ele aprendê-la. Enquanto estiver preso podem ser alcançados por quem não as segue. Não basta a co-
aos seus baixos instintos de luta, esmagando todos com o seu biça de querer possuir tudo. Este é um impulso cego que nos
egoísmo, seria um dano para ele possuir poderes maiores. Por- faz cometer erros, constituindo uma estratégia enganadora,
tanto é lógico e bom que ele perca tudo quanto não saiba em- pois nos leva para o ponto oposto ao que desejamos. Como se
pregar senão para o seu próprio prejuízo. Isso revela a sabedo- pode chegar à abundância, usando o método da destruição?
ria da Lei. E isso é, de fato, o que acontece normalmente. O Na sua insaciabilidade de possuir sempre mais, o homem fur-
homem, apesar de ter descoberto a energia atômica, não possui ta, agride o próximo e, no caso maior das nações, faz as guer-
ainda uma psicologia bastante evoluída para saber usar, sem ras. Quer sempre se iludir, supondo que assim vai sair vence-
dano seu, uma força tão poderosa. A descoberta que ainda falta, dor. Mas, depois, seja ele formalmente vencedor ou vencido,
mais importante do que a energia atômica, é esta psicologia, sai da luta com os ossos quebrados, empobrecido e esgotado.
sem a qual aquela se torna perigosa e não pode dar nenhum fru- Não foi isso o que aconteceu na última guerra mundial? A ló-
to senão a destruição. Por isso, infelizmente, é inevitável que o gica deste método é a mesma de quem, para construir um pré-
homem, com a descoberta atômica, destrua tudo, para aprender dio, colocasse bombas, em vez de alicerces, no terreno que
a indispensável lição de saber usá-la e chegar, assim, a realizar serve de base para sustentá-lo, deixando-as estourar. O que se
a descoberta maior, da nova psicologia do homem civilizado, pode construir com tal sistema? De fato, estamos vendo o que
que sabe utilizar, só para o bem da humanidade, e não para des- o mundo consegue realizar com ele. Para edificar é necessário
truí-la, o progresso atingido pela ciência. Da descoberta atômi- construir, e não destruir. A destruição é o único resultado do
ca e da destruição a que ela levará, surgirá, como seu maior e desencadeamento da cobiça cega e descontrolada.
verdadeiro fruto, a construção de um homem mais sábio. Tudo O erro fundamental está no fato de se conceber a vida
é lógico. Se o escopo é evoluir e se o homem é o que é, como egoisticamente, e não coletiva ou fraternalmente. É próprio
atingir de outra maneira esse escopo? dessa psicologia atrasada, natural dos planos inferiores de vida,
Assim, o homem está criando, com a sua cobiça de possuir o erro que leva o indivíduo a centralizar tudo em si mesmo,
demais, a sua miséria. Isto é loucura. Mas ele terá de experi- apegado ao próprio eu, para o qual desejaria que todo o univer-
mentar constantes sofrimentos, até aprender que isto é loucu- so convergisse. Este é o princípio de todos os imperialismos,
ra. Até agora, ele não sofreu o bastante com as suas guerras baseados na força. Mas esse procedimento errado não pode
para resolver acabar com elas. Mas chegou a hora da última e impedir que a vida seja um fenômeno coletivo, no qual todos
decisiva experiência, para esse caso ser resolvido. E quando, os elementos se misturam numa mesma base comum, dentro
com a guerra, for morto também o instinto feroz de destruição das mesmas regras fundamentais. Nesse ambiente, quem julga
recíproca, então, por ter aprendido com a destruição, acabará que seja vantajoso fazer somente seus negócios, sem incomo-
a necessidade da lição para o homem, e ele poderá gozar da dar-se pelo dano alheio, fica automaticamente isolado e não
natural abundância das coisas, da qual somente o seu mau pode viver senão cercado de armas para o ataque e a defesa.
comportamento o afasta. Com todos seguindo esse método, a Terra se transforma num
Na sabedoria da Lei, o desejo existe para ser satisfeito, e não campo de guerra para todos, onde o único trabalho que se faz é
para ser traído com enganos. Quando isto acontece, não pode ser destruir tudo. É isso, realmente, o que está acontecendo em
devido senão à falha de quem deseja, porque desejou na medida nosso mundo. E o que fazem as nações em grande escala, os
e na direção erradas. Com a privação, a Lei nos fecha as portas indivíduos o fazem em pequena. Todos se estão agredindo e
14 A LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
defendendo, cada um julgando alcançar sua vantagem. O resul- prejuízo. Mas, pelo contrário, este pai dá tudo ao seu filho,
tado é um atrito, luta e destruição geral. Cada um semeia bom- quando vê que ele se tornou capaz de fazer bom uso das infinitas
bas no campo do vizinho. Mas também ao seu próprio campo coisas e poderes de que o universo está cheio. A consequência
chegam os estilhaços, quando elas estouram. Na vida não se disso tudo é que, nos planos inferiores, onde domina o estado
pode isolar o dano de ninguém. O dano dos outros acaba, mais involuído com a correlativa ignorância, tudo fica mergulhado na
cedo ou mais tarde, sendo nosso também. Quem desconhece luta, na violência, na destruição, na carência extrema, enquanto
esse fato terá depois de sofrer suas consequências. que, nos planos superiores, onde domina o estado evoluído com
Aqui poderia surgir uma pergunta: como pode a sabedoria a correlativa sabedoria, tudo emerge e se eleva na paz, no amor,
da Lei permitir que aconteça tudo isso? na construção, na abundância. Repetimos estes conceitos para
A sabedoria do mestre não quer dizer a sabedoria do aluno, tornar bem compreendido que a causa primeira dos nossos ma-
que tem de conquistá-la com o seu esforço. O homem ainda les advém do estado de involução em que nos encontramos e
tem de aprender muitas coisas. O trabalho que lhe cabe fazer na que, para nos libertarmos deles, só há um remédio: evoluir. Para
sua atual fase de evolução e nível de vida é exatamente experi- isso, é necessário o nosso esforço, a fim de que as vantagens se-
mentar sofrimentos e dificuldades, até que aprenda a viver em jam merecidas, pois nada cai de graça do céu. Todas as dores
harmonia com o bem. Ninguém é culpado por estar atrasado no permanecerão, enquanto o homem não tiver aprendido a não
caminho da evolução, mas cada um sofre o dano de não ser mais as provocar com o seu comportamento negativo.
obediente à Lei. Só tem direito a desfrutar vantagens quem su- Esta conversa parece dura, mas é justa e verdadeira. Encon-
biu a planos de existência superiores. trar justiça e verdade, ao invés de enganos, é vantagem. Não há
O fato positivo da absoluta vontade da Lei é a evolução do dúvida também que nada se perde de tudo o que tivermos feito
ser. O desenvolvimento da inteligência a fim de se orientar no com boa vontade para subir. Como cada sofrimento encontra
caminho da vida é um dos trabalhos mais importantes para as suas causas em nossas obras erradas, do mesmo modo todo
atingir esse escopo. Ora, no baixo nível em que se encontra o trabalho que quisermos realizar no sentido do bem não pode
homem, são necessários, para desenvolver a inteligência, os deixar de produzir, para nossa satisfação, seus bons frutos. A
choques e os sofrimentos enfrentados por ele na Terra, como Lei é justa e imparcial. É lógico, então, que, pela mesma razão
consequência da sua ignorância. É necessária a destruição, a pela qual quem semeia o mal tem de colher o mal, quem se-
dor, a guerra, a insegurança de tudo. É necessária essa luta, que, meia o bem tem de colher o bem. Está garantido, de maneira
com prejuízo da própria vida, tem de ser vencida, custe o que absoluta, que tudo isso se realize. Tudo fica, através de uma
custar. Golpes mais leves não seriam percebidos. E a Lei pro- técnica sutil de vibrações, gravado nas correntes dinâmicas que
porciona as suas provas na medida da sensibilidade dos indiví- fazem parte da Lei, a qual, como já dissemos, é também von-
duos, dando suas aulas de acordo com a inteligência dos alunos. tade e ação. E tudo pode sempre ser corrigido por novos im-
Pela mesma razão, os selvagens vivem num ambiente selva- pulsos, mas nada pode ser anulado. Nestas correntes está escri-
gem, e as feras num mundo feito de ferocidade. Mas todos es- ta a nossa história de milênios, tendo cada um o seu registro,
tão cumprindo o mesmo trabalho de desenvolver a sua inteli- que não se mistura com os dos outros. Ali tudo pode ser lido e
gência, cada um no seu nível, na forma adaptada ao conheci- a toda hora se podem fazer as contas de débito e de crédito,
mento que já possui. É assim que, através das mais duras expe- que marcam a nossa posição com relação à Lei, conforme nos-
riências, o ser vai ascendendo e, à medida que sobe, estas se so merecimento, tanto no sentido do bem como no do mal. Tu-
tornam mais leves. Isso porque, aumentando a sensibilidade e a do na Lei é profundamente honesto, sem possibilidade de es-
inteligência, as experiências mais dolorosas não teriam sentido capatórias ou burla. Mesmo o mínimo esforço que quisermos
na lógica da Lei, pois seriam contraproducentes, esmagando em realizar receberá a sua proporcionada recompensa.
vez de educar. E, já dissemos, a Lei é sempre boa e construtiva. É assim que, lentamente, vamos reconstruindo a nossa indi-
Assim, o homem, experimentando os dolorosos efeitos dos vidualidade com as suas qualidades boas ou más, as quais re-
seus erros, vai aprendendo a não os cometer mais e, desse presentam o total de todas as operações realizadas, sintetizadas
modo, vai construindo a sua sabedoria. Quando a tiver cons- neste seu último resultado, que constitui a nossa personalidade,
truído, já não cometerá mais erros. A planta má do sofrimento com a sua história passada, seus instintos atuais e seu destino
não poderá mais nascer, porque não será semeada. Tudo está futuro. Assim a Lei funciona com absoluta honestidade e res-
claro e é lógico, ao mesmo tempo em que é bom e justo. No peito pela liberdade do ser, qual máquina perfeita.
quadro do universo, tudo está certo, quando colocamos cada Observando-nos a nós mesmos, podemos ler a história do
coisa no seu devido lugar. Mas o que se encontra em nosso nosso passado. Quem tiver olhos abertos para ler dentro de si,
mundo é, sobretudo, cego desabafo de instintos, em vez de porque se acostumou ao autocontrole e à introspecção, pode,
sábia orientação. Acima de tudo, porém, permanece a sabedo- olhando para o fruto, reconstruir a estrutura da árvore e das raí-
ria da Lei, por intermédio da qual recebemos o que merece- zes. Isto quer dizer que o ser, olhando para os seus instintos e
mos, não importando se cada um procura culpar o outro. O qualidades atuais, pode reconstruir as séries de pensamentos e
importante mesmo é que há um caminho de libertação da dor: atos que, longamente repetidos, tornaram-se hoje os hábitos
a evolução. E quando chegar a dor, se soubermos usá-la, atin- constituintes de sua personalidade. Existe, pois, um meio pelo
giremos a libertação da própria dor. qual é possível, de maneira lógica e positiva, reconstruir nossa
A verdade de tudo isso está provada pelos fatos que vemos. história passada. E, se em nossa vida atual chega o sofrimento,
Hoje, o homem, pelas grandes descobertas que alcançou, encon- isto, na lógica da Lei, tem de possuir um significado e um obje-
tra-se neste cruzamento: ou se decide a desenvolver a inteligên- tivo. O significado é que esta dor tem como origem as más qua-
cia e a bondade, indispensáveis para fazer bom uso das novas lidades por nós adquiridas, sendo o seu objetivo dado pela sua
forças, ou destruirá tudo. Isto significa que, quando se atinge própria função: corrigir os nossos defeitos.
novo poder e a posse de maiores recursos, a inteligência neces- É através desse caminho que se vai aperfeiçoando a mecâni-
sária para usá-los tem de crescer paralelamente, se não quiser- ca da reconstrução do nosso eu. O caminho é duro, mas todo
mos cair num desastre, cuja finalidade é precisamente tirar po- esforço é bem pago. O patrão que tudo dirige é honesto. Ele
deres das mãos daqueles que não os merecem. Esta é a prova exige conforme sua justiça. A Lei é dura, mas não há nela lugar
que a humanidade está hoje esperando. Se ela não souber vencê- para enganos. Assim, se é triste olhar para nosso feio passado e
la, como se espera, perderá tudo. Um bom pai tira tudo das mãos observar nosso presente infeliz, podemos com alegria olhar
do seu menino, se este começa a usar armas perigosas em seu também para nosso futuro. Já sabemos, sem sombra de dúvida,
Pietro Ubaldi A LEI DE DEUS 15
que a evolução nos leva das trevas para a luz. Então, se no pas- dos fatos e permanecer apegados à realidade da vida prática,
sado houve trevas, no futuro haverá luz. A evolução é uma cor- tendo como objetivo a nossa utilidade. De tudo o que falamos,
rente que nos impulsiona para essa luz. Basta apenas paciência, podemos dar uma explicação objetiva, sem derivar para abstra-
para esperar que venham tempos melhores, boa vontade e obe- ções filosóficas. Nossas teorias estão baseadas na razão, na ob-
diência à Lei, para que eles amadureçam em benefício nosso. servação dos fatos, na ciência positiva. O que vamos explican-
Assim, quando tivermos aprendido a lição do desapego, do não foi aprendido só nos livros, não é repetição do que se
quanta riqueza poderá chegar! Aprendida a lição da renúncia, costuma dizer neste terreno, mas representa material inédito,
quanta abundância! Aprendida a lição da humildade, quanto porque foi sobretudo vivido, experimentado e controlado na lu-
poder! Quando tivermos adquirido a virtude da paciência no ta e no sofrimento. Não estamos repetindo lições aprendidas de
sofrimento, quanta felicidade! Quando tivermos adquirido a cor, mas sim oferecendo as conclusões de uma vida de pensa-
virtude da bondade, quanto amor poderemos receber! E, fi- mento, dedicada ao esforço de compreender, de uma vida de
nalmente, depois de ter conseguido tanto, quanto repouso! amarguras, por não ter querido aceitar os caminhos vulgares do
Não estamos fantasiando coisas absurdas. Temos visto como mundo. Foi principalmente por intermédio da minha própria
tudo isso está escrito na lógica da lei de Deus. Este é também experiência, e não por intermédio da experiência dos outros,
que quis enfrentar e resolver o problema do conhecimento, esta
o significado do Sermão da Montanha. Estas são as verdades
tão tormentosa questão para o homem em todos os tempos. E,
que Cristo nos ensinou.
assim, chegamos a perspectivas que, diferentes das comuns, por
“Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o
serem originais, podem parecer erradas, se medidas com o me-
reino dos céus. Bem-aventurados os que choram, porque eles se-
tro formal das verdades tradicionais.
rão consolados... Bem-aventurados os que têm fome e sede de Com esse método, porém, atinge-se a grande vantagem de
justiça, porque serão fartos. Bem-aventurados os misericordio- quem fala sem repetir coisas aprendidas dos outros, estando
sos, porque eles alcançarão misericórdia. Bem-aventurados os por isso bem convencido do que diz, e a melhor maneira para
limpos de coração... Bem-aventurados os pacificadores... Bem- convencer os outros é estar convencido. O que mais fortifica a
aventurados os que têm sido perseguidos pela justiça... Alegrai- transmissão de ideias e determina a persuasão não é o método
vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus... ”. de convencer à força, tratando de impor as próprias ideias, pois
Os comentadores deste discurso nunca se perguntaram, por isso desperta o instinto de defesa, mas sim a linguagem sim-
acaso, qual seria a profunda razão desta inversão de todos os ples e sincera de quem está convencido da verdade que repre-
valores humanos? Já se dispuseram alguma vez a meditar no senta. A vida exige que o fruto brote de sua própria origem.
porquê disso? O motivo de tudo não se pode descobrir senão Para chegar a transmitir a chama da própria convicção, é ne-
em função da Lei, que rege o funcionamento do universo. É ne- cessário possuí-la, de outra maneira não se poderá transmitir
cessário ter primeiramente entendido o significado do fenôme- senão o gelo da própria indiferença. O que tem poder não são
no da evolução, as causas que o geraram e o seu telefinalismo as palavras, que vão da boca para o ouvido, mas a vibração ar-
ou objetivo final a atingir, isto é, o seu ponto de partida e de dorosa do coração e da mente, que se dirige ao coração e à
chegada. Então é possível compreender, como aqui estamos mente do próximo. A verdadeira conversa não se dá com pala-
explicando, que o mal e a dor, na perfeição da obra de Deus, vras, mas faz-se interiormente, por sua força, de alma para al-
são defeitos que não podem ser admitidos senão como imper- ma. A arte da oratória é outra coisa; é fruto artificial, fingido,
feição relativa e transitória, como qualidades passageiras pró- que pode ser agradável para observar, mas não serve para dige-
prias da criatura, ao longo do caminho de sua evolução. Isso rir, porque não contém alimento. Ao contrário, a verdadeira
quer dizer que o mal e a dor existem só para serem corrigidos e convicção abala as mentes e sabe dar-nos palavras que nos
transformados em bem e felicidade. Eis que, à tristeza de veri- ajudam a chegar a esse resultado, palavras substanciais e pode-
ficar tantas coisas horríveis no presente, sucede a alegria de sa- rosas, que são as únicas a possuírem esta força.
ber que, se quisermos, podemos realizar no futuro muitas coisas Quando eu era moço, o maior choque que recebi, ao primei-
maravilhosas. Eis ainda que, ao pessimismo de quem fica ven- ro despertar da minha mente nesta nossa Terra, foi aperceber-
do só o caso particular do momento, sucede o otimismo de me da presença da mentira. Na pesquisa a que me dediquei, pa-
quem alcança e abrange, numa visão de conjunto, todo o pro- ra saber em que espécie de mundo me encontrava, essa foi uma
cesso da evolução da vida, até à sua última etapa. Seria uma ab- descoberta bem dura, tanto mais porque estava eu com sede de-
surda blasfêmia admitir que fosse permitido ao mal e à dor sesperada de alguma coisa de justo, de sinceramente honesto e
manchar, de forma definitiva, a obra de Deus e, assim, vencer verdadeiro. E tudo se apresentava de tal maneira corresponden-
Sua infinita sabedoria e bondade. te à aparência de verdadeiro, que, antes de fazer a triste desco-
berta, eu acreditava que tudo era genuíno, sem de nada suspei-
tar. E o pior ainda é que muitos se ufanavam de, por esse meio,
IX. DAS TREVAS À LUZ ou seja, com o engano, vencer o próximo. Então me perguntei
em que mundo infernal tinha nascido. Um mundo em que do-
Em busca da verdade que nos orienta e minavam a ausência de Deus e a presença das forças do mal.
constrói rumo à perfeição. Esta foi a verdade que saltou à minha vista, logo que comecei a
olhar atrás dos bastidores das aparências. Tudo isto me poderia
O que temos afirmado neste livro não está assente no ar, nem ter passado despercebido. Mas, infelizmente, tinha o instinto de
é fruto apenas de uma escola filosófica ou de uma opinião pes- querer olhar as coisas também por dentro, para conhecer o se-
soal. Nossa afirmação de fé não é cega, mas sim uma afirmação gredo de sua estrutura e de seu funcionamento, desde os brin-
baseada em conclusões extraídas de teorias complexas, que fo- quedos de menino até à grande máquina do universo.
ram em nossos livros cabalmente demonstradas e, nesta exposi- Fiquei desiludido, mas isso não perturbou minhas pesquisas.
ção simples, não podem ser repetidas. Quem quiser aprofundar Como quem procura um tesouro escondido, sem o qual não po-
seu conhecimento poderá encontrar naquelas teorias as razões de viver, em vez de cair no desânimo e no pessimismo, continu-
últimas destas nossas afirmações, desde as primeiras causas até ei escavando ainda mais fundo, para descobrir qual era a última
suas derradeiras e resolutivas consequências. Mas, atrás destas, verdade e o que havia de real atrás dessas enganadoras aparên-
está também o apoio de uma vida inteira de controle experimen- cias do mundo. A pesquisa foi longa e dura, porque escarnecida
tal dessas teorias, em contato direto com a realidade dos fatos. como coisa inútil por uma maioria que buscava objetivos dife-
Isso nos oferece, quando se trata dos problemas da vida e do rentes. Pesquisa condenada, porquanto a procura, atrás das ver-
espírito, a seguinte vantagem: podemos pisar no terreno firme dades fictícias, da altíssima verdade incomodava a todos, pois
16 A LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
revelava muitos jogos de interesses que eles desejavam conser- para responder de uma maneira exata ou não tinham muito inte-
var escondidos. Encontrei-me, então, sozinho, desprezado por resse em conhecê-las. Talvez porque estivessem preocupados
não fazer negócios para amontoar dinheiro – a coisa mais impor- com alguma outra coisa mais importante ou então desesperan-
tante segundo a opinião geral – e culpado por buscar a verdade e çados por não ter encontrado respostas adequadas às suas inda-
trazê-la à tona. Mas um instinto indomável me dizia que, com gações. O que mais os atraía e prendia eram as ilusões do mun-
toda a certeza, tinha de existir em algum ponto, para além deste do, nas quais mais acreditavam, embora todos vissem, a todo o
nosso mundo, um outro melhor, onde reinasse a justiça em vez momento, que elas acabavam sepultadas, com o nosso corpo,
da força, a sinceridade em vez do engano, a inteligência em vez no túmulo. Foi assim que, para satisfazer meu desejo ardente de
da ignorância, a verdade em vez da mentira, a bondade em vez orientar sabiamente minha vida, comecei sozinho o trabalho de
da maldade, a felicidade em vez do sofrimento. E, uma vez que pesquisa com todos os meios ao meu alcance, tantos os da cul-
eu tivesse descoberto esse outro mundo, o que mais almejaria tura como os da intuição, da observação e do sofrimento,
era encontrar o caminho para chegar até ele. olhando e controlando, por dentro e por fora, tudo o que acon-
Considerava-me como se estivesse encerrado numa prisão tecia comigo e, na medida do possível, com os outros. Juntando
escura, sem portas nem janelas. Mas percebia, por intuição, os extratos de conhecimento adquiridos na Terra, completando
que, além das paredes duras, havia o ar livre e a beleza do céu com o raciocínio e a intuição, foi possível fundir, num sistema
na luz do sol. Para chegar até lá, escavei, sozinho, nas trevas, unitário e orgânico, os muitos elementos separados e obter a vi-
com as unhas a sangrarem, atormentado pelos sofrimentos da são global do universo. Assim, cheguei a me encontrar, hoje, na
reclusão; escavei as pedras duras da parede espessa, desalenta- posição de quem não somente pode viver completamente orien-
do e, às vezes, esgotado. As pedras iam caindo, uma após outra, tado a respeito da sua própria vida, mas também pode oferecer
até que, um belo dia, um raio de luz apareceu, anunciando-me a quem precisar, como eu precisei, as respostas às perguntas
que tinha encontrado o caminho para a libertação. Até agora, fundamentais que dizem respeito à nossa existência. Eu preci-
foram afastadas dezessete pedras. Para que nada se perdesse da sava absolutamente destas respostas, porque não conseguia
experiência do meu trabalho, nem para mim nem para os ou- compreender como fosse possível percorrer este trajeto – o ca-
tros, para que nada se perdesse da visão sempre mais ampla e minho da vida – sem conhecê-lo. É lógico que viver correndo
bela que aparecia lá fora, tudo eu gravava na minha mente e ao acaso, como um cego, atrás de tentativas, para cair finalmen-
descrevia em livros. Dezessete pedras significam dezessete li- te em desilusões, não representa um trabalho construtivo, mas
vros. Outra pedra agora está caindo, e estou escrevendo o dé- um louco desperdício de forças, de nossas forças.
cimo-oitavo livro. Aparecem, assim, horizontes sempre mais Assim cheguei à maior conquista da minha vida, que é ter
vastos, planícies e montanhas, cidades e rios, o mar e o céu, e a descoberto a presença sensível da lei de Deus. Todos sabem e
luz do sol, que tudo ilumina, dissipando as trevas da prisão e falam da existência de Deus, da sua presença e da sua lei. Outra
aquecendo também os duros corações dos prisioneiros. A estes
coisa, porém, é perceber essa presença, vendo como ela está
ofereço o fruto deste trabalho, para que também cheguem a
operando tanto nos grandes acontecimentos da história como
compreender o caminho da libertação.
nas pequenas ocorrências de cada ser. É completamente dife-
Cada um, ao nascer, traz consigo certos instintos, construí-
rente ver que, a todo o momento, a lei de Deus está funcionan-
dos por ele mesmo em existências passadas, e sente-se impulsi-
do ao redor e dentro de nós e que, apesar da nossa vontade de
onado a segui-los, sejam bons ou maus, encontrando-se acor-
rentado a eles pela mesma irresistível e fatal força que liga o nos subtrairmos a ela com nossa revolta, ninguém pode fugir
efeito à causa. Ora, o instinto que me guiava, antes que eu, ob- dela, pois todos devem permanecer sujeitos a ela.
servando e raciocinando, pudesse compreender tudo, exigia que Foi assim que atingi a grande satisfação de constatar que, de
a minha vida não fosse um inútil desperdício de forças em bus- fato, quem manda é Deus e que, assim, a vida não é dirigida pe-
ca de miragens, como depois vi que muitas vezes acontece na la prepotência do homem, mas sim pela sabedoria, bondade e
Terra, mas sim uma construção sólida, fundamentada no terre- justiça divinas. Então, quando o patrão maior, que está acima
no seguro e inabalável dos valores eternos, em vez de apoiada de todos, é Deus, o que temos a temer? Vi, assim, que bastava
nas areias movediças dos valores fictícios e caducos do mundo. isso para transformar num otimismo salvador o desespero dos
Talvez por ter experimentado bastante e por ter aprendido a li- sofredores, a tristeza dos desamparados e o natural pessimismo
ção, não me pertencesse mais a prova de cair vítima das mais dos honestos condenados a viver neste nosso mundo. Então, pe-
comuns ilusões humanas, tais como a riqueza, o poder, a glória, la ajuda que esta tão grande esperança nos dá, é possível aceitar
as satisfações materiais etc. Tão-só pelo olfato sensibilizado, a dura prova de uma vida na Terra. Assim sendo, a vida pode
percebia logo serem elas apenas engodos. Precisava, assim, fa- tornar-se uma festa também para os sofredores e os deserdados.
zer da vida um uso diferente do comum, uma verdadeira obra Possuímos, desse modo, o tesouro de uma alegria confortadora
de construção, e não uma escola de ilusões, que não mais podi- para nós e para os outros. Quem faz tudo isto ser visto ajuda a
am enganar-me. Para construir, era necessário um terreno fir- bondade de Deus a descer e manifestar-se na Terra, tornando-se
me, onde pudesse fixar os alicerces. Percebia, por intuição, que operário d'Ele e, semeando felicidade para os outros, semeia fe-
esse terreno tinha de existir, mas na Terra era difícil encontrá- licidade para si mesmo. Mas poder-se-ia objetar que tudo isso
lo. Alguns raios de luz apareciam aqui ou acolá, nas religiões, já é sabido por nós e constitui a pregação de todas as religiões.
nas filosofias, na ciência, porém fracos, desconexos, torcidos, E é verdade, esta esperança já existe, mas como coisa longín-
disfarçados, sepultados no fundo das formas. Era necessário qua e nebulosa, apoiada só na fé; esperança duvidosa, pois só
iniciar tudo novamente. E assim foi feito. Trabalho duro, cujo pode realizar-se numa outra vida, desconhecida, que, para nós,
fruto oferecemos neste e nos outros livros àqueles que deseja- vivos, perde-se no mistério da morte. A novidade consiste em
rem orientar-se de maneira a fazerem das suas vidas a mesma apresentar esta esperança como realidade positiva, verdadeira,
obra de construção sólida à qual nos referimos. porque não somente demonstrada com as provas da razão e da
Para dar uma orientação à minha conduta na vida, era preci- ciência, mas também submetida a um processo regular de expe-
so, antes de tudo, conhecer o lugar aonde eu acabava de chegar. rimentação, confirmada pela nossa própria vida, que nos mostra
Por que tinha nascido e por que tinha de viver esta vida presen- como são verdadeiros os princípios em que se baseia aquela es-
te? Para onde este caminho se dirigia, ou tinha eu de dirigi-lo? perança. Nosso problema agora é só um: deixar os outros toca-
Mas, para resolver o meu caso particular, tinha também de en- rem esta outra realidade com as mãos, como nós a tocamos, pa-
contrar resposta às mesmas perguntas para o caso geral. Per- ra que assim possam tirar desse conhecimento a certeza, o oti-
guntava aqui e ali, mas não obtinha resposta satisfatória. Pare- mismo e a força que ele nos deu. E esta também é a razão pela
cia que meus semelhantes não sabiam o suficiente dessas coisas qual escrevemos estes livros.
Pietro Ubaldi A LEI DE DEUS 17
X. APARÊNCIAS E REALIDADES gria. Por isso nunca nos cansaremos de explicar estes conceitos,
de demonstrar e confirmar estas verdades, para que os outros
Novo modo de conceber e encarar a vida. também tomem parte nesta festa. Alegria nenhuma é completa,
A alegria de quem compreendeu. se não é compartilhada com os outros. Vamos assim, gradativa-
Não julgar, para não ser julgado. mente, explicando sempre mais o conteúdo da nossa obra e o
seu objetivo. Utilizando apenas as armas da inteligência, da sin-
Minha maior satisfação foi ter descoberto que o mundo é re- ceridade e da bondade, nossa luta é só para vencer o mal que
gido pela sabedoria, bondade e justiça de Deus, conclusão a que inunda o mundo, é para oferecer a ele, de graça, o produto que
chegamos no capítulo anterior. Mas, se tudo é regido por Deus, mais parece faltar-lhe, ou seja, um meio de orientação para
o universo é uma máquina perfeita e o nosso mundo, portanto, aprender a viver com mais inteligência e menos sofrimento.
não é só, como pode parecer, o reino da desordem e do mal. Há Quem conseguiu compreender tudo isso e viver olhando
uma realidade diferente para além das aparências. Minha grande para Deus, concebe tudo de maneira diferente, torna-se outro
satisfação foi ter descoberto essa outra realidade. Olhando em homem e, como se houvesse descoberto um outro mundo, nele
profundidade, cheguei a ver que o pior está na superfície e que, vive uma outra vida, mais satisfeita, ampla e poderosa. Desfaz-
debaixo dessa, encontra-se um outro mundo, regido por uma ou- se então, para ele, o jogo das ilusões humanas, em que tantos
tra lei, feita de sabedoria, justiça e bondade. Esta lei é a lei de acreditam com fé inabalável, e aparece atrás delas outra reali-
Deus, que, agindo na profundidade, tudo dirige. Este terreno é dade, que nos explica a razão pela qual existe esse jogo e por
de rocha resistente, onde se pode construir sem perigo de enga- que temos de suportá-lo. Por outras palavras, vive-se de olhos
nos. Esta é a fonte que pode saciar quem tem sede de justiça, de abertos, compreendendo o motivo por que tudo acontece. Vi-
bondade e de verdade. Então a vida, em vez de um caos de lutas ve-se orientado a respeito da conduta a seguir e das finalidades
desordenadas, onde só há lugar para os mais fortes, que costu- da vida. Quando, por ter evoluído, cai o véu da ignorância, que
mam vencer de qualquer modo, é um lógico e justo trabalho de nos impede de ver esta outra realidade, então se compreende
experiências, constituindo um caminho dirigido para nossa feli- que fazer o mal aos outros, acreditando ser possível levar van-
cidade. E, realmente, não vivemos ao acaso, abandonados a nós tagem, é loucura que não tem o alcance desejado. Auferir lu-
mesmos, perdidos neste imenso universo desconhecido. Temos cros por esse caminho pode parecer possível só para quem está
um Pai nos Céus, que, se golpeia os maus com a Sua justiça – ainda mergulhado na ignorância, própria dos níveis inferiores
assim fazendo para o bem deles – também recompensa os bons, da evolução. O que de fato acontece é que quem espalha vene-
que o merecem. Podemos contar com Ele e n'Ele confiar. Ele no o espalha para todos e para si também. Assim quem faz o
mantém sempre Sua palavra, que está escrita em Sua lei, e con- mal acaba por fazê-lo também a si mesmo.
cede-nos o que tivermos merecido. Ele vela por todos nós. Te- Não há somente um funcionamento físico e dinâmico, mas
mos, pois, alguém que defende nossa vida e que está pronto a também um funcionamento moral e espiritual do universo, com
ajudar a todos, bons e maus, para levá-los ao bem e à felicidade. suas leis exatas e fatais, como são as leis do plano físico e di-
Somos elementos constitutivos e cidadãos de um universo orgâ- nâmico que a ciência estuda. O universo onde moramos está
nico, em cujo seio a Lei coordena nossa vida em relação a todos construído de tal maneira, que seria grande erro dizer que um
os outros elementos, todos irmanados em função do mesmo determinado dano não nos interessa por não ser nosso. Não é
princípio central diretor, orientados e impulsionados para a possível nos isolarmos de coisa alguma no universo. Queiramos
mesma finalidade, que é a salvação universal. ou não, estamos irmanados à força no mesmo mundo, respiran-
Assim, vemos que, na realidade, a injustiça é fenômeno do todos a mesma atmosfera de fenômenos, sejam físicos, di-
transitório e de superfície. Quem verdadeiramente manda é nâmicos ou espirituais – entrelaçados entre si – de maneira que
Deus, isto é, o bem, sendo que as próprias forças do mal aca- qualquer movimento ecoa e repercute em todos os sentidos, não
bam trabalhando apenas em função do bem. E, se é Deus quem podendo parar enquanto não atingir seus últimos efeitos. Não
manda, quem na realidade reina e tem de vencer não o faz pela existem compartimentos estanques, divisões absolutamente
força, mas sim pela justiça. Não há força que possa impor-se, trancadas, que possam parar uma vibração, uma vez que esta
violando esta lei. Mais cedo ou mais tarde, cada um acaba rece- tenha sido posta em movimento. Não é possível construir pare-
bendo o que merece. A revolta contra a ordem, permitida por des suficientemente fortes para poder separar seres feitos da
Deus, não consegue, como o homem desejaria, subverter essa mesma vida e sujeitos à mesma lei, paredes capazes de isolar a
ordem para sua vantagem, mas, antes, só o arrasta para seu da- nossa vantagem da vantagem dos outros, ou o nosso dano do
no. Assim como quem faz o bem tem de receber sua recompen- dano dos outros. Tudo, enfim, precipita-se na mesma atmosfe-
sa, quem faz o mal também tem de pagar com seu sofrimento. ra, de onde cai a chuva para todos.
Se esclarecer tudo isso, como estamos fazendo, representa É verdade que existem na natureza prepotência e parasitis-
um aviso para os maus, não há dúvida que constitui também mo, e a vida os permite e os aceita. Mas por quê? A vida age
um grande consolo para os bons. Desloca-se assim, comple- assim não para vantagem do vencedor, mas da vítima, que, por
tamente, o conceito da vida. A força maior está em Deus, e este caminho, lutando, aprende a conquistar para si o seu lugar
quem está junto d'Ele, porque vive conforme Sua lei, é o mais no mundo. Assim, acontece que, quando a vítima aprende a li-
forte. O verdadeiro poder não está nas mãos dos prepotentes e ção sob os pés do vencedor, lição que este mesmo lhe ensinou
astutos, como parece ao mundo. Coisa incrível para quem não com o exemplo, esmagando-a, ela se rebela, Então o escravo,
sabe ver além das exterioridades. O poder está nas mãos dos se puder, escraviza o patrão. Mas quem foi que doutrinou e
honestos, que, pelo fato de obedecerem a Deus, com Ele cola- adestrou os subordinados, mostrando-lhes este caminho? É as-
boram e são por Ele protegidos. Podemos, assim, ter confian- sim que a prepotência, filha da injustiça, só dá fruto até certo
ça na vida, porque ela está sempre bem dirigida por Quem tu- ponto, e essa superioridade e predomínio duram apenas en-
do sabe, mesmo quando ela se encontra repleta de ignorância; quanto ensinam. Isso é de fato o que vemos acontecer no mun-
está bem comandada pela divina bondade, mesmo quando do. O que sustenta tanta luta é tão-somente a antevisão da vitó-
somos maus; está sempre dirigida para o nosso bem e felici- ria. E a razão dessa luta contínua é o fato de constituir ela, em
dade, mesmo quando vivemos na dor. si, uma escola para desenvolver a inteligência, até se chegar a
Quanta luz e alegria de otimismo pode espalhar ao redor de compreender que a vitória antevista é uma ilusão. Mas, na ver-
si quem compreendeu tudo isso! E quem se sente alegre não po- dade, serviu como estímulo para que o indivíduo alcance o ob-
de renunciar à satisfação de comunicar aos outros esta sua ale- jetivo da vida, que é o progresso.
18 A LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
O homem foi sempre vítima de enganos dos sentidos e de da do homem, como organismo físico, estrutura social, desen-
sua mente, enganos que o levaram a interpretações erradas dos volvimento histórico e ascese espiritual, não fosse dirigida por
fatos. Já se acreditou que a matéria fosse sólida e indestrutível; uma mente superior à dela, tudo no mundo teria fracassado há
que a Terra fosse imóvel e que, portanto, o Sol girasse ao redor muito tempo. Se tudo o que significa rebeldia do homem à Lei
da Terra, e não a Terra ao redor do Sol; e, assim também, em não fosse continuamente corrigido e devidamente orientado na
muitas outras coisas. Só agora o homem começa a perceber direção certa para a salvação final, como poderia esta ser atin-
quão enganadora é a aparência das coisas, entendendo que a gida, uma vez que tem absolutamente de se realizar? Certamen-
verdade é bem outra, embora ainda esteja profundamente es- te não é o homem que pode dirigir o navio da humanidade atra-
condida. De quantas ilusões psicológicas temos ainda que nos vés do oceano do tempo. Ele está perdido nos pormenores do
libertar! Isto sobretudo no terreno intelectual, porque é nosso momento, nas suas lutas e interesses particulares. Falta-lhe a vi-
intelecto o meio através do qual percebemos e concebemos tu- são para se orientar no caminho dos milênios.
do. O que condiciona nossos julgamentos e ideias em todos os Assim a Lei, trabalhando de dentro para fora, da profundi-
campos são a natureza, as capacidades e o desenvolvimento do dade para a superfície, vai sempre suprindo os gastos que se ve-
intelecto. Cada ser não pode viver senão em função da compre- rificam na vida, emendando os erros, retificando os desvios da
ensão que possui. Assim, muitas vezes aceitamos como verda- criatura inexperiente. É a vontade de Deus que salva tudo, e não
des absolutas, axiomáticas, ideias que, sendo frutos da nossa a vontade do homem. É ela que, na justiça final, reequilibra a
forma mental, estão a ela submetidas. É necessário, com um injustiça do mundo; que na, sua ordem, corrige a desordem;
controle contínuo, saber olhar em profundidade, para se chegar que, com a sua inteligência, dirige nossa ignorância; que, com a
a compreender a falsidade de tantos conceitos que cegamente sua bondade, cura e elimina nossa maldade; que, educando-nos,
aceitamos e que dirigem nossa vida. anula nossos erros com o sofrimento, levando-nos para a felici-
Cada um julga com os elementos que possui. Quanto mais dade. Esse fenômeno é devido ao que se chama imanência de
somos ignorantes, menos elementos possuímos, e, quanto me- Deus, pois Ele não existe só transcendente nos Céus, mas tam-
nos elementos possuímos, mais rápidas e absolutas são nossas bém presente entre nós. Se assim não fosse, quem poderia sal-
conclusões. Ao contrário, quem possui mais conhecimento e, var o mundo? Tudo estaria perdido. É a Sua presença que im-
com isso, mais elementos para julgar, não chega a conclusões pulsiona e dirige a evolução, reorganiza o caos, reconstrói o
simplistas, rápidas e absolutas. Portanto quem mais se aproxi- edifício despedaçado, fazendo retornar todos os elementos à sua
ma da verdade é quem julga lentamente, sem absolutismo, mas unidade, o mal ao bem, as trevas à luz.
com profundidade. Então quem julga, lançando seu julgamento A essa altura, ergue-se com mais força ainda a pergunta que
sobre os outros, em última análise julga a si mesmo e, com seu surgiu anteriormente. Como acontece essa retificação? Qual é
julgamento, revela-se. Pelo fato de não poder ele julgar senão mais exatamente a técnica de funcionamento desses fenôme-
conforme seu tipo de pensamento e natureza, com o seu julga- nos? O assunto é vasto, e não é possível desenvolvê-lo inteira-
mento ficam expostos o seu pensamento e a sua natureza. A mente neste capítulo.
melhor maneira de se chegar a conhecer uma pessoa é observar
os seus julgamentos a respeito dos outros. Quando alguém cai XI. O EXTRAORDINÁRIO PODER DA VONTADE
na ilusão de supor que, julgando os outros, está assim deixan-
do-os expostos e colocando-se acima deles, na realidade está A técnica do funcionamento da lei de Deus.
apenas se submetendo a julgamento, descobrindo-se e revelan- Quem faz o mal o faz a si mesmo.
do a todos seus próprios defeitos.
O mundo em que vivemos é muito diferente daquilo que No precedente capítulo, falamos da função da Lei, que é en-
aparece por fora e que a maioria julga ser real. Quem faz o mal direitar as posições erradas adotadas pelo homem, e formula-
aos outros o faz a si mesmo, quem julga está sendo julgado. mos a seguinte pergunta: como se processa esse endireitamento
Apesar da tentativa do homem de contraverter a lei da justiça e qual é a técnica do funcionamento desse fenômeno? Agora
para sua vantagem, a justiça o vence, se assim ele o merecer. E perguntamos mais. Qual é o jogo de forças através do qual se
desse modo é sempre. Esta é uma constatação que estamos fa- chega a esses resultados e com que método se consegue realizá-
zendo. Mas, a essa altura, poderíamos perguntar como é possí- los? De que modo o mal volta à fonte que o gerou. Por que, as-
vel tudo isso? Como acontece essa retificação? Qual é a mecâ- sim, acontece que quem faz o mal o faz a si mesmo? Como po-
nica desse fenômeno? de nosso mundo, onde vigora a lei da força, ser regido interior-
Tudo é devido à Lei, cuja presença nunca nos cansaremos mente por outra lei, uma lei de justiça, que acaba por vencer?
de salientar. E a presença da Lei quer dizer presença da vontade Já explicamos que a nossa personalidade atual foi construí-
viva e ativa de Deus. O Pai nosso que está nos céus não está au- da por nós mesmos no passado, pelos pensamentos e atos que,
sente do nosso mundo, indiferente à nossa vida, vida que acaba- longamente repetidos, com a técnica dos automatismos, torna-
ria de súbito, se não fosse sustentada por Ele, por Sua presença ram-se hábitos. O resultado de todas as nossas atividades pas-
viva. Dentro da Lei ou vontade de Deus, o homem é livre para sadas encontra-se escrito, em síntese, em nosso tipo individual.
se movimentar, porém restrito apenas aos limites estabelecidos. Nossas qualidades e instintos atuais são o resultado da nossa
Por isso, sem ultrapassar esses limites, ele pode agir de maneira história vivida, possuindo uma velocidade adquirida na direção
diferente da que manda a Lei. Nasce então, quando o homem que eles representam e, por isso, a não ser que sejam corrigidos
não age de maneira concorde com a Lei, a luta entre ele e Deus, em outra direção, significam um impulso e uma tendência a
um choque de vontades. Por um lado, a criatura rebelde, que- continuar da mesma forma no futuro, fenômeno a que chama-
rendo inverter tudo, para tornar-se centro e dona de tudo, o que mos destino. Isso já dissemos.
seria o caos, a destruição e a morte. Por outro lado, Deus, que- Ora, uma parte do nosso ser é ainda completamente animal,
rendo endireitar tudo, para permanecer Ele centro e dono de tu- isto é, entregue ao subconsciente. Como acontece quando se
do, o que é a ordem, a salvação e a vida. domesticam os animais, que se acostumam a viver em ambien-
Se a vontade de Deus, escrita na Lei, não retificasse a todo o tes diferentes do seu ambiente natural, adquirindo assim, por
momento o desvio que o homem tenta realizar fora do caminho meio de novos hábitos, novas qualidades e instintos, o mesmo
certo, tudo acabaria na desordem. Na verdade, seria absurdo acontece com o homem, através do mesmo método de trans-
que a criatura pudesse substituir-se ao Criador na direção de um missão para o subconsciente. Trata-se de um trabalho mecâni-
mundo cujas leis profundas escapam à sua inteligência. Se a vi- co, automático, espontâneo, e não de um produto reflexo da in-
Pietro Ubaldi A LEI DE DEUS 19
teligência e da vontade. Confiado ao subconsciente, que vai fruto de nossa própria vontade, isto é, feitos de mal, mergulha-
tomando nota de tudo, absorvendo ou reagindo, este trabalho dos numa atmosfera de mal, amarrados às forças do mal, cer-
constitui um esforço de adaptação, fundamental para a vida se cados de todos os lados pelo mal, que, atraindo-nos e sendo
defender e prosseguir. É da profundidade do subconsciente por nós atraído, irá golpear-nos, porque dele seremos constitu-
que, depois, tudo o que ali foi impresso pela longa repetição ídos, nós e o mundo ao qual pertencemos.
volta à superfície em forma de instintos, os quais, por inércia, Pela mesma lógica da Lei, acontecerá o contrário a quem
continuam automaticamente a nos impulsionar na direção já escolher o caminho do bem. O certo é que, depois de praticada
adquirida, até que novos impulsos venham gerar novos atos e a uma ação, qualquer que seja sua natureza, temos de colher seu
repetição destes forme, por sua vez, novos hábitos, instintos e resultado, seja ele bom ou mau. Se tivermos semeado o bem, a
qualidades, que se irão sobrepondo aos que já possuímos, lan- alegria será nossa, e ninguém dela nos pode privar. Se tivermos
çando-nos em direção diferente. semeado o mal, o sofrimento será nosso, e ninguém no-lo pode-
Ora, o primeiro motor de tudo isso é a nossa vontade, que rá tirar. No caso de erro, só há um remédio: a dor, que estará ali
assim pode livremente impulsionar nossa evolução, dirigida pe- para nos avisar que erramos. À nossa frente há sempre um ca-
la sua livre escolha. Pertence-nos então o poder de nos constru- minho virgem, onde teremos oportunidade de endireitar o pas-
irmos como quisermos. É lógico, portanto, que nos pertençam a sado. Mas o impulso renovador tem de partir da nossa vontade,
responsabilidade e as consequências dessa escolha. Mas é lógi- que, como vimos, é a primeira força geradora do nosso destino.
co também que, num fato assim tão importante como o da evo- Olhando o fenômeno em seu conjunto, vemos que há dois
lução, a escolha do caminho, o seu desenvolvimento e o ponto transmissores de vibrações e impulsos dinâmicos: a vontade do
de chegada não possam ser confiados ao acaso ou à vontade de nosso eu e a vontade de Deus. Através de suas emanações, es-
uma criatura que nada sabe além dos problemas do momento e ses dois sistemas de forças se encontram e reagem um em rela-
do seu pequeno mundo. Isto seria pôr em risco o resultado úl- ção ao outro. A Lei, representando a vontade de Deus, é o sis-
timo do imenso trabalho reconstrutor do universo, trabalho tema mais poderoso. A Lei é feita de ordem e harmonia, rea-
grande demais para ser entregue ao capricho e à ignorância da gindo a cada dissonância em proporção a esta (como faria um
criatura. Nesse resultado último, a criatura não pode influir, diretor com sua orquestra), para que tudo volte à posição certa,
pois ele pertence só a Deus e, para Ele, tudo não pode ser senão logo que o homem tenha ultrapassado os limites preestabeleci-
absoluto, determinístico, fatal. dos. Por outro lado, o homem, não podendo deixar de perceber
Ao lado da vontade do homem, que não permite atingir se- essa reação que se chama dor, reage conforme a sua natureza e
não os resultados que lhe dizem respeito, isto é, a construção do o grau de compreensão atingido, revoltando-se ou, então, acei-
indivíduo, há outra vontade, fixando os limites dentro dos quais tando a prova para aprender a lição e não cair mais em erro. Por
aquela pode mover-se, para que seja possível chegar, em qual- sua vez, a Lei percebe as novas vibrações e impulsos gerados
quer caso, seja qual for a obra do homem, ao resultado final de por estes novos movimentos da vontade do homem, toma nota
salvação, e não de destruição, como poderia acontecer se a von- de tudo, modificando as suas primeiras reações em função des-
tade do homem prevalecesse. Esta outra vontade, à qual, aliás, tas outras. Tais reações constituem-se na transmissão de ondas
tudo está confiado, é a vontade de Deus. Dentro dela, o homem de regozijo, se o ser voltou à ordem dentro dos limites da Lei,
está mergulhado, com a liberdade de se mover como um peixe ou de sofrimento ainda maior, se o ser continuou rebelando-se,
num rio. O peixe pode deslocar-se para todos os lados, menos surdo ao aviso recebido. O aviso tem de ser entendido, e o so-
para fora do rio, encontrando assim o caminho já marcado por frimento cresce em proporção à surdez. E assim, sucessivamen-
leis absolutas e tendo, em qualquer caso, que nadar na direção te, tudo ecoa e repercute, por ação e reação, num contato contí-
do mar. Assim, a criatura pode semear desordem à vontade, nuo entre o homem e a lei de Deus.
mas só para si, enquanto, nas linhas gerais, tudo está dominado Trata-se de dois mundos vivos, sensíveis, em contínuo mo-
por um poder maior e inalterável, que mantém sempre a ordem. vimento, como as ondas do mar, com fluxos e refluxos, cada
O que acontece então? Quando a nossa livre vontade quer um com as suas deslocações e conforme as suas características,
realizar pensamentos e obras de mal, eles acabam, por repeti- chegando ambos sistema de forças a mutuamente se tocarem
ção, tornando-se automáticos, isto é, hábitos. Isso quer dizer nos pontos nevrálgicos. Verifica-se, dessa forma, uma rede de
que as qualidades e os instintos adquiridos por automatismos impulsos, um colóquio de perguntas e respostas, um contato su-
constituem nossa personalidade, com todos os seus recursos, til por radiação, que liga e une entre imensas distâncias, no
por intermédio dos quais ela continuará funcionando com a ca- mesmo trabalho, o homem na Terra, que não quer evoluir e ser
racterística automática dos instintos, pelo menos enquanto estes salvo, e Deus nos céus, Que quer sua evolução e redenção. E
não forem corrigidos. Por isso, conforme o que tivermos livre- assim, através da influência mútua que os dois sistemas de for-
mente realizado no passado, teremos construído para nós uma ças excitam um no outro, explica-se como cai do céu o nosso
personalidade com qualidades boas ou más e, ao redor de nós, merecido e fatal destino. Esta é a técnica do fenômeno da retifi-
um ambiente de vibrações positivas ou negativas, com todas as cação do erro. Eis aí o jogo de forças. Através dele o mal volta
suas consequências de felicidade ou sofrimento. Teremos for- à fonte que o gerou, e, como já o dissemos, quem faz o mal o
mado nossa própria atmosfera, na qual ficaremos respirando e faz a si mesmo. Assim ficam respondidas nossas perguntas.
vivendo, com sua natureza boa ou má, de alegria ou de dor, que O mais importante no estudo que estamos fazendo, depois
teremos merecido e que agora volta para nós, constituindo o de ter explicado o funcionamento do fenômeno, é compreender
que podemos considerar como sendo nosso destino fatal. suas consequências, pois elas constituem aquilo que mais nos
Quando pensamos e operamos num dado sentido, deixamos toca de perto, que é a sua realização em nossa vida prática, di-
entrar no sistema de forças que constituem a nossa personali- zendo respeito à nossa conduta e nos dando soluções racionais
dade outras forças, que ali se fixam, modificando, conforme no difícil terreno da moral, tratado até agora empiricamente, e
sua natureza, esse sistema. Nunca esqueçamos que, em cada não com métodos positivos. Olhemos, assim, para um ponto
momento da nossa vida, estamos construindo, com os nossos muito importante do problema, constituído pela correção dos
atos, o edifício do nosso eu, isto é, nosso espírito, nossa psico- nossos erros. Ponto prático e atual para todos, porque envolve o
logia e também, como consequência, o corpo onde moramos. problema da dor; ponto fundamental, porque implica o proble-
Com que tijolos realizamos esta obra? Que resultado podere- ma de nossa libertação do mal e do melhoramento das condi-
mos alcançar se, quando construímos, em vez de utilizarmos ções de nossa vida. A consequência mais importante que po-
pedra, só empregamos lama informe e suja? Então seremos o demos depreender deste estudo é que os erros cometidos no
20 A LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
passado, porque de outra maneira não estaríamos presentes na passado não só pela qualidade dos nossos pensamentos e atos,
Terra, são a causa dos nossos sofrimentos atuais e podem ser isto é, pela direção em que os movimentamos, mas também por
corrigidos, significando isto a libertação da dor. sua quantidade ou volume, assim como pela força adquirida com
Quando um homem inteligente entende a técnica do fenô- a velocidade e o ímpeto que nós os tenhamos lançados. Tudo is-
meno que estamos estudando e, por conseguinte, a razão da so pode ser corrigido, mas até que o esforço necessário seja fei-
existência da dor em nosso mundo, é lógico que não deseje ou- to, nosso passado nos prende, e somos seus escravos. Essa ser-
tra coisa senão cuidar de corrigir seus erros, para se libertar de vidão é proporcional à qualidade, direção e poder dos nossos
suas tristes consequências. E tanto mais procurará realizar essa pensamentos e atos passados, até que fiquemos livres.
correção quanto mais claro e positivo for o método mostrado e Costuma-se dizer que cada um tem a sua estrela e nasce
oferecido para chegar a esse resultado. Quem não procura sua com o seu destino. É dessa forma que nosso passado, tal como
própria vantagem? Esta é a moral que mais facilmente pode ser o quisemos viver, volta e nos prende. Quando uma causa é ori-
aceita, porque tudo está claro e demonstrado, só existindo o ginada e, em consequência, foi movimentada uma força, é ne-
problema da inteligência para compreendê-la. Infelizmente, o cessário exauri-la até seus últimos efeitos. Por isso deveríamos
pior surdo é aquele que não quer ouvir. Explica-se dessa forma ter o máximo cuidado antes de gerar qualquer pensamento ou
como a Lei tem de nos corrigir pela dor, sendo este o único ra- ato, porque depois ficamos a eles amarrados e os levamos co-
ciocínio que todos podem perceber. Além de ser justo para que nosco até atingir todas as suas inevitáveis consequências. Disso
tudo se pague, este é o único meio para impulsionar o homem não se pode fugir. Aquilo que cada um faz é feito para si mes-
no caminho da correção dos seus erros. mo, semeado no próprio campo, e não no do vizinho, e deverá
Lembremos uma vez mais: tudo o que recebemos na vida depois ser colhido e servir de alimento para quem o semeou.
não é um fim em si mesmo, objetivando nosso gozo, mas sim Tudo o que pensamos e realizamos é criação nossa, gerada por
um instrumento de experiência, aprendizado e evolução. É ló- nós, carne da nossa carne, ambiente em que, depois, teremos de
gico, desse modo, que a Lei nos tire tudo, quando não o usamos viver. E, quanto mais repetimos um pensamento ou um ato, tan-
para nosso bem, sua única finalidade. Pelo contrário, apegando- to mais ele se fixa, torna-se firme e estável, descendo à profun-
nos às coisas materiais, arruinamo-nos, paralisando nossa evo- deza de nossa personalidade, onde fixa aqueles marcos indelé-
lução. Quando julgamos que o objetivo de tudo é somente a veis que são as nossas qualidades. Mas, sobrepondo uma outra
nossa satisfação, também é lógico que não estamos em condi- repetição à anterior, podemos apagar aquele marco, substituin-
ção de compreender o verdadeiro significado do jogo da vida. do-o por outro, isto é, adquirindo novos e bons hábitos, que se
Mas, se em nosso mundo existe tanta luta pelas coisas materi- colocam no lugar dos velhos, destruindo más qualidades, para
ais, isso não deixa de ter também seu sentido e utilidade, embo- substituí-las por boas. Dessa maneira, podemos corrigir nossos
ra no seu nível inferior de evolução. Assim, por intermédio des- erros. O arrependimento é bom, mas só para iniciar o novo ca-
ta luta feroz, experimenta-se e aprende-se. Os meios que a Lei minho. Depois, é preciso percorrer todo este novo caminho,
usa para ensinar são proporcionados ao grau de sensibilidade e sem o que o arrependimento, sozinho, nada resolve. Para corri-
compreensão atingido pelo ser. Quando ele evoluir até um grau gir o velho caminho, é necessário percorrê-lo todo novamente,
mais elevado, a luta nesta forma terá de desaparecer, porque às avessas, em sentido contrário.
não terá mais escopo útil a atingir nem razão para existir, tor- Cada vida representa uma construção nova que se levanta
nando-se, pelo contrário, contraproducente e destruidora. Os sobre os resultados atingidos na precedente. E não é possível
níveis inferiores estão cheios de forças que, com a experimen- escolher outros alicerces. O verdadeiro objetivo da nossa exis-
tação, vão sendo transformadas em inteligência. Esta vai preva- tência, que é nos construirmos a nós mesmos, não pode ser al-
lecendo cada vez mais, chegando, nos planos superiores, a cançado no limitado número de experiências de uma só vida.
substituir totalmente a força, que não é mais necessária, porque Assim, cada vida se ergue em cima da outra, como num edifício
a inteligência se desenvolveu o suficiente para chegar a com- cada andar se ergue em cima do outro, que constitui o seu único
preender a vantagem de obedecer espontaneamente à Lei. apoio, sobre o qual não pode deixar de assentar-se. Os hábitos
Temos esclarecido pouco a pouco esses problemas, para me- adquiridos representam essa base que, ao nascermos neste
lhor entender e enfrentar aquele outro, da correção dos nossos mundo, encontramos já feita por nós mesmos no passado.
erros, mencionado acima. Mas, para que seja possível explicar Quanto mais esses hábitos se tenham enraizado em nossa per-
tudo cabalmente a este respeito, temos de deixar o desenvolvi- sonalidade, tanto mais ficaremos amarrados à estrutura dos an-
mento mais completo deste assunto para o próximo capítulo. dares inferiores. Na construção dos andares superiores, pode-
mos modificar aquela estrutura, mas sem nunca deixar de ter
XII. O EDIFÍCIO DA EVOLUÇÃO em conta a construção já feita. Podemos, assim, fazer uma
construção nova e diferente: corrigindo erros, modificando,
Como se realizam o endireitamento dos desvios e a correção acrescentando e melhorando, porém o novo trabalho não pode
dos erros na construção da nossa individualidade. ser realizado senão em função do precedente.
Podemos representar este fenômeno também com outra
Vamos então, agora, desenvolver o problema da correção imagem. Uma avalancha é nada no começo, é apenas uma pe-
dos nossos erros. quena quantidade de neve que, caindo e rolando sobre a pró-
Os seres não são iguais. Eles se encontram em posições di- pria neve, atrai mais neve, de modo que assim vai sempre
ferentes. Cada um, conforme sua posição, comete erros diferen- crescendo, cada vez mais, até se tornar uma terrível avalan-
tes e, pelo equilíbrio da Lei, recebe exatamente a reação corres- cha, que tudo destrói no seu caminho. Aquele primeiro frag-
pondente, a mais adaptada à sua aprendizagem. Cada movimen- mento de neve é também efeito da tempestade que o gerou, e
to nosso repercute na Lei e, conforme a natureza e o tipo de vi- sua queda é consequência da sua posição no cume do monte.
bração irradiada, movimenta aquele sistema de forças nos dife- Assim também, nossos hábitos não são nada no começo. São
rentes pontos correspondentes, gerando assim uma resposta a apenas pequenos movimentos sem importância, em que nin-
essa excitação, resposta feita sob medida, como vibração corre- guém repara. Mas, caindo e rolando sobre o caminho da nossa
tora dos nossos erros, à qual chamamos reação da Lei. vida, eles atraem outros movimentos, que, com a repetição,
Os nossos erros podem diferenciar-se pela qualidade (dire- descem até à profundidade de nosso eu, tornando-se hábitos e
ção seguida) e pela grandeza ou peso (massa dada e velocidade transformando-se, finalmente, na terrível avalancha dos nos-
adquirida). Em outras palavras, nós estamos amarrados ao nosso sos instintos, aos quais é difícil resistir.
Pietro Ubaldi A LEI DE DEUS 21
Acontece que, com a repetição de nossos pensamentos e salvação, como também nos liberta do fracasso espiritual. Eis o
atos, podemos adquirir, como numa avalancha, velocidade, motivo pelo qual estamos conversando. Existe um paraíso para
maior ou menor, numa direção ou noutra. E, quanto mais velo- todos, mas a maioria não quer realizar o esforço de subir até
cidade adquirimos, mais somos levados a continuar no mesmo ele. Não há escapatórias. Esta é a lei de nossa vida, e ela funci-
sentido, sendo então mais difícil parar e corrigir o caminho, ou ona desta maneira em nosso nível.
seja, endireitá-lo no sentido oposto. Esta comparação nos expli- Assim, enquanto permanece o desejo de felicidade, vamos
ca o motivo pelo qual estes princípios não são aceitos por mui- merecendo sempre mais sofrimento, porque a velocidade adqui-
tos, apesar de nos conduzirem à nossa própria vantagem. A ob- rida nos leva sempre mais para baixo. A felicidade que alcança-
jeção deles é que as leis, por nós analisadas, funcionam somen- mos por meios ilícitos ou atalhos, para escapar à Lei, não é o sa-
te para as criaturas escolhidas, que sabem vivê-las, e não para lário merecido de nosso trabalho, mas sim um roubo, algo conse-
os demais, simples seres comuns. Acham eles que as vantagens guido fraudulentamente. E julgamo-nos inteligentes e hábeis
da evolução são usufruídas apenas pelos que conseguiram evo- quando conseguimos realizar isso. Acreditamos ser inteligentes
luir, e não por eles próprios, que humildemente se declaram por ter imaginado enganar a Lei. Mas isto é astúcia, a inteligência
atrasados. Preferem, assim, permanecer onde estão, em poder dos loucos, porque não se pode enganar a Lei. Este é um raciocí-
de todos os males relativos, em vez de se movimentarem para nio às avessas, porque o engano sempre volta sobre o enganador.
melhorar suas condições. Chegam até a reconhecer a lógica do Significa disparar uma arma contra si mesmo. Não é possível
que estamos demonstrando, mas concordam tão-somente no evadir-se da justiça de Deus. O dia da prestação de contas acaba-
terreno teórico, pois consideram sua aplicação, na prática, um rá por chegar, e tudo terá de ser pago. O que acontece então?
pesado trabalho, uma dura fadiga, que não estão dispostos a en- Acontece aquilo que vemos no mundo: desastres. Eles, de fato,
frentar. Ficam assim parados, esperando, até que venha o cho- representam o ponto final da queda da avalancha. Eis onde acaba
que da dor, infelizmente indispensável para acordá-los Prefe- a grande sabedoria dos astutos deste mundo. Assim, a loucura
rem adaptar-se a viver num nível inferior, reconhecendo-o co- humana fica enquadrada dentro da perfeita lógica da Lei.
mo seu e aceitando-o com todos os seus sofrimentos, a fazer o Estamos aqui tecendo uma rede de conceitos e armando um
esforço para sair dele. Como desculpa, dizem: “este método de edifício de fatos para explicar e demonstrar estas verdades. Nos
viver, contando com as ajudas do céu, não é para nós, mas só meus livros, o ponto de partida está nas teorias, para chegar de-
para os santos, e nós não somos santos”. pois às suas consequências práticas. Nestas palestras, o ponto de
Colocam-nos em altares para venerá-los, mas como seres partida é a realidade de nossa vida, que se torna compreensível,
longínquos, inimitáveis, que pertencem só ao Céu, para serem quando é explicada por aquelas teorias. Podemos assim entender
glorificados, e não seguidos na Terra. Veneram-nos e, acabada quão complexo é o jogo, se o olharmos em profundidade. Cada
a homenagem, voltam aos seus negócios. uma de nossas vidas passadas teve seu destino, e nele se esgota-
Vamos agora explicar por que motivo alguns podem julgar ram os efeitos próximos das causas que anteriormente havíamos
absurda, ou pelo menos inaceitável, esta orientação. Eis a razão: posto em funcionamento. Da mesma forma, nosso destino atual
eles estão lançados no caminho da descida, e para quem, pela é a consequência dos pensamentos e atos com que o construí-
velocidade adquirida, sente-se impelido para baixo, é absurdo mos, como a queda da avalancha não depende só da neve que a
falar em caminhar para o alto. É devido a essa velocidade atin- forma, mas também da altura de onde partiu. Ao mesmo tempo,
gida na descida que nos parece impossível percorrer o caminho esses pensamentos e atos foram por sua vez a consequência de
da subida. Mas, na verdade, para inverter a direção no sentido da hábitos adquiridos através dos pensamentos e atos das vidas pre-
subida, é necessário primeiramente ter vencido, reabsorvido e cedentes. Tudo, em cada momento, é efeito e causa ao mesmo
neutralizado toda a velocidade tomada na descida. Por isso, mui- tempo, é fruto do passado e semente do futuro. Enquanto nosso
tas vezes, estas teorias são julgadas inaplicáveis. É como alguém impulso anterior não se esgotar e o nosso caminho não estiver
que, estando perto de declarar falência, julga ser inútil fazer endireitado, nossos pensamentos e atos serão determinados pe-
economias. É a psicologia do desespero, de quem, não conhe- los nossos hábitos e instintos, como os construímos no passado.
cendo coisa alguma do amanhã, fica cego e desorientado, con- Com os pensamentos e atos atuais, construímos os hábitos e ins-
vencido de que não vale nada trabalhar para um futuro comple- tintos futuros, que dirigirão nossos pensamentos e atos de ama-
tamente ignorado. Se, assim, o que vale é o presente, escolhe- nhã. E com estes, por sua vez, construiremos nossa personalida-
mos, então, a vantagem imediata, aproveitando-nos de tudo o de de depois de amanhã, e assim sucessivamente.
que chega ao nosso alcance, aconteça o que acontecer, mesmo Assim, estão acorrentados à mesma cadeia os diferentes
contraindo novas dívidas. Isso porque nunca verificamos a reali- momentos da construção de nós mesmos, ou seja, os degraus
dade da existência de um banco no Céu, que toma nota de tudo. sucessivos da evolução do nosso eu. Cada degrau apoia-se so-
Não sabemos se existe ali um débito ou um crédito nosso, nem bre o precedente. Ai de quem começa a resvalar ao longo da
como e quando, se por ventura ele existir, acertar as contas. descida e a tomar velocidade nesse rumo! Quanto maior for a
Se o mundo está repleto daqueles que pensam assim, isso velocidade adquirida, tanto mais difícil será parar e mudar a
não quer dizer que esse seja um método lógico, vantajoso e re- direção do caminho. O contrário acontece para quem tomou a
comendável. Que ajuda pode chegar do Céu, se nós fechamos estrada da subida.
as portas, impedindo sua entrada? Neste caso, as leis do Alto Na economia do Céu não há inflação monetária, porque o
querem ajudar-nos, mas nós não as deixamos funcionar em valor da moeda está sempre sustentado por uma reserva de ou-
nosso benefício. ro infinita, que é Deus. Assim, vale a pena fazer economias,
Na verdade, o desejo de felicidade permanece neles, mas, porque no Banco de Deus nunca há perigo de desvalorização.
para satisfazê-lo, em vez de procurarem, com seu esforço, ga- Elas ficam sujeitas a um juro composto, que representa uma
nhar um crédito, pretendem antes alegrias, aumentando sempre tendência a fazer crescer sempre mais o capital. Tudo isso aju-
mais o seu débito, isto é, aumentando a sua velocidade no ca- da na subida, que assim se torna cada vez mais fácil, enquanto
minho da descida, como acontece com o alcoólatra, que bebe a velocidade na descida tem, da mesma forma, seus juros com-
sempre mais, e com o toxicômano, que se intoxica cada vez postos, às avessas, isto é, no sentido de dívida, e não de crédi-
mais, até destruírem a si mesmos. Este é, de fato, o ponto onde to. Encontra-se então, nas duas direções opostas, a mesma ten-
automaticamente termina o caminho da descida. Disso se deduz dência para a aceleração, cada uma dirigida para seu ponto fi-
quão grande valor representa para nosso bem o fato de pos- nal: a salvação para quem sobe e a destruição para quem desce.
suirmos uma orientação, porque não somente ela nos conduz à Cabe a nós escolher o caminho.
22 A LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
XIII. O FUNCIONAMENTO DA LEI ganos! Isto porque não há inteligência nem má vontade que
possa conseguir subverter a ordem e paralisar a justiça de Deus.
“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque
A loucura dos astutos e a invencibilidade da Lei.
eles serão fartos”. Esta grande promessa, embora nosso mundo
“Os que têm fome e sede de justiça serão fartos”.
esteja cheio de prepotência e de injustiça, nos garante a existên-
cia da justiça, e dela seremos saciados.
Até agora, não somente afirmamos a presença de uma lei Mas os astutos do mundo querem continuar com as suas as-
que dirige os fenômenos do universo e, portanto, os da nossa túcias e revoltas e, assim, sofrem mais. Infelizmente, esta é sua
vida e conduta, mas também estudamos a técnica do funciona- forma mental, e não há coisa mais difícil que sair da própria
mento dessa lei e o modo como é possível corrigir os erros do forma mental. Ninguém compreende além de suas possibilida-
passado. A sabedoria e perfeição da Lei manifestam-se também des, além daquilo que, com a sua experiência e evolução, adqui-
na sua capacidade de recuperação, a qual, deixando o ser livre riu e agora possui. Não compreender quer dizer errar e depois
para experimentar as consequências do mal, permite que ele, ter de pagar. A grandeza e a sabedoria da Lei está em não ser
desse modo, adquira uma sabedoria sempre maior e possa, as- enganada. Procurar escapatórias significa, em última análise,
sim, reconstruir o que, na sua ignorância, destruiu. Essa lei é construir para si armadilhas e nelas ficar preso. A Lei está feita
universal, portanto tem de estar presente e funcionando em to- de tal maneira, que, a cada tentativa de nos evadirmos, acaba-
dos os pontos do universo, tanto mais quanto este, na sua evo- mos constrangidos à sua obediência. A Lei não pode ser subju-
lução, tenha chegado aos níveis da vida, da inteligência e do gada nem torcida pela força; não pode ser corrompida por di-
espírito. Trata-se de uma lei verdadeira tanto para os indivíduos nheiro, nem vencida com armas; não pode ser frustrada com o
como para os povos, que rege não só o destino a ser construído tempo, nem desviada e defraudada em sua justiça. Não vale a
pelo homem para si mesmo, mas também o desenvolvimento da pena lutar contra ela. Que pode a astúcia, a maldade e a força do
história, na qual se vai realizando o destino que a humanidade, homem contra uma potência imaterial, invisível, presente sem-
com a sua conduta no passado, deu origem no presente e con- pre, em todos os lugares e em todos os tempos, absolutamente
sequentemente no futuro. O conhecimento do funcionamento superior a tudo e a todos em inteligência, domínio e disponibili-
da Lei nos fornece não somente a chave para compreender o dade de recursos? Desafiar uma tal lei, julgando ser possível
complexo jogo de nossa vida, mas também oferece, através da vencê-la, pode apenas ser fruto de uma grande ignorância!
aplicação de sua lógica, o meio de prever aquilo que, como Os que procuram justiça no mundo e não a encontram são a
efeito do passado, nos está esperando, permitindo-nos corrigir o maioria. Mas eis que a Boa Nova de Cristo nos garante que
que estiver errado e ajudando-nos a voltar para o caminho cer- eles serão fartos. A verdadeira solução, porém, encontra-se, e
to, para avançar, assim, com uma orientação sempre melhor. sempre se encontrou, além dos estreitos limites de nosso mun-
Observando qual foi e atualmente é a conduta de cada um e do e de nossa vida atual, nos braços da Lei, em nossa vida
da sociedade humana no seu conjunto, é fácil prever o que nos maior, em que tudo tem de equilibrar-se conforme a justiça.
espera no futuro. Parece que o esforço do homem se dirigiu uni- Estamos aqui explicando a maravilhosa lei de Deus, anunciada
camente no sentido de se rebelar contra a Lei, havendo usado pelo Evangelho de Cristo, para demonstrá-la claramente aos
sua inteligência sobretudo na busca de escapatórias para fugir às honestos, esmagados pela prepotência humana, e dar-lhes a sa-
suas sanções. O que foi semeado no passado? Então, o que se tisfação de saber que, apesar de tudo, a justiça existe e será re-
pode colher? Alguns se consolam dizendo: “o inferno não exis- alizada. Vimos também a técnica do fenômeno, pela qual tudo
te”, e acreditam dessa maneira ter destruído o poder de reação isto acontece. É lógico que quem não quer raciocinar e não sa-
da Lei, que os incomoda. Assim, ser-lhes-ia possível fazer tudo be sair da sua forma mental só possa julgar, condenar e operar
o que quisessem, sem ter de pagar nada. Descoberta maravilho- de acordo com ela. E os desastres que se sucedem como con-
sa! Porém, vejamos. Se a ideia de um inferno, tal como foi con- sequência dessa psicologia de cegos são vistos em nosso mun-
cebido no passado, constituiu produto da forma mental da Idade do a toda hora. Estamos analisando tudo isso também para en-
Média, e se a evolução da inteligência humana superou essa sinar a não se fazer o mal, mostrando o resultado àqueles que o
ideia, ela não pode representar senão um modo de conceber o fazem e demonstrando como se paga pela má conduta, quando
fenômeno indestrutível da reação da Lei, fenômeno que assim enganamos os outros. Assim nosso trabalho está apoiado inte-
persiste, ainda quando o consideremos de forma racional e cien- gralmente na moral evangélica.
tífica. Poderemos, então, dizer que o inferno, no sentido em que Talvez os mais atrasados não tenham desejo algum desse
foi concebido no passado, não existe, mas com isso não se pode conhecimento. Pelo contrário, talvez queiram fugir dele, in-
crer que fique anulada a reação da Lei, necessária para manter comodados pelo descomedido descontrole dos seus instintos.
aquele equilíbrio, ou seja, sua justiça. Temos de conceber o in- Mas que grande felicidade para os mais adiantados, para os
ferno de outra maneira, mas isso não significa que ele seja nega- que “têm fome e sede de justiça”, saber que serão fartos, por-
do ou que deixe de existir para quem o merece. Em outras pala- que existe de verdade um lugar mais alto, onde domina a or-
vras, não há evolução de pensamento que possa admitir que al- dem e a harmonia, e que só Deus, na Sua justiça e bondade é
guém deixe de pagar todo o mal por ele praticado. vencedor absoluto! Que felicidade saber que verdadeiramente
É interessante observar a atitude do mundo perante a Lei. O quem manda, porque está acima de tudo, é essa lei, inatingível
homem a enfrenta com a psicologia do seu plano de existência, aos assaltos humanos, invulnerável perante todos, inalterável
em forma de luta para vencê-la, como se tratasse de um patrão e indestrutível para sempre!
egoísta e inimigo, contra o qual é preciso rebelar-se, entenden- Aparece, assim, a visão da infinita multidão dos seres que
do que são hábeis os que conseguem triunfar, mas fracos e des- vão andando pelos caminhos da evolução numa imensa corren-
prezíveis os que se deixam escravizar. Mas, na realidade, tudo é te, assim como as gotas de água num rio seguem para o mar.
diferente. Procedendo assim, o homem agride o seu maior ami- Elas vão para o mar fatalmente, porque esta é a Lei.
go, que é a Lei; afasta-se de Deus, que é a sua própria vida; re- Da mesma forma, o cortejo dos seres vai para Deus fatal-
bela-se contra aquela harmonia, somente na qual pode consistir mente, porque esta é a Lei. Eles não podem deixar de ir para
sua felicidade. Quão estranho é ver como os grandes astuciosos Deus. Este é o caminho marcado para todos: nascer, viver, mor-
da Terra julgam ser possível lograr a Deus e, na sua ignorância, rer, renascer, viver e morrer outra vez, levados para um lado ou
lançam-se eles próprios na armadilha construída com seus en- outro do dualismo da existência, experimentando, evoluindo, re-
Pietro Ubaldi A LEI DE DEUS 23
construindo-se a si mesmos, até aprender toda a lição da Lei e do fica submetido a sanções invencíveis e absolutas, que o ser
reintegrar-se em espírito no seio de Deus. não pode, de boa ou má vontade, recusar.
Explicar a razão pela qual tudo isso acontece, e exatamente A conclusão deste capítulo é, de um lado, a afirmação da
dessa maneira e não de outra, nos levaria bem longe, a um imensa superioridade, inclusive na luta pela vida, do homem
campo mais extenso, de teorias abstratas e complexas, afastan- justo e, de outro, a constatação da inferioridade daqueles que,
do-nos da realidade prática de nossa vida, que todos conhece- em meio aos enganos do mundo, julgam-se hábeis por serem
mos. Para os interessados neste assunto, ele foi estudado, até astutos. O primeiro está progredindo no caminho do equilíbrio
às suas primeiras causas e últimas consequências, nos livros A e da harmonia, que constituem a felicidade; o segundo tipo des-
Grande Síntese, Deus e Universo e O Sistema. Aqui, nestas pa- ce sempre mais, abismando-se no desequilíbrio e na desordem,
lestras de caráter mais singelo, não é possível apresentar destas que constituem a infelicidade.
teorias senão as consequências que mais de perto nos tocam. Por isso nunca me cansarei de demonstrar as vantagens de se
Queremos com isso salientar que, das conclusões práticas aqui agir corretamente, conforme a lei de Deus. É muito doloroso ver
apresentadas, como acima referimos, já foi explicada a causa o mundo cair em tantos sofrimentos por ignorar uma coisa tão
primeira de onde elas derivam e a razão profunda que as justi- importante e evidente como a presença e o funcionamento dessa
ficam. Dessa forma, já possuímos os elementos racionais e po- lei. Quem compreendeu tudo isso, não pode deixar de se pergun-
sitivos em que estas conclusões se baseiam e de onde foram tar como é possível que, para aprender uma lição tão clara, se-
extraídas, elementos que nos demonstram e garantem aquela jam necessárias tantas dores e desilusões? Por que, para impelir
verdade. Isso nos permite tratar com lógica e objetividade o o homem a cumprir sua trajetória evolutiva, que representa o
assunto – em geral enfrentado empiricamente – da moral e das caminho da própria felicidade, são necessários tantos sofrimen-
leis da vida que dirigem nossa conduta. Esse tema nos pareceu tos? Como é possível, para quem se rebela contra a lei de Deus,
mais interessante e ardente para nossos ouvintes, porque toca o não ver que ele nada mais gera senão o seu próprio dano? Como
terreno de nossas lutas quotidianas e envolve consequências pode alguém não ver que, semeando o mal, semeia para si tantas
que todos temos de viver. O fato de se ter compreendido estas dores? Quanto se poderia meditar a respeito de tudo isso!
palavras e de se tomar a sério estes conceitos, para aplica-los
na vida, pode produzir efeitos incríveis, inclusive melhorar um XIV. ESCOLA DA VIDA
homem e renovar um destino.
O maravilhoso é que a lei de Deus está pronta a entrar em A arte de viver, preparando para si um futuro melhor.
ação em qualquer lugar, inclusive em nosso mundo inferior, Erros e dores nos ensinam muitas coisas.
tão logo a aceitemos e vivamos. Quem faz isto se torna parte
dela, como cidadão de uma nova pátria, adquirindo assim o di- Agora que chegamos à compreensão da lei de Deus, vamos
reito de possuir o poder, os recursos e as defesas que a Lei procurar ver, antes de enfrentar outros assuntos, o fruto do es-
confere aos seus seguidores. Estes, também em nosso mundo, tudo que estamos desenvolvendo. Temos diante dos olhos um
tornam-se assim os mais fortes, porque são protegidos por quadro geral bastante claro no que diz respeito à nossa conduta,
Deus. O universo está dividido em duas partes: uma a favor da com suas razões e consequências.
Lei, onde estão os bons, e outra dos rebeldes contra a Lei, onde Já sabemos que Deus é o ponto final das nossas vidas. Sa-
estão os maus. O dualismo, que tudo domina, nos demonstra bemos que o caminho para atingir esse ponto final é a evolução,
claramente que vivemos num universo despedaçado: Deus e ou seja, a subida para Deus. Sabemos que vivemos para isso e
Anti-Deus, bem e mal, vida e morte, felicidade e dor, luz e tre- que a evolução se realiza da matéria ao espírito, sendo nós
vas, e assim sucessivamente. O que mais desejaríamos de- mesmos os construtores desse caminho. Sabemos que as nor-
monstrar nestas palestras são as vantagens de pertencer ao lado mas de conduta que se encontram vigorando na Terra, ditadas
a favor da Lei, isto é de Deus, e não ao lado contra a Lei, isto pela moral e pelas religiões, representam as regras necessárias
é, do Anti-Deus. Viver e agir ao lado da Lei e de Deus, quer para executar esse trabalho de subida e reconstrução.
dizer operar conforme a justiça. Ora, o homem que vive de Quem tiver compreendido o que explicamos pode agora vi-
acordo com a justiça sabe, em consciência, diante de Deus, que ver orientado no seio do funcionamento orgânico do universo.
tem verdadeiramente razão, e isto lhe confere total segurança. Não viajará mais ao acaso nas trevas, mas terá nas mãos a bús-
Esta segurança, porém, inexiste para quem, pelo contrário, não sola cuja agulha lhe indicará o polo magnético em relação ao
age de acordo com a justiça, conscientemente, perante Deus. qual terá de orientar-se. E não há quem não perceba como é
Essa consciência íntima de estarmos limpos, cumprindo um mais vantajoso viajar orientado no grande mar da vida, em vez
dever, constitui nossa força, e é esta força que nos faz vencer. de andar perdido ao sabor das ondas.
Essa convicção profunda de que a justiça tem de triunfar, Isso é tanto mais conveniente quando a função das normas
quando somos justos, nos dá a certeza da vitória. de boa conduta, ditadas pela moral e pelas religiões, é precisa-
Deus protege os justos, pois eles merecem Sua proteção. mente evitar que cometamos erros, excessos e desvios – causa-
Quando um homem, com a sua conduta, coloca-se do lado opos- dores da dor. Podemos agora chegar a compreender quão gran-
to ao da Lei, em posição anti-Lei, a situação emborca-se. Deus de é o valor dessas regras, pelo fato de que elas cumprem a ta-
não o pune nem se vinga, mas também não o protege, deixando refa de nos ensinar o método para corrigir nosso caminho ante-
o ser na posição escolhida por ele mesmo, de quem está fora da rior errado, mostrando-nos o correto, impedindo-nos de semear
Lei. Então, ele fica abandonado, sozinho, entregue apenas às su- novos sofrimentos para o futuro e permitindo-nos, assim, anular
as pobres forças, o que significa estar perdido e sob o poder de a dor que surge ou poderá surgir em nosso destino. Essas regras
todas as forças negativas, que procurarão unicamente destruí-lo. podem representar o remédio amargo, mas que é bom engolir
Quando as criaturas se ausentam de Deus, afastando-se d'Ele, porque nos cura a doença. Temos falado de fatalidade do desti-
voltam aos seus instintos inferiores e decaem. Com isso, casti- no. Veremos aqui como ele está em nossas mãos e como temos
gam-se a si mesmas, agredindo-se umas ás outras e mergulhan- a possibilidade de endireitá-lo e dirigi-lo para onde quisermos.
do sempre mais numa atmosfera de destruição. Isso porque Deus Se adotarmos um bom comportamento e se não cometermos
é amor e vida, não havendo para quem se afasta d'Ele senão ódio mais erros, violando a Lei, veremos que está ao nosso alcance
e morte. Disso não há como fugir, porque é tudo automático e criar para nós destinos sempre menos duros, porque estarão
fatal, fazendo parte da estrutura e do funcionamento da Lei. Tu- menos carregados de erros a corrigir e culpas a expiar.
24 A LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
Eis a conclusão otimista que eu desejaria não fosse esqueci- mais baixos da vida, cheios de erros, ferocidades e sofrimentos.
da por ninguém: está em nossas mãos o poder de criar a nossa Dizer que impossível saber é abandonarmo-nos à preguiça de
felicidade. Esta convicção representa o fruto de nossa conversa, não querer usar os meios da inteligência que Deus nos deu para
fruto que entrego aos meus amigos, para seu próprio bem. subirmos o monte da evolução, no cume do qual Ele nos espera.
Não há dúvida que um Evangelho verdadeiramente vivido Deixar de abrir os olhos para ver e fazer pesquisas em busca de
realizaria a mais benéfica revolução do mundo, porque, reno- compreender e instruir-se, é parar inerte perante o mistério, sem
vando a nossa maneira de conceber a vida, reformá-la-ia de al- desejar e procurar descerrar as portas fechadas do desconheci-
to a baixo. Mas isso é um problema coletivo. Infelizmente, ca- do. Tudo isto significa não querer conquistar uma vida melhor,
da um fica esperando que seja o próximo o primeiro a movi- mais próxima de Deus. Dizer, como muitos o fazem, que os
mentar-se no duro caminho da renovação. Aqui, nestas conver- grandes problemas do ser não são solúveis, significa querer
sas, falamos do esforço individual, pelo qual cada um, de ma- aceitar para sempre uma condição de inferioridade dolorosa,
neira independente da conduta dos outros, pode plasmar para cheia de males e perigos. O fato de não se ter interesse nesses
si, à vontade, o destino que quiser. Já dissemos que o problema problemas significa declarar o fracasso da inteligência e renun-
da salvação é problema absolutamente individual, independen- ciar ao progresso, perdendo toda a esperança de salvação.
te da vontade dos vizinhos. Quando alguém cai no seio de um Que acontece então? São muitos a buscarem somente a van-
carma coletivo, é porquê fez por merecê-lo. Esta conclusão é tagem imediata, a satisfação efêmera, sem se importar com o
um convite para que cada um comece a viver esses princípios, que acontece depois. Poucos sabem alguma coisa a respeito
para sua própria vantagem. Não têm importância as formas em desses problemas com a necessária certeza. Só consideram po-
que quisermos realizá-los. É possível ter boa conduta e ser jus- sitivo o que podem agarrar com as mãos. Isto é o que se acredi-
to em todas as religiões. O que importa é a substancia, que é ta ser a única e verdadeira realidade, aquela da vida prática, em
precisamente ser justo. Quando Deus julga os seres, não leva que o mundo crê, rindo-se dos sonhadores de realidades mais
em conta se pertencem a esta eu aquela religião, mas sim se fo- longínquas, que escapam à maioria, porque estão situadas além
ram justos, por terem vivido a Sua lei. Não estamos falando do alcance limitado de seus olhos míopes. Mas estas outras rea-
em favor de grupo particular algum, mas unicamente em favor lidades existem, e amanhã teremos, pela evolução, de chegar
de Deus, que está acima de todos. até lá. Então, nada teremos feito para enfrentá-las. Ignorar as
O nosso grande inimigo é o mal, gerador de sofrimento. últimas finalidades da vida significa ignorar nossa própria vida
Aqui estamos explicando a arte de vencer o mal, porque só as- no futuro, que, embora longínquo, não pode um dia deixar de
sim se pode destruir a dor. Agora podemos compreender a me- tornar-se presente. Que poderá acontecer conosco, se nada ti-
cânica dessa arte. Ela nos garante que, não cometendo mais er- vermos feito para prepará-lo? Assim, muitos furtam porque não
ros, a dor pode ser evitada e a felicidade atingida. Essa arte de veem que depois, mais cedo ou mais tarde, têm de acabar na
saber viver com conhecimento representa uma verdadeira ciên- cadeia; abusam dos gozos materiais porque não veem que de-
cia, que a humanidade mais evoluída do futuro vai descobrir e pois chega a doença; esmagam o próximo porque não pensam
aplicar. A maioria vê somente os efeitos imediatos e não olha à que este acabará rebelando-se e vingando-se, e assim por dian-
distância. Por isso não acredita que seja possível atingir esses te. A leviandade e a imprevidência não nos podem levar senão
resultados. Mas o fato de tudo isso não se realizar num dia, não ao erro, que depois é necessário pagar.
destrói a possibilidade de alcançá-lo e a alegria que nos pode O desenvolvimento e o esforço da inteligência criam as ci-
dar esta grande esperança de uma salvação final, que Deus nos vilizações. Hoje mesmo vemos o que tem produzido a ciência e
oferece e nos ajuda a conquistá-la, procurando até impô-la a como, a fim de viver nas novas condições de vida criadas por
nós por todos os meios. Estamos subjugados pelas garras do so- ela, é necessário (para dirigir as máquinas modernas) muito de
frimento no fundo de um abismo, mas um raio de luz desce do inteligência e nada de ferocidade. Este é o primeiro passo para a
Céu e nos diz: “Coragem!”. A cada um de nós, sofredores, diz: espiritualização consciente. O problema é nos civilizarmos.
“Tu tens o direito à felicidade. Este ardente anseio que está Costuma-se hoje insistir muito na solução dos problemas soci-
aninhado em teu coração não é para terminar num engano, ais. Mas a solução destes não é apenas um problema coletivo,
mas sim para ser satisfeito. Estás ainda preso ao teu passado, mas antes a soma das soluções dos problemas individuais. Se
mas andando pela vida a fora irás superando cada dia mais es- quisermos progredir, é necessário começar, antes de tudo, a to-
se passado, que se afastará paulatinamente de ti, desaparecen- mar esta direção, cada um por sua conta. E a vantagem virá
do com ele o inferno dos seres inferiores, enquanto sempre primeiro para quem primeiro o fizer. Procuremos conquistar
mais se aproximará o paraíso dos seres superiores. Estás mer- nós mesmos as virtudes, em vez de exigi-las do próximo. Tudo
gulhado na dura luta pela vida. Mas é verdade que a luta e o está sempre regido pela justiça de Deus. Assim, se caímos víti-
sofrimento ensinam muitas coisas e desenvolvem a inteligência. mas dos outros, não somos na realidade vítimas deles, mas sim
E, com a inteligência aprimorada, cada vez mais se torna com- unicamente de nós mesmos, dado que o merecemos. Os outros
preensível a presença da Lei e a vantagem de se obedecer a não são senão instrumentos de Deus, que os utilizou para cum-
ela, coordenando-se em sua ordem”. prir Sua justiça. Já explicamos que a dor somente pode atingir-
Muitos males acontecem ao homem por falta de entendi- nos quando tivermos aberto as portas para ela poder entrar.
mento. Mas quem sofre é levado a pensar por que razão está so- Ninguém pode lançar o peso do seu destino sobre nós, assim
frendo. E, pela experiência que se vai adquirindo, aprende-se a como nós não podemos lançar o peso do nosso destino sobre os
cometer sempre menos erros. É verdade que o mal sobrevém, outros. Se assim fosse, não haveria justiça.
mas, ao sobrevir, ele cumpre sua tarefa e desenvolve a inteli- Não é acusando o próximo de desonestidade que se pode
gência necessária para se transformar em bem. Ao mesmo tem- provar a honestidade própria. Não é pregando e exigindo virtu-
po, a criatura descobre os caminhos que a levam à felicidade. de dos outros que poderemos chegar a extinguir nossos defeitos
Quando o homem faz o mal, o faz por ignorância, pensando e deixar de pagar pelas nossas culpas. Cada um está sozinho pe-
que, prejudicando seu próximo, pode beneficiar-se, sem saber rante Deus e tem de, sozinho, prestar contas dos seus atos, con-
que, pelo contrário, só consegue prejudicar-se. Por isso é um forme as responsabilidades que lhe cabem. Podemos ficar tran-
dever esclarecer os mistérios, iluminar as mentes e orientar o quilos, pois ninguém pode fazer-nos mal algum que já não este-
próximo. Ficar na ignorância significa permanecer nos níveis ja dentro de nos e não seja por nós bem merecido, por termos si-
Pietro Ubaldi A LEI DE DEUS 25
do os primeiros a querer realizá-lo. Cada um é julgado confor- XV. EM BUSCA DA FELICIDADE
me suas obras, e não conforme as dos outros. Tudo na lei de
Deus é sempre justiça, e não há má vontade e prepotência hu- Como a Lei nos faz atingir a abençoada posição dos
mana que possam impor-se à Lei. O que reina soberano, apesar bem-aventurados do Sermão da Montanha,
das aparências do momento, é sempre a justiça. O que vale e segundo relata o Evangelho.
resolve é a nossa posição perante Deus, julgue o mundo como
quiser, porque, em todos os casos, ninguém pode fazer nada Se quisermos resumir em duas palavras o assunto que foi
mais senão a vontade de Deus. desenvolvido até agora nestes capítulos, poderíamos dizer que
Assim, vamos errando, mas justamente com isso aprende- falamos da Lei. Temos falado dela porque ela representa o pon-
mos sempre mais. O que parece ser um mal é, ao mesmo tem- to central da nossa vida e o caminho da nossa salvação. A Lei
po, um remédio que nos leva para o bem, porque o erro, exci- exprime o pensamento e a vontade de Deus, constituindo a re-
tando a reação da Lei, nos ensina a não errar mais. Assim, pelo gra fundamental da nossa conduta.
muito julgar e agir de maneira errada, aprendemos a julgar e Poder-se-ia perguntar, no entanto, qual é o seu conteúdo? O
agir de maneira certa. Então os julgamentos, que deveriam ser o conteúdo da Lei, pelo menos no que se refere às normas que re-
gem a conduta humana, é bem conhecido no mundo, e não nos
resultado da compreensão, mas são feitos sem ela, acabam por
cabe repeti-lo. Ele já foi sintetizado nos Dez Mandamentos de
nos levar à compreensão.
Moisés, exemplificado no Evangelho, explicado pelas religiões e
A Lei é uma regra de vida estabelecida por Deus. O homem
pelos princípios morais aceitos pelo homem. Há milênios o
é um menino que tem de aprender. Mas, quando um menino
mundo repete estas verdades. A nossa tarefa não é fazer mais
precisa aprender a andar, nós não fazemos para ele um curso so- um tratado de moral ou de religião. Não é deles ou de pregações
bre a arte de andar. Deixamo-lo experimentar e cair, porque sa- que temos falta, mas sim da sua aplicação na vida prática.
bemos que só à força de muitas quedas ele pode aprender a não Nossa tarefa foi só demonstrar, também aos que não acredi-
cair mais. O homem não precisa de aulas teóricas, mas de um tam nas religiões, que a Lei está presente e funciona de verda-
conhecimento pessoal, atingido com seu esforço, fruto da sua de, trazendo consigo sérias consequências práticas, às quais não
experiência direta. A escola é automática, constituindo o natural se pode fugir, sejam elas de utilidade ou de prejuízo. Quem ti-
conteúdo da vida. Desenvolve-se, assim, a inteligência necessá- ver entendido nossas palestras saberá agora o que lhe acontece-
ria para compreender qual é a regra que rege os nossos movi- rá, se a sua conduta não for aquela que a Lei estabelece. Não
mentos, avaliando o prejuízo de não a observar e a vantagem de temos falado de infernos longínquos, nem de vinganças de
segui-la. Assim, a escola da vida nos ensina a conhecer a Lei. Deus – absurdas, porque Ele não pode ser mau – mas só de Sua
Uma escola é lugar para se estudar e aprender, e não para se fi- bondade e justiça, o que convence muito mais. Temos falado
car sempre nela. Acabado o curso, os estudantes a deixam. O aos homens práticos, com palavras de lógica, sobre fatos con-
mesmo acontece com a experimentação terrena. Uma vez con- cretos, que cada um, com seus próprios meios, pode verificar
quistado o conhecimento, os meios terrenos que foram usados em nosso mundo, fatos cujo sentido só assim é possível expli-
para esse escopo são abandonados como material de refugo, en- car e compreender. Agora podemos claramente entender as ra-
quanto levamos conosco a sabedoria armazenada, para utilizá-la zões pelas quais nos convém seguir o caminho da honestidade,
e gozar seus frutos em ambientes superiores. Pode-se assim ver e ver quão louco é o mundo, ao provocar o seu próprio prejuí-
o quanto seja útil viver e também, se tivermos errado, sofrer. zo, seguindo o caminho oposto. Quem compreendeu tudo isso,
Quando o mundo tiver sofrido bastante os danos que deri- torna-se muito mais responsável pelas consequências dos seus
vam da insistência de se apoiar só na força e na astúcia, então atos, porque agora sabe que, quando chegar a reação da Lei em
evitará isso e procurará organizar-se numa forma de vida feita forma de dor, é porque a causa está nele mesmo, pois essa dor
de trabalho pacífico e fraternal. Os sofrimentos não são inúteis, foi ele quem semeou com seus erros. Então só lhe resta resig-
pois, através deles, o homem toma conhecimento e vê como nar-se e iniciar o trabalho de se corrigir.
custa caro ser mau e, assim, para não voltar a sofrer as conse- Mencionamos anteriormente o Sermão da Montanha, de
quências, aprende a não cometer mais erros. As guerras não são Cristo. Este Sermão sintetiza em poucas palavras aquilo no que
propriamente inúteis, porque, pelo fato de padecer duramente a Lei quer que nos tornemos, chamando de bem-aventurados
com as destruições a que elas conduzem, o homem vai aprender os que atingirem aquele nível superior de vida ao qual o Ser-
a não fazer mais guerras. O uso da força não é inútil, porque mão se refere. Por estas palavras do Evangelho, a Lei nos diz o
quem a pratica, mais cedo ou mais tarde, acaba esmagado por que nos aguarda, se obedecermos a ela e, assim, adquirirmos
as qualidades dos mais evoluídos, tornando-nos humildes de
ela mesma e, então, aprende a não mais usá-la. As astúcias hu-
espírito, pacientes nos sofrimentos, mansos, justos, misericor-
manas não são inúteis, porque o homem, empregando-as, terá
diosos, limpos de coração, pacificadores etc. Eis as palavras de
depois de ficar sabendo quão duras são as consequências de ter
Cristo, no Sermão da Montanha:
procurado furtar-se à justiça de Deus, prejudicando os outros
“Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é
com o engano, e terminará por compreender a loucura da men-
o reino dos céus. Bem-aventurados os mansos, porque herda-
tira na exploração do próximo e o dano que representa para rão a Terra. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justi-
quem a usa. Os atritos das rivalidades e as competições huma- ça, porque serão fartos. Bem-aventurados os misericordiosos,
nas na luta pela vida não são inúteis, porque nos levam a co- porque alcançarão misericórdia. Bem-aventurados os limpos
nhecermos uns aos outros, a fim de realizarmos a construção de coração, porque verão a Deus. Bem-aventurados os pacifi-
daquela grande obra de engenharia biológica que será o orga- cadores, porque serão chamados filhos de Deus. Bem-
nismo da sociedade humana no futuro. aventurados os que têm sido perseguidos por causa da justiça,
A Lei devolve, ricocheteando como um eco, o que lhe porque deles é o reino dos céus... Alegrai-vos e exultai, porque
queremos enviar. Se quisermos viver na ordem e na harmo- é grande o vosso galardão nos céus...” 1.
nia, ela nos receberá num abraço de paz e felicidade. Muito o Esta é a posição dos bem-aventurados, daqueles que obe-
homem terá de andar ainda pelo caminho da experimentação, decem à Lei. Mas esta não é a nossa posição no atual nível
até que, com seu esforço, faça nascer a nova raça do porvir, a humano, cujas “virtudes” de força e astúcia são completamente
raça de homens honestos e inteligentes, que conhecem a Lei e
1
obedecem a Deus. Evangelho de Mateus, Caps. 5, 6, 7 – Sermão da Montanha. (N. da E.)
26 A LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
diferentes. Procuremos, então, parafrasear este trecho do O Evangelho aplicado ao O Evangelho aplicado à Terra
Evangelho, repetindo-o numa forma diferente, para ver quais Sistema (aos evoluídos) (aos involuídos)
são as reações com que a Lei nos impulsiona para que nos tor-
nemos os bem-aventurados mencionados no Sermão da Mon- 1) Bem-aventurados os soberbos,
tanha. Este apresenta um aspecto superior da Lei, mas agora a 1) Bem-aventurados os hu- porque eles terão de sofrer tantas
veremos, neste mesmo assunto, sob outro aspecto, ou seja, mildes de espírito, porque humilhações, que aprenderão a lição
como ela funciona a este respeito no nível humano (que não é deles é o reino dos céus. de humildade e, assim, deles será o
na realidade o dos bem-aventurados), mostrando os meios pe- reino dos céus.
los quais a Lei nos estimula a atingir aquela abençoada posição
2) Bem-aventurados os prepotentes,
de bem-aventurados. Assim, os homens práticos do nosso
2)Bem-aventurados os os ferozes e os guerreiros, porque
mundo, mesmo podendo pensar que o Sermão da Montanha tanto serão esmagados pela prepo-
exprime uma filosofia de sonho, verão que ele, por caminhos mansos, porque
tência, ferocidade e agressão dos ou-
diferentes, mais duros e proporcionados à rudeza do homem, herdarão a Terra. tros, que se tornarão mansos e, en-
também está se realizando em nosso baixo nível de vida. Ve- tão, herdarão a Terra.
jamos, assim, qual é a posição, não dos bem-aventurados do
Evangelho, que vivem a Lei, mas do homem comum do mun- 3) Bem-aventurados os que susten-
do, que, ainda não vivendo a Lei, é impulsionado a vivê-la. tam e praticam a injustiça, porque
Eis, então, como se poderia repetir o Sermão da Montanha, re- 3) Bem-aventurados os que tanta injustiça terão de receber, que
lacionado com este outro ponto de referência: têm fome e sede de justiça, compreenderão quão duro é ter de es-
porque serão fartos. tar submetidos a ela e, então, por te-
“Bem-aventurados os soberbos, porque eles terão de sofrer rem aprendido à sua custa a ambicio-
tantas humilhações, que aprenderão a lição de humildade e, as- nar a justiça, desta serão fartos.
sim, deles será o reino dos céus. Bem-aventurados os que gozam
demais, só pensando em si e para além dos limites razoáveis, 4) Bem-aventurados os desapieda-
porque terão de sofrer necessidade e abandono, até aprender a dos, porque não encontrarão miseri-
4) Bem-aventurados os mise-
regra da justa medida e do amor ao próximo e, então, serão con- córdia e, por demais a invocarem pa-
ricordiosos, porque alcança-
solados. Bem-aventurados os prepotentes, os ferozes e os guer- ra si sem recebê-la, compreenderão a
rão misericórdia.
necessidade da bondade e do perdão,
reiros, porque tanto serão esmagados pela prepotência, ferocida-
alcançando, então, misericórdia.
de e agressão dos outros, que se tornarão mansos e, então, her-
darão a Terra. Bem-aventurados os que sustentam e praticam a 5) Bem-aventurados os impuros de
injustiça, porque tanta injustiça terão de receber, que compreen- 5) Bem-aventurados os lim- coração, porque ficarão tão sub-
derão quão duro é ter de estar submetidos a ela e, então, por te- pos de coração, porque mersos na ignorância e na maldade,
rem aprendido à sua custa a ambicionar a justiça, desta serão verão a Deus. com os consequentes erros e dores ,
que purificarão seu entendimento
fartos. Bem-aventurados os desapiedados, porque não encontra-
e, assim, compreenderão a Lei e
rão misericórdia e, de tanto a invocarem para si sem recebê-la, verão a Deus.
compreenderão a necessidade da bondade e do perdão, alcan-
çando então misericórdia. Bem-aventurados os impuros de cora- 6) Bem-aventurados os que gostam
ção, porque ficarão tão submersos na ignorância e na maldade, de brigas e de disputas, porque, pelo
com os consequentes erros e dores, que purificarão seu entendi- 6) Bem-aventurados os pacifi- fato de não conseguirem encontrar
cadores, porque serão chama- paz, irão almejá-la e procurá-la em
mento e, assim, compreenderão a Lei e verão a Deus. Bem-
dos filhos de Deus. toda a parte, até que se tornarão paci-
aventurados os que gostam de brigas e de disputas, porque, pelo
ficadores e, então, serão chamados
fato de não conseguirem encontrar paz, irão almejá-la e procurá- filhos de Deus.
la em toda a parte, até que se tornarão pacificadores e, então, se-
rão chamados filhos de Deus. Bem-aventurados os que perse- 7) Bem-aventurados os que perse-
guem com injustiça os justos, porque tanto serão perseguidos 7) Bem-aventurados os que guem com injustiça os justos, por-
pela sua própria injustiça, que aprenderão a ser justos e, então, têm sido perseguidos por que tanto serão perseguidos pela
deles será o reino dos céus... Alegrai-vos e exultai todos vós que causa da justiça, porque deles sua própria injustiça, que aprende-
é o reino dos céus. rão a ser justos e, então, deles será
quereis rebelar-vos contra a Lei, porque grande é o sofrimento
o reino dos céus.
que vos espera e, assim, tereis de aprender a lição da obediência,
pela qual ganhareis um grande galardão nos céus”. 8) Bem-aventurados os que gozam
Eis como o Evangelho dos Céus – assim se poderia chamar demais, só pensando em si e para
a palavra de Cristo – tem de se traduzir na Terra, para que seja 8) Bem-aventurados os que além dos limites razoáveis, porque
possível realizar-se aqui. Eis como o Evangelho vai tornar-se choram, porque serão terão de sofrer necessidade e aban-
realidade viva também para os surdos e os rebeldes. Eis como consolados. dono, até aprender a regra da justa
a Lei se mantém em ação e se realiza plenamente também em medida e do amor ao próximo e, en-
nosso mundo. Seria absurdo que à ignorância e à má vontade tão, serão consolados.
do homem fosse deixado o poder de paralisar a Lei e, com is-
Alegrai-vos e exultai, todos vós que
so, Sua obra de salvação. Eis como Deus, para nosso bem, nos quereis rebelar-vos contra a Lei, por-
torna bem-aventurados, mesmo se não o quisermos. Ele quer, Alegrai-vos e exultai, porque
que grande é o sofrimento que vos
custe o que custar, nossa salvação. Por isso, quando for indis- é grande o vosso galardão
espera e, assim, tereis de aprender a
pensável, usa também o chicote da dor, porque Ele sabe que nos céus.
lição da obediência, pela qual ganha-
um dia a abençoaremos, quando, por este caminho, nos tiver- reis um grande galardão nos céus.
mos tornado bem-aventurados.
A grande maravilha da Lei é que ela responde a cada um con- ta. Da mesma forma, o tratamento que recebemos da Lei depende
forme sua natureza. Ela responde aos nossos movimentos com a do que somos e fazemos. Se somos bons e obedientes, ela res-
mesma exatidão com que um espelho reflete nossa imagem. Se ponderá com bondade. Mas, se somos maus e rebeldes, ela nos
nossa imagem no espelho é feia, a culpa não é do espelho, mas ensinará o que temos de aprender, com o azorrague da dor. Cada
de nós que somos feios. Se formos bonitos, a imagem será boni- um pode escolher seu método. Todos, porém, temos de viver
Pietro Ubaldi A LEI DE DEUS 27
dentro da Lei. O que dela receberemos em troca das nossas ações sar a Deus na ascese da evolução, o homem, que trabalhosa-
depende da posição em que nos situamos diante da própria Lei. O mente procura estabelecer alguma ordem, corre atrás das gló-
Evangelho é pregação para os homens de boa vontade, dispostos rias humanas e não toma conhecimento da sua glória maior: ser
a se tornarem anjos. Já vimos qual o papel que o Evangelho tem criatura filha de Deus. Procura as riquezas do mundo e não per-
de representar quando não queremos tornar-nos anjos, mas sim cebe as ilimitadas riquezas ao alcance de suas mãos, as quais
permanecer demônios. Cada um, olhando para dentro de si, pode Deus lhe entregará, tão logo ele aprenda a usá-las bem. Ele vai
saber a qual dos dois grupos pertence e, por conseguinte, o tra- procurando desesperadamente a felicidade e não sabe que
tamento que receberá por parte da Lei. Por isso os bons, se é justamente para ela foi criado. Como pode o verme, que com
verdade que podem ser esmagados pelo mundo, nada têm a temer esforço se arrasta no chão, compreender que, nos espaços, a ve-
de Deus, enquanto os maus, se podem por um momento vencer locidade é gratuita e que corpos imensos a possuem sem limites
no mundo, muito têm a temer por parte da justiça de Deus, que e sem esforço? Da mesma maneira, como pode o homem, que
os constrangerá a pagar até o último ceitil. É muito mais seguro e trabalhosamente procura estabelecer uma ordem no seu planeta,
vantajoso ficar do lado de Deus do que do lado do mundo. Que campo de lutas desenfreadas, compreender que o universo é um
valem e podem os recursos do mundo em comparação com os de imenso organismo de ordem, regido pela inteligência de Deus?
Deus? Que poderá e quererá fazer o mundo para nos defender, Quando resolverá o homem, vítima do seu atraso, avançar
quando a ele nos escravizamos? E que poderá e quererá fazer para a conquista dos novos continentes do espírito que o espe-
Deus para nos defender, quando pertencemos a Ele? ram? Quando conseguirá ele, preso na sua forma mental, que-
Vemos então brilhar, no fundo do grande quadro da Lei que brar as paredes dessa sua prisão? Quando quererá ele resolver
estamos descrevendo, a resplandecente apoteose final dos bons, de uma vez para sempre todos os seus problemas, evoluindo?
não importa se desprezados e condenados pelos poderosos do Tudo depende de nossa boa vontade e de nosso esforço.
mundo, apoteose em que se realizarão as palavras de Cristo: “as
forças do mal não prevalecerão”. XVI. DO SEPARATISMO À UNIÃO
Por quanto tempo continuará o homem sem compreender tu-
do isso? Quantos erros terá ainda de cometer e quantas dores terá A realização da Lei no mundo.
de sofrer, antes de abrir os olhos para ver a substância da vida? O Ela nos impulsiona a evoluir para a ordem e a unidade.
homem continuará a rebelar-se contra a Lei, a fechar-se no seu
egoísmo, a conceber a vida só individualmente, enquanto a Lei O assunto fundamental estudado por nós foi, até agora, a
arrasta o mundo para a fase orgânica, em que os elementos das Lei – sua presença, conteúdo e ação – conhecimento que nos
grandes coletividades colaboram fraternalmente. Quantas lutas leva para uma nova maneira de conceber a vida, com uma
serão ainda necessárias para se chegar à compreensão recíproca consciência melhor de nós mesmos, proporcionando-nos uma
e, assim, coordenar os esforços de todos para finalidades comuns norma para nos conduzirmos sabiamente, para nosso bem. Ex-
de bem? Quantas experiências dolorosas serão ainda necessárias plicamos que a Lei está acima das religiões e filosofias particu-
para se aprender a não provocar as reações da Lei? Estamos acos- lares, as quais ela abrange, porque é lei universal da vida, da
tumados às leis humanas, que, por serem feitas muitas vezes pela qual ninguém pode fugir, pois ninguém pode fugir da vida e das
classe dirigente, para seu próprio interesse, parecem estar cum- suas leis. O que estamos expondo não é produto de nossa men-
prindo a tarefa de nos ensinar, antes de tudo, a arte de nos eva- te, mas da leitura que fazemos da Lei, e todos também podem
dirmos delas. Isso porque há luta entre quem manda e quem tem lê-la, pois ela está escrita nos fenômenos de nossa existência,
de obedecer. Mas, é bem diferente o caso da lei de Deus. Esta sempre presente no funcionamento orgânico do universo, por-
não é feita para o interesse d'Ele, mas sim para o nosso. Então que não há coisa alguma que esteja fora do pensamento de
procurar evadir-nos dessa Lei não é realizar nosso bem, indo con- Deus. O homem está muito apegado às suas divisões, porque
tra quem manda, mas é abdicar de nossa vantagem e não obter sua forma mental dominante ainda é separatista, divisionista,
senão nosso prejuízo. Isso porque o domínio da Lei não se baseia feita de luta para vencer e dominar. Mas isso só tem valor no
na imposição de quem manda contra quem tem de obedecer, mas nível humano. Assim como o céu está acima da terra, igual-
na justiça, no amor e na livre obediência de quem compreendeu. mente a Lei está acima das divisões e lutas humanas. Procure-
Quanto tempo continuará o homem se rebelando contra a ordem mos aprofundar-nos sempre mais no estudo dela, para alcançar
da Lei e fugindo, assim, da sua própria felicidade? a satisfação de que toda alma goza ao experimentar sempre
As forças da vida são movimentadas pela Lei, de maneira mais o sabor das coisas do absoluto e da eternidade.
que a compreensão terá de chegar. Houve tempo em que o ho- Procuramos atingir esta satisfação para nós e para nossos
mem acreditou com certeza absoluta na imobilidade da Terra e leitores. Esta é nossa finalidade maior, e não, como é mais co-
na imutabilidade da matéria. Mas agora entende que a imobili- mum, buscar prosélitos para o próprio grupo ou fazer propa-
dade e a imutabilidade aparentes são um estado de velocidade ganda para aumentar as próprias fileiras. Nossa forma mental é
constante, que nos parece sem movimento, porque nós só per- completamente diferente. Não estamos à procura de seguidores,
cebemos o movimento quando há mudança de velocidade, o porque nossos objetivos não estão na Terra. Por estranho que
que se chama de aceleração. Da tremenda corrida que, juntos pareça, esta é exatamente a verdade. Estamos explicando, para
com o nosso planeta, estamos realizando, ou que se verifica no quem quer compreender, como funciona a vida. Nosso maior
interior do átomo, não percebemos coisa alguma. desejo é que cada um fique satisfeito na posição onde se encon-
Da mesma forma, o homem acredita que está vivendo no tra, se esta lhe convém e disso esteja sinceramente convencido.
caos, julgando que somente sua vontade tem valor e que a ele O ser humano é relativo, e cada um precisa acreditar seja abso-
cabe impor a ordem, a ordem dele. Isto o faz rebelde num uni- luta aquela verdade mais adaptada à sua forma mental. Real-
verso regido pela ordem, e esta revolta o conduz ao sofrimen- mente são tão-só pequenas ondas de superfície no imenso ocea-
to, em virtude do choque contínuo contra a Lei. O homem fica no do conhecimento. São pontos de vista, perspectivas particu-
apegado às pequenas coisas do seu mundo, acredita com certe- lares, experiências diferentes. Nada disso impede que a lei de
za absoluta na verdade das ilusões deste, porque isto é o que Deus funcione e que todos a devam seguir, permanecendo den-
percebe, e não vê que está vivendo no seio de uma ordem e de tro dela, seja pelos caminhos do bem ou seja pelos do mal. É
uma harmonia maravilhosas. maravilhoso observar como o pensamento e a vontade de Deus
Cego para tudo isso, incapaz de ver o imenso trabalho que nos cercam de todos os lados, sempre nos guiando e impulsio-
todos os seres e tudo o que existe estão cumprindo para regres- nando para o caminho certo, a nós e a todos os seres do univer-
28 A LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
so. Para quem vive diante de uma visão desta envergadura e manos, entre as diferentes camadas sociais, entre as divergen-
vastidão, qualquer poder terreno perde todo o valor e, assim, tes forças e impulsos coletivos.
todas as sagacidades humanas que possam atingi-lo não interes- Na história da vida do homem, venceu e dominou até agora o
sam mais, tornando-se tentativas inúteis. princípio do individualismo, pelo qual o ser vive isolado, como
Nós podemos oscilar livremente de um polo a outro, entre o num castelo, fechado no seu egocentrismo e armado contra to-
bem e o mal, entre a luz e as trevas, deslocando-nos para qual- dos, um ser cujas relações com os outros não podem ser senão de
quer posição da vida, mas ficaremos sempre dentro do pensa- luta, atacando e defendendo para dominar, num estado de guerra
mento e da vontade de Deus, ou seja, dentro da Lei, que é a at- permanente, a fim de não acabar escravo. Este sistema gera rea-
mosfera na qual tudo o que existe no universo vive e da qual ções e contrarreações contínuas, de vinganças, ódios e dores sem
ninguém pode sair. Procuremos ficar apegados ao universal, fim, constituindo um método de vida selvagem, útil para desen-
porque ele contém também todos os pontos do particular, volver uma inteligência elementar, de tipo inferior, que reina nos
abrangendo-os todos, sem, contudo, ficar fechado em nenhum níveis baixos da animalidade, mas inadequada para elevá-la ao
deles. Somente subindo a esse nível mais alto é possível superar nível evolutivo superior que a humanidade está agora atingindo.
as divisões e lutas humanas, que fazem da Terra um inferno. Só A nova sensibilização nervosa e psíquica do homem civilizado
assim atingiremos a paz e a harmonia, que representam o paraí- pode e poderá cada vez menos suportar os ferozes métodos de
so e só se realizam no seio da ordem da Lei. Quem conseguiu vida do passado, com todas as suas tristes consequências.
ascender a esse nível de vida não deseja mais o triunfo separado Vemos, desse modo, que está na vontade da Lei, estabeleci-
de algum grupo particular, mas só a compreensão recíproca e a da na própria natureza das coisas, que o homem, com o progre-
harmonia universal. Procuramos, assim, demonstrar, para nos dir da civilização, não pode deixar de aprender a difícil arte da
convencermos, que só poderemos alcançar a maior alegria, se convivência. Ele se sente atraído pelas vantagens encontradas
sairmos do estado de separatismo, luta e desordem que tanto nas grandes cidades, mas ali tem de viver junto com os outros,
atormenta o mundo, encaminhando-nos sempre mais para a portanto não mais como indivíduo isolado no campo, e sim co-
unidade, a paz e a harmonia, princípios fundamentais da Lei. mo elemento do organismo social. Esta mudança de ambiente
É exatamente neste sentido que se está orientando o pro- constrói novos hábitos de relações recíprocas, antes desconhe-
gresso da civilização humana. Esta é a direção em que estamos cidos. O ser vai, assim, adaptando-se às novas formas de vida
orientados e procuramos orientar os outros. Geralmente, nesse organizada, mais complexas, que constituem a sociedade. Nes-
particular, o que mais interessa ao homem é a sua salvação pes- ta, ele propende e destina-se cada vez mais a desaparecer como
soal. Para atingi-la, ele acredita ser necessário apenas pertencer indivíduo isolado e reaparecer como célula de unidades coleti-
ao próprio grupo, que pode garanti-la, porque possui e contém vas múltiplas, sempre mais vastas. O mundo se transforma para
toda a verdade, ao passo que os outros grupos contêm todos os ele, que tem desse modo de aprender novas lições, adquirir no-
erros. Assim, imaginando possuir toda a verdade, o indivíduo vas qualidades, correlacionar-se a novos pontos de referência,
fica satisfeito, porque sua salvação está assegurada, e isto é o possuir valores diferentes e julgar com outra psicologia. O va-
que mais lhe importa, enquanto os outros, possuindo somente lor do homem do campo, que consistia em saber defender-se e
erros, estão perdidos, e essa certeza para ele é, muita vezes, trabalhar fisicamente, em caçar e matar, tem de se transformar
também motivo de satisfação. Assim, quando o indivíduo sus- no valor do homem dos grandes centros civilizados, que consis-
tenta seu grupo e a verdade que este possui, fica livre para viver te em saber movimentar-se, conduzir-se, trabalhar e pensar con-
sua vida como melhor lhe convém. Já a prática, na vida, dos forme regras que o enquadram numa indispensável disciplina.
princípios de uma religião, que, na sua forma particular, repro- Realiza-se, assim, a evolução. O que é a evolução senão uma
duzem mais ou menos os princípios gerais da Lei, é outra coisa, sempre maior realização da Lei? E qual é o conteúdo da Lei se-
menos urgente, que se pode também pôr de lado como secundá- não, antes de tudo, ordem e disciplina?
ria. A Lei representa, de fato, o verdadeiro e mais precioso con- O homem primitivo que pela primeira vez entra neste novo
teúdo das formas e crenças de todas as religiões. No entanto, se ambiente social, traz consigo todos os seus instintos de ser in-
estas não são usadas na Terra como um meio para realizar os dividualista e, por isso, tende a opor resistência, gerando desor-
princípios da Lei, a presença delas é inútil, porque fica frustra- dem na organização, na qual se sente preso. Mas esta, porque
do seu objetivo principal, que é nos guiar e impulsionar para os representa uma unidade maior do que ele e, portanto, mais po-
justos caminhos, levando-nos a Deus. Este objetivo principal é derosa, termina por vencê-lo, constrangendo-o a aprender a vi-
o que estamos pregando aqui, procurando compreensão e união, ver sob a regra de uma disciplina, ou seja, a evoluir para uma
em vez de exclusividade e condenações. forma de vida mais adiantada.
De fato, como agora dizíamos, é nesta direção que está ori- Tudo, queiramos ou não, segue nesta direção. A engenharia
entado o progresso da civilização humana. Um dos maiores moderna dirigiu-se para o arranha-céu, que é uma colmeia onde
problemas que o mundo de hoje tem de enfrentar e resolver é o centenas de abelhas têm de viver juntas. Esta vida em comum
de sua unificação em todos os campos: político, econômico, numa vizinhança recíproca implica, impõe e ensina regras de
demográfico, religioso, social. Com a vida se concentrando respeito recíproco, em que se compensam direitos e deveres
cada vez mais nas grandes cidades, o homem tem de se adaptar numa nova forma organizada de vida coletiva, que só desta ma-
a formas sempre mais estreitas de convivência social. Mas ele, neira, baseando-se na ordem, pode existir. De todos os lados,
como resultado do seu passado, está ainda fechado numa psi- tudo nos confirma que a vida progride do caos para a ordem, da
cologia estreitamente individualista, que o isola dos outros, desenfreada liberdade para a disciplina. Nisto consiste, como
enquanto a irresistível vontade da Lei é que ele venha a se unir dissemos, o progresso, que é a realização da Lei.
aos outros, para todos formarem juntos a grande unidade cole- Quando esse homem sai do seu apartamento, não encontra
tiva da humanidade. A evolução quer que todos os egocentris- selvagens nem feras contra os quais deva lutar, mas carros que
mos separatistas se fundam num estado orgânico, a futura situ- exigem disciplina de movimentos no trânsito. Nas ruas, nas lojas
ação da humanidade. Mas contra isto o indivíduo de hoje se e nos escritórios, encontra gente que exige respeito, conforme
rebela, temendo perder a sua liberdade. Então nascem revoltas, regras de comportamento. Quanto mais um homem é civilizado,
choques com os vizinhos e atritos recíprocos. Mas também tanto mais ele tem de tomar nota da presença, das exigências e
surgem adaptações, porque este é o caminho marcado pela Lei dos direitos dos outros – dever que, entretanto, exige reciproci-
e dele não se pode fugir. É assim que, como nunca, hoje se dade – e tanto menos lhe é permitido ser individualista, egocên-
tornou vivo e atual o problema das relações entre os seres hu- trico, indiferente à vida dos outros. Isto pode parecer uma pesa-
Pietro Ubaldi A LEI DE DEUS 29
da disciplina, tanto que o ser primitivo se rebela contra ela. No de, a inteligência não se usa para enganar, a consciência de si
entanto tal regime, pelo fato de se basear na reciprocidade, re- mesmo não é orgulho que despreza o próximo, a cobiça, em
presenta no fim uma vantagem para todos. O fato de ter de res- vez de servir ao próprio egoísmo, destina-se ao bem de todos,
peitar os direitos dos outros pode constituir, às vezes, uma re- e o espírito não é servo, mas dono dos sentidos. A vida, na sua
núncia à própria liberdade. Mas esse sacrifício fica depois bem evolução, quer criar agora, na Terra, um novo tipo biológico,
pago, quando por ele recebemos, como recompensa, respeito pa- um homem mais adiantado, ao qual confiará a tarefa de orga-
ra com nossos direitos. Só o homem civilizado, que tem deveres, nizar a nova ordem do mundo. O ser dos futuros milênios,
pode exigir os correspondentes direitos. O homem da selva, na mais evoluído olhará para o tipo humano atual como nós
sua absoluta liberdade, não possui direito algum a não ser aquele olhamos para os primitivos dos milênios passados.
dado pela sua força, que, na luta, o defende contra tudo. Ele está Assim, colocado no seu devido lugar, tudo fica claro e en-
sozinho, desprovido de toda a defesa da organização social. contra sua explicação lógica. Também as feras têm de aprender
Tudo isto é problema de ordem e disciplina. Mas estamos sua lição, e esta lhes é proporcionada pela Lei na forma e na
ainda no começo desse processo de reordenação. A disciplina é medida que elas podem entender. Para o homem selvagem, as
ainda formal, exterior, de superfície, representando tudo o que aulas são um pouco menos duras, porque ele desenvolveu mais
o homem conseguiu alcançar até hoje. Mas, com o progresso inteligência e sensibilidade. Para o homem atual, devido ao
da civilização, a ordem terá de se tornar sempre mais substan- progresso destas qualidades, as condições de vida melhoram
cial, interior e profunda, transformando-se de simples regras de ainda mais, pois, como é lógico, as provas necessárias ao
boas maneiras em compreensão recíproca, em psicologia de aprendizado se tornam, com a evolução, sempre mais leves e
colaboração e unificação, até atingir o nível do amor para com inteligentes. Cada nível tem de cumprir um gênero particular de
o próximo, anunciado como meta final pelo Evangelho de experiência, conforme o tipo biológico que o ser deve construir.
Cristo. Neste processo de descentralização do egocentrismo Tudo muda de um plano para outro, inclusive a maneira de
realiza-se a evolução da personalidade humana, que se abre conceber e julgar. Poderíamos assim dizer que em cada nível de
por este caminho, para libertar-se da prisão do seu primitivo vida vigora uma lei e, com ela, uma diferente moral. O que é
egoísmo, desabrochando e florescendo até atingir o estado de normal, justo e lícito para uma fera não o é para um selvagem e,
altruísmo, ou seja, de unificação em Deus, todos juntos e ir- menos ainda, para um homem civilizado. Encontramos assim
manados num mesmo organismo. tantos sistemas de moral sobrepostos quanto os andares de um
Desta maneira, vemos que os princípios da Lei se realizam prédio, onde o inferior sustenta o superior, subindo sempre. Es-
também nas pequenas coisas da nossa vida de cada dia, assim ta contínua edificação, que se levanta sempre mais, um andar
como o pensamento e a vontade de Deus, que ela representa, sobre o outro, representa a construção progressiva do próprio
dirigem o progresso da nossa civilização para objetivos de- eu. Enquanto o ser permanece em um determinado plano, ele
terminados. No caminho da evolução, o mais rebelde contra a aceita a moral desse plano com naturalidade, mas, tão logo suba
Lei é o ser mais atrasado, enquanto o mais obediente a ela é o para um plano superior, escandaliza-se com a moral do inferior,
ser mais adiantado. O conteúdo da civilização é representado que se torna para ele corrompida e ilícita. Tudo depende do ní-
pela realização da Lei, ou seja, pelo grau com que consegui- vel de onde parte o julgamento. A fera é julgada fera pelo sel-
mos vivê-la, irmanando-nos com os nossos semelhantes. vagem ou pelo homem civilizado. Mas, para as feras, não é fe-
Quanto mais o homem for evoluindo, tanto mais terá de per- ra. Assim o selvagem é selvagem para nós, mas, para os seres
ceber que, para sobreviver na luta pela vida, há uma força do seu nível, não é selvagem. Nós nos consideramos civilizados
muito mais poderosa do que a violência, a prepotência e a as- em relação às feras e aos selvagens, mas poderíamos ser consi-
túcia levada até à mentira e à traição: é a força da inteligência, derados selvagens por seres mais evoluídos. E a nós mesmos,
da honestidade e da bondade. quais hoje somos, julgaremos selvagens, quando tivermos pro-
gredido mais. Assim como reputaríamos criminoso um homem
XVII. A REALIDADE DOS INSTINTOS selvagem que praticasse entre nós a sua moral de antropófago,
os métodos de luta do homem atual também poderiam, numa
Como a sabedoria da Lei, corrigindo erros e excessos com o humanidade mais civilizada, ser considerados criminosos.
sofrimentos, leva o ser livre a evoluir para sua meta final. Desse modo compreende-se por que os seres inferiores não
Origem e função dos instintos. podem ser em si mesmos condenáveis pelos seus instintos. A
presença destes, como de tudo o que existe, explica-se pelo
Explicamos como a evolução nos leva sempre mais para o cumprimento de sua própria função. Nada existe sem um moti-
estado orgânico, conduzindo-nos da desordem, resultado de um vo, sem um escopo a atingir e uma razão que o justifique. Mas
individualismo separatista, à ordem, situação final ao nos har- permanece o fato de que os baixos instintos revelam a inferiori-
monizarmos com a Lei. Quanto mais evoluímos, tanto mais a dade do ser, e este então, enquanto não evoluir do seu plano in-
Lei nos disciplina, irmanando-nos e conduzindo-nos à unifica- ferior, tem de ficar sujeito à dura lei que ali vigora. Se o ser é
ção. Esta é a nova lição que o homem tem de aprender. As ou- um diabo, seu legítimo lugar, onde ele tem de morar, é o infer-
tras, relativas à animalidade, já foram aprendidas, e demorar-se no. Se ele subiu até ao nível do anjo, então o lugar que lhe per-
nelas significaria retardar o caminho da subida, permanecendo tence, onde ele tem de morar, é o paraíso. Isto quer dizer que o
atrasado nos níveis inferiores da vida. primeiro ficará sujeito às leis do inferno, enquanto o segundo se-
A vida oferece lições proporcionadas ao plano de existên- rá regido pelas leis do paraíso. A punição e o prêmio são ineren-
cia em que o ser se encontra, de acordo com suas vicissitudes. tes à própria natureza do indivíduo e se realizam automatica-
Todavia o homem tem de adquirir novos instintos, que não são mente, sem castigo nem vingança, porque correspondem à posi-
de agressividade, engano, orgulho, cobiça ou sensualidade, ção de cada um. A fera está sujeita à dura lei da fera. Cada um
pois estes, se foram úteis num estado de desordem geral, não o recebe conforme a justiça, segundo o que é, porque, de acordo
são mais num mundo organizado. Estas são as posições do com o seu nível, ele se coloca no degrau que lhe pertence ao
passado, não as do futuro. E a evolução é uma força viva, pre- longo da escala da evolução. Justiça automática, inflexível e per-
sente dentro de nós, fazendo pressão, constrangendo-nos à su- feita, porque cada ser traz em si mesmo, nas condições de vida
bida de modo premente. Isto quer dizer que chegou a hora de que mereceu, o julgamento e a respectiva pena ou recompensa.
progredir, levando aqueles instintos para frente, elevando-os a Dissemos acima que a presença dos instintos se explica pelo
um nível superior, onde a coragem não reside na agressivida- fato de corresponderem ao cumprimento da sua própria função.
30 A LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
A fome ensinou o animal a desenvolver sua força e inteligência abuso na disciplina da Lei – pelo fato de ser fundamental no
na arte de capturar os outros animais para devorá-los. A função processo evolutivo e de ter, por isso, absolutamente de realizar-
do instinto, nesse caso, é a conservação da vida individual. se, é automático. Entramos aqui no campo determinístico da
Querendo aumentar a legítima alegria que vem da satisfação da Lei, seu aspecto inviolável, no qual não pode entrar a livre-
fome, nasceu no homem a gulodice, que, por ser gozo ilegíti- escolha do homem. Este é irresistivelmente levado a realizar
mo, provoca distúrbios e doenças. Estas alterações representam em si mesmo o controle de seus instintos por intermédio do au-
o freio com o qual a Lei resiste a toda violação da sua ordem e todomínio, pois, enquanto não se dispor a aprender a viver na
equilíbrio, para reconduzir tudo novamente à justa medida. As- ordem, permanecendo dentro dos limites marcados pela Lei, te-
sim se explica como nasceu no homem tal instinto e também a rá de sofrer as dolorosas consequências que derivam disso. Este
necessidade de corrigi-lo, reconduzindo-o aos devidos limites. processo, aparentemente cruel, pelo qual todo movimento erra-
As exigências do impulso sexual ensinaram o animal a do gera dor, como uma reação automática à qual não se pode
amar. A função do instinto, neste caso, é assegurar a continua- fugir, parecendo uma vingança de um Deus desapiedado pela
ção da espécie. Querendo aumentar a legítima alegria do amor, ofensa recebida, é de fato a Sua maior providência, produto de
no homem nasceu a sensualidade, que, no excesso dos vícios, Sua sabedoria e bondade, porque representa o remédio amargo
também provoca distúrbios e doenças, pelos quais a Lei resiste que cura a doença. Providência cuja função é conduzir o ser pa-
à desordem e nos guia para a justa medida. Explica-se, assim, ra seu bem, ou seja, sua salvação final na felicidade.
como no homem nasceu tal instinto e também a necessidade de É lógico que, para um ser livre e ignorante, cada experiên-
corrigi-lo, reconduzindo-o à sua devida disciplina. cia implique também em resultados de excesso ou de abuso, o
A absoluta exigência de sobreviver contra todos os assal- que traz como consequência condições opostas às da satisfa-
tos num ambiente hostil, gerou no animal o indispensável ins- ção, a qual se encontra somente dentro dos devidos limites.
tinto de conservação, ensinando-lhe o egocentrismo e a arte Não é escravizando-nos que a Lei nos guia para nosso bem,
do ataque e da defesa. A função destes instintos é construir o porquanto não seria possível conciliar isto com a bondade de
indivíduo forte e astuto, apto a defender-se a si mesmo, inclu- Deus, mas sim compelindo-nos indiretamente, sem violar nos-
sive atacando, para ser o vencedor na luta pela vida. Querendo sa liberdade. De que outra forma poderia Deus obter este re-
reforçar a sua individualidade e fortalecer as suas defesas, no sultado, respeitando a vontade de um ser ignorante que, para
homem nasceu o egoísmo separatista e a agressividade bélica, aprender (o conhecimento é necessário para subir e salvar-se),
e ele se tornou guerreiro, escravizando vencidos e dominando tem de experimentar tudo? A Lei resolveu o problema fazen-
povos. Em consequência de tudo isso, nasceram os males que do corresponder a cada movimento do indivíduo uma deter-
atormentam a humanidade e com os quais a Lei quer restabe- minada sensação, boa ou má, de acordo com sua sensibilida-
lecer a ordem. Explica-se, assim, como nasceram no homem de, que cada vez mais se aguça.
esses instintos e também a necessidade de corrigi-los, recon- Desse modo, cada ato nosso nos leva, conforme sua nature-
duzindo-os à sua justa medida. za, a um correspondente resultado, ou seja, tudo o que foi feito
Da falta do indispensável nasceu o instinto sadio da pre- dentro das regras da Lei tem como consequência um estado de
vidência, mas o excesso desta gerou a cobiça de possuir, pro- satisfação, e tudo o que foi feito fora dessas normas tem como
duziu a avidez de apoderar-se de tudo para acumular recur- consequência um estado de aflição. Falamos da verdadeira sa-
sos, criou o instinto da avareza, que espolia o próximo atra- tisfação, sadia, pacífica, duradoura, e não da satisfação mórbi-
vés do excessivo apego às coisas. Mas a isto também se se- da, enganadora e transitória, cuja tendência final, pelo motivo
guem males e a consequente necessidade de corrigi-los para de ter sido atingida pelo abuso contra as regras da Lei, é nos
dentro dos limites da justa medida. conduzir à sua lógica conclusão: o sofrimento.
Assim, explica-se como, da necessidade da defesa, nasceu Isso acontece todas as vezes que saímos dos trilhos estabele-
para os fracos a arte do engano, cujo excesso gerou o instinto cidos pela Lei, não somente pela qualidade do ato, mas também
da mentira, que não permite discernir a verdade do fingimento. pela sua quantidade. Assim, o que é lícito e satisfatório na sua
Isso criou um ambiente de traição insuportável para todos e a justa medida, torna-se ilícito, prejudicial e doloroso no excesso.
necessidade de ser honesto e sincero para corrigi-lo. Este é um erro em que é fácil cairmos quando, iludidos pela im-
Se desta maneira se compreende a origem dos instintos, ou pressão agradável da primeira satisfação, somos impulsionados
seja, a necessidade de cumprir uma função de auxílio à vida, a aumentá-la com o abuso. Mas eis que a Lei nos reconduz à
revela-se também a outra necessidade de dominá-los e corrigi- justa medida, porque, se o uso da quantidade um dá a satisfação
los conforme os princípios da Lei, reconduzindo-os para os um, se dois dá resultado dois e três resulta em três, não é verda-
seus limites. Se os instintos não se modificarem paralelamente de que, se continuarmos acrescentando as doses, a satisfação
à evolução, as qualidades que eram antes úteis à vida se tornam sempre aumente proporcionalmente. Pelo contrário, quatro con-
prejudiciais à medida que ela progride. É assim que o ser tem tinuará a nos dar o prazer de três ou pouco mais, cinco não será
de se transformar de animal em homem, e de homem em super- mais agradável, mas dará só um sentido de saciedade, seis co-
homem, porque, chegando a um nível superior, a vida requer meçará a nos enjoar e, quando chegar à quantidade sete, come-
outras qualidades, e o ser tem de adquiri-las. çará o sofrimento. Essa emborcação do prazer da satisfação na
Os instintos inferiores se justificam enquanto permanecem amargura do padecimento nada mais é senão a lição da Lei, que
no seu nível, onde têm uma função a cumprir. Mas tornam-se assim nos ensina a nos corrigirmos, voltando ao caminho certo.
abuso, defeito e culpa nos níveis mais adiantados. O verdadei- Desta maneira, sem constrangimento algum, o ser, perma-
ro progresso é constituído por esta íntima transformação da na- necendo livre, tem de sair do erro, expulso automaticamente
tureza do ser, que adquire hábitos e constrói instintos superio- para longe dele, porque é repelido pela respectiva sensação de
res por cima dos antigos, num contínuo processo de melhora- desgosto. E ele mesmo, através da própria experiência, vai
mento e aperfeiçoamento. É assim que, como já dissemos, o cada vez mais relacionando sua dor com o erro cometido. As-
egoísmo separatista e o desenfreado individualismo do homem sim, a Lei vai ensinando ao ser – ansioso por movimentar-se e
primitivo têm de transformar-se em altruísmo unificador, in- ardente de desejos, mas inexperiente – como agir com inteli-
dispensável ao homem evoluído, que terá de viver no estado gência, sem cair na dor.
orgânico da humanidade do futuro. Eis o que podemos ver, por trás dos bastidores, na realidade
Este fenômeno da reorganização do caos – isto é, da reor- da vida. Muitas outras maravilhas ainda se encerram na Lei, e
denação da desordem na ordem, do excesso na moderação, do as iremos analisando em nossos estudos.
Pietro Ubaldi A LEI DE DEUS 31
XVIII. A MUSICALIDADE DA LEI ceram e se fixaram pela necessidade de satisfazer exigências vi-
tais, e somente se justificam enquanto permanecem dentro dos
A desobediência à Lei se torna autopunição. limites dessa sua função. Isso é o que se chama permanecer na
A revolta é autodestruição. As maravilhas da técnica da co- ordem. Tudo na Lei tem o seu devido lugar. Assim, é bom e ge-
nexão do erro para chegar à salvação. ra boas consequências o fato de comer para sustentar o corpo,
mas é mau e produz más consequências o fato de comer demais
A lição que a lei de Deus nos quer dar, infligindo-nos dor por gulodice. Também é bom descansar depois de ter trabalha-
com a sua reação, é para ensinar o caminho certo e a justa me- do, mas é mau o ócio da preguiça. Da mesma forma, a liberali-
dida. Todos procuramos atingir a maior satisfação, e isto não é dade não pode tornar-se esbanjamento e dissipação, assim co-
contrario à Lei, pois ela quer a nossa felicidade. O erro não está mo o espírito de economia não deve chegar à avareza. Por outro
nesse desejo em si, mas sim nos meios que, devido à nossa ig- lado, a consciência de si mesmo não deve transformar-se em
norância, escolhemos para realizá-lo. A Lei não quer o nosso orgulho, assim como a vontade de ganhar com o trabalho o ne-
sofrimento, somos nós que o produzimos, violando a sua or- cessário para viver não deve tornar-se sórdido apego ao dinhei-
dem. Seja qual for o nosso desejo de revolta, não podemos dei- ro e imoderada cobiça de riqueza.
xar de viver dentro dessa ordem. Mas o homem não quer levar Os erros se podem cometer não somente no sentido da
em conta o fato positivo da presença dessa ordem, preferindo quantidade, mas também através da qualidade dos nossos atos.
substituí-la pela desordem criada pela lei particular do seu pró- Pela lei do mínimo esforço, procuramos, para atingir os maio-
prio eu. Só a sua ignorância pode acreditar nessa possibilidade. res resultados, trabalhar o menos possível, e assim, em vez de
Mesmo a ciência positiva nos demonstra, cada dia mais, que seguir o caminho certo, buscamos utilizar a astúcia para andar
vivemos cercados de leis por todos os lados. por travessas e atalhos, que são desvios fora da senda correta
Num tal ambiente, é lógico que todos os movimentos errados do trabalho honesto, único rumo capaz de nos conferir a base
não possam produzir senão efeitos errados. Pela sua própria na- segura do merecimento. Gostamos de coisas bem-feitas e dese-
tureza, como podem movimentos errados levar a resultados cer- jamos que os outros também as façam assim para nós. Mas nos
tos? O trânsito de veículos e pedestres nas ruas não poderia rea- julgamos hábeis quando, com o engano, sabemos levar vanta-
lizar-se sem regras. Que aconteceria se, num relógio, cada roda gem sobre os outros, entregando-lhes produtos malfeitos. Fale-
quisesse tornar-se independente das outras, para movimentar-se cem assim o crédito e a confiança, e a mentira embaraça cada
por sua conta? E que música poderia executar uma orquestra, se vez mais a vida social.
cada um dos seus componentes, em nome da liberdade, quisesse A Lei exige honestidade de quem esteja na posse de uma
tocar a seu bel-prazer? Apesar de ser evidente a necessidade de posição social, a fim de que seja cumprida a função que aquela
movimentar-se conforme uma disciplina, o homem julga possí- posição implica e representa. Assim os governos deveriam rea-
vel, no terreno mais elevado, constituído por sua conduta, so- lizar a função que justifica o seu poder, que é dirigir, defender e
brepor a desordem à ordem da Lei, sem prejuízo ou até com ajudar os povos. Mas, infelizmente, quanto mais o homem é
vantagem. E tanto acredita nessa loucura, que a considera como primitivo, tanto mais concebe o poder egoisticamente, conside-
a maior prova da sua sabedoria. Por isso, em nosso mundo, ve- rando-o não como uma função para o bem coletivo, mas apenas
mos realizar-se o que aconteceria numa rua onde carros e pedes-
como um meio para satisfazer sua ambição e seu desejo de gló-
tres corressem uns contra os outros, ou num relógio feito de ro-
ria e riqueza. Se não existisse esta vantagem pessoal e imediata,
das que lutassem umas contra as outras pela sua independência,
não se explicaria tanta luta e dissipação de recursos para a con-
ou numa orquestra em que cada um tocasse o que quisesse. As-
quista do poder. Pode, porém, acontecer que os povos se aper-
sim explica-se por que neste mundo se verificam os efeitos que
cebam desse jogo dos seus governantes. Então estouram as re-
vemos. O resultado de tanta “sabedoria” é caos e sofrimento.
voluções, com as quais se ajustam as contas e, tal como aconte-
A Lei quer a nossa felicidade, mas esta só existe para quem
ceu na Revolução Francesa, faz-se a liquidação das classes di-
permanecer em sua ordem. Quem sai dessa ordem sai também
rigentes. Esses movimentos representam uma desordem que
daquela felicidade. Por isso a regra fundamental é: sem discipli-
na não se pode atingir satisfação. Todos procuramos alegria, não poderia nascer, se não fosse gerada por outra desordem,
sempre maior alegria, o que é justo e concorda plenamente com originada em geral do abuso dos dirigentes. Isto faz crer que, na
a vontade da lei de Deus. No entanto não se atinge este conten- Terra, a justiça da Lei não possa realizar-se senão por uma con-
tamento, como se julga, fartando-nos com qualquer das satisfa- tínua correção de abusos, o que parece ser afinal a tendência
ções humanas comuns, mas somente aceitando-as só na justa predominante no instinto do homem.
medida. Eis o que a Lei quer ensinar, quando nos deixa recolher Mas, então, se esta é a realidade atrás das aparências, qual é
amarguras, seja no excesso como na carência. A toda nossa ten- o estranho jogo que está escondido por trás dos métodos eleti-
tativa de exagerar para subverter a ordem, chega o golpe da Lei, vos, e qual a significação do direito de voto para povos que não
que nos reconduz para dentro da ordem. Não é que a Lei exerça sabem usá-lo? Neste caso, na prática, o voto não é um direito,
vingança e nos puna. A Lei está sempre firme. Somos nós que a porque não pode ter direitos quem não sabe o que faz, mas é
movimentamos e, com os nossos movimentos errados, produzi- uma escola para aprender a usar esse direito, escola dolorosa,
mos resultados dolorosos. Ela é como um instrumento musical. porque, conforme a Lei, os erros não podem ser corrigidos se-
Um pianista que conhece o teclado pode extrair do seu piano não através da dura experiência dos próprios sofrimentos. Em
música maravilhosa. Um músico inexperiente, porém, se tocá-lo todos os campos, o homem rebelde tem de sofrer para aprender.
ao acaso, não poderá alcançar senão irritantes dissonâncias. Isto Nesse caso, os povos têm de sofrer a tirania e a exploração até
é o que todo dia fazemos com a Lei. Não é surpresa, então, se aprenderem a eleger seus dirigentes, enquanto os governantes
não encontramos no mundo senão desafinações e desarmonias têm de sofrer revoltas até que aprendam a governar com hones-
dolorosas. E teremos de ouvi-las até aprendermos a tocar. tidade. Cada um recebe as consequências dos seus atos, con-
Todo abuso fere e queima para nos ensinar a lição da ordem forme seu merecimento. Assim, os governantes têm os povos
e desenvolver em nós o instinto do autocontrole e o sentido da que merecem, e os povos têm os governantes que merecem. A
justa medida. Vamos assim aprendendo, através de tantas expe- vida não pode basear-se em valores fictícios e exige valores re-
riências de uso e abuso, a viver na ordem, fazendo bom uso de ais. Quem nada vale e nada faz, nada pode receber, até aprender
tudo. Os instintos, como dissemos, representam desejos que nas- a merecer e fazer algo de valor. Esta é a justiça da lei de Deus.
32 A LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
Estamos vendo como os princípios da Lei repercutem em guém quer. Assim, quanto mais o ser é involuído, tanto mais
todos os aspectos da vida. A exatidão da sua justiça se expres- tem de sofrer, experimentar e aprender para, com isso, evoluir.
sa pela lei de talião, porque a reação corretiva corresponde Na justiça de Deus, libertar-se de tudo isso não pode ser senão a
exatamente à natureza e proporções da culpa. Por isso foi pos- merecida recompensa do esforço feito para subir. Assim, quan-
sível interpretar a fenômeno dessa reação como vingança de to mais o ser é indisciplinado e, por isso, quer a desordem, tanto
Deus, em semelhança à lei de talião. Conhecemos agora a téc- mais ele será impelido à disciplina e confinado na ordem. Desse
nica da Lei para corrigir o erro e, sem imposição, obter obedi- modo, a revolta se torna absurda, contraproducente e, por isso,
ência. O resultado é que, apesar de ficar livre, a criatura acaba insuportável e inaceitável, porque, quanto mais o ser se rebela,
obedecendo. Isto porque sair da Lei constitui o maior erro, o tanto mais se aperta em volta do seu pescoço o nó corrediço do
que equivale ao maior sofrimento. Assim tudo o que está den- sofrimento. Quanto mais o ser se faz surdo para não ouvir a li-
tro da Lei é bom, belo, agradável, enquanto o que está fora de- ção, tanto mais esta se torna enérgica. Na Lei, que é ordem e
la é mau, feio, doloroso. A maravilha dessa técnica está no fato harmonia, tudo, inclusive a sua reação, é proporcionado e equi-
de, em última análise, não ser possível rebelar-se contra a Lei, librado. Acontece então, automaticamente, que quanto mais o
porque fora dela não há vida nem satisfação. Os rebeldes, que- ser é ignorante e rebelde, maiores são os seus erros e, por isso,
rendo desobedecer à Lei, distanciam-se, eles próprios, do para- maior a reação que eles excitam; quanto mais o ser precisa ser
íso e lançam-se no inferno; querendo emborcar a Lei, embor- corrigido, tanto mais poderosa é a correção encarregada de en-
cam-se a si mesmos, condenando-se a viver de borco, num direitá-lo. Por outro lado, quanto mais o ser é sábio e obediente,
mundo contravertido. Emborcado quer dizer sofrimento ao in- menores são os seus erros, bem como a reação que eles exci-
vés de felicidade, morte ao invés de vida. Assim a desobediên- tam, de modo que, quanto menos o ser precisa ser corrigido,
cia é suicídio, condenação e punição que o rebelde executa tanto mais leve é a correção necessária para endireitá-lo. Como
contra si mesmo com suas próprias mãos. vemos, trata-se de uma verdadeira escola, onde os alunos rece-
Os rebeldes quereriam libertar-se desse jugo da Lei, porque, bem aulas no nível justo, proporcionadas à sua necessidade de
em sua ignorância, julgam e acreditam que isso seja possível.
aprender. Escola maravilhosa, na qual cada aprendiz, automati-
Mas a Lei é a substância da nossa vida, porque nós mesmos, em
camente, tem de aprender por si próprio a lição que lhe seja
essência, somos Deus e, desse modo, também Sua Lei. Portanto,
mais adaptada. Poderia Deus ter feito coisa melhor?
se chegasse a haver uma verdadeira revolta e se ela alcançasse
De tudo isso segue-se outra maravilha. A correção dos er-
sucesso, vencendo a batalha contra a Lei, isto seria destruir nos-
ros e a retificação do caminho errado são automáticas, progres-
sa própria vida. A Lei está arquitetada de maneira que, automa-
sivas e absolutamente inevitáveis. Logo, qualquer movimento
ticamente, a revolta movimentada pelo rebelde constitui, por si
que o ser faça usando sua liberdade, seja para o bem ou para o
mesma, a força que o leva à sua destruição. Se, desta maneira,
mal, tudo o leva, seja pelo caminho da alegria ou seja pelo ca-
rebelar-se quer dizer destruir-se a si mesmo, mais cedo ou mais
minho da dor, à sua salvação final. O ser pode livremente es-
tarde a revolta há de se acabar, se o ser não quiser ser destruído.
colher um dos dois caminhos, mas não pode impedir que a
Disso não se pode fugir. A Lei é o pensamento e a vontade de
evolução se cumpra e seja atingido o seu ponto final: a salva-
Deus, e se fosse possível destruí-la com a revolta, seria possível
também destruir Deus, o que é o mais inaceitável dos absurdos. ção. A sabedoria de Deus colocou no sistema da Lei essa ma-
Então, o que faz a Lei? Liberta-se da doença da revolta, liqui- ravilhosa técnica da salvação, técnica tanto mais valiosa, por-
dando-a e eliminando-a do seu sistema, anulando os rebeldes. que é inviolável. Vimos que a liberdade do ser não é absoluta,
Este seria o verdadeiro inferno eterno, realizado pela absoluta havendo para os seus erros fronteiras que não se podem ultra-
negação da vida no nada. Mas quem, por mais ignorante ou passar. Esta é outra sábia providência de Deus para impedir
maldoso que seja, pode querer isto? Se quem se rebela vai con- que, na sua ignorância e revolta, o ser excite por parte da Lei
tra sua própria vida e trabalha só para sua própria destruição, uma reação demasiadamente forte, que ele não poderia supor-
como pode alguém se obstinar a perseverar definitivamente nes- tar. Assim os limites permitidos para a desobediência são pro-
se caminho? O leitor que desejar maiores explicações a respeito porcionados ao grau de evolução. Quanto mais o ser sobe e
deste assunto as encontrará no meu livro O Sistema, onde tudo aprende, tanto mais reduzida se torna a amplitude do seu erro,
foi cabalmente explicado. Agora podemos constatar como estas até desaparecer. Com a evolução, o mal vai sendo progressi-
nossas conclusões práticas a respeito da conduta humana estão vamente cercado, sitiado sempre mais de perto, até não lhe so-
relacionadas com o funcionamento do todo e ficam justificadas brar mais espaço, acabando assim por ser eliminado.
também em função dos mais altos princípios do absoluto. As duas forças estão uma contra a outra. De um lado a evo-
Quem se rebela é o ser involuído, que, pela sua ignorância, lução, que impulsiona o ser para a salvação; do outro lado a re-
mas julgando saber, caminha contra sua própria vida. Quanto volta do mal, que o impele para a destruição. A tarefa da evolu-
mais o ser é involuído, tanto mais está apegado à vida do seu ção é corroer o mal e consumi-lo até destruí-lo.
plano inferior, mais cheio de sofrimentos se encontra e maior é Quem consegue penetrar no pensamento que construiu e di-
a sua rebeldia. Então, quanto mais o ser é rebelde, tanto mais rige esta maravilhosa técnica, com a qual a Lei guia o ser à sua
está sujeito ao sofrimento, que representa a correção dos seus necessária salvação em Deus, não pode deixar de ficar admira-
erros. Quanto mais o ser entra no caminho que o leva para fora do perante uma tão deslumbrante sabedoria e tão assombrosa
da Lei, tanto mais é impelido a voltar para ela; quanto mais o perfeição, que sabe resolver tantos problemas, atingindo suas
ser é ignorante e, por esse motivo, comete erros, tanto mais ele mais altas finalidades, com meios tão simples, lógicos, automá-
tem de experimentar suas dolorosas consequências para apren- ticos e justos, dos quais não se pode fugir. É empolgante obser-
der a não cometê-los mais. Eis a maravilhosa mecânica por var e estudar o pensamento com que a Lei governa o funciona-
meio da qual o erro tem de automaticamente corrigir-se e os re- mento orgânico do universo e a nossa própria vida. E, para che-
beldes têm de tornar-se obedientes à Lei. gar a uma orientação certa e completa, indispensável à direção
Chega-se assim à conclusão de que ninguém está tão amar- correta de nossa conduta, não há outro caminho a não ser nos
rado pela obediência à Lei quanto o rebelde. O que o acorrenta relacionarmos com esse pensamento, que, tudo explicando, po-
a esta obediência, apesar do seu desejo de revolta, é seu próprio de mostrar-nos também a razão última pela qual temos de agir
apego à vida, porque, buscando a vida, ele tem de mergulhar na de um modo em vez de outro, afastando-nos dos caminhos do
Lei, pois ela é vida e fora dela não há senão morte, e isso nin- mal, para percorrer os do bem.
Pietro Ubaldi A LEI DE DEUS 33
XIX. O FRACASSO DA ASTÚCIA A evolução é uma necessidade absoluta. A estrada está mar-
cada, e não se pode sair dela. Este é o conteúdo da Lei. Somos
Estamos todos encadeados à necessidade de evoluir. livres e podemos escolher à vontade. Mas o que nos acorrenta à
Os seguidores do caminho mais curto e a errada sabedoria necessidade de evoluir é o nosso desejo de felicidade. Podemos
do mundo. A inteligência do involuído e a do evoluído. parar no caminho e recuar. Mas o sofrimento que então encon-
traremos nos impelirá para frente. Podemos errar, mas a dor
Continuemos falando de nosso grande guia: a lei de Deus. que se segue nos queima. Assim, aprendemos a fugir dela,
As conclusões práticas aqui apresentadas, como já dissemos, compreendendo quais são as causas que a geram, para evitá-las
estão relacionadas com as teorias que, em nossos livros, expli- e não mais gerá-las. Às vezes, consideramos a dor como uma
cam as causas primeiras das coisas. É naquelas teorias gerais maldição de Deus, acreditando no absurdo de que seja produto
que as conclusões observadas no terreno da conduta humana da Sua maldade, sem percebermos quão salutar e indispensável
encontram sua raiz, explicação e justificação, garantindo-nos remédio ela é para nosso bem. Se não existisse a dor e se não
com isso a certeza de sua veracidade. Mas, ao mesmo tempo, é houvesse esse nosso irresistível desejo de felicidade, ligado a
nesta sua aplicação prática, no plano controlável da nossa reali- essa triste insatisfação enquanto ela não é atingida, quem nos
dade, que aquelas teorias – em si mesmas incontroláveis expe-
movimentaria ao longo do caminho da evolução? Quem nos
rimentalmente, porque muito afastadas da nossa vida quotidia-
impulsionaria para a subida? Sem a insatisfação e a dor, tudo
na – encontram sua confirmação e, portanto, sua verdade. Veri-
seria paralisado pela nossa preguiça e ficaria estagnado na mor-
fica-se, assim, o fato de que as longínquas teorias gerais e suas
te. Então o escopo final da existência de todos os seres ficaria
consequências particulares – estas últimas mais próximas de
nós e, portanto, mais compreensíveis – escoram-se e sustentam- comprometido, e a vida deles, assim como a presença de todo o
se reciprocamente, uma fornecendo a prova da verdade da ou- universo, não teria mais sentido. Todos quereríamos suprimir a
tra, num sistema único, em que a teoria e a prática se harmoni- dor, não compreendendo que, assim, suprimiríamos a força
zam e colaboram, com uma realidade confirmando a outra. providencial que nos leva à salvação.
Com isso, atingimos nosso escopo de esclarecer tudo, expli- Vamos assim, fatalmente, sendo impulsionados para nossa
cando e demonstrando. Seria absurdo pensar que nossa palavra meta final, à qual somos atraídos pelo nosso anseio de felicida-
pudesse ter o poder de transformar o mundo. Isto cabe apenas a de, repelidos pela dor, logo que nos afastamos do caminho cer-
Deus, pois só Ele possuí e pode usar os adequados meios apo- to. Isto parece uma armadilha em que o ser se encontra preso.
calípticos para tanto. Nós podemos apenas explicar como tudo Sua vontade seria fugir dela, mas não sabe que nessa prisão está
isso funciona e porque vemos sucederem tantos desastres no a sua salvação. Em última análise, quem se revolta contra a dis-
mundo. A tarefa de corrigir o erro pertence à dor, que existe por ciplina da Lei rebela-se contra sua própria salvação. Não se po-
esta razão e disso está encarregada. Para amadurecer os involu- deria imaginar ignorância e loucura maiores.
ídos, são necessários choques proporcionados à sua ignorância Quem ainda não entendeu isso julga-se inteligente, quando
e insensibilidade. Para os surdos ouvirem, é preciso mais que imagina enganar a Lei, furtando satisfações imerecidas e con-
pregações; é necessária uma voz que se faça, por si mesma, en- seguindo escapar às sanções dela. Almejamos felicidade, po-
tender claramente por todos; é indispensável sofrer para apren- rém, muitas vezes, não queremos fazer o esforço para ganhá-la
der. Se existem no mundo tantas dores, isto quer dizer que a es- honestamente. Acreditamos que somos hábeis, quando conse-
cola está funcionando bem. E isto é bom, porque garante o me- guimos atingir o resultado da satisfação, sem fazer aquele in-
lhor, ou seja, que a evolução se cumpra. É bom que o mundo dispensável esforço, que constitui o único valor real, porque
sofra as consequências dos seus erros, porque assim, para seu nos faz progredir. Procuramos todos os meios para nos deter-
bem, ele vai aprendendo a não errar mais. mos no caminho da salvação. Tentamos todas as escapatórias,
Embora Deus esteja presente em nosso mundo, operando travessas e atalhos, para nos esforçarmos o menos possível no
do interior da sua própria lei, parece que Ele está olhando de trabalho mais importante da vida: a evolução.
longe, deixando o homem livre para fazer o que quiser. É co- Eis que a sabedoria do mundo está no desejo de conquistar
mo se Ele estivesse dizendo: “Experimenta à vontade, menino. sucesso de qualquer maneira, por todos os meios. Então, na es-
Verificando e avaliando as consequências dos teus atos, apren- trada marcada que nos leva à felicidade, verifica-se uma corrida
derás a sabedoria do bem e do mal. Podes fazer de tudo. So- para chegar em primeiro lugar ao maior sucesso, com a maior
frendo as consequências da tua conduta, poderás conquistar tua satisfação possível. Assim, ao invés de movimentos coordena-
sabedoria, sem a qual não pode haver felicidade para ti. Para dos, avança-se numa peleja de todos contra todos, o que faz do
chegares a isso, é necessário atravessar o deserto das desilu-
progresso uma marcha desordenada e fatigante, corroída pelos
sões. Anda, menino. Não podes destruir a carga da tua igno-
atritos e executada numa atmosfera de caos. Desse modo, o tra-
rância, a não ser experimentando na dor as consequências do
balho necessário da evolução não se pode cumprir a não ser
erro. Caminhando, sofrendo e aprendendo, o fardo se tornará
carregado de sofrimentos.
cada vez mais leve, a estrada menos íngreme e o passo mais
Imaginemos uma estrada de rodagem onde correm muitos
rápido. É necessário andar até que todo o caminho seja percor-
rido. És livre... Podes parar, retroceder, rebelar-se, errar à von- carros. Eles são livres para correr numa direção ou em outra,
tade. Faze o que quiseres. Mas, acima de tudo, a Lei permane- mais ou menos rapidamente, tendo liberdade de parar etc., mas
ce inatingível e imutável. As consequências de tua conduta são tudo isso conforme normas estabelecidas, sem o que não seria
tuas e, se ela for errada, terás que sofrer todas aquelas conse- possível o trânsito regular. A desordem seria um desastre para
quências até aprenderes a movimentar-te com disciplina dentro todos e, por isso, embora às vezes contra a vontade, todos têm
da Lei, de maneira a não gerares para ti mais sofrimentos. Po- de se colocar em obediência, na disciplina da ordem. O cami-
des, se quiseres, não prestar ouvidos aos sábios avisos. Junto a nho da evolução, ao longo do qual se desenvolve a série das
muitas fontes em que tu quererias matar tua sede de felicidade, nossas vidas, é parecido com aquela estrada onde nós andamos
há tabuletas que avisam: “Veneno!”, prevenindo-te para que todos juntos, como os carros, e nele também, para que a marcha
não bebas. Mas tu não acreditas e não escutas. Então sorverás não se transforme numa confusão dolorosa, existem normas,
veneno até saberes quantas amarguras ele gera e, assim, apren- sem as quais a caminhada regular não é possível. No entanto,
deres a não bebê-lo mais. O caminho é longo e duro, mas Eu embora a desordem torne-se um desastre para todos, nem todos
velo pela tua salvação, que terá de realizar-se”. se colocam em obediência na disciplina da Lei.
34 A LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
Ao contrário, a maior inclinação do indivíduo parece con- O tipo biológico do primitivo, ainda não evoluído, possui
sistir em pensar só em si mesmo, descuidando-se dos prejuízos somente essa inteligência microscópica, mas, em compensação,
que pode ocasionar aos outros. Surgem assim os astutos, sem- é dotado de muita força no seu plano físico, com capacidades
pre trilhando o caminho mais curto. A sua maior tentação é sal- guerreiras para agredir o próximo e maxilares de lobo para tudo
tar à frente dos outros. Escolhem as estradas mais fáceis, que devorar. Isso lhe é necessário para sobreviver no seu nível. Mas
encurtam distâncias, para ser os primeiros por qualquer meio. que sentido tem isso em relação ao caminho progressivo da
Infelizmente, a inteligência deles desenvolve-se apenas neste evolução? A força, no nível material, representa o capital dei-
nível primitivo do individualismo caótico, sendo ainda incapaz xado pela Lei ao involuído para ele conquistar a inteligência, e
de compreender qualquer forma orgânica de funcionamento co- esta, nas mãos do evoluído, que já a conquistou, é um meio
letivo. Em nosso mundo, acontece então o que aconteceria nu- mais poderoso. Na parte inferior da cabeça do lobo está a boca,
ma estrada onde cada carro corresse por sua conta, sem regra poderosa na sua voracidade. Na parte superior estão o nariz pa-
alguma, procurando vencer os outros, passando à frente deles. ra cheirar, os ouvidos para ouvir e os olhos para ver, ou seja, as
A sabedoria desses astutos, que se julgam tão hábeis e querem atividades mais requintadas dos sentidos. No alto, entretanto,
somente sua própria vantagem, acaba no que vemos sempre está o cérebro para pensar, cuja atividade é necessária para
compreender as mensagens dos sentidos e dirigir os movimen-
acontecer, ou seja, em esmagamento recíproco, revoluções,
tos da boca e de todo o corpo.
guerras e destruição. Mas, no fim, quem vence não é um ven-
Que acontece então? Para usar a parte física, é necessária a
cedor, pois restam apenas o caos e o sofrimento que permanen-
inteligência, que começa, assim, a se desenvolver através do
temente dominam o mundo.
uso necessário à sua atividade, o que é indispensável à sobrevi-
O mundo está cheio de astutos no encalço do caminho mais vência do ser no seu plano. Eis que a necessidade da luta pela
curto. Eles estão presos às suas miragens de felicidade, em bus- sobrevivência nos planos inferiores leva à necessidade do de-
ca de riqueza, glória e poder. Impele-os a cobiça, o orgulho e o senvolvimento da inteligência, que é o meio para sair daqueles
desejo de domínio. E pensam: “Por que escolher o caminho lon- planos. Assim, só pelo fato de existir, a vida automaticamente
go do trabalho honesto, do verdadeiro valor, com uma finalidade tende a se deslocar no sentido dos níveis superiores, realizando
de bem, que nos dê conforme a justiça direito à recompensa me- a evolução. O centro vital se desloca dos maxilares para o cére-
recida, quando o atalho está ali pronto, convidando-nos a encur- bro do lobo, até que ele, como aconteceu no cão, perde a fero-
tar o caminho?”. Para os conhecedores da ciência do proveito cidade dos dentes, para transformá-la, convivendo com o ho-
imediato, em curto prazo, é lógico praticar esse outro método, mem, no poder muito maior da inteligência. Não vemos nós
menos fatigante e mais vantajoso. Trabalhar e produzir seria acontecer isso na evolução dos seres, em sua passagem do esta-
uma loucura para eles, quando podem com o roubo enriquecer do selvagem ao civilizado? A ferocidade fica abandonada nos
mais fácil e rapidamente, satisfazendo o próprio orgulho, para planos inferiores, para os atrasados que ainda permanecem ali,
chegar à glória com o engano e a mentira; quando há tantos ata- e a inteligência desenvolve-se sempre mais, valorizando as qua-
lhos para chegar ao poder e, desse modo, saciar o próprio desejo lidades da mente. Só neste nosso século vemos os cientistas
de domínio. Assim pensam e fazem os astuciosos, enquanto amparados e admirados, porquanto, no passado, a sociedade os
olham com desprezo para os simples, que avançam ordenada- desprezava, deixando-os morrer de fome e glorificando tão-
mente, na estrada de todos. Mas nem por isso deixa de subsistir somente os grandes e ferozes guerreiros. Isto quer dizer que,
a Lei, que, empurrando os astutos para o abismo, procura, com a com a evolução, têm de desaparecer mandíbulas e garras,
destruição deles, libertar a vida dos elementos parasitários, que agressividade e ferocidade, armas de destruição e guerras, para
semeiam tão-somente a desordem e o sofrimento. que vença a inteligência criadora e pacífica.
Poderíamos perguntar-nos por que acontece tudo isso? A nossa humanidade atual ainda está na fase das mandíbu-
Como se explica essa loucura? A loucura é um problema de las e das garras, mas, usando-as, está desenvolvendo a inteli-
pobreza de inteligência. A tarefa da evolução é desenvolver es- gência. Eis como se compreende e se justifica a presença de
sa inteligência, pois todo ser possui maior ou menor inteligên- tanta luta em nosso mundo. Tudo na vida existe porque tem
cia, conforme o grau de desenvolvimento atingido. Ela começa uma função a cumprir. De outro modo não existiria. Se a Lei
a aparecer como um fenômeno de superfície, quando o indiví- permite que neste nível domine a luta, isto acontece pelo fato
duo apenas compreende os efeitos imediatos dos fatos que desta representar, para os seres situados neste plano, o melhor
abrange com os sentidos, e tende depois a tornar-se sempre meio para desenvolver a inteligência, indispensável à sua en-
mais profunda, chegando a atingir também as causas longín- trada nos planos superiores. Estamos ainda no nível animal,
em que o ser é impelido pelas necessidades e cobiças materi-
quas dos fatos e os efeitos em longo prazo. A visão psicológica
ais, muito mais do que pelas exigências intelectuais e espiritu-
dos primitivos poderia ser chamada de microscópica. Nessa
ais. Domina o individualismo egoísta e separatista em função
sua forma mental, eles estão mergulhados até o pescoço, de
do eu, porque a evolução tem de cumprir aí, antes de tudo, a
modo que não conseguem admitir nem compreender a visão
construção da personalidade.
psicológica dos evoluídos, que se poderia chamar de telescópi- Num grau mais avançado cuida-se, pelo contrário, de rea-
ca. Os primitivos estão apegados às verdades pequenas, que se lizar um trabalho diferente, destinado a coordenar as persona-
pode tocar com as mãos, verdades que eles julgam como reali- lidades na unidade coletiva da humanidade. Então, a luta entre
dade objetiva e única, enquanto negam, porque lhes escapa, egoísmos rivais perde todo o sentido, tornando-se um empeci-
qualquer outra realidade mais vasta e longínqua. Assim eles lho que é necessário afastar. O herói, vencedor das pelejas do
vivem como aventureiros, procurando, por qualquer meio, sa- nível atual, torna-se um criminoso que a sociedade civilizada
tisfazer o momento presente, sem prever e organizar nada para isola e afasta. Com o progresso, a evolução quer atingir outros
o futuro. Vivem como micróbios encerrados dentro de uma go- objetivos, enfrentando novos problemas, ligados à fase orgâ-
ta de água, ignorando o mundo maior que existe fora; apegam- nica, desconhecida anteriormente. A evolução conduz à união,
se aos pormenores da sua vida microscópica, com a sua vista e o indivíduo, quanto mais evoluído, tanto melhor sabe viver
míope, percebendo só os resultados próximos e correndo atrás em forma orgânica. Desponta, assim, uma disciplina que regu-
deles, sem nada suspeitar da imensa vida das estrelas nos céus, la as relações humanas e a conduta dos homens, para torná-
sem saber que, para além dos seus mínimos movimentos, exis- los elementos do novo eu múltiplo, que é a sociedade humana.
tem também os imensos movimentos dos astros. Em lugar da revolta na desordem, valorizam-se as qualidades
Pietro Ubaldi A LEI DE DEUS 35
de ordem na obediência à Lei. Então, rebelar-se contra Ela É possível, desse modo, estabelecer a causa do que nos
torna-se loucura. Desse ponto em diante, a vida obedece a acontece e também dos ataques recebidos.
princípios novos, que o ser, pertencendo a um plano inferior, 1o) Ela não está no acaso.
não pode compreender enquanto não houver superado tal ní- 2o) Dentro dos limites marcados pela Lei, ou vontade de
vel. A baixa inteligência, constituída de luta e astúcias, que Deus, a causa está na vontade do homem. Isto porque lhe é per-
conduzem à desordem, transformar-se-ão na superior inteli- mitido escolher entre o certo, permanecendo na ordem da Lei, e
gência, constituída de disciplina e ordem. o errado, saindo dessa ordem com a desobediência. Tudo o que é
Sem dúvida, para quem alcançou uma compreensão mais devido à vontade do homem poderia chamar-se de causa próxi-
vasta, é um sofrimento ver a inteligência, centelha de Deus, ma. Neste ponto sua vista míope detém-se, e ele, nada vendo
corromper-se em astúcias e enganos. Mas este baixo uso dela mais além, acredita ter atingido o ponto final do problema.
se justifica como sendo um meio para chegar a compreender a 3o) Além das causas secundárias e periféricas – encarrega-
inferioridade desses métodos e, assim, acabar por superá-los e das de dirigir o caso particular, deixando o homem em liberda-
abandoná-los. O involuído despreza, julgando-o tolo e simpló- de, de maneira que ele aprenda – existe uma causa maior, prin-
rio, quem não usa seu sistema e não vence com ele. Mas a Lei cipal e central, que, por ser a origem de todas as outras, dirige e
é tal que os inferiores têm de usar estes métodos baixos sobre- domina as causas menores. Então aquilo que se julga como a
tudo para chegar a encontrar e aceitar, amanhã, métodos supe- única e primeira fonte dos acontecimentos da vida, não é senão
riores, que hoje desprezam. uma causa relativa, momentânea e aparente, um meio em que
se realiza uma causa muito mais longínqua – verdadeira, fun-
XX. A JUSTIÇA DA LEI damental, absoluta e definitiva. É lógico que esta outra causa,
tão diferente, só pode estar no seio do último termo, isto é, em
Contra o método do mundo, de ataque e defesa, Deus e na sua vontade, acima de todas as coisas.
só a não-resistência do Evangelho resolve. Acontece que essa causa maior abrange e coordena todas as
Nosso ofensor, instrumento da justiça da Lei. causas menores movidas pelo homem, inclusive sua liberdade
de oscilação entre acerto e erro, bem e mal etc., as quais têm de
obedecer e estão sujeitas àquela causa maior, que é a justiça de
No capítulo precedente, constatamos que a sabedoria do
Deus. Desse modo, o homem está livre para agir de modo certo
mundo consiste, em grande parte, na arte que praticam os astu-
ou errado, porém sua liberdade termina aí, pois, além desse
ciosos, que seguem o caminho mais curto com a intenção de
ponto, atua outra causa, que é a Lei, isto é, a justiça de Deus,
escapar à Lei. Dessa forma de encarar a vida, como já vimos,
com as suas fatais reações contra a desobediência.
nasce a luta, cuja finalidade, que a explica e justifica, é desen-
Sem dúvida, o ataque que nos golpeia é movimentado por
volver a inteligência nos seus níveis mais baixos.
um ser ao qual, por isso, chamamos de inimigo. Este, no entan-
Continuemos a observar outros aspectos do problema de
to, é só a causa próxima, contra a qual, em nossa miopia, come-
nosso comportamento com respeito à Lei, para ver quais são
çamos a lutar. Mas como se pode corrigir tal fato, enquanto não
as consequências de nossos diferentes atos e a maneira como
atingirmos suas causas profundas e, nelas, realizarmos nossa
nos conduziremos melhor, para evitar erros e sofrimentos. Ve-
rificamos que nossa vida atual está regida pela lei da luta, on- atividade corretora? Explica-se, assim, o motivo pelo qual o
de o mais forte vence e domina. Isto significa que, a todo o mundo, operando na superfície, não recolhe senão resultados
momento, estamos sujeitos a receber ataques. Daí a necessi- superficiais. Na verdade, apesar das armas para a defesa esta-
dade de uma defesa. Que nos diz a Lei a esse respeito? Como rem sempre em ação, os ataques voltam a surgir continuamente,
resolve ela o problema? Quais são nossos direitos e deveres? de todos os lados, e o problema permanece sem solução. O úni-
Qual a conduta que nos conduz a resultados melhores? Qual co fato que continua de pé é a luta contínua de todos contra to-
deve ser a nossa reação ao ataque? Qual o método mais sábio dos. Mas isto é lógico, pois não se pode curar uma doença só
e vantajoso para resolver o caso? com o tratamento dos seus sintomas exteriores.
Este é um dos pontos onde mais ressalta a oposição entre o Assim, o mundo fica na superfície do problema. Cada um
sistema do Evangelho e o do mundo. O primeiro sustenta a re- procura destruir seus inimigos, mas não a causa que os gera;
gra da não-resistência, e o segundo, o uso da reação violenta. Já afastar os golpes, mas não a causa que os produz. É lógico que,
vimos que se tratam de leis pertencentes a dois níveis evoluti- para o problema ser resolvido, eliminando em definitivo os
vos diferentes, leis verdadeiras, cada uma no seu respectivo efeitos, é necessário que seja removida não somente a causa
plano de vida, ao qual estão adaptadas. Trata-se de duas manei- próxima deles, mas também sua causa primeira, de onde tudo
ras de conceber, em função de pontos de referência diferentes. deriva. Porém os homens práticos do mundo, sempre apegados
Quando recebemos um golpe, sabemos nós de onde ele à realidade, preferem cuidar das causas próximas, porque estas,
vem? Sua origem pode, em princípio, encontrar-se em uma des- podendo ser tocadas com a mão, são consideradas positivas,
tas três causas: 1o) O acaso; 2o) A vontade do agressor; 3o) A enquanto as causas primeiras, sendo julgadas teóricas e fora da
vontade de Deus. Observemo-las: realidade, por não serem percebidas pelos sentidos, são ignora-
1o) A teoria do acaso é inaceitável para quem sabe que o das. Mas o fato de que esse problema, nascido com o homem e
universo é um organismo cujo funcionamento é regulado pela sempre encarado com este critério, não ter sido resolvido de-
Lei. Num sistema desta natureza não pode haver lugar para o pois de tantos milênios e ainda subsistir, nos prova que, neste
acaso, sobretudo no que respeita à dor, coisa tão importante, caso, esses homens práticos estão errados.
por suas causas e pelos seus efeitos no destino de um homem. Num sistema centro-periférico como o nosso universo não
2o) Temos visto que a vontade do homem está fechada entre pode haver caminho que não leve a Deus. Só pode estar n'Ele a
limites, como a liberdade de um peixe no rio ou de um carro na causa primeira de tudo. Mas como pode Deus ser a causa dos
estrada, de onde não podem sair. golpes que recebemos? Não há dúvida que eles saem das mãos
3o) Quem estabelece esses limites intransponíveis e a regra dos nossos inimigos. Mas, se existe uma lei geral de ordem, co-
certa de todo movimento dentro deles é a vontade de Deus, mo nos parece cabalmente demonstrado, qual é o poder que os
por Ele mesmo escrita na Sua lei. Transpor esses limites dá deixa movimentar-se contra nós? E por que de uma determinada
origem à dor. forma, e não de outra? Como pode Deus permitir que uma fun-
36 A LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
ção tão importante como a Sua justiça fique abandonada nas não merece nem ódio nem vingança. Quem compreendeu isto,
mãos dos nossos agressores, deixando a eles o poder de julgar e ao receber o ataque, aceita-o como lição das mãos de Deus, que
punir, que só pode pertencer a Ele, pois só Ele sabe o que faz? A não quer com isso vingar-se nem punir, mas sim endireitar-nos,
reação da Lei tem de ser, conforme a justiça, proporcionada à para que, assim, saiamos do erro e do sofrimento. Desse modo,
qualidade e extensão do nosso erro. Num trabalho tão importan- voltamos à ordem da Lei, enquanto que, usando o método do
te, que exige tanto conhecimento, como pode Deus, que tudo di- mundo, saímos mais ainda para fora daquela ordem, aumentan-
rige, ser dirigido pelos nossos ofensores e ter de obedecer à von- do dívidas e sofrimentos. Se alguém nos ofender sem que o me-
tade e ignorância deles? Que podem eles saber do nosso mere- reçamos, o ataque não nos alcança, pois não pode penetrar, e
cimento? Nesse caso, então, desabaria todo o edifício da Lei, ba- quem nos quis fazer o mal não o faz a nós, mas a si mesmo. Tu-
seado na ordem e justiça; seria o caos no seio de Deus. Segue- do volta à sua fonte. Quem é verdadeiramente inocente perma-
se de tudo isso que não pode surgir um ataque contra nós se não nece invulnerável a todos os assaltos. Mas encontra-se porventu-
o tivermos merecido. O homem que o executa, seja quem for, é ra, em nosso mundo, quem seja completamente inocente?
só uma causa secundária. Qualquer indivíduo, funcionando co- Então, quando alguém nos ataca, isso acontece conforme a
mo instrumento, pode realizar isso, quando, pelas qualidades justiça de Deus. Nossas contas são com Deus, e não com nosso
que possui, encontra-se nas condições apropriadas. Então, apa- inimigo. Se ele nos faz mal, ele terá também suas contas com
recerá em nossa vida um ofensor. Se isto não for possível de um Deus e deverá pagá-las, mas isso não nos pertence. Surgirão pa-
modo, acontecerá de outro. Sejam quais forem nossos poderes ra ele outros inimigos e ataques, para que sempre se cumpra,
humanos, ninguém poderá paralisar o funcionamento da Lei no em relação a todos, a justiça de Deus. Seja qual for o mal, quem
seu ponto fundamental: a justiça de Deus. Conforme esta justiça, o pratica – apesar de funcionar como instrumento de Deus para
ninguém poderá chegar até nós, se não tivermos, com nossos er- corrigir seu irmão, aproveitando-se da fraqueza deste, que dei-
ros, deixado as portas abertas. Ficaremos, assim, à mercê de to- xou suas portas abertas, para lhe fazer o mal – abre por sua vez
dos os atacantes, quaisquer que eles sejam, se tivermos merecido suas próprias portas, pelas quais outros inimigos estão sempre
a reação da Lei, que os fez seus instrumentos. prontos a entrar, utilizados por Deus como instrumentos da Sua
Quando o problema está enquadrado nesses termos, parece justiça. Desse modo, também os maus são utilizados por Deus
claro que a defesa praticada pelo mundo, limitada só contra o como instrumentos da Sua justiça, para gerar o sofrimento, cuja
ofensor, não somente é inútil, mas também representa um novo tarefa é purificar os bons A conclusão é que ninguém pode re-
erro que se junta ao velho, aumentando-o. O remédio, então, é ceber uma ofensa que não tenha sido merecida. Neste caso, não
só um: não merecer a ofensa, ou seja, tomar cuidado em prepa- nos resta senão bater no peito, procurando, antes de tudo, pagar
rar o nosso futuro, não errando em ir contra a Lei e, assim, não nossa dívida, deixando aos nossos inimigos, quando chegar sua
merecendo sua reação. E, se a tivermos merecido, em nada vez, pagar igualmente suas contas pelo mal que tiverem feito,
adianta fugir: é necessário pagar. Poderemos destruir com a porque a Lei é igual para todos. Há uma Divina Providência pa-
força todos os nossos inimigos. Outros surgirão para nos per- ra cada um. Mas, para ser justa, ela providencia o bem para os
seguir, enquanto não tivermos pagado tudo. Se construirmos a bons e o mal para os maus.
casa do nosso destino sobre as areias movediças da prepotên-
cia e da injustiça, é lógico que ela caia sobre nós. Mas, se co- XXI. O EVANGELHO E O MUNDO
locarmos seus alicerces sobre as rígidas pedras da justiça, ela
não desmoronará. Assim sendo, tudo depende de nós mesmos, Não-resistência ao mal não quer dizer anulação da justiça.
e não dos outros. O inimigo que nos agride somos nós mes- Renunciar à vingança. Perdoar a ofensa; esquecê-la.
mos, ao provocarmos com o erro a reação da Lei, que, por sua Com o afastamento, desligar-se em tudo do ofensor.
vez, movimenta os elementos apropriados para executar essa
reação. Agora se pode compreender melhor o que tantas vezes O que temos dito até agora explica e justifica o método da
dissemos: quem faz o bem, assim como quem faz o mal, o faz não-resistência pregado pelo Evangelho. Assim chegamos a
a si mesmo. Pela justiça de Deus não pode haver um mal que compreender o seu significado, seus objetivos e a razão de sua
não tenha sido merecido. Isto não quer dizer que a justiça de existência. Trata-se do método de vida mais adiantado e perfei-
Deus, sozinha, por si própria, quer movimentar o ataque contra to que existe. Trata-se do sistema de quem pertence a um plano
nós. A divina justiça representa apenas a norma que regula- de existência superior. Trata-se, como num trabalho de intros-
menta e o poder que impõe o desencadeamento do ataque con- pecção, de se colocar perante Deus, examinando nossa consci-
ência, para ver o que de verdade merecemos. Entre os dois mé-
forme a Lei, quando o tivermos merecido.
todos, o homem é livre para escolher aquele que preferir, mas
Por isso nosso inimigo, contra o qual apontamos nossas
não é livre para deixar de aceitar as consequências de sua esco-
armas, não tem contra nós poder algum além daquele que nós
lha: 1) O método revela o grau de evolução atingido; 2) O mé-
mesmos lhe conferimos com nossas obras contra a lei de Deus.
todo do mundo, que é o da luta pela seleção do mais forte, está
Se nós destruirmos com a força esse inimigo, crescerá a nossa
adaptado para desenvolver apenas a inteligência do tipo bioló-
dívida perante a justiça da Lei, e, com isso, concederemos a gico egocêntrico, separatista, que vive no plano animal. Trata-
um número maior de inimigos poderes maiores contra nós. se de uma inteligência de curto alcance, sujeita a todas as ilu-
Que se ganha então usando o método do mundo? Aparece aqui sões sensórias e psicológicas do ser primitivo, que ignora a ver-
a necessidade lógica de praticar o método da não-resistência, dadeira natureza da vida e a estrutura do universo; 3) O método
porque ele é o único que representa um verdadeiro sistema de do Evangelho, que é o da não-resistência, está adaptado para
defesa. Paralisar o inimigo não paralisa o ataque, mas piora desenvolver a inteligência do tipo biológico altruísta, unitário,
nossa posição, porque o verdadeiro inimigo não é aquele que que superou o plano animal e vive na fase da colaboração fra-
vemos. Trata-se de uma ilusão dos nossos sentidos, ilusão que ternal dos grandes organismos sociais, nos quais a luta foi bani-
cabe à inteligência desfazer. da por ser contraproducente. Trata-se de uma inteligência de
Quem compreendeu como funciona o jogo da vida, que es- longo alcance, que chegou a compreender a realidade além do
tamos explicando, não reage contra seu ofensor quando recebe jogo das ilusões e pode, por isso, orientar com conhecimento o
uma ofensa, pois sabe que ele, representando apenas um instru- homem na sua conduta; 4) O método do Evangelho resolve o
mento cego nas mãos de Deus, não tem valor algum e, por isso, problema da luta, o que não sucede com o método do mundo,
Pietro Ubaldi A LEI DE DEUS 37
porque este só gera uma série de ações e reações sem fim. O entrega-se apenas à defesa que lhe podem garantir suas forças,
mundo não pode deixar de aceitar a consequência do método porque não sente a presença de Deus e não acredita no domínio
que ele mesmo pratica, e o efeito neste caso significa a guerra absoluto da Sua lei de justiça. Ele acha, por isso, que, se ele pró-
contínua. Esta guerra, que parece uma triste condenação, está prio não realizar a justiça com seus recursos, ela não será feita.
implícita no sistema hoje em vigor, não sendo ela senão uma Está convencido de que, se praticar o método evangélico da não-
consequência inevitável da involuída psicologia do homem e da resistência, ele acabará sendo vítima de todos. O erro está no fa-
sua respectiva conduta, inerentes ao seu atual nível de evolução. to de acreditar que a função de realizar a justiça seja um direito
Cristo, com Seu exemplo, realizou na prática o método da do ser humano e que, sem sua iniciativa, esta justiça não se
não-resistência, que constitui a condenação mais completa ao cumpre. O homem pode realmente intervir, mas não por si pró-
sistema humano de ataque e defesa. A luta entre Cristo e o prio, e sim apenas para obedecer à Lei, quando esta quiser utili-
mundo representa a luta entre dois planos de vida e tem um zá-lo como instrumento da sua justiça. Que esta, no entanto, só
profundo significado biológico em relação ao problema da evo- dependa do homem é absurdo, porque a Lei é feita de ordem e
lução. O Evangelho tem não só um sentido moral e religioso, equilíbrio, e a sua função fundamental é a justiça. Então praticar
mas também biológico e social, que a ciência um dia terá de o método da não-resistência não significa que a justiça não será
compreender. O homem que chega a praticar o Evangelho entra feita em favor de quem a merece. Mesmo que o homem não se
num plano de existência superior e possui poderes superiores, defenda, nem por isso o transgressor deixará de ter de pagar o
dominando o atual plano humano e ficando acima de todas as que deve pela sua transgressão, pois, caso contrário, não haveria
suas lutas. Mas quem continua enganando e esmagando o pró- justiça. Tudo o que se faz contra a ordem da Lei tem de ser pa-
ximo permanece amarrado ao método da luta e a todos os seus go, porque só assim tudo pode ser reconduzido à sua ordem.
sofrimentos. Para este último, a inteligência especulativa, que Quando recebemos uma ofensa, não somos nós que deve-
procura o conhecimento das causas primeiras, é considerada lu- mos exigir do ofensor a necessária reparação. Deus, que é o ju-
xo de sonhadores e perda de tempo, porque o que vale para ele iz, necessariamente vai julgá-lo e impor Sua justiça, exigindo o
são as capacidades guerreiras, estando o problema da vida fe- pagamento da dívida e reconduzindo o transgressor à ordem da
chado dentro do pequeno mundo da agressão recíproca e da vi- Lei. Não devemos achar que, com o perdão, a justiça não seja
tória de cada um sobre os outros. feita. O melhor para nós será a não-reação, permanecendo ino-
O erro do mundo consiste em ignorar a presença da Lei, centes perante Deus. Assim, não teremos dívidas a pagar, por-
deixando de levar em conta este fator fundamental. Assim, que não transgredimos a Lei. Desse modo, enquanto nosso
quando o homem recebe um ataque, em geral apressa-se a rea- ofensor fica esmagado pela reação da Lei, nós ficaremos livres
gir com um contra-ataque, porque julga que, se não o fizer, e tranquilos, porque, uma vez que perdoamos, não somos deve-
perdoando, isto significa ter de receber e absorver o mal. Mas dores, mas sim credores, e, assim, a justiça de Deus, ao invés de
nisto só pode acreditar o homem míope, fechado no seu pe- nos perseguir, irá nos defender. Eis o método do Evangelho,
queno mundo de lutas, ignorando que vivemos dentro de um que nos leva a posição mais vantajosa, em contraposição ao
todo orgânico, dirigido e dominado pela justiça de Deus. Quem método do mundo. É erro acreditar que a moral do Evangelho,
compreendeu sabe que deixar de reagir não significa ter de ab- com suas virtudes, esteja contra a vida. Ela está a favor da vida,
sorver o mal, pois: 1) A reação é um direito que não pertence mas de uma vida maior, que o mundo ainda não compreende.
ao homem, mas só à lei de Deus; 2) Se desejamos justiça, po- Então, qual deve ser nosso método de defesa, quando rece-
demos ter certeza de uma coisa: a reação da Lei é muito mais bemos uma ofensa? Qual é, neste caso, a melhor forma de rea-
poderosa que as reações alcançáveis pelos nossos pobres recur- gir? Como se resolve o problema da vingança? Com o princípio
sos humanos, isso porque também não há distância de tempo ou da não-resistência, verificamos a entrada de outras forças no
espaço que possa paralisá-la; 3) Com nossa reação humana, não sistema de nossa estratégia de guerra, e isto nos leva para uma
afastamos nem anulamos o mal, a não ser na aparência e provi- conduta diferente da comum. Quando alguém faz uma coisa in-
soriamente, porque, sem eliminar sua causa, ele voltará para justa contra nós, a grande maioria acredita que temos de reagir,
nós; com nossa reação, geramos outro mal igual, aumentando-o pois julga ser loucura, e não sabedoria, deixar a reação nas
em lugar de anulá-lo, atraindo-o para nós, em vez de afastá-lo. mãos da Lei, que sabe cumpri-la muito melhor. Não será o nos-
Assim, quem entendeu o Evangelho, quando fala de não- so desejo, porventura, que haja justiça? Então, se o nosso dese-
resistência, não pode julgar o método do nosso mundo senão jo, ao invés de praticar outra injustiça maior, é verdadeiramente
como uma loucura, capaz de gerar somente sofrimentos. este, ninguém poderá realizá-lo melhor do que a Lei, cuja tarefa
O Evangelho não está perseguindo sonhos fora da realidade. fundamental é exatamente a justiça.
Pelo contrário, tem uma lógica bastante racional e positiva. Tra- Observemos, então, a técnica pela qual se desenvolve esse
ta-se tão-somente de uma realidade diferente, que o homem, processo de defesa. Examinemos quais são as condições neces-
por não a compreender, julga errada, como coisa irrealizável. sárias para que a Lei funcione e realize em nosso favor essa de-
Se, ao invés de nos impelir contra o ofensor, o Evangelho nos fesa. Antes de tudo, é necessário que renunciemos à vingança.
leva para o perdão, isto encontra sua plena justificação no fato Isto é lógico para quem compreendeu que é muito mais fácil
de que a verdadeira causa que devemos combater não é o ofen- chegar à justiça por intermédio da Lei, porquanto ela possui
sor, mas nós mesmos, que, perante a Lei, merecemos a ofensa. poderes maiores do que os nossos. O mundo julga essa renún-
Se o objetivo tem de ser a destruição do mal, e não o seu deslo- cia, que nos faz recuar perante o ataque, como fraqueza e co-
camento de um lugar para outro, como faz o mundo, então é ló- vardia. Isso pode ser verdade na lógica das leis que dirigem o
gico e sábio o método do Evangelho, pois este, ao invés de nos plano de vida animal e, também, do homem que pertence a este
estimular contra a causa próxima e aparente, que é o nosso ini- nível. Mas, para quem subiu a um plano mais alto, essa renún-
migo, convida-nos a perdoar-lhe e entregar tudo à justiça de cia significa remover um obstáculo, lançando por terra a barrei-
Deus, sem resistência, dirigindo-nos, pelo contrário, para a ver- ra representada pela nossa intervenção, que paralisaria o funci-
dadeira causa, que são nossos erros e defeitos. Só desse modo onamento da Lei com relação a nós.
se pode acertar o alvo. E isto o mundo ainda não conseguiu, Assim, a primeira coisa a fazer é renunciar à vingança. Só
como prova o fato de que ele, apesar de estar sempre destruindo quando tivermos atingido a completa libertação deste liame
inimigos, ainda está cheio deles. com nosso ofensor, poderá entrar em ação a Lei, substituindo
Então, o que teremos de fazer, se quisermos, de fato, enca- sua ação à nossa. Porém, enquanto quisermos fazer justiça, a
minhar-nos para um nível de vida superior? O homem comum Lei respeitará nossa livre escolha e não intervirá, para não so-
38 A LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
brepor um juiz e executor de justiça a outro. Mas acontece tam- XXII. A IMPECÁVEL JUSTIÇA DA LEI
bém outro fato. Quando tivermos realmente renunciado à vin-
gança, e só neste caso, ela se realizará automaticamente, sem Por que o mundo não segue o método da não-resistência?
nossa intervenção, por intermédio da Lei, que, indiretamente, Para que ele funcione, é necessário merecer a defesa da Lei.
para que a justiça seja feita, tem de cumprir também essa vin- Não adianta pedir justiça, quando estamos praticando
gança, que está nela implícita. Portanto poderíamos afirmar que injustiça. A Divina Providência.
só se pode chegar à mais completa vingança, quando tivermos
destruído em nós todo o desejo dela, perdoando tudo, e não ti- Explicamos no capítulo precedente o significado, a razão
vermos feito nada para realizá-la, deixando, pelo contrário, tudo profunda e as vantagens do método da não-resistência susten-
nas mãos de Deus, isto é, entregue à reação da Lei. tado pelo Evangelho. Terminamos nossa conversa com esta
O primeiro passo, então, é renunciar à vingança. O segundo pergunta: por que o mundo ainda não compreende a utilidade
é perdoar a ofensa. Mas ainda há mais. Embora renunciando à deste método de vida e não o segue? Observemos agora as ra-
vingança e perdoando a ofensa, podemos ficar com sua lem-
zões deste fato.
brança e com o rancor e ódio por ela gerados. Enquanto tiver-
O sistema do Evangelho, pode-se dizer, funciona em longo
mos dentro de nós a ideia de um direito nosso não satisfeito, ele
prazo, por ser de longo alcance. O sistema do mundo, pelo con-
pertencerá a nós, e a Lei não poderá transformá-lo em seu direi-
trário, funciona em curto prazo e é de curto alcance. Isso é lógi-
to, para tomar nosso lugar na defesa. Para que isto aconteça, é
co, porque, neste segundo caso, tratando-se de um plano de vi-
necessário esquecer o problema de exigir justiça para nosso ca-
so particular, porque só assim ele se pode tornar problema per- da menos evoluído, tudo nele é mais limitado no tempo e no
tencente à Lei, que é a realização da justiça universal. Quando espaço. Isso também corresponde à forma mental do homem
cumprirmos todas essas condições, podemos ficar sossegados, prático, que percebe só de perto, como os míopes, e se julga po-
esperando a automática realização da justiça, o que elimina a sitivo e adaptado à realidade porque só enxerga as coisas con-
necessidade de uma vingança. Neste caso, a realização da justi- cretas e os efeitos imediatos. Esse tipo de homem tem pressa de
ça terá a vantagem de não representar, de nossa parte, uma nova realizar as coisas, porque seu mundo é o caos, o reino desorga-
injustiça para corrigir a anterior, como se costuma fazer no nizado da desordem, onde nada de duradouro se pode construir,
mundo, e ela, assim, não aumentará nossa dívida, mas será ape- pois só há lutas e incertezas no amanhã. Esse homem está fe-
nas o cumprimento da justiça em nossa defesa, na qual o deve- chado na sua psicologia de nível sensório, que, por isso, é cheia
dor terá de pagar, enquanto que, ao mesmo tempo, nos deixa de ilusões, nas quais ele acredita cegamente, pois não possui
inocentes de tudo isto, livres de novas culpas, que depois, por ainda a inteligência de nível especulativo, capaz de orientá-lo
sua vez, teríamos de pagar. com o conhecimento das causas primeiras e do funcionamento
A coisa mais importante é ficarmos isentos de qualquer orgânico do todo. Por estas razões, o mundo não pode ainda
dívida. O segredo de nossa vitória não é possuirmos força, compreender a utilidade desse novo método de vida que aqui
mas sim estarmos limpos de qualquer mancha. Por isso não explicamos e, por conseguinte, não o pratica.
devemos ficar ligados ao ofensor, que representa a injustiça, Mas não o pratica também por outra razão. Nas mãos do
nem mesmo por um pensamento de vingança. Quem apenas homem comum, o método do Evangelho não funciona porque
perdoa não reage e não exige compensação, no entanto admi- ele não sabe fazê-lo funcionar. Para que isso seja possível, é ne-
te a ofensa e a dívida dos outros a seu respeito. Mas, para que cessária a execução de todas as condições indispensáveis já es-
se desloque completamente de nós para a Lei a função da rea- tudadas. Para que, em relação a nós, possa funcionar a Lei da
lização da justiça, é necessário não conservar na própria men- justiça, é preciso, antes de tudo, nos colocarmos dentro da justi-
te nem a lembrança da ofensa nem a do ofensor. Não signifi- ça desta Lei, e não fora dela. Isso quer dizer que, com nossa ino-
ca isso que a experiência não tenha de ser aprendida, mas sim cência, merecemos a defesa da Lei, mas, com nossa culpa, me-
que venha a se completar no esquecimento definitivo, que é o recemos os golpes da Lei. Para poder reclamar justiça, é indis-
único que resolve, para que o caso não se repita e não conti- pensável viver no terreno da justiça. A Lei não pode funcionar
nue numa cadeia de novas injustiças sem fim. É difícil sair em favor da injustiça. Ora, se a Lei interviesse para defender
dessa rede, uma vez que caímos nela. À força de injustiças, quem, pelo contrário, merece uma lição corretora, isto não seria
nunca será possível chegar à justiça, ao passo que, perdoando justiça, mas sim injustiça. E este, muitas vezes, seria o desejo do
e esquecendo, se entregarmos tudo à Lei, perante ela ficam homem. E aí está o problema. Quando somos atingidos por uma
de pé e terão de ser resolvidos, em perfeita justiça, o débito
decepção, podemos, porventura, ter a certeza de que ela foi cau-
do ofensor e o crédito do ofendido. Perdoar não quer dizer
sada somente por quem a provocou? Ou existirá uma causa mais
que o primeiro não tenha mais de pagar e que o segundo não
profunda, constituída pelo merecimento do golpe? Se o golpe foi
tenha de receber. É erro acreditar que o perdão seja contra-
merecido, a Lei terá de intervir contra nós, e não a nosso favor.
producente para nós. Ele representa vantagem, porque liberta
quem perdoa de todas as más consequências e, ao mesmo Para a Lei funcionar a nosso favor, é necessário que sejamos
tempo, não apaga o débito do ofensor, que não tem de prestar inocentes e não tenhamos dívidas a pagar. Mas quem no mundo
contas a um homem (o ofendido), mas sim ao próprio Deus. se encontra nestas condições? É por isso que o método da não-
Só assim se pode sair do plano da injustiça, baseada na força, resistência do Evangelho, na Terra, é julgado utopia absurda. O
que é o plano do mundo, e entrar no plano da justiça, que homem julga com uma forma mental completamente diferente.
pertence a Deus, condição que, para o homem justo, repre- O que lhe interessa não é a justiça, mas a imposição de seu inte-
senta a melhor posição e a maior vantagem. resse com a força. Outra psicologia não pode dominar num pla-
Não há dúvida de que tudo isso tem sua lógica e beleza, mas no onde vigora a lei da luta pela vida. Como pode a Lei defender
é verdade também que quase ninguém o pratica, julgando-o o ofendido, se ele, por outro lado, é um ofensor? Muitas vezes,
loucura. A fera também julgaria loucura mudar-se para as nos- reagimos contra o ofensor, quando nos alegramos com a chega-
sas cidades, onde não saberia viver. Cada um está adaptado ao da de sua punição, merecida por ele e advinda da própria Lei,
seu plano de vida. E isto não destrói as vantagens do progresso. que é justa. Nesse momento, por estarmos festejando a justiça,
Mas por que o mundo ainda não compreendeu e não segue a estamos, na verdade, praticando uma injustiça e, com isso, me-
utilidade desse novo método de vida? Quais são as razões? recendo punição da própria Lei. Como podemos exigir que os
Responderemos a estas perguntas no próximo capítulo. outros nos paguem suas dívidas, quando nós ainda não lhes pa-
Pietro Ubaldi A LEI DE DEUS 39
gamos as nossas? Como podemos, no banco da justiça da Lei, caso também, trata-se de um fenômeno de longo prazo e de
criar e exigir créditos, quando estamos cada vez mais cheios de longo alcance. A inteligência de muitos, porém, não vê senão o
débitos? Para que possa funcionar o método da não-resistência, que acontece de um dia para o outro e o que eles podem atingir
é necessário primeiramente termos pago à justiça da Lei todas as com suas mãos. A maioria acredita viver no caos e procura, no
injustiças que, antes, praticamos contra o próximo. momento, agarrar o mais que pode, não suspeitando que vive
Ao recebermos uma ofensa, em vez de nos dirigirmos ao num universo orgânico, onde há de tudo, de sobejo e sempre a
ofensor, deveríamos falar com Deus e com nós mesmos, para nosso dispor, se fizermos os movimentos certos conforme as
saber onde está a verdadeira causa da ofensa e verificar se ela normas da Lei. Mas a inteligência para chegar a esse nível ain-
se encontra dentro de nós, em vez de estar nos outros. No mé- da não foi conquistada. Viramos então as costas à Divina Pro-
todo da não-resistência, o problema está equacionado de uma vidência, renunciando à sua ajuda, e voltamos às lutas do nosso
forma completamente diferente da utilizada pelo mundo, onde, mundo. Parece loucura que tanta gente tão astuta renuncie es-
em geral, cada um prefere atirar a culpa sobre os outros, ao in- pontaneamente a estas vantagens. Mas, desse modo, cumpre-se
vés de reconhecer-se culpado. Num sistema de justiça tal como a justiça da Lei, da qual não se pode fugir. É conforme a justiça
é o da Lei, se esta nos golpeia, como se pode admitir que a cul- que nada possa ser ganho sem ser merecido.
pa seja dos outros? De fato, se alguém vive de acordo com a Já falamos sobre a Divina Providência em nosso livro A No-
justiça e recebe um ataque não merecido, a Lei, por si mesma, va Civilização do Terceiro Milênio, Cap. XI. Enumeramos na-
pelo seu princípio de justiça, irá defendê-lo, quando ele praticar quele livro as condições indispensáveis para o seu funciona-
o método da não-resistência, de modo que a reação não terá mento. Elas são as seguintes:
mais sentido. Ele já se colocou dentro do equilíbrio da Lei. En- 1o) Merecer ajuda.
tão é justo, para que se realize a justiça, que ele tenha de ser 2o) Haver, antes de mais nada, esgotado as possibilidades
protegido pela Lei, a qual o defenderá como sendo coisa sua, de suas próprias forças.
que faz parte do seu sistema. Só ao mundo pertence o erro de se 3o) Estar, de acordo com suas condições, em estado de ne-
enredar no sistema desequilibrado de reações e injustiças recí- cessidade absoluta.
procas, num encadeamento sem fim, porque não se pode ree- 4o) Pedir o necessário e nada mais.
quilibrar o desequilíbrio acrescentando novos desequilíbrios. 5o) Pedir humildemente, com submissão e fé.
Ao equilíbrio não se pode chegar senão pelos caminhos reequi-
Quem quiser aprofundar-se neste assunto em particular, vai
libradores da não-resistência.
encontrá-lo desenvolvido no livro e capítulo já mencionados.
Que acontece, então, quando o Evangelho apresenta ao
No presente capítulo, estamos discorrendo sobre esta grande re-
homem este novo método de vida, o único que pode levá-lo à
alidade: a lei de Deus, que tudo rege. Procuramos ver as normas
salvação, libertando-o do mal? Para quem pede a defesa da in-
que dirigem o mundo moral, reconhecendo nelas a mesma exa-
justiça, e não da justiça, a Lei não funciona. Então aquele mé-
tidão das leis que regulam o mundo físico e dinâmico. Procura-
todo é loucura, e o homem lhe vira as costas. Volta assim ao mos, assim, atingir uma orientação a respeito da nossa conduta
seu sistema de injustiça, força e luta. Volta às leis do seu plano de acordo com os métodos positivos da ciência, isto é, a lógica e
animal e aos seus instintos inferiores. Recusa-se a fazer o es- a observação. O que temos exposto aqui satisfaz a razão, porque
forço para evoluir e, assim, resolver seus problemas, libertan- a Lei é também racional. Nossas afirmações baseiam-se sobre
do-se de seus sofrimentos. O mundo não quer aceitar o remé- dois pontos fundamentais: 1) Uma teoria geral da estrutura e
dio que lhe foi oferecido para a cura dos seus males. Preferir o funcionamento orgânico do universo, da qual estas afirmações
próprio dano à própria vantagem não é maldade, pois somente representam as conclusões práticas, derivadas daquela teoria; 2)
pode ser fruto da ignorância e da falta de inteligência. Mas aí, O controle experimental a que estas conclusões foram submeti-
então, está a dor, providencialmente encarregada de mostrar das, resultado, como já dissemos no começo, de meio século de
que a loucura não está no Evangelho, mas em nós, porque não experiências, que se poderia chamar de laboratório, porque exe-
queremos compreendê-lo. cutado no banco experimental da realidade da vida.
Estamos reclamando justiça e não compreendemos que es- Como acontece a todos, que, seja como for, têm de movi-
tamos recebendo justiça, mas na forma de sofrimento, porque a mentar-se e adotar uma conduta, nós também, percorrendo os
justiça pedida, muitas vezes, não é senão injustiça, isto é, justiça caminhos da vida, não pudemos deixar de tocar as teclas da Lei
às avessas. Tal justiça só podemos receber em forma de sofri- e de receber, através dos acontecimentos, sua resposta. E nada
mento. A Lei quer nosso bem, e não se pode chegar a ele acres- tem mais poder para convencer do que os fatos. Vimos, na prá-
centando ao mal um novo mal. A grande loucura do mundo é tica, o funcionamento da Lei. Podemos, assim, dar testemunho
querer chegar à justiça pelos caminhos da injustiça. Assim, um de que ela funciona, devolvendo-nos o que lhe entregamos, re-
regime social toma lugar de outro, mas são todos filhos dos tribuindo-nos conforme o que merecemos. E não podemos
mesmos enganos e violências. Vemos na realidade da vida os re- acreditar, pois isso seria ilógico e injusto, que a Lei, sendo a
sultados desse método. A justiça tem de ser absoluta e imparcial, mesma, não venha a funcionar da mesma forma para todos.
e não consistir de uma série de justiças relativas e partidárias, Não queremos com isso impor crença alguma. Só podemos
em função de interesses dos que as praticam. A Lei não pode es- convidar todos aqueles que se interessarem por estes conceitos
tar sujeita aos egocentrismos individuais ou de grupo. Ela está a experimentá-los, por si mesmos, a fim de realizarem, para
acima de tudo isso, acima das nossas concepções e lutas. sua vantagem, a mesma descoberta. Aqui se encontram expli-
◘ ◘ ◘ cadas as regras do jogo, para que se possa controlá-las e, as-
Dissemos nos capítulos anteriores que iríamos falar sobre a sim, verificar se são verdadeiras. Nosso desejo não é, de ma-
Divina Providência. Trata-se de um fenômeno parecido com neira nenhuma, espalhar ideias em busca de seguidores. Fala-
aquele que estamos estudando, sujeito também às suas regras. E mos unicamente porque ficaríamos muito satisfeitos, se pudés-
muitos também não acreditam nele, porque não conseguem fa- semos ver também os outros, apesar de se encontrarem no
zê-lo funcionar em suas mãos, fato que se dá em razão de não meio deste mundo feroz, obter os resultados maravilhosos, di-
terem sido satisfeitas as condições necessárias. Então afirma-se ríamos mesmo milagrosos, de satisfação interior e de sucesso
que a Divina Providência não existe. E, de fato, para eles não prático com que a Lei nos respondeu, permitindo-nos alcançá-
existe. Entretanto ela continua funcionando para outros. Neste los com a ajuda de Deus.
40 A LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
XXIII. A CONQUISTA DO PODER E ninguém faria, nesse nível de vida, o trabalho de conquistar o
A JUSTIÇA SOCIAL poder e desempenhar as obrigações a ele inerentes.
Até esse ponto, tudo está bem equilibrado em seu devido
Antes de deixar definitivamente o assunto tratado nos lugar. O chefe é o mais forte e mais astuto. Isto, em seu plano,
precedentes capítulos, queremos acrescentar alguns conceitos confere a ele o direito de ser chefe. Direito reconhecido tam-
que continuam desenvolvendo o tema da Lei, mas num seu bém pelos seus subordinados, que possuem a mesma forma
aspecto diferente, que diz respeito às consequências da con- mental. Mas até quando dura tudo isso? Se a posição se baseia
duta humana no terreno histórico-social da posse do poder e na força e na astúcia, ela vai durar enquanto houver força e
do uso e abuso da função de comando, problema dos mais in- astúcia. O chefe tem de provar isso a todo o momento, pois
teressantes para o mundo atual, demonstrando-nos o alcance tanto dominados como rivais, tendo a mesma forma mental,
universal da Lei. estão sempre prontos a agredi-lo, para tomarem o poder. To-
Continuaremos usando o mesmo método dos capítulos an- dos estão mergulhados na mesma atmosfera de luta, e, mesmo
teriores. Quando se trata do problema da conduta humana, é que o chefe não quisesse usar esses métodos, os subordinados
fácil cair no erro comum daqueles que, pregando virtudes, em o constrangeriam a fazê-lo. Estes são os primeiros a exigirem
nome dos santos princípios por eles defendidos, acusam, con- da parte do chefe essa forma de poder, embora ela não corres-
denam e se deixam arrastar pelo desejo de perseguir o próxi- ponda à função de cérebro diretor de uma sociedade orgânica,
mo. Isso é devido ao natural instinto de agressividade que o que espontaneamente, para sua vantagem, deve reconhecer no
homem teve de desenvolver na sua luta pela vida, porque esta seu chefe o cérebro cumpridor de uma função de interesse co-
é a lei do seu plano, levando cada um a esmagar os outros para letivo. Nos planos inferiores, quando um chefe não mostra sua
subjugá-los. Esta é uma das muitas ilusões psicológicas de que força, são os próprios subordinados, antes constrangidos à
já falamos, às quais o homem muitas vezes obedece sem sus- obediência, que o eliminam. A toda hora ele tem de dar pro-
peitar de seu papel, que é apenas seguir a lei de seu nível evo- vas de saber dominar e ser o mais forte.
lutivo. Como não aproveitar tão bela oportunidade de desaba- Esta é a justiça do seu mundo. Neste, um santo não pode
far o próprio instinto de agredir para dominar, tanto mais ser chefe, porque não pertence ao nível evolutivo da maioria,
quando isto se pode fazer em nome dos mais altos ideais, co- não possui sua forma mental e não usa os métodos de domí-
brindo-se do manto das mais nobres finalidades? Por isso pro- nio que ela pode compreender e exige. O método da obediên-
curamos seguir um método diferente, que não está em conde- cia consciente e espontânea não pode ser entendido e pratica-
nar, colocando-nos na cátedra de juiz, método que o Evange- do num mundo onde o poder é respeitado não porque repre-
lho desaprova, quando nos diz: “não julgueis”. senta uma função, mas somente porque é defendido pela for-
Como há pouco dizíamos, nossa tarefa não pode consistir ça. Neste mundo, os subordinados obedecem somente en-
em constranger, porque não possuímos nem poder nem auto- quanto o chefe possui força para sujeitá-los. Num tal ambien-
ridade alguma. Temos, antes de tudo, de respeitar a liberdade te de luta de todos contra todos, os subordinados, sejam súdi-
dos outros. Cada um é dono de si mesmo e pode fazer aquilo tos ou criados, ficam à espera de que esta força falte ao che-
que for de sua preferência. Tudo o que podemos fazer é expli- fe, para, ao seu primeiro sinal de fraqueza, tirar-lhe o poder
car como funciona a lei de Deus e quais são, para nós todos das mãos e, apoderando-se da sua posição de domínio, substi-
que estamos nela mergulhados, as consequências dos nossos tuí-lo. Usam-se, assim, a psicologia e os métodos do mesmo
atos, pois é com estes que cada um automaticamente premia plano de vida, repetidos por eles próprios, seja na posição de
ou condena a si mesmo. O julgamento e a reação a esses atos chefes, seja na de dominados.
estão contidos na Lei e se realizam fatalmente, sem possibili- Esta é a realidade que, na prática, encontra-se atrás de to-
dade de escapatórias. Por isso não nos cabe nem sequer julgar. das as teorias. A primeira função do poder é demonstrar-se
Tudo que podemos fazer é expor aquilo que temos de recolher poderoso. Os homens chegaram assim a governar em nome de
como inevitável consequência dos nossos atos, convidando Deus, intitulando-se representantes d'Ele, por direito divino,
todos a julgarem-se a si mesmos. porque Deus é o mais poderoso. Mas, repetimos a pergunta,
Como já foi explicado anteriormente, nos Caps. XVII, até quando irá durar tudo isso? Temos visto quais são os ali-
XVIII e outros deste volume, a Lei deixa o homem ainda não cerces sobre os quais se baseia essa posição de domínio. De
evoluído o bastante lutar para chegar ao poder, dando-lhe a fato, tratando-se de um plano inferior de vida, quem vive nele
possibilidade de operar com a sua psicologia egocêntrica, pela não pode deixar de ficar sujeito às ilusões que lhe são relati-
qual ele é levado a crer que a conquista do poder significa, an- vas. A ilusão consiste no fato de que esse tipo de homem não
tes de tudo, uma vantagem para si. Quando o homem, vivendo conhece o jogo que está jogando. A vitória, que ele acredita
nesse plano evolutivo, chega ao poder, no seu mais amplo ser unicamente para sua vantagem, constitui uma miragem
sentido como forma de domínio social, é lógico e também jus- temporária, útil apenas para impulsioná-lo à experiência e, as-
to, em seu nível de vida, que ele use sua posição no poder sim, fazê-lo avançar no caminho da evolução. A Lei movi-
conforme sua forma mental (porque outra ele não possui), isto menta estas alavancas para abalar o indivíduo, porque são as
é, dominando e explorando para tirar proveito pessoal. Esta é únicas que o movimentam. Acontece então que o homem, pa-
a forma mais involuída de domínio usada pelos poderosos, ra conquistar e manter sua posição de comando, tem de fazer
que corresponde ao estado primitivo tanto de chefes como de esforços na luta para desempenhar os compromissos que essa
subordinados. A Lei permite tudo isto, porque esta é a reali- condição impõe, sendo obrigado a colocar em ação suas qua-
dade e a maneira de conceber nesse plano de evolução, que lidades e, assim, adestrar cada vez mais sua inteligência.
eles ainda não conseguiram superar. Quem alcançou a posição Como se vê, o jogo real das leis da vida é diferente do que
de chefe não a recebeu de graça, mas teve de lutar para con- aparece por fora. A substância desta realidade é a evolução para
quistá-la, vencendo seus rivais, enfrentando perigos e fazendo ascender de um degrau para outro. Quando o ser atinge um de-
esforços para desenvolver sua força e inteligência. Ora, é justa terminado nível evolutivo, deve elevar-se ao seguinte. Como
e merecida a sua conquista. E a vantagem pessoal usufruída acontece isto? Nesse degrau superior, a posição de chefe não
por ele representa a devida retribuição de seu trabalho, a justa pode mais existir para sua vantagem pessoal, justificando-se
recompensa que lhe pertence. Se não houvesse esse prêmio, apenas enquanto constitui uma função de utilidade coletiva,
Pietro Ubaldi A LEI DE DEUS 41
como missão social. Isso, no entanto, é inconcebível para o che- XXIV. A LEI APLICADA À HISTÓRIA
fe involuído. Se ele, às vezes, chega a sustentar essa ideia, trata-
se apenas de astúcia para dominar melhor, utilizando palavras O caso da Revolução Francesa e o verdadeiro jogo da vida.
nas quais não acredita. Este é o tipo do Príncipe, de Maquiavel.
E ele não pode deixar de aprender a nova lição, tal como a evo- Procuraremos agora explicar melhor os conceitos do capítu-
lução exige. Mas quem vai ensinar-lhe? lo precedente, observando-os quando aplicados a um caso clás-
Temos visto que a Lei não se manifesta diretamente. Neste sico concreto: a Revolução Francesa. Examinemos a natureza e
caso, ela intervém através de outros elementos, encarregando- os movimentos das forças que lhe deram origem.
os dessa tarefa, para funcionarem como seus instrumentos. Ve- Luís XIV foi rei absoluto. Ele dizia: “L'etat c'est moi” (“O
jamos então o que acontece. O chefe domina os seus subordi- Estado sou eu”). Hoje isto seria considerado tirania. Porém
nados, sujeitos à sua vontade. É lógico que, enquanto existam ninguém, no seu tempo, o considerou tirano, enquanto assim
ovelhas inexperientes, sem conhecimento, precisando de pasto- foi chamado o meigo Luís XVI, tão ecônomo para si e amigo
res, estes surjam para dirigi-las. Mas é lógico também que, do povo. Por que razão ninguém reclamou contra Luís XIV,
neste nível, eles venham a explorá-las. Isto continuará aconte- que era tirano, mas todos reclamaram contra Luís XVI, que
não o era? O primeiro não foi julgado tirano porque tinha o
cendo, enquanto as ovelhas necessitarem de pastores. Mas
poder da força e da inteligência. O segundo foi chamado tira-
aqueles que ficaram dependentes estão ansiosos por imitar seu
no porque era simples e fraco. Luís XIV, que se fez chamar
chefe, pois têm a mesma forma mental. Então ficam olhando
“Le Roi Soleil” (“O Rei Sol”), usou o poder na forma que era
como ele age, coisa que eles compreendem bem, principalmen-
mais adaptada tanto para si como para seus súditos, dada pelo
te porque o peso da exploração escravizadora é duro. No en- nível de evolução atingido por todos eles naquele tempo. A
tanto o sofrimento vai desenvolvendo a inteligência deles. A forma mental nesse nível é o egocentrismo, e o rei não podia
opressão do chefe se transforma para eles numa escola, na qual ser senão a expressão mais completa dessa forma, o modelo
aqueles que foram submetidos à obediência vão estudando pa- da psicologia então vigorante, isto é, o exemplo máximo do
ra chegar aos mesmos resultados de vantagem atingidos por individualismo egocêntrico. Para cumprir a função de cuidar
quem os domina, aprendendo, nessa escola, a usar os mesmos do seu povo, era necessário que ele o considerasse como sua
métodos do sucesso: a força e a astúcia. propriedade, pois, nesse nível evolutivo, o homem não sabe
Assim, os subordinados ficam cheios de inveja e cobiça, es- superar o seu egocentrismo e, por isso, não cuida de coisa al-
perando qualquer oportunidade que os favoreça, num momento guma que não seja sua. Dada essa forma mental, aquele rei
de fraqueza do chefe, para agredi-lo com a força e traí-lo com a não podia fazer seu trabalho senão em função do seu orgulho
astúcia. O próprio chefe não pode ficar isento das consequên- pessoal. E o seu povo, que tinha os mesmos instintos, com-
cias do seu método, pois também tem de sujeitar-se às leis do preendeu e aceitou o rei dominador como coisa natural. De fa-
sistema que ele utiliza, inerentes ao plano de vida onde todos to, nesse nível, todos os direitos pertencem ao mais forte,
vivem, chefe e subordinados. Os comandados estão sempre que, por virtude da sua força, merece respeito. Por outro lado,
olhando os defeitos e erros do chefe, para tirar proveito e usu- os povos não tinham consciência coletiva alguma. Então, uma
fruir vantagem, visando furtar-lhe os frutos da vitória e, ven- vez que as ovelhas não possuíam conhecimento algum para
cendo-o, substituí-lo na tão almejada posição de domínio. escolhê-lo, o rebanho só poderia receber seu chefe à força, por
Os que tiveram de obedecer aprenderam tudo isso na escola imposição, conforme as leis naturais.
do chefe e, agora, vão ensinar ao mestre. Observaram o suficien- O eco do poder de Luís XIV sustentou o reinado vazio de
te e acabaram por se dar conta do que se acha de fato atrás dos Luís XV, por lei de inércia, por força do impulso recebido. A
bastidores das bonitas teorias do domínio em nome de Deus, do classe dos vencedores na luta pela vida tinha de gozar os frutos
direito e da justiça para o bem do povo, do progresso do mundo dos seus esforços. Mas o seu crédito se esgotou, e eles, no
etc. Descobriram lá, por muito andarem nesse caminho, uma ócio, tornaram-se seres inúteis. A vida, porém, não admite os
verdade bem diferente, constituída da luta pela vida, na qual o seres inúteis e preparou-se para liquidá-los. Foi um reinado em
mais forte vence para atender seu próprio interesse, posição descida, em que a grande Versalhes apodreceu na dissipação.
aberta a qualquer um, logo que dê prova de ser o mais forte. Aqui começa a emborcação das posições. Enquanto a aristo-
Quando a maioria chega a desenvolver sua inteligência até cracia perde virtude e força nos prazeres da vida, o povo, no
esse ponto, então caem as barreiras do mito, da fé cega, do medo sofrimento, conquista inteligência e energia para rebelar-se e,
do desconhecido, da ignorância, com as quais os chefes procu- cheio de desejo, olhando ao longe a bela festa, vai se prepa-
rando para a revolta. Temos assim dois movimentos opostos,
ram acalmar a natural rebeldia do homem. Aparece então, nua e
pelos quais o nível da força descia de um lado e subia do outro.
crua, a realidade biológica das duras leis da vida. E os povos,
Enquanto o povo ignorante, no sofrimento encontrava o estí-
quando chegam a perceber que os chefes têm direitos porque
mulo para desenvolver suas qualidades de luta, os dominado-
souberam conquistá-los com força e astúcia, acabam compreen-
res no gozo requintado encontravam o entorpecente que ador-
dendo também, pela mesma lei, que não poderão ter direito, en-
mecia suas qualidades vitais. Tudo foi, assim, automaticamen-
quanto não souberem conquistá-los com o mesmo método. Ini- te preparado durante o reinado de Luís XV.
cia-se assim, através de um amadurecimento natural, o lento de- Quando Luís XVI subiu ao trono, tudo estava quase madu-
senvolvimento da reação, até estourar na revolta, onde os rebel- ro e esperava somente a oportunidade para estourar. A classe
des imitam o método que conduziu os seus chefes à vitória. dirigente estava completamente apodrecida, e o rei era um
Podemos ver, desta maneira, como a Lei realiza automati- campeão de fraqueza. Dos dois vasos opostos, um se tinha en-
camente sua justiça, utilizando elementos diferentes, colabo- chido e o outro, esvaziado. O próprio Luís XV tinha intuído is-
rando todos para o mesmo objetivo: a evolução comum. Assim, so, quando dizia: “Après-moi, le déluge” (Depois de mim, o
se a opressão dos chefes gera a dor nos que a eles estão sujei- dilúvio). E o dilúvio chegou.
tos, nestes também acorda a inteligência, que os fará vencedo- Vemos aparecer então aquele que o povo chamou de tirano.
res. Assim a posição de dominantes e dominados é posição per- Um homem sobretudo bom, que teria sido um ótimo pai de fa-
corrida por todos, para que todos aprendam na mesma escola a mília; um rei que pensava ser o pai do seu povo. Para não der-
mesma lição. Esclareceremos ainda melhor estes conceitos, ramar o sangue do povo, ele afastou de Versalhes os batalhões
com exemplos, no próximo capítulo. na hora em que mais precisava de defesa, pois a multidão se
42 A LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
aproximava para levá-lo com a família a Paris, onde iria encon- Tudo o que vivemos fica escrito não só na história, mas tam-
trar a morte. Este era o tirano. Mas os tempos estavam maduros. bém em nossa carne. A dor tem o poder de fincar em nós um
A injustiça dos abusos da aristocracia e do clero havia sido co- marco indelével. Assim, o homem vai entendendo cada vez me-
metida, e agora era necessário saldar as contas e pagar a dívida lhor a inviolável estrutura da Lei, pela qual, como já tantas vezes
perante a justiça da Lei. Eis, então, que a história atinge seu ob- dissemos, quem faz o bem ou o mal o faz a si mesmo. Tudo vol-
jetivo, lançando na boca do povo esse rei manso, para que seja ta à fonte, com um movimento de forças semelhante ao das for-
mais fácil devorá-lo. Se estivesse reinando Luís XIV, que possu- ças do espaço curvo, cujas leis parecem vigorar também no ter-
ía não apenas muito orgulho, mas também poder, e que não ti- reno da moral. Encontramo-nos, assim, perante um princípio de
nha apenas egoísmo, mas também habilidade política e militar, curvatura universal, verdadeiro em todas as dimensões e níveis
então o povo teria encontrado um osso duro demais para roer e, de existência. Parece que, em todos os planos, cada impulso ten-
perante a força, teria não só achado justo respeitar tudo, mas de automaticamente a voltar à fonte de onde partiu, sendo este
também considerado absurdo proclamar direitos, quaisquer que um dos princípios fundamentais da Lei. Assim a teoria científica
fossem suas necessidades e seus sofrimentos. A injustiça sempre do espaço curvo concorda com a teoria apresentada aqui – que
existiu, mas só foi reconhecida como tal naquele momento, se poderia chamar de moral curva – confirmando-a. Em ambas
quando a fraqueza do governo permitia ao povo tornar-se pro- não haveria deslocamentos em sentido absoluto, mas só relativo.
porcionalmente forte para impor com a força sua própria justiça. Seriam então movimentos apenas aparentes, como os das ondas
Eis o verdadeiro jogo da história, e o exemplo se repete to- do mar, onde não há deslocamentos de água, mas uma espécie
das as vezes que a vida se encontra nessas condições. Um direi- de vibração fechada em si mesma, num contínuo movimento de
to é considerado tal somente quando quem o sustenta possuir os retorno. Da mesma forma, os movimentos da conduta humana
meios para realizá-lo. E o sofrimento está sempre pronto para seriam uma espécie de vibração fechada nesta lei de retorno, pe-
fornecer ao homem, por reação, esses meios, fazendo-o desen- la qual cada impulso nosso nada desloca a não ser nossa própria
volver suas qualidades na luta. Bondade, caridade e compreen- natureza, recebendo sobre si o que quis lançar fora de si. Desse
são recíproca só aparecem em níveis superiores de vida. modo, o ser vai experimentando, amadurecendo e evoluindo.
Qual foi então o resultado de todo esse movimento de forças Quisemos assim, neste capítulo, observar como o princípio da
aqui observado? curvatura da moral se verifica também no terreno social da cole-
1) O povo deu provas de ter aprendido a lição na escola de tividade humana. Por isso podemos concluir que o princípio pe-
seus chefes, repetindo seus métodos para dominar. E esse méto- lo qual quem faz o bem ou o mal o faz a si mesmo é verdadeiro
do continua sendo repetido, numa escala sempre maior, até hoje. não somente para o indivíduo, mas também para as diferentes
2) Os povos saíram da menoridade e começaram a se dirigir classes, camadas e grupos sociais.
por si próprios, aprendendo a eleger bem ou mal seus chefes, Com esta técnica maravilhosa são superadas todas as tentati-
experiência nova, adequada para desenvolver uma consciência vas humanas de injustiça, pois acaba sofrendo o mal na própria
coletiva e novas formas de inteligência. carne quem, para seu bem-estar, faz o mal aos outros, assim co-
3) O sangue da aristocracia não foi derramado em vão na mo quem, por ter feito bem ao seu próximo, recebe para si o
Revolução Francesa. A lição ficou e ensinou muita coisa ao bem que mereceu. Com esta técnica, cada vez mais o ser está
mundo de então, para que não caísse mais nos mesmos erros. A constrangido, automaticamente, a realizar a justiça da Lei, su-
lição fez ver que os abusos são perigosos, porque depois, por bindo da injustiça para a justiça, da desordem para a ordem, da
compensação, a injustiça e a dívida têm de ser saldadas. Dessa luta entre egocentrismos rivais ao estado orgânico da humanida-
vez também, o mestre que ensinou a lição foi a dor. Hoje, se- de civilizada. O processo é sempre o mesmo. O homem tem de
melhantes abusos não seriam mais possíveis, pois tais privilé- experimentar os dolorosos efeitos da injustiça, da desordem e do
gios da aristocracia e do clero seriam hoje um absurdo. egoísmo, para chegar a compreender que o mais proveitoso para
É verdade que o homem, no fundo, permaneceu o mesmo. si mesmo é que se realizem a justiça, a ordem e o altruísmo.
A burguesia substituiu a aristocracia e procurou imitá-la, assim Semelhante às ondas do mar, há um movimento ordenado
como está pronto a imitar a burguesia o proletariado, que quer na sucessão histórica das revoluções. Cada uma sustenta e im-
hoje substituí-la. Mas semelhantes excessos de egocentrismo pulsiona a outra, num movimento comum que as liga todas
em favor de grupos particulares e em forma legalmente reco- num mesmo processo. Acontece então que, enquanto houver
nhecidas, hoje, não seriam mais possíveis. Torna-se cada vez camadas inferiores exigindo justiça por se encontrarem esma-
mais inaceitável a concentração dos benefícios da vida nas gadas pelas superiores, estas não terão paz e serão obrigadas a
mãos de poucos, que os subtraem dos outros para si. A moder- se defender das contínuas tentativas de assalto por parte daque-
na tendência coletivista e igualitária procura estender a um las. Quando, nesta luta, os dominados vencem, então eles se
número sempre maior de indivíduos as vantagens que antes fi- apoderam da posição dos dominadores e tomam o seu lugar,
cavam concentradas somente em favor dos vencedores. O para gozar das mesmas vantagens, mas sujeitando-se aos mes-
mundo progride, assim, para a justiça social, a igualdade, o al- mos perigos e cometendo os mesmos erros. São assim obriga-
truísmo e formas de vida organizada, coisas que pertencem a dos a pagar a mesma pena, porque, enquanto houver um ho-
níveis evolutivos mais adiantados. mem explorado por outro, ele procurará saltar em cima de seu
Vemos aqui, uma vez mais, funcionar a Lei, em sua mara- opressor, para tomar dele a posição de domínio. Trata-se tão-
vilhosa sabedoria. A cada erro corresponde, também no terreno somente de posições diferentes, que os mesmos homens vão
social, uma lição de sofrimento, para que o erro não se repita. ocupando sucessivamente, como a mesma água toma as dife-
Assim o mundo automaticamente tem de progredir. Cada lição rentes posições das ondas em movimento. A Lei é uma só para
representa uma dura experiência, que não é fácil esquecer. Ter todos, e cada um tem de aceitar as vantagens, os perigos e os
experimentado as consequências do abuso representa o melhor esforços que a posição de cada um implica. Assim, em posi-
meio para tirar a vontade de repetir o abuso. Desse modo, o ções diferentes, todos estão cumprindo o mesmo trabalho,
homem aprende a não olhar mais para a vantagem imediata de igual para todos, de fazer experiências, as quais, embora dife-
que foi vítima e torna-se capaz de enxergar além das aparên- rentes, levam ao objetivo fundamental: evoluir.
cias formadas por suas ilusões psicológicas, apercebendo-se da Nesse rodízio de posições e respectivos trabalhos, nessa se-
necessidade de levar em conta, também, o bem-estar do pró- quência de vantagens e abusos escalonados ao longo do cami-
ximo, porque o problema da felicidade não se pode resolver nho das experimentações comuns, nessa compensação entre tan-
isoladamente, só para si. tas injustiças diferentes, realiza-se a justiça da Lei, pela qual tu-
Pietro Ubaldi A LEI DE DEUS 43
do se paga e todos têm de aprender a mesma lição através das tar os ânimos duros dos céticos do materialismo, entregues a
mesmas experiências. De sua variedade o universo constitui uma todas as sutilezas do pensamento e esmagados pelos comple-
unidade, na qual uma infinita multiplicidade se coordena em xos intelectualismos culturais e científicos. Tratava-se, ao in-
harmonia, regida por uma lei geral. Assim, através da coordena- vés, de acender uma chama de bondade e verdade, com sim-
ção das inúmeras injustiças particulares, pelas quais cada um plicidade de sentimento, oferecendo-se em doação completa,
paga o que deve, realiza-se a justiça universal da Lei. “Quem es- sem nada pedir, vencendo a dureza de ânimo com o poder da
tiver sem pecado atire a primeira pedra”. Quem, porém, está bondade, com uma grande paixão de ajudar, indo ao encontro
sem pecado e não tem de pagar alguma dívida à justiça da Lei, dos mais humildes e desprezados, para abraçá-los e elevá-los
sofrendo o que ele, às vezes, chama de injustiça? Esta é a verda- num trabalho de coração, em contato direto com as formas
deira justiça que abrange a todos e está acima de todos, pela qual mais elementares e instintivas da vida. Era, para aquele ho-
todos têm de pagar e perante a qual todos somos iguais. Eis co- mem, um campo diferente e inexplorado, um caminho novo
mo, pela Lei, foi realizada e sempre existiu a verdadeira igual- para inculcar no próximo o amor de Cristo.
dade, hoje tão almejada em vão pelas classes sociais em luta. Assim, quem já fora peregrino das grandes cidades, trans-
Agora podemos compreender o significado de tudo isso e en- formou-se um dia em peregrino das aldeias abandonadas, das
tender o que está acontecendo. Acima de todas as rivalidades do praias longínquas, das terras perdidas à margem da civilização
formigueiro humano, permanece resplandecendo a sabedoria da das cidades. Navegando com alguns amigos em pequenas bar-
Lei, invisível, poderosa, inflexível, sempre presente. Nela, com- quinhas, chegou um dia a uma ilha próxima à costa, numa al-
pensando-se e coordenando-se, tudo se resolve. Eis a conclusão. deia de pescadores pobres, simples e primitivos.
Nesse estado de simplicidade, mesmo se o homem não
XXV. EVOLUÇÃO DA HISTÓRIA compreende as fórmulas difíceis da cultura e da ciência, ele in-
tui, instintivamente, sem muitas palavras, os motivos funda-
Apêndice: Uma fábula. mentais da vida: amizade ou inimizade, ódio ou amor, fome,
“Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. perigo. As apresentações não necessitaram, por isso, de muitas
palavras, bastando, através de um simples olhar frente a frente,
Em minhas peregrinações brasileiras, ocorreu ter de demo- uma recíproca e instintiva observação quanto às respectivas in-
rar-me alguns dias numa ilha habitada apenas por pescadores tenções. Assim se conhecem os animais e até as plantas, resul-
pobres, no litoral paulista. Entretive-me, então, com aquela tando daí relações de amizade ou de inimizade.
gente simples, dividindo com eles alegrias e dores. Nessa vida, Realizada essa primeira aliança, sistematizadas as necessi-
reduzida aos mais singelos elementos, diante das harmonias de dades materiais de alimento e repouso noturno, sentou-se aque-
uma paisagem exuberante, imerso na infinita paz das coisas de le homem ao lado dos novos amigos, à beira da praia, para sa-
Deus, senti a profunda justiça e bondade de Sua lei, compreen- tisfazer a curiosidade deles de conhecerem os recém-chegados,
dendo como, mesmo na Terra, é possível aos homens de boa e, falando de si e dos companheiros, começou a lançar as pri-
vontade realizar a grande máxima evangélica: “Amai-vos uns meiras pontes da confiança e da compreensão. O próprio ambi-
aos outros como eu vos amei”. Destas observações e medita- ente sugeria que se falasse das grandes coisas de Deus. O ar-
ções nasceu esta fábula. gumento alimentava-se das harmonias daquela natureza encan-
Havia certa vez um homem que era julgado louco porque tada. Os pensamentos mais simples assumiam naturalmente a
pregava e praticava no mundo o amor de Cristo. Dizia ele: musicalidade das ondas e dos ventos, sintonizando-se na sinfo-
“Não necessitamos de novas religiões, nem precisamos fazer nia das cores dos bosques, do mar e do céu. O pensamento de
prosélitos a favor de uma, condenando as outras e criando, as- Deus, alma de tudo, transparecia tão poderoso e evidente nas
sim, cada vez maiores inimizades, mas é indispensável torna- formas de seu revestimento, que Ele parecia falar sem palavras
rem-se bons e honestos os homens de todas as religiões”. ao âmago da alma. E todos, tanto o peregrino como os pescado-
Enfrentara, assim, com os meios da cultura, do raciocínio e res, ouviam juntos, como numa evocação mágica em que Deus,
da ciência a elite intelectual das grandes cidades, as classes di- essência da vida, falava-lhes em silêncio, e o espírito das coisas
rigentes dos mais aptos a compreender por esses caminhos a se revelava, arrebatando-os todos no mesmo êxtase.
verdade como produto do pensamento. Mas, um dia, sentiu ne- Se os primitivos não sabem exprimir-se para traduzir estas
cessidade de completar seu trabalho, escolhendo outra gente; sensações, isto não significa que eles não as percebam, ainda
sentiu que deveria aproximar-se também dos deserdados, dos que confusamente. Em cada uma de suas formas, a própria vi-
simples e ignorantes, para os quais estão fechadas essas estra- da nos mostra que ela procura ser bela, alegra-se com isso e lu-
das de luxo. Para eles, era mister outra linguagem: a linguagem ta por sê-lo. A beleza representa um valor próprio porque tem
simples do Evangelho, que ensina por fé, sem a demonstração sua função biológica. Nos mais altos planos evolutivos, revela-
das provas exigidas pela inteligência cética; a linguagem fácil e se essa beleza na harmonia espiritual da bondade e do amor
clara dos fatos e dos exemplos; a linguagem do amor, que todos para com todas as criaturas. A musicalidade e a alegria de ou-
compreendem e que percorre estradas diferentes, seguindo não vi-la crescem à proporção que se sobe para os mais altos pla-
os caminhos mente, mas sim do coração. nos da existência, formando, enfim, uma harmonia única, em
É verdade que, assim como das nuvens desce a chuva, o que se fundem o belo e o bem.
pensamento desce de cima para baixo nas classes sociais e, O nosso peregrino e aqueles homens conheciam também os
uma vez firmado na classe culta, por si mesmo se difunde nos outros aspectos da vida, o lado positivo e prático das necessida-
planos inferiores, por uma lei de gravitação. Mas trata-se de des materiais. A vida também se constitui de problemas concre-
um pensamento frio, filtrado através de outros cérebros. Era tos. Sem dúvida, os primitivos também são poetas, mas só po-
indispensável dar ainda mais, dar algo mais vivo e pessoal, dar dem dar-se ao luxo de sê-los depois de resolvida a premente
de si mesmo, como exige o amor e como não pode deixar de questão das necessidades imediatas. Por isso ninguém mais do
fazer quem ama verdadeiramente. Assim, quis um dia aquele que os primitivos quer prender-se aos valores reais terrenos e,
homem entrar em contato também com os homens simples dos para ouvir e respeitar, exigem uma prova de superioridade. Por
campos, menos providos de cultura. esse motivo, não podendo Cristo apoiar-se nas qualidades de
Para eles, a linguagem seria outra. Não mais a profundida- inteligência e cultura de Seus seguidores, teve de dar provas di-
de de conceitos nem a evidência de provas para convencer a ferentes das racionais a Seu respeito. Teve de operar prodígios,
razão mediante demonstrações. Não se tratava mais de enfren- as únicas provas acessíveis àquelas mentalidades, tanto que
44 A LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
ainda hoje a apologética cristã católica aceita os milagres como eles estão todos no estado caótico. Compete ao homem, com
prova da divindade de Cristo. Para aquelas formas mentais, eles seu trabalho, transformar o caos em uma ordem na qual ele
são verdadeiras provas, ainda que nada provem para quem te- possa viver bem. Ordem exterior, nas ações, que só pode nas-
nha do milagre um conceito totalmente diferente. cer de uma ordem interior, no espírito.
Sendo a psicologia de todos os primitivos a mesma, nosso “Respeitemos o amor, mas disciplinado, com respeito à
homem tinha de mostrar, para ser ouvido e seguido, suas cre- mulher e à família alheia, santificado com a proteção da mãe
denciais, dando testemunhos de seu valor. Ora, quem vive lon- aos próprios filhos, com a educação destes, com a sublimação
ge dos centros, na periferia da civilização, permanece sempre do afeto recíproco, que, provindo não apenas dos sentidos, so-
com os olhos fixos e os ouvidos atentos aos oriundos daqueles brevive à própria morte.
ambientes, ávido de aprender e imitar. O peregrino chegava “Respeitemos o instinto da posse e de domínio das coisas,
desses centros e lá trabalhara e vencera. O homem, para avaliar, mas sob condição de que ele não seja egoísta, não represente
exige uma prova de poder, seja ele material ou econômico, inte- opressão aos fracos e não seja feito de ambição. Seja respeita-
lectual ou espiritual. Trata-se, em todos os casos, de provar que da a propriedade, fruto do trabalho. Mas, para ter direito do
soube vencer em algum campo. E o sinal, ainda que tenha sido respeito pelas próprias coisas, deve-se antes respeitar as coi-
conseguido em um campo menos compreensível, nem por isso sas alheias. Em todos os campos, só tem direito a ser respeita-
é menos convincente. Uma das razões por que as multidões do quem respeita. Seja respeitada a vida em seus instintos,
modernas admiram os cientistas é o fato de serem eles capazes mas esteja tudo disciplinado na medida e na ordem estabele-
de dominar matéria inacessível a elas. Assim é tanto mais fácil cidas pela lei de Deus.
convencer quanto mais se tenha sido precedido da fama das “Quanto mais aprenderdes a viver na ordem, tanto mais di-
próprias vitórias. Aos próprios santos era tanto mais fácil arras- minuirão vossas atribulações, e, quanto mais desobedecerdes à
tar as multidões quanto mais poderosa se formavam a seu res- Lei, tanto mais elas crescerão. Não vedes que cada coisa tem
peito a lenda do prodígio e a auréola de santidade. Mesmo no seu lugar na natureza? Que aconteceria se o mar quisesse usur-
plano espiritual, a vida premia o forte que sabe vencer. par o espaço que pertence à terra, ou se esta quisesse invadir o
Dessa forma, apoiando-se nesse jogo psicológico natural e céu? Tudo é belo, e há lugar para tudo, inclusive para vossa vi-
inevitável, imposto pela forma mental humana, procurava o pe- da, porque tudo está organizado e em paz. Mas logo que esta
regrino penetrar no ânimo de seus ouvintes. Suas palestras eram ordem e esta paz se perturbem, surge para todos o desastre.
simples, concretas, constituídas de conceitos revestidos de fá- Somente se respeitardes as regras indispensáveis da vida, esta-
bulas e parábolas, baseando-se nas sensações oferecidas pelo belecidas por Deus, é que Ele vos poderá dar a felicidade, da
ambiente. Seria inútil bater em teclas mudas, lançar pensamen- qual elas são a condição essencial”.
tos que não pudessem encontrar eco. A princípio eram poucos a ◘ ◘ ◘
ouvi-lo. Mais tarde reuniu-se toda a aldeola, rodeando-o. Todo Assim falou nosso peregrino àqueles homens simples. Mas
homem, mesmo não entendendo tudo, sente-se sempre atraído a vida é ação, e era mister, para melhor convencê-los, dar-lhes
pela palavra quente, que, por ser convicta, transmite convicção. um exemplo, um testemunho tangível.
Então, o peregrino lhes falou assim: “Meus amigos. Aqui Nos arredores do lugarejo, numa praia abandonada, vivia
vim entre vós para vos ensinar o amor e a paz, diminuir vossas solitário um rebelde à ordem social, um homem feroz, ladrão e
dores e vos tornar mais felizes. Não enfrentaremos os proble- assassino, que, ao invés de trabalho, preferia viver de delitos e
mas longínquos que atormentam as grandes mentes e não foram de rapinagem. Era chamado o Lobo. Ninguém ia à sua cabana
ainda solucionados pela ciência, pela religião e pela filosofia. nem dela se aproximava, se não estivesse armado.
Para dirigir vossa vida, bastam-vos as normas simples. Falaram desse Lobo ao peregrino, que resolveu então ir ao
“Falo-vos em nome de Cristo, para vos explicar seu pensa- seu encontro. Lembrava-lhe isto outro encontro, com outro Lo-
mento. Assim falo para vos ajudar, e não para vos condenar. bo, talvez o nome de outro ladrão, o assassino que foi amansa-
Não vos peço para castigar a vida, mas sim para respeitá-la e do por São Francisco às portas de Gúbio. Os homens da peque-
melhorá-la, vivendo-a com inteligência. Ela é um dom de Deus na aldeia procuraram dissuadi-lo, mas ele se sentiu irresistivel-
e não deve ser renegada, mas sim levada cada vez mais para o mente impelido àquela realização. Ir por aquelas paragens, sem
alto, na direção d'Ele. O desejo de felicidade é um instinto sadio armas, ou mesmo levando-as, mas sem saber usá-las, era loucu-
e vital, e tendes pleno direito a ela. Deveis aprender, no entanto, ra. Para que se deixar matar?
que ela só pode ser conquistada na ordem, com a própria disci- Após muita discussão, um dia partiu o peregrino, desarmado,
plina, obedecendo à lei de Deus. Só assim conseguireis diminu- para a cabana do Lobo. Entretanto acompanhavam-no alguns
ir cada vez mais o fardo de vossas dores, efeito de vossos erros. homens fortes e bem armados. Deixou-os em certo ponto, es-
“Vossos instintos fundamentais devem ser respeitados, condidos entre as árvores, de sobreaviso para socorrê-lo, se hou-
porque eles servem para conservar a vida, necessária para atin- vesse necessidade, e encaminhou-se sozinho para a choupana.
gir seu objetivo de elevar-se, regressando a Deus. Por isso Ele Enquanto caminhava, refletia. Já dera um exemplo, nas
fez que vós os adquirísseis e os fixásseis em vós. São eles hoje grandes cidades, vencendo os mais poderosos obstáculos que
a mola necessária à vossa vida, em vossa atual fase. Amanhã lhe queriam impedir o cumprimento de sua missão. Vitória
conquistareis outros instintos, mais evoluídos, para viver em clamorosa, milagre de Deus, que lhe havia provado Seu auxílio
planos mais altos. Não vos prego as abstinências e os jejuns e Sua presença a seu lado. Toda resistência havia caído, e os
dos santos. Não peço renúncias, mas disciplina. Se não amar- elementos negativos tinham sido afastados, apesar de fortes e
des o trabalho, seja ele a vossa penitência. Mas, aprendei a renitentes. Deus o ajudaria também, realizando este outro mila-
amá-lo para apressar as satisfações que ele proporciona, e ele gre. Era lógico e necessário também este exemplo num plano
se transformará na alegria de criar. social diferente. Precisava aceitar, tinha de expor-se a esta nova
“Respeitemos os instintos fundamentais da fome e do prova, em que Cristo deveria triunfar mais uma vez.
amor. Devemos nutrir o corpo para trabalhar melhor, mas não O peregrino era também homem e, como tal, temia. Talvez
para empanturrar-nos. Quem abusa, seja por excesso ou por tivessem razão os homens da pequena aldeia. Sua ousadia era
falta, estraga um instrumento que lhe foi confiado por Deus loucura perigosa e inútil. Então, como sempre ocorrera nos
para fins mais altos, e um deles é produzir com o trabalho, ca- maiores momentos de sua vida, Cristo lhe apareceu ao lado,
da qual segundo sua capacidade. Em nosso planeta existem to- tomou-o pela mão e, enquanto o guiava, desenvolveu-se o se-
dos os elementos para torná-lo a sede de vidas felizes. Mas guinte colóquio:
Pietro Ubaldi A LEI DE DEUS 45
“Filho, por que temes? Não estou sempre a teu lado? a felicidade é muito maior. O estridor daquela alma rebelde
“Senhor, que posso eu? Não é orgulho meu pretender mais era uma dissonância triste nesta grande música. Esta, porém,
uma vitória? sufocava a discórdia com sua potência, quase a anulando e ab-
“Vai, filho, e não temas; estou contigo. Falarei em teu pen- sorvendo em sua harmonia. Descia do alto uma grande onda
samento, brilharei em teu olhar, vibrarei em ti e manifestar-me- das forças do bem, para amansar aquela alma, impelindo-a pe-
ei através de tua paixão pelo bem. Vai! Através de ti, meu ins- las grandes vias da bondade e do amor. Ela queria resistir,
trumento terreno, vencerei com o amor esta alma rebelde. Vai! mas Deus determinara que Ele havia de vencer. Cada vez
Vencerás. Estou contigo”. mais poderosa resplandecia a luz, e as trevas recuavam, ven-
Peregrino do amor e da dor, nosso homem continuou pela cidas. Luta apocalíptica entre as forças do bem e as do mal. O
praia, aproximando-se cada vez mais da choupana. Assusta- pobre instrumento humano permanecia mudo, como que tritu-
dos, os homens armados o vigiavam de longe. Mas ele cami- rado em meio ao embate dessas forças.
nhava como uma criança, abaixando-se para apanhar conchi- Assim, a luta atingiu um momento terrível, e o peregrino
nhas na praia, admirando-lhe as belas formas. Depois, extasi- sentiu dentro de si um tipo de estouro, acreditando que a morte
ado, olhava o mar, a floresta, os montes, o céu. Toda aquela houvesse chegado. Viu, confusamente, o Lobo lançar de si as
beleza lhe falava de Deus. Sentia-O tão próximo, que nada armas, e procurou segurar-se a alguma coisa para não cair, mas
mais percebia além d'Ele. instantaneamente se encontrou amparado nos braços dele.
Assim, chegou à cabana. Chamou, mas não houve resposta. Estava cumprido o milagre. O Bem, Deus, o Amor tinham
Aproximou-se e bateu. Ouviu um barulho de ferragens, e logo sido mais fortes e haviam vencido.
apareceu um homem forte, alto, de aspecto feroz. Olharam-se. Os homens da guarda, que tinham visto tudo, correram, lar-
Olharam-se ainda mais, nos olhos. Nos momentos decisivos, de gando também suas armas. O Lobo foi levado em triunfo para a
vida ou morte, o esforço da vida se concentra no silêncio. As aldeia. Todos se abraçaram. Não havia mais medo. Acabara a
coisas mais graves são compreendidas sem palavras. Com o preocupação da luta e da guerra entre os dois, verdadeiro infer-
olhar, eles se mediram e se pesaram. O Lobo em seu instinto de no. O peregrino organizou um novo regime de paz no trabalho.
fera, compreendeu que se achava diante de um homem inerme. E, no amor recíproco, um ajudando o outro, muitas dores desa-
O fato de não se achar diante do antagonista que imaginava de- pareceram. Cristo permaneceu entre aqueles humildes, que ago-
sarmou seu primeiro ímpeto de agressão. O recém-chegado não ra viviam Seu grande mandamento: “Amai-vos uns aos outros
era um inimigo. Quem era então? E que podia querer dele? E como eu vos amei”. Assim, também entre os simples e os po-
quem lhe dera coragem de chegar até lá desarmado? bres, pode formar-se aquilo que simbolizava um primeiro nú-
Assim, o Lobo ficou desarmado pelo inerme. Já se viram fe- cleo da nova civilização do Terceiro Milênio.
ras bravias respeitarem criancinhas inocentes. Muitas vezes, a ◘ ◘ ◘
agressão é um ato de defesa, provocado pela agressão alheia, e, Esta fábula mostra como o amor é capaz de vencer. Mas o
se esta não existe, a outra não estoura. O Lobo disse apenas: problema do “Ama teu próximo” é muito vasto e se apresenta
“Que queres aqui? Quem és?”. também sob outros aspectos. Amar o próximo significa unificar
Silêncio... os ânimos, superando na compreensão recíproca as divergências
Em redor vibrava, partindo de todas as coisas, a grande voz e lutas em todos os campos; significa pacificação. Estudaremos
de Deus. Cantavam as harmonias do criado, pulsava a essência agora dois aspectos da pacificação: um no terreno religioso e ou-
espiritual da vida, a transbordar da forma que a revestia e es- tro no terreno prático da produção e distribuição econômica na
condia. Parecia que a natureza, naquele dia, celebrava uma festa sociedade moderna. Comecemos pelo primeiro aspecto.
e entoava uma sinfonia imensa de infinitas vibrações a se abra- Dissemos, no princípio, que não precisamos de novas reli-
çarem unidas em amor, harmonicamente, musicalmente, tecidas giões, nem de fazer prosélitos em favor de uma condenando as
numa mesma trama de bondade e de paz. O peregrino sentia um outras, criando dessa forma cada vez maiores inimizades, mas
choque em seu coração e estava em êxtase, fora de si. Algo, pa- sim ajudar os homens de todas as religiões a se tornarem bons e
recendo um novo poder, penetrava nele e já cintilava em seu honestos. Desenvolvamos o primeiro conceito. Depois, desen-
olhar, inclinado com um sentido de ilimitada bondade para volveremos a segunda parte deste tema.
aquela pobre alma, repelida por todos, que se tornara tão feroz Infelizmente, as rivalidades no terreno religioso foram, e
talvez porque jamais tivesse recebido bondade e amor. são ainda, sempre grandes, justamente no campo em que, por
Silêncio... estar mais próximo de Deus, deveria ser maior o amor ao pró-
Estavam frente a frente, falando-se em diálogo cerrado, fei- ximo. A finalidade de qualquer religião deveria ser sempre pa-
to de sentimentos opostos e contrastantes, num violento assalto cificar e unificar. Qualquer religião que não trabalhe nesse sen-
de vibrações, através dos olhares. De um lado, o desencadear tido pode ser considerada irreligiosa, realmente contrária à reli-
das forças elementares da vida no primitivo, egocêntrico e pre- gião. Mas, infelizmente, elas operaram no sentido exclusivista
potente, dominador no caos, ignaro de Deus e rebelde a qual- de grupo, centralizador e imperialista, com espírito de expansi-
quer ordem e harmonia. Do outro lado, o poder da ordem, a que onismo dominador e proselitismo. Essa é a natureza do homem
obedecem todos os elementos, coordenando-se fraternalmente em sua fase atual de evolução, e ele não sabe comportar-se de
em harmonia, no conhecimento da Lei e no amor de Deus. Es- outra forma, seja qual for o campo. A compreensão recíproca e
tavam frente a frente, o Lobo e o peregrino, empenhados numa a colaboração na organicidade da coletividade social ainda são
luta desesperada para vencer. A ferocidade ávida e agressiva de para ele conceitos inatingíveis. Ele ainda é guiado pelo instinto
um lado, a bondade generosa e pacífica do outro. Enfrentavam- gregário, pelo qual ele apenas sabe fazer alianças de grupo, for-
se dois tipos biológicos diferentes, dois exemplares diferentes tificando-se nelas para condenar e procurar eliminar todos os
da vida, que personificavam as forças do bem e do mal, do outros grupos que não sejam o próprio. A humanidade vive, em
amor e do ódio, de Deus e de Satanás. O anjo e a fera estavam todos os campos, mesmo no religioso, em regime de lutas, e
frente a frente, sozinhos, diante de Deus. Quem venceria? qualquer ordem só é concebível como resultado de uma disci-
Silêncio... plina imposta por alguém mais forte e, por isso, pelo vencedor.
Mas nesse silêncio reboava a voz de Deus, lampejava Cris- Por isso, em todas as religiões, encontramos as mesmas quali-
to. Acima das forças do mal, moviam-se as falanges do bem. dades, próprias do homem: absolutismo, dogmatismo, farisaís-
A grande sinfonia que a natureza entoava transparecia nos mo, proselitismo, imperialismo etc. É a natureza egocêntrica do
planos de vida mais elevados, onde, atingida a harmonização, ser humano que o leva a ser assim em todas as suas manifesta-
46 A LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
ções, fazendo-o conceber também as religiões como uma po- tece com todas as coisas. Mas isto não significa destruição. Re-
tência que cresce por centralização e por expansionismo centra- novando-se, a vida não se destrói, mas rejuvenesce. Não há dú-
lizador. É por isso que os diferentes pontos de vista das nossas vida que o patrimônio das verdades adquiridas deve ser conser-
verdades relativas e progressivas são tomados como verdades vado, e cada religião tem de conservar o seu. Mas, para isso,
absolutas, mesmo nas religiões que, em suas palavras, dizem o também deve respeitar o patrimônio que as outras religiões têm
contrário. Este é o estado de fato. de conservar. É preciso não sufocar o desenvolvimento e o aper-
A tese que sustentei desde 1951, em minha primeira chega- feiçoamento dessas verdades, evitando que venham, por excesso
da ao Brasil, e que já havia sustentado na Europa, foi de “im- de zelo, a cristalizar-se e morrer de velhice.
parcialidade e universalidade”. Permaneci a ela igualmente fiel, Na economia das religiões, também são necessários os pio-
diante desta ou daquela religião. Mas todas mostraram a mesma neiros, que, condenados pelos ortodoxos, assumem a dura tare-
vontade de enclausurar-me e fechar-me em seu próprio grupo, fa de fazê-las avançar. Tarefa que eles têm de realizar correndo
impondo-me uma verdade já feita, que exclui qualquer pesquisa risco e perigo, enquanto os demais podem repousar seguros e
e condena toda tentativa de progresso e aperfeiçoamento. Mas tranquilos nas posições conquistadas. Não é a estes, sem dúvi-
nem todos podem apenas aceitar e dormir, somente para forne- da, que a vida confia as funções de fazer progredir. Dentre os
cer material a fim de engrossar suas fileiras. Não há dúvida que pioneiros, Cristo foi o maior exemplo. Foi Ele o primeiro re-
todas as igrejas querem ser universais, mas apenas no sentido belde à ortodoxia do passado, o inovador que tinha de levar o
imperialista; todas querem unificar, mas somente debaixo do Velho ao Novo Testamento, não o destruindo, mas sim conti-
próprio domínio. Não foi nesse sentido que compreendi a uni- nuando-o, aperfeiçoando-o e desenvolvendo-o em formas mais
versalidade. Não a entendi no sentido de um partido religioso adaptadas ao amadurecimento do homem. Sem Cristo, julgado
que, expandindo-se, conquista tudo. blasfemo pelas autoridades, estaríamos ainda nas velhas con-
Ao contrário, deve-se entender universalidade no sentido de cepções mosaicas. Nesses amadurecimentos, deve sempre ser
imparcialidade, para chegar, não à submissão, mas à convivên- travada a luta entre o velho e o novo, entre os conservadores e
cia livre, fruto da compreensão. E a compreensão é mais do que os inovadores, entre os ortodoxos e os declarados hereges.
tolerância, pois esta apenas tolera, dignando-se a permitir, o que Cristo, diante da religião hebraica, foi o maior herege e, por is-
subentende sempre a própria supremacia. Compreensão signifi- so, foi condenado à morte.
ca recíproca integração dos vários aspectos do relativo humano, Na evolução religiosa acontece a mesma coisa que se verifi-
para poderem assim, unidos, aproximar-se cada vez mais do ab- ca na evolução política. Os poderes constituídos resistem ao no-
soluto. É uma confraternização dos fiéis de todas as religiões di- vo, para não perder as posições conquistadas. Isto até que uma
ante do mesmo Deus, igualmente adorado por elas. A identidade revolução, lançando ideias mais avançadas, sobrevenha e, ven-
da meta para a qual todas convergem deveria uni-las, ao invés cendo, fixe-as depois em novas instituições, defendidas por ou-
de dividi-las. Ora, esse espírito de divisionismo e de exclusivis- tros poderes constituídos. Assim tudo caminha, mas por meio do
mo, bem como a luta que daí deriva, representam os instintos contraste e da luta. De acordo com o exemplo de Cristo, pode-
próprios de um plano biológico atrasado, que o progresso espiri- mos de fato acreditar que, aos cristãos não-ortodoxos, natural-
tual do mundo se apressará em liquidar. Também no terreno re- mente sempre condenados, possa ter sido confiada, em alguns
ligioso, a evolução dirigir-se-á cada vez mais para a unificação, casos, a mesma missão que Cristo teve diante do judaísmo, ou
dado que esta é sua direção. Trata-se de uma maturação biológi- seja, forçar o cristianismo a dar um salto adiante, sem o que
ca que penetrará todos os campos, inclusive o religioso, porque aquela religião teria permanecido fechada nas velhas fórmulas,
é um amadurecimento do ânimo humano. Partindo do atual sis- impedida de ulterior evolução. Logicamente, também podemos
tema de atritos entre egocentrismos que não se conhecem um ao acreditar que, para um novo cristianismo amanhã, porém verda-
outro, chegar-se-á à cooperação dos indivíduos, transformados deiro e espiritual, trabalhem e produzam mais aqueles pioneiros
em unidade orgânica na sociedade humana. Este deslocamento condenados do que os conservadores e ortodoxos perfeitos. E
fundamental a um novo plano evolutivo levará a uma transfor- quem sabe, talvez Deus tenha confiado justamente a esses pio-
mação também no modo de compreender as religiões. Como re- neiros a dura e perigosa tarefa de realizar esse progresso, de
ação natural ao atual rebaixamento da onda histórica, expresso modo que o próprio catolicismo, quando os tempos estiverem
pelo materialismo que domina hoje o mundo, chegar-se-á, por maduros e uma reforma for indispensável, encontre um plano já
meio de uma reação complementar e inevitável, ao despertar es- pronto, não improvisado, oferecendo uma doutrina mais evoluí-
piritual. Isto forçará o homem a sentir sempre mais, nas religi- da, capaz de levá-lo a espiritualizar-se e tornar-se, junto com as
ões, a sua substância espiritual, dando cada vez menos impor- outras religiões afins, no verdadeiro cristianismo, constituindo
tância às formas exteriores, que hoje têm valor maior. Perten- aquela religião de substância concebida pelo Cristo, à qual ainda
cendo à matéria, elas representam o que divide, ao passo que sua não chegamos. Ele disse: “Amai-vos uns aos outros”, e não
substância, sendo espiritual, representa o que une. “condenai-vos uns aos outros em meu nome”.
Será o fenômeno biológico dessa espiritualização de todo o Esta fusão de ânimos no terreno religioso é um dos maiores
ser humano, levando-o a subir das aparências à essência interior aspectos daquele amor evangélico, que é a síntese dos ensina-
das religiões, que lhe fará compreender a substancial unidade mentos de Cristo.
entre elas. E o ser humano compreenderá como é absurdo, ou ◘ ◘ ◘
coisa pior, litigar, condenar e até perseguir em nome de Deus, Mas o amor ao próximo assume também outros aspectos.
do mesmo Deus. O passado é naturalmente separatista. Mas o Trata-se de superar, na compreensão recíproca, as divergên-
futuro só pode trazer unificação. cias e as lutas, mesmo em outros campos. Estudamos o pro-
Hoje, ao invés, o que acontece? O dogmatismo não é quali- blema da pacificação no terreno religioso. Estudemo-lo agora
dade de uma determinada religião, mas sim do homem, e pode no terreno prático da produção e distribuição econômica de
aparecer em todas as religiões, quando apareça nelas um indiví- nossa sociedade. Dissemos, pouco atrás, que o mais impor-
duo que seja levado ao absolutismo por seu temperamento. O tante é “tornarem-se bons e honestos os homens de todas as
maior erro é considerar erro tudo o que está fora do grupo; a religiões”. Desenvolvemos a primeira metade do tema e, ago-
maior heresia é considerar heréticos todos os que pensam dife- ra, desenvolveremos a outra.
rente; o maior pecado é não respeitar as consciências alheias. A Sejamos práticos e positivos. Todos, teoricamente, desejari-
verdade é uma coisa em contínua evolução e não pode deter-se am ser bons e honestos. Mas os homens de todas as religiões
no caminho As verdades envelhecem e renovam-se, como acon- querem, antes de tudo, viver e que vivam também suas esposas
Pietro Ubaldi A LEI DE DEUS 47
e seus filhos. É por isso que lutam e, se não são bons e hones- giões se amoldam. E, assim, o Evangelho pode ser transforma-
tos, é porque, para viver, eles se põem a escorchar o próximo. do em mentira. Trata-se de mudar a natureza humana, introdu-
Quanto mais a família é sadia e compacta, mais ela representa zindo nela uma persistente correção do passado, através de ati-
um castelo bem defendido contra todos. Quanto mais o chefe é vidades opostas. Com a repetição destes atos, até o surgimento
forte e hábil, melhor ele sabe cumprir o dever de defender sua de hábitos, através dos automatismos, tal como se domesticam
esposa e filhos e mais essa família é um carro armado para as- animais, nascerão novos instintos em lugar dos velhos. Mas a
salto e defesa contra as outras famílias, como cada nação o é dureza da vida, imposta pela luta, e as necessidades materiais
contra as outras nações. Ora, é evidente que, neste mundo, a não cessam. O assalto da defesa e do ataque está sempre pronto
máxima evangélica do “ama a teu próximo” é totalmente utópi- para reduzir a pó a máxima evangélica do “ama a teu próximo”.
ca. Isto fica demonstrado pelo fato de que ninguém, ou quase É verdade que ela pertence ao futuro. Por isso, em nosso mun-
ninguém, a aplica completamente Reduz-se ela, assim, a um do, ainda aparece como um absurdo, como algo impraticável.
desejo piedoso, a uma afirmação teórica, a um sentimentalismo O Evangelho seria belo, se fosse praticado por todos, por-
mais ou menos hipócrita. Mas, então, por que Cristo quis fazer que então a reciprocidade do sacrifício pelo próximo torná-lo-
e transmitir essa afirmação? Seria Ele, talvez, um sonhador que ia compensado. Mas, onde não existem essa reciprocidade e
não conhecia as condições reais e as exigências de nossa vida? essa compensação, o cordeiro, que é o único a amar no meio
Não. Cristo não se colocava fora da realidade da vida, ig- de um bando de lobos, acaba sendo simplesmente despedaça-
norando suas leis e pedindo o impossível. Se estas são inega- do e eliminado. Sem dúvida, aquele que, sozinho, for o pri-
velmente as condições atuais do homem, ainda imerso no pla- meiro a viver, num mundo como este, cem por cento o Evan-
no biológico animal, esse mandamento exprime a lei de um gelho, não pode deixar de ser um mártir. Por isso o homem
plano biológico mais alto, que o homem terá de atingir, come- começa a vivê-lo em porcentagens mínimas, mas, assim mes-
çando a praticá-lo para, dessa maneira, aprender uma nova mo, elas já penetram e se enxertam em sua natureza inferior,
norma de vida e preparar-se, desde agora, para entrar naquele conseguindo modificá-la um pouco. O progresso é uma con-
plano. As leis da vida mudam relativamente ao grau de evolu- quista laboriosa e só pode realizar-se por etapas. O Evangelho
ção que se atingiu. A lei feroz da luta pela seleção do mais é uma inversão tão grande da bestialidade humana, que, se a
forte é a lei de nosso plano animal. Nele, os seres, não se co- ela fosse aplicado integralmente, de uma só vez, destrui-la-ia
nhecendo uns aos outros, encontram-se num estado caótico, e, com isso, destruiria a única forma de vida que o ser inferior
no qual o indivíduo está sozinho com suas forças, contra to- possui. É necessário, primeiro, fazer esse tipo biológico evo-
dos. É lógico que a natureza, nesse nível, premie o mais forte. luir, ensinando-o a viver num plano mais alto, de modo que,
Neste mundo ainda não nasceu o novo homem civilizado do no Evangelho, ele não só continue a viver, mas também en-
futuro, o ser orgânico das futuras grandes unidades coletivas. contre uma forma de vida melhor e mais vantajosa.
Esse novo homem colabora com o próximo em suas ativida- A vida quer durar de qualquer maneira e rebela-se contra
des; ao invés de colidir com ele, coordena-se; ao invés de ten- quem a queira sufocar. Jamais se deve sufocar a vida. Ora, é
der a destruí-lo na luta, soma-se a ele para o bem de todos, mister compreender que o Evangelho não é contra a vida. Ele é
com grande vantagem para o bem de cada um. apenas contra a bestialidade que domina a vida, cujo desenvol-
O atual e egoístico esmagamento recíproco, derivado da vimento ele não atrapalha, mas encoraja a levá-la a um plano
forma mental atrasada do homem, seria considerado, numa so- evolutivo mais alto. Trata-se de ser mais inteligente, a fim de
ciedade mais evoluída e menos ignorante das leis da vida, uma compreender a enorme vantagem, para todos, de viver segundo
estupidez, porque é antiprodutivo e antiutilitário para todos, in- o Evangelho. Observei, certa vez, alguns passarinhos prisionei-
clusive para o indivíduo. Ainda estamos longe de uma verda- ros numa gaiola. Evidentemente todos sofriam. Mas, ao invés de
deira civilização inteligente. A selvageria ainda prevalece em procurar juntos um caminho para a fuga, que teria sido fácil, se
nossa humanidade, sobrevivendo como fruto do passado besti- eles o tivessem compreendido, viviam a bicar-se uns aos outros.
al, no instinto e até no gosto de matar. Os jornais, o cinema, a Assim, para vencer uma pequena partida um contra o outro, per-
televisão, os romances populares estão cheios de histórias de diam a partida maior, que ganhariam se todos se unissem. É as-
delitos que o público lê e vê com alegria, ao invés de olhá-los sim que o homem age. Tal como aqueles pássaros, ele sabe fazer
com horror. Isso revela uma forma mental confusa, que, não apenas o que lhe dizem os instintos e assim, por falta de inteli-
podendo satisfazer-se na prática, por medo do código penal, gência, acreditando vencer a partida, para ganhar a menor, perde
busca aliviar-se na imaginação. Essa presença de gostos ferozes a maior. O defeito todo reside no fato de que o homem, usando o
explica-se como uma sobrevivência do passado, quando, na ri- raciocínio do indivíduo isolado, não vai além dele, pois não sabe
validade da luta pela vida, o extermínio de quem estava fora do servir-se do raciocínio do homem orgânico, que vive em função
próprio grupo representava sinal de vitória e, portanto, de bem- da coletividade. Assim, os homens, lançando a culpa uns nos ou-
estar. É por isso que, para os mais involuídos, a ideia da des- tros, permanecem todos fechados na gaiola da própria ignorân-
truição do próximo está ligada à ideia da alegria de viver. Eles cia e sofrem igualmente essa prisão. Cada um sempre espera
se encontram no polo oposto do Evangelho, que busca inverter bondade e virtude do outro, e não de si mesmo; sempre começa
completamente as posições. Se fosse compreendida quão gran- pelos próprios direitos, e não pelos próprios deveres. “Sim,
de revolução biológica o Evangelho quer operar, não nos mara- amemo-nos uns aos outros”, dizem; “mas, se eu for bom, os ou-
vilharíamos ao verificar que, em dois mil anos, apenas muito tros se aproveitam disso; se me torno cordeiro entre os lobos,
pouco se fez como realização sua na vida do homem. eles me despedaçam. Então, tenho cada vez mais interesse em
É bem difícil a tarefa e bem árduo o trabalho que o Evange- ser lobo, para despedaçar até mesmo os lobos”. Todos procuram
lho tem de levar a termo, para transformar esse tipo biológico e agir desta forma, e o nó da ferocidade, da luta e do contínuo pe-
transportar essa animalidade feroz e egoísta até ao extremo rigo cada vez mais se aperta em redor do pescoço de todos. E a
oposto, constituído pelo “ama a teu próximo”. Há dois mil anos humanidade, por isso, permanece imersa num pântano de atribu-
que se prega, procurando-se fixar com a repetição, no cérebro lações. Bastaria querer sair daí, pois o monte está bem próximo
humano, essa nova ordem de ideias. Mas justamente a realidade e todos podem subi-lo. Mas é preciso fazer o esforço de galgá-
que se procura modificar é diferente. O passado resiste ou res- lo, e isso ninguém quer fazer, porque viver o Evangelho é um
surge a cada passo. Desse contraste entre os dois princípios di- árduo sacrifício para o atual tipo biológico, que pertence a ou-
versos, que buscam conquistar o campo das atividades huma- tros planos de evolução. E o homem não quer fazer o esforço de
nas, nascem as acomodações e as hipocrisias nas quais as reli- evolver. Mas deverá realizá-lo, porque esta é a razão pela qual
48 A LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
ele vive. O Evangelho é a lei do futuro, e é fatal que a humani- tampouco se satisfaz com guerras e revoluções, que não criam
dade tenha de atingi-lo um dia. meios. Para elevar o nível econômico, o meio positivo é o tra-
Como se vê, o problema do “ama a teu próximo”, se for balho, que produz maiores frutos. Com uma distribuição dife-
concebido, como muitas vezes se faz, só como um ato de sen- rente, da pouca riqueza total existente, poderão alguns melho-
timentalismo, permanece fora da realidade. Ele faz parte da rar, mas, no conjunto, o nível de vida geral permanece baixo.
evolução. O progresso é um fenômeno complexo, que requer, Então uma sociedade na qual todos, pelo fato de trabalharem e
para realizar-se, o amadurecimento de muitos elementos dife- produzirem, são mais ricos, ainda que assim a riqueza não seja
rentes: psicológicos, econômicos, científicos, sociais. Aquela distribuída com toda a justiça, será melhor do que uma socieda-
máxima evangélica envolve nela outros problemas, inclusive de de em que a riqueza é distribuída com justiça, mas todos são
natureza prática. O fato de cada um permanecer apegado ao pobres, porque ninguém trabalha nem produz.
próprio egoísmo, constrange os outros a também permanecerem No terreno prático, o “ama a teu próximo” é um problema
apegados a si mesmos. Forma-se, assim, uma culpabilidade e de distribuição equânime de direitos e deveres. Dado que, do
responsabilidade coletivas, que arrastam todos ao mesmo bára- nada, nada pode nascer, é evidente que, para poder alegar di-
tro de atribulações. O trabalho para se chegar a viver o Evange- reitos contra o organismo coletivo, é necessário realizar em fa-
lho é árduo e complexo. Mas é verdade também que, ao lado de vor dele todos os deveres próprios. Para receber, é preciso dar.
todos os outros instintos, o homem também tem o instinto do Sem dúvida, o instinto do primitivo é tomar sem dar, e é nisso
progresso, que visa a melhorar suas condições. Além disso, es- que ele ainda faz consistir a sua sabedoria. Tal procedimento
tão ai seus atuais sofrimentos, e nada há como o sofrimento pa- pode ser utilitário e produtivo num regime de caos, em que o
ra despertar a inteligência. Dessa forma, o homem poderá co- indivíduo está sozinho num ambiente hostil. Esse sistema, to-
meçar a compreender como dirigir seu insaciável desejo de su- davia, torna-se antiutilitário e contraproducente num regime de
bir e, assim, subir inteligentemente, na direção indicada pelo ordem, em que o indivíduo necessita de completar-se com to-
Evangelho. Também já estão em curso e cada vez mais se reali- dos os outros, cada um se especializando em uma função dife-
zando as soluções para muitos outros problemas paralelos, co- rente para compor uma sociedade orgânica. Nessa sociedade, o
mo a justa distribuição da riqueza e a elevação do nível de vida indivíduo que busca vencer, subjugando com a luta, não en-
por meio do progresso científico. Tudo concorre, inclusive a so- contra mais lugar. Nela, o homem atual seria eliminado. Em
lução de muitos problemas do conhecimento, até agora conside- um organismo assim, a honestidade de todos é a primeira con-
rados insolúveis, para melhorar as condições de vida, amansan- dição da vantagem e do bem-estar de todos. Então o trabalho
do a ferocidade, suavizando a aspereza e abrindo as mentes e os deve criar um produto genuíno, e o mercado deve oferecer uma
corações, para uma melhor compreensão recíproca. mercadoria não falsificada, pois de outra forma o dinheiro só
Realizar-se-á assim, por etapas, a grande transformação. poderia comprar enganos e perderia seu valor para todos.
Assim como a escravidão foi abolida, também será abolida a Quem rouba o próximo, nada dando em troca do valor que
miséria, mediante providências sociais estatais. Desse modo, apanha, rouba a sociedade humana de que faz parte e, assim,
assim como cada indivíduo, pelo nascimento, tem direito à li- acaba roubando também a si mesmo. Um sistema como este
berdade, também terá direito àquele mínimo que lhe é indispen- desvaloriza o poder aquisitivo da moeda e leva as nações à fa-
sável para viver, embora mesclado com o dever do trabalho. lência, arruinando os povos. Numa sociedade assim, os finó-
Serão inauguradas novas formas de vida social, e o indivíduo, rios, que acreditam ter vencido, enganando o próximo, acharão
no seio de novos sistemas, poderá amadurecer melhor. A vida um exército de outros finórios como eles, e a vida se tornará
opera suas transformações biológicas por etapas. O interesse para todos uma peleja feroz, até que todos, enganadores e en-
coletivo disciplinará cada vez mais o desordenado interesse in- ganados, caiam na mesma ruína. Mas o homem atual está tão
dividual. O mais vasto egoísmo da unidade coletiva circunscre- alucinado com a sua exclusiva vantagem imediata, que não
verá e reabsorverá sempre mais em si o limitado egoísmo indi- compreende o absurdo de considerar a si mesmo como a única
vidual. O poderio e as vantagens da organização social vence- vítima. Assim sendo, estes tantos impulsos iguais, todos soma-
rão a anarquia do indivíduo rebelde. Isto, por etapas, até que se- dos no mesmo sentido, não podem deixar de levar todos ao
ja eliminado o elemento egoísta absoluto, para o qual a justa mesmo desastre. O mal reside na ignorância absoluta das leis
medida do dar e do receber é “tudo para si e nada para os ou- da vida e no fato de se pensar que elas podem ser violadas im-
tros”. Ao longo dessa estrada de subida, o homem poderá ir punemente. A conclusão, então, é que, para fazer o homem
constatando os benefícios da disciplina, porque a ordem, à qual compreender como ele deve comportar-se, são necessários os
ele deve esforçar-se por obedecer, volta a ele depois, como re- sofrimentos buscados por ele mesmo. E estes são até poucos
ciprocidade da parte dos outros, com vantagem para si. Dessa diante daquilo que ele provoca e merece.
forma, ele verá quão melhor é viver, mesmo como indivíduo, “Ama a teu próximo” será o conceito basilar das sociedades
num regime de ordem do que num regime de caos. Na floresta, futuras mais evoluídas. Nestas, a riqueza será uma função soci-
o homem poderia gozar de modo absoluto aquela liberdade que al nas mãos dos dirigentes, para o bem de todos, e não um meio
tanto lhe agrada. Mas ele prefere viver na cidade, onde normas de vantagem exclusiva e egoística. Nesse novo mundo, o poder
numerosas limitam aquela liberdade. Isso porque a liberdade da político ou governo será uma missão a desempenhar, com a ta-
floresta inclui lutas e perigos que desaparecem nas cidades, on- refa de guiar os povos para o bem e o progresso deles, e não o
de lhe são ofertadas outras utilidades, antes desconhecidas. fruto da feroz luta contra os rivais para conquistar uma posição
O impulso que mais recrudesce a luta e, assim, mais nos de domínio, apenas no próprio benefício egoísta. Nossa socie-
mantém afastados do amor evangélico, é o assalto das necessi- dade está nos antípodas do “ama a teu próximo”. Vive-se hoje
dades materiais. É verdade que não basta havê-las satisfeito o princípio oposto: “esmaga teu próximo, antes que teu próxi-
com o bem-estar para que o homem se torne espiritualizado. mo te esmague”. Nossa evolução emerge do caos, que é o nosso
Mas também é verdade que não se pode falar de coisas espiritu- passado, mas caminha para a ordem e a harmonia. Em nosso
ais a um faminto, nem dizer que é preciso sacrificar-se pelos planeta e dentro de nós existem todos os recursos para fazer da
outros a quem precisa de tudo. O problema do amor evangélico Terra um jardim, e de nós, anjos. Deus nos deu todos os meios,
é, portanto, também um problema econômico. O amor é bem mas o esforço de procurá-los, desenvolvê-los e utilizá-los com
difícil entre famintos, que precisam lutar para obter o próprio conhecimento, deve ser nosso. O desenvolvimento da sensibili-
alimento. O homem quer a satisfação concreta de suas necessi- dade e da inteligência nos levarão a compreender não só a tre-
dades e não se satisfaz com sentimentalismos teóricos. Mas menda estupidez da fraude, da exploração e da violência das
Pietro Ubaldi A LEI DE DEUS 49
guerras e das revoluções, mas também a grande importância da Não nos esqueçamos de que não estamos sós. Quem se en-
honestidade, da paz e da colaboração. A evolução consiste, so- caminha por essa estrada não pode deixar de ter o auxilio de
bretudo, na reorganização do caos. A passagem para a fase do Deus. Ele ajuda a todos nos esforços de realização da Sua lei.
“ama a teu próximo” faz parte dessa reorganização. Reorgani- Deus dirige o grande caminho da evolução, através do qual atrai
zação do caos do ambiente externo de nosso planeta e também todos os seres a Si. Deus dirige a história e o desenvolvimento
de nosso mundo interior, ainda tomado pelos instintos elemen- do progresso humano, direcionando-o para novos tipos de civili-
tares e pelas trevas da ignorância. zação, em que o espírito dominará. Os homens de boa vontade
Eis a diagnose do mal e o remédio para curá-lo. Procure- serão arrastados pela torrente da onda histórica, que lhes valori-
mos, todos nós, introduzir em nossa vida a maior dose percen- zará o esforço, fazendo-os alcançar resultados inesperados.
tual do Evangelho que possamos suportar. Aplicá-lo todo, cem Não nos espantemos pelo fato de nos acharmos agora no
por cento, imediatamente, requer a força dos santos. Mas co- fundo da descida da onda da evolução, em pleno período involu-
mecemos por etapas, procurando aumentar as doses à propor- tivo, expresso pelo materialismo. Quem conhece a estrutura do
ção que aumentarem nossas forças. Será grande o esforço, mas, fenômeno sabe que a descida é o prelúdio do progresso na dire-
certamente, podemos fazê-lo, se tivermos consciência da nossa ção do alto e que, brevemente, no inicio do novo milênio, uma
participação na grandiosa obra de regeneração da sociedade reação fecunda e construtiva de renovação espiritual nos espera.
humana, para fazê-la evoluir da animalidade à verdadeira civi- Seu resultado será o nascimento do novo tipo de civilização, a
lização. Seremos os pioneiros dos grandes continentes inexplo- nova civilização do Terceiro Milênio, em que o espírito triunfará
rados do espírito. Espalhemos a cada momento, em redor de e a matéria será sua escrava. Nessa civilização, o Evangelho não
nós, atos de sinceridade e de bondade. As vibrações de cada será apenas pregado, mas também vivido, inclusive pelas insti-
movimento jamais se perdem, alcançando distâncias inimagi- tuições sociais. É, pois, a própria natureza do presente momento
náveis, e, com o tempo, voltarão para nós em forma de bênção histórico que, como nunca, torna atual a aplicação do manda-
ou de malefício próprio. “Quem faz o bem o faz a si mesmo, e mento de amor evangélico, porque rapidamente se avizinha o
quem faz o mal a si mesmo o faz”. Comecemos tendo a boa dia em que se tornará realidade a palavra lançada por Cristo co-
vontade de fazer o esforço. Não procuremos justificar nossa mo Sua maior recordação e seu maior ensinamento
preguiça, dizendo que essa subida é muito difícil, nem escapar
às nossas responsabilidades, jogando a culpa sobre os outros. "AMAI-VOS UNS AOS OUTROS
Principiemos cultivando nossas virtudes, e não as exigindo do COMO EU VOS AMEI".
próximo. Ao invés de importuná-lo, salientando-lhe os defeitos,
procuremos amá-lo. E não lhe peçamos que faça os sacrifícios e FIM
esforços que achamos árduos demais para nós.
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 51
aplicações práticas daquelas teorias, para ver se a realidade dos
QUEDA E SALVAÇÃO fatos corresponde aos princípios gerais nelas afirmados. Assim,
tudo vai sendo controlado racionalmente. E fazer isso é um de-
ver. Quem prega uma teoria aos outros é ele mesmo o maior
PREFÁCIO responsável pelas afirmações feitas, porque deve possuir a certe-
za e a garantia da verdade pregada. Quem ensina não pode sim-
Este livro foi iniciado no inverno de 1959. Em julho desse plesmente acreditar cegamente nas teorias que afirma aos outros,
ano, fui convidado a proferir uma conferência em São Paulo e mas deve controlar cada passo, para certificar-se que não está
logo comecei a tomar notas, mas elas foram rapidamente au- sustentando fantasias, e sim verdades. Ele tem de conhecer e
mentando, até que compreendi tratar-se da recepção de um no- oferecer as provas concretas, submetendo tudo ao teste da expe-
vo volume, que agora estamos aqui apresentando. Era de fato rimentação. Deve observar as consequências das teorias, entrar
um caudal de ideias novas que estava chegando. Outra coisa nos seus pormenores e comparar seus resultados com a realidade
não restava senão apressar-me em registrar tudo por escrito, an- dos fatos, estando sempre pronto a repudiar o que não resiste a
tes que elas desaparecessem. Assim, de um trabalho febril, exe- esse exame, aceitando qualquer objeção e resolvendo toda difi-
cutado quase todo durante a noite, nasceu este livro. culdade, para que tudo se torne claro, lógico e demonstrável.
Eu havia sido pego desprevenido pela inspiração. Ao invés Chegando hoje a este ponto, podemos compreender a lógica
de uma palestra, o resultado foi um livro. Sem ter planejado na- do desenvolvimento do pensamento que nos conduziu até este
da de antemão, nasceu um trabalho ordenado, segundo um plano volume, Queda e Salvação.
lógico e unitário. A primeira ideia que surgiu em minha mente O Sistema havia completado a visão de A Grande Síntese e
foi a visão sintética do esquema da figura apresentada neste li- Deus e Universo. Os choques, porém, dos primeiros anos bra-
vro, na sua forma mais simples, constituída pelo eixo central XY sileiros chamaram a minha atenção para o mundo terreno da
e os dois triângulos invertidos, um positivo (vermelho) e o outro realidade biológica. Eis então que tive de olhar de outro ângu-
negativo (verde). No entanto, à medida que observava essa vi- lo, não mais voltado para o céu, e sim para a Terra. Depois de
são, ela ia cada vez mais se enriquecendo de pormenores, apre- ter estudado e resolvido o problema da criação e das primeiras
sentando sempre novos problemas, que exigiam soluções, as origens, foi necessário estudar e resolver o problema da sobre-
quais chegavam assim que a minha curiosidade de saber formu- vivência do homem evangélico no inferno terrestre, do evoluí-
lava novas perguntas. Parecia que eu estava seguindo uma lógi- do em contato com as ferozes leis da animalidade humana. Es-
ca preexistente, ao longo de um caminho já traçado. Não me res- sa foi a origem de onde nasceram os dois livros: A Grande Ba-
tava outra alternativa senão admitir que se tratava de uma ver- talha e Evolução e Evangelho. Tudo isto nos levou então ao
dade completamente pronta, antes mesmo de eu conhecê-la, a problema da conduta humana em geral, surgindo assim a ne-
qual ia, pouco a pouco, apenas descobrindo-se aos meus olhos. cessidade de resolvê-lo. Após o desenvolvimento realizado nos
Mais exatamente, a técnica receptiva deste volume, regis- livros: Deus e Universo e O Sistema, o assunto tratado foi
trado em português, foi composta de três fases: 1 a) Uma rápida sempre mais se ampliando nos seus aspectos humanos, de na-
compilação por escrito, à mão, registrando em suas linhas ge- tureza terrena e prática. Nasceram, assim, mais dois livros, A
rais o conjunto de toda a concepção, com uma visão sintética Lei de Deus e Queda e Salvação. Eles representam dois graus
do esquema geral do trabalho; 2 a) Nova leitura do texto inicial, diferentes de aproximação do problema da conduta humana ou
observando atentamente a visão nos seus pormenores, contro- da ética. No primeiro, o assunto foi tratado de modo geral,
lando a exatidão da primeira percepção e ampliando-a agora acessível, prático, mais próximo à compreensão do homem
em todos os seus aspectos; 3a) Transcrição à máquina deste se- comum e de sua vida de cada dia, porque esta era a forma mais
gundo rascunho, onde se realizou, com a segunda leitura, a adaptada para palestras na rádio. No segundo, o mesmo assun-
tradução da visão em palavras, cuidando-se da língua, melho- to foi ampliado e aprofundado em relação a outros pontos de
rando-se a forma e focalizando-se com mais exatidão cada ex- referência, não mais em função das necessidades e vantagens
pressão particular, para controlar e ter certeza que a palavra imediatas da vida humana atual, mas em função dos princípios
correspondesse à visão. Assim, o trabalho se desenvolveu indo universais fundamentais e da salvação do ser no plano geral da
do geral para o particular, do conjunto para os pormenores, criação. O presente volume, Queda e Salvação, pode ser assim
primeiro em forma de síntese e depois de análise. Para me considerado como uma ampliação do outro, A Lei de Deus, tra-
apoderar completamente da visão e dominá-la em todos os tando ambos do mesmo assunto, mas em formas diferentes,
seus aspectos, tive de me aproximar progressivamente dela, como já foi mencionado anteriormente.
através de três degraus sucessivos de observação: 1 o) Uma lei- Eis o fio que liga, de um polo ao outro do conhecimento,
tura panorâmica, de longe, poder-se-ia dizer telescópica. 2o) estes livros num único desenvolvimento lógico, segundo um
Uma leitura comum, mais de perto, a uma distância normal, pensamento unitário, que vai sempre continuando e se reno-
poder-se-ia dizer a olho nu. 3 o) Uma leitura minuciosa, a cur- vando. Podemos assim compreender qual foi o caminho que
tíssima distância, poder-se-ia dizer microscópica. nos levou até Queda e Salvação. Neste volume, não se trata
Assim nasceu este volume, como consequência das teorias mais, como no precedente, A Lei de Deus, de considerações a
expostas em A Grande Síntese, Deus e Universo e O Sistema. respeito da conduta humana, mas sim da construção de uma
Cada um deles, como também o presente, é a continuação lógica verdadeira “ética racional”, que, em vez de ser fruto dos im-
do precedente. Quando acabo de escrever um livro, tenho a im- pulsos do subconsciente da maioria e das interpretações das
pressão de ter esgotado todo o assunto, havendo dito a última vagas afirmações das revelações religiosas, é o resultado posi-
palavra a seu respeito. Mas, depois, apercebo-me que tudo vai tivo de uma lógica científica e, por isso, tem valor real e uni-
continuando e que aquela última palavra é só a primeira de um versal, constituindo um produto das leis da vida, verdadeiras
novo livro. Quando chegar ao fim deste volume, também terei a para todos, independente do tempo, da raça e da religião de
impressão de ter esvaziado o depósito do meu conhecimento a cada um. O escopo da presente obra é formular e afirmar esta
respeito do tema tratado, entretanto verificarei, depois, que o nova ética, como uma norma de conduta mais inteligente e
ponto atingido, mesmo parecendo ser de chegada, é de fato o adiantada para os evoluídos de amanhã.
ponto de partida do volume seguinte. E assim por diante. Na ló- Infelizmente, a ética atual, na sua tentativa de disciplinar os
gica do pensamento que fui registrando naqueles livros, o pre- baixos instintos da cobiça, do sexo e da luta para vencer, repre-
sente trabalho representa a fase do controle experimental e das senta mais um desabafo dos impulsos primordiais da vida do que
52 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
que uma regra para o indivíduo se coordenar em função de fina- ra formar um castelo de conceitos e teorias abstratas fora da
lidades superiores no seio de uma unidade orgânica, futuro es- realidade, mas sim de uma visão positiva, aderente aos fatos
tado da humanidade. Neste livro, nós, apelando ao sentido prá- e cientificamente controlável, que abrange todos os aspectos
tico que todos possuem e a um cálculo utilitário compreendido da existência e dá respostas às perguntas mais relevantes para
por todos, queremos demonstrar quanto seria mais vantajoso a vida, podendo-se dizer que ele resolve o problema do co-
praticar uma regra de vida mais civilizada, menos primitiva e nhecimento, dando-nos, pelo menos nas suas linhas gerais,
feroz. Com isto, buscamos possibilitar, em paralelo ao mundo uma orientação definitiva. A filosofia deveria responder a es-
atual, que se tornou mais poderoso pela ciência, o surgimento tas perguntas fundamentais, tais como: por que existimos, por
de um outro, melhor pela inteligência e pela bondade. As gera- que nascemos, vivemos e morremos, por que sofremos, de
ções atuais talvez não compreendam isto. Mas nosso objetivo é onde viemos e para onde vamos? Há um funcionamento or-
atingir as futuras gerações, mais aptas à compreensão, porque, gânico no universo, mas quem o dirige? O movimento de tu-
tendo sido selecionadas no próximo expurgo terrestre, estarão do o que existe está orientado para uma dada finalidade, mas
amadurecidas pelas grandes dores que nos esperam, as quais qual é o princípio que tudo guia para ela e qual o plano de
têm o poder de abrir os olhos aos cegos. todo esse trabalho? Qual é o seu resultado final? Se estamos
Impelido pelo desejo irresistível de encontrar este mundo seguindo um caminho, a coisa mais importante é conhecê-lo.
melhor, para me evadir do selvagem estado atual, procurei de- Como podemos percorrê-lo sem saber para onde ele vai? E,
sesperadamente outro lugar. Sufocado pela terrena atmosfera se estamos desesperadamente fugindo da dor e procurando a
de engano, egoísmo, esmagamento e ignorância, fugi em busca felicidade, qual é o meio para realizar aquilo que mais alme-
de sinceridade, bondade, honestidade e conhecimento. Tive de jamos? Um sistema filosófico deste tipo representa a vanta-
viajar muito, mas encontrei o que procurava. Atrás dos basti- gem de nos oferecer em todos os campos uma orientação que,
dores desta peça humana de teatro, suja e trágica, apareceu-me embora não resolva todos os pormenores dos problemas,
uma essência mais profunda e verdadeira: a realidade do espí- permite encararmos os assuntos particulares sem ter de cons-
rito. Quando tive diante dos olhos o plano geral do universo, o truir hipóteses por tentativas, proporcionando um caminho
horrível presente se completou num melhor amanhã, trazendo pré-ordenado, no qual somos dirigidos pela visão de conjunto
uma radiante visão de conjunto, em que a futura felicidade jus- anteposta à nossa pesquisa. Veremos agora qual é o método
tificava os sofrimentos atuais. A certeza de que, através da ir- que torna possível atingir esta visão.
refreável vontade da lei de Deus, este futuro melhor estava ga- O filósofo moderno tem de ser não somente um construtor
rantido à criatura amargurada pela dor e deveria, por isso, fa- de castelos lógicos, mas também um cientista, um matemáti-
talmente tornar-se realidade para nós um dia, encheu meu co- co, um biólogo, um historiador, um sociólogo, um moralista,
ração de esperança. Vislumbrei ao longo do caminho das as- um parapsicólogo etc., porque assume a posição de quem, co-
censões humanas a lenta e fatal aproximação do reino de Deus, locando-se acima de todos os ramos do conhecimento huma-
em que Ele triunfa, vencedor das trevas. Esta foi para mim no, tem a tarefa de fazer deles uma síntese que oriente e en-
uma grande descoberta, que me encheu de alegria. Significou caminhe para a unidade os resultados das tantas conquistas
uma descoberta maravilhosa ter chegado a perceber dentro de analíticas em que o conhecimento está hoje fracionado. Então
cada coisa a imanência de Deus, não de um Deus a quem se o valor de um sistema filosófico pode ser avaliado pelo grau
costuma orar só com a boca ou no qual se tem de acreditar por de unificação por ele atingido, pela medida na qual ele conse-
medo, nem de um Deus só estátua e imagem, mas sim de um guiu revelar e demonstrar, além das aparências da superfície,
Deus que sentimos presente em toda a hora e lugar, vivo e ope- a substancial coordenação que, na profundidade, funde num
rante entre nós, pai que nos ama e nos ajuda a viver e a subir só princípio tudo o que existe.
para o nosso bem. Finalmente foi possível sair da névoa das Surge agora, como dizíamos, o problema do método que
lendas, da fantasia, da ignorância e da fé cega. Finalmente uma nos permita alcançar esses resultados. A filosofia antiga afir-
visão clara do nosso destino, um apoio sólido, um caminho mou e a ciência moderna demonstrou que estamos vivendo num
certo e uma meta segura, encontrando a verdadeira vida. mundo de aparências. Os sentidos, que representam o meio para
Tudo isto não caiu de graça do céu, mas foi o fruto de um chegar ao conhecimento da realidade, ficam apenas na superfí-
duro trabalho de amadurecimento, de maceração interior e de cie, sem saber atingir a verdadeira essência na profundidade.
sofrimentos profundos. Mas este fruto está aqui, e a minha ale- Como poderemos chegar até lá?
gria agora é oferecê-lo aos que sofrem e lutam para subir, meus O homem possui dois métodos de pesquisa: o dedutivo e o
companheiros na viagem da vida, a fim de lhes mostrar o cami- indutivo. Através do primeiro, que se realiza pela inspiração,
nho da felicidade e explicar-lhes que é possível atingi-la, vi- intuição ou revelação, o homem, antecipando a evolução e co-
vendo conforme a lei de Deus. locando-se acima das pequenas coisas do contingente, pode
atingir os princípios gerais, para deles descer aos casos particu-
São Vicente (São Paulo), Brasil. lares, que são enfrentados e resolvidos somente como conse-
Natal de 1960 quência do universal. Acontece, porém, que a pesquisa condu-
zida neste nível não nos coloca diretamente em contato com a
realidade dos fatos, que é o único meio de controle da verdade
INTRODUÇÃO dos princípios gerais. Utilizando o segundo, que é o método
positivo da ciência, com base na observação e na experimenta-
O PROBLEMA DO CONHECIMENTO ção, o homem permanece no terreno objetivo da realidade,
procurando chegar ao conhecimento da verdade através do le-
Antes de iniciar este novo livro, apresentaremos, numa vi- vantamento de hipóteses a partir daquela base segura, até con-
são de conjunto, um rápido resumo do sistema filosófico de- firmá-las com o apoio dos fatos, em teorias positivamente de-
senvolvido por nós até hoje, na I e na II Obra de doze volumes monstradas. Desse modo, segue-se um caminho inverso ao
cada uma, que estamos acabando. Esta exposição sintética po- precedente. Em lugar de se descer do geral para o particular,
derá ser útil como premissa para orientar o leitor a respeito do sobe-se do particular para o geral. Assim o pesquisador per-
novo tema, que iremos desenvolver neste livro. manece diretamente em contato com a realidade dos fatos. As
Entremos rapidamente no assunto. Qual é o nosso sistema verdades atingidas são exatamente controladas, no entanto são
filosófico? Não se trata de uma construção lógica artificial, pa- parciais, fragmentárias e relativas, ficando fechadas no particu-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 53
lar, de onde não se consegue sair senão depois de um longo e nores, encontrará tudo nos meus quatro livros básicos: A Grande
duro trabalho para subir ao universal. Síntese, Deus e Universo, O Sistema e o presente volume.
O primeiro método dá resultados vastos, mas não controla- O plano, embora contenha o dualismo, é estritamente mo-
dos. O segundo dá resultados positivos, mas restritos. Para re- nista. O conceito central, que tudo rege em unidade, é Deus.
solver o caso por nossa conta, usamos outro método, que pode- Ele, na Sua essência, está no absoluto e não pode ser definido,
ria ser entendido como uma combinação dos dois, utilizando ou seja, não pode ser limitado no relativo, onde está a criatura.
assim as vantagens de ambos, tanto do dedutivo, que trabalha Veremos como esse relativo nasceu. Estes são os dois polos
por síntese, como do indutivo, que trabalha por análise. opostos da mesma unidade.
Em outras palavras, usamos num primeiro momento o método Deus simplesmente é. Ele é tudo. Deus significa existir.
outrora empregado pelas religiões, com base na revelação, que Ele é a essência da vida. Tudo o que existe é vida, isto é,
mais exatamente chamamos de intuição ou inspiração, enquanto, Deus. E Deus é tudo o que existe, que é vida. Deus é o “ser”,
num segundo momento, usamos o método positivo da ciência, acima de todos os atributos e limites. O nada significa o que
que se apoia no controle objetivo por meio da observação e da ex- não existe, a ausência de Deus, ausência que não pode exis-
perimentação. Deste modo, chegamos primeiramente a uma ori- tir. Portanto o nada – representando a plenitude da negação,
entação geral, que nos indica como dirigir a nossa pesquisa, e, de- ou da ausência de Deus, isto é, do não ser – não pode existir
pois, realizamo-la em contato com os fatos, para controlar se a in- como verdadeira realidade por si mesmo, mas só como fun-
tuição, que aceitamos apenas como hipótese de trabalho, corres- ção oposta à positividade, como segundo polo da mesma
ponde à realidade. Colocamos assim o fruto da inspiração no ban- unidade. Eis como o dualismo fica fechado dentro do mo-
co do laboratório das experimentações, como fazem o físico e o nismo, de modo que, ao invés de destruir, confirma e forta-
químico, quando, observando o funcionamento dos fenômenos, lece a unidade do todo.
descobrem as leis que os regem. Temos usado este método de Este Tudo-Uno-Deus abrange tudo. Nada há fora Dele. Ele
controle também no campo moral e espiritual, observando o fun- é: 1o) Uma inteligência que tudo dirige; 2 o) Uma vontade que
cionamento da lei de Deus, através dos efeitos de nossas ações no se quer realizar; 3o) Uma forma gerada como a inteligência a
bem ou no mal sobre o desenvolvimento dos destinos. Pudemos pensou e como a vontade a quis realizar. Eis a Trindade da
chegar assim a uma ética biológica racional, não mais empírica, e mesma unidade de Deus, os três momentos do mesmo Tudo-
sim positiva, baseada nas leis da vida. Com isso, foram alcançadas Uno-Deus. Eles são: 1o) Espírito (concepção); 2 o) Pai (verbo
novas conclusões, que nos levaram bem longe. ou ação); 3o) Filho (o ser criado).
O problema agora consiste em explicar como funciona esse Que existe uma inteligência, chame-se Deus ou como se
método da intuição ou inspiração. Entramos aqui no campo da quiser chamá-la, dirigindo todos os fenômenos, enclausurando-
parapsicologia. Nesta breve exposição, podemos apenas resu- os dentro de leis exatas e orientando-os para um dado telefina-
mir as conclusões. Julgo que o grau de conhecimento depende lismo, conclusivo de todo o transformismo, não há dúvida.
do nível de amadurecimento evolutivo atingido pelo ser que o Como não há dúvida também que essa inteligência possui uma
concebe. Desde tempos anteriores ao surgimento do ser huma- vontade que realiza em formas definidas o seu pensamento.
no, todos os problemas já estão resolvidos e tudo está funcio- Por esse processo, Deus gerou a primeira criação. Ele tirou
nando. O homem, portanto, não cria nada, mas apenas desco- da Sua própria substância as individuações de tudo o que exis-
bre a verdade, aprofundando sempre mais a sua pesquisa, para te. Ele as tirou de Si, porque nada pode existir fora e além de
conseguir ver o que já existe por si mesmo, independente dos Deus, que é tudo. E todas ficaram em Deus, porque nada pode
recursos perceptivos utilizados. A verdade é obra eterna de sair do todo. Portanto todas as criaturas são feitas da substân-
Deus, e não do homem. Ela sempre esteve e sempre estará toda cia de Deus e, pelo fato de não terem saído Dele, existem em
escrita no absoluto. E o homem, situado no relativo, vai gradu- Deus, uma vez que a criação não podia ser exterior, mas so-
almente, por aproximações sucessivas, abrindo os olhos, con- mente interior a Deus.
seguindo ler cada vez um pouco mais da verdade, em propor- A primeira criação de Deus originou-se, então, do resultado
ção à sua sensibilização e compreensão, dadas pelo seu grau de de três momentos: 1o) O pensamento; 2o) A ação; 3o) A obra,
amadurecimento evolutivo. no instante em que a ideia, por meio da ação, atingiu a sua rea-
◘ ◘ ◘ lização. Aqui temos a obra terminada, na qual a ação gerou a
Então o problema do conhecimento é, antes de tudo, uma expressão final da ideia originária do primeiro momento.
questão de evolução do instrumento humano. Não se trata de Tudo assim continuou existindo em Deus, como antes da
um verniz cultural pintado por fora e colado no cérebro por lei- criação, mas, agora, de maneira diferente, não mais como um
tura de livros, mas trata-se de um amadurecimento profundo, todo homogêneo, indiferenciado, e sim como um sistema orgâ-
preparado às vezes pelos choques da vida, com o sofrimento e a nico de elementos ou criaturas, no centro do qual está Deus, re-
consequente elaboração íntima do subconsciente. Trata-se de gendo-o com Seu pensamento, que chamamos “Lei”, pois cons-
um fenômeno que se realiza para além dos comuns processos titui a regra da existência de todos os seres, dirigindo tudo.
da lógica, num plano de vida e dimensão super-racionais. Não há tempo agora para entrar na demonstração da verda-
Quando o ser está maduro, o conhecimento aparece como reve- de destas afirmações, nem para dar provas ou aprofundar o as-
lação, em forma de visão interior, que enxerga até onde o racio- sunto nos pormenores, como foi feito nos três primeiros livros
cínio não alcança. Expliquei nos meus livros como, espontane- acima mencionados. Falamos de primeira criação? Por quê?
amente, fui levado a usar esse método. Estudei também o pro- Nas aproximações que conseguimos alcançar em nossa re-
gressivo desenvolvimento da sua técnica, que se vai aperfeiço- presentação humana da ideia de Deus, colocamos o conceito de
ando sempre mais. Temos nas mãos seus resultados concretos, perfeição. A lógica das coisas impõe conceber um Deus perfei-
com a obtenção de mais de 6.000 páginas escritas pelo mesmo to e, por conseguinte, uma Sua obra também perfeita. Ora, o
processo, cuja veracidade foi possível, depois, controlar com a nosso universo representa, porventura, uma obra perfeita? Nele
observação e a experimentação, que a confirmaram. Estes resul- existem a desordem, a ignorância, o erro, o mal, a dor, a morte,
tados, quando colocados em contato com a vida, demonstraram e essas coisas parecem mais o resultado de um emborcamento
corresponder à realidade dos fatos. de Sua obra. Se temos de admitir que a obra de Deus deve ser
Que nos diz esse sistema filosófico? Qual o conteúdo da vi- um sistema perfeito, vemos de outro lado que o nosso universo
são que ele nos oferece? Podemos, resumidamente, reproduzi-lo está colocado nos antípodas da perfeição, possuindo qualidades
em síntese, nesta “Introdução”. Quem quiser entrar nos porme- opostas. Se o Sistema de Deus representa a positividade, em nos-
54 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
so universo nos encontramos, pelo contrário, num Anti- práticas, que podemos controlar em nossa vida e para as quais,
Sistema, que representa a negatividade. assim, encontramos uma explicação.
Temos, então, dois termos opostos: o Sistema, de sinal posi- Devido ao mau uso da liberdade que a criatura possuía –
tivo, cujo centro é Deus; e o Anti-Sistema, de sinal negativo, cu- porque feita da substância de Deus, de natureza livre – ocor-
jo centro é Satanás, o Anti-Deus. Ora, como nasceu o Anti- reu a desobediência à Lei, e, por um automático jogo de for-
Sistema? Que impulso o gerou? No todo, não existia senão ças, o qual não é possível explicar aqui, iniciou-se o afasta-
Deus, e Nele estavam todas as criaturas. Tudo isto representava mento dos rebeldes através do fenômeno da involução, que
o estado perfeito do Sistema, no fim da primeira criação, obra originou o caos, dando início ao nosso universo. Apareceu as-
direta de Deus. Ora, se de Deus, que é perfeito, não pode sair o sim, no relativo, uma nova maneira de existir, constituída pelo
imperfeito, é absurdo que a perfeição de Deus possa ter gerado o tornar-se, ou vir-a-ser, ou transformismo, pela qual nada pode
Anti-Sistema, cujas qualidades são opostas às Dele, não nos res- existir senão encerrado em uma forma que se modifica cons-
tando outra escolha para justificar o fato positivo e inegável da tantemente. A perfeição ficou longe no Sistema, nada mais
presença do Anti-Sistema, senão atribuí-lo à única outra fonte existindo dela senão a necessidade de recuperá-la e o caminho
que existia no Sistema, isto é, à criatura. Mas, se ela atribui tanto da evolução, que reconduz a ela.
mal a Deus, isto explica e até mesmo prova a sua revolta, porque No dualismo que nasceu assim, surgiu então um fato novo: o
lançar a culpa nos outros é sempre o desejo instintivo do rebel- movimento de transformação, realizado nos dois sentidos, de in-
de, ainda que isto, como neste caso, represente o maior absurdo volução e de evolução. Foram iniciadas duas corridas em dire-
possível. Tudo isso somente pode ser explicado se admitirmos ções opostas: uma para a negatividade do Anti-Sistema, como
que, na primeira criação, tenha acontecido uma alteração intro- consequência da queda, e outra para a positividade do Sistema,
duzida por esse outro impulso existente no Sistema, o único ao como consequência e continuação do primeiro impulso criador,
qual, não sendo ele de Deus, é possível atribuir a causa da for- que busca recuperar e salvar tudo, levando de volta à fonte:
mação de um sistema contrário, isto é, imperfeito. Tudo isto se Deus. Dois movimentos opostos e complementares, que consti-
mostra verdadeiro, pois podemos verificar que a imperfeição en- tuem as duas metades inversas do mesmo ciclo: ida e volta, des-
contrada em nosso universo representa o emborcamento exato cida e subida, doença e cura, afastamento e retorno, emborca-
da perfeição do Sistema e das suas qualidades positivas, agora mento e endireitamento, involução e evolução, onde a segunda
levadas para o negativo. Em relação à primeira criação, estamos fase somente é possível e explicável em função da primeira.
no seu polo oposto, e isto nos indica que não se trata de uma cri- Eis, então, que o quadro geral do fenômeno da queda, em
ação nova, realizada com princípios novos, mas simplesmente seu conjunto, compreende um circuito completo de ida e volta,
de uma cópia emborcada e corrompida da primeira. ao qual chamamos “ciclo”. Este ciclo se divide em dois perío-
Eis então que aparece racionalmente justificável a hipótese dos: a fase da descida, chamada involução, e a fase da subida ou
da desobediência das criaturas à lei de Deus, e o fato de já ser ascensão, chamada evolução. Cada período divide-se em três fa-
conhecida pelo homem através da intuição e de ter sido, desde a ses, que são: espírito, energia e matéria, apresentadas nesta or-
mais remota Antiguidade, afirmada pelas religiões, por meio da dem sucessiva no período da descida, ou involução, e na ordem
revelação, oferece-nos uma confirmação da teoria da revolta e inversa no período da subida, ou evolução, que é o nosso.
da queda, que só agora é possível ser apresentada com base na O período involutivo parte da fase espírito, que representa o
evidência dos fatos e demonstrada logicamente, até às suas últi- estado originário ou ponto de partida, de onde se inicia a desci-
mas consequências, como fizemos em nossos livros. Pelo fato da. Enredado no processo involutivo, o espírito sofre uma trans-
de se referir a um mundo que não pertence ao nosso relativo e de formação por contração de dimensões, pela qual – sendo demo-
estar além de todas as nossas possibilidades de observação e ex- lidas as qualidades positivas do Sistema – também ele, o espíri-
perimentação, tal teoria não é diretamente controlável em si to, fica demolido até à fase energia. Através da continuação
mesma. Podemos, no entanto, controlá-la através de seus efeitos, deste processo na mesma direção, a energia chega à fase maté-
que constituem o nosso universo e a nossa própria vida, cuja ria, transformação que é fenômeno já conhecido pela ciência
forma e funcionamento só deste modo podem ser explicados e moderna. Temos assim, diante dos olhos, as três fases do pri-
justificados. E é lógico que assim seja, porque o Anti-Sistema, meiro período, chamado involutivo: espírito, energia, matéria.
onde nós vivemos, é exatamente a consequência dos desloca- No fim desse período, a substância que constitui a parte cor-
mentos realizados no Sistema, com a revolta. Esta teoria foi as- rompida da esfera do Todo-Uno-Deus, no Seu terceiro aspecto
sim, em nossos livros, submetida a controle racional. Observan- de Filho, inverteu todas as suas qualidades originárias positivas
do muitos fenômenos e fatos, vimos que eles confirmam em em qualidades negativas. Assim, a causa originária exauriu-se,
cheio essa interpretação da primeira origem de nosso universo, produzindo todo o seu efeito, e o impulso da revolta se esgotou.
cuja estrutura físico-dinâmico-psíquica, transformismo evolutivo Neste ponto de máxima inversão dos valores positivos e de má-
e última finalidade, se não fossem relacionados com essas cau- xima saturação de valores negativos, no Sistema invertido, o
sas primeiras, permaneceriam um mistério inexplicável. processo se detém. A transformação em direção involutiva, ou
◘ ◘ ◘ de descida, cessa. Nesse momento, Deus retoma a Sua lenta
Deixemos agora o Sistema, isto é, o universo espiritual in- ação de atração para Si, como centro de tudo.
corrupto, onde Deus permaneceu no Seu aspecto transcenden- Iniciou-se assim aquele longuíssimo processo de subida, no
te, como causa e centro de tudo, junto com as criaturas que não qual vivemos hoje, que é o segundo período, inverso e com-
desobedeceram, e olhemos para o Anti-Sistema, ou seja, o uni- plementar, chamado: evolução. Enquanto o primeiro período,
verso material e corrupto das criaturas rebeldes, onde estamos dado pela queda ou involução, significou a destruição do uni-
e no qual, presente no Seu aspecto imanente, Deus permaneceu verso espiritual e a criação ou construção do nosso universo fí-
para guiar tudo à salvação, orientando e dirigindo o ser decaí- sico, esse segundo período, dado pela subida ou evolução, sig-
do, curando o que se tornou doente, reconstruindo o que foi nifica a destruição da matéria como tal e a reconstrução do
destruído, endireitando com a evolução o que se emborcou, re- originário universo espiritual. Estamos agora neste segundo
organizando o caos em que tudo caiu. Sem essa presença de período do ciclo, o evolutivo. Aqui, o caminho é inverso do
Deus, a salvação não seria possível. Explica-se assim o concei- precedente. Se a descida foi do espírito para a energia, chegan-
to de “redenção”. Não existe no universo outra força salvadora do até à matéria, agora a subida vai da matéria para a energia,
pela qual o ser pudesse ser redimido. Eis que, saindo dos prin- voltando até ao espírito. A soma dos dois períodos forma o ci-
cípios gerais, vamos aproximando-nos das suas consequências clo completo, feito de um movimento que se fecha, dobrando-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 55
se sobre si mesmo. No conjunto, a correção neutraliza o erro, a produto direto da obra de Deus, encontram a sua razão de ser,
expiação reabsorve a culpa e, assim, tudo volta ao seu lugar. No sem nos fazer cair no absurdo de admitir que tudo isto tenha saí-
fim, acima de tudo, triunfa a perfeição de Deus, que, tendo pre- do das mãos de Deus, o que demonstraria a sua maldade, ou pe-
visto tudo, acaba por reconstruir e salvar tudo. lo menos falta de sabedoria. Assim, a contradição entre opostos,
A estrada que A Grande Síntese nos mostra é aquela per- que é o princípio no qual se baseia a estrutura e o funcionamento
corrida pelo ser no segundo período do ciclo, o evolutivo. de nosso universo, encontra a sua explicação e justificação den-
Aquele livro nos explica o caminho ascensional da evolução, tro da lógica de Deus, a qual fica inatingível e íntegra, acima dos
partindo da matéria, a sua origem, e progredindo através das absurdos gerados pela revolta. Desta forma, a sabedoria domina
formas de energia, depois de vida mineral, vegetal e animal, o erro, a ordem sobrepuja a desordem, o bem prevalece sobre o
subindo sempre, até alcançar o homem, seu espírito, seu mun- mal, a vida é senhora da morte, o endireitamento supera o em-
do social e moral, indicando o seu futuro em mais altos planos borcamento, a salvação corrige a revolta, o Sistema é senhor do
de existência. O período involutivo, precedente ao nosso atual, Anti-Sistema, Deus é superior ao anti-Deus, Satanás.
A Grande Síntese aceita como fato consumado, sem indagar- Neste sistema filosófico, a grande cisão do dualismo, em
lhe as causas e antecedentes. O seu objetivo é somente o trecho que o nosso universo aparece inexoravelmente despedaçado, fi-
que vai do Anti-Sistema ao Sistema. Nisto, aquele livro segue ca sanada, pois se encontra enclausurada dentro de um monis-
o mesmo método da Bíblia, onde a gênese também começa mo maior, que a abrange e a encerra dentro de si. Fica salvo as-
com a criação da matéria, sem explicações sobre como isto sim o supremo principio da unidade do todo, onde reina Deus,
pôde acontecer e o que houve antes. Assim, o assunto se torna um só Deus, em cujas mãos está todo o poder, que não é com-
mais compreensível, porque abrange apenas o nosso atual tre- partilhado com outro anti-Deus, nem despedaçado no dualismo,
cho de existência, que o homem pode compreender melhor. como infelizmente apareceu a vários teólogos e filósofos que
A visão apareceu completa no livro Deus e Universo, abra- ficaram na superfície das aparências, sem compreender. Com a
çando o ciclo todo, nos seus dois períodos, o involutivo, de ida, revolta, a desordem nasceu, mas não saiu da ordem; o caos sur-
e o evolutivo, de volta. Porém, nesta primeira exposição do es- giu, mas permaneceu controlado por Deus; o mal surgiu, mas
quema geral do fenômeno, não foi possível entrar em pormeno- ficou apenas como sombra do bem. O segundo termo do dua-
res para tudo explicar e provar. Assim, o livro deixou muitos lismo não é senão uma função menor do termo originário, que
leitores em dúvida, porque não compreenderam. permaneceu como eixo fundamental, em volta do qual aquele
Chegou depois o volume O Sistema. A sua tarefa foi fixar continua a rodar. O ponto central permaneceu, e tudo continua
as ideias desenvolvidas em vários cursos sobre esse assunto, a gravitar em torno dele. A cisão da unidade entre dois opostos
respondendo às objeções que neles foram apresentadas pelos não somente lhe é interior, mas também constitui fenômeno
ouvintes. Entrando em maiores pormenores, procuramos ofe- temporário, que, pela própria estrutura da obra de Deus, auto-
recer naquele livro novas provas da verdade sobre a teoria, a maticamente tende para a sua solução. De fato, logo que surge a
fim de controlar tudo, fazendo contato com a realidade de nos- doença, aparece o seu tratamento. Assim, o próprio erro da se-
sa vida, na qual se encontram as últimas consequências daque- paração e involução leva automaticamente à evolução, que o
la teoria. Se tivesse havido erro, este exame e o contínuo con- corrige, não havendo para o processo de emborcamento outra
trole da teoria deveria tê-lo mostrado. Se não apareceu, então alternativa senão terminar no endireitamento.
é porque a teoria, ao invés de ser desmentida, foi confirmada Na lógica desse sistema filosófico, fica resolvida a contradi-
pelos fatos, que correspondem à verdade. ção – de outra modo, impossível de suprimir – entre monismo e
Eis, em síntese, o quadro geral de nosso sistema filosófico. dualismo, dois fatos inegáveis, que, embora aparentemente in-
O primeiro volume, A Grande Síntese, fica assim enquadrado conciliáveis, é necessário pôr de acordo, pois, caso contrário, fra-
na visão dos dois, muito mais vasta. Se aquele livro representa cassa o princípio fundamental da unidade do Uno-Tudo-Deus.
uma síntese científico-filosófica, os outros dois são uma síntese Fomos assim observando esse sistema filosófico de todos
teológica. Mas o primeiro não esgotou todo o assunto, porque os lados e tivemos de concluir que ele satisfaz todas as exi-
não se pode admitir um processo evolutivo por si só, como efei- gências da razão, coordenando tudo num quadro lógico, onde
to não justificado por uma causa precedente, como um movi- tudo encontra a sua explicação e justificação. Ele, simples-
mento isolado, sem o movimento oposto, no qual ele encontra a mente demonstrando, convence sem deixar como resíduo
sua contrapartida, que o equilibra. aqueles pontos obscuros que, em razão do problema não ter
◘ ◘ ◘ sido equacionado na forma certa, precisam depois ser resolvi-
Este sistema filosófico nos ofereceu um ponto de referência, dos à força, com dogmas e mistérios. Esse sistema filosófico
o Sistema, que representa o absoluto. Sem isto, o contínuo nos esclarece o significado de tudo o que nos cerca, até às su-
transformismo de tudo o que existe no relativo de nosso univer- as razões mais profundas, satisfazendo o nosso instinto de jus-
so não teria nenhum ponto de apoio nem meta final a atingir tiça e nosso desejo de felicidade, que é reconhecida como
que justifique e sustente aquele transformismo. Ele nos fornece, nosso direito, pois tudo progride para ela. É um sistema que,
assim, a explicação para muitos acontecimentos, inexplicáveis além de saciar o coração, porque nos oferece uma grande es-
de outra maneira. E o valor de um sistema filosófico pode ser perança, também nos dá de Deus um conceito completamente
avaliado em função dos fatos que ele desvenda. Explica-se, isento das maldades carregadas pelo antropomorfismo. Ofere-
também, a origem de nosso relativo, do vir-a-ser, da evolução, ce-nos de Deus uma ideia na qual Ele permanece verdadeira-
da imperfeição encerrada na perfeição, dos limites do espaço e mente bom e grande, apesar dos tantos erros e sofrimentos
do tempo no seio da eternidade e do infinito. Uma evolução as- que, aos nossos olhos, parecem macular Sua obra.
sim orientada para o seu telefinalismo adquire um sentido lógi- Temos agora, diante dos olhos, todo o caminho do ser, sain-
co, permitindo por seu intermédio a manifestação da obra sal- do do Sistema, onde Deus o criou, e viajando até ao Anti-
vadora de Deus em favor da criatura decaída. O maior fenôme- Sistema, de onde Deus o traz à salvação. Através do vir-a-ser
no de nosso universo resulta, deste modo, dirigido para um ob- involutivo e evolutivo, podemos agora seguir o roteiro que cabe
jetivo definido, sem o qual a evolução se tornaria um caminho a cada um percorrer, até atingir o ponto final de sua trajetória.
sem meta, iniciado sem razão, para ser percorrido fatalmente, E, quando conhecemos o problema maior nas suas linhas ge-
como uma condenação não merecida. rais, é possível nos orientarmos a todo o momento em qualquer
Assim, a presença do mal, da dor e da morte, qualidades ponto de nossa caminhada, colocando no lugar que lhe cabe, no
próprias da negatividade de nosso mundo, que não podem ser quadro geral, cada fenômeno, cada movimento do ser e cada fa-
56 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
to particular de nossa vida. Eles, assim, por menores que sejam, gens e funcionamento do universo. O trabalho de construir um
encontram a sua razão de ser, até à longínqua primeira origem tal sistema não fica tão somente no terreno abstrato e teórico,
das coisas. Só deste modo se poderá viver inteligentemente, não representa apenas a produção filosófica de um castelo de
compreendendo o sentido de tudo o que nos cerca e sabendo o ideias, mas se dirige para a realização do melhoramento das
que temos de fazer e por quê. Esta visão é progresso, porque duras condições da vida humana, demonstrando que elas são,
nos aproxima do estado orgânico do Sistema, e também é van- em grande parte, devidas ao fato de ignorarmos o caminho cor-
tagem, porque nos reconduz à felicidade plena. Trata-se de uma reto que deveríamos percorrer. Sendo assim, o trabalho desta
filosofia sadia, que busca ajudar, admitindo o utilitarismo ho- construção filosófica não tem somente escopo e sentido inte-
nesto do homem de bem. É uma filosofia que vem ao nosso en- lectual, mas também sublimação, uma vez que seu objetivo é
contro para nos salvar, mostrando-nos a ativa presença entre beneficiar o homem e, ao mesmo tempo, libertá-lo o mais rá-
nós de um Deus bom, que, antes de tudo, é nosso amigo e nos pido possível dos seus sofrimentos.
quer bem. Filosofia consoladora, pois nos fala com a forma O fruto útil de tudo isto, para nós, é ter descoberto a exis-
mental do Sistema, que está no Alto, trazendo luz à forma men- tência de uma lei que representa o pensamento e a presença de
tal do Anti-Sistema, para reerguê-la até ele, aos níveis de vida Deus em nosso mundo. Esta lei dirige tudo, funcionando conti-
mais adiantados e felizes. Somos infelizes decaídos no caos, nuamente para cada um, e todos estão sujeitos a ela, não impor-
nas trevas, no mal, no sofrimento e na morte. Apesar de tudo is- tando se a conhecem ou não, se a admiram ou se a negam. Tra-
so, esta filosofia nos mostra que, mesmo se as aparências nos ta-se de uma lei cujo conteúdo – ou seja, princípios diretivos,
levam a acreditar o contrário, há ordem nas profundezas do ca- impulsos de ação e reação, técnica de funcionamento e objetivo
os, há luz nas trevas, há o bem no mal; indica-nos que o sofri- final a atingir – é possível descobrir. Essa Lei é viva e operante
mento é um meio para se chegar à felicidade e que a morte ser- entre nós, sempre presente e em ação. Ela não é só pensamento,
ve para se ressuscitar numa vida sempre melhor. Assim vemos mas também uma poderosa e irrefreável vontade de realização.
que, além da injustiça, domina a justiça e que, acima da negati- Eis o que nos mostrou a visão da teoria geral deste sistema filo-
vidade destruidora do Anti-Sistema, está a positividade recons- sófico. Isto é o que, nestes nossos livros, vamos estudando e
trutora do Sistema de Deus. Quão diferente e maior se torna a expondo como resultado de nossa investigação, conduzida com
vida, quando a vivemos em profundidade, em contato com o método positivo da ciência: a observação e a experimentação,
Deus, com o mais poderoso centro vital do universo! que aplicamos à minha vida e às vidas de outros, colocando o
◘ ◘ ◘ conteúdo delas sobre a bancada do laboratório desta nova ética
A parte mais interessante deste sistema filosófico é o seu experimental, para calcular os efeitos de cada movimento nosso
aspecto prático, quando descemos ao terreno das suas conse- no terreno da dinâmica moral e espiritual.
quências e aplicações nos casos concretos de nossa vida. É pelo Nós temos estudado essa lei porque o seu conhecimento
fruto que se conhece a árvore, é neste terreno que se pode medir nos ensina as regras da conduta certa, revelando-nos assim o
o valor da teoria, quando, para controlar a sua verdade, a colo- segredo para evitar a sua reação, que chamamos: dor. Só quem
camos em contato direto com os fatos. Se ela nos orienta, expli- conhece a Lei pode viver orientado, porque compreendeu o
cando-nos o significado das coisas, então a realidade em que significado da sua vida até às suas primeiras origens e últimas
vivemos tem, por sua vez, de concordar com a teoria até às úl- finalidades, em função da gênese, estrutura e supremos objeti-
timas consequências práticas, fundindo tudo no mesmo sistema vos do funcionamento orgânico do todo. O universo é um sis-
filosófico, que assim, embora tendo por base os longínquos tema inteligentemente dirigido, então, para quem quer viver
princípios abstratos do absoluto, pode ser vivido em todos os nele com o menor dano e a maior vantagem possível, é lógico
seus pormenores em nossa vida miúda de cada dia. que deva se comportar com inteligência e consciência, resol-
Isto é o que nós mesmos temos procurado fazer de duas vendo todos os seus problemas, inclusive os pequeninos de to-
maneiras: 1a) Observando e controlando, por mais de meio sé- da hora, em função da solução dos problemas máximos, dos
culo na minha vida, se os acontecimentos vividos por mim e quais os menores dependem. Só conheceremos a razão e a fi-
pelos outros confirmavam a interpretação filosófica do universo nalidade de tudo o que somos e fazemos, se tivermos nas mãos
oferecida por esta teoria; 2a) Coordenando e analisando, racio- a chave de nosso destino e, com ela, a possibilidade de cons-
nal e logicamente, os frutos destas observações, para construir truí-lo da forma que melhor quisermos. Com os nossos pensa-
uma nova norma de conduta humana, uma ética não mais empí- mentos e atos, livremente semeando as causas, ficaremos fa-
rica, como as que ainda vigoram, não mais fruto do desabafo de talmente amarrados às consequências.
instintos, mas sim positiva, apoiada no conhecimento e na A Lei representa uma construção lógica, que pode ser estu-
compreensão do problema, filha da lógica dos fatos, racional- dada como se estuda uma teoria matemática. Com este escopo,
mente demonstrada até à primeira fonte da qual deriva, fundada fizemos neste volume um esquema gráfico, representando, em
sobre bases cósmicas que a justificam; uma moral biológica, síntese, uma expressão geométrica dos princípios fundamentais
derivada diretamente das leis da vida, e não da vontade do le- que regem o funcionamento da Lei. É possível, portanto, medir
gislador ou dos instintos das massas. o valor quantitativo e qualitativo dos diferentes impulsos que
Este trabalho foi realizado em vários livros meus, sobretudo movimentam o ser e as correspondentes reações da Lei. O ser é
nos últimos quatro que se seguiram ao volume O Sistema, que livre para se movimentar à vontade, mas, logo depois, as forças
completa até agora a exposição da teoria filosófica. Eles são: A da Lei se apoderam destes movimentos, guiando-os fatalmente
Grande Batalha, Evolução e Evangelho, A Lei de Deus e o pre- aos seus efeitos. Eles são calculáveis, porque estão regidos por
sente, Queda e Salvação. princípios de equilíbrio e justiça bem definidos. A Lei é inteli-
Tudo isto nos autoriza a acreditar que este sistema filosófico gente, poderosa e sensível. Não há movimento que não se re-
não é fantasia, uma vez que os fatos o justificam e, quanto mais percuta nela, não há impulsos ou sucessão de deslocamentos
o controlamos, tanto mais vemos que ele corresponde à realida- que não sejam percebidos por ela e aos quais ela não reaja. A
de. Por mais que se queira negar e não ver, estão aí para dar tes- Lei quer a ordem do Sistema, e não o caos do Anti-Sistema.
temunho toda a minha vida, os acontecimentos da vida alheia e Em sua substância, a reação da Lei não é senão a continua-
milhares de páginas escritas. ção de nosso próprio impulso, que ricocheteia e se volta contra
Este sistema filosófico fica valorizado, porquanto represen- nós, devolvendo-nos o que nós lançamos aos outros. Assim, ca-
ta as premissas cósmicas racionais de uma norma para a vida da força que, em sentido negativo, projetamos contra o próximo,
humana, norma justificada por ser elaborada em função das ori- transforma-se numa força inimiga, que se volta contra nós para
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 57
nos agredir, e cada força que, em sentido positivo, projetamos a ordem da Lei. O ser é livre para cometer erros, mas tem de
favor do próximo, transforma-se numa força amiga, que retorna aceitar depois, forçosamente, a reação corretiva da Lei, cujos
a nós para nos favorecer. A conclusão é sempre a mesma: rece- equilíbrios não podemos violar sem que tenhamos de devolver
bemos de volta o que lançamos aos outros. Pode-se então esta- tudo à justiça de Deus, pagando às nossas custas.
belecer o seguinte princípio da Lei: “Quem faz o bem, assim É possível assim estabelecer o princípio de reação nos se-
como quem faz o mal, acaba por fazê-lo a si mesmo”. guintes termos: “Cada ação do ser contra a vontade da Lei exci-
No campo de forças do todo, são possíveis três impulsos ta e gera uma reação inversa e proporcional, de mesma natureza
fundamentais: o do Sistema, positivo, o do Anti-Sistema, ne- ou qualidade e de mesma medida ou quantidade”.
gativo, e o do ser, indeciso, ora dirigindo-se num sentido, ora Estudando as regras que dirigem o funcionamento da Lei,
no outro. A positividade do Sistema está em luta contra a ne- podemos calcular as fatais consequências dos nossos atos,
gatividade do Anti-Sistema, filha da revolta, para corrigir a tornando possível deste modo, com uma conduta mais inteli-
desordem, reconduzindo-a para a ordem. A negatividade do gente, eliminar o máximo possível das causas primeiras de
Anti-Sistema está em luta contra o Sistema, para destruí-lo e tantos sofrimentos, que são devidos, como agora podemos
substituir-se a ele. O ser existe atualmente dentro desse dua- ver, ao fato de querermos colocar-nos fora do caminha certo
lismo de impulsos opostos. Porém, dos dois termos, o mais da Lei. Mas o homem não sabe ou não quer saber estas coisas
poderoso é o Sistema, onde Deus permaneceu em seu aspecto e continua errando e pagando. Não adianta explicar. Então,
transcendente, ao mesmo tempo em que continuou presente para ensinar a um ser que tem de ficar livre, não resta, na in-
também no Anti-Sistema, para salvá-lo, dirigindo-lhe os mo- violável lógica da Lei, senão o azorrague da dor, que é o raci-
vimentos no processo evolutivo. Assim o dualismo não só é ocínio compreendido por todos.
temporário, mas também está fechado dentro da unidade, que Deus nos corrige com a dor porque Ele quer a nossa felici-
ficou íntegra no monismo, senhor de tudo. dade, não havendo outro caminho para atingi-la senão seguir a
Então tudo é dominado pela Lei, que expressa a positivida- Sua lei. E o desejo de felicidade é o nosso instinto fundamental,
de do Sistema, o princípio de ordem, de equilíbrio e de justiça. mas a procuramos fora do caminho certo. Então a Lei, que nos
É neste campo de forças que o ser está livre para se movimen- ama e protege, nos avisa com a sua reação e nos endireita,
tar, mas só em função da vontade da Lei. Esta quer realizar os constrangendo-nos com a dor a irmos para onde nos convém. O
seus princípios, estabelecidos pelo Sistema, que ela representa. homem continua rebelando-se, buscando uma vantagem onde,
Então, em cada movimento seu, o ser tem de levar em conta a pelo contrário, está o seu prejuízo. Mas a Lei, com grande paci-
presença da Lei, que, embora o deixe livre, está sempre o im- ência, volta sempre a corrigi-lo e não para de golpeá-lo, até que
pulsionando para frente, para que ele volte ao Sistema. Mas ele a lição seja toda aprendida.
também pode dirigir-se no sentido oposto, para o Anti-Sistema, Assim, o homem vai experimentando e aprendendo. A ver-
agindo não conforme a vontade da Lei, mas contra ela. No pri- dade que possuímos é um fenômeno em evolução, portanto re-
meiro caso, em razão do ser colocar-se na corrente das forças lativa e progressiva. Nós a vamos conquistando por sucessivas
da Lei, é por ela ajudado. No segundo caso, pelo fato de querer aproximações, à medida que amadurecemos. Compreendere-
andar contra aquela corrente, a Lei se opõe e reage. mos assim cada vez mais o pensamento de Deus, que está es-
Eis a relação que existe entre os três impulsos fundamentais crito na Sua Lei, e alcançaremos um maior progresso, o qual
que se encontram no campo de forças do todo. O mundo, no en- nos permitirá dirigir mais inteligentemente a nossa conduta, li-
tanto, não quer levar em conta um fato essencial, pelo qual, se bertando-nos cada vez mais do sofrimento.
ele está livre para se dirigir ao Anti-Sistema, que é o mal, tem Quisemos nesta introdução, para orientar o leitor, apresentar
fatalmente de receber o choque da reação por parte da Lei, por- os conceitos fundamentais que desenvolveremos neste livro e,
que a vontade dela é, pelo contrário, levar tudo para o Sistema, ao mesmo tempo, resumir numa rápida síntese – tanto no seu
que é o bem. Nunca esqueçamos que, acima dessa luta entre aspecto teórico como no prático, tanto nos seus princípios gerais
positividade e negatividade, está Deus, dirigindo tudo, e que as- como nas suas consequências em relação à nossa conduta na
sim, no final das contas, tudo tem de se desenvolver conforme a realidade da vida – a estrutura de nosso sistema filosófico, que
Sua vontade. Se assim não fosse, a evolução representaria ape- vai da primeira criação realizada por Deus até à conclusão do ci-
nas uma tentativa incerta, que, se não alcançasse sucesso, aca- clo involutivo-evolutivo, com a salvação final de todos os seres.
baria na falência definitiva da obra de Deus, estabelecendo a
derrota final Dele, que não teria conseguido salvar Sua obra I. ESQUEMA GRÁFICO: INVOLUÇÃO–EVOLUÇÃO
com a evolução, e isto significaria a vitória definitiva do Anti-
Sistema. Na lógica do desenvolvimento dos impulsos no campo Depois da precedente premissa orientadora, podemos agora
de forças do todo, é absolutamente necessário o aniquilamento entrar no assunto do presente volume. Os aspectos básicos das
total de toda a negatividade e o triunfo completo de toda a posi- teorias que iremos aqui desenvolvendo foram equacionados nos
tividade, sem qualquer resíduo negativo. Se qualquer traço do livros mencionados anteriormente: Deus e Universo e O Sistema.
mal sobrevivesse, isto representaria a derrota de Deus, que é o O atual livro é o terreno das suas consequências e aplicações.
bem. Todos os efeitos da queda têm de ser destruídos definiti- Focalizemos então nossa atenção na figura apresentada na
vamente, realizando-se a reconstrução integral do Sistema. próxima página, que nos oferece geometricamente uma ex-
Este, em síntese, é o terreno dentro do qual se movimenta a pressão mais exata e evidente do fenômeno da queda e salva-
nossa conduta ética, num jogo de ações e reações, entre os im- ção, por nós aqui estudado. Usamos a representação gráfica
pulsos do ser e a vontade da Lei, cuja presença nunca se deve desta figura por se tratar de um recurso mais adequado para
ignorar. O ser age livremente, porque tem de experimentar para fixar em forma visível, intuitivo-sintética, os conceitos que
aprender e subir, enquanto a Lei reage deterministicamente, pa- iremos desenvolvendo.
ra que o ser suba para o Sistema e nele encontre a sua salvação. Esta figura nos dá o esquema completo do processo de ida e
O afastamento da Lei é o que chamamos “erro”; a reação da Lei volta do transformismo involutivo-evolutivo, que é a base da
ao erro é o que chamamos “dor”. No esquema gráfico, o com- estrutura de nosso mundo fenomênico, fornecendo-nos o dia-
primento da linha do erro, na direção da negatividade, expressa grama do ciclo constituído pela gênese, desenvolvimento e tra-
a medida do mal cometido, enquanto o comprimento da linha tamento da doença da queda e cisão, que foi causada pela revol-
da dor, que leva o ser na direção da positividade, nos expressa a ta e deu origem ao estado material de nosso universo corrupto.
medida do trabalho de endireitamento, necessário para voltar à O princípio fundamental do dualismo, no qual se baseia o esque-
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Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 59
ma, é a primeira impressão que nos salta à vista nesta figura, ção de cada ser, mas também o campo ao qual ele pertence, po-
dividida em duas partes opostas e equilibradas pela condição de sitivo ou negativo. Os limites geométricos da figura nos expres-
recíproco emborcamento. Quem não estiver ainda convencido sam o conceito da presença da lei de Deus, que abrange tudo,
da verdade das teorias apresentadas nos dois livros, Deus e inclusive o desmoronamento do AS, dentro dos seus limites, di-
Universo e O Sistema, encontrará aqui não só novos esclareci- rigindo com as suas normas todos os movimentos, retificando
mentos, que as explicam com maior clareza, mas também novas os erros através de suas reações contra qualquer violação e re-
provas, que as confirmam ainda mais. conduzindo à ordem tudo o que procurou afastar-se dela.
Já sabemos que, devido à revolta e à consequente queda, a Como podemos ver, esgotando-se ao atingir seu objetivo,
unidade do Sistema, ou todo orgânico em Deus, despedaçou-se que é a realização do AS, o impulso que saiu do S em direção
no dualismo Sistema e Anti-Sistema. Este processo de divisão ao AS é então neutralizado e anulado, seguindo um movimento
chegou à sua plenitude com a realização do Anti-Sistema, que oposto, que o leva novamente ao ponto de partida, seu estado
ficou, porém, sujeito a outro processo, agora de reunificação, o de origem no S. Tudo se reduz deste modo a um erro que foi
qual chegará à sua plenitude com a reconstrução da parte decaí- corrigido, a uma doença temporária que foi curada, a um afas-
da, no seio do Sistema. Separação e reunião, destruição e re- tamento que foi compensado pela reaproximação, a uma positi-
construção, doença e tratamento, descida e subida, saída e retor- vidade perdida que foi recuperada, a uma negatividade adquiri-
no, involução e evolução, são estes os dois momentos que en- da que foi expurgada, a um processo de ida que foi compensado
contramos sempre opostos, num contraste de forças rivais em lu- pelo de volta, resultando assim num intervalo de imperfeição na
ta para a supremacia. Justamente neste contraste está a base do eterna e indestrutível perfeição de Deus.
dinamismo de todo o processo, que vai, assim, amadurecendo de Tudo isto já foi dito naqueles dois livros, mas quisemos
uma posição à outra, deslocando os seus elementos ao longo das aqui acrescentar-lhe uma expressão gráfica, mais evidente e
posições escalonadas pelo caminho a fora, até haver percorrido exata. E, se temos falado de erro corrigido, foi porque procura-
todo o trajeto, desde a sua origem até à sua conclusão. mos salientar melhor este aspecto do fenômeno, pois um dos
Este é o conceito fundamental que domina o fenômeno por maiores problemas que teremos de encarar agora se refere à re-
nós agora estudado: a cisão no dualismo. Temos então duas ação da Lei para corrigir os nossos erros, com o qual entrare-
forças básicas em luta entre si, cada uma com o objetivo de mos no terreno da ética, nosso assunto atual. A este respeito, o
vencer a outra, prevalecendo uma em cada fase, a do Anti- fenômeno da queda representa o primeiro e maior caso de erro
Sistema no período de descida, ou fase involutiva, e a do Sis- cometido pela criatura e corrigido por Deus. Na queda, temos o
tema no período de subida, ou fase evolutiva. Estas forças são: erro máximo, atrás do qual ecoam e se vão repetindo todos os
1) O Sistema, que representa a positividade e os impulsos outros erros menores, que o ser repete a toda hora, ao longo de
deste tipo, constituindo as qualidades de afirmação: vida, sa- sua escala evolutiva, os quais veremos agora.
bedoria, amor, unidade, ordem, disciplina, felicidade etc. Este Observemos primeiro o processo no momento do início do
é o lado de Deus, do espírito, do bem. Por isso o sinal do Sis- ciclo, no ponto X do S, onde começa a viagem em descida para
tema é “+” (positivo). Y, ao longo da linha da involução. Na linha WW1, o S se encon-
2) O Anti-Sistema, que representa a negatividade e os impul- tra na plenitude da sua positividade, enquanto o valor efetivo da
sos deste tipo, opostos aos do Sistema, constituindo as qualida- revolta é apenas potencial, sendo o volume de negatividade ape-
des de negação: morte, ignorância, ódio, separatismo, desordem, nas um ponto sem dimensões, situado na plenitude da positivida-
revolta, sofrimento etc. Este é o lado de Satanás, da matéria, do de do S. Mas eis que essa potencialidade vai ficando cada vez
mal. Por isso o sinal do Anti-Sistema é “–” (negativo). mais próxima do AS e, pouco a pouco, a revolta vai se concreti-
Para nos expressar de maneira mais rápida, abreviamos a zando. Este fato está expresso na figura pela superfície sempre
palavra “Sistema” com a letra S, e a palavra “Anti-Sistema”, mais ampla que, na descida, a revolta vai conquistando e domi-
que também teremos de usar muitas vezes, com as letras AS. nando, até atingir a plenitude de sua realização, com uma total
Na figura, tudo o que pertence ao S está marcado com cor inversão ao negativo na linha ZZ1, na qual o triângulo verde está
vermelha, escolhida como a cor da positividade (+), e tudo o completo, pois seus lados atingiram a abertura máxima. Assim, a
que pertence ao AS está marcado em verde, escolhida como a negatividade, com o processo da involução, vai cobrindo toda a
cor da negatividade (–). superfície do triângulo do AS, cujo vértice está em X e a base é a
A linha vermelha WXW1 representa a plenitude do S, cons- linha ZZ1. No fim deste processo, o ponto X se dilatou sempre
tituindo a base do triângulo WYW1, que contém o campo de mais, até atingir as dimensões da linha ZZ1. A superfície sempre
forças positivas do S. A linha verde ZYZ1 representa a plenitu- maior, coberta pelo progressivo impulso da revolta ao longo da
de do AS, constituindo a base do triângulo ZXZ1, que contém o linha da involução XY, representa a dilatação do campo de forças
campo de forças negativas do AS. Este é o terreno não da origi- dominado pelo AS, que vai assim potencializando-se sempre
nária unidade do S, mas do dualismo em que fracassou o nosso mais, até atingir sua plenitude máxima na base ZZ1 do triângulo.
universo. Por isso, todos os valores, impulsos e movimentos Neste ponto, o impulso da revolta atingiu a sua completa realiza-
que vigoram no AS, realizam-se sempre em função da oposição ção com a criação do AS, que é o nosso universo material.
entre os dois sinais: “+” e “−”. O que acontece simultaneamente, então, em relação ao S?
A figura é simétrica e está dividida ao meio em duas partes Se o AS, no início do ciclo, em X, encontra-se no estado punti-
iguais, no sentido vertical, pela reta XY, comum ao triângulo forme, com um valor apenas potencial, o S se encontra, ao con-
vermelho do S e ao triângulo verde do AS. Marcamos uma li- trário, na sua plenitude WW1. Por outro lado, se durante a des-
nha central em verde, que representa o caminho de descida ou cida involutiva, na gênese do AS, o ponto X foi ampliando
involução, e outra em vermelho, que representa o caminho de sempre mais o seu campo de ação, até se tornar a plenitude ZZ1,
subida ou evolução, nossa atual fase. a linha WW1, ou plenitude do S, foi paralelamente contraindo
Esta figura nos oferece a representação completa da visão sempre mais o seu campo de ação, até se tornar o ponto Y. As
do fenômeno da queda nas suas duas fases, ida e volta, pelas duas transformações inversas se realizaram uma em função da
quais o ciclo se fecha, chegando novamente ao seu ponto de outra, com a negatividade ganhando onde a positividade perdia,
partida original. Tendo perante os olhos esta representação grá- num processo de emborcamentos simétricos das dimensões dos
fica, adequada para fixar as ideias, poderemos estudar melhor o respectivos valores. O que era mínimo no S tornou-se máximo
fenômeno nos seus pormenores. As duas cores diferentes nos no AS, e vice-versa. Passou-se assim da plenitude da positivi-
permitem perceber à primeira vista não só a natureza e a posi- dade à plenitude da negatividade. Isto porque, no processo da
60 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
queda, foi sendo realizada sempre mais a inversão das qualida- Vemos então que a negatividade, que quer continuar a ser ne-
des positivas do S nas negativas do AS. Além disso, à medida gativa, e a positividade, que quer continuar a ser positiva, de fato
que se dava o enfraquecimento do poder do S, ocorria o forta- colaboram no mesmo sentido da reconstrução. A negatividade,
lecimento do AS. Isso até que, na linha ZZ1, o poder positivo porque quer ser negatividade; a positividade, porque quer ser po-
do S, que era no início expresso pela linha WW1, ficou reduzi- sitividade. Maravilhosa sabedoria da Lei, que providencia trata-
do ao ponto Y, enquanto o poder negativo do AS, que era no mento e cura, prevendo tudo isto de antemão e pré-ordenando es-
início expresso pelo ponto X, tornou-se a linha ZZ1. Tudo isto a se jogo de forças, que, automaticamente, leva à salvação. Técnica
figura nos indica com o aumento progressivo da extensão da estupenda, pela qual vemos que o bem e o mal – o impulso posi-
superfície ou campo de forças dominado pelo triângulo do AS, tivo do bem e o impulso negativo do mal – trabalham juntos para
associado à paralela diminuição da extensão da superfície ou chegar ao mesmo resultado, que é o triunfo do bem.
campo de forças dominado pelo triângulo do S. Continuemos nossa observação. O processo, assim, vai-se
Tudo isto – é importante esclarecer – refere-se ao fenômeno desenvolvendo na segunda parte do ciclo, até que a linha ZZ 1
da queda ou ciclo involutivo-evolutivo, originado no S e dizen- da negatividade do AS fica reduzida a um ponto: X, enquanto
do respeito somente à parte corrompida, que dele quis sair, e não o ponto Y da positividade do S vai-se ampliando até chegar à
ao S todo, que permaneceu íntegro com a parte restante, não re- linha WW1. Estes deslocamentos significam que o campo de
belde. Esgotamos até aqui somente a primeira parte deste fenô- forças do S, que se havia antes comprimido sempre mais, até à
meno, isto é, a fase da queda. Observemos agora a sua segunda sua anulação, agora vai-se dilatando cada vez mais, ganhando
parte, inversa e complementar, a outra fase do ciclo, constituída em superfície, isto é, potencializando-se até voltar à sua pleni-
pela salvação. Por isso o título deste livro: Queda e Salvação. tude, enquanto o campo de forças negativas do AS, que se ha-
Se a primeira parte do ciclo está constituída por um proces- via anteriormente dilatado e potencializado sempre mais, até
so de inversão da positividade da parte rebelde do S na negati- chegar à sua plenitude, vai-se agora apertando sempre mais,
vidade do AS, a segunda parte é constituída por um processo de até chegar à sua anulação.
endireitamento da negatividade do AS na positividade do S, Neste ponto, o ciclo se completa, fechando-se sobre si
devolvendo ao S a parte corrupta que dele se afastou. Em Y, mesmo, porque atingiu o seu ponto de partida. Assim, o embor-
acabou o caminho da descida, ou involução, e inicia-se o do re- camento foi endireitado, a negatividade do AS foi reabsorvida
gresso em subida, ou evolução. Observando a figura, veremos na positividade do S, o caminho involutivo-evolutivo está todo
que ela nos expressa todo o processo do ciclo, que contém, nos percorrido e tudo voltou, reconstruído e saneado, ao seio do S.
seus dois movimentos fundamentais, de descida e de subida, Desse modo, os opostos se compensam e, em perfeita corres-
quatro deslocamentos, isto é: pondência na proporção de impulsos e movimentos, os dois
No movimento de descida: 1) O deslocamento do estado de caminhos – a queda e a salvação – equilibram-se, resolvendo-se
nulidade da negatividade do AS ao estado de plenitude daquela na perfeita ordem da Lei. Tanto a construção do triângulo verde
negatividade (gênese do triângulo verde); 2) O deslocamento do AS e a destruição do triângulo vermelho do S, geradas pelo
do estado de plenitude da positividade do S ao estado da nuli- processo de involução ou descida XY, como a destruição do
dade daquela positividade (destruição do triângulo vermelho). triângulo verde do AS e a reconstrução do vermelho do S, ge-
No movimento de subida: 3) O deslocamento do estado de radas pelo processo da evolução ou subida YX, estão grafica-
plenitude da negatividade do AS ao estado de nulidade daquela mente expressas na figura, saltando à vista ao primeiro olhar.
negatividade (destruição do triângulo verde); 4) O deslocamento Esta figura tem um significado profundo. Ela nos orienta,
do estado de nulidade da positividade do S ao estado de plenitu- explicando a causa, a razão e o objetivo do vir-a-ser universal,
de daquela positividade (reconstrução do triângulo vermelho). mostrando-nos as origens e o porquê do processo evolutivo em
Eis que a segunda parte do ciclo, inversa e complementar da que vivemos. Ela nos deixa ver com que exatidão geométrica a
primeira, completa-o, concluindo a segunda parte do mesmo sabedoria da Lei opera a salvação, uma vez que está contido em
fenômeno. Se, na primeira parte, como há pouco dissemos, pas- sua ordem todo o desmoronamento da queda. Para compreender
sa-se da plenitude da positividade à plenitude da negatividade, a figura, é necessário penetrá-la nos seus movimentos de con-
vemos agora que, na segunda parte do ciclo, passa-se da pleni- tração e expansão, de criação e reabsorção de valores, no seu
tude da negatividade à plenitude da positividade. Então todo o contínuo dinamismo regulador de todo o ciclo involutivo-
fenômeno da queda se reduz à gênese do dualismo, constituído evolutivo. Vemos então, de X, um ponto sem dimensão, nascer
pelos dois sinais opostos, + e −, fenômeno pelo qual, num pri- todo o campo de forças do AS e, igualmente, do ponto Y, o S
meiro momento, a positividade se torna negatividade, gerando voltar à sua plenitude. A posição reciprocamente emborcada
o AS, e, num segundo momento, a negatividade volta à positi- dos dois triângulos, S e AS, pela qual um diminui na proporção
vidade, reconstituindo-se no S. que o outro aumenta, até um desaparecer na plenitude do outro,
O processo de endireitamento evolutivo, que corrige a nos mostra quão ordenadamente a Lei tenha dirigido a desor-
precedente inversão involutiva do S para o AS, inicia-se na dem da queda no AS, até reconduzi-la toda à ordem do S. A fi-
linha ZZ1, na qual o AS se encontra em sua plenitude e o S, gura nos mostra como, a cada ponto e posição ao longo da linha
representado pelo ponto Y, encontra-se reduzido a uma po- da involução ou da evolução, corresponde uma proporcionada
tencialidade. Estamos na fase do maior constrangimento da amplitude do campo de forças negativas ou positivas dominado,
positividade e da maior expansão da negatividade vitoriosa. amplitude expressa pela superfície contida entre os dois lados
Mas, neste ponto, o originário impulso da revolta, que gerou oblíquos dos triângulos que se vão abrindo ou fechando. Pode-
a negatividade, aprisionando a positividade do S, esgota-se e se assim calcular, em cada ponto do seu caminho, a extensão do
o caráter fundamental de cada um dos dois impulsos volta a terreno dominado pelos seres que o percorrem e o valor das
prevalecer. Então o AS, que não pode deixar de seguir a sua forças possuídas por eles, perdendo num sentido e ganhando no
natureza negativa, será por ela levado a renegar a si mesmo, noutro, conforme a direção do seu caminho.
anulando-se como negatividade no caminho do regresso, pro- Assim, a figura não somente nos expressa com representa-
cesso ao qual é levado também pelo impulso do S, que, por ção geométrica espacial o esquema estático do fenômeno, mas
sua vez, não pode deixar de manifestar sua reação ao cons- também o dinamismo que o anima e transforma a cada passo,
trangimento sofrido dentro da negatividade do AS, afirmando da gênese à anulação dos espaços vitais, seja do S seja do AS.
a sua indestrutível natureza positiva, agora que o esgotamen- Pela aproximação um do outro dos dois lados de cada triângulo,
to do impulso contrário se desvaneceu. avizinhando-se pouco a pouco do vértice, a figura, com o relati-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 61
vo estreitamento do campo de forças ou espaço vital que o S ra o AS, uma vez que se realizou, esgota-se e assim, não pos-
ou o AS domina, apresenta-nos, expresso graficamente, em suindo mais força, jaz exausto, inerte. Que outro impulso ativo,
forma espacial intuitiva, o conceito de anulação do S, ou des- então, poderá surgir nesse ponto?
truição do AS. E, ao contrário, com o afastamento dos dois la- Tal movimento só pode ser determinado pelo S. Enquanto o
dos dos triângulos e a relativa ampliação do campo dominado, caminho XY consumiu todo o impulso da negatividade devida à
a figura nos expressa o conceito de formação do AS, ou re- revolta, realizou-se também, por esse mesmo processo de expan-
construção do S. Se pensarmos no significado implícito no es- são construtora da negatividade do triângulo verde, uma com-
quema, com as qualidades e consequências de um triângulo pressão destruidora da positividade do triângulo vermelho. Disto
prevalecendo sobre o outro, poderemos compreender quão vas- se segue que, quando o processo chega à plenitude do AS, a ne-
to significado a figura contém e a importância das conclusões gatividade atinge seu estado de expansão máxima, ou seja, de
às quais nos poderá levar este estudo. completo esgotamento e total inércia, enquanto a positividade al-
◘ ◘ ◘ cança seu estado de concentração máxima, ou seja, de potenciali-
Vamos continuar observando a nossa figura, para compre- dade e dinamismo máximos. Sendo o fenômeno da queda um jo-
endê-la cada vez melhor. Procuremos aprofundar sempre mais go de emborcamento, sua vitória só pode resultar no fortaleci-
o nosso olhar no mistério da estrutura do fenômeno do universo mento da reação evolutiva. É justamente no ponto onde foi atin-
e dos abstratos princípios gerais que o regem. Poderemos assim gido o completo triunfo da negatividade, que o impulso da posi-
penetrar os significados sempre mais íntimos de nossa repre- tividade comprimida encontra algo como uma parede, na qual
sentação gráfica, as razões da sua estrutura e a técnica do funci- bate e ricocheteia para trás. E esta barreira que constrange o pro-
onamento das suas forças. cesso de emborcamento na negatividade a inverter-se, fazendo-o
Temos até aqui observado, numa simples visão de conjun- endireitar-se na positividade, é o próprio triunfo da negatividade.
to, a figura em sua estrutura estática, para ver como está cons- Isto nos permite pensar que se trata apenas de uma nova di-
truída. Estudamo-la depois em seu dinamismo, isto é, no de- reção do mesmo impulso, continuando no sentido contrário, pa-
senvolvimento das duas fases, uma de ida e outra de volta. Es- ra percorrer o trecho complementar do mesmo ciclo, do qual
tamos aprofundando e ilustrando em forma visível, com exa- involução e evolução são duas fases consecutivas. Então a evo-
tidão cada vez maior, os conceitos apresentados nos livros lução seria só a continuação do caminho da involução. Se isto é
Deus e Universo e O Sistema, trabalho que é possível somente verdade, então é fato também que esse novo impulso deriva do
agora, pois o esquema geral já foi traçado e os problemas fun- S, cuja prevalência sobre o AS só pode se manifestar no ponto
damentais estão resolvidos. Y, onde o caminho do AS está esgotado. É assim que, em Y,
Vimos em que consiste o processo involutivo-evolutivo, começa a predominar o S. Desse modo, no ponto onde a nega-
isto é, as duas fases do ciclo, com a ida e a volta. Explicamos tividade atingiu a plenitude da sua realização, a positividade
que o movimento de descida ou afastamento do S, ao chegar pode iniciar o seu trabalho, lento mas constante, que se realiza-
no ponto Y, inverte-se no movimento de subida ou aproxima- rá até reconduzir tudo ao S, tudo redimindo na salvação final.
ção do S, até atingi-lo. Torna-se necessário levar em conta também o fato de que,
Surge neste ponto uma pergunta espontânea. Por que motivo com a queda, foi gerada e se iniciou a maneira de existir no rela-
o processo da queda, atingindo esse grau do seu amadurecimen- tivo, sob a forma do vir-a-ser ou transformismo. É neste processo
to, ao invés de continuar na mesma direção, volta para trás? A que o ser está situado agora, constrangido a percorrer o caminho
que força se deve esse emborcamento do seu caminho? Como já do ciclo involutivo-evolutivo, no qual ele não pode parar. Então a
dissemos, o fenômeno acontece assim porque o impulso da re- primeira condição para a sua sobrevivência é a continuação desse
volta se esgota. Mas isto não basta para explicar. Há mais ainda. caminho. Se o fruto amadurecido pela queda não quiser ficar
A lei de cada impulso tende a progredir até atingir a plenitude congelado na total ausência de vida – pois a vida é estabelecida
da sua realização. Quando, porém, essa realização for atingida, o pela positividade – é necessário que o movimento continue. Po-
impulso não funciona mais. Então dizemos que ele se esgota, rém, se ninguém, devido ao transformismo universal – que é lei
porque, atingido o alvo, ele para. Isto porque, quando a causa ti- de vida e condição de existência no relativo – pode parar sem
ver sido transformada toda em efeito, ela não existe mais como morrer, o ser não tem outra escolha, para continuar a existir, a
causa e, com isso, anula-se o motor do processo. Quando o alvo não ser emborcar-se novamente, voltando ao positivo.
for atingido, acaba a trajetória da viagem, que não pode continu- Por que não há outra escolha? Porque no todo não existe ou-
ar. Quando realizamos uma obra, manifestando nela o nosso pen- tro modelo, exceto o estabelecido pelo S. Este é o modelo do To-
samento e nossa vontade – fazendo o que se encontrava dentro de do-Uno-Deus. A criatura não é o Criador e, por isso, não tem o
nós em estado potencial passar para fora de nós em estado atual – poder de gerar outros modelos. Tudo o que existe tem de girar ao
a força que tudo movimentou não pode continuar atuando. Como redor de Deus, estando incluído e fechado dentro do sistema de
poderia continuar, se o objetivo foi atingido? Para continuar, pre- forças da Sua obra. Outra obra não há, nem pode haver. Então a
cisaria determinar novo objetivo e novo impulso para atingi-lo. única coisa que pode existir é o sistema de Deus ou uma altera-
Não há movimento que possa continuar além do seu ponto de ção daquele modelo, porém jamais um novo. Não é possível um
chegada, a não ser iniciando outro caminho para outra finalidade. sistema de outro tipo, uma ordem diferente, mas apenas um des-
Então, pela própria lei que o fenômeno traz escrita dentro locamento, uma desordem dentro da ordem de Deus. Daí o em-
de si, tudo está automaticamente pré-ordenado, de modo que, borcamento gerado pela revolta. Quando tal fenômeno, pelo fato
no ponto onde toda a positividade da parte rebelde do S se de se ter realizado, chega ao fim, nem por isso ele pode sair do
transformou na negatividade do AS, cumprindo-se a obra de sistema de forças do todo, que abrange tudo. Tudo está enclausu-
construção do triângulo verde na linha ZZ 1, o processo tem de rado neste sistema e nada pode existir fora dele. Se Deus é tudo e
parar forçosamente e, se quiser continuar, não pode fazê-lo este é o modelo do todo, não é possível sair deste sistema. Por is-
senão mudando o tipo do seu movimento e iniciando outro so, quando o impulso da ida se tiver esgotado, não lhe resta, para
caminho para outro objetivo. sobreviver, senão repetir o mesmo motivo do emborcamento, in-
E que direção poderá esse novo movimento assumir? Que vertendo-se para voltar atrás. Esta é a razão pela qual a negativi-
outro tipo de causa poderá surgir dentro do efeito realizado? O dade do AS tem de endireitar-se na positividade do S.
novo impulso somente poderá ser determinado pelas forças dis- Observando a figura, vemos que, quando a negatividade atin-
poníveis naquele ponto do caminho ou desenvolvimento do ge sua expansão máxima, a positividade fica comprimida no pon-
processo. Mas o que se encontra naquele ponto? O impulso pa- to Y, acima do qual gravita o triângulo vermelho, convergindo
62 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
para aquele vértice todas as suas forças. É lógico que, neste pon- Mas o tormento deste mal-entendido não pode durar para
to, onde é mínimo o poder da negatividade (enfraquecido devido sempre. Nada constrange a pensar tanto como a desilusão; nada
à sua maior expansão) e máximo o poder da positividade (forta- acorda a inteligência como o sofrimento. Eis que, no meio de
lecido devido à sua maior concentração, dado que o ser nada po- todas as dores, abre-se a mente fechada pelo orgulho, então a
de criar ou destruir), este último prevaleça sobre o primeiro, sen- alma começa a vislumbrar a luz de Deus, que chama de longe e,
do exatamente este o ponto onde se inicia o caminho da volta. assim, inicia-se o caminho da volta a Ele. Quem é filho Dele,
Começa assim o regresso. Por este automático jogo de for- feito da Sua mesma substância, não pode deixar de sê-lo e, mais
ças, contidas no próprio seio do processo, tudo continua desen- cedo ou mais tarde, acaba voltando ao Pai.
volvendo-se deterministicamente, pré-ordenado pela sabedoria Eis como o ser se encontra impulsionado a enfrentar o traba-
de Deus, que, havendo previsto tudo, já tinha preparado o remé- lho de reconstrução. A estrada é longa e cheia de dificuldades. E
dio para o mal, caso a criatura viesse a desobedecer. Trata-se de não há como o ser fugir, uma vez que ele, como vimos, encon-
leis que regulam todo o movimento do ser livre, dentro das quais tra-se mergulhado nesse jogo de forças. É necessário superar os
estamos situados. Leis benfazejas e consoladoras, porque que- obstáculos com o próprio esforço. Se o supremo objetivo do ser
rem e sabem dirigir a loucura de um ser livre para a sua salva- é voltar à plenitude da vida e à felicidade no S, não há outro ca-
ção. A compreensão desse processo de regresso do AS ao S nos minho senão a evolução. O roteiro da viagem está todo marcado
mostra e garante que, no fundo do mal, o ser não pode encontrar de antemão. O ser, feito da vida do S, não pode permanecer para
senão o caminho para o bem e que, no fundo da culpa, não pode sempre nas angústias do AS. Ele tem de subir e, por isso tem de
haver senão o arrependimento, pois a Lei determina, no extremo lutar e vencer. O paraíso perdido o está esperando, mas ele tem
do afastamento de Deus, o início do processo de aproximação e, de reconquistá-lo com o seu esforço. O ambiente é hostil, a exis-
no máximo da revolta, o começo da obra de reconciliação. tência é dura. Ao anseio de felicidade e vida responde apenas
Chegamos então a compreender e podemos aqui afirmar que uma realidade de sofrimento e morte. Para sobreviver, o ser tem
existe uma lei que poderemos chamar de “lei do regresso”, pela de lutar a cada passo contra mil inimigos.
qual, obedecendo a um princípio geral de equilíbrio, tudo o que Eis que estas nossas elucidações nos explicam porque a
se afasta de Deus tem de retornar, retrocedendo para trás, até ao existência do nível vegetal, animal e humano se baseia numa
seu ponto de partida, que se torna então o ponto de chegada em guerra contínua de todos contra todos, que não conhecem ou-
Deus, a única referência para tudo o que existe. Por esta lei de tras relações senão o ataque e a defesa. Isto é fruto do AS e do
regresso, a revolta não pode acabar senão na obediência; o em- esforço evolutivo para sair dele. Nos níveis de vida mais adian-
borcamento, no endireitamento; a perdição, na salvação. A nos- tados, que estão mais próximos do S, tudo isto vai desapare-
sa admiração jamais terá limites perante tão profunda sabedo- cendo no pacifismo evangélico do “ama o teu próximo como a
ria, que faz o erro se resolver numa experiência para aprender a ti mesmo”. Podemos compreender assim qual é a origem, razão
verdade, o impulso para a subida despontar no fundo da descida e objetivo da fundamental lei da evolução: a luta pela vida.
e o caminho para a felicidade se abrir no âmago do sofrimento. Deus é vida, e tudo tende para a vida, que é Deus. A luta pe-
Assim, o ser, indiretamente constrangido por esta lei de re- la vida é a luta pelo S, contra o AS. Ela representa o esforço do
gresso, não pode deixar de realizar a sua salvação. Em todo ser para emergir da negatividade, que o sufoca. Através dessa
momento, seja qual for a posição atingida, ele permanece sem- dura lição, ele vai experimentando, aprendendo e reconstruin-
pre filho do S, com as indeléveis qualidades que possuía ali, as do. Tudo isto é trabalho pesado, mas o ser está apegado à vida,
quais foram desviadas, torcidas na negatividade, mas nem por princípio do S, e não pode deixar de defendê-la desesperada-
isso destruídas. O ser se tornou um exilado, mas a sua pátria mente. Portanto ele tem de fazer esse esforço. Mas isso implica
permaneceu sempre o S. A sua natureza positiva se manteve, em desenvolver a inteligência, o que significa voltar para o S.
porém dela, no fundo da negatividade, não subsistiu para ele Então a função da lei da luta pela vida não se esgota na sua fi-
senão o vazio, a sensação de perda, a saudade e o choro do ins- nalidade mais próxima, que é a seleção do mais forte, mas ad-
tinto insatisfeito. As qualidades positivas do S ficaram escritas quire e contém um significado mais profundo, pois constitui um
na sua alma, como anseio de vida e de felicidade na desespera- meio para abrir a mente e acordar o espírito adormecido, para
da lembrança do paraíso perdido. O desenfreado desejo de que este, potencializando-se, progrida e, emergindo da materia-
crescer fora da sua medida e da ordem do S, lançou o ser no lidade, suba até regressar ao S. Esta é a história de nossa evolu-
AS, onde ele ficou mergulhado às avessas, na negatividade. As- ção planetária, entendida no seu sentido substancial e concebida
sim, ele perdeu o seu tesouro, que ficou no S, e, quanto mais se na mais vasta amplitude do ciclo inteiro da queda e salvação.
aprofunda no AS, tanto mais fica ansioso para recuperá-lo. Mas
o ser é rebelde e, então, tenta buscá-lo na descida, afastando-se II. A SABEDORIA DA LEI
sempre mais dele, perdendo a positividade, ao invés de recupe-
rá-la. Eis o que vemos de fato acontecer em nosso mundo. E, Antes de entrar no estudo dos pormenores da maravilhosa
depois destas elucidações, podemos compreender a irracionali- técnica de funcionamento da Lei, que nos mostra a sua expres-
dade de um trabalho assim tão contraproducente. são gráfica em nossa figura, continuemos observando as razões
Mas eis que, para salvar a criatura desta loucura, intervém a que a explicam e justificam.
sabedoria da lei do regresso. Quanto mais o ser desce, tanto Falamos no capítulo precedente do constrangimento ao
mais aumenta a carência de tudo o que ela possuía no S e, qual o ser está sujeito para que se realize a sua salvação. A es-
quanto mais ele empobrece, tanto mais aumenta o seu anseio de te respeito surge espontaneamente uma pergunta. Como se
enriquecer novamente. Mas, quanto mais ele desce na negativi- pode conciliar, de um lado, essa absoluta necessidade de sal-
dade do AS, tanto menos positividade ele encontra no seu am- vação, que leva ao constrangimento, e, de outro lado, a liber-
biente e, com isso, tanto menos possibilidade tem para ficar sa- dade do ser, sua qualidade fundamental e inviolável? Como se
tisfeito. Quanto mais ele se torna faminto, tanto mais se torna pode conciliar essa invencível vontade da Lei de realizar a
difícil satisfazer a sua fome. Quanto mais o ser procura perse- salvação e o livre arbítrio do ser? Se é a Lei que tem de atuar
verar na sua loucura de querer encontrar a positividade do S e se o ser está fechado dentro dela, sem possibilidade de se
dentro da negatividade do AS, tanto mais ele fica traído e desi- evadir, então ele não é mais livre. Eis que encontramos aqui a
ludido, porque, como é lógico, não encontra senão o contrário Lei em conflito consigo mesma, porque vemos existir nela
do que está procurando. Não está tudo isto confirmado pelos fa- dois princípios opostos: o domínio absoluto da Lei e a liber-
tos que vemos acontecer em nosso mundo, a todo o momento? dade do ser. Posição de plena contradição, porque, num mo-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 63
mento, a Lei quer a liberdade do ser e, em outro, ela quer a não o fosse, fracassaria toda a obra de Deus. Mas, ao mesmo
sua obediência. Como se resolve esse conflito? tempo, ela não pode ser realizada à força, porque o ser não pode
O fato é que a Lei foi elaborada para o ser funcionar nela regressar ao S como escravo. No S, não há lugar para escravos.
por convencimento, obedecendo-a espontaneamente, e não à Eis então que a solução dos dois problemas é dada pela reação
força. O constrangimento não existia no S e somente apareceu da Lei. A função dela não é impor-se à força, mas sim ensinar e
fora dele, com a revolta, que gerou a necessidade de salvação educar. E, à força, não se educa. Então a Lei deixa o ser livre
dos rebelados. A Lei não é responsável pela desobediência, po- para experimentar e, assim, aprender. Com a sua reação, ela não
rém previu a doença e a cura, cuja realização ela atinge através escraviza, mas educa. Através da dor, a Lei ensina a lição ao ser
do constrangimento, que, de outro modo, não seria necessário. e, com isso, reergue-o para salvá-lo.
Tal recurso é inconcebível no S, sendo apenas fruto do AS. Se olharmos bem, veremos que há uma razão mais profun-
Porém, se a Lei realiza essa coação, ela o faz somente para da para tudo isto. A reação da Lei, em substância, não é, como
o bem de quem errou. Quando um homem enlouquece, amea- pode parecer, o resultado de uma vontade contrária inimiga,
çando matar-se, pode alguém que, mesmo respeitando a liber- no terreno do ataque e defesa, mas sim o automático efeito da
dade dele o máximo possível, constranja-o a salvar-se da auto- negatividade que o ser, com a revolta, produziu na positivida-
destruição ser chamado de escravagista? Será isto escravidão de do S. Trata-se de uma reação automática que o ser provoca
ou um ato de bondade? Representará isto para o ser um ataque contra si mesmo, em razão da posição emborcada na qual ele
ou um ato de defesa? Como poderia deixar de fazer isto uma lei quis colocar-se com a revolta. Revoltando-se, ele renegou
baseada na justiça e na bondade? E, de fato, é justo que o rebel- apenas a si mesmo e, em vez de alterar a Lei, como desejava,
de sofra as consequências da desordem que semeou, experi- mudou somente a si próprio, permanecendo dentro dela, que,
mentando no sofrimento, para aprender a lição e, assim, não apesar de tudo, continuou indestrutível, indelevelmente escrita
cair mais. Constitui, então, um ato de bondade constranger um no íntimo do ser, constituindo a própria natureza dele. Pen-
louco suicida a salvar-se, mesmo que, para isso, seja necessário sando renegar a Deus com a revolta, a criatura só renegou a si
tirar-lhe a liberdade, quando esta, nas suas mãos, torna-se um mesma. Sendo um elemento do sistema de Deus, ela, ao agir
instrumento de mal e um prejuízo para ele. contra Deus, agiu contra si mesma. Desse modo, o que apare-
Mas será que Deus verdadeiramente escraviza, recorrendo à ce agora como reação da Lei nada mais é, na realidade, senão
força? Toda a ação Dele, neste caso, não vai além do que cha- a reação da íntima e própria natureza do ser contra a sua re-
mamos de “reação da Lei”. Mas isto não é escravidão, porque o volta, que o levou à dor e à morte, enquanto ele não pode dei-
ser não fica de modo algum constrangido pela força. Aqui não xar de querer a felicidade e a vida.
há força nem coação direta. Deus não tira, nem poderia tirar a Não há escravidão alguma nisso. O ser ficou perfeitamente
liberdade da criatura, porque, deste modo, faria dela um autôma- livre para continuar a se aprofundar à vontade na dor, até anular-
to. Se isto fosse possível, Deus teria antecipadamente resolvido se. Por isso, para que não fosse violada a sua liberdade, foi ne-
todo o problema da queda, criando uma máquina perfeita e, por cessário admitir a possibilidade da sua destruição final como in-
isso, totalmente obediente, em vez de um ser livre e consciente. dividuação ou eu pessoal (“eu sou”), no caso extremo em que o
Mas os fatos nos mostram o contrário. Tudo o que aconte- ser quisesse insistir na revolta, aprofundando-se na negatividade,
ceu no drama da revolta é exatamente o efeito da inviolável li- até ao aniquilamento da sua positividade como elemento do S.
berdade do ser. Se a Lei reage, é porque o ser foi deixado livre Então, se ocorre a reação da Lei, esta, na substância, não é
para violá-la e, se ela continua reagindo, é porque o ser é livre senão a reação do ser, que não quer sofrer e morrer. Sua escra-
para continuar violando-a quantas vezes quiser. Mas isto não vidão é dada pelo fato de ser ele cidadão indestrutível do S, fi-
significa que Deus renuncie aos Seus planos e deixe nas mãos lho de Deus, isto é, da felicidade e da vida. O constrangimento
da criatura o poder de emborcar e destruir toda a Sua obra, por- depende apenas do fato de que o ser não pode viver fora do S
quanto isto resultaria também na destruição do próprio rebelde, nem deixar de ter de voltar para o S. E, se ele hoje se encontra
que a quis. Tudo que o ser pode realizar com a revolta trans- nesse impasse de estar situado no AS, isto se deve justamente
forma-se em seu próprio prejuízo. Eis a perfeita justiça e equi- ao fato de ele ser livre e ter querido sê-lo demais. Enquanto o
líbrio, pelo que o efeito tem de ser proporcional à causa. ser estava no S, possuía plena liberdade, mas a perdeu devido
A criatura não gosta de receber punição e desejaria uma li- ao mau uso que fez dela. Assim, o ser se lançou, por si mesmo,
berdade que lhe permitisse fazer o mal sem ter de ficar sujeito na falta de liberdade, não lhe restando senão endireitar-se do er-
às consequências. A possibilidade de violar a Lei, mas ter de ro, se não quiser piorar sempre mais as suas condições e sofrer
pagar por isso, não é considerada liberdade pelo ser, mas sim mais ainda. Não há coisa alguma que possa sair de Deus e da
escravidão. Ele se rebela ao amargo remédio. Mas como pode o sua Lei, feita de justiça e ordem, e não voltar a Ele. Se os equi-
médico não procurar curar a doença e suprimir, para satisfazer líbrios foram deslocados, não resta outra alternativa senão ree-
o doente, o amargo remédio, paralisando assim a sua ação sal- quilibrá-los. O ser quis lançar-se na negatividade do AS, e ago-
vadora? Como pode Deus deixar de impulsionar a criatura pelo ra não há para ele outro caminho a não ser reconstruir a positi-
caminho da evolução, se esse, embora duro, é o único que leva vidade perdida do S. Tudo isto é consequência natural e auto-
para o S, somente onde é possível encontrar a salvação? Com a mática da estrutura do S. Não se trata de escravidão, mas da ne-
revolta, o ser se tornou ignorante, tornando-se agora tão louco, cessidade de reintegrar os rebeldes na posição de filhos do Pai.
que vai procurando a plenitude da vida na morte, no AS. O ser A lição a se aprender é que é absurdo e impossível encon-
emborcou-se e quer continuar a descer. Se não fosse constran- trar a positividade na negatividade, a felicidade na revolta, a
gido pela dor a endireitar o seu caminho para a subida, ele se vantagem no emborcamento. Isto nos explica a função educa-
aprofundaria sempre mais no pântano, até à sua destruição. Esta dora e saneadora da dor, cuja presença se justifica assim, em
não pode ser uma solução, nem a poderia permitir Deus, que consonância com a bondade de Deus, como Seu instrumento
gerou a criatura para a vida, e não para a morte. Eis, então, que para atingir o nosso bem. Assim, respeitando a nossa liberdade,
aparece, no meio do triângulo verde (AS), a linha vermelha da Ele nos conduz à nossa felicidade, usando um método duplo,
Lei, ou evolução, que representa a salvação. Todo o fenômeno que estabelece o livre arbítrio nas causas e o determinismo nos
se desenvolve, em cada momento, com perfeita lógica. efeitos, sendo o primeiro temperado, corrigido e retificado pelo
Ora, a sabedoria da Lei tem de conciliar as soluções de dois segundo. Este é o método da livre semeadura e da colheita
problemas opostos: a necessidade da salvação e o respeito à li- obrigatória. Assim, a sabedoria de Deus soube conciliar a ne-
berdade individual. A salvação tem de ser atingida, porque, se cessária liberdade do ser com o imperativo de que ele seja sal-
64 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
vo. Maravilhosa escola, na qual os alunos, permanecendo li- Os problemas são conexos e interdependentes uns com os
vres, têm necessariamente que aprender e subir. outros. Tendo resolvido agora a questão do constrangimento,
Eis, então, a série dos momentos sucessivos através dos aproximamo-nos de um problema paralelo, dado pelo aniqui-
quais se desenvolve, por um encadeamento lógico, o processo lamento da substância constituinte do ser, no caso em que ele
da salvação: queira persistir definitivamente na sua revolta. Já tocamos neste
1) Deus é bom e quer o nosso bem e felicidade. 2) Bem e fe- ponto em nossos dois livros: Deus e Universo e O Sistema. Será
licidade não podem ser atingidos a não ser no seio do S. 3) Deus, útil para o leitor encontrar aqui o assunto rapidamente resumi-
respeitando a liberdade do ser, deixou que ele se afastasse do S e, do, porquanto ele é apresentado de forma diferente, com rela-
com isso, caísse no mal e na dor do AS. 4) Para regressar ao seio ção aos outros problemas que estamos tratando, levando a um
do S, é necessário evoluir. A salvação está na evolução, para re- maior esclarecimento de todos eles.
cuperar o que foi perdido. 5) Por não haver outro caminho para a Tratando há pouco do assunto do constrangimento, vimos que
salvação, Deus nos impulsiona para que avancemos ao longo de a Lei, só indiretamente, impulsiona o ser à sua salvação, ficando
nossa trajetória evolutiva. 6) O ser não pode voltar ao seio do S sempre na posição de um absoluto respeito para com a sua liber-
senão livre e consciente. 7) Então Deus não pode escravizá-lo, dade. Surge então o problema. Será que esse respeito da Lei para
pois uma máquina ou autômato, embora perfeito e obediente, não com a liberdade do ser chega até ao ponto de ter de aceitar a re-
serve. 8) O ser, para voltar ao S, tem de se transformar, ficando volta definitiva dele? Se o ser quiser usar da sua liberdade até ao
absolutamente livre, sem coação. 9) Não resta a Deus outra coisa caso limite, teoricamente possível, de nunca querer voltar atrás,
senão educar-nos, sem usar a força e a escravidão, que não edu- recusando-se a evoluir para a salvação, poderá então a Lei permi-
cam. Deus não pode querer o absurdo. Ele não age loucamente, tir que tal violação atinja o ponto de aniquilar os seus efeitos?
mas com sabedoria e poder. 10) Por isso não há para Deus outro Chegará esse respeito pela liberdade ao ponto de deixar o ser,
caminho senão nos educar, para nos fazer conscientes cidadãos com a sua revolta, vencer definitivamente a Lei e construir um
do S. 11) Para alcançar tal condição, os alunos têm de aprender a AS não temporário e sanável, mas eterno e definitivo, o que re-
lição, experimentando-a livremente. 12) Isto significa aprender às presentaria o fracasso da obra de Deus? Como a sabedoria da Lei
próprias custas, livres para cometer erros, mas fatalmente impe- resolve esse outro conflito entre duas exigências opostas?
didos de fugir às suas consequências; livres para se afastar do Temos aqui dois princípios contrários: a liberdade do ser,
caminho da Lei, mas não para fugir aos dolorosos efeitos que es- que não pode ser destruída, e a supremacia da Lei, que tem de
se afastamento produz. 13) Por isso Deus usa o único método atingir as suas finalidades. Temos de um lado a impossibili-
que satisfaz a todas essas exigências, empregando o método do dade de tirar a liberdade do ser, porque ela é o requisito fun-
constrangimento indireto. 14) Esse constrangimento é represen- damental da substância divina da qual o ser é feito. O filho
tado pelas reações da Lei, que nos devolve em forma de dor cada tem de ser da mesma natureza do pai, então, se a natureza do
violação nossa contra sua ordem, golpeando-nos até que apren- pai é ser livre, a do filho também deve ser. Se o espírito não
damos a lição, ensinando-nos a não errar mais. fosse livre, ele não seria filho de Deus, porque não seria cons-
O método da reação da Lei resolve o caso. Ela estabelece truído com a livre substância do Pai. Mas eis que, ao mesmo
que o ser fica livre para violar a Lei à vontade e afastar-se do S, tempo, na própria liberdade está contido o perigo da revolta,
mas, com isso, ele se afasta da felicidade e cai no sofrimento, que está implícito nela, pois, se tirássemos do espírito a liber-
diminui em positividade e perde em vida, aprofundando-se cada dade para desobedecer, ele não seria mais livre. A liberdade
vez mais na negatividade da morte. Então, se o ser não quer deve ser total, completa, incluindo também a possibilidade de
anular-se, tem de voltar para trás e evoluir, para, com o seu es- uma revolta perpétua e definitiva.
forço, sair do inferno que gerou para si. Esta é a encruzilhada Eis, então, que é necessário deixar nas mãos da criatura o
em que ele se encontra: ou ter que sofrer sempre mais, se quiser poder de desvirtuar para sempre, com uma rebelião permanen-
continuar satisfazendo o seu desejo de revolta, ou arrepender-se te, a obra de Deus. No entanto, se uma só gota de desobediência
e mudar a sua trajetória, se quiser libertar-se do inferno e re- e de mal sobrevivesse na obra, ela não seria mais perfeita, pois
conquistar o paraíso perdido. São os próprios resultados da sua se constituiria de bem corroído pelo mal, o que deixaria a di-
revolta que o obrigarão a se revoltar contra ela, cujos frutos são vindade derrotada pelo seu inimigo, manchada, mutilada e frus-
amargos demais para ele aceitá-los. trada pela imperfeição.
Isto é o que nos confirmam os fatos oferecidos pela vida. Os Encontramo-nos na contradição entre duas posições opostas.
seres se encontram disputando os fragmentados sobejos da A liberdade existe e representa um perigo, mas não se pode tirá-
grande vida que possuíam no S. Aprofundados no AS, não é la do ser, para garantir a obra de Deus. Que esta fique sujeita à
possível viver senão em trechos intercalados com períodos que vontade do ser é absurdo inadmissível. Então é necessário admi-
negam a vida, sempre abraçados à morte, devorando-se uns aos tir que, pela divina sabedoria, existe um meio para impedir essa
outros numa luta contínua. A existência tem de ser ganha a todo liberdade de fazer naufragar a obra de Deus. Qual é esse meio?
o momento, com o próprio esforço, o que significa necessaria- Primeiramente, antes de se chegar à última e definitiva so-
mente evoluir, experimentando, aprendendo e, assim, desen- lução, existem muitos meios para resolver o caso, evitando des-
volvendo a inteligência, para acordar o espírito. Da grande vida sa forma a necessidade de usá-la. Há a elasticidade da Lei, ha-
no S nada restou senão esse pobre resto, uma vida fechada no bitualmente chamada de divina misericórdia, que nos espera no
tempo, despedaçada a cada momento pela morte, que está sem- tempo, oferecendo-nos assim a possibilidade de encontrarmos
pre à espera, espreitando-a para destruí-la. Quem pode aceitar as condições mais adaptadas para compreendermos, pagarmos e
isto para sempre? Eis aí a causa que gera o irresistível impulso nos corrigirmos. Há a bondade de Deus, que nos ajuda, e a sua
para se libertar dessa condenação e, com isso, a necessidade de vontade, que nos impulsiona ao longo do caminho da evolução.
fazer o esforço de evoluir. Este é o significado do livre cons- Neste sentido atuam duas grandes forças: uma negativa e
trangimento pelo qual a Lei obriga o ser a atingir a sua salva- outra positiva, colaborando para atingir a mesma finalidade.
ção, voltando ao S. Enquanto isso não se realizar, teremos de Pela primeira o ser é repelido para longe do AS; pela segunda
defender, com o nosso esforço de toda hora, a nossa vida inse- ele é atraído para o S. Quanto mais o ser insiste na revolta,
gura, acossados pelo constante medo de perdê-la. E muito te- tanto mais ele desce para o AS, aprofundando-se nas suas
remos de lutar e sofrer, para que possamos subir todo o cami- qualidades de negatividade, que são as trevas, a dor, a morte.
nho da volta e atingir o ponto final de chegada. Ora, como é possível que o ser queira insistir para sempre
◘ ◘ ◘ num caminho que o leva para uma tão absoluta negação do
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 65
que ele mais almeja? Como pode durar algo que vai contra si mistério. Mas isto, além de não ser a solução, não pode mais
mesmo, contra a sua própria natureza? ser aceito hoje pela mente humana, que vai amadurecendo.
Por outro lado, quanto mais o ser se torna obediente à Lei, Deus não é exterior aos fenômenos, como se dá com o ho-
tanto mais ele se aproxima do S, isto é, ganha nas suas qualida- mem, que vive no relativo. Isto seria concebê-lo antropomor-
des de positividade, subindo para a luz, para a felicidade, para a ficamente. Deus é interior a tudo o que existe, assim como o
vida. Como pode o ser continuar usando a sua liberdade no senti- nosso eu é interior ao nosso corpo, agindo nele, movimentan-
do de aumentar o próprio dano e diminuir a própria vantagem, do-o e curando-o de dentro, e não de fora. Eis o que nos ensi-
quando o seu instinto quer justamente o contrário, isto é, diminu- nam estes fenômenos que vamos observando.
ir o primeiro e aumentar o segundo? O fato é que há sempre mai- Continuando o nosso processo lógico, poderia ser contra-
or vantagem na obediência e sempre maior dano na desobediên- posta outra dificuldade. Se o ser, como criatura filha de Deus, é
cia. Do fundo do ser não pode deixar de falar a sua íntima e pró- antes de tudo espírito, constituído da substância de Deus, que é
pria natureza de cidadão do S. Acontece então que, naturalmente, eterna, então essa substância e o espírito feito com ela não po-
cada posição em descida se faz sempre mais insustentável e insu- dem ter fim, porque não tiveram origem, e não podem ser des-
portável. Assim o problema tende a se resolver por si mesmo, truídos, porque não foram criados.
porque a mecânica de redução da utilidade e aumento do dano Analisemos a questão. O que nasceu na primeira criação
leva automática e fatalmente ao arrependimento e à retificação. realizada por Deus não foi a substância, mas sim a sua indivi-
Tudo isto, porém, não basta para eliminar a possibilidade dualização pessoal, que constitui o ser. A substância de Deus,
teórica de uma revolta perpétua e definitiva, porque, se esta com a obra da criação, foi transubstanciada no particular mo-
possibilidade fosse negada, não haveria uma verdadeira liber- delo da individuação pessoal. Somente a individuação teve
dade do ser. No entanto é necessário que a obra de Deus esteja um nascimento, portanto somente ela pode morrer. Então o
absolutamente acima de toda tentativa de alteração, permane- aniquilamento final, mencionado aqui, só pode referir-se a es-
cendo inatingível na sua perfeição. Existe então, no fim, um úl- sa individuação, que constitui o ser, e não à eterna substância
timo e definitivo meio de defesa: a destruição do ser. Veremos da qual ele é constituído. Eis que, quando entendemos o con-
agora em que sentido isto se daria. ceito de destruição e aniquilamento neste sentido, tudo se tor-
Antes de tudo, a lógica impõe a necessidade de admitir essa na lógico, claro e admissível.
destruição como uma possibilidade teórica, porque, se ela não Tudo isto também é justo, porque o rebelde, neste caso,
fosse possível, seria necessário aceitar que a criatura poderia acaba destruindo somente a si próprio, e nada mais, somente a
destruir a obra de Deus, e isto seria inadmissível. Então, se o sua individuação, seu eu pessoal, mas nada do que pertence ao
ser quiser usar a sua liberdade para permanecer definitivamente S, à Lei ou aos outros elementos, tanto dos que não se rebela-
rebelde a Deus, não resta outra alternativa, porquanto não se ram como dos que escolheram recuperar o que tinham perdido,
pode escravizá-lo, senão a sua eliminação. Essa é a natural so- seguindo o caminho de volta. Assim o mal fica sempre fechado
lução para o dilema entre as duas condições impossíveis: 1) Ti- em si, isolado, sendo levado à destruição somente de si próprio,
rar a liberdade do ser, violando a própria natureza da divina quando o singular elemento livremente o quiser. Ninguém pode
substância da qual ele é constituído; 2) Permitir que tal liberda- ser infectado por essa doença, que mata só quem a gerou dentro
de possa destruir a perfeição da obra de Deus. de si e quis depois, definitivamente, aceitá-la.
Temos falado de destruição e eliminação do ser. Mas como Tudo isto é justo também porque a destruição do ser é o
é que isto aconteceria? Também neste caso, Deus continua retorno, contra ele, do impulso de destruição que ele, com a
sempre respeitando a liberdade do ser, não sendo Sua vontade revolta, lançou contra o S. Quanto mais aprofundamos a nossa
de modo nenhum destruí-lo à força, o que seria pior do que lhe pesquisa para compreender a estrutura da Lei e as suas rea-
tirar a liberdade. A destruição do ser está implícita na própria ções, tanto mais nos apercebemos que não há um Deus à ima-
estrutura do fenômeno. Se o ser não fez da liberdade o uso pa- gem e semelhança do ser humano, que intervém premiando ou
ra o qual ela estava destinada, isto é, no sentido positivo e punindo. Os fatos falam diferentemente. Deus não opera nesta
construtivo, mas a empregou às avessas, emborcando-a no sen- forma antropomórfica. Embora Ele exista em forma pessoal,
tido negativo e destrutivo, é lógico que, com a revolta, apro- no Seu aspecto transcendente, não O encontramos em nosso
fundando-se cada vez mais na negatividade do AS, ele acabe universo a não ser no Seu aspecto imanente, em forma impes-
por si mesmo destruindo-se e eliminando-se. Logicamente, no soal, presente em todos os fenômenos e individuações do Ser.
caso limite da revolta perpétua e definitiva, o ser tem de atingir Então, quando nós violamos a Lei e ofendemos a Deus, não
o extremo do processo de emborcamento da positividade na significa que a Lei nos castigará ou que Deus nos punirá, mas
negatividade, ou seja, um estado de destruição completa de to- sim que as forças do S nos devolverão os impulsos que lan-
da a positividade e de absoluto triunfo da negatividade, que é o çamos contra ele. É o retorno dos nossos próprios impulsos,
nada. É automático e fatal que, por sempre querer negar tudo, ricocheteando de volta, que proporciona a reação à ação, equi-
o ser rebelde acabe negando também a si mesmo, até chegar ao librando-as e constituindo a base da justiça divina. O que os
próprio aniquilamento. Não quis ele, usando a sua livre vonta- fatos nos dizem a respeito da natureza de Deus é muito dife-
de, destruir todas as qualidades positivas que possuía no S? E o rente de tudo que o homem, com sua concepção antropomór-
que pode ficar quando tiramos de uma entidade tudo o que é fica, até agora imaginou. É difícil para ele, acostumado à in-
positivo? Somente pode restar o nada. Eis a solução, automáti- certeza da escolha e à tentativa, próprias do seu estado de im-
ca e fatal, implícita no próprio fenômeno da queda, sem inter- perfeição, compreender esse estranho modo de operar segun-
venções coativas e exteriores. É o próprio fato de ter desejado do um determinismo automático, que parece mecânico, mas
com a revolta escolher o uso do método da negação, que leva o age com lógica, justiça e segurança absolutas, como só pode
ser fatalmente para o seu aniquilamento no nada. acontecer na obra perfeita de Deus.
Tudo é simples e claro, regido por uma lógica perfeita, Somente encarando-o assim, em sua profundidade, pode-
como num processo matemático. A dificuldade para compre- mos compreender o problema da destruição do ser. A Lei nos
ender está no fato de que estamos acostumados a pensar an- devolve automaticamente, em bem ou mal, o que de nós rece-
tropomorficamente e ficamos fechados nessa forma mental beu. Os seus equilíbrios se restabelecem à nossa custa, na me-
também quando enfrentamos esses problemas. Por isso eles dida em que nós quisemos deslocá-los. Seja qual for o dano
não são equacionados do modo correto e não encontram ex- que fizermos, temos de restaurá-lo. O fenômeno da evolução
plicação, fazendo que tudo tenha de acabar na fé cega e no se baseia nesse princípio. Temos que reconstruir os equilíbrios
66 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
da Lei na medida em que os violamos. Assim acontece por- também como qualidade, isto é, na natureza deles. A revolta re-
que, quando saímos da ordem da Lei, aparece a dor, que nos presenta um movimento separatista, correspondente a um im-
continuará golpeando até regressarmos àquela ordem. A dor pulso pelo qual o ser procura afastar-se e separar-se do S. Po-
não é o efeito de uma intervenção de Deus, mas sim a carên- demos ver então qual é a técnica do fenômeno da queda ou ani-
cia de harmonia com as forças das quais depende a nossa feli- quilamento. Sendo o impulso original de tipo separatista, o pro-
cidade. Cada revolta nossa destrói essa harmonia, lançando- cesso, uma vez iniciado, não pode deixar de continuar a se de-
nos na desordem e na carência, que chamamos dor. Assim, a senvolver e, tal como uma desintegração atômica em cadeia,
cada afastamento da Lei, tem de corresponder uma proporcio- não se detém até o esgotamento do impulso, tendo como resul-
nal aproximação dela. Então é lógico que, com o esforço da tado final, no caso da revolta completa e absoluta, a pulveriza-
evolução, seja possível pagar uma revolta temporária, corri- ção do ser. E isto é possível, porque o espírito, sendo constituí-
gindo o seu impulso limitado, percorrendo em subida o cami- do de substância divina, é de natureza infinita e pode, portanto,
nho feito em descida. Mas, quando a revolta é completa e de- gerar impulsos e efeitos também de natureza infinita.
finitiva, não há subida que possa corrigi-la facilmente, tão Mas por que pulverização? Porque o impulso é de tipo divi-
grande é a desordem provocada. Neste caso, o ser se aprofun- sionista. Ele, como vimos, não pode sair dos limites do campo
dou tanto, que é difícil recuperar-se. Assim, ele não pode res- de forças do ser. Então o impulso divisionista, lançado por ele
suscitar do seu negativismo, daí a razão do seu aniquilamento. contra o S, ricocheteia e, devido ao princípio de regresso à fon-
Tudo é lógico. Com a revolta, o ser procurou destruir a obra te, pelo qual tudo o que é lançado para fora acaba retornando à
de Deus. Mas a obra de Deus, com relação ao ser, foi justamen- sua origem, começa a trabalhar dentro do próprio indivíduo que
te criá-lo. Seu estado de criatura, portanto, como eu individua- o lançou. Assim, o princípio divisionista começa progressiva-
lizado, é exatamente o produto da criação. Então o ser, revol- mente a transformar interiormente o ser, desagregando-o cada
tando-se contra a obra de Deus, revolta-se contra a sua própria vez mais nos seus elementos componentes. É um processo pa-
existência e procura destruí-la. A individuação do ser represen- recido ao que vemos verificar-se num organismo biológico no
ta um campo de forças limitado, dentro do qual lhe é permitido momento da sua morte física, que, com o afastamento do eu
agir, mas sem poder sair dele. Isto quer dizer que o S, a obra de central diretor do organismo, resulta no fenômeno da dissocia-
Deus, não pode ser atingido pela criatura, que é dona apenas do ção dos elementos componentes, verificado no caminho involu-
que lhe pertence, sendo livre somente para destruir a si mesma, tivo. Assim como, na desagregação do corpo físico, as células,
seja temporariamente, recuperando-se depois com a evolução, não mais vivendo em função umas das outras e não mais se co-
seja definitivamente, se quiser insistir para sempre na revolta. nhecendo, dissociam-se, porque a unidade orgânica se dissolve,
Tudo é justo e lógico. Mas queremos saber ainda mais. Con- também na morte da célula, suas moléculas se separam em
tinuamos então olhando para a nossa visão, para vê-la sempre componentes químicos, seguindo apenas os mais simples im-
mais profunda e pormenorizadamente. Perguntamos, então, pulsos associativos da matéria inorgânica. Essa desagregação
como acontece mais exatamente esse aniquilamento do ser? do edifício biológico poderia continuar até à separação dos
Com estas contínuas perguntas, às quais vamos respondendo, átomos constituintes da molécula, dos elementos constituintes
pedimos a Deus que Ele nos mostre um pouco da Sua face, que do átomo, e assim por diante. O mesmo processo de pulveriza-
é feita de pensamento e na qual procuramos lê-lo. ção se verifica no caminho involutivo, de modo que, quanto
O conceito de aniquilamento do ser está ligado ao conceito mais a organicidade do S desmorona e o ser, involuindo, apro-
de limite de desmoronamento da queda, que se realiza em funda-se no estado caótico próprio do AS, tanto mais a unidade
proporção ao poder do impulso originário na revolta. O efeito orgânica do eu se vai dissolvendo. É lógico que, se o impulso
tem de corresponder à causa. Isto quer dizer que a amplitude foi limitado, o processo, ao esgotar-se, para num dado ponto,
do caminho percorrido em descida na queda tem de ser pro- permitindo ao ser desemborcar a descida em subida. Mas é cla-
porcional ao volume do impulso que o ser gerou com a sua ro também que, se a revolta foi completa e definitiva – um caso
revolta. Deus, criando dentro de Si e com a Sua substância, tão excepcional, que é praticamente apenas uma possibilidade
gerou as individuações conforme o modelo fundamental for- teórica – esse processo de desagregação terá de acabar no ani-
mado por Ele, pelo qual a criatura se constituiu de um eu cen- quilamento da unidade que constitui o ser.
tral com autonomia dentro dos limites da obediência hierár- A contraprova de tudo isto pode ser encontrada no fato de
quica, capaz de gerar impulsos próprios e independentes, que que, enquanto a involução se nos apresenta como um processo
deveriam se coordenar com os paralelos impulsos de todos os divisionista, a evolução é constituída por um processo unifica-
outros seres, em função do impulso central de Deus, como dor. Neste segundo caso, não vemos mais uma desagregação,
acontece nas células de nosso organismo. Assim, dentro dos na desordem do AS, do estado orgânico do S, mas sim uma
limites do campo de forças da própria individuação, o ser es- reunificação, na organicidade do S, dos elementos desorgani-
tava livre para gerar e lançar os impulsos que quisesse, dando zados do AS. De fato, como explicamos em A Grande Síntese,
origem a efeitos que, depois, seriam fatalmente seus. E foi is- na evolução vigora a lei das unidades coletivas, cuja função é
to que aconteceu com a revolta, cujos efeitos têm de ser pro- reconstruir, com os elementos que se desuniram, a organicida-
porcionais ao poder do impulso que os gerou. de destruída do S. Então, o fenômeno, em toda a sua amplitu-
Se esse impulso é limitado, então, no momento em que de, resulta situado entre dois polos opostos ou casos limites.
atinge seu efeito, dado pela sua completa realização, ele se es- No extremo da queda, no fundo máximo do AS, temos a pleni-
gota, como vimos no capítulo precedente, e o ser pode voltar tude da dissolução da unidade até ao aniquilamento do ser. No
atrás, para corrigir e recuperar tudo. Mas, se o impulso corres- extremo oposto, no cume máximo do S, temos a organicidade
ponder a uma revolta completa, absoluta e definitiva, isto não plena da unidade no Tudo-Uno-Deus.
pode acontecer. Cada causa não pode parar de atuar enquanto De fato, vemos a evolução progredir neste sentido, levantan-
não se esgotar completamente, atingindo todo o seu efeito. En- do andares cada vez mais elevados da sua construção, agrupan-
tão, se foi tal o impulso original, ele não poderá parar até se es- do seus elementos e organizando-os em unidades coletivas sem-
gotar, e o ser, não podendo voltar atrás, terá de atingir a realiza- pre mais vastas. O ser humano encontra-se ao longo desse cami-
ção da causa em toda sua plenitude, representada pelo estado de nho. Ele é constituído pela organização de átomos em molécu-
negatividade absoluta, isto é, de aniquilamento do ser. las, de moléculas em células e de células em tecidos e órgãos,
Ora, esse processo de destruição do ser corresponde à sua com os quais atinge um organismo unitário, dirigido por um só
causa não apenas como quantidade, na medida dos efeitos, mas eu. Mas o ser humano, embora já conheça os organismos da fa-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 67
mília, do grupo a que pertence e das várias formas de associa- III. A ÉTICA UNIVERSAL
ções, de Estado, de povo e de unidade étnica, ainda é uma célula
desorganizada em relação à unidade coletiva da humanidade e às Depois de termos resolvido no capítulo precedente alguns
sociedades de humanidades. Eis o passado e o futuro, o caminho problemas colaterais, para esclarecer as dúvidas e responder
percorrido e aquele a percorrer no trabalho da reconstrução da às perguntas que vão surgindo ao longo do caminho, voltamos
unidade máxima na completa fusão orgânica do S. agora ao assunto central deste volume, cujo objetivo principal
Quando o ser, com a sua revolta, sai dessa organicidade que não é nos fornecer uma orientação geral – trabalho já realiza-
o funde em unidade com os outros elementos componentes do do nos livros Deus e Universo e O Sistema, com uma visão de
S – suas criaturas irmãs – ele fica sozinho, abandonado ao pro- conjunto de todo o ciclo involutivo-evolutivo – mas sim foca-
cesso de sua desagregação interior, pela qual se vai dissolvendo lizar mais de perto o processo de recuperação, que se chama
nos seus elementos constitutivos, até que o edifício todo do seu evolução. Entramos cada vez mais no terreno das consequên-
eu se pulveriza. Assim, a centralidade representada pelo eu pes- cias e aplicações práticas das teorias, encarando sempre mais
soal se fragmenta, pulverizando-se cada vez mais, num movi- de perto os problemas de nossa vida, dentre os quais o mais
mento centrífugo, dirigido à periferia, oposto ao realizado na importante é o da nossa salvação.
evolução, que vai na direção centrípeta, no sentido da recons- O nosso universo representa o fato consumado da revolta e
trução da unidade, forma na qual se manifesta o eu. A unidade se nos apresenta imerso nas suas consequências. A primeira e
máxima é o “Eu sou” de Deus, que centraliza e reúne em si to- maior foi a cisão da unidade do S no dualismo S e AS. Este
dos os elementos do todo, suprema unidade que a revolta tentou dualismo constitui o esquema fundamental do universo em que
quebrar, mas só conseguiu quebrar os revoltados. vivemos. Ele se apoia sobre duas posições básicas: a positivi-
Eis como se realiza a eliminação do ser rebelde. A observa- dade e a negatividade. Esta última, com todas as qualidades
ção de perto desse fenômeno nos levou a uma compreensão que a acompanham, apareceu como produto da revolta, porque,
mais profunda do processo involutivo e evolutivo. Quando o na obediência dentro do S, não pode haver senão positividade.
ser escolhe o caminho da revolta, ele movimenta as forças da A desobediência gerou o que a Bíblia representa com a ima-
negatividade, então se inicia e se desenvolve o desmoronamen- gem da expulsão do paraíso terrestre, depois do que nasceram
to do seu eu, numa progressiva desintegração das suas dimen- todos os males e dores. Se, acima de tudo, ficou inatingível e
sões, que somente se deterá quando o impulso originário se es- inalterado o monismo de Deus, que abrange tudo, incluindo o
gotar completamente, com a realização da causa no seu efeito. AS, o nosso universo, dentro desse monismo, representa a ci-
O fato de chegar ou não até ao aniquilamento final depende do são dualista. Todos os seres têm de viver nesta forma de exis-
peso do impulso que o ser quis lançar em sua revolta. Deus não tência despedaçada pela queda, enquanto o processo inverso da
persegue e não inflige pena a ninguém. É pela própria mecânica evolução não tiver saneado esse estado, que representa uma
do fenômeno que o rebelde, escolhendo livremente esse cami- verdadeira condição patológica do ser.
nho, acaba condenando a si mesmo e se penitenciando. A culpa A revolta gerou o caminho do afastamento, expresso pela
e a pena não saem do campo de forças do ser responsável. As- linha verde da figura, isto é, a posição emborcada da negativi-
sim cada um, por sua própria conta, paga o que deve e recebe o dade. A evolução, percorrendo a linha vermelha da positivida-
que merece. O S permanece perfeito e inatingível, acima de de, em obediência à Lei, reconstrói tudo, até atingir a plena
qualquer revolta e queda. Não é possível vencer Deus. Quem reintegração na perfeição do S. Este volume foi intitulado Que-
procura fazer isto, vence a si próprio. Se a vontade do filho é da e Salvação porque analisa esses dois momentos ou proces-
destruir a obra do pai, ele atinge o seu escopo, porque acaba sos inversos, nos quais o ciclo se cumpre e o dualismo se com-
destruindo a si mesmo, que é a obra do pai. pleta, fundindo-se na unidade que abraça, num mesmo movi-
Quando, nos outros volumes, falamos de destruição do espí- mento, tanto o primeiro, de separação para longe do S, como o
rito, muitos, por não entenderem, reclamaram. Mas repetimos, segundo, de reunificação no S. Que representa a salvação senão
trata-se da destruição apenas da particular individuação da a destruição do dualismo e a reconstrução de tudo na unidade?
substância que constitui o ser, e não da substância em si. So- A função da evolução é exatamente eliminar a negatividade do
mente essa individuação, que teve princípio com a criação, po- AS e restaurar tudo na positividade do S.
de ter fim, pois a substância eterna, que não teve princípio, não Eis então que o problema nos aparece como uma situação
pode ter fim. Também esse processo do aniquilamento da indi- de conflito, na qual lutam duas forças contrárias, uma para
viduação é regido pela ordem do S e tem de se desenvolver se- sobrepujar a outra e vencê-la. A análise do contraste entre es-
gundo as regras precisas estabelecidas por esta ordem. ses dois impulsos, o da negatividade e o da positividade, nos
Concluímos esse assunto com uma explicação prática. Tudo permitirá equacionar e resolver vários problemas que se refe-
se passa como se tivéssemos uma estátua feita de material in- rem à nossa conduta e posição na vida. O impulso da negati-
destrutível. Não se pode destruir esta matéria, no entanto é pos- vidade é devido à vontade da criatura, que gerou o processo
sível anular a forma tomada por ela na estátua. Assim, se temos da queda. O impulso oposto, da positividade, é devido à von-
uma estátua de bronze, então, fundindo-se a estátua, o bronze tade de Deus, que, com a evolução, gera o processo de salva-
continua existindo, mas a forma da estátua deixa de existir. ção. No primeiro caso, tudo é devido ao erro cometido pela
Desse modo, a forma da estátua é aniquilada, enquanto fica in- vontade do ser. No segundo caso, verifica-se a correção desse
tacta a sua substância, que é o bronze. No caso que observa- erro, realizada pela vontade de Deus. O nosso mundo se nos
mos, a substância espiritual, por ser indestrutível, volta à ori- apresenta como um campo de luta, no qual se chocam esses
gem, à fonte que a gerou, reabsorvida em Deus. Sendo Ele um dois impulsos, gerados por duas fontes rivais; de um lado, a
infinito, não pode por isso ser aumentado nem diminuído, e tu- criatura rebelde e pecadora e, do outro, Deus, que retifica e
do permanece inalterado e inalterável, seja qual for a quantida- redime tudo. Lá, onde vence a desobediência, tudo acaba na
de (n) que se lhe acrescente ou que se lhe diminua, porque: destruição. Se o ser renunciar à sua vontade de revoltado,
+n= e −n= aceitando a vontade de Deus, poderá encontrar a salvação.
Vimos que, embora respeitando a vontade do ser, Deus o
Eis o que significa destruição do espírito, conceito concebí- impulsiona para a subida, que é o caminho da salvação. Mas o
vel e lógico, quando bem entendido. Eis como a sabedoria de ser quer a sua vontade, e não a de Deus. Não há dúvida que a
Deus resolve este caso, satisfazendo com harmonia e coerência evolução está orientada e dirigida por Deus para a Sua última
todas as exigências opostas. finalidade, que é a salvação. O desenvolvimento desse proces-
68 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
so é representado pelo desenrolar dessa luta entre aquelas duas sempre acompanhadas da respectiva recuperação. Porém, ago-
vontades opostas: a rebeldia da criatura e a lei de Deus. A pri- ra, a queda não é mais representada pela linha verde XY, que
meira quer a queda no AS, a segunda quer a salvação no S. Eis sai do S para o AS, e o caminho de volta não é mais representa-
os dois termos de nosso assunto atual. Do choque entre esses do pela linha vermelha YX, que leva tudo novamente do AS
dois impulsos nascerão várias posições de luta, problemas e para o S. Em vez disso, o desvio é representado na figura por
soluções, que iremos observando. deslocamentos laterais, que se afastam da linha central verme-
Estes conceitos nos explicam a razão pela qual, como ponto lha da Lei. Para confirmar o que já foi por nós sustentado, estu-
de partida, as leis civis e religiosas pressupõem que o homem daremos nas próximas páginas esses casos menores, constituí-
seja um rebelde e que a tarefa delas é subjugá-lo. Elas revelam dos pelos acontecimentos de nossa vida comum, nos quais vi-
essa luta entre as duas vontades opostas. Parece que a primeira goram os mesmos princípios gerais da queda e da salvação. O
função do legislador é, antes de tudo, reprimir e domar, proi- conceito é sempre o mesmo, retornando em todos os momentos
bindo o que o homem desejaria espontaneamente fazer, como e pontos, porque constitui o problema central de nosso univer-
se o instinto natural dele fosse somente ser mau. Os mandamen- so. Trata-se do erro que nos levou à negatividade e da sua cor-
tos de Moisés são uma lista das culpas humanas, onde se pre- reção, que nos conduzirá de volta à positividade.
sume que o ser tenha muita vontade de cometer aquelas faltas, Como quer a vontade de Deus, tudo que decaiu no AS deve
as quais Deus ordena que não sejam consumadas, porque são ser reconduzido salvo para Ele, no S. Assim, também é vontade
proibidas. Ninguém se pergunta por que a voz de Deus se mani- da Lei que todo afastamento do ser, devido ao erro, seja recon-
festou nesta forma de imperativo negativo. Mas isto se explica, duzido a ela, isto é, à linha vermelha que a expressa. Eis, então,
porquanto a Lei representa a positividade de Deus, que se dirige que a nossa figura nos mostra, utilizando o caso maior da queda
à destruição da negatividade na qual a criatura, com a revolta, e salvação, como se realiza e depois se corrige a repetição de to-
mergulhou. Eis o que a ética das religiões busca corrigir e por- dos os outros casos de desvios menores, que podem acontecer a
que ela assumiu a forma de condenação. Está claro que a Lei toda hora e altura na escala evolutiva, ao longo do caminho. Isso
segue o principio do dualismo e encara o problema como nós o se verifica através do mesmo processo. Teremos então, em lugar
encaramos. Ela representa a positividade, que impõe a luta con- da linha XY e YX, outra linha, que se desenvolve lateralmente à
tra a negatividade, para destruí-la. linha vermelha da Lei, com igual movimento de ida e volta, ou
A história do mundo se baseia no dualismo; trata-se da histó- seja, de erro e correção, de doença e saneamento, de afastamento
ria do progresso, da evolução, da luta entre S e AS. Observemos e recuperação. O ciclo involução-evolução, nestes casos meno-
como falou Deus nos dez mandamentos. A primeira frase é: “Eu res, repete-se segundo o mesmo modelo da grande queda, pelo
sou”, a afirmação absoluta, que testemunha a completa positivi- qual as duas forças opostas têm de se equilibrar: o impulso do
dade. Este é o terreno de Deus e do S, o ponto de partida da Lei. ser para a desordem, e o impulso corretor da Lei para a ordem.
Quando Deus fala de Si, tudo é afirmativo. Assim que Ele se di- Neste caso, também temos uma linha verde que expressa o
rige ao homem, começa a série de negações, que se repetem a afastamento para a negatividade, e uma linha vermelha que ex-
cada passo: “não terás, não farás, não tomarás, não matarás, não pressa a aproximação de volta para a positividade. Assim, te-
adulterarás, não furtarás, não dirás, não cobiçarás etc.”. O terreno mos a linha da queda, gerada pela vontade da criatura, e a linha
do homem é o terreno da negatividade, no AS. E logo se delineia da salvação, gerada pela vontade da Lei. Tudo se desenvolve
a luta, porque, assim como a afirmação do S é a negação do AS, com o mesmo método da retificação do erro, ou seja, pela cor-
a afirmação do AS é a negação do S. A primeira coisa que Deus reção da desordem, que é reconstituída na ordem. Contra a von-
tem de fazer na formulação da Sua Lei é a afirmação do S contra tade destruidora do ser levanta-se sempre a vontade reconstru-
a revolta do homem, para vencer o AS, a que ele pertence. tora de Deus, que trata e cura toda doença.
A estrutura das leis divinas e humanas nos faz pensar que, por Assim como, no caso da grande queda, o ponto de referência
sua natureza, o homem seja mau, como se ele tivesse nascido pe- é o S, o ponto de referência, nestes casos menores laterais, é a
cador e assumisse por regra uma conduta errada. A tarefa da Lei, Lei. Da mesma forma, o ponto de partida e de chegada, que era
impondo com sua ética uma conduta correta, é corrigir essa cria- antes o S, agora é a Lei. Neste caso, também há um ciclo com-
tura má, que, senão admitirmos a revolta e a queda, não podería- pleto de ida e volta, isto é, um processo dividido em duas partes
mos absolutamente aceitar ter saído das mãos de Deus. Seria co- inversas e complementares, que, em forma dualista, constituem
mo se disséssemos que Deus, arrependido pelo Seu erro, procura uma unidade. Tal como o ponto de referência, no fenômeno da
agora remediá-lo, retificando tudo com a Sua Lei. Este seria o grande queda, é o S, em função do qual tudo se movimenta, o
significado da ética e da Lei, se não aceitássemos a teoria da ponto de referência em função do qual, no fenômeno desses
queda, pela qual o mal, que mancha o ser e satura o mundo, foi afastamentos parciais, tudo se movimenta é a Lei, expressa pela
devido à desobediência da criatura, e não obra direta de Deus. Se linha vermelha YX. Podemos agora compreender o seu signifi-
a causa de tudo isto estivesse em Deus, então Ele, para remediar cado. Marcando o caminho da evolução, essa linha representa a
o Seu malfeito, não teria condenado ao trabalho duro da evolução norma a ser seguida para se atingir a salvação. Ela expressa, en-
a criatura inocente, injustamente julgada responsável e, por isso, tão, o princípio da ética, ou norma de conduta correta. Afastar-se
forçada a pagar à sua custa. Da mesma forma, Cristo, em vez de dela significa erro e culpa, sendo necessário depois voltar para
redimir o homem, deveria ter redimido Deus, que, com o Seu er- recuperar o que foi perdido, trabalho que não pode ser realizado
ro, gerou tanto mal. É verdade que o homem é mau e que a Lei senão com o esforço do ser, como dever, penitência e sofrimen-
está aí para corrigi-lo. Mas, se o homem é mau, é porque ele quis to. Assim, porquanto se trata de um trabalho de reconstrução, is-
cair no AS, e não porque Deus o criou mau. De Deus não pode to tem de ser realizado pelo próprio ser que, em sentido oposto,
sair o mal. E, se o homem não é mau pela maldade de querer ser fez a obra de destruição. Tudo ocorre dessa forma porque o nos-
assim, mas sim pela ignorância decorrente de sua involução, en- so universo, apesar de estar decaído na desordem devido à revol-
tão esse estado de negatividade tem de ser consequência da que- ta, continua sempre sendo regido pela ordem de Deus, que im-
da e, por isso, representa uma responsabilidade. põe um princípio de equilíbrio, pelo qual não são possíveis afas-
A revolta foi um desvio da posição correta. Esse foi o pri- tamentos definitivos e gerais, com resultados permanentes, mas
meiro e o maior erro, que gerou todo o processo da queda. Mas somente deslocamentos temporários e locais, prontamente corri-
veremos agora que, ao longo do caminho da evolução, o ser gidos, contrabalançados e restituídos ao equilíbrio de origem,
pode voltar a realizar o seu impulso de desobediência, afastan- constituindo desordens parciais, que, por fim, têm sempre de
do-se da Lei e gerando quedas semelhantes, porém menores, acabar sendo reconduzidas à ordem geral.
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 69
Podemos ver assim, neste caso, o dualismo equilibrado nos Se a ética universal da Lei representa a linha central ou
seus dois momentos opostos, tornando possível até mesmo cal- tronco das normas que dirigem o ser na realização da sua evo-
cular, a cada momento, a posição de débito ou crédito na qual o lução, esse tronco, na prática, vai sempre mais se ramificando,
ser se encontra a respeito da Lei, que, sendo o ponto de referên- quanto mais nos aproximamos do caso particular. Vemos então
cia universal, estabelece os valores e as normas da vida. Eis que o ser não se movimenta livremente, como é comum se
como pode despontar a ideia de uma regra de vida, ou norma de acreditar, mas enclausurado numa rede de princípios menores.
conduta, baseada sobre princípios que mergulham as suas raízes O homem conta, antes de tudo, com a sua força e astúcia, acre-
na própria estrutura do universo. Começamos então, desde já, a ditando ser livre para realizar à vontade tudo o que deseja. As-
vislumbrar a possibilidade, como veremos neste volume, de es- sim, ele nem imagina que vive enredado dentro de uma gaiola
tabelecer uma ética positiva e racional, poderíamos dizer cientí- de regras, onde nenhum de seus movimentos pode ser realizado
fica, independente da fé e das religiões, obrigatória porque de- senão em função de muitas outras forças em ação, continua-
monstrada; uma ética exata, suscetível de cálculo, cujos valores mente submetido a normas que, como paredes invisíveis mas
podem ser medidos, contendo assim qualidades que as éticas férreas, agem para canalizar cada atividade, livremente, na di-
em vigor estão bem longe de possuir. reção de finalidades preestabelecidas.
Poderemos deste modo atingir um conceito de ética de uma Com a revolta, o ser pensou que poderia emborcar o S e se
vastidão até agora desconhecida. A presente ética humana, dada tornar ele o chefe, substituindo a ordem da Lei pela desordem
pelo tipo fundamental a que se podem reduzir as várias éticas representada por uma lei sua. Mas, não conseguiu emborcar se-
das religiões atualmente em vigor na Terra, não é universal, não a si mesmo dentro do S, que permaneceu íntegro e sobera-
mas sim particular a esta humanidade e relativa ao nível de evo- no. Desse modo, apesar da tentativa de revolução, as funda-
lução por ela atingido. Tal como acontece com todas as verda- mentais leis de equilíbrio do S continuaram a vigorar e a domi-
des que o homem consegue possuir, trata-se de uma ética rela- nar tudo, inclusive o AS. Estas regras representam barreiras in-
tiva e em evolução, na qual o homem conhece somente uma transponíveis, e o ser tem de levá-las em conta, uma vez que
aproximação do seu ponto final: a perfeição do S. não pode evitar suas devidas reações todas as vezes que não as
No entanto as transformações evolutivas dessa ética nos di- respeitar, chocando-se com elas.
zem que ela é progressiva, transformando-se ao longo de sua tra- A consequência de tudo isto é que o homem, embora acredite
jetória numa ética universal, que abrange e disciplina não so- ser poderoso porque sabe vencer com a força ou astúcia, não faz
mente uma posição relativa do ser ao longo do caminho da evo- de fato outra coisa senão contrair dívidas perante os equilíbrios
lução, mas também todas as suas posições possíveis. Essa ética da Lei, para depois ter de pagar, reconstituindo-os à sua custa.
universal, abraçando todas as restritas éticas relativas atravessa- Isto não quer dizer que o ser, embora enclausurado dentro
das pelo ser na sua ascese para o S, é a que estudamos neste vo- desta rede de regras, não seja livre. Ele o é, mas somente
lume. Ela está acima das éticas particulares e transitórias de nos- dentro do espaço que a Lei, para lhe tornar possível cumprir a
so mundo. Essa ética universal é a Lei. Deste modo, estudando- oscilação entre o caminho certo e o errado, deixa-lhe dispo-
a, é possível descobrir os princípios universais que sintetizam as nível, condição necessária para ele realizar o trabalho de ex-
normas pelas quais o ser é dirigido em todos os níveis de evolu- perimentação, a fim de aprender e, assim, evoluir. Fora des-
ção, proporcionadas a cada um deles. Sem ficar fechados em tes limites, vigora o determinismo absoluto e o indivíduo não
nenhuma posição particular, possuiremos a chave para compre- tem poder algum. A sua vontade de revolta pode alterar so-
endê-las todas, porque, ao invés de conceber cada uma como mente ele, e não a obra de Deus, que está acima de qualquer
completa e definitiva em si mesma, passaremos a reconhecê-las revolta e tentativa de emborcamento. O ser rebelde, com toda
como expressões de uma ética progressiva em evolução, vendo- a sua revolta e as respectivas consequências, está contido
as não mais isoladas, e sim no seu conjunto, todas unidas numa dentro da ordem do S e não pode de maneira alguma sobre-
corrente, quais momentos sucessivos da mesma ética universal. pujar os limites pré-estabelecidos pela Lei. A revolta foi co-
Cada uma dessas éticas relativas, como por exemplo a mo uma rebelião de peixes contra o rio onde vivem, de den-
humana atual, contém as normas de vida adaptadas para fazer tro do qual eles não podem sair de maneira alguma, pois a
o ser evoluir em relação ao nível em que ele se encontra ao sua liberdade não chega até lá. E, aconteça o que acontecer
longo do caminho evolutivo, a fim de superar aquele plano e dentro do rio, fora dos seus limites tudo permanece inatingí-
entrar num outro mais adiantado. Assim, a ética do homem de vel e inalterado na ordem de Deus.
hoje não é igual a de ontem nem será a mesma amanhã. O A Lei da luta pela vida e da seleção do mais forte, vigoran-
homem atual julga crime o que o selvagem do passado julgava te em nosso mundo, é apenas uma lei transitória para aprender
lícito e normal. Do mesmo modo, o homem mais civilizado do uma determinada lição. Deste modo, além desta pequena liber-
futuro julgará crime muitos atos que o homem atual julga líci- dade, que chamamos de livre arbítrio e que nos parece absolu-
tos e normais. Cada período de evolução possui o seu dado ti- ta, há uma lei de ordem da qual ninguém pode sair. Quanto
po de ética, a qual vai-se transformando e, com o progresso, mais nós queremos ser fortes para nos rebelar, tanto mais ela
tem de ser continuamente superada. Tudo está proporcionado nos constrangerá a regressar à sua ordem. Isto não significa
ao grau de sensibilização e inteligência atingidas. Constrói-se que ela reaja ativamente. A sua resistência, assim como a da
assim o sentido moral, que é fruto de duras e longuíssimas rocha, que só quer ficar onde está, é passiva, e ninguém conse-
experiências. Logicamente, na proporção do grau atingido, há gue deslocá-la. Quando os peixes rebeldes procuram sair do rio
regras diferentes, escalonadas nos vários níveis, conforme o para espalhar a sua revolta, eles não são repelidos por nin-
trabalho a ser realizado, que é dirigido por elas. Em todos os guém, mas tão-somente pelo choque automático que recebem
planos de existência, o ser fica sempre enquadrado em um jo- de volta ao se lançarem contra as paredes, batendo nelas com a
go de princípios e forças proporcionado ao trabalho que a Lei cabeça. É o que chamamos de reação da Lei. A lição que o
o submete, para fazê-lo atingir um determinado escopo, per- homem tem de aprender é que existem limites dentro dos quais
correndo o trecho do caminho evolutivo pertinente a ele na- cada movimento do universo, inclusive o caos da revolta, está
quele dado momento. Tudo isto é lógico, pois, se o nosso uni- canalizado, de modo que ninguém pode sair da ordem e, se al-
verso se baseia no princípio do relativo em evolução, tudo, e guém tentar, baterá com a cabeça contra as duras paredes da
também a ética, não pode deixar de ter que acompanhar o mo- Lei, ficando preso nas dolorosas consequências do seu erro, até
vimento desse transformismo universal. que, evoluindo, esteja retificado na posição correta. Este é pro-
◘ ◘ ◘ blema fundamental da vida e é o nosso presente assunto.
70 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
Num mundo onde se acredita na liberdade indisciplinada, que deram origem aos dois impulsos não pode deixar de
na qual tudo é lícito, bastando que seja sustentado pela força, é acompanhá-los até à conclusão do seu caminho.
necessário mostrar quantos sofrimentos custa ao homem o erro A revolta não tirou nada à supremacia e poder de Deus, que
tremendo de violar os princípios da Lei. Este é o nosso traba- permaneceu dono absoluto de tudo. Ela só foi possível porque
lho, no qual também estudamos a medida do esforço necessá- Deus a permitiu, deixando o ser livre para realizá-la. Por outro
rio para reconstituir os equilíbrios destruídos e reintegrar na lado, a rebeldia, que o ser viu como prova de sua força, consti-
ordem a desordem gerada pela liberdade indisciplinada. Como tuiu, de fato, somente a sua fraqueza, porque, no choque entre
se vê, estamos nos antípodas da concepção normal do mundo, as duas vontades, quem vencerá será Deus com a Sua Lei, e não
que obedece mais aos instintos primitivos do que a um verda- a criatura, que quis violá-la. No fim, não será o ser rebelde que
deiro conhecimento, racional e exatamente demonstrado, do conseguirá construir um AS, mas será o S que reabsorverá o AS
fenômeno conduta humana. e toda a revolta. Tudo isto, porém, não pode anular o fato de
Eis, em última análise, a liberdade que o ser possui. Ele se que a revolta se realizou, continua existindo e pode repetir-se
move como um avião livre no ar. Mas, nessa sua liberdade, o em casos menores, que iremos observar agora.
avião está fechado dentro de uma estrutura de forças que domi- O ser possui uma amplitude de liberdade que lhe permite
nam todos o seus movimentos, submetidas a um emaranhado de afastar-se da linha da Lei, violando as normas da conduta cer-
leis que exigem obediência completa, caso contrário, ao primei- ta. Veremos, no entanto, ocorrer uma verdadeira maravilha,
ro erro, o avião cai e tudo fracassa. Vemos que todas as ativi- pois, independente do que o ser faça, a Lei permanece inviolá-
dades humanas demandam uma disciplina tanto maior, quanto vel, e ele, mais cedo ou mais tarde, tem de voltar para a sua
mais vastas e importantes elas se tornam, condição resultante ordem. O estudo de nossa figura nos mostrará como se desen-
da necessidade de retificar a desordem na ordem, o caos no es- volve a luta entre essas duas vontades e como, a cada impulso
tado orgânico, os métodos do AS nos do S, a fim de corrigir a e movimento do ser no sentido do afastamento da linha da Lei,
revolta com os princípios da Lei. corresponde um proporcionado impulso e movimento de cor-
No terreno da ética e das normas de sua conduta, o com- reção no sentido da aproximação e retorno a ela. A consequên-
portamento do homem atual é parecido ao de quem, pelo fato cia necessária é que, assim como não foi possível o ser alcan-
de possuir um automóvel mais poderoso e ser mais hábil – ou çar a construção definitiva do AS, também não é possível ele
seja, só pelo direito da força e da astúcia – acredita estar auto- se afastar definitivamente da linha da Lei, isto é, do caminho
rizado a correr à vontade, sem qualquer regra, numa pista re- que o leva à sua própria salvação. O resultado final é que o re-
pleta carros, desrespeitando toda a disciplina do trânsito. To- belde não vai conseguir aniquilar-se com a sua loucura. E esta
dos pensam horrorizados nas consequências desse método de é a vitória de Deus: o bem da criatura, reintegrada na perfeição
dirigir, e fala-se que a perda de vidas nos acidentes rodoviá- e felicidade do S. Eis aí a verdadeira vantagem, para os dois,
rios é maior do que nas guerras. Este porém é o método que da vitória do mais poderoso: Deus. Esta é a razão que torna
prevalece na conduta humana. No terreno do trânsito, o ho- saudável e justo aquele impulso da Lei para trazer tudo de vol-
mem chegou a compreender a necessidade de uma disciplina, ta a ela, com uma outra conduta, enquadrada na sua ordem.
sendo levado a esta conclusão pelos sofrimentos resultantes Uma vez que estamos dentro do dualismo e, por isso, tudo
da sua ignorância. Quantas dores teremos de sofrer ainda, co- está cindido em dois termos opostos, a luta é inevitável. Ela é
mo consequência dos nossos erros, para compreender que, se universal e se encontra em todos momentos e lugares, porque a
não quisermos continuar sempre pagando, é indispensável se- estrutura de nosso universo, originado com a revolta, baseia-se
guirmos uma disciplina igual também no campo da ética, que na oposição e contraste entre positividade e negatividade, fun-
dirige a nossa conduta? Tudo, com o progresso, passa do es- damentando-se sobre o princípio de contradição. É por isso que
tado de desordem ao de ordem. Assim, a Lei vai sempre mais a ética tomou a forma dualística dada pelo erro e sua correção.
se revelando e se manifestando em nosso mundo, transfor- Até às suas últimas consequências, tudo é o resultado da pri-
mando-o, cada vez mais, no estado orgânico do S. meira revolta, de que se conservam os caracteres fundamentais.
Então o que de fato encontramos, acima de tudo e regulando Eis por que a luta de todos contra todos é o motivo dominante
tudo, é a ordem soberana de Deus, da qual nada pode escapar. de nossa vida. Dada a exigência lógica e absoluta que Deus seja
Contida e fechada dentro das paredes invisíveis dessa ordem es- unidade, não seria possível, sem a revolta, explicar o fato ine-
tá a desordem da revolta, que quer estabelecer como principio gável dessa contraposição dualista. Entre as duas partes não há
dominante o caos do AS. É verdade que a desordem é somente outra ponte que possa ter estabelecido uma passagem, a não ser
um episódio dentro da ordem, constituindo apenas uma sua va- um desvio capaz de realizar o emborcamento. Não quis o ser
riante excepcional e transitória, que nunca conseguirá fixar-se separar-se? Eis a separação desejada então, no dualismo e na
em forma definitiva, porque não pode existir senão como vir-a- luta, cuja existência é prova da revolta. Não se explicaria, de
ser ou transformismo dirigido para a ordem da Lei, que é o seu outra forma, como poderia, sem a revolta, ter nascido tal prin-
ponto de chegada. No entanto isso não impede que ela constitua cípio e estado de luta, nem se compreenderia como um Deus
uma vontade contrária no seio da ordem, o que torna possível, unitário tivesse escolhido essa técnica separatista, de oposição
no estado representado pelo nosso universo atual, o nascimento de contrários, quando o principio Dele é o da unidade.
de um choque entre as duas vontades opostas. Só assim se explica e justifica o fato de existir uma Lei, que
Eis então como o nosso mundo se tornou um terreno de lu- é regra de vida, e, ao lado dela, o impulso da desobediência.
ta entre dois impulsos opostos: a vontade da criatura e a vonta- Não é esta a história de cada ato nosso e da nossa vida? Temos
de do criador. Dualismo não significa apenas cisão em duas sempre, de um lado, o legislador e a ética, querendo impor-se à
partes, mas também oposição entre elas, uma contra a outra, força, e, do outro, o instinto humano da revolta. Não é verdade
porque, com a revolta, o ser, ao invés de se coordenar no seio que, apesar de sabermos como deveríamos agir, acabamos fa-
do S em obediência à Lei, quis erguer-se como principio autô- zendo o contrário? A Lei, que representa a ordem do S, está
nomo independente. Logicamente, sendo Deus o mais forte, sempre presente. Mas parece que essa afirmação solene dos
quem, apesar da cega tentativa de revolta para substituir-se a nossos deveres esteja aí só para ser renegada nos fatos, a cada
Ele, terá por fim de dobrar-se, vencido em obediência, não será passo. A Lei é sempre a pedra angular do edifício da vida, mas
Deus perante a criatura, como esta acreditou ser possível, mas só para nós batermos a cabeça contra ela, em choques contí-
sim a criatura, que é a mais fraca, perante Deus, que é o mais nuos. O que tende a prevalecer em tudo não é a ordem do S,
poderoso. A diferença de valor intrínseco entre as duas fontes mas a desordem do AS. Tudo isto tanto mais é verdade, quanto
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 71
mais nos aproximamos do AS e nos afastamos do S, descendo tia apenas numa posição, terá de viver, até que se tenha tudo
involutivamente. Prevalece então, sempre mais, o princípio di- saneado, oscilando entre os dois polos opostos: a positividade
visionista, e a luta se torna mais feroz. Verifica-se o contrário, e a negatividade. Assim, ele terá de viver oscilando, até que
porém, quando subimos evolutivamente e nos aproximamos do tenha, com seu esforço e sofrimento, reabsorvido e neutrali-
S, que representa o princípio unitário, até a luta desaparecer zado completamente essa oscilação, reconduzindo a separação
completamente na harmonia universal. do dualismo à unidade.
Se o sistema da luta domina em nosso universo, ele não Como é possível encontrar a felicidade na negatividade? É
existe no S. Tendo sido gerado pela separação, ele desaparecerá como querer encontrar na morte a plenitude da vida. Como po-
com o regresso ao ponto de partida. A primeira e maior luta foi deria a revolta, com essa estranha lógica, realizar o absurdo? E
entre a criatura rebelde e Deus. No estudo da ética, veremos o homem repete esse erro todas as vezes que se afasta da linha
voltar, a cada passo, esse motivo da luta entre a Lei, que repre- da Lei, violando as normas de conduta da ética. É o impulso
senta a ética, e o ser, que não quer, na sua conduta, seguir-lhe inicial da rebeldia que o leva novamente a lutar contra Deus.
as normas. Verificaremos aparecer sempre o mesmo contraste Como é possível, também nesse terreno das menores desobedi-
entre a vontade do ser e a de Deus. Eles são os centros dos dois ências, construir, destruindo; avançar, retrocedendo; adquirir as
impulsos e os dois elementos básicos do problema da ética, que qualidades do S, descendo para o AS? Conclui-se então que, se
enfrentaremos. Não se trata, porém, de um contraste inútil e a função da revolta é emborcar tudo, a sua lógica constitui um
destrutivo, mas sim construtivo, porque se vai resolvendo sem- absurdo, representado nesse caso pelo fato de procurar a felici-
pre mais, até desembocar na salvação. Seja o que for que o ser dade onde não é possível encontrar senão dor. O princípio é
realize, ele tem de voltar à ordem da Lei. O AS rebelde se con- sempre o mesmo. O processo de recuperação é só um. Não se
trapõe à positividade do S na posição menor de negatividade. pode sair do inferno do AS senão subindo até ao S; não é possí-
Mas o impulso da positividade é maior e, por isso, tem de ven- vel libertar-se do sofrimento senão reintegrando a desordem na
cer, levando tudo à salvação final. ordem, voltando, em obediência, ao seio da Lei.
Esta é a maravilha do processo da queda, que tem deposita- O absurdo da revolta é acreditar que seja possível chegar à
do em si a semente da salvação, tornando esta automática e fa- positividade, ou felicidade, seguindo o caminho da negativi-
tal. Estamos observando a técnica desse fenômeno. O nosso dade, ou desobediência. A lógica do movimento oposto, da
universo é caos, mas também é luta, para transformar a desor- salvação, consiste em saber que somente se chega à positivi-
dem em ordem, a guerra em paz, as rivalidades em concórdia. dade, ou felicidade, percorrendo o caminho da retificação da
Compreende-se e se justifica assim, apesar de ninguém desejá- negatividade em positividade. Continuaremos sempre encon-
la, este triste e inevitável fato: a guerra, algo inconciliável com trando frente a frente, de um lado o absurdo do ser rebelde, e
a bondade de Deus e com as regras da moral pregadas pelo ho- do outro, corrigindo e ensinando para salvá-lo, a lógica da
mem. O que ele prega representa o impulso salvador do S, e o Lei. É a lógica da obediência que retifica o absurdo da revol-
que ele faz deriva do impulso destruidor do AS. Explica-se as- ta. Eis o significado das palavras que, em Sua oração do Pai
sim a ferocidade da vitória do mais forte sobre o mais fraco, re- Nosso, Cristo nos deixou para repetir: “Seja feita a Vossa
sultado que não se coaduna com a justiça de Deus. No entanto, vontade”. Ora, fazer a vontade do Pai quer dizer obedecer à
por intermédio das rivalidades, realiza-se o progresso, que faz o Lei, e obedecer à Lei significa o caminho da salvação. Eis o
mais adiantado vencer, destruindo sempre mais a ignorância, o problema que estudamos aqui: a nossa salvação.
mal e a dor. Desse triste pântano, desabrocha a esplêndida flor
da redenção e da salvação. O impulso para o emborcamento IV. NEGATIVIDADE E POSITIVIDADE
acaba por inverter a si próprio, de modo que ele mesmo, auto-
maticamente, retifica tudo. É para se atingir a paz que existem O problema que iremos agora focalizar cada vez mais de
tantos extermínios de vidas nas guerras, é para se chegar à perto, não é mais o da grande queda – já estudado por nós
compreensão que há tantas inimizades, é para se alcançar à feli- em outros volumes e expresso na figura pela vertical XY –
cidade que tão grande mar de sofrimentos tem de ser atravessa- mas sim os das quedas menores laterais, há pouco referido
do. Eis o significado da presença da dor e da luta numa criação por nós, onde observaremos as consequências desses afasta-
que foi obra da bondade de Deus. mentos da linha da Lei, ou ética, que estabelece qual deve
A luta está destinada a resolver-se. A monstruosidade em- ser a conduta correta. Estas quedas menores são o que cha-
borcada, o AS, saiu do S como um aborto. O câncer não tem mamos de erro ou culpa. Podemos agora dar a estas palavras
direito à vida. A negatividade nada pode gerar, porque termi- um significado positivo de deslocamento para a desordem,
na na sua própria destruição. O AS é uma doença contida no longe da devida posição de ordem estabelecida pela Lei.
organismo sadio do S. Mas o S é Deus, ou seja, um organismo Uma lei universal de equilíbrio impõe que esta ordem, todas
tão forte, que não há doença capaz de vencê-lo. Então não é a as vezes que for violada, seja reconstituída. Podemos assim
doença que destrói o doente, mas é o doente que destrói a do- dar um valor exato também às palavras expiação e redenção,
ença. O antagonismo existe em posição de inferioridade para em função desse processo de reordenação. Revela-se assim
quem se rebelou à ordem. Não pode vencer uma batalha todo o valor da dor como meio de recuperação e elemento
quem, colocando-se em posição invertida, luta em posição fundamental na lógica do fenômeno da salvação.
emborcada. Não pode avançar quem quer ir para trás. Nada se Essa linha da ética representa a espinha dorsal do processo
pode construir com os métodos destruidores, próprios da ne- de salvação. Este é o percurso dentro do qual está canalizado o
gatividade. Como pode a revolta alcançar sucesso, se ela con- caminho da evolução, que o ser tem de percorrer para recuperar
siste em se colocar em posição de inferioridade? Quem toma tudo que perdeu com a queda. Todas as vezes que o ser se afasta
esse caminho sempre trabalha em perda e, desde o início, pelo dessa linha de retorno, dirigida para o S, comete um erro e tem
seu próprio método, está condenado à derrota, que é a dor. Eis de sofrer até neutralizá-lo, reconstruindo tudo com o seu esforço
por que, para não ficar derrotado no sofrimento, o rebelde tem e sofrimento. Também no processo desses afastamentos laterais,
de voltar desta condição à obediência. temos uma linha verde de descida para a negatividade, represen-
No S, tudo é positivo. A negatividade foi um produto da tando o afastamento ou trabalho de destruição e uma linha ver-
revolta, da qual nasceu para terminar no seu próprio autoani- melha de volta para a positividade, representando a aproximação
quilamento. A unidade fundamental original reabsorverá toda de retorno ou trabalho de reconstrução. Assim como a força de
a cisão do dualismo. Mas, com a revolta, o ser, que antes exis- atração terrestre constrange tudo a ficar equilibrado, em contato
72 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
com a superfície do solo, fazendo voltar qualquer coisa que se so maior da involução-evolução e regido pelo mesmo princípio.
afaste, a Lei, que representa a divina bondade e vontade de sal- Eis por que vemos aqui, novamente, aparecer o modelo dualista
vação, também constrange tudo a ficar em equilíbrio, unido à li- da oposição de contrários. Por isso este processo se desenvolve
nha da Lei, fazendo voltar a ela tudo que se afastar. em forma de inversão recíproca, de erro e sua correção. A linha
Essa é a função da linha da Lei. Ela representa um raio do da desobediência sai da linha da Lei e volta a ela transformada
pensamento e da vontade de Deus, que desce no próprio centro em linha de dor. O movimento que se iniciou com o sinal nega-
do universo dos rebeldes para salvá-los da destruição em que de tivo volta à fonte com o sinal positivo. O ser adoece para voltar
outro modo acabariam. Além da pequena redenção realizada à saúde. É o princípio de equilíbrio que aprisiona o fenômeno
por Cristo num dado momento, em favor de uma das infinitas dentro do jogo de reciprocidade.
humanidades que povoam o universo, existe uma redenção Vemos assim repetirem-se os motivos fundamentais do
muito maior, contínua, realizada por Deus no Seu aspecto ima- universo até aos últimos pormenores do particular. E isto é ló-
nente, em favor de todas as humanidades e de tudo que existe. gico. No todo existe somente o modelo do S, no qual existe
Essa redenção maior, operada pela Lei, está expressa na figura Deus. Uma vez que a criatura não possui poder para criar, ela
pela linha vermelha YX, de sinal positivo, que sustenta o triân- é incapaz de gerar outros modelos. Sendo efeito, e não causa,
gulo da mesma cor e seu respectivo campo de forças, represen- ela não pode ser causa inédita de novos efeitos. Tudo o que
tado por sua superfície. Com a base no S e a ponta dirigida para ela podia fazer, então, era alterar o que já existia. Se o S era
baixo, esta linha penetra todo o triângulo do AS até ao fundo, tudo o que havia, nada de novo poderia surgir, mas somente a
como uma projeção da positividade lançada no campo da nega- sua negação. Como o S permaneceu o centro de tudo, a nega-
tividade, a fim de, através do seu impulso reconstrutor, salvá-lo ção não pôde seguir outro caminho senão o seu endireitamen-
do aniquilamento, que seria a conclusão lógica do processo. to para o positivo, isto é, reafirmando o que foi negado. Eis
Tudo o que, na figura, é vermelho representa o princípio de por que, no caso ora observado, aparece primeiro a linha ver-
positividade do S, a presença de Deus, a salvação. Disto deriva de e depois a vermelha. Aqui também, a primeira fase é cons-
a grande importância de se conhecer a Lei, o seu conteúdo, a tituída da queda, e a segunda, da salvação. Tudo foi criado de
técnica do seu funcionamento, as normas de ética com as quais tal modo que, em qualquer caso, independente da negativida-
ela nos dirige, porque este conhecimento significa saber a rota a de do ser, nada se perde, sendo tudo resolvido e redimido nos
seguir e ter nas mãos o leme para dirigir, no oceano da evolu- braços de Deus, sempre centro de tudo.
ção, o nosso barco para a salvação. Nós existimos e temos de ◘ ◘ ◘
funcionar dentro dessa grande máquina do universo, mas não Analisemos de perto como se desenvolvem esse processo do
conhecemos a Lei que a dirige. Assim a nossa conduta se asse- erro e sua correção. Entramos agora no terreno específico da
melha a de um cego ignorante, que vai sempre cometendo er- ética, para estabelecer as suas bases positivas. Colocando-nos
ros, sem terminar jamais de pagar as consequências. Quantas perante a figura, escolhemos ao longo da linha vermelha YX da
dores se poderiam evitar, se o homem aprendesse a se movi- Lei o ponto N, situado num dado nível de evolução. Suponha-
mentar com inteligência dentro dessa máquina, pois ela é diri- mos que a posição do ser cujos movimentos agora estudamos
gida por uma suprema inteligência, a inteligência de Deus! É seja esta, num ponto intermediário ao longo do caminho da
necessário compreender essa máquina, para funcionar de acor- evolução do homem. As linhas YN e NX representam, respec-
do com ela, disciplinadamente, ao invés de violar suas leis com tivamente, o caminho já percorrido e o caminho ainda a percor-
a desordem, batendo a cada passo a cabeça contra as suas sá- rer. Este último é o trecho que falta para o ser acabar de cum-
bias resistências. Enquanto não aprendermos a nos movimentar prir a sua redenção, e ele deveria segui-lo, porque constitui o
corretamente, teremos de aceitar a dura lição da dor, necessária caminho direto e, portanto, o mais curto para voltar ao S. Mas
para aprender. Não se trata de teorias longínquas, mas dos mais eis que retorna o motivo da revolta, e o ser, assim como se afas-
vivos e próximos problemas de nossa existência. Trata-se de tou do S para o AS na queda, agora se afasta da linha da Lei
conhecer a Lei, e isto não constitui só uma grande vantagem, com o erro. Enquanto tudo o que pertence ao AS não for neu-
mas também imenso consolo, porque ela representa o princípio tralizado pela evolução, este impulso divisionista continuará
do amor de Deus, que tudo reordena, reconstrói e salva. ecoando em casos menores até que tenha desaparecido. No caso
Este é o significado da linha da Lei. Ela representa o centro maior, com a queda, o ser desceu a linha XY e, agora, tem de
dos fenômenos que iremos estudando. Observaremos primeiro subi-la às avessas. No caso menor, com o erro, o ser percorre a
o percurso da linha verde da negatividade, que o ser origina la- linha do afastamento NN1, para depois ter de seguir a linha da
teralmente, quando se afasta da linha da Lei, para vermos de- aproximação N1N. O ponto de partida desse processo é N, onde
pois a linha vermelha de retorno à Lei, completando o ciclo que se manifesta o impulso da revolta. O ponto onde esse impulso
reproduz em medida menor o trajeto XY e YX. O processo da se esgota é N1, onde sobre ele leva vantagem a atração da Lei,
queda se repete nestas menores tentativas da revolta, dirigidas que, por um processo inverso, tudo restaura na sua ordem. Esse
para a construção de pequenos anti-Sistemas laterais, que são é o esquema do fenômeno que estamos estudando aqui.
construídos e destruídos, desenvolvendo-se e sendo reabsorvi- Temos assim dois momentos ou elementos fundamentais
dos com o mesmo método de ida e volta. Obedecendo ao im- neste processo: o da linha verde NN1, e o da vermelha N1N.
pulso inicial da desobediência, o fenômeno avança ao longo da Ambas juntas constituem o ciclo completo de ida e volta, NN1N,
linha verde, até que o impulso se esgote. A reabsorção se reali- que corresponde ao ciclo completo da queda e salvação, XYX.
za ao longo de uma linha vermelha paralela correspondente, Trata-se do mesmo processo de emborcamento e endireitamento
que representa a correção dos valores negativos e a recuperação que, no caso da queda, vemos desenvolver-se na figura em sen-
dos valores positivos. Na figura, podemos controlar o fenôme- tido vertical de descida e subida, mas que se cumpre, neste caso,
no em seus movimentos, posições e medida. em sentido horizontal de afastamento e aproximação. O princí-
Vemos assim que o nosso erro tenta gerar um pequeno AS pio é sempre o mesmo: um erro devido à vontade da criatura e,
lateral, fugindo da linha da Lei YX, assim como, na primeira depois, uma reintegração devida à vontade de Deus.
queda, o ser fugiu da linha WW1 do S. Esse processo também A expressão gráfica que, na figura, demos ao fenômeno nos
tem de ser neutralizado por um equivalente caminho de regres- ajudará a compreender melhor o seu desenvolvimento. Mas, pa-
so. O trajeto percorrido na ida pela linha verde lateral tem de ra que tudo seja claro, é necessário antes de qualquer coisa es-
ser compensado por uma proporcional linha vermelha de re- tabelecer o valor das palavras e conceitos que usamos e o ponto
gresso. Trata-se de um fenômeno menor, contido dentro do ca- de referência em função do qual os usamos. Já tocamos ligeira-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 73
mente neste assunto no Cap. III. Dissemos que o ponto de refe- fo da sua vontade divisionista, o que, para o rebelde, constitui
rência do fenômeno é a Lei. Foi em relação a este ponto que a positividade, enquanto a linha N 1N representa a renúncia à
linha verde do afastamento da linha da Lei tomou o sinal nega- sua vontade na obediência e no dever, significa a penitência
tivo e que a linha vermelha de aproximação a ela tomou o sinal do regresso na ordem e no esforço da subida, o que, para o re-
positivo. O primeiro trecho, representado pela linha verde, é belde, constitui negatividade.
negativo, porque nele opera o impulso do ser contra a Lei. O Cada um dos dois “eus” quer atingir uma plenitude de reali-
segundo trecho, representado pela linha vermelha, é positivo, zação oposta à do outro. O objetivo de Deus é o S, o do ser re-
porque nele opera o impulso da Lei contra o do ser. Dado que o belde é o AS. Com relação à realização do objetivo de cada um, o
ponto de referência é a Lei, o sinal negativo expressa o período primeiro leva o sinal positivo, enquanto o segundo recebe o sinal
em que o emborcamento prevalece e a Lei está vencida, en- negativo. Sendo duas vontades opostas, o caminho de ida XY, ou
quanto o sinal positivo expressa o período em que o endireita- NN1, vai do + para o − e é negativo em relação ao S, porque gera
mento prevalece e a Lei triunfa. o AS, mas, do ponto de vista da criatura, esse caminho vai do −
A negatividade expressa o processo de destruição dos valo- para o +, tornando-se assim positivo em relação ao AS, que surge
res positivos da Lei, e a positividade expressa o processo de como afirmação para o rebelde, cujo desejo é substituir a ordem
reconstrução daqueles valores. Tudo o que, na figura, tem a de Deus pela sua desordem. Da mesma forma, o caminho de vol-
cor verde ou o sinal negativo é fruto da vontade rebelde da cri- ta YX, ou N1N, vai do − para o + e é positivo em relação ao S,
atura e se dirige em posição emborcada para o AS. Tudo o que porque nele tudo se reconstrói para a salvação do ser, destruindo
tem cor vermelha ou sinal positivo é fruto da vontade de Deus o AS, mas, do ponto de vista da criatura, esse caminho vai do +
e se dirige para o S, para endireitar as posições emborcadas pe- para o −, tornando-se assim negativo em relação ao AS, cuja
la revolta. A nossa figura está concebida em função desse pon- morte aparece como negação para o rebelde, que gostaria de se
to fundamental de referência, que é Deus, o S, representado afastar da ordem do S e, agora, tem de voltar a ela.
pela Lei. É em relação à positividade desse ponto de referên- Esse jogo de contínua inversão de opostos é devido ao em-
cia, que todos os movimentos gerados pelo impulso da revolta borcamento gerado pela revolta. É assim que, quando o ser se
tomaram o sinal negativo. afasta do S, tudo, em relação à Lei, é negativo, mas, em rela-
É possível, porém, escolher como ponto de referência o ou- ção ao próprio ser, o sinal se emborca, tornando-se positivo. E,
tro termo existente do dualismo, isto é, não Deus, ou o S, ou a ao contrário, no caso do regresso do ser ao S, tudo, em relação
Lei, mas sim a criatura rebelde, ou o AS, ou anti-Lei. Então à Lei, é positivo, mas, em relação ao próprio ser, emborca o si-
tudo adquire o valor oposto, porque passa a ser considerado nal e se torna negativo.
em relação não à positividade, mas sim à negatividade. Neste A posição direita na qual observamos aqui o fenômeno, es-
caso, tudo o que na figura é positivo se torna negativo. Em ou- colhendo como ponto de referência a positividade de Deus, é
tras palavras, se o ser, com a sua revolta, quer o contrário da verdadeira e básica, sendo a predominante. A posição do ser
vontade de Deus, concebendo tudo em função de si mesmo, e representa somente um desvio lateral, um deslocamento fora da
não em função de Deus, é lógico que os valores se embor- ordem, uma exceção à regra, uma desordem, um erro. Infeliz-
quem, adquirindo o valor oposto. E, realmente, o homem, do- mente, porém, esta estranha posição emborcada é a que o ho-
ente de antropomorfismo crônico, costuma erguer-se em centro mem mais usa. Nós, humanos, estamos mergulhados no AS e
do universo, substituindo o seu “eu” ao de Deus, fato que somos, por isso, levados a usar o segundo dos dois pontos de
acontece a toda hora e representa a maior prova da teoria da referência, concebendo tudo em função do nosso “eu”, que foi
revolta. Este é o ponto de referência humano, portanto é lógico efeito da revolta. A nossa posição atual nasceu da vontade de
que seja às avessas, pois o ser que decaiu no AS se encontra emborcar o S e representa o antagonismo entre o nosso “eu” e o
em posição emborcada e não pode conceber senão nessa con- “Eu” de Deus. O nosso instinto nos levaria a estudar o fenôme-
dição, que estabelece sua forma mental. no às avessas, construindo uma tábua de valores não em função
Temos então, frente a frente, dois centros opostos, que que- de Deus, mas do nosso “eu”, dando o primeiro lugar não à or-
rem impor-se como “eu” absoluto: o “Eu” de Deus e o “eu” da dem do estado orgânico do todo, mas ao separatismo individua-
criatura. A oposição nasceu com a revolta, pela qual o “eu” do lista da vantagem egoísta (a lei da seleção do mais forte).
ser rebelde mudou-se da posição de coordenação dentro do S Se a afirmação de Deus é: “Eu sou o senhor teu Deus (...),
para uma de insubordinação, situada fora e nos antípodas do S. Não terás outros deuses diante de mim” 1, a afirmação do ho-
Ora, se aceitamos como centro o “Eu” de Deus, o fenômeno mem é: “Eu sou o senhor de tudo. Não terás outros senhores
se nos apresenta na sua posição direita. Porém, se aceitamos diante de mim”. Afirmação emborcada, que, diante de Deus,
como centro o “eu” individual da criatura, o mesmo fenômeno, é uma negação. A afirmação do homem é a negação de Deus,
observado do seu polo oposto, apresenta-se na sua posição em- assim como a afirmação de Deus é a negação do homem. O
borcada. O ponto de partida, no primeiro caso, é X no S, ou N modelo é só um, e o fenômeno se baseia sobre o processo do
na linha da Lei, enquanto, no segundo caso, é Y no AS, ou N1, seu emborcamento. Se o olharmos de cima para baixo, ele
fora da linha da Lei. Então, se o ponto de referência é a Lei, a toma o sinal +, porque é Deus que afirma. Se o olharmos de
linha NN1, que agora estudamos, é de sinal negativo e a linha baixo para cima, o modelo toma o sinal −, porque é o homem
N1N é de sinal positivo. Porém, se escolhemos, ao invés, como que nega. Por isso pode parecer que a concepção mosaica de
ponto de referência a posição do ser em revolta, a linha NN1 é um Deus que quer dominar sozinho, cioso de todos os rivais,
de sinal positivo e a linha N1N é de sinal negativo. seja a reprodução da psicologia de qualquer rei humano, cuja
É lógico que, aqui, temos de estudar o fenômeno na sua primeira preocupação é defender o seu reino, matando todos
posição direita, em função de Deus e da Lei, e não em posição os rivais do seu trono. Mas isto é lógico, porque o modelo é
emborcada, em função do ser, que se faz centro de tudo, com um só, dado pelo egocentrismo, que, com a revolta, cindiu-se
seu “eu” separado e egoísta. O ponto de referência em relação em dois polos, assim cada um deles pode, alternadamente,
ao qual a nossa figura foi concebida é Deus, ou S, ou Lei. Por funcionar como ponto de referência: o egocentrismo positivo
isso a linha NN1 tomou o sinal negativo, enquanto a linha N 1N de Deus ou o negativo do ser rebelde. O mesmo modelo quer
tomou o sinal positivo. Veremos daqui a pouco o significado dizer o mesmo tipo de forma mental, que impõe o próprio
prático desses sinais. “eu” como o centro de tudo.
Era necessário, porém, explicar o sentido segundo a posi-
1
ção oposta. Para o ser rebelde, a linha NN 1 representa o triun- Êxodo, 20:2-3 (N. da E.).
74 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
Agora que determinamos o nosso ponto de referência, em verde, que nasce primeiro, como filho da revolta, enquanto o
função do qual a figura foi concebida, e estudamos o caso dos caminho da volta ou recuperação, representado na cor verme-
afastamentos da linha da Lei, é necessário, como há pouco dis- lha, ocorre depois, para corrigir e reabsorver o outro.
semos, definir o valor dos conceitos e o sentido das palavras Esclarecemos assim o sentido das várias palavras que temos
que usamos. Qual é na prática o significado e conteúdo destes de usar no estudo da ética, tais como: bem e mal, amor e ódio,
conceitos de positivo c negativo? Eles têm de corresponder a erro e culpa, obediência e recuperação, revolta e perdição, etc.
alguma coisa de concreto, que vemos existir e dirigir nossas vi- Além das acima mencionadas, também existem outras, que ad-
das, porque o objetivo destas nossas pesquisas é conhecer estas quirem um significado exato e profundo, encontrando a sua ex-
normas, a fim de orientar a nossa conduta. Poderemos assim plicação lógica em função da estrutura do grande organismo do
saber com mais exatidão a correspondência, na figura, da cor universo e da solução dos maiores problemas do conhecimento.
vermelha ou verde com o sinal + ou sinal −. ◘ ◘ ◘
Positividade quer dizer Deus, ou S, ou Lei, representando a Procuremos penetrar agora, ainda mais, no terreno especifi-
vontade que tudo fique na ordem e o domínio do respectivo co da ética, que é o nosso objetivo, explicando sempre melhor
impulso de levar novamente para essa ordem tudo o que saiu estes conceitos.
dela. Negatividade representa a criatura rebelde, o ser que, Vimos que o conteúdo da ideia de negatividade é dado pelo
com a revolta, colocou-se na posição de egocentrismo oposto erro ou culpa, dirigindo-se para o mal, no sentido de perda,
ao de Deus. Isto significa vontade de sair da ordem e o domí- porque é afastamento da linha da Lei, nosso ponto de referên-
nio do impulso de se afastar sempre mais de Deus, para ficar cia. Vimos também que o conteúdo da ideia de positividade é
no polo oposto, no AS. Veremos assim as duas linhas: a verde, de correção na dor, dirigindo-se para o bem, no sentido de re-
de sinal −, e a vermelha, de sinal +, sempre contrapostas e cuperação, porque é retorno à mesma linha da Lei. O primeiro
compensadas num dúplice movimento de ida e volta, que aca- movimento, sendo do + para o −, vai para a perdição. O segun-
ba reequilibrando tudo na ordem. do movimento, sendo do − para o +, vai para a salvação. Temos
O fato é que o verdadeiro e fundamental ponto de referência assim, de um lado, os conceitos de erro, culpa, afastamento pa-
é o primeiro, isto é, Deus. O outro é apenas um pseudoponto de ra o mal e perdição, enquanto, do outro lado, temos os concei-
referência, que, por estar no campo da negatividade, não é cen- tos de dor, expiação, volta para o bem e salvação.
tro real como o primeiro e, portanto, não pode sustentar nada de- Mas os princípios de negatividade e positividade contêm
finitivo fora do seu terreno relativo. Por isso a figura nos mostra também outros conceitos e aspectos. Vimos que a Lei reage, reti-
não somente a contraposição entre a primeira vontade, que é de ficando o primeiro movimento com o segundo, isto é, corrigindo
ordem, e a segunda, que é de revolta, mas também nos indica o erro com a dor. Por quê e como acontece isto? Qual é a mecâ-
que, neste contraste, a primeira acaba vencendo a segunda. nica desse processo? Com que técnica se cumpre o fenômeno da
Eis então que positividade, ou vontade de ordem, significa salvação ou redenção? Esse é o conteúdo e o objetivo ético do
também impulso para a salvação, enquanto negatividade, ou que estamos estudando aqui: conhecer a norma que, premiando
vontade de revolta, significa também impulso para a perdição, os nossos esforços positivos, refreando e endireitando os afasta-
pelo qual tudo pereceria, se não fosse salvo pela positividade mentos para o negativo, buscando sempre nos reconduzir para o
do primeiro impulso, gerado por Deus. Assim, em função do caminho certo da salvação, dirige a nossa conduta. O ser rebelde
ponto de referência em Deus, a linha vermelha, indo contra a é louco. A Lei é sábia. O ser quer encontrar as qualidades positi-
vontade de revolta do ser, expressa a recuperação e a vanta- vas nos caminhos que levam às negativas. A Lei, para salvá-lo, o
gem dele em relação à vida, representando o impulso da posi- reconduz com a dor aos caminhos da positividade. Esse é o jogo
tividade de Deus contra o impulso da negatividade da criatura, da mecânica da salvação. O ser rebelde quer encontrar a luz nas
que, percorrendo a linha verde da perda, dirige-se loucamente trevas, mas a Lei o reconduz à luz; quer encontrar a vida na mor-
para o seu aniquilamento. te, mas a Lei o leva novamente para a vida.
Os conceitos de positividade e negatividade são conceitos Aqui, descemos do terreno das teorias gerais, penetrando
centrais sintéticos, que, em nosso mundo relativo, vão-se ramifi- sempre mais na prática de nossa vida. Problemas que nos tocam
cando no periférico e analítico, manifestando-se em muitos con- de perto e nos interessam, porque se trata do nosso sofrimento
ceitos particulares menores. Assim os sinais + e − podem ser en- ou bem-estar. Com a revolta, o ser foi à procura de felicidade,
tendidos de várias maneiras, dando-se a eles diferentes sentidos mas fora da ordem, da regra e da justa medida, o que representa
e conteúdos. Então positividade pode significar não somente um absurdo. Seguindo o caminho da revolta, que é emborca-
Deus, o S, a Lei, a vontade de ordem, o impulso para a salvação, mento, o ser não poderia encontrar outra coisa senão sofrimen-
mas também o amor, o bem, a espiritualização, a linha da corre- to. Poderia perguntar-se por que motivo o caminho da volta, ou
ção do erro, a neutralização da culpa na obediência e na purifi- reconstrução, é feito de dor? Isto acontece porque o ser procu-
cação pela dor, o caminho de volta para a recuperação da vida, a rou a felicidade, que é qualidade positiva, no terreno da negati-
sabedoria, a liberdade, a felicidade, a perfeição. Por outro lado, vidade, com a desobediência na desordem, e não com a obedi-
negatividade pode significar não somente a criatura rebelde, o ência na ordem, lançando-se para fora do S, no AS, isto é,
AS, o caos, a vontade de revolta, o impulso para a perdição, mas agindo às avessas. É lógico que ele encontrasse o inverso da fe-
também o ódio, o mal, a materialidade, a linha do desvio no er- licidade, isto é, dor. Aqui está a tragédia da revolta. Eis o erro
ro, a culpa pela desobediência e pelo gozo desordenado, o cami- fundamental que fez o ser fracassar no absurdo. Para crescer
nho do afastamento em direção à morte, a ignorância, a escravi- demais fora da ordem, ele entrou na desordem. Para se afirmar
dão, a infelicidade, o estado manco e falho da imperfeição. além dos limites devidos, entrou na negação. Para se estender
Por isso a linha verde NN1, que representa o caminho de além da lei da sua existência, o ser saiu do S, isto é, da positivi-
afastamento do ser do seu ponto de referência, a Lei, pode ser dade e de todas as suas qualidades, para entrar no AS, isto é, na
chamada de “linha do erro ou culpa”, dirigida para o mal (−), negatividade, com todas as suas qualidades. Assim, do bem o
enquanto linha vermelha oposta, N1N, que representa o cami- ser caiu no mal; da luz, nas trevas; da vida, na morte; da felici-
nho de regresso do ser para a Lei, seu ponto de partida, pode ser dade, na dor etc. Tudo é lógico. Então ele tem de ficar no mal,
chamada de “correção na dor”, dirigida para o bem (+). Na fi- nas trevas, na morte, na dor, imerso nesse mar de tristeza, até
gura estudaremos o fenômeno nesta ordem, isto é, primeiro a atravessá-lo totalmente, reabsorvendo a negatividade que pas-
linha da negatividade e, em seguida, a linha da positividade, sou a ter com a revolta e, assim, neutralizando-a, voltar à Lei,
porque é o trajeto do afastamento ou perda, representado na cor reintegrando-se na positividade perdida.
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 75
Com a revolta, o ser quis fazer de si mesmo centro e ponto um absoluto antagonismo entre o mundo e o Evangelho, justifi-
de referência, enquanto o centro só pode ser Deus e nada pode cando-se a existência e o significado desses dois métodos opos-
existir senão em função desse ponto de referência. Eis por que, tos. O homem do dever se sacrifica, mas constrói na ordem; o
com a revolta, o ser não podia adquirir senão qualidades nega- homem da força triunfa em proveito próprio, mas destrói, por-
tivas. Elas agora são suas, e não há outro caminho para se liber- que é rebelde à ordem. O mártir morre, mas semeia vida; o herói
tar delas senão a marcha à ré da reabsorção da negatividade e do mundo vence e vive, mas semeia morte. O sacrifício em obe-
da recuperação da positividade. Para se endireitar, é necessário diência à Lei reconstrói ao longo da linha positiva da dor; a for-
que o ser cumpra à sua custa o trabalho de se redimir e, com o ça na revolta à Lei destrói ao longo da linha negativa do erro e
seu retorno, cumpra, no caminho de regresso à ordem, a fadiga do mal. O triunfo do mundo é emborcado ao negativo, nos antí-
de voltar atrás em disciplina, assimilando a sua culpa. Isto é podas do triunfo positivo nos céus, representando a vitória das
dor, e eis porque ela adquire qualidades positivas de recupera- células do câncer, e não o domínio das células sadias do orga-
ção. Eis a sua origem, a razão da sua presença, a função que nismo. O triunfo do mundo se constrói esvaziando e destruindo,
cumpre e o objetivo que deve atingir. e não gerando e construindo valores. Por isso o homem perma-
O impulso fundamental da existência é sempre do S, isto é, nece sempre insaciável, pois aquele nutrimento é falso, negativo
no sentido positivo, portanto da própria vantagem. Mas o ser e não satisfaz, mas apenas dá fome.
deveria realizar esse impulso no sentido positivo, dentro da or- Verifica-se então o seguinte fenômeno. O caminho do erro
dem. Seu erro, porém, foi querer realizá-lo em sentido negativo, representa um trabalho que aspira, para fora do S ou da linha
fora da ordem, dai o seu dano. Eis por que a linha do erro, NN 1, da Lei, uma quantidade de substância, que se inverte em nega-
é também a linha de prejuízo do ser, enquanto a linha da dor, tiva e constitui os espíritos rebeldes. Este processo gera um
N1N, é a de sua vantagem. Assim, uma vez que a linha do erro espaço negativo, que se vai enchendo (AS) fora do campo da
é de emborcamento (−), a linha da dor é de endireitamento (+). positividade (S) e, paralelamente, um correspondente vazio
Mas as linhas da negatividade e da positividade têm também dentro desse campo da positividade (S). Tudo isto, como é ló-
outros significados afins e paralelos. Observemo-los para escla- gico, gera um desequilíbrio, que é necessário equilibrar de
recer melhor o assunto. Na primeira linha, temos os rebeldes, os novo. Isto quer dizer que o deslocamento da positividade para
criminosos, os guerreiros, os chamados fortes, que, à disciplina a negatividade tem de ser compensado por um equivalente
de todos os seres no estado orgânico do S, ao redor do centro caminho de regresso da negatividade para a positividade. En-
único ou “Eu” de Deus, substituíram a revolta na desordem do tão o vazio que se formou dentro do campo da positividade
caos, cada ser por si mesmo, cercado por outros tantos pequenos (S) tem de ser preenchido com o que saiu dele, processo no
centros ou egocentrismos individuais das criaturas. O método qual se esvazia o terreno da negatividade (AS), com a reinte-
deles, nessa sua posição, não é a espontânea colaboração, mas a gração da substância no estado positivo do S.
imposição pela força. Podemos agora compreender por que exis- Eis por que existe a linha da dor. Explica-se, dessa forma, a
te na Terra a lei do mais forte, o que ela significa e por que se marcha à ré compensadora de todo o afastamento, o caminho de
pratica esse método de vida. Entendemos, assim, por que o prin- ida e volta, a necessidade de recuperação. Compreende-se,
cípio vigorante em nosso mundo, da luta e da vitória do mais também, como a linha do erro, que vai para o mal, não pode re-
forte, represente um princípio separatista e, por isso, próprio do presentar senão uma pseudovantagem, uma perda, porque é ga-
AS, e não do S. Isto significa um estado primitivo, involuído, nho ao negativo. Trata-se de uma dívida, um enriquecimento
mais próximo da animalidade que do homem evoluído. Então momentâneo, que é necessário pagar depois. Representa um
essa lei biológica não é uma expressão de positividade, isto é, de caminho de descida fácil, que depois temos de subir de novo,
poder construtor, como se acredita, mas sim de negatividade, is- com nosso próprio esforço. Significa um atalho para uma feli-
to é, de poder destruidor. Trata-se da sobrevivência de estados cidade mentirosa, que se resolve no engano, do qual não pode-
involuídos do passado, e tais qualidades, perante a Lei, que quer mos sair senão recuperando tudo com o nosso sofrimento. Tudo
o evoluído do S, e não o involuído do AS, representam fraqueza, isso nos mostra a verdade e nos ensina que a desobediência é
e não força; defeito, e não virtude; derrota, e não vitória. Se o erro. Infelizmente, não há outro meio. O raciocínio, que de-
principio da força parece ser de afirmação, isto é somente em monstra e convence, não tem valor para o rebelde, pois a forma
função do ponto de referência estabelecido no homem. Mas isso mental de quem vive neste estado de negatividade não se baseia
significa caminhar às avessas, contra a Lei, pois, perante Deus, na lógica, mas sim no absurdo. Faz-se necessário então a dor,
quer dizer afastamento ao longo da linha do erro. que se imprime no subconsciente, pois só ela tem o poder de,
De fato, o método do triunfo do mais forte leva a ganhar não queimando, fincar nos instintos um marco indelével.
em sentido positivo, gerando e construindo para o bem dos ou- Eis a razão e a técnica dessa justiça compensadora, pela
tros, o que conduz para o S, mas sim em sentido negativo, es- qual, automaticamente, todo afastamento tem de se endireitar
cravizando, destruindo, matando, semeando mal e sofrimentos com o regresso à Lei. O ser que quis gerar o impulso do em-
para os outros, como acontece em todas as guerras, o inferno do borcamento tem de ficar sujeito a esse mesmo princípio até ao
AS. O vencedor não cria nada, apenas ganha espaço vital, sub- fim, isto é, até à completa reconstrução da ordem violada.
traindo-o aos demais. Este é o método das rivalidades, oposto ao Trata-se do mesmo impulso de emborcamento que, por inér-
da concórdia. Estamos no caminho da negatividade, no qual se cia, tem de continuar, automaticamente, até atingir seu endi-
conquista a vida própria tirando-a dos seus semelhantes, enquan- reitamento, retificando tudo. No microcosmo de nosso mundo,
to, no caminho da positividade, para se conquistar a vida, é ne- parece que, assim como as trajetórias de nosso pequeno espa-
cessário procurá-la para os outros. Eis os dois tipos: o guerreiro, ço terrestre, a linha do desenvolvimento causa-efeito seja uma
egoísta e agressivo, e o homem pacífico do Evangelho, altruísta reta e que o encadeamento dos trechos causa-efeito aparece
e pronto a colaborar. O primeiro é positivo só em relação à gota como uma junção de retas, uma após a outra. Todavia, saindo
de água que é o seu mundo, do qual ele se faz centro, mas é ne- desse pequeno espaço terrestre, encontramos no universo as-
gativo em relação ao universo, do qual, sem saber, faz parte e tronômico outro tipo de espaço, cuja curvatura nos indica que
cujo centro é Deus. O mártir do sacrifício para o bem de todos é a sucessão causa-efeito, vista no seu conjunto ou totalidade do
negativo na gota de água humana, mas é positivo dentro do uni- seu ciclo completo, também se torna uma curva, fechando-se
verso, perante Deus. Tudo está emborcado em nosso ambiente sobre si mesma. Disto se conclui que o efeito não é uma con-
terreno, por isso quem se sacrifica para o bem do próximo é jul- sequência que, ao longo de uma reta, afasta-se do seu ponto
gado fraco e condenado como tolo. Explica-se assim por que há de partida, mas sim um momento do desenvolvimento de uma
76 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
curva que tem de voltar àquele ponto, à causa que gerou tudo. para a Lei, seu ponto de referência e objetivo. Para quem vive
Os dois termos, causa e efeito, não são então os dois extremos neste caminho, orientado nesta direção, a morte é vida. O ho-
de uma reta, mas sim o mesmo ponto, onde se inicia e se fe- mem comum não pode entender essa psicologia, porque está
cha o mesmo ciclo. No todo, não podem existir afastamentos percorrendo o caminho oposto NN 1, de ida para a negativida-
verdadeiros e definitivos, sendo impossível o ser gerar deslo- de, que o afasta da Lei. Aqui, o ponto de referência é o próprio
camentos nas imutáveis posições da ordem universal. Podem “eu”. Eis então que o sacrifício é perda, e a morte é morte. É
existir oscilações parciais e compensadas, aparentes e particu- lógico que esses valores sejam vistos em função do respectivo
lares, semelhantes às ondas do mar ou às vibrações da maté- ponto de referência e que, se esse pontos são emborcados, as
ria, movimentos que nada deslocam, pois tudo acaba reinte- mesmas coisas adquiram um valor oposto. É assim que a morte
grado no estado de origem, como Deus quer. Eis a razão pela pode significar vida e a vida, morte. Então, quando o ser se en-
qual a involução tem de ser corrigida pela evolução. Eis por contra na posição direita de positividade, cujo ponto de refe-
que, à linha do afastamento da Lei ou linha do erro, tem de rência é o “eu” universal, Deus, é lógico que ele viva em obe-
seguir a linha de regresso ou linha da dor. A obra de Deus é diência e em função do S, e que a morte, então, tenha valor de
inviolável, e nada, em definitivo, o ser pode nela mudar. Se vida, e a vida, de morte. Mas, quando, pelo contrário, o ser se
ele, por ser livre, pode realizar alguma mudança, tudo tem, no encontra na posição emborcada de negatividade, cujo ponto de
entanto, de voltar ao seu ponto de partida e ser restaurado na referência é o “eu” individual, em função do AS, aquela con-
integridade do seu estado de origem. cepção de vida tem de adquirir o valor de morte, e a morte, de
Vamos assim observando sempre mais em profundidade o vida. Para quem vai do + para o −, é lógico que tudo seja às
significado das linhas da negatividade e da positividade. Ve- avessas de quem vai do − para o +.
mos que a contraposição entre estes dois termos opostos, na Eis um exemplo que nos mostra como a mente humana,
substância, não é cisão, mas sim um conjunto dualista, que ainda emborcada no AS, é levada a conceber tudo às avessas. A
constitui a forma e o conteúdo da unidade. Eis então que o du- ressurreição de Cristo é concebida pelas religiões como um mi-
alismo, ao invés de dividir e afastar, como se poderia acreditar, lagre (sobrevivência física), sendo encarada como prova de vi-
liga e funde no mesmo ciclo seus dois termos opostos consti- tória sobre a morte. Ela é prova de vida para a psicologia do in-
tuintes, que, em última análise, não são senão as suas duas me- voluído do AS, porque, para ele, a vida está no corpo, mas sig-
tades. O dualismo não é cisão, mas complementaridade entre nifica morte para a forma mental do evoluído, porque, para ele,
dois movimentos contrários compensados, que se invertem um a vida está no espírito. O fato de que o homem concebe a res-
no outro, o segundo neutralizando o primeiro. Isto porque o surreição de Cristo como prova de vida física, demonstra que
movimento que vai do + para o − gera uma carência no campo ele concebe como positivo o que é negativo, julgando ser vida o
do +, um débito que a negatividade tem de pagar à positivida- que é morte. Somente pode fazer isto o ser que está situado na
de, ou seja um crédito que a positividade exige da negativida- negatividade do AS. Para o ser situado no polo oposto (+), o
de. Se o ser encontra satisfação na culpa que o afasta da Lei, corpo (−) representa apenas a forma, a casca que aprisiona o
ele nada ganha com isso, porque se trata de um empréstimo espírito, ou seja, não significa vida, mas sim morte, na qual a
que ele tem de devolver aos equilíbrios da Lei com o seu es- positividade se precipita na negatividade. Para satisfazer o ins-
forço e sofrimento. A linha do erro, NN 1, expressa o primeiro tinto do homem, o mito da ressurreição de Cristo deifica este
destes dois movimentos (+ para −), enquanto a linha da dor, produto da negatividade, a matéria, levando-o para fora do úni-
N1N, expressa o segundo movimento (− para +). Com a dor, o co ambiente no qual ele encontra uma razão para existir: a Ter-
− paga o seu débito ao +, satisfazendo o crédito do +. ra, razão que não existe nos céus.
Uma consequência desta oposição de contrários é que o Que a maior paixão de Cristo consista na sua descida até à
homem da força, vitorioso no mundo, é um vencedor somente matéria, isto é concebível. Mas que Ele tivesse de levar consigo
enquanto o ponto de referência é o AS, mas se torna um der- aos céus o instrumento da sua maior tortura, é difícil compreen-
rotado em relação ao S, que representa o organismo maior e der. Tanto mais isto é verdade, que essa sobrevivência nos céus,
mais poderoso. Trata-se então, como dizíamos, de uma vitória de uma estrutura feita somente para a Terra e, portanto, em nada
em pura perda, de um débito a pagar, de um empréstimo a de- proporcionado àquele ambiente, implicava no fato de que o espí-
volver, ou, mais exatamente, de um roubo aos equilíbrios da rito de Cristo teria de continuar morando aprisionado em um
Lei, delito que, perante a justiça de Deus, é culpa e exige a corpo, a não ser que este fosse colocado de lado como uma relí-
sua penitência. O S está representado na Terra pelo homem do quia sem vida, tornando-se outro cadáver a enterrar. Então, essa
altruísmo e do sacrifício. O AS está representado pelo homem ressurreição não seria a continuação da vida de Cristo, mas a
do egoísmo e da prepotência. Que S e AS não são teorias fora perpetuação de seu aprisionamento na negatividade da matéria,
da realidade está provado pela presença destes seus dois o que, para o espírito, é morte. Impor a Cristo essa condenação
exemplos vivos e concretos. O julgamento que o homem co- para sempre, mesmo depois de ter Ele, com a morte, atingido a
mum em geral faz desses dois tipos é logicamente às avessas, libertação, é crueldade demais. Além disso, sem essa libertação
porque ele é filho emborcado da revolta e tem, por isso, seu pela destruição do corpo físico, como poderia ele, preso no invó-
ponto de referência no anticentro negativo do AS. O choque lucro da animalidade humana, voltar ao Pai?
entre esses dois tipos é contínuo na Terra, tal como entre a luz O homem, porque vive na negatividade do AS, acredita que
e as trevas, a verdade e o erro etc. O terreno da vida e da evo- a vida e o “eu” consistam no corpo. Para ele, a morte é morte, e
lução é o campo de luta da criatura contra o Criador e vice- não libertação. Porém a verdadeira ressurreição está nessa des-
versa. Há inconciliável antagonismo, como diz o Evangelho, truição material, que liberta o espírito. A sobrevivência física é
entre os dois opostos: Deus e o mundo. Por isso Cristo falou morte. Mas, para o homem, que concebe a vida às avessas, é
que não se pode servir ao mesmo tempo a dois senhores. A ta- necessário que esse corpo saia do túmulo, para continuar vi-
refa da evolução é destruir o tipo separatista do homem da vi- vendo O homem concebe tudo à sua imagem e semelhança,
olência, substituindo-lhe pelo tipo colaboracionista do homem porque não pode pensar senão com o seu cérebro e a sua forma
do amor. Este é o conteúdo do percurso da linha YX da evo- mental, que é filha do plano físico onde ele se encontra. Para
lução, assim como da linha N1N. ele, tudo o que sai desse seu mundo desaparece na morte, dei-
Explica-se assim a psicologia dos santos e dos mártires do xando de existir porque não é mais percebido. As ideias do ho-
ideal, que parece loucura ao mundo. Eles vivem no caminho da mem saem do seu cérebro para satisfazer as suas necessidades.
dor, que é o trecho de regresso para a positividade, N 1N, indo Assim, ele transforma tudo em mito para o seu uso, conforme
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 77
as suas exigências mentais. E isto é justo, porque as religiões adquirir coisa alguma furtando-a aos equilíbrios da Lei. A feli-
são feitas para o homem. O mito é uma adaptação dos fatos às cidade só pode ser atingida permanecendo-se na ordem do S,
necessidades da psicologia humana, que assim os transforma. A com o método positivo. Pela própria estrutura do fenômeno,
verdade é outra coisa, que existe de modo independente da ma- nunca se poderá, com o método da negatividade, encontrar se-
neira como o homem a vê. As interpretações que o homem faz não felicidade emborcada, isto é, dor. A condenação do rebel-
dela comprovam este fato, porquanto mudam e evoluem com o de está no fato de que ele não pode seguir outro caminho. A
seu cérebro, demonstrando que o ponto de referência é o “eu” sua meta natural e fatal é o fracasso. Furtar felicidade não pode
humano. Isto significa antropomorfismo, que é egocentrismo, e dar felicidade, mas somente carência de felicidade. A punição
prova que o ser humano pertence ao AS. está no fato de que o rebelde, pela sua própria posição, tem de
O mundo, pelo fato de estar imerso no AS, é ignorante. Por acreditar no absurdo e na possibilidade de se realizar alguma
isso vive enganado, acreditando que a vida seja vida, quando de coisa ao negativo. Com o método da revolta somente se pode
fato é morte; pensando que o caminho da desobediência o con- atingir a falta do que procuramos. O absurdo está em acreditar
duza à felicidade, quando de fato o leva à dor. E, quanto mais que equilíbrios estáveis possam ser mantidos com o poder da
ele se apega a essa sua vida de emborcado em busca de gozo, força, e não com a justiça. A primeira gera desequilíbrio ainda
tanto mais se aproxima do sofrimento. Tudo isto se explica com maior, enquanto a segunda vai gerar o verdadeiro equilíbrio.
plena lógica e justiça, pois quem vive na negatividade não ob- Com a mentira, não se pode encontrar a verdade. Posições es-
serva senão o contrário do que aparece, invertendo todas as táveis não se podem basear sobre valores falsos. Só com a sin-
afirmações em negações. Por isso o mundo foi definido como a ceridade e a honestidade é possível construir. A astúcia e a
grande Maya2 ou ilusão. Quem tem a forma mental emborcada mentira podem realizar apenas uma pseudoconstrução, que pa-
na negatividade encontra a morte onde, ao invés, há vida. rece construção, mas é destruição. Os efeitos não podem ser de
Acontece que o herói da força, quando acredita obter vida, natureza diferente das causas que os geraram.
vencendo na Terra, ele obtém de fato morte, porque, endivi- É lógico que a felicidade do mundo acabe no sofrimento.
dando-se, terá de pagar depois; quando triunfa com a violên- Quando se procura a felicidade em direção negativa, é lógico
cia, acreditando lucrar, ele está de fato involuindo, isto é, des- que não se possa encontrar senão felicidade ao negativo, isto
cendo à dor do AS, para obter uma vantagem instável, que é é, sofrimento. Com a revolta, o ser saiu do estado de felicida-
dívida de negatividade, numa vida temporária, que se amarra de, que, no S, é natural, espontâneo, fundamental, e caiu na
à necessidade de morrer. Mas o mártir do sacrifício, quando carência dele, guardando no instinto a saudade insaciável de
perde sua vida, vencido na Terra, ele de fato ganha vida, por- sua condição de origem. Afastar-se do S, assim como fugir da
que, ao sacrificá-la, adquire crédito, pelo qual terá de ser Lei, é uma procura de satisfação fora da direção correta. Uma
compensado; quando, com a sua bondade e o seu sofrimento, vez que NN1 é a linha do erro, é lógico que a procura de feli-
é vencido, ele está de fato evoluindo, subindo para a felicida- cidade neste sentido emborcado gere dor. Quando o movi-
de do S, para obter uma vantagem estável, que não é emprés- mento chega em N1, atingindo a plenitude da negatividade, o
timo a devolver, mas sim positividade na vida eterna, onde a ser caiu em cheio no inferno da dor. Para se libertar desta
morte não existe. O primeiro método parece certo, mas está condição e não sofrer mais, não existe outro caminho senão o
errado, porque é contraproducente, gerando dano ao invés de regresso ao ponto de partida, percorrendo às avessas para a
vantagem. O segundo método parece errado, mas está certo, positividade o trajeto que foi percorrido no sentido da negati-
porque é produtivo, gerando verdadeira vantagem, e não dano vidade. O esforço da subida tem de pagar a fácil descida, a lu-
como parece. E não poderia ser de outro modo, pois, no terre- ta no sofrimento tem de compensar o roubo de alegrias não
no do emborcamento, não pode existir senão verdade às aves- merecidas. Só o trabalho de reordenação na ordem poderá li-
sas, isto é, engano. E este é o método do mal, que promete bertar o ser da desordem que o atormenta.
vantagem, mas traz o resultado contrário. Somente nos apercebendo que vivemos num mundo em-
É lógico que as vitórias do mundo sejam contraproducen- borcado, poderemos compreender essas verdades e encontrar
tes, porque seguem o caminho da negatividade. Os triunfos do uma explicação para as ações humanas e seus resultados. Nesta
mal são como afirmação de vida do câncer. Quanto mais ele posição, a verdade parece erro, e o erro parece verdade. As
cresce e vence, tanto mais se aproxima da morte, porque é ne- conquistas reais se fazem obedecendo a Deus, na ordem da
gativo, não tem vida própria e não pode viver senão destruin- Lei, e não se impondo ao próximo à força, com o próprio ego-
do a vida dos outros. Esta é a automática punição daqueles ísmo. A riqueza é conquistada com o desapego e o desejo de
que vencem à custa dos outros, querendo, com a força ou a as- usá-la para o bem dos outros. As aparências nos mostram uma
túcia, furtar-se à justiça da Lei. Nada se pode ganhar com o face oposta à verdade. O que é absurdo se apresenta como ló-
roubo. O que é fictício não pode dar senão frutos falsos. Mais gico, e o que é lógico se apresenta como absurdo. Mundo es-
cedo ou mais tarde, cada um tem de ficar reduzido aos seus tranho este, onde tudo está disfarçado em formas enganadoras
valores substanciais. O que é negativo e desejaria viver à cus- e onde as portas se fecham, abrindo-as, e se abrem, fechando-
ta da positividade dos outros, tem de acabar aniquilado no va- as. O corpo, onde vemos a vida, representa a morte de nosso
zio da sua negatividade. Quem age positivamente ganha vida, verdadeiro “eu” espiritual, enquanto o fim deste corpo, o que
quem age negativamente ganha morte. O primeiro evolui para chamamos de morte, abre as portas à vida.
o S, enchendo-se de vida e enriquecendo-se de todas as quali- As religiões e a ética conhecem e ensinam estas conclusões.
dades positivas. O segundo involui para o AS, esvaziando-se Dirigindo a nossa conduta, elas nos mostram o caminho da sal-
de vida, empobrecendo-se de todas as qualidades positivas e vação. Não dizem a razão pela qual temos de segui-lo, parecen-
adquirindo as negativas. Por isso, como nos referimos há pou- do não saber por que isto acontece, o que justifica essas nor-
co, as conquistas do mundo nunca chegam a satisfazer a insa- mas, qual é o jogo íntimo do fenômeno da redenção que esta-
ciável fome de nossa negatividade. mos vivendo e por que temos de realizá-la. O fato é que o ser se
O vencedor no mundo não é vencedor. Na sua vitória está a encontrava no paraíso do S, mas, devido à desobediência, saiu
sua condenação, porque, com ela, ele penetrou mais e se tor- de lá e caiu de cabeça para baixo no inferno do AS. O ser está
nou rei no AS, que é o reino das dores. As vitórias humanas agora saindo deste inferno e tem de reconquistar o paraíso per-
vacilam e acabam caindo, porque não têm base. Não se pode dido, atravessando um purgatório de penitência, constituído de
um imenso oceano de dores. Estamos encontrando sempre no-
2
Termo sânscrito: engano, aparência (N. da E.). vos fatos que nos confirmam esta teoria.
78 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
V. PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA A ética hoje vigorante em nosso mundo e as regras de vida
que o homem estabelece para si de fato, não são produtos nem
Antes de continuar a nossa pesquisa no terreno da ética, pa- da lógica nem do conhecimento, mas constituem um simples
remos um pouco para nos orientar. O nosso caminho se dirige desabafo de instintos, produto do subconsciente. O ponto de
do universal para o particular, do tronco para os ramos. Depois partida desta ética é a fera, e o seu ponto de referência é a ani-
de ter explicado as teorias gerais nos nossos livros: Deus e malidade. Esta ética, exatamente pelo fato de ensinar a supera-
Universo e O Sistema, entramos, agora, no terreno das suas ção do nível biológico da fera, reconhece e prova com isso que
consequências práticas. Isto é útil, porque aproxima o absoluto o homem pertence a esse plano de vida. Quando os mandamen-
de nosso relativo, transformando os longínquos princípios abs- tos dizem: “não matarás”, pressupõem que o desejo do homem
tratos em normas práticas à nossa vida. É necessário, porém, é matar, e quem quer agir assim é fera. Tanto isto é verdade,
não perder contato com aqueles princípios fundamentais, por- que o homem, apesar de todas as leis e sanções penais e religio-
que, se nos afastarmos daquele fio condutor que tudo orienta, sas, continua matando. A ética representa uma tentativa de apa-
há o risco de nos perdermos no labirinto das particularidades gar esses instintos, regulando-os e disciplinando-os, o que de-
de que está feita a realidade dos fatos. Neste caso, ficaremos monstra o seu conteúdo fundamental.
imersos na ilusão das aparências da superfície e nos escapará o As grandes massas humanas vivem nesse nível. Estes ins-
verdadeiro sentido das coisas. tintos se encontram adormecidos apenas momentaneamente,
Eis então as linhas gerais de nosso caminho, no qual procu- pois estão sempre prontos a reaparecer, como vimos nas últi-
ramos conciliar as duas exigências opostas. A primeira visão mas duas guerras e como vemos, também fora do terreno béli-
apareceu na sua forma mais abstrata no livro Deus e Universo. co, a cada dia na delinquência. E as verdades que vigoram na
Aí, a concepção é cósmica, científica, esquemática, fria, tão prática são aquelas estabelecidas pela maioria, cuja vontade os
acima da realidade de nosso mundo, que parecia não ter contato chefes mais iluminados, caso eles não sejam da mesma raça e
nem qualquer relação possível com a vida prática, que nos inte- não possuam os mesmos instintos, têm de conhecer para se
ressa de fato. Por isso esse livro não foi compreendido, pois ele, adaptar ela, se quiserem ser obedecidos. Infelizmente, o ho-
iniciando a partir das primeiras origens, permaneceu no terreno mem não é de forma alguma civilizado. Se ele assim se consi-
do absoluto, longe de nosso relativo. Focalizado não no concre- dera, é apenas por orgulho. A civilização é apenas um verniz
to, mas no abstrato, não no prático, mas no teórico, não no par- colocado na superfície, pintado por fora. Nos fatos, o homem
ticular, mas no universal, ele permaneceu bem afastado da rea- vive a lei da sua animalidade.
lidade que nos cerca, aquela que melhor compreendemos. Isto não quer dizer que não exista na Terra uma ética supe-
Continuando, porém, no mesmo caminho, eis que o segun- rior. Mas ela não é produto do homem, desceu do Alto por re-
do volume, O Sistema, aproximou-se de nosso mundo, para velação, ditada a seres superiores excepcionais, que no-la ensi-
encontrar nele as primeiras consequências concretas e particu- naram. Mas esta é a ética oficial, escrita nos livros e nas leis,
lares dos princípios abstratos e universais do primeiro volume. aquela que se prega, não a que se pratica. Ela representa uma
A maneira de tratar o assunto se humanizou então, aproxi- tentativa para civilizar o animal humano. A este convite e à
mando-se cada vez mais da forma mental do homem, apoian- ajuda do Alto para melhorar e subir, os instintos inferiores gra-
do-se nos seus pontos de referência. Por isso esse livro foi vados no subconsciente responderam com o método dos rebel-
mais bem compreendido. des do AS, lutando para se eximir do esforço evolutivo, eva-
Por esse mesmo caminho, chegamos ao presente volume, dindo-se desse jugo para libertar-se desse constrangimento. As-
Queda e Salvação, no qual a primeira visão, atingindo as suas sim, os seres inferiores, ainda criaturas do AS, apegados à sua
últimas consequências, enxerta-se em cheio e se funde em nos- forma mental de rebeldes, procuraram aprender a arte de esqui-
sa vida humana, como lei de salvação. Podemos agora, como var-se da disciplina, ao invés de segui-la. Da escola da ética
estamos fazendo no momento presente, ao chegar neste ponto saiu uma contraescola às avessas, com a sabedoria dos embor-
de nosso caminho, explicar esta nova ética. Podemos compre- camentos, própria do AS, constituída de adaptações, sagacida-
ender por que, depois de ter nos outros livros falado da teoria des, astúcias e escapatórias. Seguindo o instinto fundamental,
geral da criação, acabamos agora falando da conduta humana, que é o egocentrismo, a ética, ao invés de praticar as virtudes
do erro e da dor, da Lei e da redenção. Eis o valor prático e o para melhorar, emborcou-se na procura e na perseguição dos
fruto concreto das abstrações do livro Deus e Universo. defeitos do próximo. Assim, o homem conseguiu emborcar a
O caminho foi longo, mas era necessário percorrê-lo todo, lógica do S na do AS. Infelizmente, o maior trabalho de todas
porque, se não tivéssemos começado das primeiras origens das as formas de cristianismo na Terra, isto é, dos seguidores de
coisas, não teria sido possível chegar a esse tipo de ética, isto Cristo, transforma-se, em última análise, na arte de enganá-Lo.
é, não empírica e arbitrária, mas sim racional, justificada pelo Acreditando que aprenderam a se evadir das Suas leis e respec-
fato de derivar, por dedução lógica, dos princípios absolutos de tivas sanções, pensam que podem lograr a Deus. Como verda-
Deus e da Sua primeira criação. Se quiséssemos traçar o fio deiro cidadão do AS, o homem preferiu colocar-se na posição
condutor que liga esses três livros, poderíamos dizer que eles de luta contra a Lei do S e, ao invés de se transformar conforme
representam o mesmo caminho pelo qual Deus vai progressi- os ditames dela, busca torcê-la, adaptando-a aos seus instintos
vamente sempre mais se aproximando de nós. Esta nova ética é inferiores. Assim, a sabedoria dos deveres se tornou, nas mãos
a etapa final, o ponto de chegada deste caminho, constituindo o do homem, a sabedoria das escapatórias.
momento em que Deus aparece entre nós, vivo na Sua Lei, pa- O homem acabou criando para si um Deus à sua imagem e
ra nos salvar, dirigindo-nos e impulsionando-nos para o S. É semelhança, conforme a sua forma mental e instintos. Tudo is-
assim que da teoria da queda chegamos à demonstração desta to foi trabalho despercebido, fruto de instintos, feito sem que-
nova ética racional, que constitui o objetivo deste livro. rer nem saber, sem má fé; trabalho realizado no passado,
O mundo precisa desse novo tipo de ética, bem sólida. quando o controle positivo das ciências psicológicas, que ana-
Uma ética derivada dos princípios fundamentais que regem o lisam esses fenômenos, era desconhecido; trabalho profundo
universo, apresentada de forma lógica, demonstrada e susten- do subconsciente das massas, do qual as próprias Igrejas fazem
tada por eles, mas, ao mesmo tempo, coerente com a realida- parte, porque elas, no seu conjunto, não podem ser constituídas
de de nossa vida prática, capaz de explicá-la até às suas pri- por biótipos diferentes do comum.
meiras causas, confirmando com os fatos ao nosso redor os Aconteceu deste modo porque, na luta entre o ideal e o
princípios universais. homem, quem, até o momento, venceu na Terra foi o homem. A
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 79
ele pertencem o passado e o presente, ao ideal somente resta o e festa tornar-se, mesmo que seja em medida mínima, conforme
futuro. Apesar das revelações das religiões, o homem criou para as próprias forças, operários colaboradores de Deus na grande
si uma ideia absurda de Deus, que vigora na prática, produto da obra da evolução redentora da criatura decaída.
forma mental do homem, a única que ele sabe compreender, Se o homem concebe tudo às avessas, isto se deve ao fato
porque corresponde aos seus instintos. A sua lei é a luta pela de estar ele situado no AS. É a sua posição de emborcado que o
vida, que impõe a necessidade de vencer, se quiser sobreviver. leva a imaginar um Deus emborcado, que domina à força e faz
Daí o instinto fundamental do homem de se afirmar contra to- mau uso do Seu poder, atormentando-nos com punições doloro-
dos. Eis então que o Deus concebido pelo homem tem de ser sas, enquanto a causa dos nossos sofrimentos não é Deus nem a
antes de tudo, para ser obedecido, o mais forte, o todo-poderoso Lei, mas a nossa desordem e desobediência a Ele e à Sua lei.
no sentido humano de arbítrio, capaz de impor com o milagre, Deus não pune. Somos nós que nos punimos a nós mesmos.
ainda que se contradizendo, uma correção à Sua própria lei, Somente nós, que estamos no AS, podemos fazer alguma coisa
efeito do capricho de uma vontade desordenada, inadmissível de negativo, que vai contra a vida e a nossa felicidade. Repre-
na perfeita organicidade do universo. Este Deus pode operar à senta o maior absurdo acreditar que alguma coisa desse gênero
vontade, fora da lógica e dos justos equilíbrios do merecimento. possa sair das mãos de Deus, que existe no S e representa o
Ele é respeitado não pela Sua inteligência, justiça e bondade, centro de toda a positividade. Mas quem está situado no AS não
mas porque está armado de punições infernais eternas. Isto re- pode conceber tudo o que se encontra perfeitamente lógico no
vela o homem primitivo, que, desprovido de raciocínio, não age S, senão emborcado no absurdo de que está feito o AS. Tal é a
convencido pela compreensão, mas só pelo terror do seu prejuí- lógica do AS, a lógica do absurdo. E é lógico também que a ló-
zo. Este homem não pode ser dirigido pelos caminhos de uma gica do AS não possa ser senão a lógica do absurdo.
inteligência que ele ainda não desenvolveu, mas só pelo temor Eis a ética atual e as suas bases psicológicas. O tipo de ética
do mais forte. É deste temor que foi gerado o desejo de escapar que explicamos aqui é diferente. Nela não há lugar para enga-
da força de Deus. Eis então como Ele foi concebido como um nos. Encontramos finalmente uma ética sem escapatórias. Ela é
simples ser, ludibriável com astúcias, susceptível de ser aman- sincera, evidente, claramente demonstrada. Nela, funciona em
sado com sacrifícios, ofertas e preces. toda a hora e lugar, automática e infalível, a justiça de um Deus
Ninguém pode sair da sua forma mental e conceber mais que não é pequenino fruto da forma mental do homem, mas es-
do que a sua ignorância permite. Se a psicologia do homem é tá bem acima de nosso mundo, ao lado de Sua bondade. Um
subjugar o fraco e enganar o simplório, e se não ele possui ou- Deus tão inteligente, que não há astúcia humana que O possa
tro cérebro senão este, como pode ele compreender que Deus enganar. Embora o primeiro desejo do homem seja aproveitar-
está completamente acima desta forma mental? Outro Deus se da bondade alheia, porque a julga fraqueza, Deus previu tudo
representa para ele um inconcebível. De tal cérebro humano, isto e arrumou as coisas de maneira tão justa e perfeita, que Ele
nascido das necessidades e feito para resolver os problemas da pode continuar infinitamente bom, sem que por isso seja possí-
vida material, não podia sair outra concepção senão esta. O vel aos seres inferiores explorar esta Sua bondade. Pelo contrá-
homem comum pensa que o mais forte seja também o mais rio, como estamos demonstrando neste livro, vigora substanci-
perigoso, porque a experiência com a qual ele construiu a sua almente uma lei de justiça, soberana e absoluta, pela qual tudo
forma mental lhe ensinou que quem tem o poder nas mãos volta à sua fonte geradora e quem faz o mal o faz a si mesmo.
costuma fazer dele um uso egoísta, só para a vantagem pró- Quem entendeu a lógica e a técnica desse fenômeno conhece
pria e o dano dos outros. Os chefes que o homem conhece na uma grande verdade, que o mundo não conhece e paga caro por
Terra são, na maioria dos casos, dominadores que escravizam isso, ou seja, sabe que fazer o mal nunca pode levar à própria
e exploram os seus súditos. Os cidadãos, por experiência mi- vantagem, mas só ao próprio dano; sabe que tentar ser astuto pa-
lenária, consideram os governantes como patrões, seus inimi- ra lograr a Deus, significa querer ser astuto para intrujar apenas
gos naturais, assim como acontece para cada criado em rela- a si mesmo. Perante tal sabedoria da Lei, as armas humanas da
ção a seu dono. Então é dever defender-se, é mérito e valor força e da astúcia não têm poder algum. No final, a Lei corta as
usar a inteligência não para obedecer, mas para torcer tais leis garras da fera e a justiça triunfa. Os inferiores podem gerar o in-
inimigas, usando a astúcia para escapar delas. ferno só para si. Que Deus possa ser enganado é um absurdo em
Eis o que está no cérebro do involuído. Mas, logo que se de- que só o involuído, na sua ignorância, pode acreditar. O que de
senvolva um pouco a inteligência, aparece o absurdo de tudo is- fato vigora na substância é a lei do merecimento. Isto significa o
to. Deus não é de maneira nenhuma um chefe desse tipo. Ele triunfo da sinceridade, bondade e honestidade, qualidades hoje
não domina para escravizar e explorar as Suas criaturas. As Su- completamente desvalorizadas em nosso mundo, que segue a lei
as leis são sábias e benfazejas, e obedecer a elas não é dano, do mais forte e as considera quase imperdoáveis fraquezas de
mas vantagem. Tal Deus é muito inteligente, justo e bom. Pode- doentes. Trata-se de um Deus no qual se pode confiar, porque dá
se falar com Ele, porque sabe compreender bem, e o homem prova de ser invencível de fato; um Deus mais inteligente, cuja
honesto não tem o que temer Dele. Ele não está morando nos Lei não pode ser torcida; um Deus no qual se pode acreditar, se-
céus, como um soberano no meio da Sua corte, olhando de lon- guindo-O, porque Ele sabe garantir a vida para quem segue a
ge para o nosso inferno selvagem, só para receber na Sua glória Sua Lei, que o mundo julga loucura; um Deus que pode ser se-
egoísta as nossas humildes homenagens. Ele está sempre pre- guido em segurança, porque significa inviolável justiça, que tu-
sente, vivo entre nós, operando ao nosso lado, tomando parte na do retribui segundo o merecimento.
vida e nas dores dos Seus filhos. Não precisa de ministros e in- É interessante observar a técnica dessa luta, na qual, contra
termediários hierárquicos para nos comunicarmos com Ele e, a força e a astúcia do homem, vence a sabedoria e a justiça de
quando falarmos de coração aberto e tivermos nosso ouvido Deus. O ponto fraco do método do homem é a sua posição em-
bastante sensibilizado para ouvir a Sua voz profunda, Ele nos borcada de cidadão do AS. Ele é forte e astuto, mas o seu ego-
responderá, dizendo-nos coisas maravilhosas, bem diferentes centrismo separatista o expulsa do terreno do S, onde está o co-
daquilo que os homens dizem. Descortina-se então um mundo nhecimento, deixando-o isolado na sua ignorância. E, no fundo
novo, que a Terra não conhece, onde tudo é claro, justo e bom, dessa sua ignorância, ele continua acreditando saber tudo. A re-
de uma sabedoria e de uma beleza indescritíveis. Aparece então volta, filha do egocentrismo, significa orgulho, e o orgulho tira
todo o absurdo da corrente concepção de Deus, pela qual não se a visão. Assim, apesar de cego, o homem se julga plenamente
pode chegar à obediência a não ser pelo caminho do terror, co- capaz de se orientar. Alucinado por esta condição, ele acredita
mo exigem os selvagens, enquanto, pelo contrário, é vantagem nas ilusões do mundo e nas miragens criadas pelos seus desejos,
80 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
estando sempre pronto a cair em qualquer uma das incontáveis os maus ficam maus e pagam, e os bons ficam bons e recebem,
armadilhas contidas em seu ambiente terreno. Seu orgulho, re- qualquer que seja a sua nação, grupo, partido ou religião.
sultado do exagerado crescimento do “eu”, leva-o a crer que Deus não é chefe desta ou daquela hierarquia religiosa, mo-
bastam a força e a astúcia individual para vencer, desconside- nopolizado por ela e armado contra os deuses de todas as outras
rando totalmente o fator merecimento. Este, no entanto, é o religiões. Ele é universal, abraçando a todos sem preferências e
único meio para obter alicerces firmes na construção de nosso exclusividades; usa a Sua Lei na mesma medida para todos,
destino e de nossa posição na vida, porque só o merecimento sem privilegiar um grupo em detrimento dos demais. Sua justi-
representa o verdadeiro valor. Apoiando-se sobre estas bases ça está acima de todas as injustiças humanas; é universal, e não
verdadeiras, respeitando os princípios de equilíbrio e de ordem particular; é amiga de todos os justos, e não somente dos segui-
da Lei, qualquer posição pode resistir, porque é real, e não ar- dores de um dado grupo, considerados bons, e inimiga dos se-
rancada pela força ou furtada com a mentira. guidores de outros grupos, somente por isso considerados
Sabemos que esta ética não pode satisfazer aos fortes e aos maus. É necessário superar essa psicologia animal de vencedor
astutos do mundo, que não a aceitam, pois não a compreendem, e vencido, pela qual tudo o que é feito por quem vence está cer-
mas somente aos maduros, que a merecem. Nada se pode ganhar to, e tudo o que é feito por quem perde está errado!
de graça, e quem não fizer o esforço necessário para subir, tem Encontramos nessa ética uma verdade sólida, positiva, aci-
de ficar em sua ignorância, submetido aos respectivos erros e so- ma da luta, dos poderes e dos enganos do mundo. Ninguém lhe
frimentos, até ter aprendido toda a lição. Seria fácil demais re- escapa. Não adianta possuir comando de grande chefe, recursos
solver o problema da evolução e da salvação só porque alguém econômicos, poder bélico ou força política. Não há como fugir,
nos explicou o método com palavras. Os mestres ensinam, mas mesmo se tratando da massa do povo, que, por representar a
nós mesmos temos de fazer o trabalho de nosso amadurecimen- maioria, age como quiser. As nações têm de pagar, assim como
to; nós mesmos temos de aprender à nossa custa, pagando as os indivíduos. Ninguém pode fazer o mal impunemente. A Lei
consequências dos erros, para não cometê-los mais. É assim que é um torno de ferro que nos prende a todos, confinando-nos
os fortes e os astutos ficam surdos aos conselhos e, acreditando dentro do canal das consequências de nossas ações, ao longo da
saber tudo, não querem abrir os olhos para ver, permanecendo, linha dos efeitos, cujo amadurecimento é fatal, não havendo
como é justo, imersos no inferno que merecem. Acontece então distância de espaço ou de tempo que possa impedi-lo. Cada um
que todos encontram no mesmo ambiente terreno as mesmas tem de colher o fruto daquilo que semeou. Todos têm de pagar:
oportunidades e os mesmos perigos, mas cada um escolhe se- os grandes, os pequenos, os homens de todos os partidos ou re-
gundo o seu tipo, revelando assim a sua natureza e recebendo as ligiões. É a derrota dos finórios do mundo, contra os quais se
consequências que merece. Logicamente, quem entendeu o jogo levanta a lei do merecimento. O mundo quer outras verdades,
das ilusões da vida não cai mais nelas. Assim, é justo que quem em função dos seus interesses. Mas encontramos aqui uma ver-
tem cobiça seja por ela atraído e submetido aos perigos que são dade mais profunda, que ninguém pode abalar.
evitados por quem não tem cobiça, pois isto é o que cada um Eis a ética por nós sustentada. Ela representa uma revolta
merece, além disso é bom que quem ainda não sabe aprenda. contra a revolta, uma reação contra o AS, para voltar ao S. Isto
Deste modo, quem ainda não subiu tem de subir. Quanto significa trabalho de retificação para chegar à salvação. Procu-
mais o ser se encontra atrasado em baixo na escala evolutiva, ramos aplicar à ética o método positivo da lógica, para conven-
tanto mais para ele a lei é a força. Mas quanto mais ele pro- cer os que sabem pensar, oferecendo um produto da razão ilu-
gride, tanto mais a lei se transforma em justiça. Assim à lei do minada, e não dos instintos do subconsciente.
“eu” separado e rebelde, substitui-se a lei do “eu” organizado Estamos atualmente percorrendo o caminho da reconstrução.
e disciplinado. A primeira é a dura lei do AS, a segunda é a do Com a revolta, o “eu” menor da criatura, que existia no S em
S. Tudo isto também é lógico e justo, correspondendo ao me- função do “eu” maior de Deus, tentou o absurdo de fazer o “eu”
recimento. Para quem, com o seu esforço, subiu acima de to- maior de Deus existir em função do “eu” menor da criatura.
das as prepotências humanas, funciona uma lei de justiça, que Acreditar nesse absurdo, ou seja, que o maior possa existir em
ninguém pode torcer ou enganar. Se o passado e o presente função do menor, constitui o ponto fraco do AS, e isto é a garan-
pertencem ao mal, o futuro, por lei de evolução, pertence ao tia da vitória final do S. Esse contraste que temos até agora ob-
bem, que não pode deixar de ser o vencedor final. Das pro- servado entre os dois tipos de ética expressa em nosso pequeno
fundidades da vida responde uma voz que satisfaz a procura mundo a cisão e a contraposição dualista entre S e AS. Também
desesperada dos honestos em busca de justiça. Esta voz nos o AS tem a sua ética, que é a do mundo. E nós sustentamos, em
diz que há para todos uma lei de justiça, que ninguém pode contraposição a ela, a ética do S. Ora, se a vitória do S está ga-
torcer ou enganar para escapar a ela. rantida, o mesmo acontece com sua ética. Isso significa que ela
◘ ◘ ◘ está destinada a vencer a ética do mundo, a qual, com o tempo,
Eis o conteúdo deste novo tipo de ética. Finalmente, ao tra- terá de ficar abandonada nos níveis inferiores da evolução.
balho milenário do homem, para torcer as verdades eternas e Essa nova ética não é um invento inédito, pois, na sua subs-
adaptá-las aos seus instintos inferiores, querendo enganar a Deus tância, nada mais é senão a ética do Evangelho. Trata-se, po-
para escapar às suas leis, é possível hoje contrapor uma concep- rém, de um Evangelho racionalmente demonstrado, compreen-
ção diferente da vida, em que o jogo contra a Lei é um absurdo dido profundamente na sua lógica férrea e, sobretudo, tomado a
antiutilitário, perigoso e contraproducente. Finalmente, um lugar sério, para ser vivido, e não apenas pregado. É evidente que o
onde há justiça, onde é possível ser sincero e honesto sem ter de Evangelho se encontra na linha que vai para o S, portanto esta
pagar caro por isso. Finalmente, alguém em quem se pode con- ética não pode deixar de repeti-lo. Porém, aqui, ele adquire ou-
fiar e colaborar com amizade, um amigo que ajuda, e não um ser tro sentido e importância. Universalizando-se, ele sai dos limi-
todo-poderoso que vive só para si e contra o qual temos de nos tes de uma religião e se torna lei biológica, psicológica e social,
defender. Finalmente, um Deus inteligente, que, ao invés de se entrando no terreno positivo da ciência, que não poderá mais,
apegar à forma, compreende a substância. Um Deus que vive ao como fez até agora, afastar o problema com o seu agnosticismo.
nosso lado, luta e sofre conosco, que é, com justiça imparcial, A doutrina de Cristo, assim entendida, não é somente um pro-
vencedor absoluto dos maus, onde quer que eles estejam, sem duto histórico, fruto de uma casta sacerdotal, algo que, para
favorecer grupo algum para condenar todos os demais. Caem as- quem pertence a outra religião ou seja ateu, só por isto não teria
sim as barreiras interesseiras humanas, e cada um é julgado não mais valor. Ela constitui um fruto vivo da vida em evolução,
pela sua posição terrena, mas segundo o que é e merece. Então fenômeno sempre presente e atual. O Evangelho expressa uma
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 81
lei biológica que terá fatalmente de se realizar no futuro. Trata- dor. Permanece assim a regra geral de se perder qualquer van-
se de princípios universais, nos quais, e neles acima de tudo, o tagem tão logo se faça mau uso dela. Quem quer emborcar,
homem pode acreditar, utilizando-os para se realizar. Ninguém acaba emborcado. A violação da Lei gera dor.
pode alterar ou destruir estes princípios, que, independentes de Tudo vai-se transformando com a evolução. Quanto mais o
serem aceitos ou não, permanecem. ser sobe na escala evolutiva, tanto mais o determinismo se
Trata-se de uma ética universal, que está hoje em vigor na abranda, suavizando-se até desaparecer, reabsorvido na liber-
Terra, como caso particular no tempo e no espaço, sendo ela dade, que se amplia, expandindo-se e prevalecendo sempre
também concebida não como fenômeno estático, mas em evo- mais à medida que o ser se avizinha do seu estado de origem.
lução, como é tudo o que existe no relativo. A ética do mun- A planta se liberta mais do que o mineral, o animal mais do
do, portanto, é relativa e progressiva, representando no seu es- que a planta, o homem mais do que o animal, conquistando in-
tado atual apenas um nível de vida ou degrau da escada que dependência e amplitude de movimento cada vez maiores, da
sobe do AS ao S. água dos mares à superfície da Terra, à atmosfera com o voo, e
Assim se deslocam as nossas concepções comuns da ética, agora no espaço interplanetário. O homem possui uma vastidão
que se torna um momento do fenômeno do transformismo uni- de escolha que os animais, regidos apenas pelo instinto, não
versal. É assim que, como já mencionamos, cada plano de vida conhecem, mas tal autonomia existe apenas na sua parte espiri-
tem a sua respectiva ética. As feras têm a sua ética, que não é a tual, a mais adiantada, pois nele ainda sobrevivem determinis-
do homem, assim como ele tem a sua ética, que não é a do su- mos que ele tem de aceitar, inerentes aos mundos inferiores,
per-homem. Dessa forma, desde os mais baixos níveis, que se como a estrutura atômica e molecular na parte mineral, o me-
abismam no AS, até aos mais altos, que se levantam para o S, a tabolismo no nível vegetal e os instintos no nível animal. A li-
ética, concebida no sentido mais vasto de ordem e regra que di- berdade maior começa a aparecer só no alto, no espírito, grada-
rige a vida do ser, vai-se transformando, assumindo qualidades tivamente, em proporção ao desenvolvimento deste e tanto
diferentes conforme a sua posição mais atrasada ou adiantada mais quanto mais o ser se aproxima do S. Assim como a nossa
ao longo do caminho de subida pelo qual o universo decaído ética é mais adiantada do que a das feras, a ética do homem de
regressa para Deus. Eis então que vemos a ética tornar-se tanto amanhã também será mais adiantada do que a do homem de
mais determinista e compulsória quanto mais o ser regido por hoje, a qual será julgada selvagem pelas gerações futuras, tal
ela se encontra em baixo, perto do AS, e tanto mais livre e con- como são julgadas por nós a ética dos nossos antepassados das
victa, quanto mais o ser regido por ela se encontra no alto, perto épocas primárias. Quanto mais o ser sobe, tanto mais ele se
do S. Este fenômeno é lógico e tem uma razão profunda. torna consciente, passando, por isso, a obedecer à Lei de uma
Não foi Deus quem tirou a liberdade do ser, quando este forma cada vez menos compulsória e sempre mais livre. Assim
involuiu pela revolta, mas foi o próprio impulso do ser que essa ética universal vai-se transformando do seu ponto mais
emborcou tudo. Por ter iniciado um caminho às avessas, o ser baixo, no AS, até ao seu ponto mais alto, no S. Não se trata de
não podia deixar de emborcar tudo, inclusive a sua liberdade um modo estranho de conceber a ética, porque tudo o que exis-
na escravidão do determinismo, que é o seu oposto. A vontade te está fundido em Deus, numa só lei unitária.
do ser rebelde era destruir a Lei, para substitui-la por si pró- Chegamos assim ao conceito de uma ética cósmica, na qual
prio, mas ela estava acima de toda tentativa de destruição. se revela a presença universal da lei de Deus; uma ética que,
Aconteceu então que o ser conseguiu emborcar somente a sua nos seus diferentes níveis, sustenta todos andares do edifício do
posição dentro da Lei em relação à sua liberdade. A Lei ficou ser, regulando a existência e dirigindo a evolução, para reorga-
de pé, mas, ao invés de conservar-se na forma livre do S, as- nizar o caos na ordem. Ela representa a assistência contínua de
sumiu para o ser a forma compulsória do AS. E esse processo, Deus, no Seu aspecto imanente, ao lado e em favor do ser, para
quanto mais o ser se aprofundou no AS, tanto mais se intensi- que ele siga fatalmente o caminho de sua salvação. Trata-se de
ficou. Eis a lógica e a razão desse fenômeno. uma ética viva, inteligente e sempre em ação. Ela dirige o con-
Assim, o que era antes livre aceitação tornou-se constran- tínuo transformismo do relativo, operando pouco a pouco e dis-
gimento à força. O ser pôde transformar a ordem em caos no ciplinando tudo, para reconduzir o caos ao estado orgânico do
AS, mas, acima deste, a ordem ficou íntegra, para constrangê-lo S. É por esse caminho que tudo vai voltando àquela ordem, pois
a regressar, deterministicamente, do caos à ordem, impondo ao a revolta deslocou para a desordem tudo que estava na devida
rebelde louco a sua salvação. É absurdo e inadmissível que ordem no S. Os egocentrismos separados, filhos da rebeldia,
Deus possa ser vencido pela Sua criatura, que a parte seja mais têm de se fundir para colaborar em unidades coletivas sempre
poderosa do que o todo, que uma revolta pudesse sobrepor-se à maiores, até reconstruir a organicidade do todo, voltando ao S.
Lei e destruir a obra de Deus. Ética estupenda, que desce do infinito e do absoluto. Ela
Esse fenômeno se explica também pelo fato de que, devido expressa a suprema vontade de ordem contida na lei de Deus.
à queda e involução, a linha da livre expansão do ser se foi Ética global, presente em todos os níveis da evolução, manifes-
sempre mais curvando sobre si mesma, contraindo seu dina- tando-se em formas diferentes, cada uma adaptada à posição de
mismo numa cinética cada vez mais apertada em si mesma, até cada ser. Temos assim a ética atômica, molecular, celular, dos
atingir a forma de movimento fechado nas trajetórias do átomo. grupos celulares reunidos nos tecidos, de cada órgão, de cada
Os seus elementos não podem sair delas, escravos completos organismo no seu conjunto, do sistema nervoso e cerebral, dos
das leis da matéria. Esta é a sua ética, dada pela obediência for- sentidos, psíquica, espiritual, reguladora da ordem de uma de-
çada no AS, nos antípodas da obediência livre dos espíritos no terminada unidade. Assim, todos os seres, caminhando na gran-
S. Os cristais têm de orientar as suas moléculas e moldar as su- de marcha da evolução, são orientados para um objetivo único
as formas exatamente conforme modelos pré-estabelecidos. Es- pela Lei, que, embora se adaptando às exigências de cada caso
ta é a sua ética. No mundo inferior da matéria, não se concebe particular do relativo, dirige todos eles segundo um mesmo
desobediência. Ninguém pode desobedecer à Lei, isto é, a princípio, levando-os para a unidade.
Deus. A obediência se realiza sempre, tanto no AS como no S, Agora está nascendo na Terra a nova ética social internacio-
porém, no AS, às avessas, sem liberdade. Assim o resultado au- nal e mundial, que terá de reger em unidade o novo organismo
tomático da revolta, para o ser, foi ele permanecer aprisionado coletivo da humanidade. Se a ética do homem primitivo do pas-
no determinismo. Para o homem, que está subindo ao longo do sado teve de basear-se no princípio da seleção do mais forte,
caminho da evolução, há liberdade, mas ela é limitada, pois, tão que leva à agressividade e à luta, e se o homem atual deve ao
logo ele cometa erros, estes são sempre corrigidos à força pela fato de ter usado essa ética a sua condição de ser o vencedor e
82 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
dono do planeta, eis que hoje a vida tem de atingir objetivos di- mal se verifique. Este é o terreno da positividade, onde não há
ferentes, sendo necessário, portanto, mudar a ética que dirige a lugar para nenhuma forma de negatividade, tanto para o mal
conduta do homem. Assim apareceu a civilização com as suas como para a sua punição e repressão. Tudo está previsto e pre-
leis civis e religiosas, dando origem a uma nova ética, pela qual venido naquela ordem, onde a desordem não pode nascer.
furtar e matar, que eram no mundo selvagem virtudes do mais Nós existimos nos antípodas, no AS, onde prevalecem prin-
forte, são, pelo menos em alguns casos oficialmente reconheci- cípios opostos. A mesma lei de Deus, irradiada do S para o AS,
dos, considerados como culpa e crime. Isto porque a humanida- também está presente aqui, impulsionando para a sua ordem,
de começou a se encaminhar para o estado coletivo social orgâ- mas o biótipo que mora aqui é um rebelde, que quer, mesmo
nico, constituído pela convivência pacífica na colaboração. A sendo à sua própria custa, impor-se contra a vontade da Lei, o
humanidade, sem dúvida, está atingindo um novo plano de que lhe é permitido, porque ele é livre. Aqui, estamos no terre-
existência com a mudança das regras que a dirigem. Trata-se de no da revolta, da desordem e da luta. Só o fato de ser este o tipo
uma ética diferente, porque tem de atingir finalidades mais adi- de ética vigorante em nosso mundo constituiria uma prova sufi-
antadas, sendo necessário conquistar outras qualidades, com ciente para demonstrar a teoria da queda.
outras normas de conduta. Eis por que o Evangelho, que as re- Explica-se, assim, por que a nossa ética não é filha da com-
presenta, não tem, como há pouco dizíamos, somente um signi- preensão, que evita espontaneamente o mal, mas sim da luta.
ficado religioso, mas também social e biológico. Está sendo Entende-se por que ela, em vez de ser positiva, altruísta e edu-
construída hoje a nova unidade coletiva, constituída pelo estado cativa, tendo por objetivo realizar o bem, é uma ética negativa,
orgânico da sociedade humana, fato que requer uma nova or- fechada no egoísmo para evitar o prejuízo do próprio grupo.
dem e uma nova disciplina de cada indivíduo em função do in- Vemos aqui se revelarem os dois métodos opostos: o do S e o
teresse comum. Trata-se de conceitos antes desconhecidos e do AS. A ética do mundo também é educativa, mas na forma
contraproducentes, mas que hoje são úteis e, por isso, valoriza- emborcada, atuando não de forma preventiva, a priori, e sim
dos. São virtudes novas, mais adiantadas e inteligentes, que to- repressiva, a posteriori, deixando o mal acontecer e depois in-
mam o lugar dos já superados valores da força individual de- tervindo para corrigi-lo, o que revela a posição do rebelde do
sorganizada e destrutiva, socialmente negativa e criminosa, AS. Em outras palavras, a fim de respeitar a liberdade de um
inadmissíveis nas novas condições de vida. ser rebelde, permite-se que ele erre, para, depois, endireitar o
Ética diferente, em função de outras finalidades a atingir, erro por intermédio da dor. E é lógico que, no mundo do AS,
porque a vida nunca para no seu trabalho de construção e, ago- emborcado na negatividade, não haja outro caminho para se
ra, quer levantar um outro andar do seu edifício, levando o ho- chegar ao bem, a não ser a dura lição do sofrimento.
mem para um mais alto plano de existência, regido por leis di- Os seres do S permaneceram inteligentes como Deus os cri-
ferentes, que têm de sobrepor-se ao passado, até apagá-lo. As- ou, compreendendo que é a vantagem para eles permanecer na
sim, o método da luta entre egoísmos separados se tornará cada ordem, em obediência à Lei. Os seres do AS, com a queda, tor-
vez mais antivital e, por isso, será condenado e repelido como naram-se ignorantes, sendo, por isso, levados a acreditar que
desordem perigosa dentro da harmonia da nova ordem, na qual seja vantagem existir em posição emborcada na desordem do
é vantagem e interesse de todos permanecerem unidos em cola- caos. Mas a Lei continua firme em sua vontade de ensinar, o
boração. A evolução progride pelo caminho da organização dos que, neste caso, é ainda mais urgente, porque se trata da salva-
seus elementos em unidades coletivas cada vez mais vastas e ção de criaturas extraviadas. Como é possível ensinar a seres
complexas. O ponto final desse caminho é o estado orgânico que, por serem ignorantes, são incapazes de compreender onde
completo do S, que abrange a fusão de todos os seres do uni- está a sua vantagem e o seu bem? Como é possível ensinar-
verso na unidade em Deus. O processo da descida foi uma que- lhes, senão por intermédio do sofrimento? Esta é a única coisa
da no separatismo, período no qual a desordem dos elementos que conseguem entender, porque aparece depois do erro, como
pulverizou a unidade do S no caos do AS. O atual período de sua consequência, para que aprendam a não cometê-lo mais.
subida é representado por um processo inverso, no qual os ele- Eis a razão pela qual a ética humana é a posteriori, e não a
mentos separados são reunidos e fundidos no originário estado priori, como a lógica exigiria. Mas, tratando-se de um sistema
orgânico do S. A humanidade não pode deixar de seguir o ca- emborcado, é lógico que, no AS, também vigore uma lógica
minho da evolução universal e tem de galgar agora um novo emborcada no absurdo. Dada a sua posição, o biótipo comum
degrau na sua escalada ascensional. não pode aprender a regra certa da vida senão pelo caminho do
Eis então a razão positiva pela qual chegou a hora do Evange- sofrimento. E é isto o que de fato acontece. Na lógica emborca-
lho, razão também científica, porque ele representa a lei biológi- da do AS, este absurdo é perfeitamente lógico. Explica-se assim
ca no novo nível evolutivo que o homem agora tem de atingir. O a técnica da tentativa – método de cegos ignorantes – que vigora
Evangelho é exatamente a lei do “ama o teu próximo”, ou seja, o em nosso mundo. A automática condenação para os cidadãos do
método da convivência pacífica, da colaboração e do altruísmo, AS está no fato de que eles não podem chegar à positividade a
que funde os egocentrismos rivais até agora em luta. Assim, será não ser pelo caminho da negatividade, ou seja, não podem al-
julgado o melhor biótipo, ou modelo da raça, quem tiver perdido cançar a felicidade, senão através do sofrimento. Assim o ho-
as qualidades desagregantes do involuído egoísta de hoje, substi- mem tem de aprender à força a ética da sua salvação, constran-
tuindo as virtudes da fera pelas do homem civilizado. gido pela dor a seguir o caminho que o leva para a felicidade,
É para explicar esse fenômeno e orientar o homem neste sen- que, ao mesmo tempo, representa o seu maior desejo. Eis em
tido, obedecendo às leis da vida, que estamos aqui falando no que estranho jogo de absurdos se emborca a lógica do S, quando
momento histórico em que a evolução está amadurecendo os o ser cai de cabeça para baixo no AS, ficando constrangido a al-
novos destinos da humanidade. Tudo está pronto para a realiza- cançar à força a realização do seu maior anseio: a felicidade.
ção desse novo destino, e ele se realizará, tão logo a inteligência Desesperadamente o ser vai invocando e procurando por ela,
humana se desenvolva o bastante para chegar a compreender. mas a cegueira na qual ele decaiu o impede de ver onde o seu
Uma das características essenciais da ética é que ela deve ser objetivo se encontra! Tudo é absurdo, quando o ser usa a psico-
preventiva, e não repressiva. É inútil chegar depois que o mal já logia do AS, mas volta a ser lógico, tão logo seja visto e julgado
foi feito. Uma ética eficiente previne e evita o mal, impedindo com a psicologia do S. E, de fato, a dor corrige o erro, ensina e
que ele se realize, mais do que o reprimindo depois com a puni- ilumina a consciência, destrói a ignorância e reconstrói a sabe-
ção. É o que acontece no S, onde a Lei estabelece qual deve ser doria, reabsorvendo a negatividade do AS e reconstituindo a po-
a ordem e os seres compreendem e obedecem, evitando que o sitividade do S. Eis a profunda razão da estrutura dessa técnica
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 83
do erro e sofrimento, com a qual a Lei se realiza em nosso mun- orgânico do universo. Ética à qual não se pode fugir só pelo fa-
do. Eis a lógica fatal dessa ética que vigora em nosso mundo, de to de ser descrente, cético ou ateu materialista. Não adianta ne-
caráter corretivo, a posteriori, e não preventivo, a priori. gar, rebelar-se, pensar e agir com outra psicologia. A Lei conti-
Tudo o que existe na Terra assume as qualidades do AS. É nua funcionando igual para todos. Ela vence os vencedores do
por isso que vigora aqui uma ética exterior, e não interior; mundo, porque é mais poderosa e inteligente do que a força e a
uma ética que ao invés de atuar de dentro para fora, porque o astúcia deles. Ela sabe se fazer compreender por todos, também
ponto de partida é o espírito do S, atua de fora para dentro, pelo tipo involuído e ignorante, porque fala a linguagem da dor,
porque o ponto de partida é a matéria do AS; uma ética de linguagem que todo homem compreende, qualquer que seja a
formas, e não de substância; uma ética que, ao invés de norma sua raça, nível social, crença ou forma mental. A cada erro se-
para o pensamento, é regra para atos; uma ética que, ao invés gue automaticamente a dor corretora, pela qual cada um tem de
de se basear nos princípios gerais para orientação nas grandes se corrigir à sua custa. Trata-se de uma lei que está dentro da
linhas, respeitando a liberdade de quem compreende, apoia-se substância das coisas, funcionando sempre, e que ninguém po-
sobre particularidades materiais, amarrada aos pormenores fa- de agredir e destruir; inatacável porque invisível, indestrutível
risaicos, constrangendo quem não merece liberdade, porque porque inatingível. Ela constitui a essência do ser, que não a
não sabe e não quer compreender. pode aniquilar sem, com isso, aniquilar a si mesmo.
O deslocamento do S para o AS transformou tudo. E, como Trata-se de uma ética racional, que não se baseia no princípio
prova da verdade dessa teoria, vemos aqui os efeitos que vigo- da autoridade, mas na lógica e na demonstração das razões pelas
ram no mundo humano. Eis então que, no S, porque o ser é quais é nossa vantagem obedecer. Sem mistérios, oferecem-se as
obediente, tudo é livre e espontâneo, enquanto, no AS, porque o provas do que se afirma e a razão porque temos de operar de uma
ser é rebelde, tudo é constrangido à obediência. Isto é o que a forma em vez de outra, explicando-se e justificando-se as conse-
criatura gerou com a sua revolta. Mas, acima de toda revolta, quências necessárias e inevitáveis de cada ato nosso. Assim, por-
ficou inatingível a Lei, dentro da qual ficou preso o ser rebelde, que estabelece virtudes que levam ao bem e à felicidade de quem
sem poder fugir. Tão logo ele se arrisca a fazê-lo, é paralisado as pratica, ela é também uma ética utilitária, que, ao invés de
pela dor que a tentativa provoca. Quanto mais ele procura rebe- oprimir, reconhece o direito à vida e à expansão.
lar-se, tanto mais a dor o aperta, até que ele tem de desistir. De Ela é uma ética objetiva, impessoal, que, ao contrário do
fato, são justamente os indisciplinados que se chocam com as que sucede com a ética comum, está acima dos instintos e in-
reações da Lei. Para aqueles, porém, que a obedecem e a se- depende da forma mental. Trata-se de uma ética que, ao invés
guem ordenadamente, a Lei, ao invés de reagir, fala então so- de ser função somente do homem e do momento histórico –
mente da bondade de Deus. Para quem quer ficar dentro da or- subjetiva, pessoal, relativa ao tempo e a quem a definiu para
dem, tudo corre bem. São apenas os desordenados que recebem seu uso, seguindo os gostos e os descontrolados impulsos ir-
de volta o choque dos impulsos lançados por eles contra a or- racionais do subconsciente tanto do legislador como das mas-
dem. A Lei não agride ninguém, mas tem de ficar íntegra, de sas, que estabelecem as verdades para si pelo direito da maio-
pé, respondendo com a mesma agressividade com que a sua or- ria – é função da própria vida.
dem for agredida por uma vontade de desordem. Chegamos, assim, como foi anunciado em A Grande Síntese
◘ ◘ ◘ (Caps. LXXV e LXXXVI), a uma ética cientificamente conce-
Para encerrar este assunto, observemos, em resumo, outras bida em forma exata, não só racionalmente demonstrada, posi-
das principais qualidades que caracterizam esta nova ética. Elas tivamente apresentada e controlada, baseada na lógica dos fa-
já foram mencionadas rapidamente, para uma primeira orienta- tos, mas também geometricamente representável e matemati-
ção geral do leitor, no início do prefácio, no fim da introdução e camente calculável, porque os fenômenos contidos nela são
na metade do Cap. III deste volume. O assunto foi desenvolvi- suscetíveis de expressão gráfica em forma de linhas e de cam-
do não como teoria geral da ética, mas de um ponto de vista pos de forças. Isto nos permite, como já mencionamos no fim
mais fácil e prático, em nosso livro A Lei de Deus, que contém da introdução, medir quantitativa e qualitativamente o valor dos
a transcrição de uma série de vinte e quatro palestras, proferidas diferentes impulsos do ser e das correspondentes reações da
por mim na Rádio Cultura de São Vicente, no ano de 1958, Lei, verificando-se a extensão das superfícies cobertas pelos
também publicadas no Diário de Santos. Aqui, completaremos campos de forças, ou seja, o volume do dinamismo conquistado
estes conceitos, reunindo-os em resumo, para concluir. pela positividade ou negatividade na luta entre S e AS, ao longo
Tal ética é teórica e prática ao mesmo tempo, no sentido de do caminho evolutivo ou involutivo. A ética, assim, pode ser
que, enquanto se justifica até às suas primeiras origens, porque estudada como um momento vivo do grande fenômeno do dua-
as suas raízes se encontram nos princípios do S, que regem a lismo universal em seu dinamismo de choques contínuos, pelo
criação, ela também se realiza até às suas últimas consequên- qual se estabelecem ações e reações entre os dois termos opos-
cias práticas dentro do AS, em nossa vida de cada dia. Ética tos (+ e −) do todo, ou seja, a Lei e o ser rebelde, o S e o AS.
completa, porque vai do S ao AS, do absoluto de Deus ao rela- Ética sólida como um teorema de geometria. A novidade está
tivo da criatura e, assim, abrange tudo, de um polo da existên- no fato de apresentar a possibilidade de aplicar os métodos ci-
cia ao outro. Ética universal, porque contém todos os tempos, entíficos exatos à ética, estudando e definindo seus impulsos e
todos os planos de evolução, todas as éticas relativas; universal os movimentos resultantes, com a aplicação dos processos da
porque está colocada no quadro geral do todo, desde as primei- matemática no cálculo dos seus valores.
ras origens até às últimas finalidades, com a conclusão da obra Esta é a ética que oferecemos aqui, a moral da qual o ho-
de Deus. Ética máxima, porque, na sua substância, coincide mem moderno precisa, proporcionada ao seu atual merecimen-
com a lei de Deus. Ao mesmo tempo, ética mínima, porque re- to. Ética séria, a única que os inteligentes, pela sua forma men-
ge o universo até os seus mais ínfimos pormenores. tal crítica e positiva, podem aceitar; ética prática, razoável, ho-
Porque está escrita na lei de Deus, que está acima de todas nesta, utilitária, que calcula com justiça e, por isso, convence.
as divisões do relativo, essa ética é verdadeira para todos, aci- Ética que dá o que promete e de tudo explica o porquê, a razão
ma de todos os partidos e religiões, independente da orientação pela qual nos convém obedecer e o bem que temos o direito de
e posição étnica, política, filosófica ou religiosa do sujeito. Éti- receber em troca do sacrifício que ela nos pede. Ética evidente,
ca verdadeira porque imparcial e positiva, não mais empírica, onde tudo está claro, porque cada um pode calcular o efeito
concebida em função do homem; moral biológica, concebida dos seus pensamentos e atos. Ética justa, que nos devolve o
em função das leis da vida, da evolução e do funcionamento que lhe apresentamos, de acordo com nosso mérito, premiando
84 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
os justos e golpeando os injustos com a dor e a desilusão, sen- se rebelar, ou seja, a não mais se desviar, por meio do erro, fora
do estes dois últimos resultados explicados como consequência do caminho certo da Lei. A dor existe como método de ensino e
lógica e automática do caminho errado percorrido pelo ser, em educação na escola dos primitivos.
direção à negatividade, quando ele desobedece à Lei. Tudo isto Os involuídos são ignorantes porque, decaindo no AS, per-
é implícito e fatal, decorrendo da própria estrutura de todos os deram a luz da inteligência, que é qualidade das criaturas do S.
fenômenos do universo. Ora, para ensinar aos ignorantes, não se pode usar os meios de
O que oferecemos neste livro é somente um esquema dessa uma inteligência que eles não possuem. Por isso é necessária e
nova ética, apresentada nos seus elementos básicos, fornecen- aparece a dor, pois este é o único raciocínio que eles podem
do, assim, o quanto basta para uma orientação geral, que permi- compreender. Não há outro meio para que, na forma mental de
ta depois o desenvolvimento do assunto e o aprofundamento um rebelde, possa nascer a convicção de que o caminho da de-
dos princípios gerais nos seus pormenores, possibilitando sub- sobediência não representa uma vantagem, mas sim um prejuí-
metê-los a cálculo matemático, com a medição exata dos valo- zo; não leva à felicidade, como só uma lógica emborcada no
res e das suas transformações. absurdo pode acreditar, mas sim à dor. Então, por falta de co-
nhecimento, o ser ignorante vai experimentando ao acaso, por
VI. O ERRO E SUA CORREÇÃO tentativas, de todos os lados, e, para ele aprender o caminho
certo, é necessário, todas as vezes que entrar na porta errada,
Nestes capítulos, entraremos cada vez mais no terreno es- rechaçá-lo para trás, fazendo-o perceber que, ao invés da alme-
pecífico da ética, para estabelecer as suas bases positivas. Ti- jada felicidade, encontrou a dor, até que ele, de tanto experi-
vemos de nos afastar do assunto central da figura, demorando mentar, descubra a porta certa e entre por ela. Isto se verifica
em problemas colaterais e exemplos demonstrativos, porque quando o ser, cansado de todas as experiências realizadas no
este trabalho era útil para esclarecer e compreender melhor o terreno do AS e desiludido por não ter encontrado aí a felici-
tema fundamental. dade, acaba compreendendo que ela é inatingível no AS. Então
Uma vez estabelecido o jogo da ação do ser contra a Lei, e ele é constrangido a procurá-la alhures, fugindo do mundo in-
da reação da Lei contra o ser, isto é, do erro e da dor, o pro- ferior, que o traiu. Inicia assim uma nova tentativa em direção
blema da ética aparece por si mesmo, como norma de conduta diferente, evadindo-se nos céus, em busca de superiores níveis
indispensável para evitar esse choque, filho da revolta, e con- de evolução. Verifica-se então o fenômeno da sublimação dos
duzir tudo para a ordem da Lei. Esta é a gênese, o ponto de instintos, fazendo surgir o ser evoluído e o santo. Quando o
partida e a finalidade da ética. homem tiver assimilado todo o fruto da sua escola terrena, en-
Antes de penetrarmos ainda mais no estudo da técnica do tão não será mais o ser ignorante e simplório que, errando, vai
fenômeno do erro e sua correção pela dor, será útil resumir contra a Lei, mas se terá tornado, ao invés, inteligente e terá
brevemente o assunto, esclarecendo melhor o significado des- acabado, por isso, com a loucura de cometer erros, deixando
tes conceitos e definindo o valor destes dois impulsos opostos de receber o seu efeito, que é a dor.
que entram em choque. O problema, assim observado de no- Esse choque entre tais impulsos opostos nos mostra, de um
vos pontos de vista, poderá aparecer sob novos aspectos. Em- lado, a loucura do homem querer procurar a felicidade onde é
bora isto possa parecer repetição, voltamos às vezes ao mes- absurdo que ela se encontre e, de outro, a sabedoria da Lei,
mo assunto, isto porque não podemos evitar que, em última que usa a dor como meio seguro para que o ser compreenda
análise, o assunto, em sua substância, seja sempre um só, ou qual é o caminho certo para atingir essa felicidade. De um la-
seja, o nosso universo, além disso nunca há de fato uma ver- do, é lógico que o ser, por causa de sua revolta, seja levado a
dadeira repetição, porquanto não podemos deixar de dizer a percorrer o caminho inverso. De outro lado, é lógico também
mesma coisa de modo diferente, para explicá-la melhor, nem que a Lei, sábia e boa, venha endireitá-lo através do único
podemos deixar de acrescentar alguma observação para ilu- meio possível: a dor, dirigindo-o deste modo para o único ca-
minar o assunto com uma nova luz, a fim de esclarecê-lo minho que leva à felicidade. Dada a estrutura do sistema do
sempre mais, em todos os seus aspectos. universo, é absurdo que a felicidade possa ser encontrada pe-
Um dos efeitos da revolta foi a queda do estado orgânico do los caminhos da revolta à ordem de Deus. É lógico que, pro-
S no estado de separatismo do AS, resultando na pulverização curando a felicidade no AS, isto é, às avessas, com a revolta,
da unidade em muitas unidades menores. Assim, ao invés de em vez da obediência, não se possa encontrar senão o oposto,
permanecerem fundidos na unidade orgânica, os “eus” ficaram isto é, uma felicidade emborcada, ou seja: a dor.
separados uns dos outros, em posição de antagonismo, tal como Esta é a estrutura lógica desse jogo entre os dois impulsos
os encontramos nas diferentes individuações de nosso universo, opostos: o erro, da parte do ser, e a dor, da parte da Lei. O ser
entre elas a personalidade humana. Nestes níveis inferiores, está livre para se movimentar à vontade, mas só dentro das pa-
próximos do AS, vigora o princípio do egocentrismo e do sepa- redes da gaiola de ferro constituída pela Lei. Ele, através da
ratismo, que encontramos em nosso mundo. Esta é a razão pela sua experimentação, tem de aprender livremente a dirigir-se
qual este é regido pela lei da luta. É por isso que o homem, por com exatidão, sem fazer movimentos errados, que o levem a
sua natureza, é espontaneamente levado a agredir e subjugar bater a cabeça contra as paredes. Se agir em harmonia com a
tudo, para que vença somente o seu “eu”. Lei, tudo corre bem, sem choques. Mas, se for contra ela, eis
Que acontece então quando o homem se encontra perante a que surge o atrito chamado dor. Quanto maior for a desobedi-
Lei? Com o seu método, ele entra em choque com tudo, porque ência do ser e o seu desvio fora da ordem, tanto maior será o
não quer colaborar, mas só subjugar e dominar. Enquanto ele impulso oposto da reação por parte da Lei, na forma de dor,
está imerso no seu nível, este método pode ser útil para superar para restabelecer o equilíbrio. Quanto mais baixo o nível evo-
os seres do seu mundo. Mas, quando o homem, rebelando-se lutivo do ser e quanto maior a sua rebeldia contra a ordem, tan-
com este sistema de agressividade pelo triunfo apenas do seu to maior é a reação da Lei, para que tudo volte à ordem. Tudo,
“eu”, enfrenta a Lei, violando-a, então ele, com a sua conduta, automaticamente, equilibra-se em perfeita justiça.
excita uma reação automática em forma de dor, da qual não há O ser é livre e pode cometer à vontade todo os erros que
força que lhe permita fugir. É assim que se realiza a ação sane- quiser. A eles, porém, segue a dor, que queima, e este fato per-
adora através da dor, porque o homem, realizando as suas expe- manece como regra absoluta, à qual ninguém pode fugir. O ser
riências, vai aprendendo pelas reações dolorosas que recebe e, não deseja cair na dor, portanto tem de aprender e seguir as
com isso, adquirindo uma sabedoria que lhe ensina a não mais normas da boa conduta. O S é como um grande relógio que fun-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 85
ciona com perfeição, porque cada roda está no seu respectivo tinua repetindo-se toda vez que o ser, desobedecendo à Lei,
lugar, funcionando na devida ordem. O AS é um relógio cujas comete um erro. Eis como nasce a luta entre os dois princípios
rodas se deslocaram, emborcando os seus movimentos numa opostos, razão pela qual, no egocêntrico instinto humano de re-
desordem que gera atrito, isto é, dor. Para sair desse estado, o volta, encontramos a origem da dor, que é gerada pelo contraste
ser tem de eliminar, com o seu esforço, estes atritos, que geram e atrito entre a vontade da Lei e essa outra vontade de desordem
o sofrimento. Mas, para eliminar estes atritos, é necessário re- por parte do ser. Este, assim, fica submetido a um processo de
ordenar toda esta desordem, recolocando cada coisa no seu de- constrangimento por parte da Lei, pelo qual, forçosamente, ele
vido lugar e aprendendo a se movimentar ordenadamente. Este tem de voltar à ordem. Tudo isto significa dor, porque, se a re-
duro trabalho pertence ao ser, porque foi ele que, com a revolta, volta, para a Lei do S, foi emborcamento, então a retificação de
gerou a desordem. Os seres são como as rodas de um relógio retorno ao S, para o ser rebelde, criador do AS, representa a ne-
que, saindo da posição correta, passaram a se atritar, gerando a gação da sua afirmação, ou seja, o emborcamento da ansiada
dor, condição na qual se permanece, enquanto todas as partes revolta e a destruição da sua construção: o AS.
não voltarem ao seu lugar de origem, para funcionar em ordem. Eis a íntima técnica do fenômeno erro-dor. O ser, no caso
◘ ◘ ◘ maior da queda e em todos os erros menores repetidos por ele,
Podemos agora compreender quais são as primeiras origens não é ferido pela Lei, mas sim pela sua própria vontade de ferir
e as causas profundas do fenômeno da dor. Quando falamos a Lei. Esta, uma vez que nunca age em sentido destrutivo, não
que a Lei reage contra o rebelde, estamos apenas usando uma faz nada contra o ser, apenas lhe devolve seu próprio impulso
imagem antropomórfica, a fim de facilitar sua compreensão pe- destruidor, deixando-o ricochetear para trás, na direção dele, ao
lo homem, que concebe tudo em função do seu instinto de luta invés de absorvê-lo, como ele desejaria. A completa positivida-
para dominar. A Lei não é um “eu” livre e pessoal que queira de do S constitui uma barreira insuperável, na qual é impossível
dominar alguém, mas sim uma vontade determinística e impes- qualquer penetração de negatividade. É exatamente pela com-
soal, cuja realização se dá automaticamente, cumprindo os pleta positividade do S que nenhuma negatividade pode ser
princípios que a constituem. Por isso não há lugar para se pen- emitida pela Lei, de onde se conclui que não provém da Lei a
sar que exista na Lei uma vontade inimiga específica, no senti- reação negativa recebida pelo ser, mas sim do próprio impulso
do humano de ofensa e reação punitiva, buscando vingança negativo lançado pelo ser contra ela. Não há nem pode ser ge-
contra o ser por ele ter errado. Tal ideia é fruto da forma mental rado no S nada de mal, agressividade, dor e negatividade, qua-
do homem, que concebe tudo à sua imagem e semelhança. A lidades exclusivas do AS, filhas da revolta. É importante com-
Lei não odeia e não pune, apenas restabelece os equilíbrios, preender este conceito, porque, conforme ele nos mostra, a cau-
quando eles são violados. Trata-se somente de um absoluto e sa primeira dos nossos sofrimentos está em nós e em nossa
universal princípio de ordem, que tem de se realizar, regendo o conduta errada, e não na Lei, que nos responde sempre benfaze-
funcionamento de todos os fenômenos. ja, reconstituindo para o nosso bem os equilíbrios violados. Nós
Dada essa estrutura da Lei, há efeitos necessários, já marca- a culpamos porque ela faz isso à nossa custa, com a nossa dor.
dos com antecedência, que têm de se verificar como conse- Mas a Lei não pode deixar de ser justa. Faz parte dos seus invi-
quência de cada movimento, conforme sua natureza. Não se oláveis equilíbrios exigir o pagamento da parte de quem é cul-
pode negar o fato de que vemos a Lei reagir, fazendo aparecer a pado. Explica-se assim como, no terreno da ética, é possível
dor quando violamos sua ordem. Mas, se olharmos melhor, ve- chegar à conclusão de que tanto quem faz o bem como quem
remos que esta reação, ou seja, a dor, é de fato gerada pelo pró- faz o mal acaba por fazê-lo a si mesmo.
prio ser, que, com a sua revolta, age na direção errada e movi- Temos à nossa custa de compreender que levar a desordem
menta os mecanismos da Lei, estabelecendo assim a forma e a da desobediência para dentro do organismo de ordem da Lei é o
medida dessa reação. Este resultado, portanto, é apenas uma maior dos absurdos, que só um ser ignorante pode conceber.
resposta automática e determinística, que se pode calcular com Revolta ou não, nada há que não fique contido na lei de Deus.
antecedência, como estamos fazendo neste volume. Assim, O ser rebelde não construiu para si outra lei, mas somente se
apesar de parecer bastante ativa, trata-se de uma ação passiva, colocou em posição emborcada dentro da organização perfeita
porque a Lei apenas responde ao impulso do ser, nada iniciando do S e dos princípios da Lei.
ou provocando por si mesma. A Lei quer somente se manter em Chega-se deste modo a um resultado que pode parecer es-
sua ordem, reconstruindo os equilíbrios violados. Ela existe pa- tranho, no qual se conciliam duas posições aparentemente in-
ra permanecer imóvel em sua perfeição, sem exigir mais nada, a conciliáveis, ou seja, a Lei permanece perfeitamente justa e, ao
não ser que a vontade livre do ser queira gerar impulsos contrá- mesmo tempo, o ser recebe a sua punição. Ele cai na dor, mas
rios, buscando deslocar seus equilíbrios. Quando isto acontece, não pode culpar a ninguém senão a si mesmo. Nada do mal
a Lei simplesmente os reconstrói. Se isto implica dor, ela se de- que a revolta produziu pode atingir Deus e a sua Lei, mas fere
ve ao ser, que quis deslocar tais equilíbrios. O trabalho e a fun- apenas quem foi a causa desse mal. Triunfa assim a bondade
ção da dor são para que ele aprenda a não os deslocar mais. de Deus, que não nos deixa sofrer, a não ser para nos corrigir,
A Lei é um organismo de ordem perfeito, que ninguém a fim de atingirmos a felicidade. Triunfa a justiça de Deus, que
pode violar. Ela é toda positiva, afirmativa. Nela, não existe a não deixa a dor atingir senão quem a mereceu. Não é necessá-
cisão dualística dos contrários, não há lugar para a negativi- rio que Deus se torne mau para que Sua justiça seja feita. A
dade. Quando erramos, saímos da ordem e, com isso, geramos dor ministra assim a sua lição, respeitando a liberdade do ser e,
um vazio de negatividade, movimentando os impulsos reequi- ao mesmo tempo, fazendo com que tudo seja deterministica-
libradores da Lei, que têm de encher esse vazio, e eles o fa- mente retificado para a salvação. Quando erramos, Deus não
zem da única maneira possível, isto é, à nossa custa, tirando nos pune, lançando-nos num inferno criado por Ele para se
de nós e reabsorvendo o que nós furtamos àqueles equilíbrios. vingar das ofensas recebidas. Essa psicologia é do homem, e
Assim, a positividade tem de ser reconstituída com o nosso não de Deus. A Lei está construída de uma tal maneira, que
esforço e dor, porque se trata de um débito nosso para com a nós mesmos, ao errarmos, geramos com isso nossa punição,
ordem, o qual temos de lhe pagar. lançando-nos no inferno que a nossa desordem criou, para nós
O problema está todo no fato de que a Lei é ordem, e nin- mesmos, na felicidade da ordem da Lei. Tudo ocorre assim de-
guém pode mudar esta realidade. O ser quis substituir esta or- vido à nossa ignorância, e isto é justo, pois ela é o merecido
dem por uma outra, ditada por ele mesmo e oposta, de tipo AS, fruto da revolta, que destruiu a sua qualidade oposta, a inteli-
a qual, para a Lei do S, é desordem. E esse mesmo motivo con- gência, característica do S. Não podemos deixar de ficar admi-
86 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
rados perante tanta sabedoria, e é agradável contemplar a per- de contínuos e desequilibrados deslocamentos no sentido do
feição da Lei, que, soberana, sempre triunfa de tudo. erro, corrigidos depois pela dor.
O único resultado que o ser podia atingir e atingiu foi a efe- Eis de onde nasceu essa oscilação erro-dor, que caracteriza a
tivação, somente para si mesmo, do princípio da desordem e da nossa vida. No reino da revolta, carregado de negatividade, não
luta, pelo qual ele é atormentado. Desde o inicio, dada a estru- é possível um tipo de felicidade contínua, completamente positi-
tura da Lei, a revolta não podia ser senão uma derrota e o re- va, mas somente temporária, como dívida a pagar, sempre mis-
belde senão um vencido. Isto fazia parte da própria lógica do S, turada com o seu termo oposto (AS) no dualismo, isto é, a dor.
na qual não pode haver a possibilidade de Deus ser vencido, Se esta oscilação erro-dor representa os contínuos desloca-
pois, se houvesse, Deus não seria mais Deus. mentos de um estado de desequilíbrio, a Lei está no meio para
Pelo contrário, o que sempre vemos triunfar é a sabedoria equilibrar a cada passo a balança e restituir tudo à ordem con-
Dele. Esta se revela também na revolta, mesmo que esta possa forme a justiça. Quando funciona o erro (revolta), a agulha da
parecer um erro e um defeito do S. A revolta gerou ignorân- balança se desloca para a esquerda, no sentido da negatividade.
cia, luta e sofrimento. Mas eis que, por este caminho embor- Quando funciona a dor (em obediência), a agulha da balança se
cado, a Lei sabe atingir o objetivo oposto, realizando com desloca para a direita, no sentido da positividade, corrigindo e
seus meios o endireitamento, porquanto, com a experimenta- equilibrando assim o deslocamento oposto. É lógico então que,
ção na luta e na dor, desenvolve e reconstrói a inteligência. quanto maior for o erro e seu deslocamento para a esquerda, tan-
Assim, a Lei destrói a ignorância, causa de tanto mal, acaban- to maior terá de ser a dor, isto é, o deslocamento para a direita.
do com o sofrimento, porque o rebelde chega a compreender A medida da dor é estabelecida pela medida do erro. Quanto
que a causa das suas dores está na desobediência e que não há mais o ser, com a revolta, afasta-se da positividade e aprofunda-
outro caminho para conduzi-lo à felicidade, a não ser a obedi- se na negatividade, tanto mais cai no sofrimento, tornando-se
ência na ordem. Desse modo, pela sabedoria da Lei, o cami- maior o trabalho necessário para sair dele. É o homem que, com
nho da perdição, iniciado pelo ser rebelde, tem automatica- a sua conduta errada, determina a quantidade das suas dores.
mente de se endireitar dentro do caminho da salvação. Tanto Nisto ele está totalmente livre, com autonomia para sofrer à von-
no caso maior da queda e do grande ciclo involutivo-evolutivo tade. Mas ele, porque é filho do S, não gosta de sofrimento, e is-
como no caso menor erro-dor, já estudado, a sabedoria da Lei, to é o que constrange o ser para a sua salvação. Ele, livremente,
substituindo ao mal o bem, continua sempre corrigindo e re- não pode deixar de cumprir o duro esforço da subida, porque, se
construindo, lá onde o ser errou e destruiu. não o fizer, terá de sofrer até o fim do seu resgate.
Aquela sabedoria nos mostra que, com a revolta, surgiu não Se o erro representa o afastamento da positividade para a
somente o modelo do fenômeno da queda, mas também do en- negatividade, é lógico que, quanto maior for o erro, ou seja, es-
direitamento-salvação, que corrige o primeiro. Esse segundo te afastamento, tanto maior terá de ser o caminho a percorrer
modelo estava implicitamente contido no primeiro, latente, à para voltar da negatividade à positividade. É lógico também
espera de se tornar atual, tão logo o ser acionasse o botão da re- que, assim como é a negatividade da revolta que destrói a posi-
volta. Em outro lugar, já observamos que o universo – portanto, tividade da obediência à Lei, também é a positividade da obe-
mais perto de nós, também a natureza – funciona por repetição diência que neutraliza a negatividade da revolta e recupera o
dos tipos de fenômenos ou modelos construídos anteriormente, que foi perdido. É sempre a Lei que domina tudo. Ela é o pon-
que voltam depois como hábitos adquiridos e continuam, assim, to de referência em relação ao qual toda revolta que afasta e
ecoando em série na economia do todo. Podemos, por isso, destrói torna-se negatividade e cada dor que reaproxima e re-
considerar o caso erro-dor, que estamos estudando aqui, uma constrói torna-se positividade. Eis o valor e o significado da
repetição menor do modelo do fenômeno da revolta- função de reconstrução dos equilíbrios deslocados. Eis então
endireitamento ou queda-salvação, que estabelece a estrutura do que a dor, para corrigir o erro, neutraliza os efeitos dele, ou se-
objeto de nossas pesquisas atuais. Eis que, antes de enfrentar o ja, ela não somente corrige o erro, mas também se destrói a si
estudo do fenômeno erro-dor, já possuímos seu esquema fun- mesma. Com o seu funcionamento, ela consome, destrói e eli-
damental, dado pelo ciclo queda-salvação, que vemos repetir-se mina a si mesma como negatividade, deixando o lugar livre
aqui nas suas características fundamentais. para o seu oposto, a positividade da alegria. É assim que se re-
Assim como, no ciclo involutivo-evolutivo, o ser está cons- aliza automática e fatalmente a correção do caso particular,
trangido a voltar ao S, para fugir dos sofrimentos que encontrou que, no conjunto, leva à salvação final. Foi possível aqui con-
no AS, ele também está constrangido, no deslocamento de ida e templar a maravilhosa sabedoria da Lei, revelada neste jogo de
volta do fenômeno erro-dor, a retornar à Lei pela dor, que não equilíbrios entre opostos, pelo qual, no contraste entre impul-
pode terminar, enquanto não terminar todo o trabalho de recu- sos contrários, consegue reordenar a desordem através de cho-
peração. Em ambos os casos vigora a mesma lógica, pela qual ques restauradores, que sempre, seja repelindo ou seja atrain-
não se pode fugir aos efeitos do mau funcionamento da máqui- do, impulsionam o ser para a sua salvação.
na, até que seja eliminada a causa, que é a desordem. Para A revolta foi o erro maior, e a evolução representa o esforço
quem sai do caos, não é fácil funcionar organicamente na or- maior que o ser tem de cumprir para corrigir aquele erro. A dor
dem. Com seu próprio esforço, o ser tem de reconstruir a sua é o peso que o ser tem de carregar, percorrendo todo o caminho
inteligência, que é necessária para chegar àquele funcionamen- da subida, e só esse peso de um lado pode equilibrar o outro
to. Ele quer fugir a este esforço, mas não pode e, enquanto, prato da balança, saturado de erro. A involução é corrigida pela
através da sua dura experiência, não reconquistar a inteligência evolução, a louca desobediência é corrigida pela dura obediên-
perdida, ele continuará, com seus movimentos errados, chocan- cia, a culpa tem de ser reabsorvida pelo sofrimento. Cada afas-
do-se com a Lei e recebendo dor. Para se afastar do inferno do tamento da linha da Lei gera uma carência de positividade, um
AS e atingir o paraíso do S, só há um caminho: a evolução. vazio negativo que é necessário encher de novo, se não quiser-
Quem não quiser, com seu próprio esforço, ir em frente e subir, mos ficar para sempre nesse estado, que se constitui de dor. Ela
terá de ficar no sofrimento. Se o ser quer libertar-se da dor, tem nasce da exigência de satisfazer essa carência, da necessidade
de reconstruir para si a ordem que destruiu. de saciar o pedido desse abismo, esfaimado do equilíbrio com-
O binômio erro-dor é um momento do dualismo universal pensador da sua negatividade, em que a vida morre. Por isso a
em que, com a revolta, a unidade do todo se despedaçou. Não dor, no organismo universal, representa a função da recupera-
existe mais uma felicidade duradoura em posição estável de ção, um meio de salvação. Tivemos que explicar tudo isto por-
equilíbrio, mas somente uma felicidade instável, pois é fruto que só assim é possível compreender a função benfazeja da dor,
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 87
o seu valor positivo, o único que lhe podemos atribuir num sis- ajuda, quando a seguimos. No caso oposto, o fracasso é muitas
tema perfeito, como tem de ser o universo regido por Deus. O vezes devido ao peso de uma série de circunstâncias que, de
mundo concebe a dor em sentido oposto, como um empecilho, acordo umas com as outras, obedecem a uma vontade contrária
e não como uma ajuda, como um inimigo, e não como um ami- à nossa, atuando até vencer todos os nossos esforços. Eis aí o
go, isto porque o ponto de referência do homem não é a Lei do outro tremendo imponderável, que se manifesta como um far-
S, mas o seu próprio “eu” rebelde. Esta maneira de conceber às do, dirigido pelas mãos de Deus. Esse imponderável é sempre a
avessas prova que o homem, em relação à Lei, vive em posição Lei, cuja corrente, neste caso, é a vontade inimiga que se rebela
emborcada, que deve ser retificada pela evolução. contra nós, fazendo que recebamos de volta tudo o que semea-
Eis o sentido deste jogo de contradições e compensações mos. É essa nossa revolta que automaticamente nos condena ao
entre os dois opostos, erro e dor, que vamos estudando sempre fracasso. Então o imponderável, isto é, a Lei, ao invés de nos
mais de perto. Por isso chamamos a este volume de Queda e salvar, vem nos arruinar. Explicam-se assim muitos fracassos,
Salvação. Eis a razão pela qual vemos estes dois elementos tanto de indivíduos como de acontecimentos históricos, que, de
contrários e complementares correrem um atrás do outro, como outro modo, seriam inexplicáveis.
inimigos abraçados e indivisíveis, em contínua luta um contra o Tudo isto se refere ao nosso tema atual, do fenômeno erro-
outro, com a única finalidade de colaborarem juntos para a re- dor. A tentativa do ser de procurar a sua utilidade contra a cor-
construção da unidade despedaçada, ponto de partida e de che- rente da Lei se chama: erro. O impulso da Lei para reconduzir o
gada do imenso ciclo da queda e salvação. ser dentro de sua corrente e, com isto, levá-lo para a sua salva-
◘ ◘ ◘ ção, contra a sua vontade, que quer o contrário, produz o atrito
Vamos assim explicando estas verdades tão vivas e tão chamado: dor (o peso do imponderável). A causa é a ação do
pouco conhecidas, que tanto nos tocam de perto e que tão pou- ser. A reação da Lei é o efeito. É lógico que o tamanho do efei-
co levamos em conta em nossa conduta, mas segundo as quais, to seja proporcional ao da causa, isto é, que a medida da dor se-
se errarmos, temos depois de pagar as duras consequências. ja estabelecida pelo homem com o seu erro. É lógico que, quan-
Não há quem não tenha reparado que, na solução dos aconte- to maior for o erro, isto é, o impulso do ser contra a corrente da
cimentos de nossa vida, há uma parte que escapa ao nosso co- Lei, tanto mais ela resistirá e se manifestará com um impulso
nhecimento e vontade, obedecendo a outras forças e leis, que contrário, para arrastar o ser na direção dela. Esta imagem da
chamamos de imponderável. Um imponderável bem ponderá- corrente e, dentro dela, a vontade contrária do ser, oferece-nos
vel nas suas consequências, porque resolve contra os cálculos uma ideia bastante clara do que significa a reação da Lei.
humanos, de modo bem diferente do que pensávamos e deseja- De tudo isto se segue que, quanto mais formos a favor da
ríamos. Qual é o conteúdo desse misterioso imponderável? Es- corrente da Lei, tanto mais fácil será o nosso caminho e tanto
ta outra inteligência e vontade, que está além do conhecimento mais aquela corrente nos ajudará e, por isso, nos fortalecerá.
e vontade do homem, é a Lei. Se o homem conhecesse a Lei, E, ao contrário, quanto mais nos rebelarmos à corrente da Lei
não haveria mais para ele imponderável. Ele está imerso nesta com as nossas tentativas de desvio, tanto mais difícil será o
Lei, que é um mundo de forças poderosas, que dirigem tudo nosso caminho, porque, na corrente contrária, ao invés de aju-
para finalidades bem definidas; forças que reagem contra da, encontraremos resistência, o que nos levará ao fracasso, e
quem, fazendo movimentos errados, viola a sua ordem; forças não ao sucesso. Quanto maior for o nosso erro, tanto mais fra-
contra as quais o homem, pela sua ignorância e espírito de re- gilizados e vulneráveis estaremos e tanto maior será a reação
volta, vai chocando-se a cada passo, para depois ter de pagar. da Lei contra nós, aumentando, nesse embate, nossa amargura
Eis como aparece o binômio erro-dor. e padecimento. O impulso corretor da Lei para reconduzir o
Que acontece então? É lógico que o homem procure a sua ser à ordem é proporcional à desordem gerada pela vontade do
vantagem. Mas os sentidos que o guiam podem facilmente en- próprio ser, que terá de voltar àquela ordem, pois, quanto mais
ganá-lo a respeito da sua vantagem, dirigindo-o para um bem- ele se afastar da Lei, tanto mais esforço terá de fazer para
estar imediato, que representa na verdade um prejuízo futuro. O vencer a corrente contrária, gerando com isso atrito e sofri-
fato é que o homem não sabe qual é para ele a verdadeira van- mento cada vez maiores. Assim, por um automático jogo de
tagem, nem o caminho para atingi-la. Esta, em geral, não é forças, o ser, permanecendo livre, não pode deixar de voltar à
aquela imediata, escolhida por ser a mais visível, mas sim uma corrente da Lei, renegando e reabsorvendo o seu próprio im-
outra, a longo prazo. Então é facílimo que ele escolha o cami- pulso rebelde, porque este impulso é a causa da sua dor, que
nho errado. Acontece então que ele, ao invés de ir ao encontro não irá parar de atormentá-lo, enquanto ele não tiver pagado
da Lei, para que ela venha ao seu encontro, ele vai de encontro tudo e voltado à ordem, em obediência à Lei.
à Lei, de modo que esta reage contra ele. A Lei, que não permi- A conclusão é que, pela própria lógica de todo o processo,
te ser torcida, opõe resistência a quem não segue a sua vontade a dor é o destino dos rebeldes, enquanto a Lei, com a sua cor-
e corrente de forças. Essa resistência contra o ser, que desejaria rente, conduz para o sucesso final aqueles que a seguem. En-
subjugá-las em favor do seu “eu”, é o que chamamos de reação tão o segredo do sucesso está em conhecer a Lei e obedecê-
da Lei. Tal como a corrente de um rio, a Lei representa um im- la. Mas como pode fazer isso o homem que, por ser ignoran-
pulso para que tudo avance na sua direção. E, como tudo o que te, não conhece a Lei e, por ser filho da revolta, é levado à
existe, nós estamos imersos nesse rio, que é a Lei. desobediência? Este organismo de leis, para ele, é um mundo
O resultado de tudo isto é que, se o ser seguir os impulsos de forças desconhecidas, que ele chama de imponderável,
da Lei, acompanhando o seu caminho, ela o envolve em sua como se fosse alguma coisa irreal, fora do seu alcance e da
corrente e assim o ajuda. Mas se, pelo contrário, o ser quiser vida. No entanto é justamente este imponderável a causa
seguir somente os seus impulsos, buscando outro caminho, con- primeira de tudo que depois, na sua fase de efeito, torna-se
forme sua própria vontade, eis que a Lei, com a sua corrente bem ponderável. Eis como o mundo vai amontoando erros
contrária, resiste e, ao invés de ajudá-lo, passa a arrastá-lo e em cima de erros, pelo que tudo tende ao fracasso. Assim,
persegui-lo, porque a vontade dela é que tudo avance para os com tudo funcionando às avessas, contra a corrente da Lei,
seus objetivos. Muitas vezes, o sucesso é devido ao peso de nada se pode colher senão desilusões e sofrimentos.
uma série de circunstâncias que se harmonizam, obedecendo a Trata-se de forças sutis, contra as quais a prepotência do
uma vontade que, embora não seja a nossa, está a nosso favor. homem não tem poder algum. Elas trabalham no íntimo das
Isto nos escapa no que chamamos de imponderável. Mas o coisas, de dentro para fora, e não, como acontece no mundo,
imponderável é a Lei, e a sua vontade é a sua corrente, que nos de fora para dentro. Elas agem lenta e constantemente, desper-
88 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
cebidas na superfície, escapando aos nossos sentidos, tudo desenho geral, que constitui a nossa verdadeira vida, escapa aos
construindo e acumulando em nosso favor, da profundeza para nossos olhos. Só os evoluídos, que aprenderam a olhar nas pro-
cima, como nossas amigas, quando navegamos obedientes à fundezas, vivem conscientemente em função dos grandes ciclos
corrente da Lei, ou tudo roendo e consumindo em nosso preju- da vida, onde se revela mais evidente a presença desses vastos
ízo, operando como nossas inimigas, quando navegamos re- impulsos da corrente da Lei, os quais estamos estudando aqui.
beldes, contra a corrente da Lei. Quanto mais o indivíduo é involuído, tanto mais apertado é o
Os nossos olhos não percebem o movimento do Sol. Mas círculo dos seus horizontes, mais estreita é a visão que ele do-
vemos que ele, ao se pôr, deu a volta em todo o céu. Assim, em mina e menor é o ciclo que ele conhece e regula de sua vida. Os
nossa vida, os acontecimentos amadurecem através de peque- momentos sucessivos ficam separados, isolados um do outro,
nos deslocamentos, imperceptíveis, que, se movidos por um sem o fio condutor que os liga em uma unidade maior, pela qual
impulso constante numa dada direção, acabam por se manifes- são explicados e justificados como elementos de um plano geral,
tar em efeitos gigantescos, como uma avalanche. A vida se de- que confere outro sentido à vida. É para atingir esse outro modo,
senvolve com a soma de instantes que perfazem minutos, minu- mais profundo, de concebê-la, que vamos aqui estudando o fun-
tos que perfazem horas, horas que perfazem dias, dias que per- cionamento da Lei e as consequências de nossos erros a seu res-
fazem meses e anos, anos que perfazem vidas inteiras, séculos, peito. Se, em vez de considerarmos os acontecimentos de nossa
milênios etc. No tempo vigora também o princípio das unidades vida como momentos divididos e isolados um do outro, passar-
coletivas, que vemos manifestar-se no espaço, através da união mos a vê-los como trechos unidos ao longo de um mesmo fio
de partículas elementares para construir átomos, de átomos para condutor, que os liga num desenvolvimento lógico comum, apa-
formar moléculas, de moléculas para formar células, e depois recerá para nós uma outra vida a longo prazo, na qual se torna
órgãos, organismos, famílias de seres, cidades, nações, huma- visível, além dos pormenores do momento, as grandes linhas de
nidades etc., tal como as moléculas da matéria compõem jazi- nosso destino. Veremos então aquilo que o homem comum,
das geológicas, planetas, sistemas solares, galáxias, sistemas imerso nas particularidades de sua vida, não consegue perceber;
galácticos etc. Assim, em todos os campos, cada elemento me- veremos a presença da Lei e o funcionamento do imponderável,
nor, associando-se com outros iguais, constrói uma unidade co- realizando os princípios que aqui sustentamos.
letiva maior, que, por sua vez, jungindo-se a outras iguais, for-
ma uma nova unidade coletiva ainda maior, e assim por diante. VII. MECANISMO DA CORREÇÃO DO ERRO
Cada unidade, portanto, resulta constituída pela junção de
partes elementares menores e, tanto no espaço como no tempo, Tomemos novamente as nossas pesquisas, continuando a
organiza-se conforme o mesmo modelo de agrupamento de ele- desenvolver o tema do Cap. I, a respeito do esquema gráfico
mentos por ritmo de ciclos, em que a composição das unidades do processo involutivo-evolutivo, e o tema do Cap. IV, a res-
menores edifica a unidade maior. Deste modo, assim como se peito dos diversos pontos de referência. Voltemos assim à
organizam no espaço os planetas, os sistemas planetários, sola- nossa figura, para observar outros aspectos do fenômeno que
res, galácticos etc. e, no terreno da vida, os grupos humanos, as ela representa. No Cap. I, observamos o caso geral do ciclo
humanidades e sistemas de humanidades, também o desenvol- completo nos seus dois caminhos, abrangendo a ida e a volta.
vimento dos nossos destinos se realiza pelos intervalos mínimos No Cap. IV, observamos o fenômeno menor, que se repete,
de cada minuto, que, juntando-se, produzem deslocamentos de conforme o mesmo modelo, no caso particular de cada erro do
horas, dias, anos, séculos, sempre maiores, tudo ordenadamente, ser. É neste ponto que o ser, ao errar, é corrigido pela reação
segundo um ritmo de ciclos menores incluídos em ciclos maio- da dor. Desponta assim a necessária forma orientadora para
res, estes em outros ainda maiores, até se cumprir o destino mai- dirigir a sua conduta, entrando no terreno específico da ética.
or do ser, que é perfazer o ciclo da queda e salvação. Observemos este fenômeno, representado na sua expressão
Criados pela corrente da Lei, cada deslocamento mínimo gráfica, em nossa figura. Continuamos dessa forma levando as
vai se somando ate produzir um deslocamento maior, que, so- teorias dos dois livros, Deus e Universo e O Sistema, às suas
mando-se a outros maiores, gera outro ainda maior etc. Trans- consequências práticas e aplicações.
corre assim uma quantidade de ciclos miúdos, que constituem Estudamos na primeira parte do Cap. IV o caso simples de
os maiores e que, pela sua pequenez, passam despercebidos. um deslocamento horizontal nos seus dois movimentos, de ida e
Mas não há instante de nossa vida em que um destes desloca- volta. Já conhecemos o significado das expressões gráficas da
mentos não se realize, amadurecendo alguma coisa. Assim, por figura, dadas pela linha do erro NN1 e pela linha da dor N1N, in-
sucessivos movimentos imperceptíveis, do nascimento chega- versas e complementares. A primeira representa a vontade do
mos à velhice e à morte. Mas, a cada momento, nada vemos se ser, que quer o emborcamento e dirige-se da positividade para a
alterar, parecendo tudo imóvel, como o Sol no céu. Porém, no negatividade. A segunda representa a vontade de Deus, que quer
fim, vemos que tudo mudou, o mundo se transformou, muitos a retificação e dirige-se da negatividade para a positividade. Se
desapareceram e não conhecemos a nova geração, porque nós escolhemos como ponto de referência o ser, a primeira linha re-
mesmos nos tornamos diferentes. Acumulando incontáveis presenta a satisfação do rebelde, que realiza a sua vontade de
transformações mínimas, porém constantes e dirigidas sempre vencer contra Deus, enquanto a segunda representa o sofrimento
no mesmo sentido, uma mudança profunda se realizou. do rebelde, que tem de renegar a sua vontade de revolta para
Os olhos míopes de nossa forma mental, feita para ver as obedecer à vontade de Deus. Se escolhemos como ponto de re-
coisas miúdas da vida, percebem apenas as linhas deste dese- ferência a Lei, a primeira linha representa o caminho que, com a
nho menor, escapando-lhe a visão maior, do esquema geral. Fi- violação da Lei, vai para a desordem, enquanto a segunda repre-
camos fechados no pequeno ritmo de nossa vida de cada dia, senta o caminho que, em obediência à Lei, volta à ordem. Como
sem nos apercebermos do ciclo maior do qual ela faz parte. Co- já dissemos no Cap. IV, o fenômeno pode ser observado em
nhecemos bem o ciclo quotidiano do trabalho, das refeições, do função destes dois diferentes pontos de referência, tanto de Deus
repouso, do dia e da noite, mas não sabemos para onde tudo is- e Sua Lei, como do ser rebelde e sua vontade de revolta, pontos
to avança. Vivemos a realização de princípios gerais que nos opostos, que representam os dois polos do dualismo universal.
escapam. Efetuamos amadurecimentos que nos levam para bem Procuremos agora compreender como funciona o mecanis-
longe, atravessando transformações profundas. Estamos desen- mo da correção do erro pela dor. A coluna central do fenômeno
volvendo o nosso destino, e de tudo isto não vemos senão uma da queda é representada pelas duas linhas XY e YX. A primeira
sucessão de pormenores miúdos e episódios desconexos, cujo representa o desenvolvimento do impulso negativo da revolta,
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 89
devido à vontade do ser; a segunda representa o desenvolvi- de revolta sem ter de chocar-se com a reação da dor. Como já
mento do impulso positivo do endireitamento, devido à vontade mencionamos, observamos até agora apenas o caso mais sim-
de Deus. O primeiro deslocamento XY quer destruir a positivi- ples, dado pelo deslocamento horizontal, em que as duas linhas,
dade, dirigindo-se para a negatividade; o segundo quer destruir a do erro e a dor, são iguais entre si e perpendiculares à linha da
a negatividade, reconstruindo a positividade. O primeiro movi- Lei. Observemos agora o caso em que a linha do erro não se
mento vai contra Deus, o segundo vai contra o ser. Por isso o afasta em sentido horizontal, perpendicular à linha da Lei, mas
primeiro é erro, e o segundo é dor. É erro a revolta para embor- sim em direção oblíqua. Temos de considerar primeiro a linha
car a vontade de Deus. É dor o endireitamento que emborca a do erro, que expressa o impulso gerador do fenômeno e estabe-
vontade do ser. Este, com a dor, recebe de volta o seu próprio lece a forma do seu desenvolvimento, definindo a medida da li-
impulso de emborcamento, que volta, no fim, contra o próprio nha da dor e suas consequências.
ser. Assim ele mesmo, que, com a revolta, quis torcer a Lei, fi- A linha do erro pode então ser oblíqua em duas direções:
ca constrangido por ela à obediência. 1) Dirigindo-se para o alto, isto é, para o S; 2) Dirigindo-se
O caminho da evolução não é pacífico, mas se realiza no para baixo, isto é, para o AS. Como poderemos então calcular
choque entre essas duas forças contrárias. Isto representa o es- qual será a correspondente linha da dor, que leva o ser de vol-
forço da reconstrução que o ser tem de realizar contra a sua ta à linha da Lei?
própria vontade de destruição. O ser tem de percorrer o cami- Aqui, a direção oblíqua introduz no fenômeno novos ele-
nho YX da evolução, constrangido pela dor, contra a sua von- mentos, já que ela implica um deslocamento não somente late-
tade rebelde, que é de se afastar do S, e não de retornar a ele. ral, de afastamento da linha da Lei, como no primeiro caso, mas
Eis que chegamos ao ponto chave do problema e podemos também um deslocamento que se repercute ao longo da linha
compreender porque nasce o erro, isto é, a causa primeira do vertical, seja no sentido de subida ou no de descida. Assim, se a
que se chama culpa ou pecado. A posição do ser situado ao posição oblíqua for dirigida para o alto da figura, então a linha
longo do caminho YX da evolução representa um contraste do erro terá percorrido também um trecho da linha da Lei em
entre o impulso da Lei, que impele o ser para o S, e o impulso sentido evolutivo, para o S, mas, se a posição oblíqua for diri-
do ser, que opõe resistência, porque ele, pelo contrário, quer gida para baixo, então a linha do erro terá percorrido também
dirigir-se para a realização do AS. A vontade da Lei é levar o um trecho da linha da Lei em sentido involutivo, para o AS.
ser para o ponto X. A vontade do ser é realizar a plenitude da Nestes dois casos, que chamaremos 2o e 3o casos – tendo em
sua revolta no ponto Y. vista o primeiro, horizontal, já estudado – o desvio adquire e
Disto se segue: 1) A linha do erro NN1 é produto da vontade representa valores diferentes, porque não se trata mais, como no
do ser contra a da Lei; 2) A linha da dor N1N é produto da von- 1o caso, apenas de um afastamento da linha da Lei, enquanto
tade da Lei contra a do ser; 3) Este deslocamento lateral NN1N é tudo permanece sempre à mesma altura na escala da evolução,
da mesma natureza do deslocamento maior XYX, do qual se isto é, à mesma distância e na mesma posição em relação tanto
apresenta como um caso menor; 4) Cada erro ou pecado repre- ao S como ao AS. Nestes dois casos, pelo contrário, o desloca-
senta uma tentativa de revolta contra o S, para se aproximar do mento da linha do erro, sendo oblíqua, gera também correspon-
AS, e tem origem na vontade do ser rebelde à ordem de Deus, dentes deslocamentos na posição ao longo da linha da Lei. Mais
surgindo como efeito desse impulso de emborcamento e consti- exatamente, no 2o caso (oblíquo em subida), verifica-se um des-
tuindo uma queda menor, da qual é necessário depois recuperar locamento de aproximação para o S, com todas as respectivas
com a dor; 5) O deslocamento lateral NN1 representa um desa- vantagens como consequência evolutiva, enquanto, no 3o caso
bafo da vontade rebelde do ser, que quer ir contra a vontade da (oblíquo em descida), verifica-se um deslocamento para o AS,
Lei e, para atingir a satisfação de sua vontade, segue o caminho com todas as respectivas perdas como consequência involutiva.
de menor resistência, afastando-se no sentido lateral porque, Assim, no desenvolvimento do processo de correção e endirei-
nesta direção, encontra menor resistência do que se retrocedesse tamento, é necessário então, para chegar a conhecer quais são
diretamente contra a vontade da Lei, no sentido vertical para Y. os seus resultados finais, levar em conta e calcular o valor de
Este é o caso mais simples, que estudamos primeiramente. todos esses movimentos, que vemos expressos pelo compri-
Mas veremos agora casos diferentes e mais complexos, cujos mento das linhas apresentadas na figura.
afastamentos não são horizontais, mas sim oblíquos, tanto para Aqui, a trajetória de retorno ou linha da dor não é constitu-
cima como para baixo, e nos quais, por conseguinte, prevalece ída somente pela contrapartida igual à linha do erro, mas sim
em maior ou menor medida o impulso da vontade rebelde do por um caminho mais longo e complexo, no qual aparecem ou-
ser contra a vontade da Lei. tros elementos, cujo valor é necessário definir. Enfrentemos
O ser, impulsionado por sua vontade de revolta – dirigida pa- então o problema mais de perto, observando as suas diferentes
ra o AS, contra a vontade oposta da Lei, que quer levá-lo para o posições em nossa figura. Ela nos apresenta três modelos ou
S – procura uma saída para solucionar esse contraste, por meio casos fundamentais:
de um compromisso que lhe permita atingir a sua satisfação. 1o) O primeiro caso representa o afastamento horizontal, de
Uma vez que o caminho de retrocesso para o AS ao longo da li- que já falamos. Ele está expresso pelo percurso NN 1N, isto é,
nha XY apresenta uma resistência muito maior, ele busca, então, pelo mesmo comprimento da linha verde do erro e da linha
empregar o menor esforço possível para ir contra a vontade da vermelha da dor. A primeira linha nos expressa a medida do
Lei, que o aperta do outro lado, a fim de levá-lo ao S. Do con- afastamento para fora da linha da Lei, ou caminho percorrido
traste entre esses dois impulsos opostos nascerão, segundo a po- em sentido negativo na ida, e tem amplitude igual à segunda li-
tência do impulso de revolta do ser, diferentes modelos ou tipos nha, que nos expressa a medida do trabalho de reaproximação à
de afastamento, como agora estudaremos. Veremos que as li- linha da Lei, ou caminho a percorrer em sentido positivo de
nhas do erro e da dor tomarão posições, medidas e valores dife- volta. A fórmula deste 1o caso é:
rentes, mas sempre obedecendo ao mesmo princípio de equilí- NN1(−) = N1N(+)
brio que rege o caso mais simples NN1N, já observado por nós,
princípio pelo qual sempre há uma exata correspondência e 2o) O segundo caso representa o afastamento oblíquo em
compensação entre a amplitude do erro e a dor recebida. subida. Aqui, o problema se torna mais complexo, porque po-
Estudaremos assim, em vários dos seus aspectos, esse fe- demos encontrar muitas posições e relações diferentes entre as
nômeno pelo qual o ser tenta buscar saídas laterais para escapar duas linhas, a do erro (−) e a da dor (+), a segunda encarregada
ao impulso corretor da Lei, a fim de realizar sua própria vonta- de neutralizar a primeira. Para simplificar, escolhemos na figu-
90 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
ra só duas posições principais, pois todas as outras representam frer por esse caminho, neutraliza o erro e, recuperando o que
apenas possíveis variações destas. Cada posição pode ser ex- perdeu, aproxima-se de novo da Lei, onde está a felicidade.
pressa pela sua fórmula. Aqui, quando falamos de dano ou vantagem, o nosso ponto
a) Posição a, do 2o caso. Esta posição de afastamento oblí- de referencia é o mais importante, isto é, Deus, o S, a Lei. É aí
quo em subida resulta do percurso NN2N3. Uma vez que a linha e somente aí que se encontra o único verdadeiro bem do ser, e
do erro é em subida, o caminho reconstrutor pela dor acaba no não no gozo momentâneo e ilusório, que rouba à justiça da Lei
ponto final N3, e não no ponto de partida N, como no 1 o caso. e, por isso, é dívida a pagar, cujo pagamento leva ao estado
Assim, neste caso, o deslocamento lateral do erro implica tam- completo e definitivo da sua felicidade.
bém na trajeto NN3, percorrido em subida, em sentido positivo, Este novo modo de equacionar o problema em direção oblí-
evolutivo, ao longo da linha da Lei, em favor do ser, pois tudo qua, com a consequente inclinação da linha do erro em relação
que o leva para o S representa uma vantagem para ele. à linha da Lei, introduz no fenômeno elementos e valores no-
b) Posição b, do 2o caso. Esta posição resulta do percurso vos, que é necessário levar em conta e definir. Nestes dois ca-
NN4N5 e é semelhante à precedente. A diferença está apenas no sos, 2o e 3o, não há somente a linha do afastamento lateral, do
fato de que, sendo o afastamento ainda mais oblíquo em subida, erro, mas verifica-se também um deslocamento no sentido ver-
tornam-se mais intensas, acentuadas com maior evidência, as tical, ao longo da linha da Lei. Se esse deslocamento é em su-
qualidades do caso precedente ou posição a. Uma vez que a li- bida, para o S, ele se resolve num caminho percorrido no senti-
nha do erro é ainda mais íngreme em subida, o caminho recons- do da obediência, mas, se é em descida, para o AS, então ele se
trutor pela dor não acaba no ponto final N 3, mas no ponto N5. resolve num caminho percorrido no sentido da revolta.
Assim, neste caso, o deslocamento lateral do erro implica tam- Assim temos agora de calcular não somente os valores da
bém no trajeto NN5, percorrido em subida, em sentido positivo linha do erro no sentido da negatividade e da linha da dor no
evolutivo, ao longo da linha da Lei, em favor do ser, porém sentido da positividade, mas também, no 2o caso, os valores po-
maior que o precedente NN3. sitivos construtivos, produto do deslocamento ao longo da linha
3o) O terceiro caso representa o afastamento oblíquo em da Lei em subida (evolução), e, no 3o caso, os valores negativos
descida. Aqui, nos encontramos nos antípodas do 2o caso, pre- destrutivos, produto do deslocamento ao longo da linha da Lei
cedente. O mesmo processo se repete, mas às avessas, em for- em descida (involução). O valor do resultado final, atingido pe-
ma emborcada, gerando, por isso, valores opostos. Aqui tam- lo ser nestes dois casos, será obtido através da comparação en-
bém, como acima, para simplificar, escolhemos só duas posi- tre o valor expresso pelo comprimento do conjunto de todas as
ções principais, deixando as outras possíveis posições interme- linhas positivas de um lado e o valor do conjunto de todas as li-
diárias, que são apenas variações. Igualmente, neste caso, cada nhas negativas do outro, ou ao contrário.
posição pode ser expressa pela sua fórmula, como veremos. Nestes dois casos, temos então de observar os comprimen-
a) Posição a, do 3o caso. Esta posição do afastamento oblí- tos de 4 linhas, que nos expressam e dão a medida do conteúdo
quo em descida resulta do percurso NN6N7. Uma vez que a li- e valor delas.
nha do erro, desta vez, é em descida, o caminho reconstrutor 1) A linha do erro (−), oblíqua, de afastamento da linha da
pela dor acaba no ponto final N7, e não no ponto de partida N. Lei, em subida (2o caso), ou descida (3o caso).
Assim, neste caso, o deslocamento lateral do erro implica tam- 2) A linha da dor (+), horizontal, de volta, dirigida para a
bém no trajeto NN7, percorrido em descida, em sentido negati- linha da Lei.
vo, involutivo, ao longo da linha da Lei, em prejuízo do ser, 3) A linha vertical ao longo da linha da Lei, em subida, no
pois tudo que o leva para o AS representa um dano para ele. sentido positivo, dirigida para o S, como no 2 o caso. Poderemos
b) Posição b, do 3o caso. Esta posição resulta do percurso chamá-la de linha da obediência.
NN8N9 e é semelhante à precedente. A diferença está apenas no 4) A mesma linha vertical, mas em descida, no sentido ne-
fato de que, sendo o afastamento ainda mais oblíquo em desci- gativo, dirigida para o AS, como no 3o caso. Poderemos chamá-
da, tornam-se mais intensas, acentuadas com maior evidência, la de linha da revolta.
as qualidades do caso precedente ou posição a. Uma vez que a Então o resultado final do processo do 2 o caso será dado pe-
linha do erro é ainda mais íngreme em descida, o caminho re- la soma do comprimento das linhas de sinal positivo (neste caso
construtor pela dor não acaba no ponto final N 7, mas no ponto maiores), isto é, a linha da dor (+), mais a linha da obediência
N9. Assim, neste caso, o deslocamento lateral do erro implica (+), menos a linha do erro (−), neste caso a linha menor. Assim,
também no trajeto NN9, percorrido em descida, em sentido ne- agora prevalecem e vencem os valores positivos. No 3 o caso,
gativo, involutivo, ao longo da linha da Lei, em prejuízo do ser, pelo contrário, o resultado final do processo será dado pela so-
porém maior que o precedente NN7. ma do comprimento das linhas de sinal negativo (neste caso
Eis o esquema geral dos três casos e suas posições. Entrando maiores), isto é, a linha da erro (−), mais a linha da revolta (−),
em outros pormenores, explicaremos mais adiante tudo melhor. menos a linha da dor (+), neste caso a linha menor. Assim, ago-
◘ ◘ ◘ ra prevalecem e vencem os valores negativos.
Analisemos agora os conceitos acima mencionados, para Qual é mais exatamente o significado contido nestas linhas?
compreender o seu significado e ver a que realidade eles cor- A linha do erro expressa a nossa direção errada na procura
respondem. Vigora sempre, em todo o momento do fenômeno, da satisfação de um desejo fundamentalmente legítimo, para
o contraste entre as duas forças opostas: o impulso da negativi- atingir a felicidade, porque para isso fomos criados. O caminho
dade, devido à vontade de revolta do ser, dirigido para o AS, e certo para ela é dado pela Lei, que vai direto para o S. Todos os
o impulso da positividade, devido à vontade de ordem da Lei, outros caminhos são errados. É lógico porém que, como está
dirigido para o S. Na figura, tudo que é negativo está marcado expresso na figura, quanto mais oblíqua é a linha do erro e, com
em cor verde e com o sinal “−”, enquanto tudo que é positivo isso, quanto menor o afastamento para longe da linha da Lei,
está marcado em cor vermelha e com o sinal “+”. tanto menor tem de ser o comprimento da linha da dor, que é de
O impulso da negatividade gera a linha do erro, e o da posi- correção do erro e retorno à Lei.
tividade gera a linha da dor. Então a linha verde do erro, de sinal Mas o fenômeno não se esgota só com estas duas linhas, a do
“−”, representa o dano do ser, pois ele, por esse caminho, apesar erro e a da dor. Se a primeira expressa a procura da felicidade
de correr atrás de gozos efêmeros, afasta-se da Lei, que repre- em sentido errado, e a segunda a correção de tal erro pela peni-
senta a sua verdadeira felicidade. E a linha vermelha da dor, de tência da dor, as duas linhas que, no 2 o e 3o casos, aparecem
sinal “+”, representa a vantagem do ser, porque ele, apesar de so- em sentido vertical, não são afastamentos para longe do caminho
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 91
correto da linha da Lei, mas constituem um deslocamento verti- damentais deslocamentos evolutivos ou involutivos, cujo resul-
cal, que se dirige, no 2o caso (obediência), direto para o S e, no tado é de construção e adiantamento para o nosso bem, ou de
3o caso (revolta), direto para o AS. Nestes dois casos, não se rea- destruição e retrocesso, dano que depois é necessário pagar com
liza apenas uma fuga para longe do caminho da Lei, como na li- um novo trabalho de reconstrução e recuperação. Neste último
nha do erro, mas também um caminho direto ao longo da linha caso, ao erro se junta a culpa da revolta. Isto se verifica quando
da Lei, seja para Deus, seja contra Deus para o Anti-Deus. Nes- se faz o mal de propósito, com conhecimento e vontade de fazer
tes dois casos, uma vez que o ser, em vez de agir no sentido de o mal. No 2o caso, em subida, existe somente o erro, onde a von-
se afastar da linha da Lei, permanece dentro e percorre um tre- tade, ao invés de revolta, é, pelo contrario, de obediência, que
cho dela, repete-se então o motivo fundamental da primeira re- contrabalança o afastamento da Lei, levando para o alto, e não
volta e queda para o AS, se o ser vai em descida, e o motivo da para baixo. Esta boa vontade de, embora errando, seguir a Lei
obediência e salvação para o S, se ele vai em subida. significa introduzir no fenômeno uma dada percentagem de po-
Podemos agora compreender como se desenvolve o fenô- sitividade, capaz de neutralizar a negatividade do erro. No 3o ca-
meno. No 2o caso, a linha do erro não se resolve só em puro so, a má vontade da revolta contra a Lei significa introduzir no
valor negativo de erro, mas também, pelo fato de ser dirigida fenômeno ainda mais fatores de negatividade, que se somam aos
para o alto, resulta corrigida pelo valor da linha da obediência, elementos negativos do erro. O ser também é responsável pelo
que, com a sua positividade, neutraliza a negatividade da linha erro cometido sem vontade de revolta, e isto é justo, pois o erro
do erro, resolvendo o caso com uma linha de dor proporcio- se deve à sua ignorância, consequência da queda, que foi o fruto
nalmente menor. da sua vontade de revolta. É justo então que o ser também tenha,
No 3o caso, pelo contrário, a linha do erro não somente fica à sua custa, de resgatar esse erro pela dor.
com o seu valor negativo de erro, não corrigido pelo valor de al- ◘ ◘ ◘
guma linha positiva de obediência, mas também, pelo fato de ser Analisemos ainda mais de perto o problema, escolhendo
dirigida para baixo, resulta aumentada, porque soma a sua nega- agora como ponto de referência a verdadeira vantagem ou pre-
tividade com a da linha da revolta, resolvendo o caso com uma juízo do ser.
dor proporcionalmente maior, porque funciona duas vezes, uma Com a ajuda de nossa figura, procuramos chegar ao cálculo
para corrigir o afastamento do erro, voltando à linha da Lei, e geométrico dos fenômenos da ética. Colocamos aqui os seus
outra para corrigir a revolta, percorrendo em subida o caminho princípios fundamentais, suscetíveis de desenvolvimento com
percorrido em descida, involuindo. Para neutralizar a negativi- teoremas, demonstrações e conclusões racionais.
dade de duas linhas em descida, seria necessária a presença de Voltemos a observar o 2o e o 3o caso, nas suas duas posições
um correspondente caminho positivo, isto é, de uma linha da dor „a‟ e „b‟, para resolvê-los em termos de débito ou crédito da
maior, a fim de neutralizar a linha do erro mais a linha da revol- parte do ser.
ta. É lógico que os valores negativos destruidores não podem ser 2o caso: Poderíamos chamar este caso de favorável, porque,
levados ao seu endireitamento e correção, senão pela sua neutra- sendo o caminho das linhas positivas maior do que o das nega-
lização por um correspondente peso de valores positivos, atuan- tivas, o balanço se fecha em vantagem do ser.
do no sentido da reconstrução. Temos então neste 3 o caso uma Posição „a‟ do 2o caso: O cálculo, neste caso, baseia-se so-
dupla linha de correção. Ela se realiza em dois momentos: 1) A bre três linhas: 1) A linha verde negativa do erro, NN 2; 2) A li-
linha do erro (−) resulta corrigida pela linha da dor (+), que se nha vermelha positiva da dor, N2N3; 3) A linha vermelha posi-
desenvolve em sentido horizontal; 2) O trecho que, pela inclina- tiva da evolução ao longo da linha da Lei, NN3. Na balança en-
ção da linha do erro, foi uma descida tornou-se, com isso, tam- tre os valores negativos e os positivos, vencem os positivos,
bém linha de revolta, e esta, para ser corrigida, tem de ser per- uma vez que estes são representados por duas linhas contra uma
corrida de novo às avessas em subida, como linha de obediência, só negativa. Do lado da negatividade, temos a linha NN 2(−). Do
fato que, como veremos, representa um valor diferente. lado da positividade temos:
É necessário compreender que o impulso gerador da linha
[N2N3(+)] + [NN3(+)]
da revolta não é da mesma natureza que o da linha do erro. Es-
ta, como há pouco mencionamos, deriva de um desejo de feli- Então a linha do erro (−) fica compensada por duas linhas
cidade, o qual, por si só, não constitui um impulso errado, pois de sinal oposto, a linha da dor (+) e a da obediência (+). A dife-
pertence ao ser como seu direito fundamental, que ele possuía rença entre o caminho de destruição e o de reconstrução de va-
em seu estado de origem, como cidadão do S. Esse impulso, lores é no sentido positivo. Então o movimento todo, no seu
portanto, pertence à positividade. O que o torna errado é a sua conjunto, resolve-se em proveito do ser, porquanto a soma das
direção, que, afastando-se da linha da Lei, o leva à negativida- duas linhas positivas é maior do que a negativa.
de, na medida em que se distancia. A linha da revolta, por sua A fórmula da posição „a‟ do 2o caso tem de exprimir a van-
vez, tem como princípio psicológico o egocentrismo separatista tagem (+) em termos de valores positivos em favor do ser, as-
contra Deus, para substituir-se a Ele. Trata-se então, pelo con- sim como, no 3o caso, que é o oposto, a respectiva fórmula tem
trário, de um impulso fundamentalmente errado, completamen- de exprimir, como veremos, o dano do ser (−) em termos de va-
te negativo, porque dirigido somente ao emborcamento do S no lores negativos. Desse modo, enquanto, no 1o caso, os dois va-
AS, para a derrota de Deus e a vitória do Anti-Deus. Neste ca- lores opostos, + e −, são iguais e se equilibram, há neste 2 o caso
so, não se trata de erro, mas sim de revolta. Este não é um da- uma diferença em sentido positivo favorável, de vantagem, co-
queles pecados comuns de nossas vidas, e sim o maior. Trata-se mo também é lógico que haja no 3o caso, oposto, uma diferença
da rebeldia que gerou a queda, um pecado que a criatura não em sentido negativo contrário, de prejuízo.
comete contra si mesma, mas sim contra Deus. Se a linha do er- Expressemos com a letra V(+) o conceito dessa vantagem.
ro representa o princípio do afastamento, a linha da revolta ex- Ela significa tudo o que o ser ganha em sentido de positividade,
pressa o princípio do emborcamento total. Este é o pecado de como subida do AS para o S, em termos de evolução e do cor-
Lúcifer, pecado de orgulho, que tenta agredir a Deus para des- relativo melhoramento. Então a fórmula resolutiva da posição
truí-Lo. Não se trata da comum fraqueza humana, que toma o „a‟ deste 2o caso é a seguinte:
caminho errado na busca do gozo, mas de uma revolta consci-
V(+) = [N2N3(+) + NN3(+)] − NN3(−)
ente, feita de propósito, para atingir a sua finalidade subversiva.
Seja em subida com a linha da obediência (2o caso), seja em Posição „b‟ do 2o caso. Nesta outra posição se repete em
descida com a linha da revolta (3o caso), trata-se sempre de fun- medida e evidência maiores o que temos observado a respeito
92 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
da posição „a‟ do mesmo caso. A fórmula contém os mesmos comprimento da linha da dor (dano) e um progressivo aumento
elementos, porém ainda mais deslocados para os valores positi- do comprimento da linha do progresso em subida (vantagem).
vos em favor do ser. Aqui selecionamos só estas duas posições Esta tendência nos leva a considerar a posição limite deste
„a‟ e „b‟, para simplificar. Mas é possível imaginar entre elas processo, a qual poderíamos chamar de posição „c‟ deste 2o ca-
quantas posições intermediárias quisermos, conforme a medida so. Isto significa que o fenômeno está dirigido para conquistar
de deslocamento de valores que escolhermos. uma quantidade de valores positivos sempre maior, em vanta-
Aqui, o cálculo também se baseia sobre três linhas: 1) A gem do ser, e para uma quantidade de valores negativos cada
verde negativa do erro, NN4, 2) A vermelha positiva da dor, vez menor, à custa e em dano do ser. Não há somente o fato de
N4N5; 3) A vermelha positiva da evolução, ao longo da linha que os primeiros funcionam em favor do ser, como resgate do
NN5. Igualmente vencem aqui os valores positivos, representa- seu erro, mas há também, ao mesmo tempo, uma diminuição
dos por duas linhas contra só uma negativa. Do lado da negati- progressiva do comprimento da linha da dor.
vidade, temos a linha NN4(−). Do lado da positividade, temos Ora, é claro que, se levarmos esse processo até ao seu caso
[N4N5(+)]+[NN5(+)]. Novamente, a diferença é no sentido posi- limite, atingiremos uma posição na qual a quantidade dos valo-
tivo, e o movimento todo se resolve em proveito do ser. Então a res positivos conquistados será máxima e, portanto, também
fórmula resolutiva da posição „b‟ deste 2 o caso é a seguinte: máxima será a vantagem do ser, ficando anulada a quantidade
dos valores negativos e, com isso, o dano do ser. Acontece que,
V(+) = [N4N5(+) + NN5(+)] − NN4(−)
no fim, a linha da dor desaparece e o erro deixa de ser erro, mas
Algumas observações. Observamos que, quanto mais verti- só uma tentativa bem sucedida que se resolveu em progresso no
cal e menos obliqua é a linha do erro e, com isso, menor o seu caminho de subida. Isto é lógico, porque a crescente inclinação
afastamento da linha da Lei, tanto mais diminui o comprimento da linha do erro para o alto, cada vez mais a aproxima da linha
da linha da dor e aumenta a linha do progresso em subida, isto da Lei, até anular todo afastamento e, com isso, a linha da dor,
é, o comprimento do trajeto percorrido em sentido evolutivo, que é a sua consequência, porque representa o caminho de volta
em favor do ser. Isto significa que: 1) Diminui sempre mais o à Lei. É lógico que, não havendo mais afastamento, não haja
caminho de volta para a Lei (dor); 2) O ser realizou um traba- também a linha da dor. Neste caso limite, o fenômeno chega
lho útil de progresso ao longo da linha da Lei, em seu proveito. então a uma posição na qual não há mais afastamento, nem dí-
Não esqueçamos a observação feita há pouco, de que estu- vida a pagar, nem dano e dor para o ser, nem valores negativos
damos aqui o fenômeno em função da vantagem ou do dano do a resgatar, mas somente a vantagem da evolução realizada. Este
ser, sendo estes, portanto, os nossos pontos de referência agora. é o caso de santos como Agostinho e Francisco de Assis, peca-
Na posição „a‟ do 2o caso, temos então que, se, para corrigir dores na sua juventude, que souberam tirar do erro a experiên-
o erro expresso pelo comprimento da linha NN2, é necessária a cia útil para realizar um progresso espiritual e, assim, alcança-
dor expressa pelo comprimento da linha N2N3 (dano), ao mesmo ram um nível de vida mais alto.
tempo o ser percorreu em sentido evolutivo o comprimento da ◘ ◘ ◘
linha NN3, em seu proveito. No 1o caso, NN1N, o ponto de che- Continuemos agora analisando este mesmo processo nas su-
gada é N, que coincide com o ponto de partida. Mas, no 2 o caso, as duas posições „a‟ e „b‟, mas no sentido oposto.
o ponto de partida é N, mas o ponto de chegada é N3, e isto sig- 3o caso: Poderíamos chamar este caso como desfavorável,
nifica que, embora errando pelo caminho do mal, o ser realizou porque, sendo o caminho das linhas positivas menor do que o
alguma coisa no caminho do bem. Isto não é absurdo nem im- das negativas, o balanço se fecha com prejuízo para o ser.
possível na realidade de nosso mundo, onde vemos que bem e Posição „a‟ do 3o caso. O cálculo, neste caso, baseia-se so-
mal muitas vezes se misturam no mesmo ser e na mesma obra. bre três linhas: 1) A verde negativa do erro, NN6; 2) A vermelha
Acontece, desse modo, que o pagamento por meio da linha da positiva da dor, N6N7; 3) A verde negativa da involução, percor-
dor não somente neutraliza a linha do erro, mas também, através rida em descida ao longo da linha da Lei, ou seja, a linha NN7,
desta experimentação, deixa, no fim, o ser numa posição mais que terá de ser corrigida em sentido oposto, positivo, evolutivo,
adiantada. Isto representa uma vantagem que compensa e anula com o esforço de subida N7N. Verifica-se então que, na balança
parte do dano produzido pelo erro. Este trecho que foi ganho entre os valores negativos e positivos, vencem os negativos, uma
como progresso constitui um tipo de abatimento na dívida que o vez que estes estão representados por duas linhas, contra apenas
ser tem de pagar para se resgatar do erro com a sua dor. Eis aí o uma positiva. Do lado da negatividade, temos as linhas [NN6(−)
significado da fórmula resolutiva da posição „a‟ do 2o caso. + NN7(−)]. Do lado da positividade, temos só a linha N6N7. En-
Na posição „b‟ deste 2o caso, as características do fenôme- tão à linha do erro (−) junta-se outra linha negativa, dada pela
no vão sempre aumentando em favor do ser. A linha da dor, ao descida involutiva. A diferença entre o caminho de destruição e
invés do comprimento NN 3, fica reduzida à linha N4N5, e a li- o de reconstrução de valores é no sentido negativo. Então o mo-
nha do progresso em subida, ao invés do comprimento NN 3, vimento todo, no seu conjunto, resolve-se em prejuízo do ser,
resulta aumentada a NN5. Desta vez, o ponto de chegada é N5, uma vez que a soma das duas linhas negativas é maior do que a
e isto significa que foi percorrido em subida um caminho ainda positiva. Se, no fim do processo da posição „a‟ do 2o caso, o ser
maior e que, por conseguinte, no fim, o ser se encontra numa se encontrava em N3, com a vantagem do caminho percorrido
posição ainda mais adiantada. Tal condição representa uma em subida como progresso, agora, no fim do processo da posi-
vantagem maior em favor do ser. Este trecho a mais que foi ção „a‟ do 3o caso, o ser se encontra em N7, com a desvantagem
ganho como progresso constitui um abatimento maior na dívi- do caminho percorrido em descida como involução, que é ne-
da que o ser tem de pagar com a sua dor, cuja linha teve seu cessário pagar depois, subindo de novo, com o próprio esforço.
comprimento diminuído. Eis aí o significado da fórmula reso- Então a fórmula desta posição „a‟ do 3o caso tem de expri-
lutiva da posição „b‟ no 2 o caso. mir esta desvantagem (−) em termos de valores negativos, com
Estas duas posições „a‟ e „b‟, como há pouco dizíamos, são dano para o ser, como acima mencionamos. Encontramo-nos,
apenas dois exemplos básicos para a nossa demonstração entre aqui, na posição oposta à correspondente „a‟ do 2o caso.
os muitos possíveis, que cada um pode escolher à vontade. Mas Expressemos com a letra D(−) o conceito deste dano. Ele
os dois, como se pode ver na figura, já bastam para nos mostrar significa tudo o que o ser perde em sentido de negatividade,
a tendência do fenômeno em deslocar os seus valores no senti- como descida do S para o AS, em termos de involução e do
do de fazer corresponder, às posições cada vez menos oblíquas correspondente prejuízo. Então a fórmula resolutiva da posição
e inclinadas da linha do erro, uma progressiva diminuição do „a‟ deste 3o caso é a seguinte:
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 93
o
enquanto, no 2 caso, a tendência é dirigida para um contínuo
D(−) = N6N7(+) − [NN6(−) + NN7(−)] aumento em favor do ser, ela se torna, no 3 o caso, um contínuo
Posição „b‟ do 3o caso: Nesta outra posição, repetem-se aumento em desfavor dele.
mais acentuadas e evidentes as mesmo condições da posição „a‟ Continuando por este caminho, chega-se, como vimos no 2o
do 3o caso. É lógico então que os valores negativos prevaleçam caso, à posição limite do fenômeno. Nesta posição, a linha do
ainda mais sobre os positivos, o que significa aumento de des- erro tanto se inclina para baixo, que acaba sobrepondo-se à li-
vantagem para o ser. A fórmula contém os mesmos elementos, nha da Lei, mas às avessas, isto é, em sentido emborcado, com-
porém ainda mais deslocados para os valores negativos, em pletamente negativo, em descida, e não em subida.
desfavor do ser. Aqui vigoram os mesmos princípios, mas com A esta condição podemos chamar de posição „c‟ do 3o caso.
resultados sempre piores, ao contrário da correspondente posi- Nesta posição, se a ausência de afastamento da linha do erro
ção „b‟ do 2o caso, onde iam sempre melhorando. em relação à linha da Lei, no 2o caso, implica na inexistência da
Aqui também, o cálculo se baseia sobre três linhas: 1) A linha da dor, resultando no fim em um trabalho somente positi-
verde negativa do erro, NN8; 2) A vermelha positiva da dor, vo, realizado em sentido evolutivo, esta mesma ausência do re-
N8N9; 3) A verde negativa da involução, percorrida em descida ferido afastamento, no 3o caso, implica na inexistência da linha
ao longo da linha da Lei, isto é, a linha NN9, que tem de ser da dor, porém com resultado contrário, somente negativo, reali-
corrigida em sentido oposto, positivo, evolutivo, com o esforço zado em sentido involutivo. Não há, portanto, outro meio de re-
do ser, pelo caminho inverso N9N. Aqui vencem sempre mais cuperação a não ser repetir, sozinho, o mesmo esforço de quem,
os valores negativos, representados pelas duas linhas deste involuindo, caiu no fundo de um abismo e tem de subir nova-
mesmo sinal, contra só uma positiva. Do lado da negatividade, mente, escalando à sua custa as íngremes paredes. Não se trata
temos as linhas [NN8(−)]+[NN9(−)]. Do lado da positividade, mais, então, de apenas uma penitência para neutralizar o peca-
temos só a linha N8N9(+). A diferença, aqui, também é em sen- do. Pela sua descida, o ser retrocedeu a um nível de vida mais
tido negativo, e o processo se resolve todo em desfavor do ser, baixo, repetindo e confirmando com vontade de revolta um tre-
uma vez que à linha do erro (−) junta-se outra linha negativa, de cho do mesmo caminho da primeira grande queda.
descida involutiva, e a soma das duas linhas negativas é maior Para o ser abismado nesta posição, até mesmo a linha ver-
do que a linha positiva. Se, no fim do processo da posição „a‟ melha da dor (+), com os seus poderes de reconstrução da posi-
do 3o caso, o ser havia descido até ao ponto N7 da escala evolu- tividade, ficou anulada. Com isso, desaparece a possibilidade
tiva, agora, no fim do processo da posição „b‟ deste mesmo ca- de resgate pelo caminho do arrependimento e da dor, que repre-
so, o ser desceu até ao ponto N9, o que exige depois um traba- sentam o meio pelo qual quem subiu ou ficou no mesmo nível
lho de recuperação muito maior. Então a fórmula resolutiva da de evolução pode corrigir o erro. Em tal condição, o ser se tor-
posição „b‟ deste 3o caso é a seguinte: nou fera, porque involuiu num trecho do caminho para o AS e,
D(−) = N8N9(+) − [NN8(−) + NN9(−)] com isso, adquiriu mais qualidades negativas, enquanto perdeu
as que tinha conquistado no S, em conhecimento, felicidade,
Algumas observações. Se, no 2 o caso, vai cada vez mais vida e liberdade, decaindo proporcionalmente para a ignorân-
aumentando a linha percorrida em subida evolutiva em favor cia, o sofrimento, a morte, o determinismo e o caos do inferno.
do ser, no 3 o caso o mesmo fenômeno se repete às avessas, Este é o justo galardão que recebe, porque merecido, quem
e, assim, vai cada vez mais aumentando a linha percorrida cumpre o crime da revolta absoluta contra Deus, não por erro,
em descida involutiva, em desfavor do ser. No 2 o caso, tudo mas, como mencionamos, por orgulho, por espírito de revolta,
está orientado em sentido positivo construtor. No 3 o caso, com conhecimento e vontade de praticar o mal. Este caso é
tudo está orientado em sentido negativo destruidor. Trata-se mais raro que o do erro comum, porque requer um impulso
de dois sistemas de forças opostas: um dirigido para o alto, e muito mais decidido para a negatividade, impulso de revolta
outro para baixo. No primeiro prevalecem os valores positi- que tem de ser tanto mais poderoso quanto mais for inclinada a
vos, e é lógico então que o resultado final seja positivo: linha do erro, até ao caso limite em que ela não é mais lateral,
V(+). No segundo prevalecem os valores negativos, e é lógi- mas só descida vertical, involução, posição de revolta absoluta,
co então que o resultado final seja negativo: D(−). Se, no 2 o para a vitória do AS, vontade do ser contra a da Lei. Não se tra-
caso, em subida, a linha verde (−) do erro resulta corrigida ta mais do pecado do homem, e sim, como dissemos, de Lúci-
só pela linha vermelha (+) da dor, acrescida, porém, da van- fer, que não se resolve só com o arrependimento, percorrendo a
tagem (+), por ter atingido um ponto mais adiantado no ca- linha da dor, mas apenas transformando-se e amadurecendo de
minho da evolução, no 3 o caso, em descida, a linha do erro novo pela profunda e dura fadiga redentora da evolução.
resulta corrigida pela linha vermelha (+) da dor, acrescida, Neste caso, não se trata de uma negatividade acidental, de
porém, da desvantagem (−), por ter retrocedido para um pon- superfície, fácil de corrigir, originada no erro, que, por si só,
to mais atrasado no caminho da evolução. não subverte fundamentalmente a natureza do ser. Trata-se, pe-
Para voltar ao ponto de partida N, recuperando o que foi lo contrário, de uma negatividade central e profunda, cujo endi-
perdido, é necessário reconstruir o que foi destruído, isto é, reitamento exige uma renovação igualmente central e profunda
cumprir de novo, com o próprio esforço, o trabalho de percorrer no sentido da positividade, porque, neste caso, em razão da re-
em subida o caminho que foi percorrido em descida. É por isso caída, acordam e voltam a se desencadear as forças obscuras do
que, no 3o caso, o trabalho necessário para chegar ao resgate do AS. Este é o caso oposto ao dos santos acima mencionados, que
erro é muito maior. Enquanto, no 2 o caso, a linha em sentido erraram na procura da verdade e do bem, para acabar santifi-
evolutivo representa um abatimento na dívida do ser, consti- cando-se. Neste 3o caso em descida, trata-se, pelo contrário, de
tuindo um crédito em seu favor, verifica-se que, no 3o caso, seres que quiseram fazer o mal pelo próprio mal, com pleno
além de não existir essa compensação, a linha percorrida em conhecimento, agindo não por erro, mas por uma vontade deci-
sentido involutivo também representa um acréscimo na dívida didamente resolvida a realizar o emborcamento do S no AS. Es-
do ser, porquanto gerou um novo débito a pagar, o qual será te não é só um pecado secundário, devido à ignorância e à fra-
acrescido ao outro, expresso pela linha do erro. queza do ser; não é apenas o afastamento lateral gerado pelo er-
Se olharmos para as posições „a‟ e „b‟ do 3 o caso, veremos ro, que a penitência da dor pode corrigir. Trata-se aqui do peca-
a mesma tendência para um sempre maior deslocamento de va- do fundamental, o primeiro e maior, devido ao espírito de re-
lores, que, se é em sentido positivo no 2 o caso, verifica-se, ao volta, que gerou o processo involutivo da queda e o desmoro-
contrário, em sentido negativo neste 3o caso. Em outros termos, namento de todo o nosso universo.
94 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
o o
Eis o significado das duas posições limites „c‟ do 2 e 3 ca- Marcamos em nossa figura, ao longo da linha YX da evo-
sos. A primeira é toda em subida, fato que neutraliza o erro e lução, os pontos A1, A2, A3, A4 e A5. Cada um expressa um ní-
acaba reabsorvendo a linha da dor. A segunda é toda em desci- vel evolutivo ou plano de vida diferente e o respectivo tipo de
da, fato que transforma o erro em crime, para o qual não há ar- ética que o rege. Na realidade, o número desses pontos é muito
rependimento nem sacrifício comuns que possam facilmente maior, preenchendo, na contínua transformação de uma para
apagá-lo. A progressiva inclinação da linha do erro para o alto outra no trajeto de subida, todas as posições intermediárias.
no 2o caso, até à referida posição limite, tende a transformar o Esta questão de evoluído e involuído representa um caso parti-
erro (−) cada vez mais em trabalho de evolução (+). Tal trans- cular dessa transformação de um tipo de existência e de sua
formação se realiza em cheio na posição limite „c‟ do fenôme- correlativa ética para outro.
no, na qual triunfa completamente a positividade. Por sua vez, a Se imaginarmos o homem atual situado num grau de evolu-
progressiva inclinação da linha do erro para baixo no 3 o caso, ção que esteja mais ou menos na metade do caminho ascensio-
até à sua posição limite, tende, ao contrário, a transformar o er- nal YX, poderíamos colocar o biótipo atual, chamado normal,
ro (−) cada vez mais em trabalho de involução (−). Tal trans- que constitui hoje a maioria na Terra, no ponto A3. Então o sel-
formação se realiza em cheio na posição limite „c‟ do fenôme- vagem estaria situado no ponto A2 e o mais evoluído, no ponto
no, na qual triunfa toda a negatividade. A4. Cada uma dessas posições relativas representa um dado ní-
Na primeira destas duas posições limites, o ser, seguindo a vel de existência, o qual, em função da posição ocupada, é re-
Lei com a obediência, ganha. Na segunda, o ser, desobedecen- gido por sua respectiva ética, donde se conclui que o melhor
do a Lei com a revolta, perde. Nestas duas posições limites, o para um dado biótipo não é melhor para outro, assim como o
movimento não se realiza lateralmente, mas todo ele dentro da que é justo e bom para o primeiro não o é para o segundo.
linha da Lei, adquirindo, por isso, um sentido resolutivo de Eis então o que significa evoluído e involuído. O ser de
progresso em direção à positividade, que é vida, ou de regresso nível A3 (hoje normal) é um evoluído em relação ao ser do
em direção à negatividade, que é morte. Nestes casos, o deslo- nível A2 (selvagem), enquanto o ser do nível A 2, ao contrário,
camento não é só um afastamento lateral, que deixa o ser no é um involuído em relação ao do nível A 3. Da mesma forma,
mesmo plano de vida, mas constitui um deslocamento de nível o biótipo de nível A4 (hoje super-homem) também é um evo-
biológico para o S ou para o AS, com todas as correspondentes luído, se comparado ao ser do nível A 3 (homem atual), en-
consequências. No 3o caso, trata-se do emborcamento dos valo- quanto o ser do nível A 3, ao contrário, é um involuído em re-
res fundamentais da existência, de um retrocesso, da gênese do lação ao biótipo do nível A 4.
mal, como no caso da primeira revolta. A inclinação da linha do Temos assim três posições que se julgam reciprocamente de
erro para o alto expressa a boa vontade, que é tanto maior quan- modo diferente, conforme o ponto de referência onde o ser está
to maior for a inclinação, até se tornar completa, quando as du- situado. Elas são: 1) A posição A2, nível do selvagem; 2) A po-
as linhas coincidem na posição limite. A inclinação da linha do sição A3, nível do homem normal; 3) A posição A4, nível do
erro para baixo expressa a má vontade, que é tanto maior quan- evoluído. Dentro de nossa sociedade, o homem do tipo A2 exis-
to maior for a inclinação, até se tornar completa, quando as du- te como subdesenvolvido nas camadas inferiores, como primi-
as linhas coincidem na posição limite. tivo ou como criminoso e rebelde à ordem constituída. O ho-
Tanto o erro como a boa ou má vontade são elementos que mem do tipo A3, que domina pela força do número, estabelece
todos conhecemos em nossa prática quotidiana e que, na práti- as leis e os métodos de vida, adaptando tudo ao seu nível, en-
ca, vemos misturados em cada ato nosso, em proporções dife- tendimento e utilidade. No outro lado, o homem do tipo A4 re-
rentes. Eis que este estudo geométrico de nossa figura, apesar presenta uma minoria sem direitos, que tem de se adaptar às
de poder parecer um trabalho abstrato, afastado da realidade, leis e hábitos, para ele selvagens, da maioria.
leva-nos a compreender o valor e as consequências de nossa Cada um dos três tipos concebe o outro sempre a partir do
conduta, permitindo-nos formular racionalmente as normas seu relativo e diverso ponto de vista, julgando-se a si mesmo o
dessa nova ética, cujos alicerces estamos aqui construindo, com tipo perfeito, o modelo para todos e, assim, aquele que tem mais
a enunciação dos seus princípios. direito à vida. Mas quem domina em nosso mundo é o tipo A3,
que, por isso, julga justo impor a sua ética a todos, tanto inferio-
VIII. EVOLUÍDO E INVOLUÍDO res como superiores. Observaremos agora a atuação da maioria,
que faz as leis para si, em dois casos: 1o) Dirigindo-se aos infe-
Agora que foi analisada e entendida a estrutura da nossa fi- riores involuídos; 2o) Dirigindo-se aos superiores evoluídos.
gura, podemos compreender melhor o significado exato do Escolhemos como ponto de referência o biótipo dominante
conceito de evoluído e de involuído, dos quais muitas vezes fa- porque é ele que, com a sua forma mental, dada pelo seu plano de
lamos neste livro, bem como nos precedentes. vida, estabelece as regras de conduta de nossa sociedade, as leis
Como explicamos no Cap. V, cada plano de evolução está civis e religiosas, ou seja, toda a ética, impondo-a aos outros.
regido por sua própria ética, relativa e particular a ele, a qual, ◘ ◘ ◘
partindo de um nível inferior, transforma-se gradativamente Como esse biótipo hoje dominante trata então os outros dois,
em uma ética de nível mais adiantado, que o ser vai atingindo que se encontram, em relação a ele, na posição de involuído e
com a sua evolução. Estamos no terreno do ser decaído, onde a evoluído? Observemos primeiro o caso do involuído. Quando
perfeição do absoluto desmoronou no transformismo do relati- este é representado por outros povos em terras coloniais, as rela-
vo, que percorre continuamente o caminho de regresso à per- ções estabelecidas pelo homem chamado civilizado, obedecendo
feição. Eis que, ao longo da linha da evolução YX, ou linha da à ética do seu plano, são em geral – pelo direito da força, da in-
lei de Deus, cada ponto representa uma diferente posição do teligência e dos recursos materiais – de exploração de quem é
ser e o respectivo tipo de ética relativa a seu nível, a qual esta- menos provido desses meios. Neste nível, pertence ao mais forte
belece a regra que dirige a vida do ser conforme o seu grau de estabelecer as leis, cabendo a ele todo o direito. Trata-se de uma
evolução. Assim, da duríssima lei determinística da matéria e ética de luta, pela qual tudo acaba nas mãos de quem sabe agar-
dos seres inferiores chega-se à lei sempre mais livre e feliz do rar as coisas. Como consequência lógica dessa ética, aqueles que
espírito e dos seres superiores. Todos esses diferentes tipos de não sabem defender-se e impor-se são esmagados. Esta é a rea-
ética, cada um relativo ao nível particular de evolução onde o lidade que de fato existe além das teorias políticas ou religiosas
ser se encontra, estão contidos na Lei, que, sendo o pensamen- pregadas. Neste plano vigora o método do vencedor e do venci-
to de Deus, abrange e dirige tudo o que existe. do, que vai das invasões bárbaras à exploração do trabalhador
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 95
analfabeto. É por isso que, no mundo de hoje, enquanto estão atingido. Mas aqui o mal-entendido reaparece, quando, com tal
pregando a paz, todos se preparam para a guerra. Esta é a única método, essa sociedade pretende tratar e curar a doença da cri-
ética deste nível de vida. Este é o método e a base da glória de minalidade. Perante este objetivo, que deveria ser a suprema fi-
todos os imperialismos. Esta é a moral em que concordam todas nalidade do poder judiciário, a atual conjuntura social é uma fa-
as raças e povos, de todos os tempos e países do mundo. lência. Mas, para que isto não acontecesse, seria necessário usar
Mas, em outra forma, o involuído também se encontra dentro a forma mental e a ética de um outro plano, onde a tarefa de
da sociedade dos assim chamados povos civilizados. Como trata quem domina não é defender contra todos a sua posição de do-
aquela maioria dominante esse biótipo subdesenvolvido? Refiro- mínio, mas sim levantar os inferiores, educar e remir os crimi-
me aos que não conseguiram encontrar, na ordem social, o seu nosos, eliminando a semeadura de tanto mal, a qual diariamente
lugar para viver e o procuraram fora daquela ordem, como re- se está realizando em nosso mundo, na mais completa inconsci-
beldes ou delinquentes. Estando fora da organização coletiva e ência das consequências. O atual método repressivo correspon-
representando eles apenas uma minoria, pelo menos nos perío- de à tentativa do cirurgião que procura curar o câncer cortando
dos normais, não revolucionários, gravita sobre eles o peso da o tumor. Assim, apesar de todas as providências da justiça hu-
maioria com a sua ética de domínio, que estabelece com as leis o mana, teoricamente perfeita, a doença da criminalidade, atra-
que é direito e justiça. Esta minoria então, quando não consegue vessando os séculos, ficou sempre de pé.
romper os diques com as revoluções, tem de se submeter às leis Infelizmente, a realidade é que todos possuem a mesma
civis e religiosas, que, constituindo a ordem, representam a de- forma mental e usam o mesmo método de luta. Quem julga
fesa dos interesses da classe dominante. Os fatos da realidade não está situado acima e fora da raça humana, para que lhe seja
biológica nos mostram que, neste nível, a vida se baseia na luta possível julgar. Todos seguem o mesmo caminho, não sendo
de todos contra todos, vigorando o método de ataque e defesa, possível chegar à ordem a não ser constringindo os rebeldes à
onde somente sobrevive o vencedor. Disto se segue que os con- obediência, porque o ponto de partida é o caos. Da mesma
ceitos de direito, justiça e punição em nome de princípios ideais forma, também não se pode chegar ao direito senão ordenando
ou até mesmo em nome de Deus, são apenas aparências exterio- a força nem se alcançar a justiça senão disciplinando a injusti-
res, enquanto a substância dos fatos é bem outra coisa. Não há ça. É seguindo este mesmo caminho que os diferentes grupos
ser humano que não deseje a ordem e a unidade, mas sempre vencedores se alternam no palco da história, obedecendo aos
subentendo que ele só admite uma unidade onde é ele quem mesmos instintos do seu nível biológico e usando as mesmas
manda e uma ordem na qual são os outros que obedecem. armas, para atingir as mesmas finalidades. Também na livre
Estamos apenas observando o fenômeno imparcialmente. É escolha democrática do pleito eleitoral, é sempre o poder da
claro que a coisa mais urgente para todos é, antes de tudo, de- posição, da inteligência e dos recursos que permite alguém
fender-se, e não há motivo para que a sociedade faça exceção a vencer os seus antagonistas políticos.
essa regra, tanto mais que os criminosos conhecem mais do que Eis qual é a luta recíproca entre o biótipo A 2 e o A3. Ambos
todos o método de ataque e defesa. Ninguém pode negar à soci- querem e têm o direito de viver. Mas o segundo não quer reco-
edade esse direito à legítima defesa. Mas isto quer dizer que es- nhecer esse direito ao primeiro, que tem então de conquistá-lo
tamos no terreno da luta, onde a vitória pertence ao mais forte. com a força. Para o tipo A2, não há lugar no castelo dos vence-
O mal-entendido está no fato de que esta luta e defesa ficam es- dores. Por isso ele tem de ficar fora, como rebelde. Claro que,
condidas sob o manto do direito e da justiça. Quando, nas revo- se os revoltosos encontrassem um abrigo dentro do castelo,
luções, são os rebeldes que estabelecem uma nova ordem para eles acabariam tornando-se homens da ordem. Para acabar com
si, eles armam tribunais para condenar, conforme a justiça, os os homens da desordem, seria necessário colocá-los dentro da
seus inimigos em nome da lei, como fazia antes contra eles a so- organização da ordem, porque, se viessem a se tornar inimigos
ciedade regularmente constituída. O espírito de luta, de agressi- dela, tornar-se-iam inimigos de si próprios. E, de fato, qual-
vidade e de defesa é legítimo neste plano de vida e faz parte da quer um deles, tão logo se enriqueça e consiga ocupar posições
lógica de sua ética. Estamos ainda na fase caótica do egocen- elevadas na sociedade, torna-se prontamente um defensor da
trismo separatista, na qual a defesa para a sobrevivência não po- ordem. É do interesse do mundo que não haja mais expulsos, e
de ser confiada senão ao indivíduo isolado ou, por instinto gre- ele deveria compreender isso. É absurdo um banquete a sós,
gário, unido em grupo com alguns semelhantes seus. O Estado, onde aqueles esfaimados que estão olhando não acabem fur-
com a sua autoridade em nossa sociedade dita civilizada, apesar tando alguma coisa. A nossa sociedade não consegue compre-
de democrático e representativo, é constituído por um desses ender isso, pois não pode ir além da forma mental dada pelo
grupos, formado pela classe dominante, que defende, contra to- seu nível biológico, com a qual não sabe conceber tudo senão
dos os demais, os seus interesses e sua vida. Tudo isto se pode em função do próprio eu e da sua vantagem imediata. É assim
considerar lógico e justo, se colocarmos a nossa sociedade no que a coletividade fica continuamente repleta de rebeldes cri-
nível biológico ao qual ela pertence, que é o da luta e da força. minosos. Por este caminho, o problema não se resolve, en-
O engano se revela quando, neste mundo, queremos falar de quanto não forem suprimidas as causas primeiras, situadas
verdadeira justiça, coisa que só aparece num mais alto nível de dentro do próprio corpo social dos vencedores, que, assim,
existência, ao qual o homem ainda não chegou. Não há dúvida continua sempre levando consigo a sua doença crônica.
que todos têm o direito de viver, em todos os planos de vida e Eis então o que acontece em nosso mundo. Justificando-se
em todas as relativas formas de ética. Mas, com a evolução, mo- com um castelo teórico de princípios e leis, a classe dirigente,
difica-se o método para atingir essa finalidade. Então não é mais que tem em mãos o poder, estabelece, com a sua forma mental,
o indivíduo que se defende, mesmo usando as leis como arma na uma ética cujos conceitos abstratos de bem e mal significam, na
sua luta contra o próximo, numa contínua peleja de ataque e de- realidade, só o bem ou o mal daquela classe. Na substância, tra-
fesa, onde só o mais astuto ou mais rico tem razão, mas é a cole- ta-se somente de justificar em nome de princípios superiores a
tividade, para a qual o indivíduo faz tudo, que faz tudo para ele e necessidade de constranger à obediência os rebeldes. O restante
o defende no seio de uma ordem imparcial e universal, não mais é problema longínquo, que é posto de lado. Este constrangi-
partidária. Isto, porém, somente poderá acontecer quando a hu- mento se baseia no princípio da satisfação ou do sofrimento,
manidade houver atingido o estado orgânico e o indivíduo tiver atuando por meio do prêmio ou da pena. Assim, aparece nas re-
adquirido a consciência necessária para saber viver nele. ligiões a ideia de paraíso e inferno, que, nas leis civis, corres-
Se a substância do método atualmente em vigor em nossa pondem às honras ou à cadeia. Mas isto, em vez de educar e
sociedade é o de sua defesa, pode-se dizer que esse objetivo foi melhorar o indivíduo, apenas o estimula à luta egoísta, para ga-
96 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
nhar a própria vantagem e evitar o próprio dano. E é lógico que mentira e também dessa hipocrisia da qual falávamos agora,
a ética do egocentrismo não possa gerar senão frutos da mesma como meio de defesa da vida. Quem não desenvolveu a inteli-
natureza. Acontece então que o biótipo A3, em vez de levantar gência até esse ínfimo grau de capacidade, ou quem a desen-
o ser do nível A2 para um mais alto plano evolutivo, fica abra- volveu a um tal ponto, que não lhe seja possível retroceder até
çado com ele no mesmo pântano. esse nível, será sempre julgado um deficiente, merecendo e de-
Se o criminoso furta ou mata, faz isso porque a experiência vendo, por isso, ser condenado.
adquirida por ele no ambiente onde nasceu e cresceu lhe ensi- A vida, nos seus níveis mais evoluídos, baseia-se sobre
nou que era mais provável conseguir vencer na vida pelos ata- princípios diferentes. Para quem vive em tais planos, não há
lhos da desordem e da revolta, do que pelo caminho direito e gente fora do castelo dos vencedores, porque todos se ajudam
longo do trabalho e da ordem. E, de fato, a vitória no caminho fraternalmente e sabem que são elementos da mesma unidade
da delinquência, assim como tudo na Terra, depende de inteli- orgânica. Só quando, superando o método atual de desconfi-
gência, poder e recursos. Assim, o criminoso funciona confor- ança, chegarmos à compreensão fraternal, os problemas que
me a ética vigente. Na realidade, quem cai na rede das leis é o hoje nos atormentam poderão ser resolvidos. O sistema da lu-
delinquente simplório, desarmado, isolado e sem recursos, des- ta em vigor é contraproducente. A severidade das penas de-
provido de inteligência ou mentalmente doente. A rede em ge- monstra a fraqueza dos dominadores, pois é fruto do temor de
ral pega somente os peixes fracos e pequenos. Os grandes tuba- que os rebeldes avancem contra o poder. Até há poucos anos,
rões lhe escapam. O lema é: “A lei é igual para todos”, ao qual a justiça dava, como exemplo educador, espetáculo público,
alguns acrescentam: “os simplórios”. punindo ou matando os criminosos. E o povo corria para ver.
E o que acontece, depois, com esse criminoso que a lei con- Mas o exemplo educador que se passava na realidade era o
segue agarrar? Com uma pública e solene demonstração de jus- escândalo, muito apreciado e procurado. E, quanto mais feroz
tiça nos tribunais, isolam-se esses sujeitos por um período de o espetáculo, tanto mais gente corria para gozar de tão sabore-
tempo arbitrário nas cadeias. Que faz o preso? Ele continua re- ado petisco. Claro que assim se realizava uma educação às
agindo ainda mais contra a sociedade, que, depois de haver ge- avessas, porque o povo, além de aprender a arte do crime,
rado os ambientes onde tudo isto pôde nascer, agora pune o fru- também aprendia que este se torna legítimo quando é cometi-
to deles com a prisão. O indivíduo vai morar num ambiente sa- do por quem tem o poder nas mãos. Assim, todos ficavam sa-
turado de criminalidade, onde mesmo quem nunca houvesse si- tisfeitos: 1) Os chefes, porque acreditavam dar um exemplo
do delinquente seria levado a tornar-se tal. Escola às avessas. E, de sua força, confirmando o seu domínio; 2) Os juízes, por-
quando ele terminar esse curso de mau exemplo e de revolta in- que, agradando ao seu senhor e mostrando o seu poder, forta-
terior, a sociedade o considera curado, aceitando de novo em leciam a sua posição, ao mesmo tempo em que a pública en-
seu seio aquele indivíduo, que se tornou pior, porque a pena cenação da justiça tranquilizava a sua consciência, porque tu-
não convence, mas atormenta e gera nova revolta. Isto, do pon- do se havia realizado com o consentimento de todos, endosso
to de vista educativo, revela uma grande ignorância. Explica-se, universal que as legitimava, deixando as condenações dentro
porém, porquanto é fruto do passado, quando os segredos da dos limites da lei e da ética; 3) O povo, porque podia estudar a
psicologia humana eram desconhecidos e vigorava uma ética arte de matar o próximo e vingar-se, além do que, com tão
atrasada, fruto descontrolado do subconsciente instintivo. apetitoso espetáculo de ferocidade, seguindo a sua ética de lu-
O resultado lógico de tudo isto é que a delinquência conti- ta, também podia satisfazer o seu instinto de agressividade e
nua como um câncer social permanente, o que revela a impo- destruição, qualidades do involuído. Deste modo, todos fica-
tência dos métodos atuais para a solução do problema. Quando vam satisfeitos juntos, chefes, juízes e povo, cada um encon-
uma doença não se cura, isto se atribui em geral à ignorância do trando a sua utilidade particular, podendo assim, unidos, liber-
médico. Temos assim a medicina repressiva. Mas a doença, em tarem-se de um inimigo comum, sem ter de enfrentar qualquer
vez de uma fera a ser domada com a força, é antes um processo perigo, porque se tratava de um fraco vencido.
lógico, que se penetra com a inteligência. A substância da pena- Eis qual é, brevemente resumido, o jogo das ações e reações
logia é constituída por uma luta armada entre ações e reações entre o tipo A3 e o A2 e vice-versa.
da mesma natureza. Isto não significa que defendemos o crimi- ◘ ◘ ◘
noso. Queremos apenas reconhecer que, enquanto esse método Observemos agora o 2o caso, isto é, quando a maioria, que
vigorar, nunca poderá acabar a luta recíproca entre o biótipo A3 faz a lei para si, dirige-se aos superiores evoluídos. Como o
e o A2. Seria necessário antes de tudo educar os educadores. O biótipo A3, hoje dono do planeta, trata o biótipo A4, que excep-
método da luta não pode gerar senão luta. Da guerra só pode cionalmente aparece na Terra? Estudemos agora o jogo de
nascer guerra. Seria necessário acabar com esse método, procu- ações e reações recíprocas entre estes dois biótipos. Se esco-
rando compreender e ajudar, em vez de condenar e reprimir, re- lhermos como ponto de referência a posição A3, dada pelo ho-
conhecendo que não se pode eliminar o direito à vida, sem que mem comum, o ser do nível A4 nos aparecerá como um tipo de
esta ressurja torcida em outra forma. Em vez de se ocupar em super-homem, evolutivamente mais adiantado. Mas, se esco-
cobrir a realidade com um manto de hipocrisia, falando de jus- lhermos como ponto de referência a posição A4, o homem co-
tiça, quando, na realidade, trata-se apenas da própria defesa na mum, situado no nível A3, nos aparecerá como um involuído,
luta, seria necessário enfrentar o problema mais honestamente, evolutivamente mais atrasado. Este é o sentido que demos, nes-
usando de sinceridade para resolvê-lo, a fim de eliminar os am- te livro e nos precedentes, às palavras evoluído e involuído, es-
bientes onde nasce o mal, cuidando dos criminosos através da colhendo como ponto de referência a posição ocupada pelo
educação e fazendo desaparecer assim as causas do fenômeno. homem atual na escala da evolução.
Dado o seu nível biológico, toda a nossa vida social se ba- Cada uma dessas duas posições traz consigo a sua forma
seia não na compreensão e na colaboração, mas sim na rivali- mental, assim como a sua correlativa ética e particular lei de
dade e na luta. No entanto, com tais métodos, o problema das conduta, bem diferentes, das quais já falamos bastante. O evo-
relações sociais não pode ser resolvido. O criminoso luta contra luído desejaria que sua ética regesse a vida neste mundo. Mas
as leis, que são as armas dos seus inimigos naturais, com uma sua ética não é a mesma do biótipo dominante. Disto, então,
estratégia mais ou menos perfeita e poderosa, como qualquer nasce o choque. Ao involuído não interessa nada se o outro é
guerreiro lutaria contra outros guerreiros. Desse modo a inteli- evolutivamente superior. Com a forma mental do seu plano e
gência se desenvolve, mas no sentido das astúcias e enganos, sua ética, ele sabe que o evoluído representa um caso isolado
por caminhos oblíquos. Explica-se assim a função biológica da ou uma pequena minoria e, por isso, não tem direito algum; sa-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 97
be que aquele tipo não está armado, não usa a força e, na práti- De fato, pelo caminho percorrido, o evoluído chegou a criar
ca, é um fraco, um covarde, um vencido, somente com a fun- instintos diferentes, de modo que, para ele, é natural e fácil tudo
ção de obedecer. Só a quem possui a força para dominar per- o que para o involuído é esforço difícil (virtudes, altruísmo, inte-
tencem todos os direitos. Mas o evoluído não pode de maneira ligência, atividade etc.), enquanto é difícil tudo o que é fácil, ins-
nenhuma viver conforme uma lei que, para ele, é de ferocida- tintivo e, às vezes, irresistível para o involuído (ataque e defesa,
de. Pela sua própria natureza, ele não pode impor ao mundo, egoísmo, ignorância, ócio etc.). Para um selvagem, é facílimo es-
com o método da força ou do direito armado, a sua ética, feita calar uma árvore, correr vários quilômetros ou viver na mata en-
de compreensão e bondade. Ninguém quer nada dele, e não há tre as feras. Seria, porém, muito difícil proferir uma palestra, es-
lugar para ele no mundo, onde ele pode ser apenas um excluí- crever um livro, trabalhar em escritórios ou viver num aparta-
do, colocado fora da vida. mento. E vice-versa também. Que problema sério, se um tivesse
Os dois tipos de personalidade são tão diferentes, que uma que mudar para o ambiente do outro! Evoluído e involuído se re-
parece o emborcamento da outra. Esclareçamos com um exem- pelem reciprocamente. Um não se adapta a viver a vida do outro.
plo. O evoluído encontra-se completamente deslocado no am- O evoluído é evangélico, fraternal e compreensivo, para co-
biente humano, tal como um homem civilizado que tivesse de operar. Ele usa sua força e inteligência para lutar não contra os
morar numa aldeia de antropófagos. Ele teria que de se adaptar seus semelhantes, mas sim contra a sua animalidade, para atin-
muito para sobreviver num tal ambiente. Tudo o que é natural e gir a sua sublimação. Ele aparece no mundo como um anjo, cu-
justo para os selvagens, não o seria para ele. Que faria um ho- ja lei natural é o Evangelho. Mas a lei dos outros é diferente.
mem das nossas cidades se, ao sair do seu apartamento, visse Ele, que dá tudo, ama e perdoa, não pode neste mundo ser se-
que era hábito normal, em vez de cumprimentar o vizinho, não espoliado e desprezado. Tal mundo, depois de haver tirado
agredi-lo para matá-lo e cozinhá-lo, a fim de devorá-lo no al- dele toda e qualquer possível vantagem egoísta, repele-o desde-
moço? Da mesma forma, o evoluído fica horrorizado quando vê nhosamente, como se faz com um fruto espremido. O involuído
que, em nosso mundo, é lícito e comum, na prática, violar as se interessa pelo próximo para tirar proveito dele, enquanto o
leis penais, civis, religiosas e morais, enganando e esmagando o evoluído o faz para beneficiá-lo, ajudando-o a subir. Apesar
próximo mais fraco, para se aproveitar dele, visando somente a disso, uma vez que o evoluído caiu no plano inferior da anima-
própria vantagem egoísta e semeando ruína ao seu redor. lidade humana, ele tem de suportar o choque com a lei deste
É isto que o involuído, mesmo preservando as aparências, plano. Mas é como se a vida quisesse expulsá-lo deste mundo,
faz na substância, mas não por maldade, e sim por sua nature- que não é o seu. Esta é a história de Cristo e de todos que o se-
za, porque esta é a lei do seu plano, a sua ética espontânea. Pa- guem. O encontro entre os dois planos de vida não pode acabar
ra ele, as qualidades de bondade do evoluído são ingenuidade senão no martírio do evoluído. O involuído quer expelir do seu
condenável e fraqueza inadmissível, porque no mundo valem a reino o estrangeiro. E é a este que está confiada a função de
força e a astúcia, que levam à vitória. Quem não atinge essa fi- ajudar na evolução do mundo! Assim, quem trabalha e sofre pa-
nalidade não tem valor, é considerado coisa negativa e contra- ra salvar o mundo é por ele explorado e atormentado. Custa ca-
producente, o que se chama com muito respeito de loucura dos ro ser evoluído de verdade, e quem segue esse caminho só por
santos. Assim o evoluído é julgado um menino grande e inex- vaidade não pode deixar de fracassar ao primeiro passo.
periente, um utopista que vive de sonhos e fora da realidade. A Para a ciência, o evoluído é um anormal. Trata-se de um
conclusão imediata do involuído é que o evoluído constitui um princípio aceito em psicopatologia que é psiquicamente doente
simplório cuja fraqueza é justo aproveitar e explorar. Assim o indivíduo rebelde ao ambiente, provido de forma mental dife-
são a ética e a forma mental do involuído, com as quais ele rente da maioria, enquanto é psiquicamente são o indivíduo que
concebe as coisas e das quais não sabe fugir. E tal fuga não se- se adapta, ajustando-se ao ambiente, com forma mental seme-
rá possível, senão quando ele conseguir evoluir, subindo para lhante à vigorante na coletividade. Então o ponto de referência
um mais adiantado plano de vida. de todo o julgamento, a unidade de medida para todos, é a mas-
O problema é subir, e não julgar-se, por orgulho, mais adi- sa da maioria, que representa o modelo do biótipo ideal. Essa
antado, sem o ser de verdade. Quem, em seu nível atual, renun- igualdade entre os conceitos de ambiente, maioria e valor do
cia à sua própria supervalorização? Isto faz parte da forma men- indivíduo nivela todos no mesmo plano, expelindo os que são
tal do ser deste plano, correspondendo ao seu impulso egocên- de outra medida, seja para mais ou para menos. Eis como são
trico e instinto de luta. Ao contrário, reconhece-se o ser verda- repelidos tanto os biótipos A4, os mais adiantados, como o os
deiramente adiantado pelo seu constante dinamismo construtor, biótipos A2, os mais atrasados. É como se um sábio fosse morar
pela ausência de negatividade, pela sua bondade e inteligência. num hospital de doenças mentais, onde a normalidade da maio-
Como se trata de valores reais do evoluído, a consequência ló- ria é a loucura, e, para não ser expulso como louco, tivesse que
gica é a ausência de orgulho. Quem é de fato superior não pre- se tornar louco. Trata-se, porém, de um ser superior, que com-
cisa inchar-se de ar para aparecer maior, porque já o é e, por is- preende e julga a loucura de todos os outros, procurando, pelo
so, fica espontaneamente humilde. O evoluído é fundamental- contrário, ajudá-los a voltar à razão, mas que não pode, de ma-
mente honesto. Não pode, por isso, aceitar os métodos da men- neira nenhuma, adaptar-se àquele ambiente de loucos. Esse é o
tira e do engano vigorantes no mundo. Tudo isto é lógico, pois choque e o jogo de ações e reações entre esses biótipos que per-
ele se encontra mais próximo do S e mais afastado do AS. O tencem a níveis evolutivos diferentes.
problema para o involuído não é procurar sinceramente não fa-
zer o mal, mas sim conseguir escondê-lo com a astúcia, en- IX. DETERMINISMO DA LEI
quanto procura fazê-lo para atingir a sua própria vantagem. Ele
não usa o intelecto no sentido de obedecer às leis para viver na Continuemos desenvolvendo o nosso tema, para cumprir a
ordem, que representa a vantagem de todos, mas sim para esca- tarefa de demonstrar cada vez melhor o funcionamento da Lei
par delas, evitando suas sanções. Para quem está maduro para aos que amadureceram a inteligência para compreender e
viver no estado orgânico de verdadeira sociedade humana, é aprender a arte da conduta certa, o único caminho que nos pode
duro ter de viver num estado caótico de egocentrismos desen- levar à felicidade.
cadeados. Indivíduos desse tipo biológico, no plano de vida do Procuraremos agora expor um quadro mais completo do fe-
evoluído, seriam isolados como criminosos, porque, nesse ní- nômeno da evolução, para melhor entendermos o segredo da
vel, é absurda e inadmissível a conduta descontrolada da ética sua técnica, estrutura e significação profunda. Na sua substân-
do subconsciente, vigente em nosso mundo. cia, a evolução é representada pelo caminho que vai do AS para
98 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
o S, isto é, de um estado que tem todas as características do princípio da usurpação à força, para fugir à ordem estabelecida
primeiro para um estado que possui as do segundo. Para o ser, pelo princípio do justo merecimento. O pecado que leva para
as características que mais interessam, porque mais de perto o uma felicidade emborcada no engano é o desejo de chegar a ela
toca, são a dor, qualidade do AS, e a felicidade, qualidade do S. ilegitimamente, furtando-a, ao invés de legitimamente, mere-
Estes dois fatores são importantes porque representam os im- cendo-a. O que emborca todo o processo em prejuízo do ho-
pulsos fundamentais que impelem o ser, repelido pela dor e mem, e não a seu favor, é somente o seu método errado. O en-
atraído pela felicidade, a cumprir o esforço que lhe é necessário gano que ele lamenta está no modo escolhido por ele. Quando
para subir do AS para o S. De fato, o impulso que mais movi- um erro está nas premissas, não pode deixar de aparecer tam-
menta o ser neste seu duro caminho é a carência e, por isso, a bém nos resultados. Ninguém pode impedir que o efeito seja de
desesperada procura da felicidade. Este seu anseio responde a natureza idêntica à da causa. O absurdo que o homem quer rea-
um ímpeto instintivo e irrefreável, devido a um vazio, à falta de lizar e que ele, na sua ignorância, não compreende está no fato
alguma coisa imensa e indispensável, que por certo o ser possu- de querer chegar a possuir uma qualidade pertencente ao S,
ía no S, mas depois foi perdida. Este seu anseio prova que se usando métodos que a negam, e não os do S. Os métodos do
trata de algo que ele conhecia bem, mas que agora não possui AS, pela sua própria natureza, não podem levar senão ao oposto
mais, da qual, porém, lembra-se e sente infinita saudade. do objetivo almejado. É claro que uma alegria arrancada à força
A involução, produto da queda, foi um movimento em dire- ou com o engano não pode produzir senão veneno. Se o homem
ção errada, porque procurou a felicidade às avessas, isto é, não fosse inteligente, deveria compreender a simples lógica de tudo
na obediência, mas na revolta. É lógico então que, com tal mé- isto. Mas a ignorância também é uma qualidade do AS, onde
todo, por esse caminho emborcado, o ser não pudesse chegar ele está situado. A sua astúcia é a esperteza do ignorante, que
senão ao resultado inverso, ou seja, à dor, exatamente o contrá- termina em loucura. Explica-se, assim, como ele prefira praticar
rio da felicidade. Ora, o endireitamento desse processo involu- o absurdo de procurar a felicidade, usando métodos que o fa-
tivo se faz através da evolução, que representa o caminho na di- zem encontrar o sofrimento.
reção certa, o único capaz de recuperar a felicidade perdida. O homem é livre para fazer o que quiser, mas nada pode
Qual é então a posição do homem atual a este respeito? To- impedir que permaneça vigorando o inviolável princípio da Lei
dos lamentam que, na Terra, a felicidade seja inatingível e se pelo qual, com a injusta usurpação, não se pode conquistar feli-
resolva numa ilusão. Por que razão o prêmio, depois de tanta cidade. Apesar de, na superfície, dominar e parecer vencer o
luta e corrida, deve ser somente a amargura desse engano? Por princípio da força e da astúcia, o que de fato continua domi-
que motivo o homem tem de ser traído no seu maior anseio? nando e vencendo na substância, contra toda a vontade humana,
Somente com a teoria da queda isto se explica. é a lei de Deus, pelo princípio do merecimento e da justiça.
No S, o ser era feliz. Com a revolta, ele transformou a feli- Quem quer evadir-se disso, leva consigo a autopunição, porque
cidade de que gozava no S na sua infelicidade no AS. Explica- acaba na ilusão. A Lei permanece sempre perfeitamente lógica,
se assim, e é lógico, o seu desejo de voltar à felicidade de ori- e o absurdo fica nas mãos do homem que assim desejou.
gem e de fugir da dor em que caiu, condição na qual ele revela Mas a sabedoria da Lei não se esgota somente com a per-
a sua natureza de cidadão do S, agora desterrado no AS, de on- feição de sua lógica. Ela não deixa o ser abandonado, perdido
de quer fugir para voltar à sua pátria, o S. em sua ignorância, mas sabe, para o bem dele, extrair daquela
Há, porém, também o fato de que esse cidadão está abisma- ignorância toda a vantagem possível. O método das ilusões
do no AS e possui, por isso, sua respectiva forma mental, dada pode ser útil para impulsionar um ser ignorante, mergulhado
pela revolta, que o leva não para a almejada felicidade, mas sim no AS e guiado pelos seus desastrosos métodos, a voltar, ape-
para a dor. Eis então que o homem se encontra em contradição sar de tudo, ao S, único modo possível para encontrar a alme-
consigo mesmo. Procura uma coisa que deseja desesperada- jada felicidade. O homem deseja a felicidade com todas as su-
mente, no entanto segue o caminho que o leva justamente para as forças, mas não sabe que ela, em razão de nossa insaciabili-
o contrário; quer atingir algo que os métodos utilizados por ele dade, tanto mais se afasta de nós, quanto mais julgamos tê-la
impedem-no de alcançar. Ele quer chegar à felicidade, mas, ao atingido e possuí-la. Parece que ela quer fugir de nós, como
invés de utilizar as qualidades construtivas do S, que são de uma miragem, de propósito, só para nos impulsionar numa
obediência na ordem, usa o método da revolta, que é qualidade contínua corrida, mantendo-nos numa constante procura de al-
destrutiva, pertencente ao AS. É a mesma coisa que querer abrir go que nunca conseguimos encontrar.
uma porta empurrando-a no sentido em que ela se fecha, ao in- Eis então que a ilusão produz um resultado útil, que é esta
vés de puxá-la no sentido em que ela se abre. O mal está todo corrida, impelindo o ser insatisfeito sempre para a frente no
no princípio errado do emborcamento que o ser, com a revolta, caminho da tentativa, da experimentação, da aprendizagem e,
introduziu na sua existência. Foi assim que, ao lado da perfeita por fim, da evolução. Então a sabedoria da Lei deixa o método
lógica do S, pôde nascer este absurdo pelo qual, para satisfazer da ignorância, que quer uma felicidade furtada à força, funcio-
o seu legítimo instinto de felicidade, que só pode ser encontrada nar livremente, não para chegar a esta, mas para atingir um ob-
no S, o homem usa a sua forma mental errada, própria do AS, e jetivo muito mais útil, que é evoluir, ou seja, aproximar-se cada
é levado para o sofrimento. Como pode então o seu esforço pa- vez mais da verdadeira felicidade, a qual somente poderá ser
ra procurar a felicidade atingir o seu objetivo? É lógico que encontrada no fim do caminho evolutivo, com o regresso ao S.
conduza ao seu contrário, como de fato acontece. Eis por que o O resultado final é que o ser, porquanto seu verdadeiro bem se
homem lamenta que a felicidade na Terra seja inatingível e que encontra detrás da ilusão, realiza assim a atividade necessária
sua busca é uma ilusão. Mas é lógico que, quando procuramos para evoluir. O fato de seu anseio para conquistar a felicidade
uma coisa em sentido emborcado, não seja possível encontrá-la não o levar a atingi-la, sendo apenas um meio para impulsioná-
senão em posição emborcada, isto é, o seu inverso. O erro não lo a evoluir, pode parecer um amargo engano, no entanto, na
está na estrutura do sistema do universo, mas somente no ho- substância, representa não somente um engano justo, porque
mem, no seu espírito de revolta, no fato de querer ele usar a merecido, mas também um saudável meio de redenção, pelo
psicologia do AS. É lógico que um processo absurdo acabe no qual o ser, sofrendo as consequências do uso dos métodos do
absurdo, e assim, neste caso, a procura da felicidade se resolva AS, passa da ignorância à sabedoria, o que significa assumir
num engano e gere dor, ao invés de felicidade. uma conduta correta e, com isso, alcançar a sua salvação.
O que de fato vemos acontecer no mundo é que o homem Assim o absurdo desta tão contraproducente conduta huma-
quer substituir o seu eu a Deus, a sua lei à Dele, utilizando o na resolve-se, na estrutura da Lei, numa lógica perfeita. Como
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 99
consequência da queda, tornam-se inevitáveis a cegueira e a ig- dos é um roubo à justiça da Lei, produto de uma violação, fruto
norância do ser. Isto faz parte da lógica da Lei, porque estas são não merecido, representando um desequilíbrio que é necessário
qualidades do AS, onde o ser caiu. É lógico que o ser, vivendo depois equilibrar novamente. O que se obtém desse modo não é
nos níveis mais baixos da evolução, deva ficar mergulhado nas vantagem, porquanto não é prêmio ao qual se tem direito, ga-
trevas e que, aí, o caminho da verdadeira felicidade, por ser nho pelo trabalho, mas sim empréstimo usurpado, a ser devol-
desconhecido, deva ser descoberto por tentativas, único método vido à justiça da Lei. É uma dívida a pagar, representando o pe-
para quem está no escuro. Assim, quanto mais o ser é involuí- rigoso resultado da ignorância e da inconsciência humana.
do, mais numerosos e mais graves são os erros que ele comete. Compreender esse fato seria o remédio para atingir o objetivo
A tais erros correspondem sofrimentos e choques proporciona- da evolução, que o homem ainda tem de realizar.
dos, que, através das consequentes dores, constituem experiên- A posição é dura e difícil, pois o desejo do cidadão do S,
cias iluminadoras, para ensinar cada vez mais o ser a evitá-los. agora decaído no AS, é grande, e não há meio para satisfazê-
Assim, automaticamente, o ser, atraído pela miragem de uma lo. Na Terra, o homem, em vez de encontrar a satisfação ver-
felicidade que está ainda bem longe, é levado pelo sofrimento a dadeira para saciar-se, encontra apenas ilusões que aumentam
aprender e evoluir, eliminando com isso a ignorância, o erro e a a sua insatisfação. Ele é como um viajante morrendo de sede
dor. O homem perseguirá em vão a miragem da felicidade, até num deserto. Aqui ou acolá, aparece uma fonte que o convida
compreender onde está o truque e não cair mais nele, pois terá a beber. Mas depois ele se apercebe que dela não jorra senão
entendido que o método errado, por sua própria natureza, não engano e veneno. Para acalmar a sua sede ele procura beber
pode, como é lógico, gerar senão ilusão e sofrimento. Então mais, porém, quanto mais bebe, tanto mais se envenena. É o
compreenderá que o seu justo desejo de felicidade somente po- gozo dos entorpecentes, que levam à ruína e, mesmo assim,
de ser satisfeito, sem enganos, na ordem da Lei, seguindo os são usados sempre mais. É nutrimento fingido, que não sacia
métodos direitos do S, e não os emborcados do AS. a fome; é satisfação ilusória, que não tira o desejo. É a embri-
Eis que, no final das contas, a cruel traição da ilusão repre- aguez do bêbado, felicidade emborcada em descida, que não
senta apenas um saudável remédio e a dor, que parece uma mal- pode acabar senão no sofrimento. Assim, enquanto procura
dade de Deus ou pelo menos um erro no sistema da Lei, existe subir para a felicidade, o homem desce para a dor; dura, mas
apenas para ser automaticamente destruída, envolvida num pro- santa dor, porque é o único meio pelo qual é possível recupe-
cesso de autoeliminação. Na substância, o engano e a dor nada rar os valores imperecíveis do S.
mais são do que uma escola para aprendermos a nos libertar des- ◘ ◘ ◘
se mesmo engano e dessa mesma dor. A pior traição seria se o Procuremos agora, como há pouco mencionamos, expor um
homem, em vez de um engano, encontrasse neste mundo a ver- quadro mais completo do fenômeno da evolução, sobretudo no
dadeira felicidade e ficasse satisfeito, pois isto significaria para- que se refere ao caminho do ser no seu esforço para subir, mo-
lisar a sua evolução, fazendo-o permanecer para sempre estacio- vido pelo desejo de felicidade, descrevendo as resistências e as
nário nos mais baixos níveis de vida, sem possibilidade de sal- ajudas que ele encontra neste seu caminho, resultantes da ação
vação. O homem rebela-se porque o sofrimento e o esforço para e reação dos vários impulsos e forças exercidos mutuamente
sair dele têm de ser seus. Mas isto é lógico e justo, pois, como a entre o ser e a Lei, nas diferentes alturas evolutivas atingidas.
desobediência foi do ser, dele também têm de ser as consequên- Observaremos tal processo no seu aspecto geral, isto é, como
cias. Veremos a função do esforço do ser como elemento cons- destruição da negatividade, produto da queda, e como recons-
trutor de evolução. E isto não somente é lógico e justo, mas trução da positividade, produto do esforço do ser no seu traba-
também expressa a bondade e a ajuda de Deus, porque, sem este lho de redenção. Voltamos assim à nossa figura, para entender
constrangimento indireto para subir, não haveria capacidade de a substância do fenômeno evolutivo, que, como consequência e
redenção. Assim, por seguir demais os atalhos que conduzem a compensação do processo involutivo devido à queda, represen-
uma felicidade-engano, o ser acaba descobrindo os caminhos tado pela gênese do triângulo verde, consiste no endireitamento
que levam à verdadeira felicidade. Somente com uma completa deste processo, levando à reconstrução do triângulo vermelho.
reforma de sua forma mental atual, trabalho difícil, poderá ele Nesta análise, encontraremos também novas confirmações da
subir para um nível de existência mais alto e feliz. teoria da queda, sustentada em nosso livro O Sistema. A forma
Esta é então a atual posição do homem. Apesar de, no seu gráfica de nossa figura nos será útil, porque ela pode dar aos
mundo, a felicidade ser um absurdo inatingível, ele guarda con- conceitos uma expressão mais concreta e evidente.
sigo esse desejo e permanece procurando-a. Porém, com a sua Analisamos no Cap. VII o caso em que o ser se lança por
forma mental de revolta, própria do AS, o homem tenta arran- caminhos laterais à linha da Lei, observando como ela reage
cá-la à força ou furtá-la com a astúcia. Assim, este jogo absur- para endireitar tais desvios. Estudamos assim a técnica da cor-
do, no qual ele acredita, em vez de levá-lo para a almejada feli- reção do erro pela dor. Observaremos agora como se realiza,
cidade, onde ele possa satisfazer-se, termina por conduzi-lo à pelo mesmo princípio do regresso depois do afastamento, a
ilusão, que aumenta a sua fome. Com isto, a busca se intensifi- técnica da retificação do emborcamento devido à revolta no
ca e a luta se faz sempre mais dura e feroz, até que, por fim, o caso do desvio maior, resultado da queda do S no AS. Em ou-
homem acaba transformando a Terra num inferno de pelejas tras palavras, examinaremos a mecânica do processo da evolu-
desapiedadas, que representam não somente a sua autopunição, ção ou reconstrução do S.
mas também a escola para lhe ensinar o verdadeiro caminho da Veremos, neste processo, funcionarem forças favoráveis, de
felicidade, reformando assim a sua forma mental, pela qual ele sinal positivo, provenientes do S, como ajuda de Deus, e forças
é levado para aquele erro e os respectivos sofrimentos. A sua contrárias, de sinal negativo, que, procedendo do AS, resistem
atual posição se constitui nessa corrida para aprender e evoluir. para obstaculizar a evolução. Veremos o ser avançar, com o seu
Isto é a única coisa que o homem de hoje, perseguindo as suas esforço, no caminho da evolução, em meio a esta luta entre as
miragens, fruto da sua ignorância, sabe e pode fazer. forças do bem (S) e as do mal (AS), cada uma dificultando a
Tudo isto é efeito inevitável da psicologia dentro da qual o outra e procurando prevalecer para paralisá-la. O valor desses
homem atual está preso, que o leva a pensar errado, fazendo-o impulsos será expresso na figura pela superfície dos respectivos
acreditar na possibilidade de resolver os seus problemas vio- campos de força que o ser conquista e domina à medida que vai
lando ou enganando a lei de Deus. Mas o resultado de tudo é subindo, em proporção ao nível evolutivo. Trata-se da subida
somente o seu sofrimento, que lhe é útil para evoluir. Seria ne- para o S, o que significa a reconstrução dos seus valores, para-
cessário compreender que a felicidade atingida com tais méto- lelamente à destruição dos valores do AS.
100 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
Neste processo, os campos de força da positividade, que ex- tornou-se máximo na linha ZZ1, a segunda fase constitui um
pressam os valores do S, aumentam cada vez mais, dilatando- processo de endireitamento, onde o que antes era mínimo (o S
se, enquanto os campos de força da negatividade, que expres- no ponto Y) torna-se máximo na linha WW 1 e o que era má-
sam os valores do AS, diminuem cada vez mais, contraindo-se, ximo (o AS na linha ZZ1) torna-se mínimo no ponto X. Essa
isto conforme a maior ou menor proximidade do S, ou do AS. segunda fase, na qual se dá o endireitamento, representa o que
Por sua vez, esses campos de força também constituem um tipo é comumente denominado de evolução, redenção ou salvação.
de campo gravitacional, que tanto mais atrai para o S, ou para o Ela consiste em reabsorver, neutralizar e aniquilar o AS – fru-
AS, e prende no seu terreno o ser, quanto mais ele está próximo to da revolta e da consequente queda, fonte de todos os males
deles. Isto pelo fato de que esses campos são tanto mais pode- e dores – devolvendo, purificado por haver superado o cami-
rosos quanto mais estão situados perto da sua respectiva base, S nho de regresso, o ser ao S, onde ele pode encontrar o bem e a
ou AS, onde se apoiam. Assim como, através da revolta, o ser felicidade. O que mais nos interessa estudar neste volume é
caiu do campo gravitacional do S no do AS, ele tem agora, com esta segunda parte do fenômeno, porque se trata de nossa fase
o seu esforço para evoluir, de sair do campo gravitacional do atual, que estabelece qual deve ser a nossa conduta e a ética
AS e subir para voltar ao S. Trata-se de uma progressiva con- para dirigi-la, da qual depende a nossa salvação.
quista de impulsos favoráveis à subida, tanto mais poderosos Em resumo, se olharmos para a figura, veremos que, tal
quanto mais o ser se aproxima do S, e de uma paralela liberta- como, no movimento de descida, o triângulo vermelho do S vai
ção para fora do domínio dos impulsos contrários, que tanto diminuindo, até o campo de forças da positividade desaparecer,
mais se enfraquecem quanto mais o ser subiu para longe do AS. e o triângulo verde do AS vai aumentando, até o campo de for-
Para compreender melhor, observemos a figura. ças da negatividade atingir sua plenitude, assim também, no
Vemos nela dois triângulos, um vermelho e positivo, movimento de subida, o triângulo vermelho do S vai aumen-
WW1Y, representando o S, e outro verde e negativo, ZZ 1X, tando, até o campo de forças da positividade voltar à sua pleni-
representando o AS. Antes da queda, o S (+) se encontra na tude, e o triângulo verde do AS vai diminuindo, até o campo de
sua plenitude, expressa pela linha vermelha WW 1. Na descida forças da negatividade resultar aniquilado e desaparecer. Dessa
ao longo da linha verde XY, que representa a queda ou pro- forma, se o processo da involução consistiu na transformação
cesso involutivo, a plenitude do S, representada na forma do da positividade em negatividade, então o processo da evolução
referido triângulo vermelho emborcado, vai-se contraindo e consiste na transformação da negatividade em positividade. A
retraindo cada vez mais, até se reduzir apenas a um ponto: Y. superfície coberta pelos dois triângulos nos expressa o sinal e a
Paralelamente, no mesmo processo de descida ao longo da li- extensão do campo de forças de cada um deles nos diferentes
nha XY, no qual se dá a destruição do triângulo vermelho do graus de desenvolvimento do fenômeno, bem como sua pro-
S, foi construído o triângulo verde do AS, que, do ponto X, gressiva transformação, pela qual vemos o terreno da negativi-
foi-se cada vez mais dilatando e ampliando, até atingir a sua dade se contrair, e o da positividade se dilatar.
plenitude, expressa pela linha ZZ 1. Ora, o fato de serem diferentes as amplitudes dos dois
O processo inverso acontece no caminho da evolução, que é campos de forças, tanto o positivo do S como o negativo do
o nosso atual e estamos estudando agora. A função deste proces- AS, nos diversos níveis da escala evolutiva, significa que,
so, oposta à do precedente, é endireitar tudo, destruindo o que quanto mais o ser sobe para o alto, tanto mais poderoso se
foi construído e reconstruindo o que foi destruído. Aqui não se manifesta o impulso positivo do bem em seu favor e mais fra-
trata da descida ao longo da linha verde XY, que representa a fa- co se torna o negativo do mal contra ele, e que, vice-versa,
se da queda, mas da subida ao longo da linha vermelha YX, que quanto mais o ser se encontra em baixo, tanto mais fraco se
representa a fase da salvação. Agora o fenômeno não se encon- manifesta o impulso positivo do bem em seu favor e mais po-
tra mais na sua fase de afastamento, ou ida do S para o AS, mas deroso se torna o negativo do mal contra ele. A figura nos ex-
na sua fase de aproximação, ou regresso do AS para o S. pressa as diferentes extensões dos dois campos de forças em
Neste segundo período, é destruído o triângulo verde do AS, cada ponto da escala, permitindo-nos medir o valor desses
que foi construído no primeiro período, e é reconstruído o tri- impulsos, ou seja, o poder das forças de atração ou repulsão
ângulo vermelho do S, que, naquele período, foi destruído. O que agem sobre o ser, tanto para o bem como para o mal, con-
processo se desenvolve às avessas, porque o ser, em vez de per- forme o seu nível na escala da evolução, que estabelece a sua
correr em descida, do S para o AS, a linha verde da involução posição pela proximidade do S, ou do AS.
XY, percorre em subida, do AS para o S, a linha vermelha da Começa neste ponto a tornar-se possível focalizar o valor
evolução YX. Ocorre agora que, no início do processo evoluti- dos vários elementos que encontramos funcionando no fenô-
vo, o AS (−) se encontra na sua plenitude, expressa pela linha meno da evolução. Não há dúvida que este é movido por suas
verde ZZ1. Ora, inversamente ao caso precedente, esta plenitu- próprias forças – tanto de atração da parte do S, como de re-
de do AS vai-se contraindo cada vez mais, até se reduzir apenas pulsão da parte do AS – cuja ação impulsiona o ser num sen-
a um ponto: X, que representa a sua anulação. Ao mesmo tem- tido ou noutro e é expressa na figura pela extensão dos cam-
po, porém, acontece que o S, do ponto Y, ao qual ele foi redu- pos de forças, conforme a posição ocupada por ele ao longo
zido, vai-se dilatando cada vez mais, até voltar à sua plenitude, da escala evolutiva. Ora, esta é a parte determinística do fe-
expressa pela linha vermelha WW1. nômeno, representada pela sua própria estrutura, devida aos
Se, no primeiro caso, dado pela queda ou involução, a es- princípios e à vontade da Lei, que o rege. Esta é a parte que
pinha dorsal do fenômeno era a linha verde XY, agora, neste pertence a Deus, feita por Ele, fruto da Sua Sabedoria e bon-
segundo caso, a espinha dorsal do fenômeno é a linha verme- dade salvadora. É a parte na qual o ser está preso e da qual,
lha YX. Os mencionados campos de força colocam-se ao lado para impedir a destruição de tudo pelo louco uso que o ser fez
dessas duas linhas, cobrindo diferentes superfícies dos dois da sua liberdade, ninguém pode fugir.
triângulos, tanto para o vermelho do S, no sentido da positivi- Além desta parte determinística do fenômeno, a qual per-
dade, como para o verde do AS, no sentido da negatividade, tence a Deus e na qual o ser tem de obedecer, há outra parte li-
conforme a fase atravessada (destruição ou reconstrução) e a vre, que pertence ao ser, onde ele é dono dos seus movimentos.
posição atingida pelo ser no seu caminho. Assim como a pri- Assim como um peixe, mesmo sendo livre para mover-se num
meira fase do fenômeno constituiu um processo de emborca- rio, não pode ultrapassar suas margens, o ser é livre para se
mento, onde o que antes era máximo (o S em WW 1) tornou-se movimentar à vontade, mas permanece sempre enclausurado
mínimo no ponto Y e o que era mínimo (o AS no ponto X) dentro dos princípios da Lei, sem poder sair deles. Assim a obra
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 101
da salvação não está confiada apenas à sabedoria da Lei, que di- O ser está livre para realizar anarquia, mas apenas para si
rige o fenômeno no seu conjunto e lhe garante o sucesso, mas próprio, porquanto não se pode gerar o caos na Lei, que perma-
também ao ser. Este, assim, é convidado a tomar parte ativa na nece inviolável e inatingível, acima de toda tentativa de desor-
obra da sua salvação, que ele tem de conquistar com a sua boa dem. O ser está inexoravelmente fechado dentro do esquema
vontade e esforço, ao qual é proporcional, como é justo pelo estabelecido por Deus em Sua Lei. Ele é livre para oscilar à
merecimento, a ajuda de Deus. A liberdade do ser rebelde e vontade do positivo ao negativo e ao contrário, podendo em-
louco assim como a ignorância do decaído estão contidas den- borcar ou endireitar um campo de força e os respectivos triân-
tro dos limites impostos pela sabedoria da Lei, para impedi-lo gulos no outro, mas não pode, porque ele próprio o estabeleceu
de se perder. Dentro destes limites, tudo o mais está confiado como consequência da revolta, sair deste caminho e criar cam-
ao ser, para que ele suba com suas próprias pernas. pos de forças e triângulos novos. Uma vez que o ser se envol-
O trabalho da evolução se realiza, então, por intermédio de veu no ciclo queda-salvação, involução-evolução, ele não pode
uma combinação da vontade determinística da Lei e do livre sair dos campos de forças destes dois triângulos, ligados entre
arbítrio do ser, ou seja, pela mútua colaboração entre Deus e a si pelo seu valor inverso e complementar, como dois momentos
criatura. É a Lei que estabelece a regra do jogo, mas quem o jo- do mesmo processo ou duas formas (positiva e negativa) da
ga, com seu risco e perigo, é o ser. De sua parte, o homem vai mesma substância, condição que estabelece entre eles uma
indo ao acaso, experimentando por tentativas e batendo a cabe- equivalência fundamental, da qual representam duas posições
ça por todos os lados, sem qualquer outro recurso para se auto- diferentes (S e AS), o que torna possível a transformação de
dirigir senão a dor, que é o aviso utilizado pela Lei para infor- uma na outra. Eis quais são os recíprocos limites do determi-
má-lo do erro, convidando-o a corrigir o seu próprio caminho. nismo da Lei e da liberdade do ser.
Assim, ele somente acabará com o seu sofrimento, quando se Resolvido este problema, continuemos observando a visão,
corrigir, por ter aprendido toda a lição. Procuramos aqui obser- para ver de onde e como nascem esses impulsos de atração e
var e aprender as regras desse jogo, para jogá-lo não com a es- repulsão que agem sobre o ser, como acabamos de ver. Pode-
túpida inteligência dos astutos, mas com a inteligência honesta remos ver assim qual é a primeira origem dessas forças que,
dos evoluídos, porque esta é a única que, sem ofender a Lei provindo do determinismo da Lei, praticamente amarram a li-
com o erro, não provoca a sua reação de dor. berdade do ser à necessidade da superação da crise da queda e,
Observemos ainda mais o fenômeno, para compreendê-lo com isso, à necessidade da sua salvação.
melhor. Quando digo observemos, quero dizer que, neste mo- A involução é o processo de transformação dos valores
mento, tenho perante os olhos, bem focalizada, a visão do pro- positivos do S nos negativos do AS. A evolução é o processo
cesso explicado aqui por mim, para que o leitor possa ver co- inverso, de transformação dos valores negativos do AS nos
migo esta mesma visão da resposta às minhas dúvidas e per- positivos do S. As duas posições limites do fenômeno são re-
guntas. Como atuam então sobre o ser esses impulsos de atra- presentadas, no primeiro caso, pela linha (+) do S, WW 1, e pe-
ção e repulsão de que falamos? Até onde vão, de um lado, o lo ponto (–) do AS, X, e, no segundo, pelo ponto (+) do S, Y,
poder determinístico da Lei e, de outro lado, a liberdade do ser? e pela linha (–) do AS, ZZ1. Onde o + é máximo, o – tem de
O desenvolvimento dos diferentes campos de forças, positi- ser mínimo. E, ao contrário, onde o + é mínimo, o – tem de
vos ou negativos, que vimos realizarem-se na formação ou des- ser máximo. O ser pode deslocar-se de um limite para o outro,
truição dos dois triângulos, verde e vermelho, é devido a dois mas não pode superá-los. Esta é a regra que rege o fenômeno,
fatores: 1o) No processo da involução, tornou-se eficiente e ati- o determinismo encarregado de canalizar a liberdade do ser
vo o campo de forças negativas, representado pela superfície do para o caminho da sua salvação.
triângulo verde do AS, isto porque, do outro lado, proporcio- Constatamos então que, assim como, no processo involuti-
nalmente, tornou-se latente e potencial o campo de forças posi- vo, a construção do triângulo negativo do AS foi feita à custa
tivas, representado pela superfície do triângulo vermelho do S; da destruição do triângulo positivo do S, também no processo
2o) No processo da evolução, torna-se latente e potencial o evolutivo, a construção do triângulo positivo do S deve cor-
campo de forças negativas, representado pela superfície do tri- responder à destruição do triângulo negativo do AS. O que
ângulo verde do AS, isto porque, do outro lado, proporcional- aparece de um lado desaparece do outro. A construção é para-
mente, tornou-se eficiente e ativo o campo de forças positivas, lela e proporcionada à destruição, quase consequência dela.
representado pela superfície do triângulo vermelho do S. Isso faz pensar, como há pouco dizíamos, em uma equivalên-
Vemos então que existe uma compensação automática entre cia, sendo possível se dizer que o material para a nova cons-
esses dois processos, emborcamento e endireitamento, destrui- trução tenha sido fornecido pela destruição dos valores de si-
ção e reconstrução, que são inversos e complementares, porque nal oposto. Trata-se de inversão, e não de gênese, porque tudo
constituídos por valores e momentos opostos e equivalentes, de o que se ganha de um lado, como positividade, tem de ser
modo que da morte de um nasce a vida do outro, e vice-versa. subtraído à negatividade do outro, e vice-versa.
Podemos ver então até onde domina o determinismo da Lei, de Fica evidente que existe um princípio de complementarida-
um lado, e a liberdade do ser, de outro. O ser, com a sua liber- de e compensação, com o qual podemos não somente compre-
dade, não pode agir senão dentro dos limites estabelecidos pela ender a razão da proporcional diferença de extensão dos dois
Lei para esse emborcamento e endireitamento. Na sua liberda- campos de forças opostos, S e AS, mas também encontrar o que
de, o ser domina somente o terreno de sua existência, mas não procurávamos, ou seja, descobrir qual é a primeira origem dos
pode sair dele. Ele pode obedecer ou rebelar-se à Lei, semeando referidos impulsos de atração e repulsão, que tão grande poder
para si felicidade ou sofrimento; pode transformar o sinal de possuem na direção do fenômeno evolutivo.
seu campo de forças de positivo em negativo com a revolta, in- Ora, é lógico que, por esse princípio de complementarida-
voluindo, ou de negativo em positivo com a obediência, evolu- de e compensação, cada desenvolvimento e aumento de um
indo; pode transformar o seu paraíso num inferno, ou o seu in- lado deve gerar uma retrocesso e uma diminuição do lado
ferno num paraíso; pode variar a sua posição dentro do que já oposto, vazio que, pela comunicação existente entre os dois
existe, mas não pode sair dos modelos feitos por Deus e dos campos de forças de sinais contrários e segundo o mesmo
princípios que tudo regem, estabelecidos por Ele. O ser não po- princípio de equilíbrio vigorante entre dois vasos comunican-
de agir ou modificar nada senão dentro dos limites determina- tes, representa, de um lado, um poder de aspiração e um im-
dos pela Lei, não lhe sendo possível criar algo novo nem des- pulso de regresso para encher tal vazio e, do outro, concomi-
truir coisa alguma, o que cabe somente a Deus. tantemente, um correspondente acúmulo e sobrecarga, de on-
102 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
de surge, pelo mesmo princípio, a necessidade de alívio, ge- bida e evidente vontade de salvação, implícita no plano geral da
rando um novo impulso, que reforça o precedente. criação e independente do que acontecesse. Esta é a forma na
Apliquemos agora esse princípio ao caso da evolução, para qual se manifesta a ajuda de Deus, que vai ao encontro da cria-
compreender a causa do seu início. Se, no fundo do processo in- tura perdida para salvá-la, em vez de se revoltar contra ela para
volutivo (ZZ1), encontramos a plenitude da negatividade do AS puni-la. Auxílio que se manifesta em forma de absoluta fatali-
e a máxima carência de positividade do S (ponto Y), também dade, com um jogo de forças do qual o ser não pode fugir, por-
temos aí um estado de saturação ou saciedade máxima de nega- que, se pudesse, ele acabaria por se perder definitivamente e,
tividade (isto é, de todas as suas qualidades), associado a um es- com isso, a obra de Deus estaria falida.
tado de falta ou fome máxima de positividade (isto é, de todas as Tal ajuda, sempre respeitando a liberdade do ser, sabe exa-
suas qualidades). É no fundo das trevas do inferno que é máxi- tamente como impor a ele sua salvação, porque fala a linguagem
mo o anseio da luz e do paraíso. Deus é vida, e esta tanto mais do seu interesse, com as palavras convincentes da felicidade e
faz falta quanto mais o ser se afastou Dele. A criatura rebelde do sofrimento, que são entendidas por todos e constituem meios
não se tornou outro ser pela queda. Ele permaneceu sempre o persuasivos para impelir irresistivelmente o processo da revolta
mesmo ser que morava no S. A diferença está somente no fato ao endireitamento. A máxima negatividade que encontramos
de que, agora, ele perdeu as qualidades que possuía ali. Elas neste ponto significa a plenitude de todas as tristes qualidades
ainda continuam presentes, mas na sua posição de negatividade, do AS, onde triunfa o sofrimento que mais repele, do qual todos
como carências, como um vazio que ficou no lugar delas. procuram fugir. Carência de positividade quer dizer falta de to-
Neste ponto, o determinismo da Lei, automaticamente, impe- das as preciosas qualidades do S, onde triunfa a felicidade que
le o ser para inverter o caminho e seguir no sentido da subida. mais atrai, da qual todos procuram aproximar-se. Como pode o
Pode-se observar que este ponto, pelo fato de ser o mais afasta- ser persistir numa revolta que sempre mais o afasta do que ele
do, constitui a posição onde é menos ativa e menos funciona a mais almeja? Como pode o ser não reagir de alguma forma à in-
força de atração do S. Mas nem por isso desaparece a ação do S. satisfação do seu instinto fundamental, que quer a felicidade?
Ele continua funcionando aqui, mas em posição emborcada, ou Ao longo do caminho em descida da queda, este fato se torna
seja, não positivamente, através da sua presença e da manifesta- cada vez mais duro e pesado. No fundo da queda, é máximo o
ção de suas qualidades, mas negativamente, através da sua au- estado de envenenamento pelo AS e de fome do S. Mas eis que,
sência e da supressão de suas respectivas qualidades. neste ponto, o pior do processo, chega automaticamente a ajuda
Temos então duas forças convergentes no mesmo sentido: de Deus, da qual o ser mais precisa para a sua salvação, porque é
1) A plenitude da negatividade do AS, com um corresponden- neste momento que ele se encontra mais afastado de Deus. É as-
te estado de saturação e saciedade máxima das respectivas sim que, por si mesmo, o milagre se realiza exatamente no ponto
qualidades, que age como impulso de repulsão; 2) A máxima em que, com a revolta, o rebelde, conseguindo construir o seu
carência de positividade do S, com um correspondente estado AS, realizou a plenitude da sua vitória contra o S. Pela estrutura
de falta e fome máxima das respectivas qualidades, que age da Lei, é a própria natureza negativa do caminho percorrido que
como impulso de atração. A primeira condição, de repulsão, impulsiona fatalmente o rebelde a contradizer-se, renegando a
leva o ser a se afastar para longe do AS; a segunda, de atra- sua revolta, a fim de regressar ao S e a Deus.
ção, leva o ser a se aproximar do S. Isto é possível porque, como há pouco mencionamos, as
É justamente no fundo da descida involutiva, onde o im- forças do S não foram destruídas com a revolta, mas sim res-
pulso da revolta atinge a sua plena realização, que o impulso tringidas em sua ação, tornando-se latentes e potenciais, como
do S, isto é, a presença ativa de Deus, manifesta-se igualmen- se tivessem sido comprimidas, estando, por isso, tão mais pron-
te em todo o seu poder. No ponto em que o processo da invo- tas a ricochetear para trás, quanto mais fossem comprimidas pe-
lução atinge a plenitude da negação do S com o triunfo do AS, la vitória do termo oposto, para devolverem seus impulsos
Deus opera, ainda mais presente pela sua ausência: o silêncio acumulados e se reintegrarem em toda a sua potencialidade. Es-
acusa a falta da Sua voz, as trevas invocam a Sua luz, o ódio e sas forças não são exteriores, mas sim interiores ao ser. Em vez
o desespero choram o Seu amor e felicidade. A revolta trouxe de constrangê-lo com uma atuação de fora para dentro, elas
consigo, automaticamente, a sua condenação, com a qual o ser constituem os próprios impulsos do ser, fazendo parte da sua
se puniu com suas próprias mãos. Isto porque, ao renegar natureza. Funcionam através de seus instintos, que não podem
Deus e fugir do S, o ser nega sua própria vida e foge da sua ser apagados e estabelecem anseios permanentes, num convite
felicidade, o que significa cair na morte e no sofrimento. A tão enérgico e persuasivo, que ninguém sabe fugir a ele. Agora
revolta foi um suicídio, uma tentativa de autodestruição. Mas que observamos e entendemos tudo isto, podemos compreender
é lógico, fatal e irresistível que o maior anseio de quem tentou como se iniciou, depois da descida, o caminho da subida e iden-
se destruir e caiu no fundo da morte seja recuperar a vida, re- tificar as causas determinantes do fenômeno da evolução.
construindo tudo o que foi destruído e reconquistando tudo o
que foi perdido. Eis como o próprio impulso da negatividade X. DINÂMICA DO PROCESSO EVOLUTIVO
do AS impele para a positividade do S.
Esta é a estrutura do fenômeno involução-evolução, queda- Observamos no capítulo precedente de onde e como nasceu
salvação, onde tudo se desenvolve como consequência necessária a evolução, identificando quais foram as causas que, no fundo
(inerente ao determinismo da Lei) do esquema originário conce- da descida involutiva, determinaram o princípio desse novo
bido por Deus na Sua criação. A sabedoria de Deus, que tinha processo. Continuaremos agora observando a mecânica da
previsto a possibilidade da revolta, havia colocado no seio do evolução, porém não mais no seu início, e sim ao longo do seu
impulso da queda a semente da salvação, de modo que, quando o desenvolvimento.
processo do emborcamento atingisse o seu desenvolvimento má- Vimos funcionar paralelamente, de um lado, o determi-
ximo proporcionalmente ao impulso recebido pela revolta, ele nismo da Lei e, do outro, a liberdade do ser. Notamos então
não poderia deixar de continuar a se emborcar no sentido oposto, que essa liberdade está contida e enclausurada dentro dos li-
endireitando-se. Na ignorância em que caiu, o ser não se aperce- mites impostos pelos princípios da Lei. O problema, porém,
be que, nem mesmo com a revolta e a queda, ele nunca pode fu- foi encarado apenas na sua posição estática, para ver até aon-
gir das mãos de Deus e do poder soberano do S. de se estende o campo de ação de cada um dos dois termos.
A presença desse impulso automático para a subida, coloca- Assim, observaremos novamente o mesmo problema, porém
do neste ponto pelo determinismo da Lei, revela uma preconce- agora de um outro ponto de vista, examinando como se trans-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 103
formam a cada passo, ao longo do desenvolvimento do pro- momento em que foi concebida por Deus. Nada pode sair da
cesso evolutivo, as posições desses dois termos e, com isso, a Lei, que representa o pensamento e a vontade de Deus. Foi o
relação que vimos existir entre eles. ser que ficou preso nas consequências fatais da sua própria re-
Já sabemos que o determinismo é qualidade do AS, enquanto volta, não havendo outro remédio, para sanear o que está esta-
a liberdade é qualidade do S. Disto decorre que, assim como, belecido, senão outro tanto de obediência.
devido à queda, o ser perdeu a liberdade e caiu no determinismo, Eis então que, seguindo o fenômeno da evolução, podemos
ele, na subida, quanto mais evoluir, tanto mais terá, ao contrário, observar a progressiva transformação de um universo de tipo
de perder as qualidades do AS e assumir as do S. Assim, com a AS num outro, de tipo S. Assim como, devido à revolta, a posi-
evolução, vai-se transformando cada vez mais a manifestação da tividade do S, com todas as suas qualidades, transformou-se em
Lei a respeito do ser, no sentido de que, quanto mais ele se afas- negatividade, com as respectivas qualidades, agora, com a evo-
ta do AS, tanto mais se enfraquece para ele o princípio do de- lução, a negatividade do AS, com todas as suas qualidades, tem
terminismo e, ao contrário, quanto mais ele se aproxima do S, de se transformar em positividade, com as respectivas qualida-
tanto mais se fortalece para ele o oposto princípio da liberdade. des. Na subida, a natureza dos valores e o poder dos impulsos
Em outras palavras, com a evolução, a liberdade do ser vai fi- em ação vão-se transformando. Assim, diminuem cada vez
cando sempre menos enclausurada dentro dos limites impostos mais o mal, o caos, a revolta, o ódio, a ignorância, o sofrimen-
pelo princípio determinístico da Lei. Isto, porém, não significa to, a morte, o determinismo, o inferno da matéria, até desapare-
que a Lei seja uma coisa ou outra. Ela é ambas, porque é tudo. É cerem completamente, aparecendo no lugar deles o bem, a
liberdade no momento em que ela é S, mas é determinismo no harmonia, a obediência, o amor, o conhecimento, a felicidade, a
momento em que ela é AS. Com a queda, não é a Lei que muda, vida eterna, a liberdade, o paraíso no espírito. Por isso a evolu-
mas sim a posição que o ser assume dentro dela, e é conforme ção significa desenvolvimento de inteligência, superação da
essa posição que a Lei se manifesta numa forma ou noutra. dor, conquista de vida, liberdade e felicidade. Assim o ser vai
Por que razão acontece isto? Haverá um significado mais ficando cada vez mais independente e autônomo, tornando-se
profundo? A visão nos mostra ainda mais. Continuemos obser- paralelamente, como convém a quem compreende, sempre mais
vando. A evolução representa o regresso do ser ao seu estado responsável, menos constrangido à obediência e mais conven-
de origem, que é a liberdade do S. É por isso que a evolução cido da sua utilidade, o que faz dele um colaborador cada vez
representa uma contínua conquista de liberdade e amplitude de mais consciente e espontâneo de Deus na obra da salvação. A
movimento. Tão logo o ser faça um esforço para subir, a Lei compreensão elimina cada vez mais a necessidade do constran-
está sempre pronta a retribuir, o que constitui uma ajuda de gimento. O esforço do ser para evoluir é premiado a cada passo
Deus, mostrando que Ele está sempre disposto a ir ao seu en- pela conquista de um correspondente adiantamento, o que sig-
contro. Isto Deus faz sem prejuízo para o ser, deixando preva- nifica uma vida com melhores condições, mais aberta, consci-
lecer o Seu impulso de bondade apenas agora, quando se tor- ente, livre e poderosa, vantagens das quais o ser é levado a usu-
nou possível, enquanto não o era no momento em que o ser es- fruir cada vez mais, participando como dono, e não mais como
tava envolvido em sua revolta e ignorância de cidadão do AS. escravo, nas diretrizes da Lei.
Podemos ver assim a maravilhosa sabedoria da Lei, que, com Assim tudo vai-se transformando. Mas, observando esse fe-
tanta previdência e providência, sabe tornar-se determinística nômeno da evolução, eis que aparece outra qualidade sua. A fe-
nos baixos níveis de existência, onde é necessário tirar a liber- licidade e a velocidade da subida não são sempre iguais ao lon-
dade ao ser, pois ele não sabe fazer dela senão mau uso para se go do caminho do seu desenvolvimento, mas diferentes nos vá-
perder, mas que a devolve, tão logo passe o perigo de prejuízo rios níveis atingidos. Cada passo dado para frente representa a
para o ser, porque ele, adquirindo conhecimento e tornando-se conquista de uma posição mais adiantada, o que significa en-
mais consciente, pode agora dar garantia de que não se arrui- contrar-se na possibilidade de enfrentar e resolver o problema
nará, se a liberdade lhe for concedida. da subida com mais poderosos recursos e maior facilidade de
Neste ponto então se revela a bondade de Deus, pois a Lei sucesso. O atual caminho percorrido representa um valor adqui-
foi construída de tal modo, que, em caso de revolta, o rebelde rido pelo ser em seu favor, constituindo um ponto de partida
perde automaticamente a sua liberdade, condição pela qual se mais adiantado para iniciar o futuro caminho, com uma vanta-
estabelece a necessária defesa, porquanto é perigoso, sobretu- gem que se torna sempre maior na evolução. A mesma ampli-
do para ele, deixar-se livre um louco inconsciente. Mas Deus, tude de deslocamento em subida, para ser realizada, exige mai-
na Sua bondade, também construiu a Lei de uma tal forma, que or esforço e custa mais luta num plano baixo de vida do que
o ser, evoluindo, torna-se consciente e, com isso, readquire a num plano mais alto. Os resultados do trabalho por nós realiza-
capacidade de se dirigir por conta própria, após ter aprendido à do no passado representam um capital nosso, acumulado como
sua custa, pagando o erro com a dor, a não violar mais a Lei, resistência, experiência, conhecimento e merecimento, que ten-
merecendo e podendo por isso, sem perigo, tornar-se livre. As- de automaticamente a operar em nosso favor. Cada batalha
sim, todas as qualidades que lhe pertenciam no S e foram per- vencida no passado representa uma força que nos impulsiona
didas na queda voltam a pertencer-lhe, e isto tanto mais quanto para frente, constituindo uma velocidade cada vez maior, ad-
mais, com o seu esforço evolutivo, ele conseguir aproximar-se quirida por nós mesmos, que automaticamente nos levanta para
da sua pátria de origem. o Alto. Com isto, torna-se cada vez mais leve e veloz o passo
Ora, não foi Deus que tirou a liberdade ao ser decaído, mas do viajante e diminuem as asperezas do caminho, que se abre
foi o ser que, querendo emborcar tudo com a revolta, embor- sempre mais amplo e fácil. Alcançando os últimos degraus, a
cou também o S e lançou-se, por si mesmo, no AS, escravi- ascensão então, tal como um projétil, torna-se rápida e irresistí-
zando-se no regime determinístico, sem a liberdade do S. Es- vel, lançando-se para seu objetivo supremo: Deus.
tava implícito no plano da criação, mesmo antes que a revolta No fenômeno da evolução movimenta-se um feixe de ele-
se realizasse, o princípio de que, com a queda, os valores do S mentos. Acima de tudo está a Lei, que, sempre justa, dirige e
teriam de se emborcar nos opostos do AS, transformando a li- regula tudo, retribuindo segundo o merecimento. É verdade
berdade no determinismo. Deus não fez nada no momento da que, no início, o caminho é mais duro, mas isto foi merecido.
queda, pois tudo já estava preparado e previsto desde o primei- Também é verdade que cada esforço realizado por nós deixa em
ro momento da construção da Lei. A mudança foi livremente nossas mãos o seu fruto, enriquecendo-nos, assim, em propor-
feita pelo ser e não pôde ser realizada senão dentro da Lei, ção ao trabalho efetuado, com um capital nosso, que, ao subir-
conforme os princípios pré-estabelecidos nela contidos desde o mos, vai-se acumulando cada vez mais, aumentado pelos ju-
104 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
ros, e isto significa possuirmos valores sempre maiores, repre- tudo se capitaliza, construindo-nos uma preciosa fortuna, se
sentados por qualidades úteis, poderes e recursos em nosso fa- avançarmos para a positividade, e arruinando-nos numa triste
vor. O que conquistamos no sentido da positividade, neutrali- miséria, se caminharmos para a negatividade. Tudo vai-se acu-
zando o seu contrário, alivia-nos cada vez mais do fardo que mulando, sejam créditos ou débitos, que são aumentados por ju-
nos esmagava como negatividade. É necessário, assim, um es- ros favoráveis ou desfavoráveis. Esta é a bagagem com a qual
forço sempre menor para subir, porque o caminho se torna mais viajamos, o nosso patrimônio no banco de Deus, uma proprie-
fácil. Então o fardo pesado e difícil se torna mais leve e fácil, o dade inalienável, que os ladrões não nos podem furtar e que,
inimigo se torna amigo e as resistências caem, transformando- pela justiça da Lei, ninguém nos pode tirar. Se trabalharmos pa-
se num convite. Assim como, na queda, o emborcamento dos ra o bem, enriqueceremos e seremos deslocados para planos de
valores transformou o bem em mal, o endireitamento deles, vida superiores, mais felizes. Se trabalharmos para o mal, em-
com a evolução, transforma o mal em bem. pobreceremos e cairemos em planos de vida inferiores, mais in-
A cada degrau atingido na escala da ascese, muda a posição felizes. Temos nas mãos a chave do nosso destino. Quando o
do ser e mais adiantado é o ponto de partida onde apoia o pé ser, com o seu esforço evolutivo, tiver devolvido à justiça de
para o novo passo. A justiça de Deus é exata como o equilíbrio Deus tudo o que lhe deve, então a mesma justiça devolverá ao
de uma balança. Quanto mais peso de méritos o ser coloca e ser toda a felicidade que lhe pertence.
acumula de um lado, tanto mais em seu favor se levanta o outro ◘ ◘ ◘
prato. A recompensa é garantida na medida precisa do mereci- A dinâmica do processo evolutivo vai se desenvolvendo
mento, em função do caminho percorrido, lutando e sofrendo. através da grande batalha entre a negatividade do AS e a positi-
Quem cai no AS tem de pagar o resgate da escravidão, mas, na vidade do S. Este é o significado do conflito que todos conhe-
medida em que este for pago, a Lei garante a libertação. De fa- cem e que, em todos momentos, está presente dentro de nós: a
to, existem inferno, purgatório e paraíso, que alguns negam luta entre o bem e o mal. Temos, então, neste sistema de forças,
porque não entenderam o verdadeiro sentido destas palavras. dois grandes impulsos: 1) Na plenitude do S, a revolta provo-
Inferno é o AS e paraíso é o S, enquanto o purgatório é o cami- cou o impulso para a negatividade, que vai-se desenvolvendo,
nho que vai do AS para o S, ou seja, a salvação representada sempre mais, com a construção do triângulo verde do AS, até à
pela evolução. À medida que, viajando de forma em forma, o sua plenitude em ZZ1. 2) Na plenitude do AS, encerrado o ciclo
ser vai subindo e ganhando altura, ele entra em planos de vida da queda, começa o impulso para a positividade, que vai-se de-
mais adiantados e felizes, desaparecendo para ele o baixo mun- senvolvendo sempre mais, com a construção do triângulo ver-
do dos involuídos. Embaixo, a existência é bem dura, porque a melho do S, até à sua plenitude em WW1.
luz da compreensão foi apagada nas trevas da ignorância, que é Vimos há pouco que, no momento do início do processo da
tanto maior quanto mais baixo o ser desceu com a queda. Quan- subida, as resistências e, por isso, o esforço em sentido evolu-
to maior a ignorância, tanto maior o erro. E quanto maior o er- tivo são máximos. Isto é devido também ao fato de que, justa-
ro, tanto maior a reação da Lei, ou seja, o necessário choque da mente nesta posição, o primeiro impulso para a positividade
dor, que é proporcional à cegueira e à insensibilidade do ser, (ponto Y) tem de vencer a maciça resistência que oferece a
para fazê-lo decidir-se a dar os primeiros passos no caminho da plenitude da negatividade (linha ZZ1). Mas eis que essa resis-
evolução. Mas eis que, conquistando, através da evolução, a du- tência não paralisa o fenômeno, porque o ponto Y representa o
ra experiência que leva à compreensão da Lei, o ser diminui o momento de maior concentração das energias do S, que estão
erro e, com isso, a reação da Lei, ou seja, o choque da dor, que totalmente comprimidas aí, prontas para entrar em ação, em
se torna sempre menos grosseiro e feroz, fazendo-se mais leve e busca da positividade. Acontece agora o oposto do que aconte-
refinado, como convém a um ser mais sensível e inteligente, ao ceu no momento inicial da descida involutiva. Também no
qual bastam choques muito menos brutais para atingir o objeti- ponto X, o primeiro impulso para a negatividade teve de ven-
vo da Lei, que é impulsionar o ser para frente. É lógico que, pa- cer a resistência máxima, oferecida pela plenitude da positivi-
ra impelir uma pedra, uma árvore, uma fera ou um selvagem a dade em WW1. Mas essa resistência não paralisou o fenômeno
evoluir, os choques necessários devam ser de natureza e violên- da queda, porquanto o ponto X representa o momento da ex-
cia diferentes daqueles que são adequados para fazer avançar plosão da revolta, no qual foi atingida a maior concentração
um evoluído, um gênio e um santo. das energias do AS, que, comprimidas naquele ponto, para en-
Assim a evolução vai cumprindo a sua função de endireita- trar em movimento, estavam prontas como nunca para estourar
mento, pela qual se realiza uma verdadeira catarse do mal em em ação. Afinal de contas, entre a base e o cume de cada um
bem. A queda e a involução mudaram tudo o que era positivo dos dois triângulos, há uma equivalência de potencial cinético,
em negativo. A evolução realiza o processo oposto, endireitan- porque nada se cria e nada se destrói. Em outras palavras, o
do na direção positiva tudo o que foi emborcado ao negativo. que, no início do processo, está concentrado num ponto, em
Neste processo, o ser pode correr à vontade, mas só ao longo substância equivale ao que, no fim do processo, encontra-se
dos trilhos já marcados no esquema da obra de Deus. O ser po- espalhado na plenitude do fenômeno realizado.
de subir ou descer, pode aproximar-se ou afastar-se do caminho Para compreender cada vez melhor o verdadeiro significado
certo da Lei, mas não pode sair das linhas daquele esquema. Ele e a natureza íntima do fenômeno, tão rico de aspectos diferen-
pode abrir ou fechar as janelas do seu mundo para a luz de tes, procuremos agora representá-lo com uma imagem mais
Deus. Lá fora, ela permanecerá sempre resplandecendo da tangível. Quando o ser, com a revolta, procurou separar-se do
mesma forma. Qualquer coisa que o ser queira fazer na sua li- S, nem por isso pôde destruir os liames que o uniam ao S. Po-
berdade, ele terá sempre de aceitar as consequências das suas deríamos então imaginar esse processo de afastamento do ser
ações na moeda viva do seu sofrimento ou felicidade. Com a rebelde do S como um lançamento, do ponto X para o ponto Y,
alegria, recebemos o pagamento dos nossos créditos, enquanto, de uma pedra amarrada a um elástico, que atinge sua tensão
com a dor, temos de pagar os nossos débitos. Quando gozamos, máxima no ponto de chegada Y, apresentando uma contínua
isto pode acontecer porque, perante o direito que nos dá a Lei, tendência de reconduzir a pedra ao ponto de partida X e forne-
estamos recebendo um crédito que foi ganho anteriormente cendo-lhe a energia para cobrir o percurso XY. Que acontece
com o nosso esforço ou, então, no caso contrário, porque esta- ao longo desse caminho? Quanto mais a pedra se afasta do pon-
mos tomando um empréstimo que temos de devolver depois ou, to X, ou seja, quanto mais o ser rebelde se afasta do S, tanto
ainda, porque estamos furtando o que não nos pertence e, as- mais o impulso de origem se enfraquece e a ação contrária do
sim, amontoando dívidas, culpas e danos. Méritos e deméritos, elástico se fortalece, até que, no ponto Y, esgota-se aquele im-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 105
pulso e torna-se máximo o poder de contração do elástico, isto necessário para ele subir, é providencial que também seja má-
é, de reabsorção do movimento para trás, em direção ao ponto xima a ajuda de Deus para salvá-lo. É por isso que, no ponto
de partida. Ao longo do trajeto XY, descarrega-se o impulso de onde este auxílio é mais urgente, porque o perigo é maior, tor-
origem (o lançamento da pedra, a revolta ou o afastamento do na-se máxima a tensão do elástico, que representa a força gravi-
ser) e, proporcionalmente, carrega-se o poder reativo do elásti- tacional exercida pelo S, ou seja, a atração para Deus.
co (a atração exercida por Deus), de modo que, no ponto Y, Às vezes, voltamos aos mesmos problemas já mencionados
funciona ao mínimo a ação da revolta e ao máximo o poder de por nós, e o leitor superficial pode julgar que estamos repetindo.
salvação. É assim, que no ponto onde se esgota a revolta, ime- No entanto, este é o modo pelo qual vamos observando um nível
diatamente se inicia a contrarrevolta. sempre mais profundo. Agora que entendemos ainda melhor qual
Se a construção do triângulo verde representa o processo da é a íntima estrutura do fenômeno involutivo-evolutivo, podemos
expansão do primeiro impulso, constituindo a realização dos compreender como ele se desenvolve no seu caminho de regres-
efeitos daquela primeira causa, a verificação do fenômeno re- so, no qual nos encontramos. Neste período, funcionam duas for-
presenta o enfraquecimento, até a sua neutralização total, da- ças: 1) Uma da parte do ser, através do seu esforço e sofrimento
quele impulso determinante. Por outro lado, a construção do para vencer as resistências e dificuldades do caminho; 2) Outra
triângulo vermelho representa o processo oposto de contração, da parte de Deus, através da Sua vontade salvadora, que se mani-
realizado pelo elástico, até à reabsorção do precedente proces- festa na forma de ajuda para a redenção, a fim de que o ser não
so de expansão, com o aniquilamento completo dos seus efei- perca. Mas o que significam esses dois impulsos, por que surgi-
tos. O esquema universal estava construído de uma tal manei- ram e funcionam, qual é a sua razão de ser e a sua finalidade?
ra, que qualquer afastamento para longe do S geraria uma cor- Voltemos a observar sempre mais atentamente a questão.
respondente atração para ele. Eis a profunda razão do fenôme- No processo involutivo-evolutivo, os dois termos, o ser e Deus,
no da reação da Lei, pelo qual, seja qual for a desobediência e bem como os respectivos impulsos gerados por eles, são opos-
o afastamento do ser, tudo deve automaticamente ser corrigido tos. Se, no caminho da descida XY, o ser vence temporariamen-
e voltar a Deus. A evolução ou salvação representa um proces- te e Deus perde, no caminho da subida YX, o ser perde e Deus
so reativo, e o caso maior é da mesma natureza do menor, que, vence definitivamente. No início desse segundo período, no
como já vimos, refere-se à correção do erro pela dor. Por isso a qual ocorre o regresso, a posição dos dois impulsos é dada, de
evolução se poderia definir como: “o processo reativo maior um lado, pelo esgotamento da afirmação de revolta por parte do
da Lei, para a salvação de nosso universo decaído”. O princí- ser e, do outro, pela tolerância por parte de Deus, que permitiu
pio fundamental, pré-determinado na própria estrutura do fe- tudo isto. A realização do AS em toda a sua plenitude foi atin-
nômeno, é sempre e somente um. gida à custa da paciência de Deus. Mas eis que, no segundo pe-
Eis aí os dois termos em função dos quais se desenvolve todo ríodo, os dois impulsos emborcam suas posições, de modo que,
o processo da queda (descida) e salvação (subida): Deus e o ser. de um lado, o ser, em vez da afirmação da sua revolta, fica com
Trata-se de dois egocentrismos que, antes da revolta, concorda- a paciência da obediência e o dever da disciplina, enquanto, do
vam no S. Deus é o centro em função do qual, fundido na mesma outro lado, Deus triunfa com a vencedora afirmação da Lei.
ordem, funcionava o ser. Com a revolta, o segundo termo fugiu Logicamente, se o caminho da descida foi, para o ser, a rea-
do primeiro, afastando-se dele, para construir às avessas, em vol- lização da sua vontade de desobediência e a vitória da sua re-
ta do seu próprio egocentrismo, outro S, que se tornou um AS. volta, a evolução, posto que a subida representa o emborcamen-
Todavia o rebelde levou consigo apenas uma parte do S, que, do to da descida, deve ser um caminho de disciplina, esforço e so-
outro lado da cisão, permaneceu de pé. Assim o ser, apesar de es- frimento. Por outro lado, é lógico também que, se a descida re-
tar longe do S, continuou a fazer parte dele. Isto quer dizer que o presenta uma momentânea derrota de Deus, a subida constitua a
ser ficou dependente do S, pelo qual tanto mais é atraído para o Sua vitória. Neste período, portanto, é Deus quem, por sua vez,
regresso a Deus, quanto mais afastado estiver dele. prevalece e leva vantagem sobre a vontade rebelde do ser. O
Cada um dos dois termos tem a sua vontade e lança o res- ser, então, que se havia afastado, volta a aproximar-se de Deus,
pectivo impulso. Se no S ambos concordavam, surgiu depois, cuja ausência torna-se sempre mais presença, manifestando ca-
com a revolta, a oposição entre as duas vontades e impulsos. O da vez mais Suas maiores qualidades: a bondade e o amor, que
que antes constituía um único sistema, no qual, à volta do cen- agora tomam a forma de ajuda em benefício do ser. O amor de
tro Deus, a criatura orbitava obediente, cindiu-se em dois sis- Deus, no segundo período, para salvar a criatura, trazendo-a de
temas: um direito, o S, e um emborcado, o AS, tendo o primei- volta a Ele, representa a Sua resposta à revolta com a qual, no
ro por centro Deus, e o segundo por anticentro a criatura rebel- primeiro período, o ser havia manifestado a sua má vontade,
de. Eis que as duas vontades e impulsos permaneceram: a do afastando-se para longe Dele. Tal ajuda é constituída por esse
ser para centralizar tudo em si no AS, e a de Deus para atrair de impulso da parte de Deus para a salvação, como podemos ver
novo o rebelde para dentro do S. Se, no período da involução, o na descida dos profetas e do próprio Cristo, para nos remir e
primeiro impulso venceu e a revolta dividiu, então, no período salvar. Eis como é, no período evolutivo, a posição dos dois
da evolução, o segundo impulso vence e a obediência tem de termos: o ser luta e sofre, enquanto Deus o ajuda.
reunir. Com o primeiro movimento, os dois egocentrismos se Se no primeiro período acontece a expansão do egocentris-
tornam rivais, enquanto, com o segundo, tornam-se amigos. Na mo do ser contra o egocentrismo de Deus, fase que poderíamos
primeira metade do ciclo, Deus permite vencer a vontade sepa- chamar a paixão de Deus, no segundo período triunfa o egocen-
ratista do ser, todavia, na segunda metade, deve prevalecer a trismo de Deus contra a vontade rebelde do ser, que cumpre as-
vontade unificadora de Deus. O esquema do todo foi construído sim sua paixão. Tal como, no primeiro período, o ser, com a re-
de uma tal maneira, que não pode haver caminho de ida sem o volta, saiu da ordem do S, ele tem, neste segundo período, com
correspondente caminho de regresso, pelo qual todo mal tem de a obediência, de regressar àquela ordem. Eis porque à revolta
ser saneado pela correspondente penitência. teve de suceder a disciplina.
Somente assim, não como punição ou vingança de Deus, Neste caso, vigora o mesmo princípio já observados nos ca-
mas por razões mais profundas, pode ser explicado o duro tra- pítulos precedentes a respeito do afastamento lateral para longe
balho da evolução. Trata-se de uma necessidade lógica de equi- da linha da Lei. A linha XY, que se afasta em descida do S,
líbrio e de bondade, porque o impulso de atração de Deus para equivale à linha NN1, que se afasta lateralmente da linha da Lei.
a salvação se concentra e se manifesta automaticamente no Ambas representam um afastamento do ser pela trajetória do er-
ponto Y, onde, sendo máximos o sofrimento do ser e o esforço ro, produto da desobediência. A linha YX, que volta em subida
106 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
ao S, equivale à linha N1N, que volta lateralmente à linha da Continuemos observando a dinâmica do processo evoluti-
Lei. Ambas representam para o ser o fatigante trabalho do re- vo. Eis, em síntese, a posição do ser no ponto onde tal pro-
gresso, a penitência de recuperação, a correção do erro pela dor. cesso se inicia.
Eis a razão pela qual a evolução é uma dura luta de conquista, Na linha base da figura, isto é, no nível zero da subida, te-
que exige esforço e sofrimento. mos, nas duas posições (–) e (+), os seguintes elementos:
Que acontece então com o desenvolvimento do processo 1) Máximo poder das forças negativas, pela extensão má-
evolutivo ao longo do caminho da evolução? Neste percurso, os xima (ZZ1) do seu campo verde, na plenitude do AS.
dois impulsos se transformam: 1) Assim como, no primeiro pe- 2) Mínimo poder das forças positivas, pela extensão mínima
ríodo, o ser realizou a culpa da revolta, no segundo, reabsorven- (ponto Y) do seu campo vermelho, na anulação do S.
do aquele impulso na obediência, ele, através da dor, paga o pe- 3) Realização máxima de todas as qualidades negativas do AS.
cado e se redime. Desse modo, subindo com o seu esforço, o ser 4) Carência máxima de todas as qualidades positivas do S.
cada vez mais conquista as qualidades positivas do S e se liberta 5) Máximo poder de resistência do AS contra o regresso
do fardo das negativas do AS, abrindo sempre mais as portas por evolutivo.
onde pode entrar a ajuda de Deus. 2) Por outro lado, assim co- 6) Máxima dificuldade para vencer a resistência do AS e,
mo, no primeiro período, dominava o silêncio de Deus, que, jun- por isso, necessidade do esforço máximo da parte do ser.
tamente com Seu amor e ajuda, estava distante da criatura rebel- 7) Estado de máximo sofrimento do ser, mergulhado na ple-
de, no segundo período, a presença de Deus se torna sempre nitude do mal e na completa falta de bem.
mais viva e atual, fornecendo uma ajuda sempre mais poderosa, 8) Estado de máxima reação instintiva e luta do ser contra a
porque, quanto mais o ser se torna apto para receber, tanto mais dor, para fugir da negatividade do AS, e de máximo desejo in-
o amor de Deus, indo ao seu encontro, pode ser por ele recebido. satisfeito de felicidade, isto é, de máximo impulso para recupe-
O resultado destas duas transformações, paralelas e propor- rá-la com a evolução, voltando à positividade do S.
cionais, é uma outra transformação, pela qual os sofrimentos 9) Mínimo poder atual da ajuda de Deus, devido ao Seu es-
vão desaparecendo cada vez mais, dando lugar a uma crescente tado de máxima inatividade ou mínima influência, como impul-
felicidade, que se torna completa no fim, quando a ação salva- so evolutivo direto.
dora de Deus atinge o seu resultado, com o regresso do ser ao 10) Máximo poder potencial da ajuda de Deus, a qual se
S. Já mencionamos alguns pontos mais importantes dessa trans- manifesta emborcada no AS, na forma indireta e negativa de
formação, que leva do determinismo à liberdade, da ignorância sofrimento, devido à Sua ausência, que significa falta de felici-
à compreensão etc., abrangendo todas as qualidades do ser. Es- dade e funciona como um tremendo vazio, cuja reação positiva
te, então, é o resultado final. Mas, seguindo o caminho da evo- é estimular no ser o impulso evolutivo, para fazê-lo regressar
lução, é possível observar as progressivas fases dessa transfor- no caminho da salvação.
mação. Se o processo evolutivo é luta e sofrimento, ele também Esta é a posição do ser no nível zero, ou ponto básico inicial
é conquista de felicidade. Como há pouco dissemos, o ser luta e do processo evolutivo. Neste ponto, a ajuda de Deus, ou atração
sofre, enquanto Deus o ajuda. À medida que o ser, com a dor, para o S, está neutralizada pela plenitude da negatividade do
paga o pecado, Deus recompensa e premia com a felicidade. AS, que domina aí e paralisa qualquer funcionamento, na sua
Ora, se dividirmos a linha YX da evolução nos vários tre- forma de intervenção direta, da positividade do S. A presença
chos correspondentes a cada nível atingido no caminho da as- deste e de Deus não é mais atual, como ação direta, mas apenas
cese, será possível calcular, em proporção ao trajeto percorri- potencial, emborcada na sua posição oposta, constituindo uma
do, qual o peso do esforço e sofrimento que o ser já pagou e ação negativa, que opera por reação, através de caminhos indi-
que ainda tem de pagar pelo seu resgate, obtendo assim o cor- retos, estimulando o esforço do ser para ele realizar o primeiro
respondente peso da felicidade que ele já conquistou e que impulso na subida, o qual tem de ser seu. Eis em que sentido
ainda lhe falta conquistar. Desse modo, a cada passo, conforme dissemos há pouco que “onde é máximo o estado de perdição,
a altura atingida, é possível controlar a posição atingida pelo funciona ao máximo o poder da salvação”. O resultado é que
ser, determinando a correspondente medida da transformação Deus ajuda neste ponto também. Se Ele, na posição normal de
realizada num sentido ou noutro, tanto de prevalência da posi- S, ajuda, usando o Seu método de amor, é lógico que, quando
tividade sobre a negatividade como ao contrário, até ele atingir tem de revelar a Sua presença na posição emborcada do AS,
a completa renovação. Ele também ajude para o bem, mas de modo oposto, usando o
O resultado do deslocamento de baixo para cima é um pro- chicote, que é a forma exigida pelo ambiente.
gressivo aniquilamento das qualidades por nós conhecidas no Neste ponto, portanto, o esforço que o ser tem de cumprir
AS, que são gradativamente substituídas pelas do S. Isto quer é máximo. Explica-se assim por que, aí, as condições de sua
dizer que, com a evolução, o empecilho das dificuldades, o es- existência sejam as mais duras, sendo necessárias para excitar
forço da luta e o peso do sofrimento se tornam cada vez mais a sua reação salvadora, constrangendo-o à força a cumprir tal
leves, tornando menos áspero o caminho, mais fácil o progresso esforço. Há pouco dissemos também que “o ser luta e Deus
e mais rápido o passo. O trecho, que, com tanto esforço, foi ajuda”. Mas o ponto onde o ser tem de lutar mais e Deus dire-
percorrido, facilita o novo caminho para frente. A velocidade tamente menos ajuda, é justamente este no início do processo
adquirida representa um impulso de progresso em nosso poder, evolutivo, onde a ausência da ação direta de Deus deixa o ser
para atingir uma velocidade ainda maior. O ser vai assim cada como se estivesse abandonado, para que, como é justo, no
vez mais acordando na luz que, vindo ao seu encontro, desce do começo, quando ele ainda nada resgatou e nada merece, o es-
Alto. O convite do amor de Deus para o supremo amplexo tor- forço da construção seja todo dele.
na-se cada vez mais vivo e sensível. A distância entre o ser e o Essa posição, porém, no dinamismo do processo evolutivo,
S decresce a cada passo, tornando a atração de Deus cada vez não é uma posição estacionária e definitiva. Ela muda com o
mais poderosa e irresistível, até que, finalmente, o ser cai reab- deslocamento do ser ao longo do caminho da evolução, con-
sorvido na ordem do S em Deus. Então a cisão dualista do uni- forme a proporção alcançada entre aqueles dois termos, de
verso desaparece. O egocentrismo da criatura rebelde volta a gi- modo que, quanto mais o ser, com o seu esforço, progride,
rar em redor do seu verdadeiro centro, que é o egocentrismo de tanto menos ele tem de lutar, porque cada vez mais Deus pode
Deus, unindo-se e fundindo-se novamente, em obediência, ao ajudá-lo. É lógico que assim aconteça, pois a posição embor-
organismo universal regido pela ordem do S. cada do ponto inicial do processo evolutivo, com a realização
◘ ◘ ◘ deste, vai-se endireitando cada vez mais, até os dois termos
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 107
atingirem uma situação reciprocamente oposta à que tinham Eis então, em resumo, o que há pouco explicamos e encon-
naquele ponto de partida. Acontece então que, ao fim do pro- tramos ao nível zero daquele processo. Na plenitude do AS, te-
cesso evolutivo, no momento do regresso ao S, a ajuda de mos máximo poder atual das forças negativas e mínimo das posi-
Deus será completa, com ação total e direta, enquanto a luta e tivas, ou seja, a plenitude das qualidades de caos, matéria, deter-
o esforço do ser terá desaparecido. Por isso pudemos dizer minismo, mal, ignorância, imperfeição, revolta, inferno, ódio, so-
que, com a evolução, o determinismo (chicote) se torna liber- frimento, morte etc., e a carência extrema das qualidades opostas.
dade (amor) e que a subida não só fica cada vez mais fácil, Resistência máxima ao regresso evolutivo. Maior dificuldade a
mas também ganha em velocidade. vencer e, por isso, necessidade de máximo esforço do ser. Sofri-
Estabelecido esse princípio, é lógico chegar à conclusão de mento máximo na plenitude do mal, com a falta do bem, acarre-
que é possível, na dinâmica do processo evolutivo, calcular, em tando a luta mais dura para fugir do primeiro e satisfazer o anseio
cada nível da escala evolutiva, o valor quantitativo das resistên- de recuperar-se no segundo. Falta da ajuda direta de Deus, fican-
cias das forças negativas do AS, contrárias à evolução, e do es- do o peso do trabalho evolutivo totalmente a cargo do ser.
forço que, proporcionalmente, o ser terá de cumprir para supe- Eis, por outro lado, o que se encontra, pelo contrário, no
rá-las, subindo. Da mesma forma, pode-se calcular também, em ponto final do processo evolutivo. Na plenitude do S, há míni-
cada nível, o valor quantitativo das forças positivas do S, favo- mo poder atual das forças negativas e máximo das positivas, ou
ráveis à evolução, e da ajuda que o ser receberá de Deus, para seja, a plenitude das qualidades de ordem, espírito, liberdade,
facilitar sua subida. Outro fator que, ao mesmo tempo, se pode bem, sabedoria, perfeição, obediência, paraíso, amor, felicida-
calcular também é o grau de felicidade atingida (cada vez mai- de, vida etc., e a extrema carência das qualidades opostas. Re-
or) e de dor ainda a suportar (cada vez menor). Veremos assim sistência mínima ao regresso evolutivo. Menor dificuldade a
que, por esse processo de inversão ou endireitamento dos valo- vencer, e, por isso, necessidade mínima de esforço do ser. So-
res emborcados, diminui cada vez mais o fardo de negatividade frimento mínimo devido à plenitude do bem e à ausência do
que o ser tem de carregar e a luta necessária para vencê-la, en- mal, porque foi satisfeito o anseio de recuperar a felicidade
quanto, de outro lado, aumenta cada vez mais, em proporção perdida. Máxima presença da ajuda direta de Deus, minimizan-
inversa, o alívio que o ser, no seu fardo de negatividade, recebe do o trabalho evolutivo a ser cumprido pelo ser.
pelo progressivo potencializar-se da positividade, que represen- Estas são as duas posições, uma nos antípodas da outra,
ta a ajuda e a facilitação para a subida. Quanto mais o ser con- dos dois extremos, o ponto de partida e o ponto final do pro-
segue subir para Deus com o seu esforço, tanto mais Deus pode cesso evolutivo. Quando este houver sido todo realizado, no
descer para ele com o Seu amor. momento do regresso do ser ao S, todas as qualidades da pri-
Este cálculo de valores favoráveis e contrários nos permi- meira posição têm de desaparecer, reabsorvidas e aniquiladas
tirá medir, para cada nível de evolução, até que ponto as for- nas qualidades opostas da segunda posição. Ora, dissemos tu-
ças do S, dirigidas para o alto, conseguiram prevalecer acima do isto não somente para conhecer qual é o conteúdo do fe-
das forças do AS, dirigidas para baixo, neutralizando-as. Será nômeno evolutivo nestes seus dois pontos extremos, mas tam-
possível, assim, medir em que proporção se deu, com a reali- bém para explicar o que tal processo de transformação abran-
zação da evolução, a vitória das primeiras e a derrota das se- ge e realiza, observando sua atuação nos diversos níveis per-
gundas. Conheceremos então, em cada ponto, o valor quanti- corridos e ocupados pelo ser, ao longo dos quais mudam a es-
tativo ou o peso das duas forças opostas, positivas e negativas, trutura e a natureza das suas qualidades.
que se encontram em ação, a favor do ser ou contra ele. Tal é Alcançamos então três resultados:
o dinamismo, sempre em movimento, desse processo. Agora, 1) Sabemos que o fenômeno evolutivo consiste na trans-
podemos conhecer o que mais nos interessa, isto é, qual é, a formação do ser, isto é, das suas qualidades do primeiro grupo,
cada passo, a posição do ser dentro desse dinamismo, que tem agora mencionadas, nas do segundo.
o poder de realizar a sua salvação, transformando-o de perdi- 2) Entre estes dois extremos – a completa negatividade do
do cidadão do AS em feliz filho de Deus, no S. O cálculo des- AS e a completa positividade do S, com as respectivas qualida-
ses valores e a correspondente posição do ser a respeito deles des – é possível, para cada nível de evolução (mudança das
poderão, como veremos, ser expressos graficamente pela ex- qualidades negativas do tipo AS nas positivas do tipo S), esta-
tensão dos diferentes campos de forças que constituem os tri- belecer o grau de transformação realizada pelo trabalho evolu-
ângulos verde e vermelho da nossa figura. tivo do ser e, por conseguinte, conhecer a natureza e o tipo das
A essa altura, é possível vermos todo o conteúdo do fenô- qualidades que ele, no nível onde se encontra, possui.
meno da evolução. Antes de tudo, ele está ligado à necessidade 3) Além de sua natureza, é possível medir o valor quanti-
lógica do endireitamento de tudo quanto foi emborcado, esta- tativo dinâmico dos impulsos que estas qualidades represen-
belecida por um princípio de equilíbrio e justiça, implícito nos tam, tanto no sentido da positividade como no da negativida-
fundamentos de ordem e harmonia da Lei. A este princípio, de, em cada nível de evolução atingido pelo ser. Em outras
que funciona automática e irresistivelmente, deve-se o fato de palavras, além de se estabelecer qual é a natureza das novas
que o ser, uma vez tendo percorrido a primeira parte do ciclo, qualidades que tomam o lugar das velhas, é possível também,
não pode fugir à necessidade de percorrer a segunda parte e re- para cada plano de existência, calcular até que ponto a trans-
alizar, dessa maneira, com o seu esforço, o trabalho de neutra- formação se realizou e medir os respectivos impulsos em ação
lizar, gerando outro tanto bem, o mal que produziu. Está conti- nos diferentes campos de forças.
do na própria estrutura orgânica da Lei o princípio pelo qual É possível, então, dizer que conhecemos o fenômeno evolu-
não é possível realizar um percurso de afastamento, ou traba- tivo, porque conhecemos o valor qualitativo e quantitativo dos
lho de emborcamento, sem ficar amarrado à fatalidade de ter seus elementos constitutivos. Essa transformação do estado de
de percorrer o mesmo caminho e realizar o mesmo trabalho no plenitude da negatividade do AS no seu estado de anulação, com
sentido oposto, cumprindo necessariamente o caminho de re- a paralela e inversa transformação do estado de nulidade da po-
gresso e o trabalho de endireitamento. sitividade do S no seu estado de plenitude, constitui o conteúdo
Estabelecido este outro princípio, é possível então não so- do fenômeno evolutivo, como se encontra expresso graficamen-
mente, como agora dizíamos, medir o valor quantitativo ou peso te em nossa figura. Nela, vemos que o processo evolutivo, ao
da forças em ação nos diversos níveis de evolução, mas também mesmo tempo em que, no seu percurso YX, leva à anulação do
conhecer a natureza delas, identificando a qualidade dos impul- triângulo verde da negatividade, desde a sua amplitude máxima
sos atuantes no transformismo realizado no processo evolutivo. ZZ1, até à mínima no ponto X, leva também à construção do tri-
108 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
ângulo vermelho da positividade, desde a sua amplitude mínima evolução. Poderemos assim ver como se realiza, na dinâmica
no ponto Y, até à sua amplitude máxima WW1. Esse fenômeno do fenômeno evolutivo, o processo da transformação do cam-
evolutivo é o resultado do processo de emborcamento por com- po de forças da negatividade, representado pelo triângulo ver-
pensação entre contrários, pelo qual se esvazia o que estava de do AS, ZXZ1, no campo de forças da positividade, repre-
cheio (AS) e se enche o que estava vazio (S). sentado pelo triângulo vermelho do S, WYW 1, porque esse é o
Vamos assim observando, cada vez mais de perto, as leis que conteúdo do fenômeno evolutivo.
a dinâmica do processo evolutivo tem de, fatalmente, obedecer Para simplificar, nos referiremos, sobretudo, à qualidade
com exatidão topo-cronométrica. Ao revoltar-se, o ser, julgando fundamental de cada campo, ou seja, a negatividade e a positi-
renegar a Deus, renegou a si próprio e, querendo ganhar uma vi- vidade. Já vimos no fim do capítulo precedente qual é, em ter-
da maior, perdeu a própria vida, uma vez que ele, filho da felici- mos de qualidades, o conteúdo de cada uma. Mas o que mais
dade na positividade do S, feito para viver na sua plenitude, não nos interessa agora é conhecer quais são as forças positivas, isto
pode viver sem ela, na oposta e emborcada plenitude da dor na é, favoráveis ao ser, que o ajudam a subir, e quais as negativas,
negatividade do AS. Se o ser, com a revolta, conseguiu apenas isto é, contrárias a ele, que dificultam sua ascensão, para saber
destruir a sua felicidade, cuja falta representa para ele sofrimen- por que razão, com que meio e em que forma e medida as pri-
to mortal, é lógico que automaticamente, pelo seu próprio im- meiras, com a evolução, vão-se transformando nas segundas.
pulso, ele esteja constrangido a fazer todo o esforço para recupe- Isto nos interessa saber porque justamente em função da natu-
rar a felicidade. São os próprios resultados às avessas que o ser reza dessas forças em relação ao ser é que variam, conforme a
alcançou que o constrangem a voltar para trás e regressar ao posição ocupada por ele, não só o esforço a ser realizado para
ponto de partida, retornando a Deus. E tudo foi tão bem predis- vencer as resistências dos impulsos negativos do AS, mas tam-
posto, que, quanto mais o ser insiste na sua posição errada, pro- bém a ajuda que ele recebe da parte dos impulsos positivos do
curando a felicidade às avessas, tanto mais a dor aumenta e a S, para progredir ao longo do caminho da evolução. Poderemos
mordedura da infelicidade o aperta, constrangendo-o assim a assim conhecer, em cada nível de existência e em relação ao
endireitar o seu caminho. O percurso do processo evolutivo está trabalho até ai realizado pelo ser, qual o esforço necessário que
todo marcado como um curso escolar, em cujo programa de de- lhe cabe executar para sobrepujar o impulso exercido pelo AS
senvolvimento o ser tem de aprender, sobretudo, a não errar no sentido de freia-lo e fazê-lo recuar, e qual a ajuda que, no
mais. O triunfo de Deus é fatal e absoluto, estando a maravilho- sentido oposto (S), vem sustentá-lo, impulsionando-o à frente,
sa perfeição do processo no fato de que o ser encontra-se, por si para ele subir até à própria salvação.
próprio, constrangido a realizar a sua salvação com o seu esfor- Olhemos então para a figura e dividamos a linha da evolu-
ço, porque ele não terá paz até regressar ao S. ção YX em graus ou etapas sucessivas, que vão da linha ZYZ 1
Como pode o ser fugir da Lei, se ela estabelece a natureza (AS) à linha WXW 1 (S). Veremos assim, graficamente repre-
dele? Na verdade, o ser, tentando fugir da Lei, de onde não é sentado a cada passo, como se realiza paulatinamente o fenô-
possível sair, conseguiu apenas inverter a si próprio dentro dela, meno da evolução, ou seja, a transformação do AS em S, atra-
ficando numa posição emborcada, de sofrimento, em vez de fe- vés da destruição do triângulo verde da negatividade, ZXZ 1, e
licidade. Ninguém pode sair da Lei nem do poder de Deus, co- da correspondente construção do triângulo vermelho da positi-
mo o ser pensou ser possível com a revolta, e ninguém pode vidade, WYW1. Para simplificar, dividimos o percurso YX
continuar para sempre no caminho do seu emborcamento, que o somente em 5 pontos: A1, A2, A3, A4, A5. Mas é claro que ele
leva contra a sua própria vida. A criatura que deseja apagar pode ser dividido em muitos mais, se quisermos observar o fe-
Deus dentro de si, faz como o filho que, querendo apagar a na- nômeno ainda mais nos seus pormenores. Estes 5 pontos que
tureza do pai dentro de si, outra coisa não consegue senão des- escolhemos bastam para nos dar uma ideia geral do fenômeno
truir-se a si próprio. Com a involução, o universo decaiu na ma- e orientar nossa pesquisa, que cada um poderá continuar de-
téria e, afastando-se de Deus, esvaziou-se das qualidades do S. pois, para estabelecer, em qualquer ponto escolhido ao longo
Com a evolução, o universo tem de reconquistar tudo, recons- do caminho YX, o cálculo do valor das forças contrárias ou fa-
truindo-se no espírito, aproximando-se de novo de Deus e en- voráveis em ação naquela determinada posição, tanto no senti-
chendo-se das qualidades do S, que havia perdido. Dentro da do da negatividade ou resistência das forças do AS contra a
regra geral, que é igual para todos, cada ser obedece à Lei, se- evolução, como no sentido da positividade ou ajuda por parte
guindo, como vemos na vida, o seu caminho particular e espe- das forças do S em favor da evolução. O ser vai lutando entre
cializado, que corresponde à sua natureza e tipo, tal como o ser esses dois impulsos, que o impelem em dois sentidos opostos,
possuía no organismo do S, onde ele deve ser reintegrado, re- e cabe a ele, que está sempre livre, escolher e dirigir-se no sen-
tomando a posição que era ocupada por ele antes da queda. tido de um ou de outro. Com esta pesquisa, será possível cal-
Cumpre-se assim o ciclo completo, que, saindo da plenitude cular qual é o esforço que o ser, colocado entre esses dois im-
na positividade do S, chega, no fim do processo involutivo, à pulsos, tem de cumprir para evoluir, e isto em relação a qual-
plenitude da negatividade do AS e à anulação da positividade, quer nível ou posição atingida por ele, em função do caminho
para, em seguida, ressurgir desta plenitude às avessas, anulan- percorrido e do caminho ainda a percorrer.
do-a, e regressar à originária plenitude da positividade do S. Sempre buscando simplificar e, com isso, ganhar em evi-
dência, o fenômeno da subida será graficamente expresso só
XI. IMPULSOS DA EVOLUÇÃO pela parte da figura que fica no lado esquerdo da linha da evo-
lução YX, porque o outro lado foi utilizado para representar o
Procuremos agora observar mais pormenorizadamente, nas problema dos desvios laterais. Estes são os dois problemas
suas diversas fases de desenvolvimento, a dinâmica do fenô- fundamentais que até agora focalizamos, expressos um de cada
meno evolutivo, confirmando e exemplificando melhor o que lado da nossa figura expressa. É lógico, porém, que a represen-
acima foi exposto, porém agora com uma expressão gráfica tação completa de cada um desses fenômenos deveria esten-
mais evidente, como se encontra em nosso diagrama. Já vimos der-se graficamente, no caso observado, para ambos os lados
qual é a posição das forças positivas e negativas em ação no da linha YX, cobrindo a superfície completa dos dois triângu-
processo evolutivo em seu ponto inicial, verificando que é los, tanto o verde como o vermelho.
possível conhecê-las qualitativamente e medi-las quantitati- Observemos agora as mudanças que se verificam com o de-
vamente. Estudaremos agora as mudanças que ocorrem com senvolvimento do processo evolutivo. No ponto considerado, o
estas forças no seu desenvolvimento ao longo do caminho da poder das forças negativas em ação está expresso na figura pela
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 109
extensão das linhas verdes, enquanto o poder das forças positi- ferença de comprimento entre a linha ZY e a linha A1B (à qual
vas em ação está expresso pela extensão das linhas vermelhas. se reduziram agora a negatividade e a correspondente desvanta-
A primeira posição do fenômeno é representada pelo ponto gem). Então, com o seu trabalho evolutivo, o ser ganhou em
de partida do processo evolutivo, isto é, pela linha verde ZY, vantagem (+) o trecho A1G e se aliviou de parte do peso (–) do
onde é plena a eficiência do AS e máximo o valor das forças trecho ZY, que foi diminuído até ao comprimento A 1B, isto é,
negativas em ação, ficando a positividade representada somente ZY–A1G. Este melhoramento de posição, expresso pela linha
pelo ponto Y, no qual o S se encontra reduzido ao estado laten- A1G, através da diminuição dos impulsos desfavoráveis de ZY
te e o valor das forças positivas em ação é mínimo. até A1B, são devidos ao esforço do ser, YA1. Eis o resultado
O primeiro grau ou etapa atingida na evolução é representa- útil do seu trabalho evolutivo.
do pelo ponto A1. Nesta altura, ao longo do caminho da evolu- Cabe ao ser a tarefa de realizar com o seu esforço a trans-
ção mudou a posição do ser. O seu esforço para percorrer em formação das suas condições de existência, movimentando-se
subida o trajeto YA1 transformou o valor das forças contrárias em subida e executando o processo evolutivo. Mas, ao lado
da negatividade, dado pela extensão da linha verde ZY, em um desse livre poder do ser, há outra parte do fenômeno, represen-
valor menor, expresso pela linha A1B, e, ao mesmo tempo, tada pela luta entre a negatividade e a positividade. Esta é a
transformou o valor das forças favoráveis da positividade, de parte determinística, estabelecida pela lei de Deus, à qual o ser
sua extensão mínima, expressa pelo ponto Y, no valor expresso não pode fugir, resultante do contraste entre os dois impulsos
pela linha A1G. O trecho vermelho coberto por ela representa o opostos, um para baixo (AS) e outro para cima (S). O primeiro
que foi ganho em todas as qualidades próprias da positividade, é representado pelas forças do mal e o segundo, pelas forças do
favoráveis ao ser, que as mereceu com o seu esforço e agora as bem. Mas o ser, apesar de, sem possibilidade de saída, estar si-
possui. O trecho verde A1B, resultante do encurtamento da li- tuado entre estas forças, que vemos sempre em ação, ficou
nha ZY pelo comprimento A1G, representa o alívio devido à com a liberdade da escolha, pela qual ele pode seguir uma ou
diminuição do fardo dos impulsos contrários, dos quais fica, na outra. Deus lhe concedeu o poder de se dirigir à vontade na vi-
nova posição, uma parte menor contra o ser, libertando-o de agem através do oceano que vai do AS para o S, deixando-lhe
uma parte das qualidades negativas do AS, condição atingida o leme nas mãos, tanto menos quanto mais ele é involuído e
pelo ser com seu próprio esforço. inconsciente no início, mas tanto mais quanto mais ele, evolu-
Aqui, desde o seu início, já podemos observar como o pro- indo, torna-se ciente do seu trabalho e posição. É claro que, as-
cesso evolutivo progride em virtude de dois movimentos sim, o progresso não é fruto caído graciosamente do céu, mas
opostos, que convergem, porém, para a mesma finalidade, deve ser conquistado como resultado de uma dura luta. Temos
através do aumento de positividade de um lado e da proporci- de reconhecer, porém, quanto seja justo que todo melhoramen-
onal diminuição de negatividade do outro. Podemos observar to somente possa ser obtido como merecido resultado de um
na figura o crescente aumento da linha vermelha da positivi- correspondente trabalho. Ora, tudo isto nos diz que o ator prin-
dade, cujo comprimento expressa o grau atingido pelo endirei- cipal do processo evolutivo é o próprio ser, que está encarre-
tamento do emborcamento da queda, verificando ao mesmo gado de realizá-lo em seu benefício.
tempo o encurtamento do comprimento da linha verde da ne- No fenômeno da evolução funcionam então três impulsos
gatividade, que representa a parte ainda não corrigida do esta- fundamentais, os quais vemos aqui em ação: 1) O impulso do
do involuído e vai diminuindo cada vez mais. Assim, no de- S; 2) O impulso do AS; 3) O impulso do ser.
senvolvimento do processo evolutivo, vemos realizar-se pro- O jogo de todo esse fenômeno executa-se entre estes três
gressivamente um aumento da parte nova, que representa o S, elementos. A salvação do ser é alcançada através do deslo-
e uma diminuição da parte restante, que representa o AS. Este camento evolutivo realizado pelo seu próprio impulso, cuja
fenômeno continuará assim, até que todo o negativo se haja movimentação se dá livremente entre os outros dois impul-
tornado positivo. E vemos de fato, neste primeiro degrau, que sos, o do S e o do AS, que são determinísticos. Se, com a re-
o valor negativo da linha verde, ZY, é neutralizado até ao volta, o ser quis transformar a sua posição favorável no S, na
ponto B pelo valor positivo da linha vermelha A 1G. desfavorável do AS, é justo que ao esforço do próprio ser
É no seio deste processo evolutivo que vemos desenvolver- caiba, agora, a tarefa de transformar a sua posição desfavorá-
se a luta apocalíptica entre as forças negativas do AS e as posi- vel no AS, na favorável do S.
tivas do S. O ser se encontra no meio desta tempestade, livre ◘ ◘ ◘
para escolher e dirigir-se num sentido ou noutro. Com isso, Tudo isto nos permite aprofundar mais o nosso olhar na vi-
Deus deixou ao ser um poder imenso, permitindo-lhe construir são, que nos mostra a estrutura do fenômeno da queda (involu-
à vontade o seu próprio destino. Mas como isto pode acontecer? ção-evolução) em relação à criação. A Lei permanece sempre o
No desenvolvimento do processo evolutivo, encontramos que ela é, bem como a estrutura do S, que representa a obra ori-
até agora três linhas de forças em ação para a salvação do ser: ginária de Deus. A involução não foi senão uma reação da Lei
1) A linha YA1 das forças movimentadas pelo esforço do contra a revolta perpetrada pelo ser rebelde. De tal ação e rea-
ser para evoluir; ção nasceu aquela obra de anticriação, chamada AS, contrária e
2) A linha A1G das forças positivas do S, ajudando e favo- situada nos antípodas da criação de Deus, a qual permaneceu
recendo a evolução; perfeita e inatingível, acima de qualquer tentativa de alteração.
3) A linha A1B das forças negativas do AS, resistindo e Por isso a revolta dirigida pelo ser contra Deus ricocheteou e,
contrariando a evolução. em vez de atingir a Deus, atingiu ao próprio ser, que se tornou
Graças ao impulso evolutivo realizado pelo ser, as posições um revoltado. Esta é a razão pela qual o AS representa uma
iniciais ZY(–) e Y(+) se movimentam e deslocam-se para uma força desfavorável, que contraria e agride o ser, porquanto o
posição diferente, alcançando o nível A1, onde se transformam impulso constituído pelo AS é da mesma natureza daquele lan-
nas linhas A1B(–) e A1G(+). Desse modo, com o seu esforço çado pelo próprio ser. A revolta lançada contra Deus, volta para
em subida (YA1), o ser muda suas condições de existência e, trás, contra o próprio ser rebelde. É necessário compreender
com isso, ganha em positividade (estado favorável em seu pro- que o AS não é senão o fruto da rebeldia contra o S, fruto este
veito), na medida do valor representado pelo comprimento da que, amadurecido no período involutivo, tornou-se um impulso
linha A1G, mudando, ao mesmo tempo, suas condições, porque de agressão contra o ser, pertencendo agora todo a ele, a quem
se libertou de parte do fardo da negatividade (estado desfavorá- não resta outra alternativa senão recebê-lo em cheio. Mergulha-
vel em seu prejuízo), na medida do valor representado pela di- do agora no AS, que ele mesmo gerou, o ser não pode fugir ao
110 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
choque do ricochete de seu próprio impulso rebelde, pelo qual do grande organismo do todo, regido por princípios absoluta-
será perseguido sem paz, até que ele o tenha neutralizado com o mente determinísticos. A inviolável liberdade do ser consiste no
seu trabalho, em sentido oposto, subindo de novo o caminho fato de ser possível para ele funcionar também de modo diferen-
que percorreu em descida. te. Isto porém, ele não pode fazer senão por sua conta e risco,
Assim, é verdade que o ser tem nas mãos o poder de cons- com perigo de seu próprio dano, tendo depois de pagar com o
truir à vontade o seu próprio destino. Mas também é verdade seu sofrimento as consequências do seu erro. Porque Deus quis
que ele não pode realizar isto senão à sua custa, com o seu duro assim, todos os seres existem, e ninguém pode nem quer deixar
esforço, escalando novamente o monte que ele desceu, vencen- de existir. Mas nada lhes proíbe, se esta for a vontade deles, de
do a resistência dos impulsos contrários do AS (as forças do viverem errados nos níveis, posições e condições de vida da fe-
mal), uma vez que foi por ele próprio movimentando o jogo fa- ra, da árvore ou até mesmo da pedra.
tal das reações punitivas da Lei contra si mesmo. Foi assim que o ser pôde revoltar-se e involuir à vontade.
Observando atentamente a natureza do processo involutivo- Tudo o que Deus podia fazer na Sua criação, para salvar o ser
evolutivo, revelam-se cada vez mais as qualidades de automa- rebelde, já estava previsto e estabelecido antes da queda pelos
tismo e fatalidade do seu funcionamento, que vemos desenvol- princípios da Lei. Ela garante a ajuda em proporção ao esforço
verem-se deterministicamente como consequência necessária que o próprio ser, evoluindo, realiza para se remir. A Lei é be-
das premissas já contidas na Lei. Tais premissas são constituí- nigna, porque se baseia num princípio de bondade e justiça. Por
das pelos princípios nos quais se fundamenta a lei de Deus, es- isso premia a boa vontade, mas não funciona, se o ser, com o
tabelecidos por Ele, quando, nesta forma, construiu aquela seu esforço, não a colocar em movimento. Assim, enquanto o
grande máquina de pensamento, da qual depois tudo derivou. A ser não fizer nada para subir, a Lei se manterá impassível, espe-
vontade de Deus já se encontrava, desde o primeiro inicio da rando. Mesmo que o ser queira ficar no inferno do AS, a Lei
criação, escrita na Lei, que, sendo autossuficiente, não necessita respeitará a sua livre vontade.
de retoques ou de qualquer intervenção Dele para modificá-la. A conclusão prática destas considerações é que a recupera-
Assim, Deus somente deixa a Lei funcionar como ela foi feita. ção de tudo o que foi perdido é possível e está garantida, mas,
Mais exatamente, por outras palavras, Deus, estabelecendo para consegui-la, o ser deve querê-la e de fato executá-la com
desde o primeiro momento os princípios de funcionamento da o seu trabalho. A Lei está pronta e não pode, por sua própria
Sua criação, construiu uma máquina perfeita, que, sendo per- natureza, deixar de responder à ação do ser no sentido em que
feita, não poderia ser senão determinística. Nessa máquina ou ele quiser movimentá-la. Se a ação do ser é em sentido evolu-
organismo conceptual Deus está presente ou imanente, assim tivo, a Lei responde com sua ajuda salvadora, sustentando o
como o nosso eu se encontra em nossa personalidade, que ser na sua fadiga ascensional para o S. Mas a Lei também está
constitui nós mesmos. Desse modo, o funcionamento dessa pronta a deixar o ser na sua perdição, se ele assim o quiser. Es-
máquina parece automático, porque, nela, Deus obedece de- tá implícito na Lei o princípio da salvação, que, desde o pri-
terministicamente a Si próprio, isto é, à Sua vontade, que está meiro momento, foi nela colocado por Deus. Mas está estabe-
escrita nos princípios pelos quais a Lei é constituída e nos lecido também que esse principio não pode funcionar, se não
quais Deus fixou Sua própria vontade. for movimentado pelo próprio ser.
Então, se Deus e a Lei ficam imóveis na sua perfeição, o úni- Esta é a técnica da dinâmica do processo evolutivo, a qual
co impulso novo que pode modificar e sanear a situação do ser nos propusemos a observar. De tudo isso, é necessário entender
decaído não pode ser nem pode sair senão dele próprio. Tudo o que não adianta nos iludirmos, procurando escapatórias em ví-
mais poderá, conforme as regras preestabelecidas, responder a timas divinas que cumpram o dever do nosso trabalho e pa-
este impulso, mas não iniciará por si mesmo um movimento no- guem por nossa conta. O fato é que o ser se encontrava no esta-
vo. É por isso que qualquer variação na posição do ser deve ser do de positividade no S, mas quis se emborcar no estado de ne-
produzida por ele, através de sua própria iniciativa, estando con- gatividade do AS, portanto é necessário, e não há como fugir
fiado à sua livre vontade o poder de, com a sua ação, gerar novos disso, que seja do ser e saia dele também o impulso de endirei-
deslocamentos, que estão submetidos aos correspondentes e au- tamento, assim como dele saiu o de emborcamento. Em resu-
tomáticos movimentos de resposta tanto da parte do S como do mo, o fenômeno da queda e salvação (ciclo involutivo-
AS. Estes impulsos que atingem o ser não são, portanto, gerados evolutivo) representa um caso particular e concernente somente
pelo S ou pelo AS, mas sim pelo próprio ser, de cuja ação repre- ao ser, que quis provocá-lo e tem agora, ele mesmo, de resolver
sentam o reflexo. Não se trata, assim, de um novo impulso gera- o seu problema. As causas do desastre não se encontravam em
do pelo S ou pelo AS, em razão de um novo movimento da von- Deus ou na Lei, mas sim no ser. É fatal, portanto, que os efeitos
tade de Deus e de Sua Lei, mas sim do retorno do mesmo impul- estejam somente no ser, e não em Deus ou na Lei. Assim como
so que saiu do ser e que, agora, volta para ele, a favor ou contra si deixou o ser livre para se perder, Deus também o deixou livre
próprio, conforme a natureza do impulso escolhido por ele. A para se remir depois, dando-lhe, deste modo, tanto o poder de
queda foi efeito da liberdade do ser, e não da vontade de Deus. se emborcar como de se endireitar à vontade. Mas, se agora o
Novos movimentos na vontade de Deus significariam intro- ser quer voltar ao S, ele tem de cumprir o seu dever de realizar
duzir elementos estranhos na obra acabada da criação, deslocan- a sua salvação, conquistando-a com o seu próprio esforço. O
do as linhas estabelecidas do seu plano e alterando o seu perfeito caminho da evolução já está todo marcado dentro da Lei, e nin-
funcionamento orgânico. Os movimentos gerados pelo ser são guém pode mudá-lo. Ele é uma obra da sabedoria divina, e o
de outra natureza, porque representam apenas simples oscilações ser não tem outra alternativa senão segui-lo.
dentro dos limites fixados por aquelas linhas no plano da Lei e ◘ ◘ ◘
impostos pelos seus princípios. Com a sua ação, o ser pode ape- Continuemos observando no seu funcionamento a técnica
nas e tão-somente deslocar sua própria posição dentro da Lei e do processo evolutivo.
da obra de Deus, que permanecem inalteráveis. O seu poder não O percurso desse processo já foi apresentado aqui, dividido
alcança nada além de seu terreno, traduzindo-se em semear para em 5 pontos: A1, A2, A3, A4, A5. Estudamos o seu desenvolvi-
si as causas e seus inevitáveis efeitos. O ser pode emborcar ou mento só até ao ponto A1, que representa o 1o degrau da subida.
endireitar a sua posição, pode avançar ou retroceder, afastar-se Chegou agora o momento de observar o que se verifica nos ou-
ou aproximar-se de Deus, mas os caminhos dessas oscilações já tros degraus do processo evolutivo, até à sua conclusão. Tere-
estão marcados, não sendo possível fugir deles e muito menos mos assim analisado todo o seu caminho, do seu ponto de par-
alterar a sua estrutura. O ser está preso dentro do funcionamento tida no AS ao seu ponto de chegada no S.
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 111
Como já vimos, os impulsos que movimentam a evolução presentados pelas linhas: A3A4 (esforço do ser), A4I (forças po-
são três: 1) O impulso das forças favoráveis da positividade do sitivas de ajuda, favoráveis ao ser) e EA4 (forças negativas de
S; 2) O impulso das forças contrárias da negatividade do AS; 3) resistência, contrárias ao ser). Em resumo, neste seu 4o passo
O impulso ascensional devido ao esforço do ser, que tem o po- em subida, o ser realizou o esforço A3A4, aumentando sua van-
der de transformar os resultados do 2 o impulso nos do 1o. Ob- tagem de A3D para A4I e, ao mesmo tempo, reduzindo sua des-
servemos, então, mais pormenorizadamente o fenômeno. vantagem de DA3 para EA4. Estas são as condições atingidas
Quando o ser, subindo o 1o degrau, atinge o ponto A1, ele pelo ser, quando ele, subindo o 4o degrau, A3A4, alcança sua
conquista uma nova posição, cujos valores são agora represen- nova posição A4, resultante do seu esforço no deslocamento
tados pelas linhas: YA1 (esforço do ser), A1G (forças positivas evolutivo YA4 = YA1 + A1A2+ A2A3+ A3A4.
de ajuda, favoráveis ao ser) e BA1 (forças negativas de resistên- Este processo continua sempre com o mesmo método. E,
cia, contrárias ao ser). Em resumo, isto significa que, para subir quando o ser, avançando mais um trecho, sobe o 5 o degrau,
o 1o degrau, o ser realizou o esforço YA1, conquistando a van- ele alcança o ponto A5, conquistando uma nova posição, ainda
tagem A1G e, ao mesmo tempo, reduzindo sua desvantagem ZY mais adiantada, cujos valores são agora representados pelas
para BA1. Este é o balanço final dos impulsos e movimentos linhas: A4A5 (esforço do ser), A5L (forças positivas de ajuda,
que se realizam no deslocamento evolutivo do ser, quando ele favoráveis ao ser) e FA5 (forças negativas de resistência, con-
sobe o 1o degrau, que vai de Y até A1. trárias ao ser). Em resumo, neste seu 5 o passo em subida, o ser
O princípio, o método e os resultados são os mesmos e se re- realizou o esforço A4A5, aumentando sua vantagem de A 4I pa-
petem nos degraus sucessivos. Os impulsos que continuam aqui ra A5L e, ao mesmo tempo, reduzindo sua desvantagem de
movimentando o processo evolutivo são os três expostos acima. EA4 para FA5. Estas são as condições atingidas pelo ser,
Quando o ser, galgando o 2o degrau da subida, atinge o pon- quando ele, subindo o 5 o degrau, A4A5, alcança sua nova po-
to A2, ele conquista uma nova posição, cujos valores são agora sição A5, resultante do seu esforço no deslocamento evolutivo
representados pelas linhas: A1A2 (esforço do ser), A2H (forças YA5 = YA1 + A1A2+ A2A3+ A3A4+ A4A5.
positivas de ajuda, favoráveis ao ser) e CA2 (forças negativas Deste modo, seguindo sempre o mesmo método, chegamos à
de resistência, contrárias ao ser). Em resumo, isto significa que, conclusão do processo, quando o ser, avançando mais um tre-
para subir o 2o degrau, o ser realizou o esforço A1A2, aumen- cho, sobe o 6o e último degrau, alcançando o ponto X, a posição
tando sua vantagem de A1G para A2H e, ao mesmo tempo, re- final do fenômeno evolutivo, cujos valores são agora represen-
duzindo sua desvantagem de BA1 para CA2. Estas são as condi- tados pelas linhas: A5X (esforço do ser), XW (forças positivas
ções atingidas pelo ser, quando ele, subindo o 2 o degrau, A1A2, de ajuda, favoráveis ao ser) e pelo ponto X (forças negativas de
alcança sua nova posição A2, resultante do seu esforço no des- resistência, contrárias ao ser). Em resumo, neste seu 6o e último
locamento evolutivo YA2 = YA1 + A1A2. passo em subida, o ser realizou o esforço A5A6, aumentando sua
Vemos assim, desde agora, delinear-se a lei que rege o de- vantagem de A5L para XW e, ao mesmo tempo, anulando em X
senvolvimento do processo evolutivo, pelo qual, através do a sua desvantagem EA4. Estas são as condições atingidas pelo
contínuo esforço do ser para superar um trecho após o outro, ser, quando ele, subindo o 6o e último degrau, A5A6, alcança sua
vai aumentando cada vez mais o poder das forças positivas do última posição A6, resultante do seu esforço no deslocamento
S, favoráveis ao ser, e diminuindo o das forças negativas do evolutivo YA6 = YA1 + A1A2+ A2A3+ A3A4+ A4A5+ A5A6.
AS, contrárias ao ser. O fenômeno da evolução é, assim, regi- Assim todo o caminho evolutivo YX foi percorrido e, atra-
do por este princípio, segundo o qual todo o processo, cuja vés do esforço do ser para percorrê-lo, toda a negatividade do
movimentação é realizada pelo esforço do ser, vai-se desen- AS, fruto da queda, foi, por um processo gradativo, completa-
volvendo de um modo tal, que o S vai sempre mais ganhando e mente eliminada e substituída pela positividade do S, que, com
aumentando, enquanto, proporcionalmente, o AS vai sempre a ascese, foi totalmente recuperada. Este é o conteúdo e o resul-
mais recuando e diminuindo. tado do processo evolutivo, que se desenvolveu pelos três im-
Quando o ser, avançando mais um trecho, sobe o 3 o degrau, pulsos: 1) O impulso positivo do S; 2) O impulso negativo do
atingindo o ponto A3, ele conquista uma nova posição, cujos AS; 3) O impulso evolutivo do ser. Dessa forma, o processo
valores são agora representados pelas linhas: A 2A3 (esforço do acaba reconstruindo tudo o que havia sido destruído. Como nos
ser), A3D (forças positivas de ajuda, favoráveis ao ser) e DA 3 propusemos, vimos assim a técnica de funcionamento do pro-
(forças negativas de resistência, contrárias ao ser). Em resumo, cesso evolutivo. Realizamos o que prometemos no início deste
isto significa que, para subir o 3 o degrau, o ser realizou o es- capítulo, representando graficamente como se realiza a cada
forço A2A3, aumentando sua vantagem de A2H para A3D e, ao passo a transformação AS-S, que foi apresentada na figura pela
mesmo tempo, reduzindo sua desvantagem de CA 2 para DA3. destruição do triângulo verde, ZXZ1, dos valores da negativida-
Estas são as condições atingidas pelo ser, quando ele, subindo de, e a correspondente construção do triângulo vermelho,
o 3o degrau, A2A3, alcança sua nova posição A3, resultante do WYW1, dos valores da positividade.
seu esforço no deslocamento evolutivo YA 3 = YA1 + A1A2+ Para simplificar, usamos as palavras positividade e negati-
A2A3, pelo qual a linha da positividade do S se torna igual à li- vidade. Sabemos, porém, o que elas significam e de quantas
nha da negatividade do AS. Isto significa que, neste ponto, os qualidades o seu conteúdo é constituído, conhecendo também a
dois impulsos se equivalem, isto é, têm o mesmo poder. As- profunda transformação que se realiza para o ser com a sua pas-
sim, existindo ambas em medidas iguais, vantagem e desvan- sagem de um estado para o outro. Foi para nos apercebermos
tagem se equilibram. Deste ponto em diante, o processo evolu- melhor desta transformação que falamos de forças favoráveis
tivo continuará, porém não mais com a prevalência das forças ou contrárias ao ser, que operam para vantagem ou desvanta-
negativas sobre as positivas, as primeiras sempre diminuindo e gem dele, escolhendo-o como ponto de referência, a fim de co-
recuando, mas com a prevalência oposta, das forças positivas nhecer o valor, a cada passo, tanto da sua conquista no sentido
sobre as negativas, as primeiras sempre aumentando e avan- do bem como da sua libertação no sentido do mal, determinan-
çando. Tal é a lei do processo evolutivo, cuja finalidade é a do também o grau por ele realizado de transformação evolutiva,
destruição do triângulo verde e a construção do vermelho. da qual depende a sua salvação. Isto corresponde com perfeita
Vemos assim como esse fenômeno vai-se realizando. justiça à regra do merecimento, que constitui um dos princípios
O que encontramos então quando o ser, vencendo mais um fundamentais da Lei. Assim, o ser realiza o seu progresso atra-
trecho, sobe o 4o degrau e atinge o ponto A4? Ele conquista aí vés do próprio esforço, que representa o impulso para transfor-
uma nova posição, mais adiantada, cujos valores são agora re- mar um nível de existência em outro, mudando sua posição e as
112 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
condições de vida em seu favor. A cada passo na subida, a fa- campo contrário da negatividade. Observemos agora a continu-
diga da evolução é compensada com um melhoramento em ação deste mesmo processo no degrau sucessivo.
vantagem do ser, porque neutraliza as forças contrárias e au- Quando o ser, vencendo o 3o degrau da subida, atinge o pon-
menta as favoráveis. Vemos assim como o ser pode gradativa- to A3, verificamos que o seu novo esforço A2A3 gerou a linha
mente reconstruir-se íntegro na perfeição do S, libertando-se de positiva A3D e reduziu a linha negativa CA2 até DA3. Ora, tudo
todos os efeitos da queda, representados pelo AS. Depois do isto pode ser traduzido em termos espaciais, considerando-se o
período involutivo, ressurge o evolutivo, até se atingir a salva- desenvolvimento das superfícies. Desse modo, no ponto em que
ção. Nisto consiste a redenção, que significa destruição de so- o ser, com a sua evolução A2A3, atinge o nível A3, o trabalho por
frimento e conquista de felicidade. ele realizado para chegar a essa nova posição é expresso, em
◘ ◘ ◘ sentido favorável, não só pelo espaço que ele ganhou no campo
Examinemos agora o fenômeno sob outro ponto de vista do de forças positivas, representado pela superfície do quadrilátero
seu funcionamento, observando a técnica do processo evolutivo vermelho A2A3DH, mas também pelo aniquilamento do campo
na sua forma mais completa, dada pela representação do cam- de forças negativas, representado pela superfície do triângulo
pos de forças na forma de superfícies. Repetiremos o que aca- verde HDC, reduzido ao vértice D, resultando assim na supres-
bamos de explicar, seguindo o mesmo desenvolvimento, com o são da superfície A2A3DC do terreno da negatividade.
mesmo conteúdo e finalidade, mas de uma forma diferente. As Então esta nova conquista, A2A3, somando-se às preceden-
etapas da subida ficam sempre as mesmas: A1, A2, A3, A4, A5. tes, YA1+A1A2=YA2, resulta na posição final do ser em A3, cu-
Quando o ser, vencendo o 1o degrau da subida, atinge o jos valores são os seguintes: 1) YA3: esforço total realizado até
ponto A1, verificamos, como já foi visto, que o seu esforço YA 1 aqui; 2) YA3D: campo total favorável, conquistado pela positi-
resultou em uma nova posição, cujos valores são expressos pela vidade, neutralizando a negatividade com o endireitamento, em
linha positiva A1G e pela linha negativa BA1. Ora, tudo isto po- proveito do ser; 3) YDZ: campo contrário aniquilado no terreno
de ser expresso na figura também em outros termos, não mais da negatividade ou desvantagem do ser, com o valor de ZY re-
lineares, e sim de superfície. Desse modo, no ponto em que, su- duzido ao ponto D. Assim, o resultado final do esforço YA3 é
bindo o trecho YA1, o ser atinge o nível de existência A1, o tra- representado pela superfície positiva YA3D, constituindo esta a
balho por ele realizado com o seu esforço, YA1, ao chegar nesta parte que o ser, com o seu esforço, endireitou em positividade,
sua nova posição, é expresso, em sentido favorável, pelo espaço extraída em seu favor do campo da negatividade YA3DZ, en-
YA1BZ que ele conquistou do terreno da negatividade, gerando quanto a superfície YDZ foi, durante o percurso, vencida e ani-
a superfície do campo de forças positivas, representada agora quilada no campo contrário da negatividade.
pelo triângulo vermelho YA1G, e aniquilando a superfície Observemos agora a continuação deste mesmo processo no
YGBZ do campo de forças negativas, que diminuiu em conse- degrau sucessivo. Já vimos que no ponto A3, pelo esforço re-
quência da redução de ZY até GB. dentor do ser, o aumento e o avanço do poder da positividade,
Esse deslocamento representa o primeiro passo do endirei- paralelamente à diminuição e retração do poder da negativida-
tamento da negatividade do AS na positividade do S através do de, atinge um tal ponto, que os dois valores opostos acabam
processo evolutivo, pelo qual se vai cada vez mais retraindo e igualando-se (linha A3D). Traduzindo o processo em termos de
fechando o campo de forças negativas, para a destruição do superfície, verificamos que o campo da positividade, se até aqui
triângulo verde do AS, enquanto, à custa deste, vai-se cada vez foi invadindo o campo maior da negatividade, vai agora, do
mais estendendo e abrindo o campo oposto, de forças positi- ponto A3 em diante, superando e aniquilando cada vez mais o
vas, para a reconstrução do triângulo vermelho do S. Obser- que sobra do campo menor da negatividade, até destruí-lo com-
vemos agora como tudo isto se repete ao longo dos degraus pletamente em X. Isto quer dizer que, de agora em diante, o
sucessivos, nos quais o mesmo processo continua a se desen- processo evolutivo não mais continuará como até agora, com a
volver sempre mais. prevalência do campo das forças negativas sobre o das positi-
Quando o ser, vencendo o 2o degrau da subida, atinge o vas, mas sim com a prevalência oposta, do campo de forças po-
ponto A2, verificamos que o seu novo esforço A1A2 gerou a li- sitivas sobre o das negativas.
nha positiva A2H e reduziu a linha negativa BA1 até CA2. Ora, Que encontramos então quando o ser, vencendo o 4 o degrau
tudo isto pode ser traduzido em termos espaciais, considerando da subida, atinge o ponto A4? Verificamos que o seu novo es-
o desenvolvimento das superfícies no processo. Desse modo, forço A3A4 gerou a linha positiva A4I, superando a linha resi-
no ponto em que o ser, com a sua evolução A1A2, atinge o nível dual das forças negativas, EA4, com o trecho positivo EI. Tudo
A2, o trabalho por ele realizado para chegar a essa nova posição isto pode ser traduzido em termos de superfície. Desse modo,
é expresso, em sentido favorável, não só pelo espaço que ele no ponto em que o ser, com a sua evolução A3A4, atinge o nível
ganhou no campo de forças positivas, representado pela super- A4, o trabalho por ele realizado para chegar a essa nova posição
fície do quadrilátero vermelho A1A2HG, mas também pelo ani- é expresso, em sentido favorável, pelo espaço ganho por ele no
quilamento do campo de forças negativas representado pela su- campo de forças positivas, representado pela superfície do qua-
perfície do quadrilátero verde GHCB, com a redução de GB até drilátero vermelho A3A4ID. Assim, o espaço da negatividade
HC, resultando assim na supressão da superfície A1A2CB do fica cada vez menor, sendo neutralizado pelo campo maior da
terreno da negatividade. positividade, que vai sempre aumentando e, agora, supera o
Então essa nova conquista A1A2, somando-se à precedente campo oposto na medida do triângulo positivo DEI. Neste caso,
YA1, resulta na posição final do ser em A2, cujos valores são os o que sobra e prevalece não é uma (sempre menor) superfície
seguintes: 1) YA2: esforço total realizado até aqui; 2) YA2H: de negatividade ainda a conquistar, mas sim uma (sempre mai-
campo total favorável, conquistado pela positividade, neutrali- or) superfície de positividade conquistada.
zando a negatividade com o endireitamento, em proveito do Então esta nova conquista, A3A4, somando-se às preceden-
ser; 3) YHCZ: campo contrário aniquilado no terreno da nega- tes YA1+A1A2+A2A3=YA3, resulta na posição final do ser em
tividade ou desvantagem do ser, com a redução do valor de ZY A4, cujos valores são os seguintes: 1) YA4: esforço total reali-
até HC. Assim, o resultado final do esforço YA2 é representado zado até aqui; 2) YA4I: campo total favorável, conquistado pela
pela superfície positiva YA2H, constituindo esta a parte que o positividade, neutralizando a negatividade com o endireitamen-
ser, com o seu esforço, endireitou em positividade, extraída em to, em proveito do ser; 3) A4XE: campo contrário a ser supera-
seu favor do campo da negatividade YA 2CZ, enquanto a su- do no terreno da negatividade ou desvantagem do ser, apresen-
perfície YHCZ foi, durante o percurso, vencida e aniquilada no tando um valor mais reduzido que o da positividade, cuja pre-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 113
valência se acentua sempre mais sobre aquela decrescente ne- sitividade, cuja prevalência se acentuou a tal ponto sobre aquela
gatividade, até que esta desapareça. Então o resultado final do decrescente negatividade, que esta desapareceu completamente,
esforço YA4 é representado pela superfície positiva YA4I, que o sendo totalmente substituída pela positividade. Então o resulta-
ser, com o seu esforço, conquistou em positividade, superando do final do esforço YX é representado pela superfície positiva
neste ponto a superfície neutralizada da negatividade, A3A4ED, YXW, superfície total que o ser, com o seu esforço, conquistou
na medida do triângulo DEI da positividade, que irá sempre em positividade, superando neste ponto a superfície neutraliza-
mais aumentando, até atingir o degrau sucessivo. da da negatividade, A5XF, na medida da superfície FXWL da
Quando o ser, vencendo o 5o degrau da subida, atinge o positividade, com a qual o ser, depois de superar as superfícies
ponto A5, verificamos, como acima, que o seu novo esforço precedentes da positividade, conquistou todo o espaço da nega-
A4A5 gerou a linha positiva A5L, superando a linha residual das tividade, eliminando-a definitivamente através do processo evo-
forças negativas, FA5, com o trecho positivo FL. Tudo isto po- lutivo e atingindo assim a plenitude do S.
de ser traduzido em termos de superfície. Desse modo, no pon- ◘ ◘ ◘
to em que o ser, com a sua evolução A4A5, atinge o nível A5, o Eis então, em termos de superfície, o movimento geral do
trabalho por ele realizado para chegar a essa nova posição é ex- desenvolvimento do fenômeno da evolução. A linha A3D divide
presso, em sentido favorável, pelo espaço ganho por ele no o processo em duas partes iguais. Na primeira, os campos de
campo de forças positivas, representado pela superfície do qua- positividade são menores e vão gradativamente aumentando de
drilátero vermelho A4A5LI. Assim, o espaço da negatividade fi- YA1G para A1A2HG, até A2A3DH, neutralizando com o campo
ca cada vez menor, sendo neutralizado pelo campo maior da positivo YA3D o campo de negatividade correspondente e endi-
positividade, que vai sempre aumentando e, agora, supera o reitando aqueles outros contidos em YDZ, que vão, por sua vez,
campo oposto na medida do quadrilátero positivo EFLI. Tam- diminuindo paralelamente, reduzindo-se de YGBZ para GHCB,
bém neste caso, o que sobra e prevalece não é uma (sempre a seguir para HDC, até ao ponto D. Na segunda parte, a positi-
menor) superfície de negatividade ainda a conquistar, mas sim vidade se tornou maior agora e, continuando a aumentar, supera
uma (sempre maior) superfície de positividade conquistada. cada vez mais, com seus campos crescentes DEI, EFLI e
Então esta nova conquista, A4A5, somando-se às preceden- FXWL, os campos da negatividade, que continuam sendo neu-
tes, YA1+A1A2+A2A3+A3A4=YA4, resulta na posição final do tralizados e diminuídos paralelamente, reduzindo-se de
ser em A5, cujos valores são os seguintes: 1) YA5: esforço total A3A4ED para A4A5FE, para A5XF, até ao ponto X. Esta é, em
realizado até aqui; 2) YA5L: campo total favorável, conquistado termos de superfície, a expressão gráfica do processo evolutivo,
pela positividade, neutralizando a negatividade com o endirei- cuja tarefa é a transformação do triângulo verde da negativida-
tamento, em proveito do ser; 3) A5XF: campo contrário a ser de, ZXZ1, no vermelho da positividade, WYW1.
superado no terreno da negatividade ou desvantagem do ser, Na primeira parte do processo, até o ponto A 3, o que pre-
apresentando um valor mais reduzido que o da positividade, cu- domina é o impulso negativo do AS. Então, aprofundado na
ja prevalência se acentua sempre mais sobre aquela decrescente matéria, o caminho é o mais duro. Tal predomínio do poder
negatividade, até que esta desapareça. Então o resultado final do AS vai, porém, diminuindo cada vez mais, tornando, com
do esforço YA5 é representado pela superfície positiva YA5I, isso, a ascese sempre menos difícil à medida que o ser sobe,
que o ser, com o seu esforço, conquistou em positividade, supe- até que, na segunda parte, depois do ponto A 3, inicia-se outra
rando neste ponto a superfície neutralizada da negatividade, fase do processo, na qual é o impulso positivo do S que preva-
A4A5FE, na medida da superfície EFLI da positividade, que irá lece, predomínio que vai aumentando cada vez mais, tornan-
sempre mais aumentando, até atingir o degrau sucessivo. do, com isso, mais leve o trabalho da evolução, tanto mais
Quando, finalmente, o ser, vencendo o último degrau da su- quanto mais o ser se levanta na direção do espírito. No dia-
bida, atinge o ponto X, verificamos, como acima, que o seu no- grama, a representação do fardo que o ser tem de carregar (re-
vo esforço A5X gerou a linha positiva XW, superando comple- sistência do impulso contrário do AS) é dada pela extensão do
tamente a linha das forças negativas, que desaparece, aniquila- campo de forças da negatividade. Por outro lado, a represen-
da no ponto X. Tudo isto pode ser traduzido em termos de su- tação do alívio que o ser recebe (ajuda do impulso favorável
perfície. Desse modo, no ponto em que o ser, com a sua evolu- do S) é dada pela extensão do campo de forças da positivida-
ção A5X, atinge o nível X, o trabalho por ele realizado para de. A conclusão, em relação ao ser, é que a evolução se torna
chegar a essa nova posição é expresso, em sentido favorável, cada vez mais fácil, quanto mais ele, com o seu esforço, pro-
pelo espaço ganho por ele no campo de forças positivas, repre- gride, o que corresponde à justiça, pois, se o ser progrediu
sentado pela superfície do quadrilátero vermelho A5XWL. As- mais, é porque trabalhou mais para isso. Acontece, assim, que
sim, o espaço da negatividade fica cada vez menor, sendo neu- o fruto duramente ganho por ele acumula-se em seu favor.
tralizado pelo campo maior da positividade, que vai sempre Com mais exatidão, temos, do ponto de vista linear, os se-
aumentando e, agora, supera o campo oposto na medida do guintes movimentos dos elementos do fenômeno evolutivo:
quadrilátero positivo FXWL. Neste caso, o que sobra e prevale-
ce não é uma (sempre menor) superfície de negatividade ainda Negatividade (AS) Positividade (S)
Pontos
(retrocesso em diminuição) (conquista em aumento)
a conquistar, mas sim uma (sempre maior) superfície de positi-
vidade conquistada, chegando o ser agora ao ponto X do pro- Y YZ (Plenitude do AS) S = zero
cesso evolutivo, onde toda a superfície do campo de forças da A1 BA1 A1G
negatividade desaparece, completamente coberta pela superfí- A2 CA2 A2H
cie do campo de forças da positividade, que conquistou todo o
terreno da negatividade, substituindo-se a ela. A3 DA3 A3D
Então esta nova conquista, A5X, somando-se às preceden- A4 EA4 A4I
tes, YA1+A1A2+A2A3+A3A4+A4A5=YA5, resulta na posição fi- A5 FA5 A5L
nal do ser em X, cujos valores são os seguintes: 1) YX: esforço X AS = zero XW (Plenitude do S)
total realizado até aqui; 2) YXW: campo total favorável, con-
quistado pela positividade, neutralizando a negatividade com o Com estes deslocamentos progressivos, o que desaparece
endireitamento, em proveito do ser; 3) X: campo completamen- como AS ressurge como S. É deste modo que se realiza a des-
te aniquilado do terreno contrário da negatividade ou desvanta- truição do AS e a reconstrução do S. Tal é o conteúdo do fe-
gem do ser, apresentando um valor cada vez menor que o da po- nômeno evolutivo.
114 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
O mesmo processo, como já vimos, pode ser apresentado na Neste caso também, vemos que há sempre uma parte consti-
sua forma mais completa, não mais de expressão linear, mas de tuída por superfícies de campos de força de positividade e nega-
apresentação por superfície de campos de força. Desta forma, tividade sobrepostas: YA1G, A1A2HG, A2A3DH, A3A4ED,
teremos então os seguintes deslocamentos: A4A5FE, A5XF. Isto, de uma outra forma, significa, como acima,
que nestes trechos, onde se verifica tal sobreposição, funcionam a
Negatividade (AS) Positividade (S)
Pontos negatividade como resistência e a positividade como ajuda ao
(retrocesso em diminuição) (conquista em aumento)
mesmo tempo, equilibrando-se assim. Além disso, vemos aqui
Y Plenitude do AS S = zero expressa na primeira parte, como no caso precedente, mas agora
Y → A1 YA1BZ YA1G na forma de superfície de campos de forças, a mesma superabun-
A1 → A2 A1A2CB A1A2HG dância de negatividade, pela qual o que prevalece é a resistência
A2 → A3 A2A3DC A2A3DH contrária ao ser, e isto na sempre em medida decrescente: YGBZ,
A3 → A4 A3A4ED A3A4ID GHCB, HDC. Vemos expressa também, na segunda parte, sem-
pre em forma de superfície, a mesma superabundância oposta, de
A4 → A5 A4A5FE A4A5LI
positividade, pela qual o que prevalece é a ajuda favorável ao ser,
A5 → X A5XF A5XWL e isto sempre em medida crescente: DEI, EFLI, FXWL.
X AS = zero Plenitude do S Este fato é o resultado do trabalho de endireitamento realiza-
Para mostrar, como expressão linear, de que elementos re- do pela evolução, cuja tarefa é destruir a negatividade para re-
sulta composto o primeiro destes dois quadros, podemos repeti- construir no seu lugar a positividade. O diagrama nos dá assim a
lo na seguinte forma: representação gráfica do conceito há pouco acima mencionado,
segundo o qual a evolução se torna cada vez mais fácil, quanto
Negatividade (AS) Positividade (S) mais o ser, com o seu esforço, progride. Isto é devido ao fato de
Pontos
(retrocesso em diminuição) (conquista em aumento) que, na primeira parte do percurso até o ponto A3, a prevalência
Y YZ S = zero é do impulso involutivo do AS, pois o ser, aí, encontra-se ainda
A1 BA1 = BG + GA1 A1G = A1B − GB próximo do ponto de partida da evolução, o qual está situado na
A2 CA2 = CH + HA2 A2H = A2C – HC plenitude do AS. Neste trecho, dominam então as forças do AS,
agindo como resistência contra a evolução do ser, por isso a su-
A3 DA3 = A3D A3D = DA3
bida é mais difícil e requer um esforço maior. Mas, na segunda
A4 EA4 = IA4 − IE A4I = A4E + EI parte do processo evolutivo, acima de A3, a posição se emborca,
A5 FA5 = LA5 − LF A5L = A5F + FL e o que prevalece é o impulso evolutivo do S, do qual o ser, cada
X AS = zero XW vez mais, vai-se aproximando. Neste segundo trecho dominam
Observando este processo de transformação, vemos que, ao então as forças do S, agindo como ajuda em favor da evolução
longo dele, há sempre uma parte na qual positividade e negati- do ser, por isso a subida é mais fácil e requer um esforço sempre
vidade estão sobrepostas: A1G, A2H, A3D, A4E, A5F. menor. Explica-se assim também um fato que vemos existir em
Este fato, que esclarecemos agora com uma interpretação nosso mundo. Nos níveis medianos, perto de A3, aos quais per-
mais exata do diagrama, significa que nestes trechos, onde tence o homem atual, não há, como vemos no diagrama, grande
se verifica a sobreposição, funcionam a negatividade como prevalência de um impulso sobre o outro, de modo que não há
resistência e a positividade como ajuda, que se equilibram predomínio da lei do S (o bem) nem do AS (o mal), verifican-
assim, naquela parte, ao mesmo tempo e na mesma medida. do-se assim um contraste na luta entre bem e mal, sem que um
Vemos, porém, que, antes de chegar ao nível A 3D, na pri- deles se consiga impor decisivamente, para superar o outro. As-
meira parte do processo evolutivo, existe uma superabun- sim, enquanto, com a ética e as religiões, chega do Alto ao ho-
dância de negatividade, pela qual prevalece a resistência mem, como um convite da parte do S, a ajuda favorável à as-
contrária ao ser, e isto numa medida sempre decrescente: censão, ao mesmo tempo, sobem de baixo contra ele, como re-
YZ, GB, HC. E vemos também que, acima daquele nível síduo e retorno do passado no subconsciente animal, os impul-
A3D, na segunda parte do processo evolutivo, existe uma sos de resistência contrários à ascensão. Não é isto o que todos
progressiva superabundância oposta, de positividade, pela os dias vemos acontecer em nossa consciência?
qual o que prevalece é a ajuda favorável ao ser, e isto numa Cumpre-se assim todo o caminho da subida. Observamo-lo
medida sempre crescente: EI, FL, XW. em nosso diagrama e eis o que ele nos mostra. Quando o proces-
Estes mesmos conceitos podem ser repetidos, como acima, so evolutivo atinge o ponto X, o campo de forças da negativida-
na sua forma mais completa, não mais de expressão linear, mas de, expresso pelo triângulo verde YXZ, encontra-se aniquilado
de representação por superfície de campos de forças. Desta pelo esforço evolutivo YX do ser, sendo substituído pelo campo
forma, teremos então os seguintes deslocamentos: de forças da positividade, expresso pelo triângulo vermelho
YXW. A fim de simplificar seu exame, como já dissemos no iní-
cio deste capítulo, o fenômeno foi estudado só na sua metade, re-
Negatividade (AS) Positividade (S)
Pontos presentada pelo lado esquerdo do diagrama, porém, visto no seu
(retrocesso em diminuição) (conquista em aumento)
aspecto completo, ele pode agora ser resumido em outros termos.
Y Plenitude do AS S=zero Assim, o campo de forças da negatividade, ou AS, fruto da queda
(expresso pelo triângulo verde ZXZ1), foi gradativamente aniqui-
Y→A1 YA1BZ=YA1G+YGBZ YA1G=YA1BZ−YGBZ
lado pelo esforço evolutivo YX do ser, até ser substituído pelo
A1→A2 A1A2CB=A1A2HG+GHCB A1A2HG=A1A2CB−GHCB campo de forças da positividade, ou S, fruto da redenção (expres-
so pelo triângulo vermelho WYW1). Vimos assim, neste capítulo,
A2→A3 A2A3DC=A2A3DH+HDC A2A3DH=A2A3DC−HDC
qual é a técnica de funcionamento do processo evolutivo, isto é,
A3→A4 A3A4ED=A3A4ID−DEI A3A4ID=A3A4ED+DEI do fenômeno da destruição do AS e da reconstrução do S.
Se agora substituirmos as simples palavras: negatividade e
A4→A5 A4A5FE=A4A5LI−EFLI A4A5LI=A4A5FE+EFLI
positividade, acima usadas por brevidade, pelo muito mais vas-
A5→X A5XF=A5XWL−FXWL A5XWL=A5XF+FXWL to significado que elas representam, como já vimos, então este
X AS=zero Plenitude do S
árido cálculo de campos de forças adquire um conteúdo vivo e
atual, compreensível também em termos bem avaliáveis na prá-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 115
tica de nossa vida comum. Isto pelo fato de que, como já dis- rável, tudo movimentando, tudo animando. Essa Lei é Deus. Ela
semos, negatividade significa caos, matéria, determinismo, está dentro de vós. Vossa vida é uma sua exteriorização e espar-
mal, ignorância, imperfeição, revolta, inferno, ódio, sofrimen- girá sobre vós alegrias ou dores, conforme a justiça, de acordo
to, morte etc., e positividade significa ordem, espírito, liberda- com os vossos merecimentos. Eis a síntese que a vossa ciência,
de, bem, sabedoria, perfeição, obediência, paraíso, amor, feli- perdida no dédalo da análise, nunca poderá reconstruir. Eis a vi-
cidade, vida etc. Então, quando acima falávamos de campos de são unitária, a concepção apocalíptica, a que vos quero levar”.
forças de negatividade ou positividade, vemos agora qual o Através de um longo caminho, chegamos agora a ver como
significado contido nestas palavras. essa lei funciona, o que ela quer realizar e como o realiza. É de
Podemos aperceber-nos agora quão profunda transformação suma importância saber tudo isto, porque desse conhecimento
o esforço evolutivo do ser opera nas condições de vida. A super- depende o caminho de nossa vida e o nosso destino de felicida-
fície que a positividade vai sempre mais conquistando no terreno de ou de dor. Não se trata de teorias longínquas. Este é um pro-
da negatividade nos dá a expressão gráfica desse fenômeno pro- blema que nos toca de perto, a todos, porque só assim, conhe-
gressivo de endireitamento, que, pela ascese do ser, muda e re- cendo qual é a causa de nossas dores, poderemos evitá-las.
nova tudo nele e no seu ambiente, substituindo a posição errada Todos estamos presos dentro dessa lei e temos de lhe obe-
do AS pela posição certa do S. Trata-se do endireitamento de decer, inclusive os ignorantes, que não a conhecem, os ateus,
todas as qualidades possíveis da existência, que vão do mundo que a negam, e os rebeldes, que desejariam destruí-la. Em todo
físico, no nível da matéria, ao mundo dinâmico, no nível da lugar e momento, ela está sempre funcionando para todos. Ela
energia, até ao mundo moral e mental, no nível do espírito. faz parte da natureza do ser a um tal ponto, que ele, quanto
Lembremos que o percurso YX abrange o caminho evolutivo mais julga fazer sua própria vontade, tanto mais está obede-
completo do ser, em toda a sua amplitude de fenômeno físico- cendo à vontade dela.
dinâmico-psíquico, como foi explicado em A Grande Síntese. Quando, em nosso livro Deus e Universo, expusemos pela
Este é o conteúdo do imenso trabalho de redenção cósmica, primeira vez a teoria da queda, segundo a qual o ser decai do S
que tem de levar à salvação não só o homem, mas todos os se- ao AS, muitos leitores, sem conseguir entender nada, exigiram
res e tudo o que existe, porquanto tudo que constitui o nosso que o universo funcionasse de outra maneira, porque ele tinha
universo físico-dinâmico-espiritual é o resultado da queda e de concordar com as teorias da sua filosofia ou religião. Não
deve ser remido com o regresso ao seu estado originário de S. podíamos, para satisfazê-los, mudar o funcionamento do uni-
Tudo isto implica, como explicamos no livro Deus e Universo, verso. Então continuamos observando os fatos e verificamos
um trabalho de evolução de dimensões, que representam os di- que eles confirmavam cada vez mais a teoria da queda, como
ferentes planos ao longo dos quais tudo o que existe se ajusta explicamos no volume O Sistema e estamos aqui explicando
ao seu nível de existência. neste. Não foi de forma alguma possível torcer ou destruir os
A obra de transformação ético, mental e espiritual, concebida fatos, que, encontrando explicação nas consequências daquela
pelo homem como conteúdo da evolução, começa a aparecer teoria, falavam sempre mais claro, constrangendo-nos a aceitá-
com a consciência no nível humano e já se encontra, em suas la. Não se pode negar uma verdade, quando ela foi observada
primeiras e rudimentares tentativas, nos exemplares de vida mais sob tantos aspectos, demonstrada nos seus pormenores e con-
atrasados, como os animais e, mais atrás ainda, as plantas. Mas o trolada nos seus efeitos, sendo a cada passo submetida a cálcu-
plano humano é somente um dos muitos planos de existência, los e medidas que a comprovam.
sendo o trabalho evolutivo do homem apenas uma das tantas A presença do S e a necessidade de evoluir para voltar a ele
formas de trabalho evolutivo que todos os tipos de existência têm está expressa pelo nosso natural e irrefreável desejo de felicida-
de cumprir. Relativamente ao ponto onde o homem está situado de. A presença do AS e a necessidade de fugir para longe dele
ao longo do imenso caminho, há infinitas outras posições, mais está expressa pelo nosso instintivo e invencível terror do sofri-
ou menos adiantadas. O percurso todo vai de um polo (extremo mento. Uma vez que o ser é, de um lado, atraído pelo S e, do
representado pelo AS) ao outro (extremo representado pelo S). outro, repelido pelo AS, ele não pode deixar de percorrer o ca-
Realiza-se assim a maravilha do endireitamento, no qual o minho da evolução, que é o da sua salvação. Há no mundo al-
processo evolutivo transforma o caos em ordem, a matéria em guém que não queira obedecer a esses impulsos e que, por isso,
espírito, o determinismo em liberdade, o mal em bem, a igno- possa não estar sujeito a esta lei, pela qual tudo é impelido para
rância em sabedoria, a imperfeição em perfeição, a revolta em o S? Tal obediência é o que, nos fatos, todos estão praticando,
obediência, o inferno em paraíso, o ódio em amor, o sofrimento inclusive os que contrariam e negam esses princípios, pelos
em felicidade, a morte em vida etc. Não se trata de uma absurda quais tudo é dirigido. Há alguém que possa resistir ao seu an-
derivação inédita do mais em relação ao menos, mas sim de seio de melhoramento e não queira fugir do azorrague da dor,
uma restituição ao estado de origem daquilo que antes já exis- dois estímulos instintivos que o incitam para a subida? O que,
tia. Trata-se do endireitamento na positividade de um universo na verdade, tem importância como prova de verdade, mais do
que se emborcou na negatividade. Então, além da pequena re- que as palavras, são os fatos. Vale, portanto, não o que os ho-
denção do homem pela ética das religiões, há esta muito maior mens dizem, mas sim o que eles fazem. E uma teoria tem valor
redenção cósmica, para levar à salvação tudo o que existe, seja quando ela, apesar de não concordar com o que eles dizem, ex-
qual for a forma de individuação assumida no físio-dínamo- plica o que eles fazem. E, de fato, embora falando de uma ma-
psiquismo que constitui o nosso universo. Este é o fenômeno neira diferente, dissemos que todos, enquanto acreditam reali-
que, numa visão sintética, quisemos observar aqui, representa- zar somente a sua própria vontade, para atingir as suas próprias
do na expressão gráfica de nossa figura. finalidades, estão de fato obedecendo espontaneamente à Lei,
para atingir os objetivos estabelecidos por ela.
XII. O FENÔMENO QUEDA-SALVAÇÃO Analisemos agora, observando mais de perto, a verificação
deste fenômeno na realidade, para ver como tudo isso aconte-
Com o trabalho que vamos desenvolvendo neste livro, com- ce. Quando o indivíduo luta para satisfazer sua fome, julgando
pletando os outros: Deus e Universo, O Sistema e A Lei de Deus, cumprir assim a própria vontade, ele de fato obedece à vontade
cumprimos a promessa que foi anunciada desde as primeiras pa- da Lei, que quer a conservação do indivíduo. Quando a Lei
lavras do volume inicial da I Obra, A Grande Síntese, que, no não quer mais assim, porque isto não serve mais às suas finali-
começo do primeiro capítulo, afirma: “Existe uma Lei, imper- dades, ela o deixa envelhecer e morrer irremediavelmente, ca-
ceptível para vós, mais potente do que o furacão, que atua inexo- bendo ao ser apenas obedecer. A vontade dele desejaria o con-
116 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
trário, mas não tem valor algum. Quem manda nos momentos contínuos, condição necessária para que seja percorrido todo o
básicos da vida é a vontade da Lei, e não a do ser, que somente caminho da evolução e, assim, seja atingido o seu objetivo, que
pode cumpri-la. Isto se chama obediência. é levar o ser até Deus, fazendo-o regressar ao S. Explica-se as-
Quando o indivíduo luta para satisfazer o seu impulso se- sim por que razão existe em nosso mundo esse estranho jogo da
xual, julgando cumprir assim a própria vontade, ele de fato insaciabilidade sem limites, pelo qual o homem, assim que al-
obedece à Lei, que quer a conservação da raça. Qual a reação cança um resultado, é levado a desejar atingir outro maior.
do homem, quando ele é deixado aos seus impulsos naturais? Se isto pode parecer uma armadilha do ponto de vista do
Ele agarra o mais que puder, seja com o roubo ou seja com o homem, não o é, porém, do ponto de vista da Lei, cuja vontade
trabalho, para gozar ao máximo o banquete da vida, o qual é que ele deseje coisas sempre mais adiantadas e realize, por is-
consiste em engordar no bem-estar e fecundar a mulher. O so, sempre novos esforços, porque esta condição é necessária
grande sonho é comer bem sem trabalhar, dispondo de todas as para ele experimentar, aprender e adquirir novas qualidades,
mulheres do mundo. Nisto está a satisfação, que é também desenvolvendo assim a inteligência e a consciência, a fim de
obediência à lei imposta pelos instintos no nível animal- subir, evoluindo. Tudo fica perfeitamente lógico e justo, pois
humano, onde a maioria dos homens se encontra hoje. atinge-se não o objetivo aparente – que, apesar de constituir
Quando o indivíduo, para satisfazer o seu orgulho, luta para apenas uma ilusão, o homem quer e julga ser o verdadeiro –
saciar a sua cobiça por honras, poder político, domínio, riqueza mas sim o objetivo real e substancial desejado pela Lei, cuja fi-
etc., julgando cumprir assim a própria vontade, ele de fato obe- nalidade é a evolução do ser, para o bem dele, com a sua salva-
dece à Lei, cuja vontade é que o indivíduo cumpra o esforço ção final. Assim, enquanto o homem corre atrás dos seus so-
para evoluir. A esse trabalho incessante estão submetidos indi- nhos, a Lei, na sua sabedoria, faz o que ele, na sua ignorância,
víduos e povos, movidos por suas insaciabilidades e rivalidades não sabe, dirigindo-o não para onde ele, errando, desejaria se-
para contínuas guerras, tanto as pequenas, em casos particula- guir, mas para onde convém que ele progrida.
res, como as grandes, envolvendo nações. Eles julgam seguir Eis a realidade que está atrás dos bastidores das aparências.
seus próprios impulsos, mas obedecem de fato aos impulsos da Quando o homem luta para satisfazer a sua fome, o seu instinto
Lei, que, por meio dos instintos, impele todos para onde ela sexual, o seu orgulho e a cobiça de posse e domínio, ele de fato
quer, deslocando-os para fora das suas posições de repouso, tão luta para a sobrevivência do indivíduo, para a conservação da
logo procurem realizar a sua vontade de descansar no gozo. As- raça e para evoluir. Isto é o que a Lei quer e impõe ao ser, agin-
sim, o homem tem de atuar sempre por repetição, destruindo do nele por meio dos seus próprios instintos. Antes de tudo, ela
para reconstruir melhor. A vontade dele, que seria engordar na quer que ele sobreviva como indivíduo. Mas, tão logo ele dis-
preguiça, não tem valor. Neste caso também, quem manda é a ponha de energia sobrando no bem-estar, a Lei o faz sentir-se
vontade da Lei, à qual o homem, sempre levado pelo seu insa- impulsionado a gozar, gerando e providenciando assim a con-
ciável desejo de crescimento para novas guerras e revoluções, servação da raça. Mas isto não pode bastar. Se a Lei faz tanta
tem, mesmo sem querer, de obedecer, para que, antes de tudo, questão de continuar a vida, isto não pode ser para nada, o que
seja realizado o objetivo da vida: evoluir. seria um absurdo sem sentido, dentro de uma lógica perfeita. E,
A razão que explica e justifica, em nosso mundo, a exis- de fato, o que faz o homem logo que satisfaz a fome e o sexo,
tência da dura lei da luta pela vida e da seleção do mais forte senão procurar enriquecer e dominar? Isto, no seu nível, signi-
está no fato de que essa lei é um meio para desenvolver a inte- fica crescer e evoluir, como quer a Lei, à qual ele obedece. Se a
ligência e, assim, impondo ao ser o esforço da subida, realizar Lei impõe a continuação da vida, isto acontece porque a vida é
a evolução. Lei feroz, porque estamos ainda no nível animal, um meio para realizar a evolução. E, se a continuação da vida,
porém, em relação a este e proporcionalmente ao seu baixo tanto do indivíduo como da raça, custa tanta luta, isto ocorre
grau de desenvolvimento e ao trabalho a ser cumprido aí, tudo porque a luta constrange o ser ao esforço, resolvendo-se toda
isto representa o meio e o método mais adequados de evolu- em evolução, que representa o seu fruto substancial.
ção. Lei enérgica, que se faz entender bem, porque elimina os Lutar para progredir! Eis o significado desta luta contínua
ineptos e preguiçosos, não lhes deixando o direito de sobrevi- de todos contra todos, de que o mundo está cheio. Mas, se aos
ver. Todas as vantagens para os vencedores, todas as renún- que executam tão duro trabalho perguntarmos por que o fa-
cias para os vencidos. Quem não faz esforços para subir é zem, eles afirmariam, sem saber explicar a razão, que apenas
condenado. Assim a Lei impõe o trabalho da superação contí- querem satisfazer um desejo seu, para atingir um objetivo
nua. Ela exige que o ser suba e sempre lute para isso. E o ho- próprio, além do qual nada conhecem. Mesmo assim, fazem
mem, julgando satisfazer-se a si próprio, corre para satisfazer tudo isto, não importa se por um impulso inconsciente. À Lei
a vontade da Lei, que o movimenta por dentro, através de seus não interessa que o homem saiba, e sim que ele obedeça, co-
instintos. É lógico que a Lei opere por dentro, porque ela é a mo de fato acontece. Nem se pode exigir que o homem, no
alma das coisas, que rege o universo. seu atual nível de ignorância, saiba. O conhecimento não pode
A ilusão do ser, de que nele esteja atuando apenas a sua chegar senão em níveis de vida mais adiantados. No entanto,
própria vontade, é o engano necessário para movimentar quem para alcançá-los, é necessário ter realizado o trabalho indis-
concebe a existência como revolta, engano este gerado pelo pensável e, com isso, ter conquistado inteligência e consciên-
próprio rebelde, como efeito da posição emborcada em que ele, cia, havendo merecido aquele conhecimento.
com sua revolta, quis colocar-se. Desse modo, dando-lhe a ale- Logicamente os mais evoluídos, que, encontrando-se excep-
gria do sucesso imediato, que o faz vitorioso, a Lei premia cionalmente na Terra, já entenderam o jogo, não caem mais ne-
momentaneamente o ser que lutou, pagando na devida propor- le. O desapego das coisas materiais, a falta de orgulho, a ausên-
ção, conforme a justiça, o esforço por ele realizado para a con- cia de cobiça de domínio e de posse, o espírito de altruísmo e de
quista. No entanto, independente da conquista obtida, a Lei ja- obediência à lei de Deus, tudo isto não é problema de virtude ou
mais deixa o ser ficar satisfeito, pois isto significaria parar na santidade, mas de inteligência, que vê onde está a verdadeira
subida e apodrecer na imobilidade, paralisando a vida no cami- vantagem. O evoluído não se enreda mais nas ilusões, que são
nho da evolução, que representa o único meio de salvação. As- necessárias para movimentar o involuído, ainda tão ingênuo, que
sim, tão logo o ser tenha realizado uma conquista e, com isso, julga serem verdadeiras as coisas mais enganadoras do mundo,
atingido um grau mais adiantado na subida, a Lei o deixa no somente apercebendo-se do engano tarde demais, quando chega
mesmo vazio anterior, impossível de ser preenchido, a fim de a morte e, com ela, a necessidade de abandonar tudo, uma vez
fazer a corrida para o alto e o respectivo esforço se tornarem que nada se pode levar das coisas do mundo. Então ele chora de-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 117
siludido, dizendo que tudo foi vaidade, porque tudo desmoronou tando-se do ponto final, onde a viagem acaba, e o que interessa
no vazio, nada restando consigo senão vento e saudade. E neste não está depois, mas sim antes dela.
choro está a saudável lição que o involuído tem de aprender. Estamos no nível das experiências materiais, ligadas à vida
A sua natureza de cidadão decaído do S o leva a desejar a física e confiadas ao subconsciente animal. Neste nível, as ex-
vida perpétua, fugindo aterrorizado da morte. Mas ele tem de periências espirituais conscientes só ocorrem excepcionalmente
aceitar o ciclo ininterrupto vida e morte, necessário para a re- e o ser não pode aprender senão por meio da dor, porque outra
novação, que é indispensável para promover a evolução. A ne- escola ele não entende. Não se pode contar com uma inteligên-
cessidade de evoluir é tão urgente como os impulsos da fome e cia que ele ainda não possui. Já explicamos a técnica automáti-
do sexo. É por isso que sempre ocorrem guerras e revoluções, ca do método da dor, com a qual a Lei ensina na classe dos
pois o ser encontra-se incessantemente submetido a essa neces- primitivos. A ignorância, qualidade dos seres próximos do AS,
sidade de renovação, para subir e recuperar, com o seu esforço leva ao erro, e o erro leva à dor. O sofrimento, então, é o desti-
contínuo, tudo o que foi perdido. Assim, a inteligência vai-se no natural para eles, que devem evoluir custe o que custar, pois,
desenvolvendo sempre mais, e isto permite compreender cada sem evolução, não se pode atingir a salvação, sendo impossível
vez melhor a vaidade do orgulho e da cobiça, fazendo ver que o para um ser ainda inconsciente entender outra lição. Eis a fun-
valor do indivíduo não está no que ele possui, mas sim no que ção benéfica da dor, que, na perfeita organização da obra de
ele é. Chega-se então a compreender a inutilidade das guerras e Deus, não pode existir para nada e, muito menos ainda, para
revoluções, pois tudo se pode resolver com a boa vontade e a uma finalidade de mal. A dor sabe ensinar a todos, inclusive
sinceridade, sem destruição, que é prejuízo para todos. A ver- aos rebeldes e aos descrentes, assim como aos ignorantes. Se a
dadeira substância desse jogo, o resultado permanente e de real Lei, porém, tem de usar esses duros métodos nos níveis mais
valor, é que o homem, lutando, cumpre o esforço necessário pa- baixos, ela os abandona, tão logo o ser os tenha superado.
ra evoluir e, com isso, realiza a sua evolução. O homem do fu- Eis então como a escola funciona. Quando o caminho não
turo não será mais tão simplório, para continuar a correr atrás está certo, logo aparece a dor, que avisa. Quem bateu com a ca-
de tantas ilusões, cujo engodo terá compreendido. beça volta para trás e, na próxima vez, procura não repetir o er-
Assim orientados, podemos agora encontrar uma explica- ro, que acarreta sofrimento. Não é necessário muita inteligência
ção melhor do que vemos acontecer em nosso mundo atual. para isso. A dor, ensinando a evitar o erro, o elimina, destruin-
Aqui, o homem permanece ainda no nível da animalidade, on- do a ignorância, e atinge assim o seu objetivo, que é fazer os
de a lição de que agora falávamos é aprendida em forma con- involuídos evoluírem. Podemos ver agora o ciclo de ida e volta
creta, não por meio da inteligência, que ainda tem de se desen- desse processo. A ignorância gera o erro, que gera a dor, que
volver, mas através de experiências vividas e percebidas pelo destrói o erro, que, por sua vez, destrói a ignorância. E destruir
caminho dos sentidos. Neste plano, a demonstração por meios a ignorância significa subir os primeiros degraus da inteligência
racionais e a compreensão completa da lógica da Lei e das úl- e encaminhar-se para a compreensão da Lei, seguindo para es-
timas finalidades da vida ainda não foi atingida. Com a razão e piritualidade. Esse é o conteúdo do fenômeno pelo qual o triân-
a ciência, o homem resolveu muitos problemas práticos parti- gulo vermelho da positividade vai pouco a pouco e progressi-
culares, mas não desenvolveu uma visão de conjunto que o vamente destruindo o triângulo verde da negatividade. Com es-
oriente de forma positiva no terreno espiritual, dando aos tes exemplos práticos, podemos melhor entender a teoria.
grandes porquês uma resposta clara, que ficou relegada às filo- A Lei, que conhece o grau de inteligência dos seus alunos,
sofias empíricas discordantes e às religiões rivais, apoiadas na sabe que, no plano deles, seria inútil, para a maioria, tentar mos-
fé cega e no mistério, e não na demonstração. Então o homem, trar por meios racionais as maravilhas da lógica de Deus. É ne-
para atingir um conhecimento positivo, que ninguém lhe ofe- cessário, então, para se fazer entendida, que ela fique, como há
rece, vai na prática experimentando por sua conta, com o mé- pouco dizíamos, no nível dos sentidos. Assim o homem recebe o
todo da tentativa, o único ao seu alcance, onde cada erro é pa- que lhe é mais útil: sofrimentos bem sensíveis, como doenças,
go, aprendendo pela dor e, com ela, pagando o erro. miséria, morte de pessoas queridas, perseguições, fracassos, de-
O que de fato dirige a psicologia das massas é o subconsci- silusões, amarguras, perda do que ele mais faz questão de possu-
ente, com os seus impulsos atávicos, que chamamos de instin- ir, perda esta tanto maior e dolorosa, quanto maior for o apego.
tos, filhos de experiências primitivas. A civilização apenas pin- A prova, porém, como é lógico, acaba tão logo a lição tenha sido
tou a parte externa do animal, aperfeiçoando a forma com a sua aprendida. Desse modo, o ser, assim que o apego desaparece,
técnica, mas permanecendo só na superfície, enquanto no fundo pode receber em abundância, pois esta não representa mais um
continuou a velha substância. Quais são as ideias que mais inte- perigo, uma vez que ele aprendeu a fazer bom uso dela.
ressam à alma popular, às quais ela responde melhor, porque as Mas a Lei usa esse método da dor também por outra razão,
compreende? A imprensa miúda, que mais atrai o público nos dada por um princípio de justiça. Se o ser se encontra num es-
jornais, revela qual é a forma mental da maioria. O que preva- tado de ignorância, de onde deriva o erro e a dor, isto foi por
lece é a luta pelo dinheiro (negócios e roubos), o sexo (amores) vontade e culpa dele, que quis rebelar-se. Por isso é justo ele
e o espírito de domínio (política). Para isto existe a grande pele- sofrer as consequências da sua revolta, que são ignorância, erro
ja da vida entre indivíduos e povos, até furtarem-se, esmaga- e dor. É lógico e justo, estando implícito no princípio de ordem
rem-se e matarem-se, a fim de conquistar riqueza, mulheres, e equilíbrio da Lei, que o ser tenha de endireitar o que ele em-
comando civil ou poder bélico. Por isso se cometem crimes par- borcou e que o pagamento das suas culpas tenha de sair dos
ticulares, apesar de condenados pelas leis, e crimes coletivos de seus esforços e sofrimentos. É justo que o ser experimente to-
guerra, glorificados pelos povos. Esta é a conversa que todos das as consequências da revolta. Se, no emborcamento, elas se
compreendem: lutar, ganhar, gerar, dominar e, se para isso for desenvolveram no encadeamento revolta, ignorância, erro e
necessário, matar, num ritmo de recambio biológico vida-morte dor, o ser tem agora de percorrer com a sua fadiga e sofrimento
tanto mais rápido quanto mais o ser é primitivo. Se falarmos de o caminho em sentido oposto, de endireitamento dos mesmos
coisas acima deste nível, a massa pouco percebe ou então en- termos, no encadeamento dor, lição, conhecimento e obediên-
tende de outra maneira. Uma espiritualidade tomada a sério, e cia. Eis a razão pela qual a redenção se realiza através da dor,
não pregada para cobrir outras finalidades, ditadas pelos instin- que representa a escola para ensinar o ser e o tratamento para
tos, interessa só a uma minoria. Para o homem comum, a vida sanear a queda, levando à salvação. É por isso que, nas religi-
real é a terrena, enquanto a do além-túmulo é coisa longínqua, ões, o conceito de redenção está ligado ao de sofrimento (pai-
sem certeza. Para ele, a morte é morte, e não ressurreição, tra- xão de Cristo). Se o ponto de partida foi a culpa da revolta, é
118 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
justo que só o resgate realizado pelo trabalho do ser possa re- não consegue compreender e viver o Evangelho – que resolve-
construir o equilíbrio quebrado. Por essa razão é que, no capitu- ria tudo – senão depois de ter sofrido os efeitos dos seus pró-
lo precedente, falamos da necessidade do esforço do ser para re- prios erros e, assim, ter pagado com os seus sofrimentos todas
alizar a evolução, uma vez que não há outro caminho para ven- as suas dívidas. Não é justo levar vantagem sem ter merecido,
cer a ignorância e voltar ao conhecimento, senão a experiência como também não é justo melhorar senão depois de ter apren-
da dor. É lógico que o impulso para um exagero de poder, atin- dido às próprias custas a lição que ensina a não cometer mais
gido com o transbordando para além dos limites da ordem de erros contra a Lei. É por isso que o homem só poderá chegar à
Deus na ilícita expansão que se seguiu, tinha de ser equilibrado compreensão do Evangelho e, com isso, à salvação depois de se
por uma correspondente e oposta contração, a qual levou à igno- haver crucificado por si mesmo, pelos efeitos dos seus próprios
rância e à dor, ao invés de uma maior sabedoria e felicidade, que erros. É lógico e justo que não seja possível aprender sem expe-
o ser, com a revolta, foi procurar fora da ordem de Deus. rimentar, receber sem pagar, cometer erros e evitar a dor, esca-
Com a revolta, o ser ficou preso no ciclo que ele mesmo ge- par aos efeitos quando foram semeadas suas causas. Quem des-
rou. Podemos agora, integrando os conceitos precedentes, ver o trói a casa com suas mãos, com suas mãos tem de reconstruí-la,
ciclo completo: felicidade (S), revolta, queda involutiva, igno- se não quiser ficar sem casa. Se o ser prefere ficar na dor do
rância, erro, dor (AS), experiência, conhecimento, subida evo- AS, Deus respeita a sua vontade, mas o prejuízo é somente de
lutiva, obediência, felicidade (S). Neste processo, o ser, saindo quem assim quiser. Cristo avisou com palavras e mostrou com
do S, é levado de volta para o S, seu ponto de partida. Cada o exemplo, mas deixou a liberdade de escolha para o mundo,
termo está ligado ao outro por geração, de modo que cada um que assim, conforme a sua opção, ficou na dor.
tem, no precedente, o pai e, no seguinte, o filho. Assim o ciclo ◘ ◘ ◘
está fechado em si mesmo, não havendo dele, que na sua pri- Esta nossa observação da Lei e da posição do ser dentro de-
meira parte é emborcamento em descida, outra saída e solução la nos mostra também outros fatos e qualidades do fenômeno
senão a sua continuação em direção oposta, isto é, no endirei- queda-salvação. Vemos então que a evolução não é somente
tamento em subida, como encontramos na sua segunda parte. A um processo telefinalístico, previsto, pré-ordenado e dirigido
dor (AS) está no fundo do ciclo, assim como a felicidade (S) es- para um fim pela Lei, mas também uma vontade de salvação
tá no cume dele. A experiência, filha da dor, corrige o erro, pai em favor do ser, que ela orienta para o bem dele, impelindo-o a
da dor. O conhecimento, filho da experiência, corrige a igno- regressar a Deus no S. Podemos assim compreender a lógica
rância, mãe do erro. A subida evolutiva, filha do conhecimento pela qual é regido o fenômeno da evolução, que não nos apare-
e da experiência, corrige a queda involutiva, mãe da ignorância ce mais como um caso avulso, isolado e sem razão, mas sim
e do erro. A obediência, filha da subida, do conhecimento e da como um processo logicamente inserido e implantado no funci-
experiência, corrige a revolta, mãe da queda, da ignorância e do onamento orgânico do todo. Desse modo, vemos que a evolu-
erro. Assim a obediência, mãe da felicidade, acaba corrigindo a ção se baseia sobre um princípio de equilíbrio e justiça, que é
dor, filha da revolta. O processo se fecha com a anulação da dor fundamental na Lei. Explica-se assim e justifica-se tanto a re-
(AS), à qual se substitui a felicidade (S). sistência que o ser encontra na subida para vencer a negativida-
A Lei tudo rege e regula com inteligência e justiça. A cada de do AS, como a ajuda que ele recebe de Deus para cada con-
degrau de emborcamento em descida corresponde um degrau quista de positividade realizada no S. Explica-se também a ne-
oposto de endireitamento a realizar em subida. O ser está fe- cessidade de esforço para o ser subir e de obediência à Lei,
chado entre estes dois períodos opostos do ciclo. Cada passo, porque, assim como foi a vontade de revolta do ser que embor-
tanto na descida como na subida, é a consequência do outro. O cou o S no AS, também tem de ser a vontade de obediência que
ser sofre porque erra, erra porque é ignorante, é ignorante por- deve impulsionar a evolução e endireitar o AS no S.
que caiu e caiu porque se revoltou. A segunda parte do ciclo es- Podemos agora compreender qual é verdadeiramente o con-
tá implicitamente contida na primeira. A dor experimentada pe- teúdo e a substância do fenômeno evolutivo. Nele, vemos que a
lo ser é o que lhe dá o conhecimento, pelo qual ele sobe evolu- negatividade vai-se retraindo cada vez mais, enquanto a positi-
tivamente, e isto significa voltar à obediência da Lei, para, na vidade vai-se dilatando sempre mais à custa daquele, consti-
ordem assim reconstituída, reencontrar por fim a felicidade. tuindo dois movimentos compensados, inversos e complemen-
Tudo isto explica, conforme a lógica e a justiça, o estado tares. Quanto mais o segundo conquista, tanto mais o primeiro
atual do ser humano, submetido a erros e sofrimentos. Isto recua. Isto nos mostra que a evolução é produto não somente de
concorda com os ensinamentos das religiões, que fazem da dor um processo de construção, mas também e ao mesmo tempo de
um meio de redenção e um caminho para a felicidade. A Lei um paralelo processo de destruição, que condiciona o primeiro,
está lá, escrita por Deus na alma das coisas, indelével e imutá- num trabalho que destrói a obra de mal, feita pelo ser com a sua
vel. O ser, com a revolta, arrancou os próprios olhos e não a vê revolta, e reconstrói o que ela continha de bem, conforme Deus
mais. Não adianta mostrá-la, porque ele se tornou cego. Para criou antes da queda. Então a evolução não representa uma
que ele a veja, é necessário reconstruir os seus olhos, e isto não construção inédita, de algo novo, mas sim a reconstrução do
pode ser feito senão por ele mesmo, com o seu esforço e sacri- que já existia e foi destruído. É por isso que a evolução, nas su-
fício. Não há outro caminho. Cristo só nos quis dar o exemplo as diretrizes, não se realiza ao acaso ou por tentativas cegas,
da crucificação, que pertence depois a cada um de nós, porque mas sempre seguindo um trilho pré-estabelecido, bem definido
a revolta não pode ser curada e a salvação não pode ser atingi- em função da estrutura do objetivo final, representado pelo or-
da sem crucificação. Todos os destino humanos não podem ganismo que já existia antes, mas foi destruído e, agora, tem de
deixar de obedecer à Lei, tendo de se desenvolver dentro dos ser reconstruído. No caminho de ascensão do ser, apesar de er-
princípios estabelecidos por ela. ros e incertezas da parte dele, há, da parte da Lei, a certeza do
Tudo isto esclarece também um outro fato, explicando co- plano já estabelecido por Deus, desde o primeiro momento, na
mo tenha acontecido que, apesar de Cristo nos ter ensinado a criação do S. No telefinalismo do processo evolutivo, a Lei sa-
receita cujo tratamento resolve a doença, poucos a usaram para be com absoluta segurança, em cada momento, aonde ela quer
se curar, buscando pelo contrário estudar a arte das escapató- levar o ser, impulsionando-o exatamente para os objetivos esta-
rias, a fim de fugir do tratamento. Seria fácil demais e, portanto, belecidos por ela, não obstante, devido à ignorância na qual ele
não seria justo atingir a salvação de graça, por ter encontrado a quis cair, deixá-lo errar à vontade nas trevas da inconsciência.
solução já pronta, sem ter de ganhá-la com o próprio esforço. É lógico e justo então que a falta de conhecimento e as conse-
Isto significaria evadir-se do dever de pagar. É por isso que o ser quências disso fiquem somente com o rebelde, que a mereceu, e
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 119
não com a Lei, que ninguém pode alterar. O S permaneceu de constranger a isso, mas porque ele não ficará satisfeito e não te-
pé, como ponto de partida no início, para se tornar no fim o rá paz, enquanto esse endireitamento não for realizado.
ponto de chegada. Nada se pode destruir ou criar em sentido Desse modo, o fenômeno involução-evolução, apesar de es-
absoluto, então o ser não possuía tal poder, sendo-lhe possível tar plenamente em poder do ser e à sua livre escolha, encontra-
somente a transformação do + em –, com a involução, e do – no se completamente encerrado no absoluto determinismo da Lei,
+, com a evolução. Este era todo o espaço que a Lei deixava à que estabeleceu os limites dentro unicamente dos quais os mo-
liberdade do ser, mas apenas no tocante a si próprio, ou seja, à vimentos do ser podiam ser realizados. E, de fato, jamais ele fi-
posição que ele quisesse escolher dentro da estrutura criada por cou tão preso dentro da Lei e do seu determinismo como quan-
Deus no organismo do todo. do, rebelando-se, tentou sair dela. Conforme os fatos por nós
No que diz respeito ao ser na sua fase atual de regresso, esta aqui observados, nunca a Lei se revelou tão poderosa e dona de
transformação significa que, para ele, o conteúdo do processo tudo, como quando o ser procurou destruí-la, para substituí-la
evolutivo se caracteriza agora pelo fato de seus impulsos nega- por outra. Todo o processo de involução, assim como o embor-
tivos, inimigos dele e agentes da resistência a ser vencida para camento da posição do ser no S para o AS e o fato de ter sido
retornar ao S, transformam-se, pelo próprio esforço do ser, em ele levado, como resultado da descida, a uma tal derrota, quan-
impulsos positivos, a favor e amigos dele, ajudando-o a subir do sua vontade se dirigia no sentido oposto, para vencer e cres-
para o alto. Assim, uma vez que esses impulsos de resistência cer, são o produto da mais enérgica reação da Lei e nos provam
contra o ser foram gerados pela sua revolta contra a Lei, os im- o quanto ela é poderosa e dona absoluta de tudo.
pulsos de ajuda em favor do ser são agora gerados pela sua O nosso mundo continua sendo tão simplório, que acredita
obediência à Lei. Eis a razão por que, na fase da queda devida à mais no poder do “eu” do que no de Deus, mais no poder da re-
revolta, nasceram os impulsos inimigos contra o ser, e por que, volta do que no da obediência. Não estará claro, agora, após
na fase da subida através da obediência, podem nascer os im- termos explicado tantos aspectos do problema, que o homem
pulsos amigos favoráveis. Pertence ao ser, voltando com a sua atual concebe a vida às avessas? Não será esta sua forma mental
obediência a funcionar na ordem da Lei, a tarefa de transformar aquela do rebelde? E como seria possível um ser assim, que se
as resistências em ajudas, o impulso negativo em positivo. Ao coloca vivendo em posição emborcada, não ter de sofrer. De que
ser foi deixado o poder de se remir com a sua obediência, como maneira se pode atingir a felicidade nestas condições? Na lógica
lhe havia sido deixado o poder de se arruinar com a sua revolta. do todo, que é obra de Deus, como é possível que haja lugar pa-
Esta constitui toda a amplitude de oscilação de ida e volta que a ra tal absurdo? Não é loucura, então, querer conquistá-la à força,
Lei permite ao ser percorrer, e nada mais. Ele está fechado den- como acontece no mundo? A dura conclusão é que vivemos pre-
tro desses limites, estabelecidos pela Lei, e deles não pode sair. sos dentro dos tristes resultados de uma contínua revolta, os
Ao mesmo tempo, porém, a Lei está construída de uma tal quais não podem trazer senão sofrimento. Ao invés de se procu-
forma, que o ser só pode receber dela as respectivas reações e, rar seguir o caminho da obediência, que leva para a salvação,
portanto, somente poderá atingir os resultados desejados por procura-se uma saída às avessas, numa revolta e descida cada
ele, se souber movimentar-se com inteligência, conforme os vez maiores, o que não pode gerar senão sempre maiores dores.
princípios dela. É pela sua própria estrutura que a Lei se rebe-
la contra o rebelde, enquanto obedece ao obediente. Assim, XIII. UMA ETICA PROGRESSIVA
ela se volta contra quem vai de encontro a ela, e colabora com
quem, seguindo os planos de Deus, busca ir ao encontro dela. Para melhor compreender as teorias que vamos desenvol-
Desse modo, automaticamente, a Lei se torna amiga de quem vendo e o significado da figura que as expressa, procuremos
escolhe se tornar seu amigo. Tudo depende da vontade do ser, agora encontrar uma confirmação delas nos fatos de nossa vida,
ao qual a Lei bondosamente tudo oferece, desde que ele saiba o que nos permitirá averiguar se correspondem à verdade. Con-
procurar, seguindo as normas preestabelecidas. Tudo depende tinuemos assim executando o controle do fenômeno da subida
da livre conduta do ser, seja quando a revolta o leva para as do AS ao S, YX, restringindo-nos apenas ao trecho humano, o
suas consequências negativas, seja quando a boa vontade de qual temos sob os olhos, para ver o que esse fenômeno repre-
recuperação o leva para as consequências opostas. Tanto na senta para nós e verificar a correspondência entre a teoria e a
queda como na salvação, no mal como no bem, tudo o que cai prática. Será possível assim explicarmos a razão de alguns fatos
em cima do ser é sempre fruto da sua própria obra. A Lei é que vemos acontecer em nosso mundo, sobretudo a respeito do
boa com os bons, e má com os maus, porque devolve ao ser o caso mais imediato, constituído pela nossa conduta.
que dele recebe, respondendo com a mesma linguagem que o Já falamos que a ética não é um fenômeno estático, mas sim
ser usa para falar com ela. Em si mesma, a Lei não é nem boa relativo e em evolução. Cada plano de vida tem a sua ética par-
nem má, porque ela está acima de tudo, além do bem e do ticular, proporcionada ao grau de conhecimento atingido pelo
mal, inexistindo nela esta cisão dualista, que é obra do ser, re- ser naquele plano. Então há uma ética progressiva, cujas formas
sultado de sua revolta. Na Lei não há os conceitos de mal, er- sucessivas a ética universal da Lei, a única completa, abrange.
ro, culpa e dor, que se encontram fora dela, na fase de embor- No plano do homem, a ética significa o grau de conhecimento
camento, e desaparecem com o regresso a ela. da Lei atingido por ele, em proporção ao desenvolvimento da
Então é pela própria lógica da Lei que, assim como a revolta sua inteligência, o que define, por conseguinte, a natureza e o
contra ela gerou a dor, também a obediência a ela tem de gerar grau de perfeição das normas que dirigem o ser humano no
a felicidade. Portanto quem sai da ordem de Deus cai em todos momento atual. Expliquemos com um exemplo.
os males, e quem volta àquela ordem alcança todos os bens. O Se supusermos que o ser humano está situado no ponto A 3
ser é livre e pode, de acordo com sua vontade, criar para si o in- da escala YX da evolução e que a forma dos seus vários bióti-
ferno ou o paraíso. Porque a Lei o deixa, ele pode construir pa- pos possa oscilar, abrangendo uma amplitude que vai do nível
ra si o mundo que bem preferir, para aí se colocar e nele viver. limítrofe inferior, A2, ao superior, A4, isto é, da besta ao super-
Mas o ser tem de aprender, à própria custa, a fazer bom uso da homem, teremos três posições ou degraus evolutivos: A 2, A3 e
sua liberdade, tendo de suportar as tristes consequências do A4, com diferentes graus de ignorância ou inteligência em cada
mau uso dela. O ser foi uma vez e continua sendo sempre dono um destes três pontos, proporcionais à compreensão e ao rela-
do seu destino, para escrevê-lo com suas próprias mãos, e tivo tipo de ética. Para simplificar e, assim, atingir uma clare-
Deus o deixa livre para escrevê-lo como quiser. Mas, se o ser o za maior, restringiremos o nosso campo de observação, foca-
escrever errado, terá de endireitá-lo, não porque alguém o irá lizando o aspecto básico da ética, isto é, o conceito de justiça.
120 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
Veremos então que, nos três pontos: A2, A3 e A4, encontram-se vencido, sendo garantido pela lei, mesmo que essa vitória tenha
três diferentes tipos de ética, às quais correspondem três dife- sido fruto de engano, contanto que o vencedor tenha sabido fi-
rentes maneiras de conceber a justiça, segundo cada um dos car formalmente dentro das normas estabelecidas pela lei.
três planos: 1) O nível evolutivo da fera; 2) O nível animal- O resultado desse método é que, hoje, um homem hábil po-
humano; 3) O nível super-humano. de cometer roubos e crimes, desde que saiba ficar dentro dos
1) No plano biológico da fera, tudo pertence, em pleno di- limites da lei, sem cair na sua condenação. Esta é a forma pela
reito, ao mais forte que sabe vencer. O fraco vencido não tem qual, muitas vezes, o homem vai hoje desenvolvendo a sua in-
direito algum, nem ao menos à vida. Esta é a ética que vigora teligência. E na psicologia das massas há até uma secreta admi-
neste plano, proporcionada à capacidade de entendimento do ração, ou mesmo inveja, por esse tipo de vencedor, que corres-
ser que vive nele. É a lei da luta pela vida para a seleção do ponde aos instintos ainda vigentes. A sociedade o condena, se
mais forte, segundo a qual a justiça consiste no triunfo absoluto ele é perigoso para ela, mas admira a sua habilidade, se for
do mais forte e na destruição do mais fraco. Esta é a lei da fera, vencedor, respeitando nele a astúcia, que é para o involuído
constituindo a sua justiça, porque este é o método pelo qual ela prova de inteligência, enquanto, para o evoluído, é prova de ig-
realiza a sua evolução. Outro método a fera não poderia enten- norância. Se tal indivíduo, porém, der prova de não possuir esta
der, nem saberia fazer melhor. Neste nível, onde o objetivo da habilidade, ele é condenado e punido, porque, neste caso, torna-
vida é selecionar o mais forte, este é o conceito correto de justi- se culpado. Mas culpado de quê? Culpado de não ter sabido
ça. Também o homem, quando usa o método da guerra, retro- vencer usando a astúcia humana, porque este é o método que a
cede ao nível biológico da fera. Por isso ele, quando vence com maioria aceita e exige, para substituir o outro mais atrasado da
a guerra, julga ser seu pleno direito, conforme o conceito de violência física. O método atual é diferente, mas a forma men-
justiça desse plano, matar, destruir e escravizar, praticando mé- tal permaneceu a mesma do nível precedente. Ai de quem se
todos que, na sua vida social normal, ele próprio julga crime. É mostra fraco! Eis o conceito de justiça nesse plano.
lógico, porém, que o homem, quando desce a esse nível da fera, Existem as leis e as suas normas, dentro das quais tem de fi-
fique sujeito à lei deste plano, a qual também autoriza qualquer car preso um ser com instintos às vezes ainda selvagens, que,
outro ser mais forte a fazer contra ele, em plena justiça, o que aguçando o engenho, vai procurando todas as escapatórias para
ele fez contra os outros, quando foi vencedor. Disto resulta uma se evadir da ordem, a fim de vencer e dominar. As leis estão
peleja contínua, como vemos em nosso mundo, onde há luta e disponíveis, mas quem as movimenta, obedecendo ao impulso
insegurança geral, o que representa a punição automática, con- interior dos seus instintos, é o interessado. A ele pertence a ta-
sagrada por este método, para todos que o seguem. refa de colocar em ação a justiça, que, se não for posta em mo-
2) No plano biológico animal-humano, aparecem as leis ci- vimento, permanece quieta e não defende quem não sabe de-
vis, penais, religiosas e morais, que estabelecem o lícito e o ilí- fender-se. Tal justiça não vai contra a lei de luta e evolução, e
cito. A vida não está mais no poder do arbítrio do indivíduo, esta exige que o indivíduo saiba vencer, se não quiser sofrer o
mas sim sujeita a uma norma que pretende regular o uso indis- dano da derrota. Então esta justiça depende muito da inteligên-
ciplinado da força. No seio da sociedade desponta uma ordem cia do queixoso, dos recursos que ele possui para poder esco-
superior, para refrear o individualismo e regular o caos da li- lher o melhor advogado, das provas que a habilidade do seu de-
berdade ilimitada. À força se substitui a lei, que estabelece fensor saberá encontrar e da defesa que ele saberá construir
quais são os direitos e os deveres de cada um. Uma regra cole- com elas, para que o juiz se convença de uma maneira favorá-
tiva disciplina o arbítrio. O homem fica preso dentro desta regra vel, e não ao contrário. Há nisso todos os elementos de um due-
pela força, representada pela sanção punitiva, que lhe inflige lo entre indivíduos armados, porém disfarçado em outra forma,
dano material, econômico, espiritual etc., e assim obedece. Mas constituída pela mesma substância e dirigida pela mesma psico-
nem por isso acaba a luta, o que significaria parar o esforço logia de luta. Quem perdeu é condenado porque perdeu, e quem
evolutivo e, com isso, a ascensão do ser. A força permaneceu, venceu tem razão porque venceu. Então a culpa maior, como
mas nas mãos dos dirigentes e, antes de tudo, para defender os em todos os duelos, é se ter deixado vencer.
seus interesses; ficou, mas teve de se cobrir com a roupagem da São as regras do duelo que estabelecem onde está a justiça.
lei, do direito, da justiça. Assim a luta tomou outra forma, e a Se um indivíduo, sendo culpado, não sabe escapar à acusação
vida se dirigiu para outro tipo de seleção, mais refinada, não de culpa ou, sendo inocente, é incapaz de demonstrar a sua ino-
mais para escolher o mais forte, e sim o mais inteligente. Eis cência, então é consoante a justiça que ele seja punido. Tal con-
que desponta o primeiro grau de inteligência, o mais baixo, que ceito autoriza como legítimo o desabafo dos instintos de agres-
já se encontra nos animais: a astúcia. Aparecem a mentira, o sividade que ainda sobrevivem no homem, consequência da de-
fingimento, o engano, como arma de luta pela vida e meio de sordem do passado, quando todos indivíduos eram inimigos na-
seleção, não mais para a conquista de qualidades físicas, e sim turais entre si. A função da lei deveria ser regular tal desafogo.
mentais. Para sobreviver, o ser está constrangido a pensar, o Ele, porém, fica praticamente lícito, quando é realizado dentro
que leva a vida a realizar conquistas novas, num nível mais alto dos limites daquela lei, tomando a forma que se chama de justi-
de evolução. Mas estamos ainda no inicio, e o nosso mundo es- ça. Então basta encontrar o homem fraco e simplório, desprovi-
tá cheio desses meios detestáveis. Agora, porém, podemos do de recursos e inteligência para se defender, para que todos
compreender por que razão isto ocorre e qual é a sua função. possam aproveitá-lo à vontade, ficando nos limites da justiça.
Como age então o homem deste plano, que, preso no torno Esta foi, antes do aparecimento do Evangelho, a fase bíblica do
da lei, nem por isso pode deixar de lutar para vencer o seu ini- homem: “Quem foi visto culpado contra a lei, seja apedrejado”.
migo? Em vez de lutar fisicamente, ele o faz numa nova forma, 3) No plano biológico super-humano vigora um conceito de
com um advogado, um juiz de direito, um tribunal etc. A arma justiça completamente diferente. Aqui foi superado e desapa-
que usa desta vez é a lei e, no uso desta arma, ele não desen- rece completamente o principio animal da luta pela seleção do
volve mais as suas qualidades físicas, mas sim as mentais. Eis a mais forte, inclusive daquela realizada por meio da lei, usada
diferença. Trata-se de uma violência diferente, mais requintada como arma, tal qual um guerreiro empunhando a espada, cujo
e sutil, de uma outra estratégia de guerra e método para vencer, poder, inerte por si só, depende da força do lutador. Neste pla-
mas sempre por meio de uma arma e da luta. Quem sabe prati- no superior, o mais forte é o mais justo e a justiça é justiça, e
car esse método conforme as normas estabelecidas pela lei e não o resultado de uma luta que, apesar de legitimada por uma
dar prova de ser inteligente o bastante para saber vencer com lei na qual se estabelecem as regras do jogo, permanece sem-
ele, pode, em plena justiça humana, impor o seu direito contra o pre num plano inferior. Se, no nível humano, ser inocente não
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 121
tem tanto peso quanto saber parecer inocente – à semelhança perdoar signifique deixar o inimigo vencer, pois isto, no plano
de um duelo, onde mais do que na justiça, o peso está de fato da luta, é perda e culpa. Mas quem conhece a Lei sabe que per-
na habilidade do duelista – pelo contrário, no plano super- doar significa entregar o ofensor nas mãos de um juiz muito
humano, a balança da justiça é equilibrada e corresponde ao mais exato e poderoso, à justiça do qual não há como fugir.
merecimento, não sendo possível colocar a espada num prato Nessa justiça, a punição não é um simples desafogo dos ins-
para substituir o peso do mérito. O princípio da força, como tintos de agressividade, condição que excita no lado oposto a
desafogo dos instintos de luta, não existe mais neste nível. Não reação do duelista, pois este, ao receber o choque, procura por
basta, então, obedecer às normas estabelecidas pela lei, para sua vez devolvê-lo, gerando assim um interminável atrito, co-
que a força se torne justiça, o direito garanta e o uso do poder mo acontece em nosso mundo, na luta entre os criminosos e a
pelo mais forte se torne legítimo. lei. No conceito de justiça desse nível superior somente é admi-
Neste plano super-humano, a lei do mundo tem um valor tido, justificado pela necessidade imediata, o direito de afastar o
muito relativo e é substituída por uma outra, muito mais valiosa culpado que ainda não foi educado. Direito de isolá-lo, se ne-
e perfeita: a lei de Deus, que raciocina, calcula e atua de manei- cessário, porque a sociedade deve se defender do indivíduo que,
ra completamente diferente. Com isto, não queremos dizer que por inconsciência, torna-se perigoso. Nunca, porém, o direito
o método humano hoje vigente não esteja certo. O princípio é de fazer o mal. A verdadeira justiça não pertence ao homem,
que “tudo está certo, quando se encontra colocado no seu devi- mas a Deus, que é o único a possuir o conhecimento necessário
do lugar”. Assim, o atual método humano está certo, mas so- para poder praticá-la. Neste plano vigora a lei do Evangelho,
mente se o colocarmos no nível biológico ao qual ele pertence, dizendo: “não julgueis”, o que tira ao homem o direito de con-
reconhecendo que o seu devido lugar é na 2 a, e não na 3a das denar e punir. Não há lei que possa autorizar a fazer o mal con-
três posições que estamos aqui observando, de maneira que fi- tra ninguém, mesmo contra quem, por não ter sabido defender-
que colocado não no plano da verdadeira justiça, 3 a posição, se dos seus erros ou não ter sido educado para não cometê-los,
mas sim no plano da força disciplinada em forma de direito e foi julgado culpado. No nível biológico atual, apesar de ser
legitimada pela lei, 2a posição. Não há dúvida que tal método conduzida com as armas civilizadas da legalidade, não existe
representa uma necessidade em nosso mundo atual. Mas por justiça, mas sim luta, na qual se trava um combate onde o cul-
quê? Porque o nosso mundo pertence àquele nível evolutivo. E, pado é quem não sabe vencer com tais armas. Quem pune em
de fato, tão logo subamos a um plano mais adiantado, aquele nome de tal justiça, julgando ser isto um direito seu, se fosse
método se torna absurdo, injusto e inaceitável. observado conforme os princípios desse plano superior, seria
No plano biológico super-humano vigora outro princípio, condenado, porque nunca se pode fazer o mal, e quem o faz
que, exigindo uma outra forma mental, é impossível de ser rea- tem de pagar por isto, mesmo estando autorizado por todas as
lizado com a forma mental do comum biótipo humano atual. leis civis, penais e religiosas. E, de fato, o nosso mundo conti-
Em nosso mundo, quando um homem é condenado pela lei hu- nua sempre pagando. O erro está no fato de que leis, juízes e
mana, adquire-se com isso o pleno direito de persegui-lo, desa- tribunais estão situados no mesmo nível biológico do condena-
fogando contra ele, em nome da lei e da justiça, nossos instintos do, a quem cabe esta condição porque ele representa uma mino-
de agressividade. Em um nível superior, pelo contrário, ele é ria desorganizada, lutando contra uma maioria organizada e
julgado um ignorante, que, por não saber o que faz, fere-se a si mais poderosa. Trata-se de um conflito entre dois duelistas, no
próprio com suas mãos, precisando por isso ser ajudado a com- qual a vitória pertence ao mais forte, enquanto a verdadeira jus-
preender o quanto está arruinando a si mesmo, com o mal por tiça não pode descer senão de um plano superior, da parte de
ele praticado. Em nosso plano, preocupamo-nos muito com a seres que, pertencendo a tais níveis, podem julgar, porque não
sanção punitiva, porque contamos somente com as nossas for- estão dentro, mas fora e acima do conflito.
ças para a sua atuação, e não com a lei de Deus, enquanto o Este é o conceito de justiça no nível super-humano, onde não
próprio culpado acredita que basta escapar às leis humanas para se realiza a seleção do mais forte, nem do mais hábil e astuto,
estar quite e livre. Mas, num plano superior, o conceito de san- mas sim do mais honesto e bom. Então esse conceito, visto com
ção é completamente diferente, porque depende de outros ele- a forma mental do atual plano biológico humano, é julgado uto-
mentos. Quem conhece a Lei sabe, como já explicamos bastan- pia, porque pertence a outro plano, mais evoluído, sendo consi-
te, que sua reação punitiva é automática, funcionando por si derado sonho irrealizável, pois situado fora da realidade da vida.
mesma, sem a intervenção de ninguém, porque está contida no Ele permanece assim, como fizeram com o Evangelho, no terre-
próprio erro e em quem o praticou, de modo que a pena não no da pregação teórica. Nada, porém, pode impedir o indivíduo
chega de fora, mas vem de dentro do culpado, que a movimen- que não sabe evoluir de ter de suportar as consequências da sua
tou e não possui, contra ela, qualquer defesa ou possibilidade posição, estabelecidas pela lei do seu plano atrasado. O método
de saída. É lógico que, para o homem míope, ainda incapaz de do código penal e do inferno nada resolve e, pela sua impotên-
entender tudo isto, seja necessário o código penal, armado de cia, mantém tudo no mesmo nível da luta. Esta gera inimigos e
sanções imediatas e concretas, aptas a provocar um dano sensí- não soluciona o contraste. O método do Evangelho resolveria,
vel ao culpado. Mas este método é primitivo e falaz, porque o mas, com o seu cérebro atual, o homem não sabe compreendê-lo
juiz pode errar, a lei pode ser enganada e o condenado pode para realizá-lo. Assim, o mundo ficará fechado na sua ignorân-
fugir, evadindo-se das sanções. Num plano superior, não é mais cia e nos seus sofrimentos, até que, com o seu esforço, consiga
aceitável um método de justiça tão imperfeito assim. quebrar esse circulo vicioso, no qual se encontra preso hoje.
Naquele plano, não há mais lugar para este tipo de punição, Cabe ao homem o trabalho de desenvolver a sua inteligên-
que, apesar de coberta com a roupagem da justiça legítima, tem cia acima da sua fase elementar de astúcia, para compreender
sabor de vingança. Nele vigora, pelo contrário, o princípio do como é pueril acreditar que, possuindo recursos, habilidades e
perdão, que ainda não pode ser praticado no atual nível humano, artimanhas, seja possível impor-se à lei de Deus e, com tal mé-
porque, sendo este plano dominado pelo método da luta e pelos todo, escapar às suas sanções. Enquanto o homem permanecer
respectivos instintos, o criminoso, tão logo não encontrasse mais nessa sua ignorância, terá de arcar também com os seus sofri-
resistência de força armada no lado oposto, aproveitaria esse fa- mentos. Ele não terá paz até que se coloque em obediência na
to e não teria mais freio, pois ele só consegue enxergar a puni- ordem, mas não por uma virtude imposta à força com a ameaça
ção próxima e tangível e, na sua ignorância, não vê a outra, mui- do dano, e sim pelo espontâneo convencimento de quem en-
to mais justa, porque saída das mãos de Deus, e temível, porque tendeu ser essa a posição mais vantajosa e a única solução. Só
a ela ninguém pode escapar. Quem não sabe disto acredita que neste nível, onde o egoísmo, o separatismo e a agressividade são
122 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
substituídos pelo amor, a colaboração e o perdão, não são mais ao S. É por isso que o método e a respectiva ética se tornam di-
necessárias as leis coativas humanas, filhas do método da luta. ferentes conforme os níveis ocupados pelo ser, que estabele-
Se a precedente era a fase bíblica do homem primitivo, esta é a cem esse método. Em nossos livros, estamos explicando o va-
futura fase do Evangelho, que o super-homem praticará: “Quem lor e as vantagens da ética A4, a fim de que o homem, compre-
está sem pecado atire a primeira pedra”. endendo o absurdo e o dano de praticar a ética A 3, faça o es-
◘ ◘ ◘ forço para subir até àquela ética superior.
O objetivo das nossas explicações e demonstrações é ofere- A ética A2 é a ética da fera, cujo entendimento não pode ir
cer os meios para compreender esse novo mundo que terá de além da lei da força. A ética A3 é a ética do ser animal-humano,
surgir no futuro. Este trabalho também interessa porque nos que inicia o desenvolvimento da inteligência na sua forma mais
oferece a possibilidade de ver, olhando a substância que está baixa: a astúcia. A ética A4 é a ética do super-homem do futuro,
atrás das aparências, como de fato funciona o nosso mundo e que desenvolveu a sua inteligência até compreender a vantagem
as razões pelas quais ele funciona desse modo. É lógico que de viver na ordem, com honestidade. O 1o degrau é o da besta,
haja verdades bem escondidas, quando elas, para a luta, repre- do selvagem, do involuído delinquente. O 2 o degrau é o da
sentam uma arma da qual, por isso, ninguém quer dar conhe- maioria do homem atual. O 3o degrau é o do biótipo hoje ex-
cimento ao inimigo. Do ponto de vista da moral pregada em cepcional em nosso mundo, o super-homem. Assim temos três
teoria, há coisas que parecem horríveis, mas que se justificam, níveis, correspondendo a três diferentes éticas: a da força, a da
quando chegamos a compreender a sua função na economia astúcia e a da honestidade. Elas estão ligadas como momentos
geral da vida e sua evolução. Tudo que existe, por mais feio ou sucessivos do desenvolvimento do mesmo processo, da expan-
pior que seja, é útil, porque, se existe, não é senão pelo fato de são do mesmo impulso, que vai da luta à colaboração, da agres-
que, num sentido ou em outro, cumpre uma função. No fundo são ao amor, da guerra à paz. A evolução vai assim reordenan-
da desordem aparece uma ordem maravilhosa. Além da imper- do a desordem do AS na ordem do S.
feição do particular está a universal perfeição da lei de Deus. É Em relação ao objetivo fundamental, que é a defesa da vida,
lógico que, nos baixos níveis da evolução, perto do AS, tenha isto representa um rendimento sempre maior, atingido com um
de dominar o mal. Mas tudo é destinado a subir, limpando-se esforço sempre menor. Este fato prova o que dissemos no fim
sempre mais, esclarecendo, melhorando, aperfeiçoando, até se do Cap. XI, isto é, que a evolução se torna cada vez mais fácil,
tornar belo e bom ao atingir o S. Assim, essa sucessão de éti- quanto mais o ser, com o seu esforço, progride.
cas relativas em evolução tem a sua razão de ser, pois repre- A ética inferior contém os germes da superior, na qual eles
senta a ascensão do mal para o bem, justificando-se como desabrocham e se fixam, desenvolvendo-se assim por diante em
transformação necessária para chegar à salvação. todos os planos da evolução, até que sejam atingidos os seus ob-
Observemos agora o mecanismo dessa transformação de jetivos. É o método da semente, na qual tudo está contido em es-
um tipo de ética em outro. Aparecerá assim a realidade que es- tado potencial, para depois se tornar realidade. Também as feras,
tá atrás das teorias. Poderemos então ver o que elas, na prática no nível A2, conhecem os primeiros elementos da astúcia, assim
de nossa vida, significam e quais são as verdades concretas, como a presença em nosso mundo de leis civis, penais e religio-
para nós mais tangíveis, que se escondem atrás da expressão sas revela os primeiros elementos do princípio de ordem e ho-
gráfica de nossa figura. Veremos, desse modo, que a cada ní- nestidade. É assim que, hoje, o Evangelho se encontra na Terra
vel de vida corresponde uma sua ética relativa, a qual vai evol- somente como “boa nova”, como germe ou elemento preparató-
vendo para a ética do plano superior. Cada uma dessas éticas, rio, como esperança, como fase apenas inicial do seu desenvol-
como veremos, tem a sua lógica, estabelecida em face do seu vimento e como programa a realizar no futuro. Explica-se assim
nível ou posição ao longo da escala evolutiva, sendo que, em porque, depois de dois mil anos, o Evangelho é apenas um ideal
um nível de existência superior, não é mais aceitável, tornan- pregado, mas ainda não praticado em nossa vida.
do-se erro e absurdo, em função do outro trabalho evolutivo a Observemos a evolução da ética nestes seus três pontos su-
ser realizado. Isto se verifica não somente, como vimos, a res- cessivos. Cada um deles é superior ao precedente. A astúcia da
peito da ideia de justiça, mas também para todos os conceitos ética A3 é qualidade mais sutil e refinada do que a força da ética
que constituem a ética, estando eles também sujeitos ao pro- A2. A honestidade da ética A4 é mais adiantada e inteligente do
cesso evolutivo. Neste caminho, então, se tomarmos em exame que a astúcia. A cada um desses passos para o alto, diminui o es-
os pontos A2, A3 e A4, será possível estabelecer a respeito do forço da luta e do sofrimento, abrindo-se mais a compreensão da
homem, que supomos oscilar entre estas três posições, três di- mente, que representa o poder maior. Com a evolução, o ser vai
ferentes éticas relativas em evolução, às quais ele pode perten- cada vez mais entendendo a vantagem de viver na ordem, que
cer: a ética A2, a ética A3 e a ética A4. representa o estado perfeito, onde acabarão luta e sofrimento.
Cada uma delas contém os germes que se desenvolverão na Tudo isto o ser vai aprendendo por sofrer as consequências do-
ética seguinte, superior. Nessa transformação íntima, por len- lorosas da desordem, até se aperceber que esta é a causa e, as-
tos e sucessivos deslocamentos, através da contínua eliminação sim, eliminá-la. O ser sobe a níveis superiores, quando aprende
de erros e defeitos, desenvolve-se o processo evolutivo, cujas que o método do nível inferior lhe produz sofrimento e que não
fases de amadurecimento são expressas por essas diferentes lhe convém mais segui-lo, entendendo a utilidade de fazer o es-
éticas, até que seja atingida a perfeição no S. Eis então porque, forço necessário para atingir um plano de existência mais adian-
no nível A2, onde reina a desordem e o caos, a regra justa, rela- tado. Uma vez que o ser é automaticamente repelido pela dor do
tivamente àquela posição, seja: “A vida do outro é a minha AS e atraído pela felicidade do S, ele não pode sair da necessi-
morte. Por isso, para eu viver, tenho de destruí-lo”. Tal é o mé- dade de cumprir esse esforço. Assim a evolução se torna irresis-
todo da luta, agressão e guerra da ética A 2. No nível A4, onde a tível, quase fatal, como é necessário, porque, se não fosse atin-
evolução atingiu um estado de ordem, a regra justa, relativa- gido o objetivo supremo da Lei, que é levar o ser para a salva-
mente àquela posição, é: “A vida do outro é a minha vida, e a ção, a vitória seria da revolta, e não de Deus, cuja obra (S) fra-
morte do outro é a minha morte. Assim, para eu viver, tenho cassaria no AS pela vontade do rebelde, e este, conseguindo
de protegê-lo”. Tal é o método evangélico da colaboração, substituir o S pelo AS, seria mais poderoso do que Deus.
amor e paz, da ética A4. O princípio fundamental da Lei é que Muitos se queixam em nosso mundo de que a vida é dura,
ninguém pode e, por isso, não quer renunciar à vida. Evolui, sendo grande o anseio para sair do sofrimento. Mas isto acorda
porém, o método de defender essa inarredável necessidade de a mente do homem, para ele se evadir dessa situação, fazendo-
viver, para atingir os supremos objetivos da evolução, voltando o estudar outros métodos. Uma vez que o emprego da força é
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 123
áspero e perigoso, levando a consequências dolorosas, procu- duo, a fim de que o esforço seja feito. Uma vez sendo movido
ra-se então usar o método da astúcia. Mas este também é difí- pelos seus instintos insaciáveis, ninguém pode parar e, assim,
cil, podendo levar a erros, derrotas e sofrimentos. Assim, na também não pode deixar de cometer erros, provocando com is-
busca desesperada de uma solução, o homem elabora as leis, so, a cada passo, a reação da Lei. Isto representa uma escola
estudando outro caminho, através da organização e da colabo- contínua e automática, na qual o mestre – a Lei – age de forma
ração, com a regulamentação dos direitos e deveres, para che- interior ao aluno, que, por isso, não podendo fugir, tem de es-
gar à convivência pacífica, estado que atrai, porque representa cutar e aprender. A vida é uma escola para aprender, e cada in-
um bem-estar maior, exigindo menos luta e sofrimento. Nessa divíduo ou povo conhece as lições que a sua história lhe ensi-
procura se desenvolve a inteligência, que chega assim a com- nou. Trata-se de um conhecimento duramente conquistado, ad-
preender a vantagem de saber viver com honestidade na or- quirido com lutas sangrentas, que só deixaram vivos os vence-
dem. Paralelamente, este trabalho destrói a ignorância, à qual dores. Tal patrimônio representa o capital possuído por todo
são devidos os erros e sofrimentos. indivíduo ou povo, que podem utilizá-lo como um instrumento
Se o ser não fosse constrangido pela dor a procurar um sis- para se adiantar, cada vez mais, na sua evolução.
tema de vida melhor em uma lei mais elevada, ficaria para Já dissemos que tudo está certo, se colocado no seu devido
sempre estagnado no seu nível inferior, uma vez que o indiví- lugar. Tudo o que existe é útil e, num sentido ou noutro, cumpre
duo aí situado, enquanto não se desenvolver, não pode compre- uma função. Ora, quando o biótipo comum, seguindo a forma
ender a lei mais vantajosa do plano superior, repelindo-a então, mental do seu plano, agride o homem evangélico, que excepcio-
como fez o homem até hoje com o Evangelho. Então é provi- nalmente desce dos planos superiores à Terra, ele usa com isso a
dencial que ele sofra todas as consequências da sua atual inca- sua linguagem de biótipo A3, iniciando assim a sua conversa
pacidade de compreender as vantagens de praticar esse novo com aquele homem, que lhe parece demasiadamente estranho.
método de vida, porque só o sofrimento lhe poderá abrir os Então o agride e, se pode, também o mata, seguindo a lei da se-
olhos para ver, o que significa, para o bem-estar individual e leção que vigora no seu nível. Esta é a sua vitória, e é nisto que
social, a ordem estabelecida pela lei moral do Evangelho. ele, com a sua forma mental, coloca todo o seu valor. Age nele o
Quando um evoluído do plano A4 aparece na Terra, abrindo os ser inferior, executando num primeiro momento a parte que lhe
braços ao homem do plano A3, como Cristo fez, o involuído o pertence. Mas, com essa forma inferior de comunicação, que é a
agride, praticando esse seu método, porque, na sua ignorância, única linguagem que ele conhece, ele, sem querer, estabelece
acredita vencer com isso. Mas, de fato, ele agride a si próprio. um contato com o ser superior, sacrificado por ele, iniciando um
Quem teve e tem de suportar as consequências dolorosas de não contato que vai acordando os primeiros sintomas do pressenti-
ter compreendido e praticado o Evangelho é o próprio mundo, mento da existência de um plano de vida mais alto. Eis então
que terá de continuar a sofrer até acabar entendendo a mensa- que, num segundo momento, o biótipo A3 coloca o mártir –
gem de Cristo. Cada ser está apegado à lei do seu nível, pela agredido e morto por ele, em nome de uma lei inferior – nos
qual é modelada a sua forma mental. E esta é a ferramenta que monumentos e nos altares, elogiando-o e venerando-o em nome
cada um utiliza para julgar, não existindo algo mais difícil de de uma lei superior, que começa a aparecer. Desponta assim
vencer do que a ignorância de quem se julga sabedor. uma vaga intuição de um mundo superior, que, estando acima
É lógico que o ser, emborcando-se com a revolta, tenha de fi- do nosso, é, por palavras apenas, respeitado, adorado e pregado,
car nessa cegueira e somente possa sair dela, para voltar ao co- mas não realizado e vivido. Não obstante, este é o primeiro pas-
nhecimento, conquistando-o de novo à sua custa, com o seu so- so para a sua compreensão e posterior realização. A vítima, por
frimento e esforço. Enquanto o homem não sofrer o bastante, não sua vez, cumpre a sua função, não somente de impulsionar o
irá entender nem querer praticar outro método senão o da força e progresso dos inferiores que a sacrificaram, ensinando-lhes com
da astúcia, ficando assim sem nenhuma outra defesa, a não ser o seu exemplo uma lei diferente da sua lei feroz, mas também
aquela obtida com seus pobres braços e cérebro, abandonado a si de, com o seu sacrifício, confirmar a sua natureza de ser superior
mesmo, porque, na sua ignorância, nega a Lei e não sabe movi- e a sua posição naquele plano, fortalecendo-se e preparando-se
mentar as alavancas do merecimento e da justiça. Assim, pelo so- para subir ainda mais. Eis então que, neste contraste entre o
frimento, tudo vai-se desenvolvendo em plena lógica. princípio de agressão e de sacrifício, tudo foi útil para realizar
Esta é a posição de nosso mundo atual. A cegueira foi o me- uma função de desenvolvimento. Isto se deve ao fato de haver,
recido fruto da revolta. Por isso, até que tenha pagado com o atrás de cada fenômeno, a sabedoria da Lei, dirigindo tudo com
seu sofrimento o resgate, o homem não poderá entender o lógica e bondade, condição pela qual nada pode acontecer que
Evangelho e, assim, ele mesmo irá repelir a solução dos seus não seja inteligentemente orientado para o bem.
males e o remédio para as suas dores. Portanto, enquanto, pelo Pelo mesmo princípio, justifica-se a presença de muitas coi-
seu próprio esforço, o homem não tiver merecido subir ao nível sas feias que vemos em nosso mundo. Antes de tudo, elas são
A4, ele julgará o Evangelho uma utopia irrealizável, que, como apenas transitórias, destinadas a serem corrigidas, cumprindo,
tal, não pode ser levado a sério. Desse modo, continuará erran- no entanto, a função de ensinar ao ser, porque permitem que ele
do e, com isso, ofendendo a Lei, pelo que, por lógica conse- possa experimentar e, assim, aprender, embora isto ocorra por
quência, terá de continuar pagando, até compreender. meio da dor. O próprio método da astúcia e do engano, que o
◘ ◘ ◘ mundo condena com palavras, cumpre a tarefa de permitir a su-
A tarefa de desenvolver a compreensão é uma das mais im- peração do método inferior da força, ao qual aquele se substitui,
portantes do processo evolutivo. O homem pode fazer o bem começando assim a levantar o ser do plano da luta física ao
ou o mal, mas não pode parar no seu caminho evolutivo. Por plano superior da inteligência e da bondade. Podem surgir as-
isso o mundo não tem paz e, qualquer coisa que se faça, tudo sim as leis, com a tarefa de educar o homem no sistema da ho-
se resolve sempre em aprender uma lição. Se ele agride, isto, nestidade, o que significa entrar no plano biológico A4. Não se
em substância, é para aprender, através da reação dolorosa pode subir senão por degraus sucessivos, sendo impossível es-
subsequente, a estrutura da Lei, que, com a dor, corrige o erro. calar o degrau seguinte senão depois de ter galgado o preceden-
Somente os simplórios podem acreditar que se possa vencer te, do qual o novo deriva por continuação do processo evoluti-
verdadeiramente. De todas as vitórias humanas, somente fica vo. O aperfeiçoamento não pode ser descontínuo nem improvi-
de fato o que foi aprendido na luta com o nosso esforço. Só is- sado, pulando as passagens intermediárias. Assim não seria
to tem valor, porque representa um meio para evoluir. Em si possível destruir o método da força sem possuir um método
mesmas, as vitórias são miragens, cuja tarefa é atrair o indiví- afim para substituí-lo, que, neste caso, está na astúcia e no en-
124 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
gano. No caminho da evolução, não é possível saltar do plano e imóvel – a visão completa – que abrange todas as verdades
A2 ao plano A4 sem ter de atravessar o plano A3. relativas atravessadas no caminho, não poderá ser atingida se-
Então, também quando, como astúcia, entendemos a arte de não com o retorno ao S, o ponto final da viagem.
intrujar o próximo, temos de admitir que a vida cumpre uma Eis de que maneira tudo está funcionando, e vimos por que
função útil. Não estamos defendendo a baixeza do homem, mas razão. Falamos da mentira, porque o fingimento representa, as-
a sabedoria da Lei. Trata-se de atividades bem desprezíveis, no sim diríamos, a forma subterrânea que a luta pela vida tomou
entanto como poderia o homem, sem as mesmas, ter começado em nosso mundo atual. A força hoje, pelo menos na sua mani-
a se afastar da lei da força e do estado de fera, plano ao qual ele festação entre indivíduos, é teoricamente condenada, sendo
pertencia anteriormente? Temos, então, de reconhecer, apesar substituída pelo direito. Este, no entanto, ainda não existe no
de situada num nível bem atrasado, a função biológica da men- terreno internacional e, enquanto os litígios se resolverem com
tira. Além disso, ninguém pode renunciar a essa arma, porque armas e guerras, permanecerá na fase embrionária de tentativa.
ela é necessária para se defender num regime de luta. Portanto A astúcia é o método normalmente aceito na prática. Assim, as
não foi possível tirar de uma só vez das mãos do indivíduo a nações, pregando paz e sustentando o direito, preparam as guer-
arma da força, a única que ele possuía, sem lhe deixar outra ras. Das leis os astutos e poderosos sabem escapar. E quem, de
arma para se defender. Tudo o que se pode exigir é que ela seja fato, acredita nas religiões? Atrás das tão bonitas aparências
mais refinada e inteligente, o que significa evolução. que estão na vitrina para a gente de boa fé acreditar, a realidade
Foi assim que o ser pôde passar do nível da fera, onde se escondida é outra, pois, enquanto houver os simples ignorantes,
conhece apenas a força, ao nível do homem, no qual, para vi- haverá também quem os explore. Assim como, no nível da for-
ver, o ser não é mais constrangido a desenvolver os seus mús- ça, a lei da evolução impunha a seleção do mais forte com a
culos, dentes e garras, mas sim a mente e o sistema nervoso, destruição do mais fraco, a mesma lei hoje, no nível da astúcia,
porque a inteligência se tornou a qualidade mais útil para ven- também impõe a seleção do mais inteligente, através da elimi-
cer. O fato de que o ser, aprendendo a movimentar-se com as- nação do mais simplório. Ninguém pode parar no caminho da
túcia no complexo labirinto da organização moderna, pode evolução, mesmo agora, quando se subiu a um nível mais alto.
triunfar na luta pela vida e sobreviver, sem ter mais de matar e Assim como um dia foi necessário ser forte para sobreviver,
devorar o próximo, prova que a inteligência pode substituir a agora é necessário ser inteligente. Evidentemente, trata-se ainda
força, dirigindo-a para um caminho novo, até agora inexplora- de uma inteligência caótica e mal dirigida, cuja aplicação resul-
do, o que poderá, nos mais adiantados, com o desenvolvimento ta em erros, que o mundo tem de pagar, como está de fato pa-
da consciência, orientar o ser na direção da espiritualidade. O gando a cada passo. Assistimos assim ao desmoronamento con-
mundo está se encaminhando para o estado orgânico do nível tínuo de tantas das suas construções, porque tudo o que é edifi-
A4, que garante a vida e representa a defesa do super-homem, cado pela inteligência sem o cimento da bondade, está destina-
renunciando ao método da força e da astúcia. do, mais cedo ou mais tarde, ao fracasso.
Eis o nosso passado, presente e futuro. Esta é a direção para Assim, através desta luta de cada um contra o outro, todos
onde caminha a evolução. As leis civis, penais e religiosas que juntos cumprem o mesmo trabalho de se impulsionar para fren-
nós possuímos, apoiadas no método da força do plano A2, re- te. Quem ficou enganado sofre, e isto constitui o mais enérgico
presentam um método para educar o indivíduo do plano huma- convite para pensar, aguçando a sua inteligência, a fim de não
no A3 a se tornar um cidadão do plano A4, ensinando-o a viver cair mais no engano. Na luta se afiam as armas, o que estimula
na ordem. Nesta condição, a força ainda não desapareceu, po- o desenvolvimento. Cada um é, ao mesmo tempo, mestre e alu-
rém é chamada a sustentar a ordem, conforme as regras estabe- no do vizinho, cada um ensina e aprende, todos carregando as
lecidas. Há, no entanto, os períodos de guerra, nos quais o indi- suas experiências e lições recebidas, construindo com elas o seu
víduo do plano A3 volta a funcionar no seu estado anterior de patrimônio de conhecimento. No entanto, continuando assim
fera, no plano inferior A2, que se baseia na força. Nestes perío- neste duelo, os dois lutadores do método da astúcia acabam, por
dos, continuam a emergir no plano A3, no qual se estabelece a fim, entendendo que convém mais para todos pôr um término
vida social civilizada, os impulsos daquele nível inferior, que, neste duro e perigoso estado de guerra e insegurança, no qual
constituindo o fundo animal da natureza humana, são desperta- sempre há quem perde e sofre. Começa a despontar assim a
dos pela guerra. Por outro lado, nos períodos de paz, quando compreensão da vantagem de se diminuir as mentiras e os en-
reina a ordem das leis, são realizados os passos para frente na ganadores, tormento universal, e de se impor como método a
obra da construção da ordem do nível A4. Infelizmente, porém, sinceridade e a honestidade. Cada um se lembra do mal recebi-
o caminho é lento e cheio de contrastes, porque o homem ainda do pela traição do mentiroso, e o instinto da autopreservação
não está maduro para viver na ordem, sendo levado assim, por leva todos a procurar e cercar tal tipo maléfico, a fim de isolá-lo
insistir no método da luta, a transformar tudo em meio de ata- e eliminá-lo. Ele pode ter vencido, mas acumulou ódio e terror
que e defesa. No entanto, apesar de tudo, com a lei, já existe ao seu redor. Os escorpiões e as cobras venenosas também pos-
neste plano A3 o germe da ordem, embrião que se desenvolverá suem uma arma terrível para vencer. Mas quem não odeia e
até à sua plenitude no plano A4, no qual, ao invés de se utilizar procura destruir esses bichos maléficos? Assim, o homem aca-
da força ou da astúcia, a lei funcionará pela livre adesão do bará destruindo-os, enquanto cria, como seus companheiros, os
homem convencido e consciente. Este será o maior progresso. bichos mansos, que se deixam domesticar.
Existem ainda muitos que acreditam no método da violência, e Isto prova que a vida pode ser defendida também com as
a sua maior glória é, empregando-o, serem os vencedores. E armas da mansidão. Os enganadores podem prosperar numa so-
podem, de fato, vencer assim, mas, desta maneira, o seu reino ciedade primitiva, que se encontra apenas no início do desen-
se torna um inferno, no qual o ser civilizado não aceita mais vi- volvimento da inteligência. Porém, quanto mais aquela socie-
ver. E quem pode convencer um escorpião ou uma cobra que a dade evolui do nível A3 ao A4, tanto menos haverá nela lugar
sua função é horrível? Para eles, aquela é a sua própria vida, para tal biótipo involuído, que usa a inteligência só para sua
toda a vida, porque é a única que eles conhecem. A verdade é vantagem e dano do próximo. Não é o que a civilização e o
relativa e em evolução. O ser está imerso nessa relatividade e progresso estão sempre procurando fazer? Tudo isto é automá-
não pode compreender senão o que está abaixo de si, que repre- tico e fatal, porque se encontra contido nos princípios da Lei.
senta o caminho já percorrido por ele através das experiências Não se admire o leitor se, para tais transformações, estamos
vividas. Cada ser não pode entender mais do que aquilo que procurando apoio nos recursos da Lei, e não nos da boa vontade
ganhou, subindo com o seu próprio esforço. A verdade absoluta e inteligência do homem. Chegar a possuir tais qualidades será
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 125
o resultado da luta, e não o meio para dirigi-la e resolvê-la. Se a chegam a ocupar o lugar dos dominadores, tal como sucedeu na
direção do processo evolutivo tivesse ficado nas mãos do ho- história da Revolução Francesa, do bolchevismo, do império
mem, tudo teria fracassado há muito tempo. A sua conduta é romano e do colonialismo inglês. No final das contas, na sabe-
um efeito, e não uma causa. E este princípio, do que tudo mais doria da vida, são os dominadores que trabalham a serviço dos
depende, não pode estar senão no único lugar onde há conhe- dominados, pois, na verdade, enquanto mandam, ensinam aos
cimento, honestidade, justiça, poder etc., isto é, em Deus. seus subordinados como dominar. Há uma complementaridade
Quem quer um apoio firme, não sujeito a lutas, enganos e mu- entre os dois grupos. Se a vida permite a maldade do engano,
danças, não o pode encontrar algures. isto se verifica porque ele é útil para acordar a mente do ingê-
Assim, vai-se verificando em nosso mundo este dúplice jo- nuo. Quanto mais os enganadores praticam o seu jogo, tanto
go, onde tudo é liso e lindo na superfície, mas esconde no fun- mais rapidamente e melhor os enganados o aprendem em seu
do uma tremenda realidade de luta feroz. O homem nasce inex- proveito. Deverá assim, por este caminho, ser alcançado o pon-
periente, acreditando nas aparências, e morre astucioso, conhe- to em que tal jogo não será mais possível, uma vez que todos os
cedor de todas as sagacidades e de todos os artifícios da vida, simplórios desaparecerão, vencidos e eliminados, deixando de
que aprendeu à sua custa, sempre tomando cuidado para não existir porque se tornaram astutos. Tanto no nível A3, da astú-
dar a conhecer esta arma secreta. Na prática, o honesto é julga- cia, como no A2, da força, a vida cumpre o seu trabalho de sele-
do um simplório que não sabe fazer os seus negócios. Assim ção e de limpeza, libertando-se dos ineptos. O caso triste é
como, no nível da força, a honra maior é ser o vencedor pela quando desce na Terra um biótipo do nível A4, pois a tendência
força, também o maior valor do homem, no nível da astúcia, es- é ele ficar sujeito a uma luta contínua, a qual não apenas atrapa-
tá em saber enganar o próximo, para tirar dele a maior vanta- lha o seu trabalho, tão mais útil e alto, mas também é estúpida
gem. Assim como cada bicho conhece a sua defesa, cada plano para ele, que não precisa dela para desenvolver uma inteligên-
também possui a sua sabedoria e o seu conceito relativo de res- cia que já possui. Assim, pode acontecer que um gênio explo-
peitabilidade. Este é o verdadeiro jogo da vida, e, para quem o rador, em vez de empregar a sua inteligência para realizar suas
pratica, é interessante escondê-lo, a fim de possibilitar que mais descobertas, seja constrangido a usá-la para se defender dos la-
gente caia na rede. Por isso eles são os que mais procuram drões, que buscam lhe furtar tudo.
aproveitar da ingenuidade alheia e que mais interesse têm em Uma das conclusões práticas, derivada de tais observa-
ganhar sua confiança, mostrando-se honestos, religiosos e chei- ções, é que a solução do problema da justiça social, dos des-
os de virtude. Serão eles, então, os que mais sustentarão os ide- níveis econômicos e da independência das classes ou dos po-
ais que exigem fé e sacrifício, para tirar vantagem do rebanho vos submetidos apenas pode ser alcançada, se eles, com o
dos que acreditam neles. A ação do vencedor é sempre no sen- exemplo dos seus dominadores, aprenderem a lição. Para su-
tido de ensinar apenas aquela verdade que mais lhe convêm, es- bir, eles têm de fazer o esforço que os dominadores fizeram, a
condendo e apagando todas as outras. fim de conquistar a sua posição de domínio. Para vencer e go-
Vemos assim, de acordo com a posição de quem comanda, zar do fruto da vitória, é necessário trabalhar, valer e merecer.
mudar o conceito de honra e dever, envolvendo diferentes ver- Neste nível também, só há lugar para os vencedores. Aos ven-
dades. E não faltam bonitas teorias para justificar tudo isto em cidos, o azorrague da dor, para que eles se tornem vencedores.
nome das coisas mais altas, como a justiça, a religião e até Tal é a justiça deste plano, pela qual se legitima a presença
mesmo Deus. Para elas é deixado o trabalho de pensar no bem dos astutos, para ensinar aos ingênuos, e a presença destes,
dos povos, que, na prática, têm de realizá-lo com o seu próprio para serem educados. Assim como, nas doenças, os micróbios
esforço, apesar desta tarefa, em teoria, pertencer aos governan- invadem o ponto fraco do organismo doente, convidados pela
tes. A verdade real, que ninguém ensina, porque é interessante sua debilidade, é natural que os astutos também acorram aon-
mantê-la escondida, cada um tem de descobrir por si mesmo, de haja os simples, cuja ignorância é um convite para que eles
com a sua mente, desenvolvendo deste modo a inteligência. É possam cumprir a função inerente aos mais adiantados, esti-
natural que, num regime de luta, cada um procure disfarçar as mulando a evolução dos mais atrasados.
suas armas e estratégia. Cabe à parte oposta conseguir descobri- Pelo mesmo princípio, o super-homem do nível A4 procura
las. Eis a razão pela qual a mentira não deixa de existir no levantar os homens do plano A3, ensinando aos astutos a supe-
mundo, uma vez que ela faz parte integrante do sistema de luta rar tal método, para substituí-lo pelo da honestidade. Àqueles
no nível humano. Cada um tem de estudar e aprender o jogo, que procuram escapatórias para se evadir, há o azorrague da
descobrindo o engano, para não cair nas ciladas. Mas, enquanto dor. Sempre há evolução, seja com o engano dos astutos, para
houver ovelhas, haverá também lobos e, enquanto houver víti- acordar a mente dos ingênuos, seja com a sabedoria do evoluí-
mas, haverá carrascos, assim como, enquanto houver quem do, para iluminar os astutos, deixando-lhes entender quanto seja
acredite de boa fé, haverá quem procure enganar. contraproducente o seu método de intrujar a todos.
Haverá, em nosso mundo, alguém que se apresente como é, Se mostramos as chagas do nosso mundo, não é para agredir
com toda a sinceridade? E, por ventura, existe alguém que não ou destruir, mas para subir. Se indicamos o erro, não é para
seja levado a aproveitar os pontos fracos do próximo, quando condenar, mas para não cometê-lo mais. Que grande utilidade
consegue descobri-los? Assim, quem se expusesse estaria per- representaria substituir às dolorosas consequências da atual
dido. Tudo isto é natural no nível A3, correspondendo aos ins- comédia humana, filha da inconsciência, pela vantagem de pra-
tintos, que, fruto das duras experiências passadas, constituem ticar, com inteligência, outro método de vida, aquele utilizado
uma verdade axiomática, com a qual a maioria concorda espon- por quem conhece e segue a lei de Deus!
taneamente. Assim é a ética desse plano, porque a vida precisa Assim, tudo vai evoluindo e tudo concorre para promover a
deste método para alcançar o seu objetivo, que é o desenvolvi- evolução. Todos os seres, em todos os níveis, estão presos na
mento da inteligência. E, de fato, os astutos, para obter o domí- engrenagem do processo evolutivo. Eis qual é, a respeito do
nio, já a desenvolveram, e, agora, o esmagamento que eles pra- nosso nível, a realidade contida no esquema gráfico de nossa
ticam vai desenvolvendo a inteligência dos ingênuos. Os que figura. O nosso século está fazendo esforços evolutivos em to-
sabem fazem o trabalho de ensinar aos que ainda não sabem, fi- das as direções. A evolução vai do método da luta ao do amor,
cando assim os mais inteligentes, automaticamente, encarrega- do esmagamento à colaboração, do sistema do direito do mais
dos de desenvolver a inteligência dos ignorantes. forte ao da defesa dos bons e honestos. A tendência universal,
Assim, as classes sociais ou povos inferiores aprendem e igual nas duas partes opostas do mundo, é proteger e instruir
sobem, imitando e amadurecendo, até que um dia se revoltam e as crianças, dar abrigo aos idosos e desamparados, emancipar a
126 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
mulher, sustentar os pobres, reconhecer o direito de todos à vi- No plano A3, ao qual pertence o homem atual, a ética e a es-
da. Assim, ás vezes, sem saber nem querer, pelo universal im- trutura econômica em vigor estão em evolução, constituindo
pulso da evolução todos são levados – mesmo os que o negam uma fase de transformação do nível A2 ao A4, condição que ex-
– a realizar o Evangelho, que representa a lei social do porvir. plica o fato de se encontrarem nela elementos em contraste.
Descendo da visão geral do fenômeno evolutivo, chegamos ca- Nos degraus inferiores, inicia-se a técnica da oferta e da procu-
da vez mais perto dos pormenores, observando as condições de ra, dando origem ao método da troca, que fica, porém, limitada
nosso mundo atual e as razões que as explicam e justificam. apenas ao momento, sem alcançar os conceitos de previdência,
capital e propriedade. Encontrando-se ainda na sua fase ele-
XIV. NÍVEIS EVOLUTIVOS E TIPOS BIOLÓGICOS mentar, a propriedade é estabelecida pelo quanto se consegue
agarrar com a própria força ou astúcia, identificando-se, assim,
Continuemos a observar, na prática, o conteúdo e o signifi- com a sua mais baixa fase de origem, constituída pela posse.
cado de nosso diagrama, verificando sua correspondência com Aqui, o ser está ainda no nível do roubo. Trata-se da ética dos
a realidade nos trechos que, por estarem mais próximos do ho- indivíduos e povos primitivos. A sua economia é escravagista.
mem, são mais interessantes, constituídos pelos níveis evoluti- A ideia de deveres e direitos através da colaboração social, com
vos A2, A3 e A4. Depois das teorias gerais, procuramos, com uma justa distribuição do esforço e proporcionada compensa-
exemplos, descer à realidade da vida, onde é possível realizar o ção, está muito longe ainda, em estado de germe que ainda tem
controle da verdade teórica, colocando-a em contato com os fa- de nascer. Mesmo quando a ideia aparece escrita nas leis, é a
tos, para confirmá-la. Esse é o nosso método. ética econômica da fase primitiva que, muitas vezes, continua
Observemos, então, as diferentes condutas que o ser, con- vigorando na forma mental dominante, dizendo: “Porque eu sou
forme a respectiva forma mental de cada um dos planos de vi- o mais forte ou astuto e, por isso, o vencedor, é todo meu o di-
da, assume nos níveis A2, A3 ou A4. Como já vimos, cada ní- reito de mandar e de possuir à vontade. Quem deve trabalhar
vel tem o seu tipo de ética, em função da qual varia a maneira não sou eu, o senhor, mas sim o fraco, que, por ter sido venci-
particular de se conceber as coisas. Já estudamos esse fenô- do, tem de ser meu escravo, cabendo a mim, por isso, todo o di-
meno relativamente ao conceito de justiça. Vamos agora exa- reito de explorá-lo à vontade. O trabalho é coisa desprezível,
miná-lo em relação à maneira pela qual são concebidos dois que pertence apenas aos servos. Quem vale é somente o senhor,
fatos fundamentais de nossa vida: o problema econômico e o sendo dele todos os direitos. Nada valem os outros, que, ao in-
problema religioso. Logicamente, com a evolução de um ní- vés de direitos, têm apenas o dever de servir”.
vel biológico a outro superior, mudam não só a respectiva éti- Observemos quais são os resultados de tal tipo de ética.
ca, mas também a forma mental, transformando-se, com isso, 1) Nos países deste nível, onde vigora essa forma mental,
a visão das coisas e o respectivo comportamento. Só assim se- todo movimento econômico, político e financeiro, demandan-
rá possível compreender a razão pela qual este, na prática, do salário público e particular – praticado com a psicologia de
toma a forma que observamos e ver o que está atrás das apa- senhor e escravo – é um esforço que se dirige não para produ-
rências, feitas mais para enganar do que para esclarecer. Ve- zir, mas sim para vencer na luta desapiedada. Então o atrito
remos os conceitos de S e AS, aparentemente tão longínquos absorve todo o esforço, cujos resultados úteis tornam-se míni-
do nosso mundo, reaparecerem nele a cada passo, como reali- mos. Não há atividade mais improdutiva do que o estado de
dade de fundo, sustentando e explicando os fatos na superfí- guerra, que é regime de destruição.
cie, com os quais nos deparamos. Procuramos assim abrir o 2) O método de aquisição não é o trabalho, mas sim o rou-
caminho para que a teologia, a filosofia e a ética possam tor- bo. Por isso todas as energias se concentram na arte de roubar,
nar-se ciências positivas, passíveis de observação e experi- e não de trabalhar. Porém somente o trabalho enriquece, por-
mentação, e não somente de abstração teórica. que produz, enquanto o roubo empobrece, porque representa
Vejamos o problema econômico. Assim como, em cada apenas uma espoliação e transferência de um para o outro,
um dos níveis A2, A3 e A4, existe uma ética diferente, há tam- sem nada produzir. Do roubo deriva um grande gasto de ener-
bém uma correspondente maneira de encarar o problema eco- gias, que se desperdiçam para que somente alguns poucos
nômico, que diz respeito aos recursos necessários à vida e ao possam explorar os outros. Não há geração de valores, mas
esforço necessário para procurá-los. Todos os seres necessi- apenas deslocamento dos mesmos em favor dos que menos
tam dos meios indispensáveis para viver e têm, por isso, de merecem possuí-los, porque o fazem apenas para sua egoística
lutar para buscá-los. Eis que, também nos planos biológicos vantagem, como um câncer, que vive à custa do trabalho das
mais baixos, já existem em estado de germe os primeiros ele- células sadias. Os países que praticam esse método trabalham
mentos do mundo econômico. com prejuízo, numa atividade que é contraproducente, sendo,
No plano A2 ocorre o trabalho para buscar aqueles meios, por isso, destinados à falência.
mas só em forma individualista e caótica. Aí não existe ainda 3) Nessa economia, o trabalho é explorado ao máximo, fi-
nenhuma disciplina ou organização, nem atuam as leis econô- cando o trabalhador espremido e esmagado. Capital e trabalho
micas, como oferta, troca, capital, previdência etc. A evolução não são amigos, para colaborar em beneficio de ambos, mas
avança da desordem para a ordem. A economia do animal é de inimigos em luta, com prejuízo para todos. Aquilo de que mais
simplicidade máxima. A fera obedece ao estímulo provocado cuidará o operário será de combater o patrão. Esta será a sua
pela fome momento a momento e, assim impulsionada, movi- atividade mais urgente, na qual ele concentrará o seu esforço,
menta-se automaticamente para agredir outros animais e procu- em vez de concentrá-lo no serviço. Neste regime, é impossível
rar o alimento. Uma vez saciado o estômago, ela desconhece organizar um trabalho sério e produzir uma obra bem feita. Que
qualquer outro trabalho e não faz mais nada, permanecendo no fruto pode dar uma recíproca má vontade, com uma ação reali-
ócio. Não economiza nem prevê o amanhã, desperdiçando tudo zada à força, pela fome, amarrada à necessidade de arrancar di-
que não serve no momento. Além do esforço necessário para nheiro? É lógico, então, não apenas que, do lado do operário, a
agarrar a presa, a fera nada mais faz. No seu estado primitivo resposta seja a má qualidade do produto, na qual se descarrega
de fera na floresta, tudo depende do impulso fundamental da a sua angústia, mas também que, por seu lado, o patrão queira
vida, que quer continuar e, por isso, impele o ser a se movimen- pagar sempre menos por um trabalho cujo rendimento é cada
tar na procura do que lhe é necessário para esse objetivo. De vez menor. Desse modo, tudo vai piorando para todos. O resul-
todo o restante o ser nem sequer toma conhecimento, porque tado é a desvalorização da produção e o descrédito da indústria,
esta parte está fora do alcance da sua forma mental. cujo fruto cai em pedaços e termina num engano, porque vive
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 127
somente de aparência. O trabalho apoiado em salários de fome tra numa fase de transição, na qual tem de ser feito o trabalho
produz artigos construídos para ficarem de pé somente até o de transformação do biótipo selvagem A 2 no tipo superior A4.
momento da entrega ao comprador. Assim, ainda não existe o estado orgânico completo de uma
4) O princípio egoísta da exploração de tudo para a vantagem ordem mundial, que se resume apenas a algumas tentativas
pessoal acaba roendo por dentro qualquer tentativa de organiza- parciais e instáveis, acima das grandes massas imaturas. Exis-
ção. A economia tem assim de permanecer na sua fase primitiva te, porém, o conceito dessa ordem a atingir, o qual, como todas
de caos, onde tudo é subjugado à força no interesse de alguns ex- as coisas ainda a serem realizadas no futuro, manifesta-se na
ploradores, a cujos pés todos os outros têm de estar amarrados e forma de princípio ideal, que a realidade da vida repele hoje
inutilizados, porque paralisados na posição de servos. nos fatos e continuará repelindo, enquanto o homem não ama-
5) Assim, tudo vai desmoronando, porque falta na constru- durecer. Cabe a ele, com seu esforço e sofrimento, a tarefa de
ção a fundamental força coesiva da honestidade e da boa von- construir a nova ordem, na qual a vida poderá finalmente tor-
tade. O resultado não pode ser senão um abaixamento geral do nar-se aceitável para um ser civilizado.
nível de vida, espalhando a completa miséria ao redor do jar- ◘ ◘ ◘
dim de poucos privilegiados, que não podem deixar de acabar, No plano A4, a selvagem economia de luta do plano A3 de-
eles também, arruinados na derrocada de todos. Num tal regi- saparece completamente. Neste nível, é eliminado o desperdício
me, tudo tem de cair, pelo fato de ser mal feito, pois quem pra- de energia causado pelo atrito entre os elementos componentes,
tica o método do egoísmo não toma cuidado senão daquilo que que significa esforço máximo e rendimento mínimo. Então o
faz parte do seu egoísmo. Assim, todo o restante fica abando- homem terá finalmente compreendido a imensa vantagem da
nado, quando não há interesse em destruí-lo, o que às vezes se colaboração pacífica numa organização de elementos especiali-
manifesta como desabafo do instinto de destruição, comum zados. Isto não é contra as leis da vida, pois satisfaz o seu prin-
nos primitivos, cuja experiência animal pretérita lhes ensinou cípio de utilitarismo e representa um estado que, de fato, já
que, se algo não faz parte do próprio eu, então constitui inimi- existe e foi alcançado por alguns insetos, como as abelhas e as
go perigoso e, por isso, é bom destruí-lo. Para quem possui tal formigas, cujas coletividades atingiram esse estágio mais adian-
forma mental, as coisas dos outros interessam apenas enquanto tado de evolução, onde o trabalho é pacificamente distribuído
podem ser furtadas ou desfrutadas para si. Neste nível, tal co- entre os indivíduos em formas diferentes, constituindo assim
mo na floresta, não existe manutenção, espírito de conservação um conjunto orgânico de atividades com rendimento máximo.
ou cuidado com as coisas. Assim tudo se estraga rapidamente e Nenhum desses pequenos seres pensa em explorar o outro, co-
tem de ser recuperado novamente, com um novo trabalho, que, mo faria o homem. Se a natureza, neste caso, chegou a eliminar
por sua vez, produz outro fruto mal elaborado, o qual será a perda pelo atrito e se, na sua sábia economia, continuou prati-
abandonado de novo e assim por diante, sendo o resultado es- cando depois esse método até fixá-lo como instinto numa espé-
tável final de tanto esforço apenas a instabilidade dos resulta- cie, isto quer dizer sem dúvida que tal comportamento repre-
dos de um trabalho contínuo e inútil. senta uma vantagem e um progresso, porque, de outro modo, a
Ainda assim, o ser faz um trabalho útil neste plano. Não se vida teria abandonado esse caminho e eliminado os seus resul-
trata de receber o fruto do seu esforço, atingindo como resultado tados. Se a humanidade tarda a atingir o seu estado orgânico, é
a elevação do nível de vida, benefício que tal biótipo não mere- porque se trata neste caso de uma organicidade muito mais
ce, mas sim de realizar o progresso, que a sabedoria da vida exi- complexa, que requer bem mais inteligência e uma luta propor-
ge de cada um em todos os níveis. E, de fato, o ser vai apren- cional para construí-las, constituindo uma ordem mais difícil de
dendo assim, à sua custa e com muitos sofrimentos, a superar tal ser alcançada. Não há dúvida, porém, de que a evolução avança
método e sair da inconsciência do primitivo, até aprender a lição para o estado orgânico, representado pela ordem do S, o ponto
que lhe ensina a conduzir-se com mais inteligência e, por conse- final da grande caminhada, do qual todos os seres estão cada
guinte, com melhores resultados. E, quando tais povos não que- vez mais se aproximando. Tudo isto de acordo com um dos
rem aprender a lição, a vida os deixa serem dominados por ou- princípios fundamentais da Lei, o das unidades coletivas, como
tros povos, que já a conhecem, para que estes, dominando-os, foi explicado em A Grande Síntese.
venham ensinar-lhes o que não aprenderam sozinhos. Na ética do plano A4, a luta e a exploração se tornam um
Este caso que observamos agora representa o extremo infe- absurdo inadmissível, que somente pode existir no nível A 3,
rior do nível humano A3. Na história, na política e na indústria devido à ignorância e à inconsciência do ser. Patrão e depen-
não faltam exemplos de organizações de trabalho com base dentes, sofrendo neste tão prolongado contato os duros efeitos
numa ética econômica mais inteligente e adiantada, que é tanto do atrito recíproco, aprenderão a eliminá-lo, tornando-se cola-
mais evoluída e, por isso, vantajosa, quanto mais consegue eli- boradores, ao invés de inimigos. Neste nível superior, o pri-
minar o atrito da luta e o respectivo desperdício de energias, meiro paga o que deve e o segundo recebe o que merece. As-
passando da fase do caos à da ordem e colaboração. Isto é o que sim, quem paga um salário honesto recebe um trabalho bem
a vida quer atingir, e é nesta direção que a evolução avança, feito, e quem oferece um trabalho bem feito recebe um salário
impulsionando sempre todos os seres a alcançar, relativamente honesto. Neste regime, explorar o próximo não é prova de inte-
ao seu nível, um resultado útil. É assim que o ser do plano A3 ligência, com direito à respectiva recompensa, mas sim crime,
vai-se encaminhando para o plano A4. pelo qual os desonestos são banidos da sociedade, que não su-
O processo é automático, pois ninguém gosta de desvanta- porta mais o câncer do roubo paralisando tudo. Então a moeda
gens e sofrimentos, de modo que cada um está sempre pronto a tem valor porque é um meio com poder para adquirir alguma
evitá-los, tão logo chegue a compreender onde se encontra o coisa que verdadeiramente vale e fica, e não para receber em
erro a ser evitado, do qual deriva o dano. Muitos hoje não per- troca só enganos. As construções realizadas com o método
cebem o prejuízo, pois ele encontra-se distante, escondido destrutivo do plano A3 são produto de um esforço negativo e
atrás da vantagem imediata. A função da dor, como já vimos, é não podem acabar senão desmoronando sobre todos, inclusive
acordar a inteligência, destruindo a ignorância, onde se encon- em cima da cabeça dos que acreditam ser vencedores. Somente
tra a origem do erro, que é por sua vez a causa da dor. Assim, as construções realizadas com o método do plano A 4 podem fi-
na sabedoria da Lei, a função da dor é destruir a dor. O traba- car em pé, porque, sendo produto de um esforço positivo, não
lho útil que pertence ao homem do nível A 3 é justamente o de estão roídas por dentro pela negatividade do método do plano
aprender, com o seu próprio sofrimento, a se conduzir melhor, A3. Não se trata de um problema de moral ou virtude, mas sim
para evitar a dor. Como já dissemos, o homem atual se encon- de um resultado automático das leis da vida, implícito no tipo
128 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
de esforço, cujo rendimento pode ser calculado. Quem erra es- lhar mais, um abaixamento do nível de vida para todos, menos
se cálculo tem de pagar as consequências. para alguns vencedores, constrangidos a viver isolados nos
É lógico que ainda subsista no fundo, nas camadas mais bai- seus ricos castelos, porque ao seu redor há somente o deserto
xas do subconsciente, os instintos atávicos de rapina e egoísmo. da fome e a vergonha da miséria.
Mas é lógico também que o ser, entregando-se a tais impulsos, No nível A4 desaparece também o método da desconfiança
tenha de ficar abandonado à capacidade de defesa dos seus re- recíproca, produto do regime de luta, método que pesa sobre
cursos pessoais, isolado do poder de defesa maior, que só uma todos, porque implica um contínuo e custoso sistema de contro-
sociedade bem organizada pode oferecer aos seus componentes. le de todos contra todos. Nestas condições, tudo que a socieda-
Falamos aqui de uma organização de substância, onde todos jun- de produz não só custa um enorme trabalho, feito à força, mas
tos, tal como as engrenagens de um relógio, trabalham ordena- também necessita de outro trabalho para se manter em pé a ca-
damente, e não de uma organização formal, feita de aparências, da movimento. Assim, ao invés de se estabelecer positivamente
com uma complexidade que, não sustentada internamente pela por um espontâneo impulso e vontade de realização, tudo se
honestidade, torna-se uma complicação perigosa, onde tudo mantém, pelo contrário, negativamente, somente pelo medo de
termina por gerar confusão, propiciando justamente o ambiente um dano que se procura evitar, tornando necessário a cada pas-
que os pescadores de águas turvas mais procuram para prospe- so escorar tudo com uma pesada organização de controles.
rar. Este método do plano A3, ainda que possa representar uma O problema atual é evoluir do nível A3 ao A4. Mas, para
vantagem momentânea para alguns indivíduos (os piores), acaba compreender o novo método, é necessário desenvolver a inteli-
levando todos, mais cedo ou mais tarde, à ruína geral. gência, o que, como já sabemos, não pode ser realizado senão
Vimos os resultados do método de vida do plano A3. Apre- pela dor. E, providencialmente, porque o santo objetivo da vida
sentamos agora, correspondentemente, os resultados completa- é melhorar tudo através da evolução, o método vigente produz
mente diferentes do método do plano A4 e do seu tipo de ética. bastantes sofrimentos. Para entender, é necessário que todos,
1) O esforço não se desperdiça na luta. O rendimento dele, sobretudo os que acreditam ter vencido, sofram os duros efei-
que no plano A3 é mínimo, torna-se máximo no plano A4. Isto tos. É indispensável um amadurecimento de inteligência geral,
corresponde ao que já dissemos sobre o caminho da evolução, tanto dos ricos, para entender as necessidades dos pobres, como
ou seja, que ele se torna cada vez mais fácil, quanto mais o ser, dos pobres, sempre prontos a imitá-los, repetindo de modo pior
lutando, tenha subido. as culpas dos ricos. E, de fato, vemos funcionar a todo o mo-
2) Se neste plano A4 vigora o método do trabalho (+), e não mento a dor, que, com a sua pressão constante, vai sempre en-
o do roubo (–), então os resultados desta vez serão opostos aos sinando, interrompida apenas por alguns ilusórios momentos
precedentes, isto é, positivos e estáveis. A economia geral, para os que, iludidos, julgam-se afortunados.
quanto apoiada em uma atividade sadia de produção, é destina- É necessária toda a ignorância do primitivo para não chegar
da à prosperidade, e não mais à falência. Tudo isto está implíci- a compreender que a riqueza conquistada com os métodos do
to na própria natureza das leis econômicas, das quais faz parte nível A3 não pode representar senão um fruto envenenado, o
também, apesar de não ser levado em conta pelos economistas, qual, pelas leis da vida, tem de acabar, pela lei do retorno à fon-
este fundamental princípio de honestidade. Para este método, te, envenenando quem o possui, devolvendo ao indivíduo, co-
automaticamente, já se encaminharam os povos mais civiliza- mo é justo, os seus próprios enganos e, deste modo, reduzindo-
dos e terão de se encaminhar os que desejam civilizar-se. se a uma traição. Está na lógica da vida que satisfações não me-
3) Abandonando o método da luta, torna-se possível pas- recidas, ganhas às avessas, não possam gerar senão ilusões e
sar ao sistema mais evoluído e muito mais vantajoso da cola- dores. Este problema, assim como o outro já mencionado, tam-
boração, alcançando a fase orgânica, o que significa capaci- bém não é uma questão de moral ou virtude, mas sim o resulta-
dade de produzir e construir seriamente, porque se pratica um do automático da própria estrutura das leis da vida, que os atra-
trabalho sério. sados não compreendem. Praticar o método do nível A 3, explo-
4) A economia pode passar do nível primordial de caos, on- rando o próximo, não é prova de inteligência, mas sim de igno-
de há lugar apenas para o lucro de poucos indivíduos explora- rância, representando, para quem o pratica, o caminho da ruína,
dores, ao nível mais avançado de ordem, onde há lugar para o e não da vitória. Quando tal método é usado pela classe dirigen-
lucro de todos. te, muitos são levados a imitá-lo, e isto pode levar uma nação
5) Sustentado pela força fundamental da honestidade e da inteira à ruína. Mas o que pode fazer a sabedoria da vida, se o
boa vontade na ordem, o resultado final não pode ser senão homem tem de permanecer livre e, na sua forma mental, não
uma elevação geral do nível de vida para todos, e não só em existe outra maneira para ele aprender senão através do seu
favor de alguns indivíduos isolados, que, perseguidos pela in- próprio dano, a única forma possível de ensinar, quando se trata
veja e pelo ódio dos desamparados, ficam constrangidos a uma de povos primitivos? Há de um lado a necessidade absoluta de
luta contínua para defender a sua fortuna. Na ilusão de resistir se realizar a evolução, porque ela é o único meio de salvação.
para sempre, eles legitimam com leis a sua posição, escorando- Mas também há do outro lado o ser, que, na sua inconsciência,
a com a força armada, alianças e toda sorte de sagacidades rebela-se contra a sua salvação, a qual, para que ele não se per-
humanas. Nada, porém, pode evitar a chegada do dia em que o ca, tem de ser, assim, realizada à força. Então não há outro
peso de tal negatividade biológica – antivital para a maioria, meio para atingir essa finalidade senão a dor. E é isto que a vi-
cuja sobrevivência é justamente a mais exigida pela natureza – da, como é lógico que faça, está de fato praticando. Seria loucu-
torne-se grande demais e, tal como aconteceu na revolução ra pensar que poderíamos intervir no amadurecimento de fenô-
francesa, faça o castelo desmoronar e ficar destruído pelas menos de tamanha envergadura, indo contra resistências tão
próprias leis da vida, que, justas e dinâmicas, são inimigas de poderosas. Então a última e resolutiva palavra pertence ao azor-
toda passividade antievolucionista. rague da dor, pois ela representa o mais enérgico e abençoado
No nível A4, não somente tudo é bem feito e, por isso, re- propulsor do fenômeno da evolução.
siste e dura, mas também cada um, ao invés de ser um destrui- ◘ ◘ ◘
dor, é um natural conservador do que foi construído, evitando Observemos agora qual é, conforme as diferentes éticas dos
assim a deterioração e a perda. Estas custam muito trabalho, planos A2, A3 e A4, a correspondente maneira de encarar o pro-
significando desperdício de energia e aumento do esforço ne- blema religioso. Ele também corresponde a uma necessidade
cessário para se manter o mesmo nível de vida. No entanto po- fundamental do ser, que precisa dirigir sua conduta, buscando
dem significar também, uma vez que poucos gostam de traba- orientar-se de alguma forma num oceano desconhecido e procu-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 129
rando enxergar no mistério que o cerca de todos os lados. É ló- que vemos o direito do mais forte tornar-se justiça e esta ter va-
gico que o ser, em cada plano de vida, faça isto de uma maneira lor porque apoiada na força. Todos sabem que, sem a força, a lei
diferente, proporcionada ao nível de evolução atingido. é vã, mas ninguém se pergunta o porquê. Aparecem, então, a lei
No plano A2, a fera não conhece religião nem regra moral. armada de cadeias e a bondade do Evangelho armada de inferno.
Nesse nível tais problemas ainda não existem. Aí vigora a ética Isto já poderia justificar a reação da Lei, como já vimos. Mas
da força, sendo a conduta dirigida pelos instintos, através de a Lei só reage quando o ser comete erros, reagindo tanto mais,
uma sabedoria elementar, fruto das lutas passadas, pelas quais quanto mais o ser os comete, e isto se verifica em proporção à
sobreviveu apenas quem aprendeu a vencer. Nesse nível, tudo é sua ignorância, que aumenta à medida que se desce aos planos
lícito, numa liberdade sem limites, que permite a cada um fazer inferiores da vida. Então a reação punitiva é qualidade que per-
o que bem entender contra qualquer outro e vice-versa, numa tence sobretudo a esses planos, e o fato das leis penais, civis e
luta contínua de todos contra todos. religiosas da Terra não poderem dispensar o uso de tais métodos
No plano A3, o problema se complica, porque aparecem no- de punição prova a inferioridade deste mundo. Quanto mais ele-
vos elementos. Uma vez que o nível A3, como já vimos, repre- vado for o nível e quanto mais o ser subir até eles, tanto menor é
senta uma fase de transição entre os níveis A2 e A4, ainda vigo- a reação da Lei, porque, com o desenvolvimento da consciência
ram no fundo dele os princípios do plano A2, em luta com os do e do conhecimento, diminuem os erros, que são a causa da rea-
plano A4, que se encontram no topo e desejariam destruir aque- ção, até que, alcançando-se o S, acabam os erros e a respectiva
les, para se substituírem a eles. Assim, à luta do nível A2 jun- reação da Lei, extinguindo-se a dor. No fim da grande caminha-
tou-se uma outra, de forma diferente, travada entre a luz e as da da evolução, com o retorno ao S, esses dois elementos, erro e
trevas. A luz que desce dos planos superiores com a revelação, dor, têm de desaparecer, porque, tendo sido eles fruto da queda,
ditando normas de conduta no terreno ético, representa o bem, somente podem existir no AS, permanecendo como resíduos da
impulso positivo que deriva do S. As trevas que sobem dos pla- revolta no ser ainda não completamente purificado.
nos inferiores com os instintos da fera, ditando outras normas É deste modo que se explica por que, no terreno religioso,
de conduta no terreno ético, representam o mal, impulso nega- encontramos as mais estranhas associações, nas quais se mistu-
tivo que deriva do AS. O ser é ainda ignorante, mas nele acor- ram nobres ideais com o desabafo de instintos, sublimes intui-
dou um desejo de saber, inexistente antes, o que significa dese- ções do superconsciente com retornos à animalidade do sub-
jo de ser iluminado. Começam assim a aparecer no caos da li- consciente, sabedoria com ignorância, amor com vingança, jus-
berdade absoluta os primeiros elementos de uma norma direto- tiça e bondade perfeitas, qualidades de Deus, com o constrangi-
ra, dando origem às leis religiosas e civis. Desse modo, despon- mento pela força, qualidade da fera. Mas a natureza do homem
ta no mundo o conceito, antes desconhecido, de lei como regra se encontra nessa fase de transição, sendo inevitável o contraste
de vida, manifestando a primeira concretização do princípio de entre os elementos opostos que nela se encontram. É natural que
ordem, que, pertencendo ao plano A4, começa assim a descer à na parte superior do ser funcione a parte mais nobre e que, ao
Terra. É este o sentido no qual os homens puderam afirmar que mesmo tempo, na parte inferior, continue funcionando a pior.
essas leis superiores tinham origem divina, porquanto desciam Explica-se assim a contínua presença da ação subterrânea dos
do alto, ou seja de planos de vida mais próximos do S. Tais impulsos mais baixos, disfarçados na roupagem dos mais altos
princípios, porém, descendo a um plano inferior ao seu, no princípios. Em que pode tornar-se então a religião na Terra? Ai
mundo da fera, são recebidos na prática como um absurdo. de quem ousa desvelar a realidade oculta atrás das aparências! É
Explica-se assim a contínua contradição que de fato se en- escândalo dizer que o homem faz o contrário do que prega, exi-
contra entre os ideais e a realidade da vida, entre os bonitos gindo que os outros creiam numa mensagem que ele não vive.
princípios teóricos e a péssima conduta humana, entre o que, nas Entre todos os mistérios, não se deveria revelar este que, pelo
religiões, é pregado e o que, nos fatos, é praticado. Quando a luz seu absurdo, parece um dos maiores mistérios das religiões.
tem de penetrar nas trevas, não pode deixar de ficar de alguma Tomamos por exemplo os três votos franciscanos: pobreza,
maneira torcida. Como pode o princípio de justiça do plano A4, castidade e obediência, que poderiam representar uma síntese
quando desce no plano A3, deixar de se chocar com o princípio das virtudes cristãs. Ora, uma vez que na Terra funcionam, ao
da força vigorante nesse nível? E de que outro modo tal princí- mesmo tempo, as leis de dois planos diferentes, A 2 e A4, não
pio poderia agir, a não ser adaptando-se aos instintos da fera e há coisa que não possa ser emborcada. Com o plano de vida
aceitando os respectivos métodos de força, sem o que a fera não muda a forma mental e, com ela, a maneira de conceber as coi-
presta ouvidos nem toma conhecimento, pois a força é o único sas. Então as sublimes virtudes com que o homem do plano A 4
argumento que ela entende? Se o anjo não se torna fera, não po- procura o desapego de um mundo para ele inferior, em busca
de sobreviver na Terra, restando a ele apenas sacrificar-se como de uma vida superior, tornam-se na forma mental do homem
mártir e, com a morte, libertar-se, fugindo para o seu mundo. do plano A3 uma negação inaceitável, porque destruidora da
Eis como vemos aparecer na Terra um produto que parece vida no plano material, que, para tal biótipo, representa toda a
híbrido, porquanto é uma mistura de Céu e Inferno, de espírito vida, a única que ele conhece.
e matéria. Esta é a razão pela qual as leis existentes sustentam Assim acontece que, quando um involuído tem de aceitar
teoricamente princípios de justiça e bondade, pertencentes a tais virtudes, ele não as pode conceber senão na forma de fin-
uma ordem superior, que somente pode ser o resultado da com- gimento, buscando escapatórias para si, mas recomendando-a
preensão e colaboração, mas estão ao mesmo tempo armadas de para os outros, que ele julga simplórios, como ótima coisa a
uma sanção punitiva, apoiada no método da força, que, repre- praticar. As razões que o levam a agir assim são as seguintes:
sentando o princípio da desordem, é a negação da justiça e da 1) A pobreza nos outros significa mais espaço livre e menos
bondade. Se o esforço que desce do Céu à Terra é para endirei- rivais para a sua própria riqueza. Quanto mais os outros re-
tar tudo que se encontra aqui, o esforço do mundo (A3) é no nunciam, tanto mais ele poderá enriquecer. 2) A castidade dos
sentido de emborcar tudo o que desce do Céu (A4), que, assim, outros significa muitos competidores a menos na luta sexual.
é pregado de maneira correta, mas acaba sendo praticado às Quanto mais os outros são virtuosos, tanto melhor ele poderá
avessas, gerando na realidade um estado de luta e contradição, satisfazer-se. 3) A obediência dos outros significa o próprio
que só deste modo se explica. domínio sobre eles. Quanto mais os outros se submetem, tanto
Em função disto, vemos aparecerem resultados estranhos, mais ele poderá mandar.
porque a lógica do mundo tem de obedecer ao mesmo tempo a Esse raciocínio, feito sem querer, é o produto de um íntimo
dois princípios opostos, o do nível A 4 e o do nível A2. É assim trabalho do subconsciente, constituindo o resultado inevitável
130 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
do regime de luta vigente. Assim, a vida atinge uma conciliação para se justificar. Foi assim que surgiu a Santa Inquisição, pois
entre opostos, estabelecendo um acordo entre o homem do pla- a heresia ameaçava uma organização terrena, consequência de
no A4 e o do A3. Esse compromisso é realizável porque a mes- princípios teóricos que, por si só, não interessariam senão a
ma coisa é vista de dois pontos de vista diferentes. Podemos, poucos pensadores. A forma mental do biótipo A 3 é indiferente
dessa forma, compreender a contradição, que, de outro modo, a estas questões superiores, porém muito sensível aos proble-
permanece inexplicável. Assim, a vida resolveu o caso através mas inferiores do seu mundo terreno.
de um recíproco mal-entendimento. Assistimos assim a esse estranho abraço entre Céu e Terra.
O que, na realidade, continua sempre vigorando no fundo O primeiro, com o intuito de descer e realizar o seu programa
da vida humana é a lei da luta pela vida. Assim, tão logo uma na Terra, tem de tomar uma forma material, que deveria ser
religião toma forma concreta na Terra, ela não pode deixar de apenas uma veste do espírito e existir somente em posição su-
cair sob essa lei, porque entrou no domínio da matéria e agora bordinada a ele. Mas a matéria também representa uma força e
representa posições conquistadas de ataque e defesa nessa luta, uma vontade com vontade de se realizar. Eis então que, por
condição que, em tal mundo, para o indivíduo, é fundamental sua vez, a matéria tenta prevalecer sobre o espírito, impondo-
manter. Sobre as religiões foram construídos imensos edifícios lhe as suas exigências. Nesta luta, é lógico que o mais forte
de interesses, que representam o principal valor em relação à vença. Ora, podemos observar, em cada momento da história,
forma mental do homem do plano A3, cujo tipo constitui a qual dos dois se faz mais forte. Quando é o espírito, isto signi-
maioria, enquanto os princípios ideais, tão importantes para o fica que a humanidade está evoluindo. Quando, porém, a maté-
homem do plano A4, são coisa longínqua, situados fora da vida ria é mais forte, o Céu vai à falência e a inferioridade animal
real, que, por isso, devem ser apenas pregados, não merecendo triunfa, e isto significa que os interesses prevalecem e que,
ser levados a sério. A realidade é a matéria, e o espírito é um portanto, a humanidade está involuindo. Nestas condições, po-
sonho. O homem espiritual é um utopista que se perde no im- de-se chegar ao ponto em que os interesses materiais acabem
ponderável. Essa é a forma mental do biótipo terrestre, com a constituindo o único objetivo das religiões. Neste caso ocorre,
qual ele vê e julga. Mas quem pode pensar com um cérebro di- como já falamos, aquele emborcamento dos ideais, significan-
ferente daquele que possui? Para realizar mudanças na nature- do a vitória do AS, condição esta que se explica, pois o impul-
za da personalidade, são necessários centenas de séculos de so do AS ainda não está apagado, mas continua ativo, pronto
experimentação e assimilação. para repetir a revolta contra o S e descer novamente, retroce-
Assim, o máximo que o homem pode fazer é, tal como dendo para o AS, em vez de avançar para o S.
acontece quando se domesticam os animais, permanecer na Perante tais fatos, o inexperiente, que não consegue analisá-
sua própria substância, repetindo mecanicamente a lição dos los para descobrir a sua razão profunda, fica desnorteado. Mas
ideais, aprendida de cor, e isso até mesmo para o seu indis- a maioria resolve da maneira mais fácil, bastando os seus ins-
pensável ganha-pão. Ensinaram-lhe que a sua forma mental tintos para se orientar. Não se deixando envolver em tais pro-
está errada e tem de ser destruída. Mas, se o homem não pode blemas nem se preocupando com eles, a grande massa vive le-
destruí-la, porque ela representa a sua própria natureza e ele vianamente na superfície, sem pensar. Tais questões não exis-
não possui outra para substituí-la, que mais pode fazer senão tem em sua mente. Assim, muitos vão mentindo sem saber nem
permanecer como é? Isso nos mostra que, às vezes, na prática, querer, solucionando o caso pelo caminho que dá menos traba-
o ideal termina em ilusão. lho, adotando uma convivência contraditória entre os princípios
Uma triste consequência de tudo isto é que o ideal acaba do plano A4, apenas proclamados, e os do plano A3, de fato pra-
condenado justamente por aqueles que, tendo o dever de sus- ticados. Trata-se, porém, de uma solução aceitável somente pa-
tentá-lo e tomá-lo a sério, lamentavelmente não o fazem, bus- ra os que, devido à sua inconsciência, acabam não se aperce-
cando-o somente por curiosidade, como quem busca saber ape- bendo da grande desonestidade que tais métodos representam.
nas por saber. Quem não age assim é julgado perigoso, porque Quem pode entender rebela-se e não aceita tal método. Como
solapa as raízes das árvores e representa uma ameaça exata- se pode, porém, culpar alguém por não possuir no seu cérebro a
mente para as posições terrenas que mais interessam. O indiví- inteligência necessária para entender?
duo que de fato procura a verdade deve ser afastado, porque O fato é que a maioria constitui um rebanho de ovelhas,
acaba descobrindo os pontos fracos, os quais ninguém deve co- que pedem para ser dirigidas, porque, sozinhas, não sabem an-
nhecer, porque lançam o descrédito sobre a organização daque- dar. Assim, havendo demanda por pastores, eles aparecem e fi-
les cuja vida material se baseia na pregação daquela verdade. cam. Teoricamente, eles deveriam ser biótipos do nível A 4, in-
Entre as forças do plano A4 e as do plano A2, há uma luta cumbidos de trazer à Terra as coisas dos planos superiores.
terrível. Trata-se de um momento da grande luta entre o S e o Mas o nosso mundo pertence ao nível A 3, e, aqui, os tipos A4
AS. Ela, aqui, aparece viva, tomando a forma de conflito entre representam uma minoria insignificante. Acontece, então, que
o anjo e a fera. Pelo dualismo dos dois termos opostos em que os pastores acabam sendo da mesma raça das ovelhas, concor-
se despedaçou o universo, devido à queda, bem e mal se cho- dando com elas porque possuem os mesmos instintos e forma
cam, o primeiro no sentido de realizar a evolução para o S, e o mental. Desse modo, para eles, tudo que pertence a planos su-
segundo no sentido de paralisá-la, para ficar no AS. Tudo isto periores, situados acima do nível A 3, parece utópico. Tal acor-
não é mais teoria agora, porque não podemos deixar de ver nos- do deriva do fato de todos pertencerem ao mesmo nível de vi-
so mundo funcionando assim nem de viver as respectivas con- da. O instinto deles é o crescimento no plano material, e não
sequências, porque estamos todos mergulhados nesta luta e so- no espiritual. Assim, em vez de procurarem a evolução interi-
fremos pelo atrito derivado do choque entre estes dois termos or, em profundidade, procuram o triunfo exterior, em superfí-
opostos: o novo (S) que busca destruir o velho, para substituí- cie. Nesta atitude, ao invés de predominar a busca pelo aper-
lo, e o velho que resiste, porque não quer morrer. feiçoamento do indivíduo, para fazê-lo subir, o que deveria ser
Eis as profundas raízes dessas lutas humanas, que vemos o conteúdo fundamental da religião, prevalece o proselitismo
aparecer na superfície como um absurdo inexplicável, em con- expansionista, concebido como a coisa mais importante a rea-
tradição consigo mesmo, cuja razão lógica está na profundeza, lizar. Assim também as religiões acabam caindo no nível infe-
mas aparece quando o fenômeno é observado em função da rior do biótipo A3, constituído pela luta, nível no qual, pelo
primeira origem das coisas. Então é lógico que, na Terra, situ- instinto de crescimento, cada homem ou grupo humano é im-
ada no plano A3, os interesses materiais sejam a verdadeira pe- perialista, o que significa rivalidade para se sobrepujarem uns
dra de toque da importância dos ideais, nos quais se alicerçam aos outros. Então cada agregado se regozija quando uma ove-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 131
lha se converte de outra religião para a sua, na qual se encontra ção e absurdo. Pelo fato de querer levar a religião a sério, para
a verdade, mas condena quando uma ovelha se converte da sua vivê-la de fato, o que pode significar um duro trabalho, ele
para outra religião, na qual se encontra o erro. precisa conhecer não só as razões que justificam tal esforço,
Se tudo isto é absurdo pela forma mental do plano A4, tor- mas também os princípios dos quais a sua conduta tem de ser a
na-se lógico para a mentalidade do plano A3. E explica-se a ra- consequência. Por isso não lhe é possível aceitar tudo só por fé
zão disso. Quanto mais o ser se encontra situado perto do AS, cega, que pode, quando as mencionadas adaptações já provi-
tanto mais a sua psicologia não pode deixar de revelar o princí- denciam as necessárias escapatórias, não levar às mesmas con-
pio divisionista da revolta, que busca estabelecer, em oposição clusões e tornar-se uma opção fácil.
ao princípio da unidade de tudo em Deus, o princípio do ego- O biótipo do plano A4 não pode ficar cristalizado em ne-
ísmo separatista, instinto predominante no nível inferior A3. nhum tipo de formalismo, que, através da repetição consuetudi-
Contrariamente, quanto mais o ser se encontra situado perto do nária, oferecem ao tipo A3 a vantagem de poupar todo o traba-
S, tanto mais a sua psicologia não pode deixar de revelar o lho espiritual, adormecendo-lhe a alma numa prática mecânica
princípio unitário do altruísmo unificador na obediência à or- estéril. O tipo do plano A3 pode desejar e procurar trabalhar o
dem. É a posição do ser na escala evolutiva que estabelece qual menos possível para ganhar o Céu, mas não o tipo do plano A4.
é a sua forma mental, da qual ele não sabe sair. Lá, onde aquele nada percebe e se cansa, este vibra, faminto e
Desse modo, também no terreno religioso, que deveria es- insaciável, procurando cada vez mais fundo a verdade. Ele faz
tar acima de nosso mundo, acabou vigorando a lei de todas as pesquisas para conhecer coisas que as religiões, por ignorá-las,
coisas humanas do plano A3. Como se pode exigir, nesse nível, não lhe sabem explicar. Trata-se de questões que ele tem neces-
que os fortes – neste caso, os mais astutos – não se sustentem sidade de compreender, porque são a base da vida, mas cuja
de graça e não se aproveitem dos mais fracos – neste caso, os compreensão não interessa às religiões, que, em vez de resol-
mais simplórios? Se estamos na Terra, e não no Céu, como ver tão fundamentais problemas, prefere eliminá-los com o mé-
podem os seres daqui usar outra lei que não seja aquela escrita todo do mistério. O tipo do plano A4 quer viver os princípios e,
com os instintos na sua forma mental? A prova de tudo isso es- para vivê-los, tem absoluta necessidade de tê-los compreendi-
tá no fato de que, se excepcionalmente aparece na Terra o bió- do. Ora, isso não interessa a quem, pretendendo realizar outro
tipo A4, ele acaba sendo liquidado. Aqui, a maior parte do ma- objetivo, não se preocupa em viver aqueles princípios. O méto-
terial de construção é do tipo A3, sendo este o único material do da fé cega está feito sob medida para o homem A3, que, não
disponível para se construir. E o tipo A 3, mais próximo do AS, possuindo inteligência para compreender nem vontade para fa-
representa o rebelde, que busca estabelecer na Terra um reino zer esforços ascensionais, fica satisfeito na sua ignorância.
oposto àquele que desejaria construir o tipo A 4, mais próximo Trata-se de duas formas mentais diferentes, da qual tudo
do S. Por isso Cristo falou da irredutível inimizade entre Ele e depende. O homem do plano A3 concebe em função do seu
o mundo. Esta é a razão pela qual o inferior quer destruir o su- mundo terreno, sendo este o seu ponto de referência, em rela-
perior, pois sabe que este, para evoluir, procura aniquilar toda ção ao qual ele vive. O homem do plano A4 concebe em função
forma de vida inferior, substituindo-a por uma mais alta. Uma do seu mundo superterreno, sendo este o seu ponto de referên-
vez que o ser superior é naturalmente um destruidor dos valo- cia, em relação ao qual ele vive. Para o primeiro, quando este é
res inferiores, os mais preciosos em baixo, o ser inferior é um o seu desejo, tem muita importância a sua conversão de uma re-
destruidor de valores superiores, os mais valiosos no alto. Há ligião em outra, processo no qual ele muda apenas de forma – a
rivalidade e luta para a sobrevivência entre os diferentes pla- verdade para ele – sem se preocupar com a substância, da qual
nos de existência, porque cada um quer tomar o lugar do outro procura evadir-se. O fato de se converter não pode mudar o tipo
no mesmo campo da vida. As forças do AS não querem mor- de personalidade, que continua como anteriormente. Para o se-
rer, então lutam desesperadamente contra as do S, cuja vitória gundo, pouco adianta mudar de forma, quando em todas elas
significa a morte para as do AS. falta a coisa mais importante: a substância, que consiste em
Qualquer coisa que pertença a um plano superior, se quiser querer viver os princípios. Que pode então fazer o homem do
realizar-se na Terra, tem inevitavelmente de descer até ao nível plano A4? É impossível para ele aceitar os métodos do mundo,
humano. É evidente, porém, que a finalidade desta descida é construídos pelo homem A3, que, adaptando-os a si próprio, de-
elevar o homem a um nível mais alto. O divino aceita tornar-se sejaria fazê-los valer para todos. Assim, expelido do mundo,
humano, para que o humano se torne divino. Infelizmente, o re- não resta ao homem A4 outra solução, senão ficar sozinho com
sultado desta descida foi mais um rebaixamento do espírito na Deus, que o pode entender. Eis então que, ao lado das religiões
matéria do que um levantamento da matéria para o espírito. oficiais, feitas de práticas mecânicas adaptadas ao gosto das
Maquiavel dizia que a religião e as virtudes são úteis apenas multidões e esvaziadas de espiritualidade, ficam acesas somen-
quando usadas como encenação exibida para os outros, pois, se te algumas fagulhas isoladas, onde o espírito encontra refúgio.
vividas de verdade, tornam-se perigosas. Então, parecer bom Porquanto esta chama espiritual, que constitui a substância
pode ser útil para evitar a desconfiança, tirando das mãos do animadora de todas as formas, representa uma atitude interior,
próximo esta sua arma de defesa, a fim de que, deste modo, es- imperceptível externamente, o homem A 3 não a percebe, pois
tando ele desprevenido, seja mais fácil vencê-lo. É assim que os só enxerga as coisas existentes no seu nível, o plano da maté-
lobos, disfarçando-se de cordeiros, podem se misturar com eles, ria, que ele julga ser a única realidade, enquanto considera ir-
passando despercebidos para atacá-los. real o mundo espiritual.
◘ ◘ ◘ Ora, seria absurdo perseguir um ser inferior só porque ele
No plano A4, tudo é concebido e realizado de uma forma não consegue compreender o que está além de suas possibilida-
diferente. Desaparecem as misérias do nível A3, próximo do des. As condenações não educam, e a perseguição desenvolve a
AS, e aparecem as harmonias do nível A 4, próximo do S. Co- inteligência da reação ou a sabedoria das escapatórias e da men-
mo age, então, o ser desse plano? Ele, uma vez que é verdadei- tira. Para que condenar quem não sabe entender? Essa pode ser a
ramente religioso, procura a substância, e não a forma, dando a forma ilógica e inútil de proceder do homem A3, para desafogar
esta o valor que merece. Pelo seu instinto de honestidade, ele o seu instinto de luta e agressividade. Mas o homem do plano A4
não pode aceitar viver de adaptações, que, para a sua sensibili- não pode descer ao nível do A3, usando métodos que nada solu-
dade moral, significam uma falta de sinceridade insuportável, cionam. Que faz ele então? Uma vez que jamais impõe a solu-
absolutamente inadmissível nas religiões, perante Deus, e que, ção à força, pois ao espírito não se pode chegar senão por íntima
para a sua agudeza intelectual, constituem evidente contradi- convicção e por amadurecimento, não lhe resta senão entregar o
132 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
caso a quem sabe e pode muito mais do que ele. Assim, sem en- XV. TÉCNICA DO FENÔMENO DA REDENCÃO
trar no perigoso método da luta, o qual só pode gerar uma infin-
dável cadeia de ações e reações, ele respeita tudo, compreen- Observemos agora o nosso diagrama em outros dos seus as-
dendo a ignorância (“Perdoa-lhes, porque não sabem o que fa- pectos, para ver o que mais ele nos diz. Na sua expressão gráfi-
zem”), da qual deriva o erro, origem do sofrimento, que repre- ca, ele nos mostra o conteúdo e o funcionamento da Lei. O ho-
senta o grande mestre, encarregado pela Lei da função de ensi- mem não está sozinho, abandonado no caos, entregue a si pró-
nar. A escola de Deus sabe funcionar por si mesma, automática prio, como pode parecer ao involuído, situado no AS. Mesmo
e perfeita. Ela se encontra feita sob medida, para ser entendida nessa posição de desordem, o ser não escapa à Lei, que conti-
também pelos surdos, através da dor. Por que razão um homem nua sempre vigorando na profundeza, dirigindo tudo no sentido
sozinho, ou uma pequena minoria deles, deveria intervir contra a da ordem. Também neste estado, que parece de ilimitado arbí-
imensa maioria das massas humanas, quando isto nada resolve- trio, porque não há consciência alguma de uma regra, o ser está
ria? Deus já providenciou tudo, operando a todo o momento por indissoluvelmente amarrado à fatalidade das reações da Lei, as
intermédio da dor, que sabe como ensinar, resolvendo tudo des- quais aparecem tão logo ele se movimente contra ela, cometen-
sa maneira. Intervir seria atrapalhar a ação de um tratamento do um erro. Como já dissemos, a lei de Deus não pode ser des-
perfeito, que cabe apenas ao médico aplicar, pois ele, sendo truída, pois isto significaria a destruição de Deus, absurdo que
quem mais conhece, é o mais hábil e apto. Assim, ao homem do não poderia ser permitido à criatura. Com a revolta, o ser pôde
plano A4 resta apenas explicar, quando lhe for solicitado, como tão somente emborcar a sua posição dentro da Lei, de modo
tudo isto funciona automaticamente. É absurdo pensar que a lei que o AS não significa uma criação nova, mas apenas a posição
de Deus, para atingir os seus objetivos, tivesse de esperar a in- emborcada do rebelde no seio do S.
tervenção do homem, colocando-se ao seu dispor, sem possuir O ser pode negar a existência e a presença da Lei, sendo li-
meios de realização próprios e independentes. vre para acreditar que ele seja o dono absoluto de tudo, mas isto
O homem do plano A4 nunca agride ou polemiza. Ele deixa não o impede de ficar preso no torno de ferro da Lei, que o
o método das condenações para o homem do plano A 3. Nin- aperta de todos os lados. Insistimos no estudo da Lei porque o
guém pode sair da lei do seu próprio plano, que representa a sua seu conhecimento é fundamental para construirmos o nosso
natureza, da qual depende a sua forma mental. Aquele que se destino, a fim de que possamos, com a evolução, libertar-nos da
encontra embaixo está sempre pronto para reagir contra qual- dor e atingir a felicidade, representando isto a solução do maior
quer intervenção de quem está acima, enquanto este, por seu problema da existência. Por isso, neste volume, quisemos estu-
lado, com o método do Evangelho, sem fazer guerra, fica espe- dar não só em que forma e medida a Lei, com a dor, reage con-
rando tudo amadurecer, processo que, pela presença ativa da tra o erro, para corrigi-lo, mas também como o ser, com a evo-
Lei, não pode deixar fatalmente de acontecer. As trevas do AS lução, realiza a conquista dos campos de forças positivas do S e
não querem ser incomodadas pela luz do S. A ignorância e a a destruição dos campos de forças negativas do AS.
mentira do nível A3 resistem para não serem destruídas pela in- No processo evolutivo, pelo qual o ser, por um longo cami-
teligência e a sinceridade do nível A4. A culpa não é desta ou nho de transformação, é levado da sua posição de AS à de S, os
daquela religião, mas sim do homem, que permanece o mesmo dois impulsos fundamentais, o destruidor da parte do rebelde e o
e faz as mesmas coisas em todas as religiões. O homem do ní- salvador da parte de Deus, encontram-se permanentemente con-
vel A4 progride então por sua conta, protegido pela lei de evo- trapostos em luta, enquanto a evolução opera o processo de trans-
lução, que o ajuda a subir. As religiões preferem a condição es- formação da negatividade em positividade, que retifica o prece-
tática, para manter a estabilidade das posições nas quais se ba- dente processo involutivo, no qual se deu a transformação da po-
seiam, condição que requer menos esforço e representa menos sitividade em negatividade. Nos diferentes níveis de existência,
perigos, cumprindo a função útil da conservação. Tal atitude, conforme a posição do ser ao longo do caminho da evolução,
porém, é antievolucionista, de modo que a lei do progresso, de prevalece um ou outro destes dois sinais – antagonismo no qual
vez em quando, é constrangida a sacudir aquelas posições está- se manifesta sempre presente o universal dualismo, originado
ticas, intervindo para realizar a renovação da vida, que não po- com a cisão da revolta – continuando assim até que a evolução
de ficar paralisada no seu caminho ascensional. tenha saneado e reabsorvido tudo na unidade de origem.
Neste caso, as massas têm de se apoiar no homem do nível Dualismo significa não somente que há dois sinais diferen-
A4, que, com seu risco e perigo, avançando sozinho no caminho tes, + e –, mas também que cada um deles pode assumir um va-
do conhecimento e da espiritualidade, está na vanguarda. Sendo lor diferente, conforme o ponto de referência em função do qual
dinâmico e criador, ele não pode ficar imóvel, apegado ao pas- ele é observado e avaliado. Em outros termos, o que é + com re-
sado para não arriscar, mas tem de trabalhar, arrastado pela pai- lação ao S é – com relação ao AS, e vice-versa. A razão para es-
xão da espiritualidade, avançando pela ousadia da ascensão com te fato é que o movimento do processo evolutivo se realiza por
a coragem do pioneiro. Enquanto o impulso da conservação é oscilações entre dois polos opostos, que resultam da luta entre
negativo, levando à cristalização, à velhice e à morte, o impulso dois impulsos contrários, sendo cada um deles tão exatamente
da renovação é positivo e leva ao progresso, à juventude e à vi- inverso do outro, que, para substituir ao outro, quereria anulá-lo.
da. Pela estrutura geral do processo involutivo-evolutivo, sabe- Assim, o que é construção do S não pode ser senão destruição
mos que as forças da Lei impulsionam nesta segunda direção, o do AS, e ao contrário. O mesmo acontece com o processo de re-
que garante o sucesso dos que trabalham neste sentido e a falên- torno do ser ao S, trabalho que, para o involuído, situado no AS,
cia dos que trabalham no sentido oposto. Se na Terra domina o de sinal –, representa uma perda e um peso, enquanto, para o
tipo do nível A3, mais próximo do AS, o tipo do nível A4, mais evoluído, que quer se salvar, voltando ao S, de sinal +, significa
próximo do S, apesar de minoria, acaba prevalecendo, porque é uma conquista e uma vantagem. Então o mesmo processo evolu-
favorecido pelas leis da vida, que querem a evolução do ser. As- tivo pode ser encarado de dois pontos de vista opostos, um em
sim como, por lei, o S tem de acabar vencendo o AS, também o relação ao involuído, cuja vontade e triunfo, por serem frutos da
homem do plano A4, pela mesma lei, tem de acabar vencendo o revolta, está na descida, motivo pelo qual ele se rebela à evolu-
homem do plano A3. É devido à própria lei de evolução que ao ção, e outro em relação ao evoluído, cuja vontade e triunfo –
homem do plano A4 pertence o futuro, porquanto ele está mais porquanto sua vontade é endireitar-se, obedecendo – está na su-
adiantado e avança na direção do S. As condenações do mundo bida, razão pela qual ele busca a evolução.
não têm o poder de parar as forças da vida, que continua seguin- Se evoluir representa um processo de transformação da
do inabalável o seu caminho ascensional, marcado pela Lei. negatividade em positividade, então ela significa para o ser uma
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 133
mudança da sua posição de sofrimento na de felicidade. Mas enganadora felicidade do mal, que leva para o sofrimento, ou o
essa transformação da posição do ser, de desvantagem no AS sofrimento para se remir, pois, na sua posição emborcada, a feli-
na de vantagem no S, não pode ser realizada senão através do cidade não pode ser senão sofrimento. Na sua ignorância, o mun-
esforço e do sofrimento do próprio ser, isto é, com a sua des- do não sabe enfrentar o problema para resolvê-lo, então procura
vantagem. É assim que a vitória do S significa derrota para o fugir no gozo, onde acaba encontrando somente ilusões e insatis-
AS. É desse modo também que a felicidade do involuído – por- fação. Segue assim o caminho da descida, o mais fácil, desmoro-
quanto ele se colocou na posição de desobediência, ao invés de nando sempre mais para baixo, o que significa aumentar o fardo
obediência – está emborcada, encontrando-se na descida, e não da dor, e não diminuí-la. O ser está preso dentro de uma lei de
na subida, tratando-se de uma felicidade somente aparente, que ferro, da qual não pode fugir. Essa é a técnica do fenômeno, e
é de fato traidora e acaba no sofrimento. A dura realidade é que ninguém tem o poder de modificar o seu funcionamento.
o cidadão do AS, para poder chegar ao seu verdadeiro bem, tem É lógico que, para o ser do AS, a conquista da felicidade
de endireitar o seu conceito errado de felicidade, que para ele verdadeira e estável do S não pode ser senão fruto do sofrimen-
consiste na revolta. E cabe à dor a tarefa de lhe ensinar que o to, que retifica a sua posição emborcada. No AS, o natural direi-
correto conceito de felicidade é outro, oposto, consistindo jus- to à felicidade tornou-se uma dívida que deve ser paga. Ao invés
tamente na obediência. É lógico que, na estrutura da obra da de uma plenitude de satisfação, a felicidade tornou-se um vazio
criação de Deus, o mais almejado objetivo do ser seja atingir a e uma fome insaciável, ficando dela só a carência e a desespera-
sua felicidade. Porém ele, rebelando-se, coloca-se em posição da procura. De tanta riqueza restou só a pobreza, de tanta alegria
emborcada, sendo levado pela revolta a buscar uma forma de só o choro do condenado. E agora, no fundo da sua pobreza, a
felicidade às avessas, que parece alegria, mas é sofrimento. Ca- criatura tem de pagar com o seu próprio sangue a riqueza que
be agora ao ser, com o seu esforço, endireitar essa posição em- tentou furtar. Se o ser desceu, é lógico que tenha depois de fazer
borcada, absorvendo e, assim, neutralizando o sofrimento, para o esforço para subir, assim como quem destrói a sua casa tem de
que a falsa alegria se torne verdadeira. construí-la de novo, se não quiser ficar sem ela. Igualmente, se o
Somente tais conceitos podem explicar o conteúdo e a téc- ser, com a sua revolta, gerou as forças de resistência contra o S,
nica do fenômeno da redenção, mostrando como tudo neste é justo e lógico que ele tenha de vencê-las para voltar ao S.
mundo obedece a uma lógica perfeita, embora na superfície Lembremo-nos de que a dor, meio pelo qual o ser tem de se re-
apareça a contradição de não ser possível chegar à felicidade mir, não foi obra de Deus, pois ela não existe no S, mas sim da
senão através da dor. Por que razão o ser, para atingir a felici- criatura rebelde. Assim, é lógico e justo que o ser somente possa
dade, deve atravessar o sofrimento? Por que essa dura condi- libertar-se da dor reabsorvendo-a toda, porquanto, sem essa re-
ção, na qual se ergue uma barreira contra a realização do maior absorção, não é possível alcançar a salvação, voltando ao S.
impulso instintivo do ser, impulso que quer levá-lo ao seu bem? Este princípio de reabsorção é universal e funciona todas as
Sem aqueles conceitos não se pode chegar a compreender o ab- vezes que o ser se afasta da Lei, cometendo um erro. Neste ca-
surdo desse caminho às avessas, segundo o qual, para se reali- so, o ser deve equilibrá-lo como numa balança, neutralizando-o
zar uma obra de sinal positivo, é necessário percorrer um cami- com uma dor correspondente, em quantidade e qualidade. O
nho e executar um trabalho de sinal negativo. Sem esta chave, princípio da dor, inexistente antes, foi introduzido na obra de
que aqui estamos oferecendo para resolver o mistério, o fenô- Deus pela criatura rebelde, constituindo a reação da Lei ao
meno da redenção pela dor permanece um absurdo inexplicá- maior erro do ser, que foi a revolta. É lógico, então, que a dor
vel, uma contradição que nada justifica. seja tanto maior quanto mais o ser é involuído, encontrando-se
Eis então que o ser somente pode remir-se – isto é, ressusci- perto do AS, e tanto menor quanto mais o ser é evoluído, estan-
tar, reconstruindo-se na positividade – indo contra si mesmo, re- do próximo do S. O mesmo princípio se aplica a qualquer tipo
negando-se como cidadão do AS e destruindo-se como tal, ou de erro, do menor ao maior, pois todo erro representa uma re-
seja, destruindo a sua negatividade. Eis como se explica o fato volta à ordem estabelecida pela Lei. Então, se o ser, nos níveis
de que uma dor, funcionando, destrói a si mesma, desaparecen- inferiores, encontra-se perseguido pela dor, ele está de fato sen-
do ao realizar seu objetivo. É assim que ela pode tornar-se um do perseguido apenas pela sua própria revolta. O ser que, obe-
meio de redenção e de conquista de felicidade. Esta é a razão pe- diente à Lei, procurou subir ao longo do caminho da evolução
la qual um caminho percorrido negativamente pode desembocar em direção ao S, não fica sujeito a essa perseguição. A dor so-
num resultado positivo, fazendo que do –, enquanto ele exerce frida pelo ser não é senão o conjunto das forças positivas da fe-
uma função de endireitamento, possa nascer o +. É lógico então licidade, que favoreciam a criatura no S, mas que agora, em-
que a destruição da dor para atingir a felicidade não se possa re- borcadas por ela ao negativo, por isso mesmo a vergastam. As-
alizar senão pela própria dor. Cai assim o absurdo, permitindo- sim, as forças que a criatura pretendia, em seu proveito, lançar
nos ver que tudo corresponde a um equilíbrio e justiça perfeitos. contra Deus, acabaram sendo lançadas contra ela mesma, em
Vemos, então, por que o ser não pode chegar à sua satisfa- seu próprio dano. É lógico que, desse modo, quem mais sofre e
ção senão pelo caminho da sua insatisfação. E a existência de progride mais se liberta do sofrimento, assim como quem mais
tal contradição se justifica, pois ela é justamente a consequên- goza e menos progride menos se liberta e mais afunda no so-
cia da primeira contradição, estabelecida pelo próprio ser com frimento. Em outras palavras, quanto mais o ser, sofrendo, re-
a sua revolta. No S não existe oposição de contrários, resulta- nega a si próprio como cidadão do AS, tanto mais ele se apro-
do da cisão no dualismo, no qual surge o contraste entre dois xima da felicidade do S, e ao contrário.
sinais opostos que lutam para se eliminar um ao outro. No S Outro fato, contudo, é o transformismo. Ele é o estado de
tudo é positivo e só positivo. A felicidade não está condicio- quem não pode existir senão percorrendo continuamente o ca-
nada, independendo do seu contrário: a dor. Não existem os minho do relativo, em busca da perfeição. Foi nessa posição de
caminhos torcidos, fruto do emborcamento da revolta. Já para instabilidade que se emborcou, pela revolta, a posição oposta,
o rebelde decaído, pelo contrário, não pode existir senão a fe- representada pelo absoluto, imóvel na sua perfeição. Ora, para
licidade enganadora do AS, ligada à dor e ao esforço da evo- o ser decaído no relativo, o transformismo representa a sua
lução para reconquistar a verdadeira felicidade do S, perdida forma de existência necessária, da qual ele não pode sair. Da
com a queda. Não poderia acontecer de um modo diferente necessidade deste transformismo derivam algumas consequên-
num mundo emborcado pela revolta. cias. Ele, pela irresistível vontade da Lei, é dirigido para o S.
É lógico que, nessa sua posição emborcada, a felicidade fique Então pela necessidade de atingir esse objetivo superior, tal
amarrada aos pés do seu oposto, a dor. No AS não há saída: ou a transformismo representa uma vontade de ascensão, constituin-
134 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
do uma força que impulsiona fatalmente para a evolução. Tudo de chegada marcado pela linha WXW 1. Como se resolve, en-
isto coloca o ser, quer queira quer não, dentro de uma corrente tão, essa contradição?
na qual ele não pode existir senão na condição de esforço para Observemos o fenômeno mais de perto. Perguntamos: é
subir, através de sofrimento e luta, sem o que a evolução não se possível um caminho que nunca atinja o seu ponto final, uma
pode realizar. Eis então que necessidade de evoluir significa obra de construção que nunca termine, um processo de trans-
necessidade de trabalhar e sofrer, impossibilidade de ficar para- formação que nunca chegue a uma conclusão? Se assim fosse, a
do, fatalidade do destino de ter de realizar o esforço da ascen- evolução não seria mais um caminho, uma construção, um pro-
são. Assim observamos o destino do mundo, que não consegue cesso de transformação. Ela se tornaria um fenômeno sem obje-
encontrar paz, seja porque, perseguido pela dor, corre fugindo tivo e conclusão (ponto de chegada), e isto implicaria que, de
dela, seja porque, atraído por suas miragens, corre atrás delas outro lado, ela não teria causa e início (ponto de partida). As-
em busca de uma felicidade que termina sempre num engano. sim, permanecendo para sempre em suspenso, a evolução per-
Destino duro, mas justo, cuja lógica vemos agora, porque foi o deria todo o sentido. Não é concebível um movimento sem pon-
ser que, com a revolta, condenou-se a ele, semeando as suas tos de referência, fora de um mundo relativo e finito. Um mo-
causas com as suas próprias mãos. vimento a qualquer velocidade se torna igual à imobilidade, se
O que dissemos corresponde mais à forma mental comum, ele se verifica no vazio ilimitado, onde não existe ponto algum
uma vez que o evoluído, deslocado na Terra, aqui se encontra de referência, em função do qual seja possível avaliá-lo. O
como desterrado, pertencendo a outros níveis de existência. Ao transformismo evolutivo presume uma resposta à pergunta: de
contrário da sua visão, tudo na Terra é concebido e julgado com onde e para onde? Não conseguimos conceber um fenômeno de
outra forma mental, pela qual o valor está na revolta egocêntri- tal envergadura sem uma causa determinante, como uma corri-
ca, sendo esta a psicologia de quem está mais próximo do AS da sem uma realização final que a conclua e a justifique. A
do que do S. Para aquele biótipo, esta concepção representa um ideia de caminho pressupõe uma direção, e esta implica numa
absurdo inaceitável, como absurdos e inaceitáveis são os res- finalidade a atingir, na qual o fenômeno tem de se resolver.
pectivos conceitos e julgamentos que saem da forma mental do Poder-se-ia responder que tal impossibilidade de conceber
biótipo involuído. Isso é lógico, porque as posições e os pontos uma evolução sem limite dependa do fato de tal fenômeno exis-
de referência desses dois seres são opostos. tir no relativo. Mas é justamente pelo fato de existir nele que a
Essa variação da liberdade individual, porém, não pode im- evolução tem de ficar sujeita às leis do relativo, e isto implica
pedir que cada um permaneça bem preso ao próprio destino, de um início, um desenvolvimento e um ponto final. É exatamente
acordo com a sua posição dentro da Lei. Não há ser que não es- pela relatividade do relativo que ela tem de possuir um termo.
teja contido dentro dela e da sua vontade de se realizar. Inexorá- Mas por que a evolução tem de existir no relativo? Antes da
vel, o tempo bate o ritmo dessa realização. Não há fenômeno revolta, só existia o absoluto, de onde saiu o relativo, que, por
que possa ficar parado, sem ter de chegar à sua madureza. O AS ser fruto da revolta, tomou a forma oposta. A criatura não podia
faz esforços desesperados para resistir à evolução, mas acaba criar nada novo, para gerar um outro S, mas somente produzir
sendo vencido, porque o impulso do Sistema, que é o mais po- deslocamentos dentro dele. É lógico que, tratando-se de um
deroso, acaba arrastando tudo. Quem quer fugir à fadiga da evo- movimento de revolta, dela não poderia nascer senão o contrá-
lução fica abandonado como um destroço, só restando a ele rio do que já existia, ou seja, do absoluto, contrário ao relativo.
apodrecer, sendo perseguido pelo enjoo dos ricos ociosos, que o Era na própria natureza do absoluto que estava implícito a úni-
desentoca de seus esconderijos. Esse é o fruto podre do seu va- ca forma que o seu contrário, o relativo, podia assumir, justa-
zio interior, que os envenena. O processo do transformismo não mente pelo fato de se tratar de emborcamento, que é o resultado
pode parar. Com a revolta, o ser se condenou a uma corrida con- lógico da revolta. Em outras palavras: existia o absoluto, e seu
tínua, e não terá paz enquanto não tiver voltado ao S, encontran- emborcamento representa a inevitável consequência da revolta.
do novamente Deus. Assim caminha fatalmente a evolução. Tal inversão significa atingir a posição oposta. Ora, a forma
Como todo fenômeno, ela tem seu próprio tempo, que mede o oposta do absoluto é o relativo. Eis por que razão o ciclo invo-
seu amadurecimento e, como um pêndulo inexorável, marca por lutivo-evolutivo da queda e salvação não podia existir senão no
dentro o transformismo de todos os fenômenos, estabelecendo o relativo. Eis porque a evolução existe no relativo.
ritmo do desenvolvimento da evolução até à sua solução. Mas relativo quer dizer limite, e isto significa que há um
◘ ◘ ◘ fim para o processo. Então, pelo fato de se realizar no relativo,
Continuemos observando outros aspectos do fenômeno evo- a evolução não pode ficar sem solução. O relativo é o terreno
lutivo. Amadurecidos pelo caminho percorrido até aqui, é pos- natural da evolução, no qual ela ficou fechada, como resultado
sível esclarecer novas dúvidas, focalizando com mais exatidão da revolta, que outra forma não podia gerar. E relativo implica
alguns problemas e aperfeiçoando alguns conceitos já mencio- todas as suas consequências, entre as quais a necessidade de fi-
nados. Procuremos então responder mais exaustivamente a es- car sujeito a um termo final. Além disso, se de fato vemos que a
tas duas perguntas: evolução existe em função de um telefinalismo seu, então o
1) A evolução, no seu conjunto, é finita ou infinita? processo terá de se resolver quando atingir o seu objetivo, para
2) Cada elemento individual pode progredir para sempre, ou o qual existe. Pela própria posição da evolução dentro do terre-
existe um ponto final no qual a sua evolução, completando-se, no do relativo, ao qual ela pertence, porque faz parte da queda
atinge um estado em que tem de parar? que o gerou, o processo evolutivo tem de ficar sujeito a todas as
Eis, então, o que procuramos saber: qualidades do relativo. É justamente o fato de tal fenômeno se
1) Se há ou não um limite para o processo evolutivo uni- realizar no relativo que torna possível medir os seus movimen-
versal. tos e avaliar os seus produtos, o que seria impossível, se não
2) Se há ou não um limite para o processo evolutivo no caso houvesse outros termos com os quais compará-los.
particular do indivíduo. Então é devido à própria natureza do fenômeno evolutivo,
Comecemos com o 1 o caso. Logo surge a ideia de que, se o que nele está implícito o conceito de limite. Quando, com a re-
ponto final da evolução é Deus, sendo Ele um infinito inatin- volta e a queda, o imutável decaiu no movimento, foi a própria
gível, então a evolução deveria ser infinita, porque o seu pon- natureza do fenômeno da queda que marcou o seu ponto inicial,
to final é um infinito, ou melhor, porque no infinito não se acarretando assim, no lado oposto, a existência do ponto final cor-
pode encontrar ponto final. Em nosso diagrama, porém, ve- respondente. Foi o próprio fenômeno da queda que gerou o con-
mos que o caminho da evolução é limitado, tendo o seu ponto ceito de início e fim, de tempo, movimento, mudança, vir-a-ser
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 135
ou transformismo involutivo-evolutivo. Foi a queda que, pelo fictícia, ao negativo, uma não-existência, apenas com aparência
fato de constituir uma descida do ser, o lançou neste mundo re- de real, como forma transitória e inconsistente da única entidade
lativo, nos antípodas daquele no qual ele existia no S. Tudo isto que existe de verdade: o absoluto, isto é, Deus. Esta posição no
foi obra do ser rebelde e irá perdurar no transformismo, que é a relativo é contrária à realidade, sendo falsa e enganadora, e so-
dimensão desse fenômeno, até que o parêntese do AS, dentro mente pode existir pelo fato de ser dependente da verdadeira,
da vida infinita do S, tenha automaticamente, pela própria natu- que representa a única força positiva capaz de sustentá-la. É so-
reza do fenômeno e da Lei que o dirige, sido fechado. mente em função do absoluto e apenas como um seu disfarce
É por tudo isto que não é possível conceber uma evolução que o relativo pode subsistir e se manter. Por isso não pode dei-
sem fim. Ela faz parte de uma ordem de ideias lógicas, na qual xar de terminar, tendo de recair no absoluto.
não há lugar para o infinito. E isto é coerente, pois cada um Após a evolução haver reconstituído, com o seu transfor-
dos dois universos tem a sua própria dimensão, inversa à do mismo, tudo que a involução destruiu, neutralizando a queda ou
outro. O S tem o infinito, dimensão de Deus; o AS tem o fini- afastamento com o caminho da volta e cumprindo, assim, toda
to, dimensão do ser rebelde, oposta à de Deus, como a revolta realização em função da qual ela existe, há um ponto no qual os
exige. O limite é a única dimensão na qual pode existir esta impulsos que geraram o fenômeno se esgotam e ele desaparece,
posição, que, além de dualismo, bipolaridade e contraste, sig- pois o emborcamento involutivo pelo qual ele foi gerado é re-
nifica também equilíbrio entre opostos, pelo qual o conceito de absorvido e neutralizado pelo endireitamento devido à evolu-
início implica o de fim, e vice-versa. O que há de um lado tem ção, fazendo tudo que era negatividade no AS voltar a ser posi-
de existir do outro, em posição paralela e inversa, como seu tividade no S. Assim, nada se cria e nada se destrói, sendo tudo
complementar. Por isso o limite não pode ser unilateral, mas devolvido através do processo evolutivo ao estado de origem,
somente bilateral, condição essencial para que o circuito possa onde a evolução chega ao seu termo, porque, neste ponto, não
fechar-se, exatamente como se realiza neste caso, fazendo tudo existe mais o AS, desaparecendo o relativo e tudo o que deriva
voltar à origem (S) e o ponto de chegada coincidir com o de dele. Estamos aqui nos referindo ao fenômeno da evolução co-
partida. Assim, acontece que, se o conceito de limite existe no mo coisa passada, já que o estamos observando, colocando-nos
período involutivo-evolutivo, marcando o início e o fim deste no seu ponto final, para nós, hoje, bem longe ainda. Dentro do
período, ele desaparece em relação ao absoluto, porque, neste, relativo, o que agora dissemos constitui limite, mas apenas em
seus dois limites, o ponto de partida e o de chegada, constitu- face do relativo. Dentro do absoluto, porém, nada mais disto é
em o mesmo e único ponto, onde os dois limites opostos se limite, porque tudo acaba nele, permanecendo tudo imóvel,
fundem e reciprocamente se anulam, eliminando o conceito de acima do transformismo e fora do tempo, tanto o que está antes
limite. Assim, na lógica do plano universal, o fenômeno invo- da queda como o que está depois. O que existe no tempo, como
lutivo-evolutivo acaba não sendo concebível senão como uma produto transitório, tem de ter um fim, deixando de existir
aventura que se realiza na particular dimensão do vir-a-ser, quando o tempo desaparece. Tudo o que é filho do relativo tem
num ciclo fechado sobre si mesmo, como um episódio que não de terminar com ele. Neste ponto desaparece o transformismo,
podia deixar de ficar preso dentro dos seus próprios limites, o tempo, o limite, a medida, extinguindo-se tudo o que foi fruto
constituindo um incidente transitório, realizado dentro da di- da queda, transformado pela evolução numa existência de tipo
mensão do absoluto, na oposta posição de relativo. diferente, que toma o lugar da precedente.
Para melhor responder à primeira pergunta, ainda não esgo- Eis onde está situado o limite. Ele se encontra no ponto em
tada, temos de esclarecer um outro ponto. Se estamos no relati- que se completa o amadurecimento do fenômeno evolutivo,
vo, que é o reino dos limites e das medidas, temos o direito de quando este realiza o objetivo para a consecução do qual existe,
saber onde está situado esse limite. ou seja, destruir todas as consequências da revolta e da queda,
Acima de tudo o que foi gerado pela revolta, existindo fora reconstruindo tudo que foi destruído. Este fim do transformis-
do tempo gerado por ela, independente, antes e depois da que- mo na imobilidade da perfeição, finalmente atingida depois de
da, está o reino do absoluto. Ora, se a queda foi uma descida tão longa corrida e tão dura procura, poderá parecer para nós,
involutiva, ou seja, um emborcamento na posição contrária, do acostumados a conceber no relativo, cristalização e morte, co-
absoluto no relativo, é lógico que a evolução, isto é, a segunda mo é de fato a estagnação inerte de quem para no caminho evo-
parte do mesmo ciclo, inversa e complementar, não possa ser lutivo. Mas a imobilidade no absoluto quer dizer superação da
constituída senão por um endireitamento daquele emborcamen- fase de transformismo, e não o fim do funcionamento ativo, que
to, para levá-lo de volta ao estado original, que é o ponto de continua plenamente no organismo do S. Aqui, o movimento,
partida. Isto quer dizer que a evolução somente pode consistir sendo de outro tipo de natureza, é imutável no sentido de não
num caminho de volta, que leva o relativo ao absoluto. Eis que, ser mais um transformismo, um vir-a-ser em involução-
se o termo final da evolução é o absoluto, então ela o encontra- evolução. Trata-se da imobilidade do que é deterministicamente
rá e, portanto, seu limite está no ponto em que ela o atinge. As- perfeito, conforme a Lei, e não da tentativa contínua para bus-
sim, é neste ponto, quando ela chega ao seu termo, que está o car a perfeição numa corrida de amadurecimento evolutivo.
limite da evolução. Desse modo, podemos responder à nossa Uma vez que, com a completa obediência à Lei, foi atingida a
pergunta, afirmando que o limite do processo evolutivo está si- perfeição no S, o movimento é estabilizado na posição certa e
tuado no ponto em que o relativo desemboca no absoluto. definitiva da obra realizada, e não mais instável na posição in-
Mas por que o relativo acaba desembocando no absoluto? Is- certa e variável da obra em reconstrução e em evolução.
to se deve não somente à necessidade do processo cumprir, se- Vemos o nosso diagrama limitado pelas linhas ZYZ1 e
guindo a própria estrutura do fenômeno, a segunda metade do WXW1. Esta segunda linha estabelece o ponto e representa o
ciclo, em posição inversa, para voltar ao ponto de onde o ciclo momento em que a evolução acaba. Neste instante e nesta posi-
involutivo-evolutivo saiu, mas também ao fato de que ele repre- ção desaparece a série de todas as dimensões do relativo, ces-
senta o efeito de um impulso da criatura e, por isso, não pode ser sando o transformismo de uma na outra. No absoluto, apaga-se e
senão limitado nas suas consequências, possuindo, implícito na desaparece a ideia de limite, qualidade do relativo, fora do qual
sua própria natureza, o princípio de limite. De tal impulso não ela não existe. A resposta à nossa pergunta, então, é que a evo-
podia nascer senão o relativo, que não pode deixar de se esgotar. lução, apesar do seu ponto final ser o infinito, é finita, porque
Somente o absoluto, que é positivo, existe de verdade. O relativo esta é a qualidade do relativo, dimensão na qual a evolução exis-
não é senão uma temporária negação dele, um seu aspecto em- te. Por isso, nela, está implícita a ideia de limite. Mas esta ideia
borcado, constituindo, em substância, somente uma existência implica também no conceito de superação do limite, para alcan-
136 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
çar um mundo ilimitado no infinito. A ideia de relativo é finita e mas sem perder a sua individualidade, que permanece como
implica no conceito de limite e de uma série finita de limites re- elemento da nova unidade coletiva. Ora, quando um determina-
lativos, até o limite final, além do qual não existe mais o concei- do elemento atinge o estado da sua perfeição relativa, ele cum-
to de limite. Neste ponto, o finito, que teve o seu início, encontra pre espontânea e conscientemente, em perfeita e convicta obe-
o seu termo final e acaba, perdendo-se no infinito, que, acima de diência, a vontade da Lei. Nessa condição, sua evolução indivi-
todos os limites, permanece invariável, sem início nem fim. dual cessa, pois, para esse elemento, que já voltou ao seu plano
◘ ◘ ◘ de vida, não há mais caminho a percorrer. Mas nem por isso ele
Procuremos agora responder à outra pergunta, resolvendo fica paralisado na sua volta para Deus.
o segundo caso acima mencionado. Se a evolução é finita, se a O ser continua evoluindo, mas de uma forma diferente. Não
própria natureza desse fenômeno o leva para um termo que o mais como um elemento singular separado, mas sim como ele-
extingue, haverá também limites no caso da evolução indivi- mento componente de uma nova unidade coletiva, da qual ago-
dual? E quais serão eles? Colocamo-nos sempre perante novos ra faz parte. Aqui, começa a funcionar o princípio das unidades
problemas, porque estamos no terreno da pesquisa e temos de coletivas. Já vimos que o objetivo da evolução é a reconstrução
atingir o nosso objetivo, que é o máximo possível de conhe- do organismo do S, voltando do estado caótico ao estado orgâ-
cimento. Podemos fazer isto sem risco nem medo, porque es- nico de ordem, destruído pela revolta. Vimos também que o se-
tamos cumprindo um dever e sabemos, pela nossa experiên- paratismo egocêntrico é qualidade do AS, enquanto a fusão
cia, que não há pergunta à qual a inspiração, até agora, não num estado unitário é qualidade do S. É lógico então que a evo-
tenha respondido; não há problema que, tendo-lhe sido pro- lução leve o ser da primeira à segunda forma de vida. Então,
posto, ela tenha deixado sem solução. chegando a esse ponto, o ser não trabalha mais só para a sua
A primeira coisa a fazer sempre é nos orientarmos a respeito evolução como elemento separado, deixando assim de progre-
do assunto que enfrentamos. Lembremo-nos que o S é um or- dir somente para si, como indivíduo, para avançar como ele-
ganismo de elementos, cada um deles no seu devido lugar e po- mento fundido com os seus semelhantes na unidade coletiva
sição, cumprindo a sua função. No final da evolução, o ser vol- maior, da qual agora faz parte.
ta a possuir de novo esta capacidade, readquirindo as qualida- Essa nova forma de evolução é possível também devido ao
des para funcionar desse modo, em plena obediência à Lei, o fato de que o elemento, após ter realizado toda a sua evolução e,
que constitui a perfeição relativa do ser, reconquistada com a assim, atingido a sua perfeição relativa, passa a ter um funcio-
evolução. Ora, quando o ser atinge sua perfeição relativa, ele se namento completo, automático e determinístico (livre das tenta-
encontra reintegrado na posição de origem, numa condição per- tivas e dos erros da fase experimental de construção), condição
feita em relação à função que ele cumpre no S, de onde, com a que permite, com certeza absoluta, contar com o seu trabalho,
revolta e a queda, o ser se tinha afastado. Então, se todo o pro- sendo possível neste momento iniciar com esse elemento a obra
cesso evolutivo se encerra, extinguindo-se ao atingir o S, per- de uma construção superior. Seria absurdo querer iniciar um tra-
guntamos se a evolução também cessa para o indivíduo, quando balho evolutivo sem ter antes terminado o precedente, sobre o
ele alcança o estado de perfeição original, que ele possuía antes qual o novo se levanta. Seria perigoso utilizar na nova constru-
da queda? A perfeição relativa de origem é atingida quando a ção elementos não estáveis, que não constituem um apoio firme,
imperfeição devida à queda é corrigida, depois de ter sido per- um problema já resolvido, uma certeza de conduta com a qual a
corrido o caminho de retorno ao S, para neutralizar o caminho unidade superior possa contar. A construção da nova unidade
de afastamento. Mas qual é esse estado de perfeição? Como coletiva somente pode ser iniciada quando as experiências vivi-
podemos defini-lo e localizá-lo, para saber qual é o ponto onde das pelos seus elementos componentes foram definitivamente
termina a evolução de um dado ser? assimiladas em forma de instinto, de modo que não haja mais a
Como já foi explicado, trata-se de uma perfeição relativa à incerteza da livre escolha na conduta de cada indivíduo. Assim,
posição do ser no sistema orgânico do todo. Esta perfeição é a incerteza e a tentativa pertencem à fase de construção de cada
atingida pelo ser, quando ele aprende, pela escola da sua exis- elemento, que já foi concluída, e somente podem ser aceitas para
tência, a cumprir a sua função específica no funcionamento do a nova unidade coletiva que está sendo construída, mas não para
todo de maneira perfeita, em relação ao seu conhecimento, ca- os seus elementos componentes. Os tijolos devem ser bem fei-
pacidade, estrutura e posição no organismo do todo. Cumprir de tos, quando são usados para levantar um edifício. Para que haja
maneira perfeita a sua função significa executar perfeitamente o garantia de estabilidade, não se pode edificar o andar superior,
comando da Lei, que expressa o pensamento perfeito de Deus. enquanto não for concluído o andar inferior.
Quando o ser, por ter aprendido toda a lição, destrói com o seu Assim, a evolução prossegue individualmente para cada
esforço e experiência a parte negativa, transformando-a em po- elemento, que continua progredindo, porém não mais isolada-
sitiva, e passa a executar o trabalho que lhe cabe, então ele mente, separado em uma sua particular evolução egocêntrica,
atinge o conhecimento total da Lei em relação ao nível de vida que já está realizada, e sim na única forma agora possível, como
a que ele pertence, completando a sua evolução. É neste ponto elemento da unidade maior da qual faz parte. Não se trata mais
que ela tem de parar, porque o ser voltou ao ponto de partida e de construir um indivíduo, mas sim uma sociedade de indiví-
a viagem de volta (evolução) está completa, através da qual o duos, na qual cada um tem de aprender a nova arte, ainda desco-
ser neutralizou a viagem de ida (involução), reintegrando, em nhecida por ele, de se fundir organicamente com todos os outros
relação a si, o que ele havia destruído e voltando a ser o que era numa posição que, diferente da precedente, é feita de compreen-
antes. Já falamos no livro O Sistema dessa posição e perfeição são e de concórdia, qualidades necessárias para a colaboração, e
relativa de cada elemento no seio do organismo do S. não mais, como no passado, de luta e de atritos entre egocen-
Portanto, terminar o caminho da evolução, isto é, voltar a trismos rivais. Então as leis biológicas do nosso atual plano de
Deus no seio do S, não significa ter percorrido o mesmo per- existência terão de desaparecer, para serem substituídas por ou-
curso evolutivo, igual para todos os seres. Que faz então um tras, como é lógico num universo onde tudo é relativo e está em
elemento quando tiver atingido o estado de sua perfeição relati- evolução. É somente por esse caminho que o ser, após ter reali-
va? Ficará ele paralisado, sem poder evoluir mais? O que impe- zado a máxima evolução possível como indivíduo, pode conti-
de a sua ulterior evolução? nuar aprendendo e evoluindo, progresso que ele, como ser isola-
Para compreender a questão, temos de levar em conta tam- do, não poderia realizar. Ele também pode continuar evoluindo
bém o princípio das unidades coletivas (V. A Grande Síntese). como indivíduo, porque fica reabsorvido na unidade coletiva da
Por esse princípio, o indivíduo se agrega aos seus semelhantes, qual faz parte, permanecendo nela com as suas qualidades indi-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 137
viduais, que ele conquistou com a sua evolução passada e que, não seja uma unidade coletiva. E tão logo uma unidade seja
agora, utiliza para cumprir a sua função específica no seio do construída, atingindo a sua perfeição relativa, porque a obra nela
novo organismo, do qual passou a constituir uma célula. realizada está completa, eis que ela se aproxima das suas unida-
Vai-se, desse modo, realizando o trabalho de reconstrução des semelhantes e, com elas, atraindo-as ou repelindo-as, acaba
da organicidade do S, onde ele terminará. Na sua nova posição, fundindo-se para formar uma unidade coletiva maior, e assim
o ser, não mais isolado, e sim ligado por muitas relações com por diante. É deste modo que o universo passa do seu estado de
os seus semelhantes, poderá enfrentar e assimilar experiências AS, ou separatismo egocêntrico de máxima pulverização da
antes desconhecidas, aprendendo coisas novas e vivendo uma unidade no caos, ao seu estado de S, ou unificação orgânica na
forma de vida mais aperfeiçoada. Então o ser não evolui mais ordem. Eis como a evolução, com o método das unidades coleti-
sozinho, limitado apenas ao seu pequeno mundo particular, que vas, constrói de novo a organicidade do S, destruída no AS. Os
se amplia, abrangendo horizontes sempre mais vastos, porque elementos que, seguindo o princípio egocêntrico, rebelaram-se
agora, como membro do seu grupo, o ser progride numa posi- contra Deus, caindo na desordem e confusão do caos, não po-
ção diferente, em função de outros elementos e atividades, rea- dem voltar a Deus senão irmanados no altruísmo e reorganiza-
lizando um trabalho não mais isolado, que ele desconhece e dos no estado de ordem, em obediência à Lei. A vida no S não
que, sozinho, não poderia executar. existe em forma de luta, como em nossos planos inferiores, mas
No nível humano, o ser inicia esse novo trabalho como sim de disciplina e harmonia. Assim como o trabalho da involu-
membro da família, continuando como tal a sua evolução, até ção foi desorganizar no AS a organização do S, o trabalho da
constituir uma unidade em forma estável, que se torna elemento evolução é organizar de novo no S a desorganização do AS.
constitutivo de uma unidade maior, como grupo, aldeia, cidade, A obra de evolução que cabe ao ser em nosso nível humano
etc. Quando essas unidades constituídas atingirem sua forma é a fusão de todas as raças numa só humanidade. Assim como
estável, elas também se fundirão para construir outra ainda as células de nosso corpo continuaram o seu caminho evolutivo
maior: como nação, povo, raça etc. E assim continua o processo não como células isoladas, mas como elementos de nosso orga-
evolutivo, com a formação de novas unidades coletivas, até to- nismo, o ser humano também continuará o seu caminho evolu-
das formarem uma só humanidade. Desse modo, o indivíduo tivo não como indivíduo isolado, mas como elemento constitu-
passa a fazer parte de entidades cada vez maiores, na posição tivo de nossa humanidade. E, de fato, o biótipo do plano A4 é
de componente dela, o que significa uma amplitude maior das colaboracionista e orgânico, enquanto o biótipo do plano A3 é
suas experiências e das qualidades a adquirir, dilatando os limi- egoísta e desorganizado. É por isso que o processo da evolução
tes da sua vida, que se expande, multiplicando-se e potenciali- é constituído, sobretudo, por um trabalho de reorganização.
zando-se na vida dos outros. Assim, tornando-se elemento de Ora, organicidade implica uma complexidade de estrutura e
agrupamentos sempre maiores, o ser pode subir até planos de de funcionamento que requer uma inteligência cada vez maior
vida mais adiantados, que não poderia alcançar sozinho. para ser dirigida, e isto significa não só divisão e especialização
Com este método, é interessante ver como o universo orgâ- do trabalho, mas também colaboração de especialistas e necessi-
nico do S vai-se reconstruindo. O homem se encontra ao longo dade de conhecimento para realizar uma obra de conjunto. Eis
desse caminho de restauração da organicidade. Olhando para que surgem experiências diferentes, com as quais se constroem
baixo, isto é, para seu passado, ele pode, decompondo-se nos qualidades novas. Abre-se então um mundo inexplorado, em que
seus elementos, analisar a sua estrutura. Olhando para o alto, is- se encontram planos de vida superiores, através dos quais o in-
to é, para o futuro, ele pode antecipar a visão das sempre mais divíduo continua a se desenvolver. Tudo isto significa destruição
vastas sociedades humanas e das unidades coletivas do porvir, das qualidades do AS e conquista das qualidades do S, trazendo
em que os seres se fundem numa organicidade sempre mais conhecimento, inteligência, bondade, ordem etc. Isto representa
completa, até atingir o S. desenvolvimento do espírito, que se revela cada vez mais com a
Até o plano do homem esse trabalho já foi realizado. Acima evolução, em função do plano de existência que o ser atingiu.
desse nível, para nós, tal obra está ainda para ser feita. O passa- Tal princípio espiritual já existe na sua forma mais simples,
do nos mostra como funciona nos graus inferiores esse princí- no átomo, dirigindo e regulando os movimentos dos seus ele-
pio das unidades coletivas. No caos dos primórdios da evolu- mentos componentes. Desta sua forma mínima, esse princípio
ção, os elétrons ainda não tinham disciplinado a sua corrida ao vai-se cada vez mais revelando e manifestando com a evolução,
redor dos núcleos. O átomo foi uma das mais simples organiza- por um processo de substituição ao oposto princípio material, do
ções de elementos constitutivos da matéria. Então os átomos, qual toma o lugar. O espírito é o resultado dessa transformação,
com a sua fusão em unidades químicas, começaram a construir e nisto consiste o processo evolutivo. Trata-se apenas de um re-
as moléculas. Depois, sociedades de moléculas construíram a torno a uma condição que já existia, voltando ao estado original
célula, e sociedades de células constituíram os tecidos orgâni- de S, do qual o ser, pela queda, decaiu no AS, isto é, na matéria.
cos. Apareceram assim órgãos e organismos sempre mais com- É lógico que cada ser possua tanto mais as qualidades do
plexos, primeiro os do mundo vegetal, depois os do animal in- espírito, produto dessa transformação, quanto mais ele se adi-
ferior e a seguir os do animal superior, até chegar ao homem. antou na evolução. Assim, a cada nível evolutivo, corresponde
Neste ponto, a organização celular atinge a sua perfeição relati- um grau de espiritualização proporcional. Mas a cada nível
va, isto é, a sabedoria necessária para cumprir a sua função, não corresponde também um proporcionado grau de unificação na
podendo mais progredir nesta condição. Então ela continuará o forma de entidade coletiva, como vimos. Eis então que essas
seu caminho em outra forma. Vai se cumprindo assim sempre o duas diferentes maneiras de conquista evolutiva se movimen-
mesmo princípio das unidades coletivas, pelo qual os indiví- tam paralelas, de modo que, ao aumento de complexidade or-
duos se juntam em sociedade familiar e assim por diante, como gânica da unidade construída corresponde um aumento na in-
vimos. É nesta sua nova posição que o indivíduo, agora que a teligência e qualidades espirituais necessárias para atingir e
sua evolução celular orgânica está mais ou menos completa, manter essa complexidade.
pode progredir como elemento psíquico e espiritual, atingindo Assim, na molécula há mais inteligência do que no átomo;
superiores planos de existência. nas células, mais do que na molécula; num tecido orgânico,
Esse é o caminho percorrido pela evolução para reconstruir o mais do que numa célula; no organismo de uma planta, mais do
grande organismo do S. Trata-se de edifícios sempre maiores, que num simples tecido; num animal, mais do que numa planta;
cada um levantado em cima de outro, apoiando-se nos resulta- no homem, mais do que num animal. Todavia, para dirigir uma
dos atingidos pelo precedente. Assim não há individuação que família ou grupo humano, é necessário mais inteligência do que
138 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
para dirigir um só indivíduo. E assim por diante... Essas unida- do a inteligência para mergulhar e vencer na suja peleja hu-
des coletivas maiores necessitam ser governadas por um centro mana, perseguindo as costumeiras ilusões. Mas há estômagos
de espiritualidade de grau cada vez mais adiantado, poderoso e que não conseguem de maneira alguma engolir tal alimento,
completo. Vemos, dessa forma, quantos aspectos tem o proces- venenoso para eles.
so evolutivo e quão complexo ele é. Em cada nível de vida, as Trata-se, agora, de conduzir a minha luta, e nas seguintes
qualidades do AS e do S aparecem em doses diferentes, con- condições: 1) Idade de 75 anos, na qual todos procuram descan-
forme a extensão da unidade coletiva reconstruída e o grau de sar, o que se faz sempre mais urgente a cada dia; 2) Trabalho in-
sua evolução e espiritualização. O grau de ascensão pode ser telectual contínuo e intenso, comprovado por cerca de 10.000
avaliado em termos de unificação e de espiritualidade, que páginas de produção literária; 3) Trabalho que não é recompen-
constitui a substância da existência, enquanto a matéria repre- sado, porque os escritores não têm salário, mas que absorve to-
senta apenas a sua aparência. dos as suas energias, não deixando nenhuma sobra para aplicar
na própria defesa e na conquista dos recursos materiais; 4) A in-
XVI. AJUDA DE DEUS E MISSÃO certeza de quem, sem nenhuma fonte de renda, tem de se humi-
lhar todos os dias, pedindo esmola; 5) Preocupação contínua pa-
Estamos chegando ao fim deste novo volume, que já perce- ra providenciar as necessidades da família (resolver o caso de
bo aproximar-se ainda mais da prática, levando as teorias a um um homem sozinho, como no caso de São Francisco, é muito
contato cada vez mais direto com os fatos, para controlar a ver- mais fácil); 6) Voto de pobreza apenas pessoal, que não se apli-
dade nelas contida. Assim, elas terão provas concretas, e o edi- ca nem se pode impor aos outros (caso semelhante ao das ordens
fício será sempre mais sólido. franciscanas, onde a pobreza é individual, mas a Ordem pode
Por isso queremos colocar aqui um pequeno intervalo, anali- possuir); 7) Apesar de todas as dificuldades, ter de dispor de
sando fatos vividos, que todos podem entender. Veremos como uma casa e de um mínimo indispensável para sustentar a vida do
funcionam as nossas teorias na realidade da vida. Para bem en- corpo, sem o que nenhum trabalho é possível (alguns exigiam
tender um livro, o leitor deveria conhecer também o reverso da pobreza absoluta, o que significava destruir o indivíduo e, com
medalha, considerando as condições em que se encontrava o au- ele, a missão e a Obra); 8) Ter, nestas condições, a responsabili-
tor no período em que o escreveu. A vida é para todos uma via- dade de toda a família: a mulher idosa, paralítica há quase dois
gem, e cada percurso dela representa um trecho percorrido pelo anos, precisando de médico, remédios caríssimos e assistência
homem no caminho da sua evolução. Se falamos agora em sen- 24 horas por dia; a filha que faz o trabalho doméstico, cuida das
tido específico, particular, é porque, em todos os casos, vemos roupas etc.; e ainda duas netinhas para criar; 9) Inexistência, na
sempre vigorar as mesmas leis gerais, que já explicamos bastan- família, de alguém que possa trabalhar remunerado; dependendo
te, somente em função das quais pode ser entendido cada caso. de alguns amigos, que colaboram com a Obra gratuitamente; 10)
O leitor pode imaginar que, escrevendo aqui, esteja alguém Tudo isto num momento em que, pela contínua desvalorização
tranquilamente mergulhado nos seus pensamentos ou que, em da moeda, as coisas se tornam mais caras.
estado inspirativo, receba as ideias em transe no seu escritório, Quem foi chamado a cumprir uma missão de espiritualidade
recebendo tudo de graça do Céu. Ele não sabe que muitas des- em nosso mundo, não pode possuir as qualidades necessárias
tas paginas foram escritas com lágrimas e sangue, no meio da para triunfar nele, porque tem de dar o exemplo, vivendo os
luta infernal da vida. Já explicamos como é o mundo em que seus ensinamentos, e possuir as qualidades opostas, inadequa-
vivemos, onde ninguém é poupado, nem ao menos quem pede das para serem vividas no ambiente terrestre. Quem, por evolu-
só um pouco de paz para cumprir uma missão de bem e pro- ção, conquistou o instinto da honestidade, pensa que os outros,
gresso, buscando tornar a Terra um ambiente mais civilizado. O assim como ele, também sejam honestos, e é, por isso, levado
leitor pode acreditar que estes livros sejam fruto apenas de abs- naturalmente a confiar. Assim, ao invés de armar as garras para
trações teóricas. Mas, pelo contrário, eles foram escritos em lutar, abre os braços para colaborar, o que é perigoso em nosso
contato contínuo com a realidade de nossa vida, representada mundo, onde, na rivalidade, é mais necessário possuir o instinto
pela ininterrupta necessidade da legítima defesa, num mundo de egoísmo e desconfiança. E, de fato, a honestidade parece não
onde a mais urgente verdade, não importa se muitas vezes dis- fazer falta, sendo poucos os que sofrem por ela. Como dizia
farçada nas aparências, é a guerra. Maquiavel: útil não é procurar ser honesto, mas sim apenas pa-
O impulso de agressividade das forças do mal, que sobem recê-lo por fora, de modo que, por uma sabedoria especializada
do AS, personificadas em indivíduos que agem de forma con- neste sentido, torna-se possível ser desonesto sem que isto apa-
creta, contra as do bem, é fenômeno que encontramos continu- reça por fora, sendo julgados ineptos os que não sabem aprovei-
amente em ação. Tal condição exige que o indivíduo fique em tar-se disso para fazer os seus negócios.
constante estado de defesa. Este foi o modo pelo qual o choque Quem cumpre uma missão tem de ser verdadeiramente
entre AS e S foi vivido constantemente pelo autor, de modo evangélico, e isto significa não pactuar com o mundo nem acei-
que as teorias nasceram da própria prática. Uma vez que, pelo tar os seus métodos. Cristo falou claro a este respeito. Há entre
fato de seguir o Evangelho, o autor não quis aceitar as armas os dois uma guerra fundamental, porque deriva do antagonismo
do mundo, isto é, a força e a astúcia, ele teve então, para con- entre S e AS. Eis então que este homem tem de ser verdadeiro
seguir sobreviver em tal mundo, de chamar e receber a indis- não só em teoria e nas palavras, como é comum, mas também
pensável ajuda do Alto, que constituía seu único meio de defe- vivendo na pobreza e suportando os correspondentes sofrimen-
sa. Assim este choque apocalíptico entre bem e mal, entre Céu tos. É necessário neste caso viver com métodos opostos aos do
e Terra, foi aqui vivido na forma de um pequeno caso particu- mundo, trabalhando de graça e vivendo de esmola, contando
lar, condição que não impede a verificação e a aplicação das apenas com o que a Providência de Deus envia, pois as teorias
leis gerais estudadas por nós aqui. sustentadas têm de ser vividas, para que a experimentação as
Este livro representa o trecho da minha vida e o respectivo confirme, constituindo para todos um exemplo e uma prova po-
trabalho de evolução que abrange o período dos meus 74 e 75 sitiva da sua verdade. O exemplo é demonstrativo, pois um
anos. Antes e depois, há outros trechos, outros trabalhos evo- homem desprovido de tudo, com os únicos meios fornecidos
lutivos e outros livros. Neste ano, entro na última década da pela ajuda de Deus, conseguiu não somente sobreviver na Ter-
minha vida. Chamo-lhe de década da libertação, porque este é ra, mas também escrever aí uma Obra. Esta deve ser realizada
meu último período, no qual finalmente se esgota o meu duro com métodos opostos aos do mundo, apoiada apenas em Deus,
dever de viver no infernal ambiente terrestre. Poderia ter usa- que a sustenta com um milagre contínuo, provando a Sua pre-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 139
sença. Uma obra também se revela pelo seu método e se justifi- vos sejam atormentados? Para a vítima, o problema é de vida
ca pela sua lógica. Trata-se de um jogo no qual estão envolvi- ou de morte, não lhe faltando inteligência para que, caso acei-
dos Deus e a Sua lei. Por isso quem tem uma missão a cumprir tasse os métodos do mundo, pudesse sair vencedora também na
deve ficar do lado Dele, e não do lado do mundo, da riqueza, do Terra. Contudo, pela sua própria natureza, ela não pode aceitar
ócio, do luxo. Quem está com Cristo tem de ser um dos bem- o emprego de uma tão grande dádiva de Deus, para triunfar na
aventurados do Sermão da Montanha e não pode gozar a vida. repugnante luta do mundo. Mesmo assim, o ataque não para,
Mas, em nosso mundo, é perfeitamente lícito, para quem tem continuando a exigir que o indivíduo, para se defender, empre-
recursos de sobra, poder gastá-los loucamente, sem se preocu- gue todas as suas energias e todo o seu tempo.
par com quem luta por finalidades superiores. A história está A todo instante, qualquer inconsciente pode lançar um golpe,
cheia desses casos, que constituem uma glória às avessas (ou e, se o sujeito que está sendo atacado estiver desprevenido, por se
vergonha) da nossa assim chamada civilização. Mas, por outro encontrar aprofundado no seu trabalho de pensamento, ele acaba
lado, tais obras não podem ser ajudadas por recursos envenena- sendo atingido em cheio, ficando praticamente paralisado. As-
dos pelos cálculos do interesse, pela cobiça do mercador ou pe- sim, para satisfazer a astúcia de um irresponsável e os instintos
la voracidade do egoísmo, mas somente por recursos sadios, fi- de um primitivo, o trabalho útil para o bem acaba sendo substitu-
lhos da honestidade, usados com sinceridade e amor. ído pelo sofrimento, num desperdício inútil de energia, pelo qual
Com isto, o leitor pode julgar o que significa cumprir uma a Obra tem de ficar em suspenso, para que o autor possa recupe-
missão e quão dura seja a posição humana de quem tem de rar-se. No entanto, o desabafo dos instintos inferiores parece ser a
cumpri-la. Se tudo isso, porém, ocorresse num ambiente social coisa que mais interessa ao nosso mundo, de modo que uma pro-
de paz e amor recíproco, haveria então um mínimo de tranqui- funda atividade intelectual tem de ficar ao dispor desses choques,
lidade, que é indispensável para se trabalhar. Mas estamos na só podendo funcionar quando esta expressão de inferioridade o
Terra, onde o regime normal é constituído pela luta de todos permite. E tais indivíduos, filhos do engano, para melhor disfar-
contra todos. Antes de tudo, há as grandes guerras mundiais. çar a sua verdadeira face, chegam até mesmo a se apresentar pin-
Hoje, a Rússia comunista parece constrangida a se aliar ao capi- tados por fora de espiritualidade! Num mundo civilizado, isto
talismo, buscando se defender contra o maior perigo para todos, não deveria ser possível. Mas será que o nosso mundo é de fato
que está surgindo com a China comunista. Nossos tempos che- civilizado? Eis assim o reverso da medalha. Estas são, embora
garam a construir a bomba atômica barata, de modo que ela não apareçam nestes livros, as condições nas quais muitas vezes,
acabará sendo acessível a todos, inclusive aos Estados novos e infelizmente, eles têm de ser escritos.
selvagens. Paira sobre o mundo, suspensa por um fio de cabelo, Vivo em São Vicente, terra que eu amo e que a mim, quando
uma terrível ameaça de destruição. Eis o que sabem fazer os desembarquei da Europa, revelou-se como um lugar maravilho-
grandes astutos do mundo. Nestas condições, de que vale ser ri- so de sonho, que poderia ser um recanto do paraíso! Aqui estou
co? E quem, num estado de contínuo temor, pode gozar das su- morando há oito anos e aqui espero encerrar a minha vida. Neste
as riquezas? Se estes são os resultados, fica provado então que, lugar, Deus espalhou em abundância a beleza do verde dos bos-
nos métodos do mundo, tem de haver algum elemento funda- ques e do azul do mar, das ilhas e das praias, num clima doce,
mental errado. Ao lado destas grandes guerras, há também as que não conhece tempestades ou frio. Isto tudo neste Brasil tão
pequenas, particulares, que exigem um gasto continuo de ener- grande, que amo ainda mais, aonde cheguei de braços abertos,
gia na tensão do estado de defesa, gerado pela possibilidade do cheio de entusiasmo para cumprir a minha missão, deixando a
assalto de qualquer pessoa a todo momento. E esta, se for bem minha terra natal, para onde, talvez, jamais voltarei! Nesta nova
organizada na luta, pode facilmente, armando-se de recursos e pátria me radiquei, para que dela seja todo o fruto do meu traba-
astúcias, vencer e impor a sua vontade contra quem, por não lho, a fim de que, para a sua grandeza, sejam realizados os de-
querer usar as armas do mundo e por estar todo absorvido em sígnios de Deus. Aprendi a nova língua e nela agora escrevo es-
outro trabalho, parece mais fraco. tes livros, trabalhando dia e noite. Que mais posso fazer?
Estudando o problema friamente, concluímos que, no estado Certa vez, fui visitar uma cachoeira, dividida em muitas
atual de nossa civilização, é bem difícil a sobrevivência de um quedas de água menores. Observei que os peixes, pulando de
homem honesto que se entrega inteiramente a um trabalho inte- um nível para outro mais alto, lutavam para subir, tentando
lectual independente, não filiado a nenhum grupo que o susten- chegar à parte superior do rio e continuar ali a sua viagem, a
te pela sua servidão. Assim o mundo, julgando esse homem um fim de colocar os seus ovos mais perto da nascente. Alguns
ser inútil, porque não pode tirar dele nenhum proveito individu- sangravam, e outros, por terem batido nas pedras, estavam mor-
al ou de grupo, procura, seguindo as leis do seu plano de vida, tos. O mais impressionante para mim, no entanto, foi verificar
destruí-lo. Se ele não pode lutar e vencer, porque está preso a que, aguardando os peixes vencedores, esgotados depois de tan-
um trabalho mais importante, isto ninguém vê e a ninguém inte- ta luta para atingir o espelho de água superior, encontrava-se
ressa. Desse modo, o trabalho mais importante é julgado pelo um outro cardume de peixes, prontos para devorá-los, aprovei-
mundo de hoje, perante a realidade da vida, uma coisa sem sen- tando o estado de esgotamento em que se encontravam os re-
tido. Os leitores que admiram estão longe, e a sua admiração é cém-chegados. Este é o método dos tubarões, que devoram os
apenas teórica. Trata-se dos melhores indivíduos, da elite, dos mais fracos. E ainda há países cujas economias se baseiam nes-
poucos que entendem. A maioria não lê e, quando lê, não en- te princípio. Assim é o nosso mundo.
tende. A glória é um peso, e não uma ajuda, porque ela depende Parece que, sem um contínuo milagre de Deus, não é possí-
das exigências da maioria, que a tributa somente quando quem vel realizar em nosso mundo um trabalho intelectual e espiritual
a recebe satisfaz os gostos dominantes dos glorificadores. profundo, empregando nele todas as energias, pois estas são
Então, se aquele homem não pode encontrar compreensão e constantemente exigidas na luta pela vida. Muitas vezes, traba-
ajuda em nosso mundo, não há para ele outra escolha, a não ser lhos semelhantes são realizados, mas apenas aparentemente,
pedir apoio do Céu. Se, para o mundo, esta palavra pode pare- pois são substancialmente dirigidos para outras finalidades, de
cer vazia, ela não o é em absoluto para quem vive no plano es- vantagem prática e imediata, representando um fruto que a
piritual. Para ele, Deus está sempre presente e a Lei está sempre forma mental humana entende muito bem. Tal tipo de trabalho,
viva e funcionando. Como responde então, nestes casos, esse assim, recebe logo a sua recompensa. Mas como se pode exigir
outro mundo, no qual o nosso não acredita? Da vítima saem que todos entendam a utilidade de uma atividade tão fora do
gritos que furam os céus e encontram ouvidos que os escutam. comum, quando a grande maioria atingiu apenas uma genérica
Qual é a razão, então, pela qual Deus permite que os seus ser- sensibilização nervosa, unicamente dentro da qual ela sabe vi-
140 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
brar, não tendo ainda desenvolvido as células cerebrais do pen- luta, como aconteceria com uma formiga contra um gigante. O
samento, que são indispensáveis para compreender? agressor não podia deixar de ficar vencido, porque se havia co-
Se, para ajudar quem cumpre uma missão, não há senão o locado contra uma lei todo-poderosa, e não do lado da justiça,
Céu, como este age então? Por que Deus permite tudo isto? Se- como fez o agredido inocente, que se colocou do lado oposto,
rá isto parte das normas da Lei? Ou será que desejar fazer al- dentro da Lei, defendendo-se com ela. Agora, como se desen-
guma coisa para a salvação do mundo é um erro, pois a huma- volve, na prática, a estratégia da Lei?
nidade merece ser destruída? Será que é de fato uma loucura Nos momentos tranquilos, a voz interior e a figura de Cristo
querer fazer o bem ao próximo? O mundo ri desses problemas, ficam quietas, como que adormecidas. Quando chega o sucesso
mas eles são fundamentais para quem cumpre uma missão. no mundo, elas se afastam, desaparecendo nas vitórias obtidas
Quando alguém, empregando todas as suas forças para enfren- no plano humano. Mas eis que, tão logo se desencadeia um ata-
tar, com risco e perigo para si próprio, as reações de um ambi- que, o espírito da vítima se lança desesperadamente em busca
ente hostil, está determinado, custe o que custar, a seguir a Lei, do Alto, único lugar de onde ele sabe que pode chegar a ajuda.
há momentos em que esta tem de intervir e se manifestar. Ela, O apelo é tanto mais poderoso quanto mais feroz for o ataque
pela sua própria lógica, está empenhada na defesa do seu ins- recebido. No estado de tranquilidade, tais apelos não podem
trumento e não pode deixar de ajudá-lo, se não quiser que a nascer. É um apelo de natureza tão viva e escaldante, que pro-
missão fracasse por sua culpa. Que um patrão essencialmente voca a resposta. Isto quer dizer que o primeiro resultado da
justo abandone um empregado cumpridor do seu dever é um agressão da maldade humana é acordar a voz interior, aproxi-
absurdo inadmissível. Se o mundo não entende essa conversa, mar a figura de Cristo e tornar mais sensível a Sua presença.
porque, para ele, a Lei não pode manifestar-se senão como rea- Quem está do lado de Cristo não pode deixar de seguir o exem-
ção punitiva, então que ele fique dentro dela na posição embor- plo que Ele nos deu na hora do Getsêmane.
cada que escolheu. Mas, para os desesperançados do mundo, Então, o que chama e movimenta o Céu é o apelo da vítima,
será de grande consolo saber que há justiça, ver onde ela está e torturada por querer viver o Evangelho num mundo de lobos. E
verificar que, para realizá-la, a Lei de fato “funciona”, como es- a resposta chega tanto mais poderosa quanto maior é o sofrimen-
tamos observando aqui, nos resultados positivos de nossa expe- to do ser e a injustiça que ele sofre. Tal resposta não é feita de
rimentação. Agora, não estamos mais no terreno das teorias, palavras vazias, mas chega como luz e orientação, contendo o
mas sim de fatos que se realizam quando o homem trabalha tratamento que cura as chagas e o remédio que gera novas for-
com meios e métodos situados acima do mundo. ças. Acontece então que, no fim, é o próprio ataque não mereci-
Então, não há mais dúvida, a Lei funciona e o bem acaba do que provoca a descida da ajuda. Movimentam-se assim, em
vencendo. Mas, por que, como há pouco perguntamos, Deus defesa da vítima, forças sutis, que o mundo não vê. Trata-se de
permite que tudo isto se realize nesta forma? Por que Ele per- forças que, ao invés de atuar na superfície, como fazem as do
mite que o mal agrida o bem, atormentando quem o representa mundo, atuam nas profundezas, de dentro para fora, como faz a
e o cumpre? Por que Deus concede ao mal o poder de embara- vida, quando reconstrói os tecidos estragados. Existem, assim,
çá-Lo, constrangendo-O, no fim, a intervir com milagres para a duas naturezas de forças, conforme o que cada um dos dois in-
defesa do bem? Por que, para atingir os seus objetivos, Deus divíduos quis gerar para si com a sua conduta. Para o agressor,
escolheu um caminho tão longo e torcido, que implica tal des- elas são negativas e operam como um câncer, querendo destruí-
perdício de forças do bem na luta contra as do mal? lo. Para a vítima, elas são positivas e operam como fazem os
Isto acontece porque Deus não quer amarrar a liberdade do impulsos sadios da vida, querendo ajudar a recuperar. Esta é a
ser, pois, sem ela, este se tornaria um autômato irresponsável técnica do fenômeno. Por isso é perigoso agredir os servidores
e, assim, não poderia experimentar para aprender, ficando im- de Deus, que praticam o Evangelho, principalmente quando eles
possibilitado de evoluir e se salvar. Então os maus podem fa- são inocentes, não reagem e perdoam. Trata-se de uma técnica
zer o mal que desejarem, mas, um dia, terão de ajustar contas difícil de entender para o mundo, porque ele está nos antípodas,
com a Lei, pagando com a sua dor, que representa uma saudá- mergulhado no AS, fora da Lei, enquanto a defesa do inocente
vel lição, necessária para eles, porque outra não entendem, se processa através de forças de natureza oposta, situadas no S,
sendo este um tratamento indispensável, porque outro não os de origem central, e não periférica, interiores, e não exteriores.
curaria. Por outro lado, Deus ajuda os bons, defendendo-os, Assim a presença de Deus, para quem entende, torna-se
fortalecendo-os por meio da luta, recompensando o seu esforço uma coisa real, tangível nos seus efeitos. O homem do mundo
e, assim, premiando a sua virtude. É desse modo que, num re- fica enganado, porque ele nada vê chegar de fora. Não corre
gime de liberdade, pode ser realizada a perfeita justiça. Eis a ninguém, não há barulho, nem pressa, nem ânsia, nem a incer-
razão pela qual Deus permite que tudo isto se realize desta teza da tentativa. O homem comum fica enganado por essa falta
forma. No fim, cada um, permanecendo livre, acaba recebendo das qualidades que fazem parte do seu método de luta. Então,
e sendo pago conforme o seu merecimento. ele acredita que a vítima esteja abandonada, sem defesa, em
◘ ◘ ◘ poder do agressor, e que seja fácil vencê-la, pelo fato de tudo
Esta rápida digressão, compreensível porque nos levou ao ficar na mesma, quieto por fora. O movimento, porém é grande,
terreno prático, será, no meio de um volume de teorias, um des- mas todo íntimo, não perceptível para as sentidos comuns. Ele é
canso para o leitor. Para quem escreve, ela será um desabafo, visível somente à vista interior dos mais adiantados. Os efeitos
um controle, um exame de consciência, uma confissão a Deus e não são imediatos, apressados, provisórios, mas sim amadure-
uma tomada de contato com o Alto, numa hora dura, de maior cidos a longo prazo, inevitáveis e duradouros. A Lei funciona
sofrimento. Estamos no início do ano de 1961, quando, após além do tempo, que em nosso mundo cansa, esgota e apaga tu-
longa e oblíqua perseguição, um golpe maior chegou nestes di- do. As forças do mal têm pressa de realizar, porque elas estão
as e absorveu toda a minha energia, procurando destruir o meu fechadas no tempo, que está a cada momento correndo e con-
pensamento, trabalho e obra. O agressor, por ter planejado a sua sumindo os resultados daquelas forças. É lógico que as forças
estratégia, pôde rir-se da justiça humana, não sabendo, porém, do bem trabalhem em harmonia e com métodos opostos.
que a justiça de Deus está acima dele. Assim, de um momento Vi muitas vezes, com os meus olhos, os agressores aban-
para outro, ele acabou triturado pela Lei, principalmente porque donados por Deus à terrível reação da Lei. O perdão da vítima
o agredido, perdoando, saiu da peleja, que, então, não era mais trabalha em favor dela mesma, e não do seu agressor. O perdão
entre dois homens, mas sim entre um homem e a Lei, condição não pode alterar a Lei e parar a justiça de Deus. Ninguém po-
que colocou o agressor em posição de absoluta inferioridade na de! Ela tem de ser executada fatalmente. E, de fato, vimos que,
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 141
por um natural desenvolvimento de forças, a agressão da parte bem é o mais forte está no fato de que ele sabe vencer as forças
do homem injusto acaba automaticamente provocando a inter- destruidoras pertencentes ao mal, reconstruindo sempre tudo,
venção da Lei e, para o justo inocente, a defesa por parte dela. sem o que tudo teria fracassado há muito tempo.
Por ter eu entendido isto e o perigo em que o agressor, por mo- É assim que, em substância, o nosso mundo é um gigante
to próprio, havia-se lançado, que podia eu fazer, senão procu- com pés de barro. Ele sente a fraqueza da sua força e, tentando
rar avisá-lo para ele se salvar? Mas ele, com a sua forma men- sustentá-la, procura acrescentar-lhe sempre nova força, sem
tal emborcada no AS, não podia compreender, interpretando entender que, somando negatividade à negatividade, não se
essa ajuda, pelo contrário, como uma ameaça, uma reação de pode atingir senão uma negatividade ainda maior, aumentando
vingança, o que excitava ainda mais a sua agressividade. É ló- assim a própria fraqueza. É como querer aumentar a força in-
gico que, julgando com a forma mental oposta, tudo pareça ser gerindo álcool. Aumentar o poder e o número das bombas
o contrário do que de fato é. atômicas de cada país, não significa engrandecer a sua potên-
Procurei então orar a Deus, para que afastasse dele a fatal re- cia, mas sim aproximar-se cada vez mais da destruição geral,
ação da Sua justiça. Eis qual foi sempre a resposta: “Se tu, im- porque essas forças são produto da negatividade e do separa-
pulsionado pela voz interior, previste e falaste avisando, isso só tismo, qualidades desagregadoras de nosso mundo, que perten-
foi uma prevenção para que o perigo fosse evitado, e não uma ce ao AS. Por isso as modernas descobertas científicas, apesar
maldição ou vingança. Deixa o agressor acreditar no que ele de constituírem maravilhoso fruto da inteligência, acabam, na
quiser. Ele não entende a Lei. Cabe a ti continuar perdoando. A prática, realizando-se e funcionando em posição emborcada,
justiça pertence só a Deus. Quem reage, odeia e se vinga, pas- isto é, para o mal, e não para o bem. Devido ao baixo nível
sando com isso do lado da razão ao do erro, e sabes que cada er- evolutivo do biótipo dominante, estas descobertas, que poderi-
ro tem de ser pago. Perdoa e esquece. Afasta-te do agressor, que am ser um poderoso meio de defesa e segurança para a civili-
está preparando para si mesmo a própria punição. Não cometas zação, representam na realidade – mesmo parecendo uma van-
o erro e não te exponhas ao perigo, ligando-te a ele com a tua tagem em razão do aspecto positivo de sua natureza – o maior
reação. A luta dele agora não é mais contra ti, mas contra a Lei, perigo para a vida de toda a humanidade, porque estão dirigi-
que está encarregada da defesa dos que perdoam. Uma defesa das pelos impulsos de negatividade do AS.
muito mais poderosa do que poderias tu realizar, infalível, e Mas, dado o princípio separatista do AS, vigorante em nos-
contra a qual a força e a astúcia dos homens nada podem”. so mundo, tudo isto é lógico. É devido a ele que, tão logo uma
Esta foi a resposta. Então percebi um movimento subterrâ- força se manifesta em nosso mundo, ela gera a sua correspon-
neo, secreto e profundo, interior às coisas, como os que sobem dente fraqueza, produzindo o seu elemento oposto natural, en-
das entranhas da terra, para estourar depois na superfície, em carregado, como seu antagonista, de neutralizar aquela força.
formas de cataclismos. É um fato que assusta pelo seu poder Assim a força, ao invés de uma vitória definitiva, gera apenas
imenso e silencioso. Pude percebê-lo em outra ocasião a respei- luta e destruição permanentes. Outro resultado não poderia
to de outro senhor, que se aproveitou da minha bondade, desa- produzir uma força que, no exato instante do seu nascimento,
piedado na sua voracidade. Um ano depois, ele estava paralíti- produz uma força contrária, paralela e oposta. A luta entre
co, e eu fui um dos poucos que o visitou neste período, quando Alemanha e Inglaterra na última guerra, em vez de chegar a
ele se encontrava em sofrimento. Orei para ele ficar bom, mas uma solução definitiva, terminou dando origem a outra luta,
não pude parar a mão de Deus. É terrível quando a reação da desta vez entre a Rússia e os Estados Unidos, num embate que,
Lei acorda. Mas ela não pode deixar de se levantar depois de ter para resolver definitivamente o problema, ameaça agora des-
sido excitada pelas forças negativas do mal, que então têm de truir o mundo. Então tal poderio não é senão uma pseudoforça,
receber sobre elas o choque das forças reativas da Lei. O mal um engano para chegar às habituais ilusões humanas. Esta é a
acaba tornando-se um câncer, que se desenvolve para sua pró- lei do fenômeno, e ninguém pode sair da sua lógica. Quanto
pria destruição. Pude assim, experimentalmente, ver como se mais aumenta o poder num mundo situado na negatividade,
desenvolve a luta entre o bem e o mal, observando as suas es- tanto mais ele se aproxima da sua própria destruição. Hoje o
tratégias opostas. Tudo o que pertence ao bem é sustentado pela poder aumentou enormemente, porém, sendo ele emborcado
sua força interior. Tudo o que pertence ao mal é sustentado por no negativo, a fraqueza da humanidade tornou-se tão grande,
uma enganadora força de superfície, que não basta para suprir a que ela vive aterrorizada sob uma contínua ameaça de morte.
fraqueza interior. Pude averiguar nos fatos que a Lei existe, Mas a negatividade dos mundos inferiores, próximos do AS,
funciona e reage contra quem a ofende. não pode produzir outros frutos.
Vamos assim explicando para o mundo quão perfeitamente ◘ ◘ ◘
lógico é o absurdo evangélico do perdão. O Evangelho não po- Continuamos observando, sob outros aspectos, como funci-
de ser entendido senão penetrando-o em toda a sua profundeza. ona e se desenvolve esse jogo complexo da luta entre o bem e o
E vimos também, em termos racionais, como se desenvolve a mal. Por isso quis reler o segundo livro da Bíblia, Êxodo, para
luta entre Cristo e o mundo. Estamos aqui demonstrando a coi- estudar como viveu Moisés e como funcionou nas suas mãos
sa mais difícil de ser admitida pelo mundo, isto é, que o homem esse fenômeno da luta entre as forças da matéria e o poder do
evangélico, que perdoa, seja de fato o mais forte. Onde está e espírito, que o levou a vencer no final. A Lei é uma só e tem de
como se explica essa sua força? Quem está do lado do bem ser igual para todos esses casos, do maior ao menor. Podemos
possui a vantagem de ter a sua natureza constituída pelas forças então descobrir quais são os princípios que a regem também es-
positivas do S. Quem está do lado do mal possui a desvantagem tudando a Bíblia. Neste caso, vemos que Deus deixa atuar li-
de ter a sua natureza constituída pelas forças negativas do AS. vremente as forças do seu inimigo, o mal. Por que isso, se Deus
O fato de pertencer ao AS e à sua negatividade representa o é o Todo-poderoso? Por que Ele deixa o mal atrapalhar o traba-
ponto fraco da força do mundo. E é esta sua fundamental fra- lho de bem dos seus operários?
queza interior que a impede de vencer as forças do Alto. Nin- Na Terra, as forças do bem, assim como as do mal, tomam
guém pode mudar a Lei, que é o ponto de referência em função forma concreta e se manifestam personificadas em indivíduos
do qual tudo existe. Ora, o poder das forças do bem está no fato particulares, que, pelas suas qualidades, são aptos a incorporá-
de serem elas alimentadas pela Lei, e a fraqueza das forças do las e, assim, representá-las. No Êxodo, vemos as forças do bem
mal está no fato serem elas minadas pela Lei. Em termos práti- e as do mal em ação, personificadas em dois indivíduos, cla-
cos, o ponto fraco da força é que ela pode ser injustiça, e o pon- ramente colocados em posições contrapostas, um em frente ao
to fraco da astúcia é que ela pode ser mentira. A prova de que o outro: Moisés, de um lado, e o Faraó do outro. O primeiro pos-
142 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
sui a orientação que recebe da voz de Deus e o poder dos Seus princípio de vida mais adiantado. Foi assim necessário que o
milagres. O segundo possui a arma das suas astúcias mentiro- superior se adaptasse ao inferior, mas permanecendo superior.
sas e dos seus exércitos. Quem é o mais forte? Deus deixa o Daí nasceu a luta ora observada, que termina com o triunfo de
Faraó livre para fazer o que quiser com os recursos terrenos Deus. É assim que o direito de usar a força pertence somente a
dos seus enganos e da sua força. Espantado com as pragas de Deus, e não ao indivíduo, a quem pertence, porém, o direito de
que fala a Bíblia, ele permite a fuga dos hebreus. Porém, tão ser defendido pela Lei e pelo poder de Deus. É assim que, na
logo a praga desaparece, ele se arrepende, revoga a sua autori- Terra, é deixado ao mal a possibilidade para agredir, atormentar
zação e os escraviza de novo. Por que razão Deus deixa a Sua e dificultar o bem, mas não para vencê-lo.
ação ser paralisada, ficando ao dispor desse jogo do Faraó? Pa- A derrota de Deus é apenas momentânea e aparente. A vitó-
rece que falta a Deus a força para vencer, porque Ele tem de ria chega só no fim, depois de ter deixado o mal desencadear-se
iniciar outra vez a Sua luta. Parece então que é o Faraó quem à vontade. Nesse momento, o bem triunfa, e as criaturas do mal
manda e Deus é o seu servidor, porque, a cada passo, Ele tem têm de pagar à Lei o que devem. Mas como poderiam estas ter
de correr atrás dos problemas, remendando o Seu trabalho mal de pagar, se antes não o tivessem livremente merecido? E que
feito. Que valor tem os milagres feitos por Deus, se depois o vitória seria a do bem, que prova de valor e superioridade teria,
Faraó tem o poder de destruir o seu fruto? se fosse atingida sem esforço e merecimento? É por isso que
Eis as palavras da Bíblia: “... os Meus sinais tenho feito en- Deus deixa ao instrumento humano todo o trabalho dessa luta.
tre eles, para que saibais que Eu sou o Senhor” (Êxodo: 10, 2); Esta lhe pertence também porque, cumprindo uma missão, o
“O Senhor dissera a Moisés: o Faraó não vos escutará, para que indivíduo deve realizar ao mesmo tempo a sua elevação pessoal
as minhas maravilhas se multipliquem na terra do Egito” (Êxo- para um plano mais adiantado de vida. A ajuda para o instru-
do 11, 9). Então Deus usava tal método para melhor deixar en- mento pode lhe chegar de Deus somente quando esta é indis-
tender, sobretudo para o seu povo, que Ele era o mais forte, pensável, após o indivíduo ter realizado com o seu esforço tudo
sendo Quem, pelo Seu poder, mais convencia os Hebreus e es- o que estava ao seu alcance realizar. E, quando tudo isto houver
tava acima de todos os outros deuses. sido feito, então aparece a ajuda prodigiosa do Alto, que salva.
A estratégia de Deus é a seguinte. O bem deixa livre o mal, Deus fica olhando e vigiando tudo, velando sempre por sua cri-
deixando-se vencer, para depois reagir em proporção à culpa atura, que nunca abandona. Quem está sozinho de verdade é o
ou violação cometida. Isto porque a Lei não pode, por sua pró- homem que trabalha sem Deus. O indivíduo nesta condição não
pria iniciativa, movimentar-se contra o ser, enquanto ele não a pode vencer senão momentaneamente, permanecendo no terre-
houver ofendido, mas pode responder a ofensa, retribuindo na no falso das areias movediças do mundo, recolhendo ilusões e
mesma qualidade e medida o choque recebido. Pelo princípio acumulando dívidas a pagar perante a Lei.
de justiça, a reação da Lei tem de ser merecida e, por isso, ge- Tudo isto é consequência lógica da estrutura do todo, dividi-
rada apenas pelo próprio ser. Somente quando o pecado já foi do em S e AS. Estamos em fase de superação. O mal, enquanto
cometido, a pena lhe será então imposta, conforme a justiça da o processo evolutivo não terminar, fará parte do organismo uni-
Lei. Por isso tem de ser deixada ao Faraó a sua liberdade. Já versal. O fato é que o mal existe, e ele não poderá desaparecer
vimos que aos filhos de Deus não se pode tirar a liberdade, sua senão depois de ter sido reabsorvido e neutralizado pela evolu-
qualidade de origem, mesmo quando se tornam criaturas do ção. Hoje estamos no dualismo, e há de haver luta entre o bem e
mal. É por isso que este, em nosso mundo, está livre para se o mal, para que o mal seja transformado em bem. O princípio da
desencadear à vontade. O constrangimento dos maus, a fim de luta é universal, porque é um derivado direto da cisão em S e
ser justo, tem de chegar depois, e não antes da violação, quan- AS. Por isso, em nosso universo, cada termo não pode existir
do o ser ainda não semeou as causas. Deve haver uma propor- senão em função de seu termo oposto. Se não houvesse o mal,
ção entre culpa e pena, erro e reação. Deus seria vencedor de que? A ideia de vitória implica sempre a
Vemos então que há uma gradação nas pragas do Egito. A de um inimigo a vencer. Luta significa também experimentação,
primeira é somente um aviso. Como não o quis entender o Fa- escola, aprendizagem, sofrimento, redenção. Aqueles que, com
raó, vem então a segunda praga, outro aviso, mais duro. Mas o as astúcias humanas, conseguem fugir dessa engrenagem, estão
Faraó ainda não entendeu. Eis então a terceira praga, outro aviso parados na evolução, que é o caminho da sua salvação.
ainda mais duro, e assim por diante. O Faraó fica livre, mas não Eis como o caso do Êxodo de Moisés confirma o nosso pon-
lhe faltam os avisos, que estabelecem a sua responsabilidade e to de vista. No fim, o bem triunfa, demonstrando que é o mais
tornam justa a reação da Lei. Deus oferece a cada golpe a opor- forte. Depois da passagem do Mar Vermelho, Deus vence defi-
tunidade para entender e parar, arrependendo-se e obedecendo. nitivamente: “... a tua destra, ó Senhor, tem despedaçado o
Isto é necessário porque, para que Deus possa realizar tudo com inimigo” (Êxodo: 15, 6).
bondade e justiça, a culpa tem de ficar toda do lado do ser rebel-
de. Ainda que Deus pareça estar sendo impedido pelos princí- XVII. AS ESTRATÉGIAS DO BEM E DO MAL
pios da Sua própria lei, nem por isso ele fica vencido. Pelo con-
trário, cada vez mais Deus reforça a Sua reação em proporção à Observemos agora, sob outros aspectos, o fenômeno da luta
teimosia e surdez do Faraó, até que este terá de se render a Ele. entre o bem e o mal, para entender cada vez melhor a íntima
A rebeldia do Faraó chegou ao ponto de seu filho morrer e seu técnica do seu funcionamento. Que acontece, então, na profun-
exército ser destruído, deixando-o despido de tudo, porque outra deza, quando as forças do mal agridem?
maneira não havia para ele entender e obedecer a Deus. A negatividade é o que mais existe em nosso mundo, pró-
O objetivo não é só vencer, mas também ensinar. E, para ximo do AS. Aqui, o ser vive mergulhado num oceano de for-
ensinar, Deus tinha de descer ao terreno humano da força. Com ças desse tipo, podendo, na sua liberdade, escolher e dirigi-las
esse meio, o único que a forma mental dos primitivos pode contra quem quiser. O ser, para dominar no seu plano, procura
compreender, Deus tinha de se mostrar vencedor, porque, de apoderar-se delas, mas estas também se apoderam dele, geran-
outro modo, nem os Hebreus, nem o Faraó, O teriam respeita- do uma fusão pela qual se personificam naquele indivíduo, que
do. Tal biótipo não se ajoelha senão perante o mais poderoso, e as quis canalizar para os seus objetivos. Pelo fato, porém, de
não lhe obedece se este não impõe a sua vontade, infligindo da- não haver no universo fenômeno que não seja regido e não te-
no aos rebeldes. O fraco é desprezado e deve ser destruído. As- nha de obedecer a uma lei, o ser, pela sua escolha, fica preso
sim é a lei desse selvagem plano de vida. Mas era exatamente a dentro da engrenagem dos princípios que regulam esse fenô-
esse plano que devia descer, pelo impulso evolutivo da Lei, um meno, sendo, neste caso, submetido ao funcionamento das for-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 143
ças do mal e constrangido a aceitar todas as consequências. Aqui é necessário esclarecer com uma observação. Se a Lei
Uma vez que o ser escolheu o tipo dos seus movimentos, ele fi- não responde com um contra-ataque, mas fica resistindo na sua
ca fatalmente amarrado à lei que os rege. O homem agride, imobilidade, por que então falamos e sempre se fala da reação
porque a posição natural do cidadão do AS é o ataque, enquan- da Lei? Como é possível se resolver o caso sem a reação dela?
to a do cidadão do S é o amor. Quem ataca é o ser rebelde, que Quando, para sermos mais bem entendidos, usamos tais pala-
está insatisfeito, fora da ordem, no reino da luta, e não o cida- vras, tomamos emprestado de nosso mundo, cuja base é o AS,
dão do S, que nada procura, pois a ele nada falta. uma imagem toda humana, filha do princípio da luta, fundado
Qual é então, do outro lado, a técnica do funcionamento no ataque e contra-ataque, conceito este, porém, que é um ab-
das forças do bem, a estratégia da sua defesa? O princípio da surdo no seio da Lei, pois esta funciona de modo oposto, com o
agressividade só se encontra no AS. Ele é filho da luta, que é método do S. Era necessário, porém, usar a forma mental do ser
filha da cisão, a qual por sua vez é filha da revolta. No S nada rebelde, com a qual o homem funciona e sem a qual ele nada en-
disto existe. Seria absurdo ver dois anjos lutarem um contra o tende. Assim, o que acontece de fato é outra coisa. A Lei não re-
outro, assim como ver dois diabos se amarem. Sem saber a age, apenas resiste; não contra-ataca, mas, com a sua resistência,
resposta, muitos perguntam por que em nosso mundo há guer- deixa que automaticamente o ataque, por si mesmo, retorne ao
ras? Elas existem porque o nosso mundo ainda pertence ao AS. agressor. Veremos agora como isto se verifica. Tudo o que faz a
No S não há guerras. As forças do bem não agridem e não Lei contra a agressividade das forças do mal, é ficar firme no
aceitam a luta do mundo com as suas armas. Como, então, as seu castelo, invulnerável pela força da sua positividade. Quando
forças do mal não conseguem vencê-las? Qual é o segredo? parece haver uma reação da Lei, isto é porque a própria ação do
Onde está a força oculta dessa estranha estratégia, na qual o agressor, ao ir de encontro à justiça, ricocheteia e volta contra
mundo, apesar de pregá-la com o Evangelho, não acredita? Pa- ele mesmo. Neste ponto, entramos no domínio inviolável da Lei,
ra tomar a sério a palavra de Cristo, é fundamental conhecer o que leva vantagem sobre a liberdade do ser. Este é livre para
mistério desse fenômeno, porque a sobrevivência de quem tem movimentar as suas forças e iniciar o desenvolvimento do fe-
de vivê-lo se baseia nesse conhecimento. nômeno. Mas, tão logo o faça, o ser fica imediatamente preso,
A diferente posição que as forças de um tipo tomam quando sem saída, dentro dos princípios que regem esse fenômeno, o
se chocam com as do outro, depende da natureza particular de que significa acabar atingindo outros resultados.
cada tipo. As forças do mal estão situadas na incerteza do mo- Como então as forças do mal ricocheteiam para cima do
vimento, que representa a tentativa do ignorante. Elas são leva- agressor? Temos um lançamento de forças negativas contra o
das a se agitar para encher o vazio da sua negatividade, tentando castelo invulnerável das forças da positividade. Mesmo que não
reencontrar o equilíbrio perdido com a revolta. O movimento houvesse a resistência das duras paredes da Lei, as forças do
sem paz é a condenação dos rebeldes. Pelo contrário, as forças mal contêm, na sua própria natureza de impulsos torcidos ao
do bem ficam naturalmente imóveis na plenitude representada negativo, a tendência a voltar para trás, continuando na sua po-
pela sua positividade. Elas estão situadas na posição da certeza sição de emborcamento. Esta é a parte determinística do fenô-
de quem sabe, que é o estado determinístico da perfeição. Ora, meno, da qual ninguém pode fugir.
imobilidade não significa falta de movimento, o que seria morte, Observemos ainda mais pormenorizadamente como se reali-
mas sim um tipo de movimento diferente, isto é, não um movi- za esse processo de ricochete. Vejamos também quando ele se
mento cindido contra si mesmo, porque dividido em duas partes verifica, isto é, as condições necessárias para que ele possa veri-
contrárias (AS), mas um movimento unitário, fundido na ordem ficar-se. Quando o assalto das forças da negatividade se lança
do estado orgânico (S). É o rebelde do AS que corre atrás do S, contra as paredes do castelo das forças da positividade, elas pro-
onde está contido tudo o que o AS perdeu e que, agora, o rebel- curam o ponto fraco, feito de negatividade, porque esse é o úni-
de vai desesperadamente procurando recuperar. Justamente por co ponto pelo qual o inimigo pode entrar. Mas por que a negati-
esta sua diversa natureza é que as forças do mal se movimentam vidade constitui o ponto fraco no qual o inimigo pode entrar? Is-
e o fazem com os seus métodos de revolta, conforme a sua natu- to acontece porque, como já explicamos, enquanto o movimento
reza, agredindo as forças do bem. Mas estas, também seguindo das forças positivas é unitário, constituindo um sistema de for-
os seus métodos, conforme sua natureza, não reagem com uma ças orgânico e compacto, fechado em si mesmo, no qual, por is-
luta no sentido oposto, porque a estratégia da luta se encontra so, não é possível penetrar, o movimento das forças negativas é,
somente no AS. O choque entre duas estratégias iguais somente pelo contrário, cindido contra si mesmo, constituindo um amon-
acontece entre dois inimigos que existem no mesmo nível de vi- toado de forças anárquicas e discordantes, aberto de todos os la-
da e possuem a mesma forma mental. Assim, quando um ho- dos, no qual, por isso, é fácil penetrar. Eis o que constitui a fra-
mem comum agride um homem do Evangelho, eles têm nature- queza da negatividade. Os seres do AS são fracos porque gastam
za, psicologia e usam estratégias diferentes. Um existe num pla- a sua energia lutando uns contra os outros.
no de vida que esta acima do plano de vida do outro; um está do O resultado final, então, é que, se o mal encontra um ponto
lado do S, e o outro está do lado do AS. fraco vulnerável, ele pode entrar, se, porém, não o encontra,
Eis então como funciona a estratégia do bem. Quando as for- porque do lado oposto não existe tal fraqueza, então o mal não
ças do mal se movimentam agredindo as do bem, estas não se pode penetrar. É como nas doenças. Ninguém pode viver num
movimentam no sentido contrário, respondendo com um contra- mundo esterilizado sem micróbios patogênicos, assim como
ataque, mas usam o método oposto, isto é, simplesmente perma- ninguém pode ficar isento dos assaltos das forças do mal. A de-
necem firmes na sua imobilidade, e isto basta para tornar vão o fesa está no indivíduo, e não no ambiente. Portanto, assim como
ataque. Mas como isto é possível? Se as forças do bem são fortes as doenças não pegam, quando encontram um organismo bem
na sua imobilidade, é porque, como há pouco explicamos, essa defendido, porque este é sadio e forte, o ataque do mal também
imobilidade é feita de um movimento unitário, representando um não pode penetrar no indivíduo, quando neste não há pontos fra-
sistema de forças orgânico e compacto, fechado em si mesmo, no cos de negatividade, porque sua personalidade é sadia, fortaleci-
qual não é possível penetrar. Assim as forças do bem permane- da pelas forças da positividade. Começa-se então a vislumbrar
cem como tais, resistindo como rocha dura, impenetrável como quais são as condições necessárias para quem usa a estratégia
uma parede lisa de pedra. Isto somente pode ser feito por quem, evangélica do perdão chegar à vitória. O que constitui a força do
pela sua natureza, é forte, porque está do lado do S, ou seja, da agressor é o ponto fraco do agredido, onde este é vulnerável. Se
positividade, mas não pode ser feito por quem, pela sua natureza, este ponto fraco não existe, o mal nada pode, porque ele se en-
é fraco, porque está do lado do AS, ou seja, da negatividade. contra perante um ser invencível. Este é o caso em que se verifi-
144 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
ca o fenômeno do ricochete. Veremos depois o caso no qual o emborcada, não representa senão um eu não sou. Eis como se
agredido, pelo fato de estar enfraquecido por qualidades de ne- realiza esse ricochete dos impulsos destruidores contra quem os
gatividade, pode por esse caminho ser atingido pelo mal. lançou. É o mal que age contra si próprio, conforme a justiça,
Estabelecidos esses princípios, observemos agora, no caso punindo-se como ele merece. Nisto está a sabedoria da Lei.
do homem verdadeiramente de bem, que se colocou assim na ◘ ◘ ◘
posição de invulnerabilidade, como se inicia e se realiza o ca- Para melhor explicá-lo, observamos até agora o fenômeno
minho de volta do mal, para trás, contra a fonte que o lançou. na sua posição mais evidente, que poderíamos chamar pura, is-
Se, pelo que foi acima explicado, a vitória do bem é garantida, to é, no seu caso limite, no qual o agressor se encontra total-
isto implica, do lado oposto, o seu contrário, o que significa es- mente culpado, do lado da injustiça, num terreno de absoluta
tar garantida também a derrota do mal. Consequentemente, é negatividade e, por isso, de vulnerabilidade, enquanto o agre-
perigoso agredir o homem que pertence ao bem. Mas quem dido está completamente inocente, do lado da justiça, num ter-
agride não sabe nada desse sutil jogo de forças e, na sua igno- reno de absoluta positividade e, por isso, de invulnerabilidade.
rância, arrisca-se cegamente nesse perigo, acabando assim der- No entanto este é caso raro na Terra, onde não é fácil encontrar
rotado. Como isso pode acontecer? anjos. Por isso a maioria não leva em conta o fenômeno do ri-
Quando o mal se lança contra um castelo íntegro, comple- cochete, pois a prática ensina que, na grande parte das vezes,
tamente positivo, os impulsos destruidores negativos, pelo fato ele não se verifica e o mal atinge o seu objetivo. Isto, porém, é
de não encontrarem um ponto fraco, não podem entrar. Assim, como se um ser, acostumado a viver nas trevas, quisesse por
eles se chocam contra a parede da positividade, sem atingir o essa razão negar a existência da luz. Por que então o ricochete
seu objetivo, pois não encontram um ponto que possa absorver não funciona e o agredido fica vencido? Vimos quais são as
e esgotar a sua negatividade. As forças do mal, portanto, não condições da sua vitória, então é lógico que, se estas não se ve-
ficam aniquiladas, mas continuam bem vivas, e têm de conti- rificarem, ele não possa vencer. A vitória somente poderá
nuar indo à procura de um alvo que as receba. Uma vez que fo- acontecer com os recursos necessários.
ram movimentadas, elas não podem parar, pois têm de conti- Agora que conhecemos os princípios que regem o fenômeno,
nuar o seu caminho, até esgotarem o seu impulso em algum é possível calcular a priori, para o agredido, a probabilidade da
lugar. Uma causa não pode deixar de atingir o seu efeito. Se o sua vitória ou derrota, o grau de sua vulnerabilidade em função
caminho para frente está fechado pela impenetrabilidade da do grau de negatividade do seu campo de forças, ou o grau da
positividade, se os caminhos colaterais não atraem, porque le- sua invulnerabilidade em função da sua positividade. Pode-se
vam para objetivos desconhecidos, e se o caminho para trás es- assim estabelecer a percentagem da fraqueza do indivíduo em
tá aberto, como um convite, pela fraqueza e penetrabilidade da relação à percentagem de negatividade que ele possui, e a per-
negatividade, então que podem fazer as forças do mal a não ser centagem da sua força de resistência aos assaltos do mal, em re-
dirigirem-se para a fonte que as gerou, voltando ao seu ponto lação à percentagem de positividade que se encontra no seu
de partida por um caminho às avessas, para lançar a sua agres- campo de forças. Sabemos o que, na prática, significa negativi-
sividade contra o próprio agressor? dade e positividade. A primeira quer dizer: injustiça, engano,
Uma vez que as forças do mal são por sua natureza destrui- desonestidade, e tudo o que pertence ao mal; a segunda quer di-
doras, quem, neste caso, as lançou contra quem não mereceu tal zer: justiça, verdade, honestidade, e todo o que pertence ao bem.
ataque, irá recebê-las integralmente de volta, terminando por Estas são as armas desta nova estratégia, que aqui estamos estu-
sua vez agredido pela sua própria agressividade. Eis como fun- dando, baseada sobre princípios completamente diferentes da es-
ciona automaticamente o fenômeno do ricochete e onde está o tratégia usada pelo mundo. Assim, por mais estranho que pareça
perigo para quem, estando situado do lado do mal, agride quem ao mundo, a defesa depende de um exame de consciência! De-
está do lado do bem. Então o agressor, antes de iniciar a sua pende das qualidades que possuímos, e não das armas que do-
aventura, deveria entender duas coisas fundamentais: 1) As for- minamos. A este fato se deve a possibilidade de que sejam des-
ças do bem, assim como quem está do lado delas, são invulne- truídos os mais poderosos indivíduos, exércitos e nações.
ráveis e não podem ser vencidas pelas forças do mal; 2) Quem Então podemos dizer que é totalmente invulnerável quem
agride um inocente, que evangelicamente perdoa, automatica- possui 100% de positividade, enquanto quem possui 90% de po-
mente recebe de volta todo o impulso destruidor que ele lançou sitividade é invulnerável 90% e vulnerável apenas 10%. De mo-
contra o inocente. Eis porque, ao contrário do que a maioria do semelhante, quem possui 50% de positividade é metade in-
acredita, o método do Evangelho não é um absurdo. vulnerável e metade vulnerável, porque as suas forças são 50%
Assim o resultado final para o agressor é que a onda de ne- positivas e 50% negativas, e quem possui apenas 1% de positi-
gatividade destruidora lançada por ele cai em cima da sua nega- vidade é 99% vulnerável e 1% invulnerável, mas quem não pos-
tividade, reforçando os impulsos destrutivos no seu campo de sui nem ao menos 1% de positividade, encontra-se totalmente
forças, mas, desta vez, contra ele próprio. Isto porque, no ata- em poder dos assaltos do mal, abandonado pela Lei, sem defesa
que de regresso, é fácil entrar naquele castelo. Ora, tudo isto é alguma. Em nosso mundo encontram-se todos os casos, cada um
obra providencial da sábia estrutura da Lei, porque, deste mo- com uma percentagem diferente, o que marca desde o início o
do, o mal cumpre a sua verdadeira função, que é, antes de tudo, resultado final. No inevitável choque entre o bem e o mal, o
destruir o próprio mal, perseguindo a si mesmo e se auto- problema fundamental é possuir as qualidades da positividade,
eliminando em favor do bem, que deve vencer. Isto, para a que representam forças favoráveis, e não as da negatividade, que
forma mental humana, pode parecer uma armadilha traidora. representam a fraqueza. Mas o fato de mudar a percentagem de
Tal armadilha, porém, não se deve a um enganoso artifício da umas em relação às outras, depende de nós. É com a evolução
Lei, mas sim à ignorância do homem. Trata-se de uma estraté- que podemos conquistar as qualidades da positividade e eliminar
gia justa e saudável, porque leva à vitória final do bem e à des- as da negatividade, afastando-nos cada vez mais do AS, reino do
truição do mal, cumprindo assim o maior objetivo da evolução, mal, e nos aproximando do S, reino do bem. É lógico que o mal
que é remir o ser, levando-o para a sua salvação. Tudo isto não seja tanto mais poderoso e facilmente vitorioso quanto mais nos
é senão o resultado de um processo lógico da justiça e da bon- aproximamos do AS, e seja tanto mais fraco e dificilmente vito-
dade Lei. É lógico e útil que os produtos adoecidos de negativi- rioso quanto mais nos aproximamos do S. Assim, em última
dade acabem sendo torcidos contra si próprios, para se destruí- análise, a invulnerabilidade do agredido depende do seu grau de
rem. Tudo o que é positivo é poderoso, porque deriva do “Eu evolução. Quanto mais ele for evoluído, tanto menos será vulne-
sou” de Deus, enquanto tudo o que é negativo, pela sua posição rável aos ataques do mal. Isto até ao caso limite, em que o mal é
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 145
absolutamente impotente contra os cidadãos do S. É pela evolu- mas, de fato, não percorreu senão um breve trecho do seu ca-
ção que o homem pode transformar as condições de sua vida e, minho, que continua e se completa perante outro tribunal, cujos
com isso, ser regido por outras leis. Se o homem quisesse viver métodos vimos quão diferentes são. Pode assim acontecer que
o Evangelho, tudo mudaria para ele. O fato de, na Terra, o um processo completamente vencedor na Terra, seja depois
Evangelho não ser tomado a sério e vivido, mas sim julgado completamente perdido no Céu. Então, quem recebeu na Terra
utopia, deve-se à falta das condições necessárias para o seu fun- a satisfação de todos os direitos que a lei humana confere ao
cionamento aqui, onde não está presente o homem cem por cen- vencedor, terá, se isto não foi conforme a justiça da Lei, de pa-
to de bem. Assim, não sendo bons os resultados, julga-se que o gar à custa dos seus sofrimentos tudo ao tribunal do Céu.
método não tem valor. É como se o homem, para fazer o esforço ◘ ◘ ◘
de subir uma escada, exigisse ver primeiro o que se enxerga de De nada adianta o nosso mundo não entender e negar estas
lá de cima, querendo atingir o resultado do seu esforço antes e coisas. Ele não pode deixar de permanecer preso na rede dessas
como condição para realizá-lo. Então o homem não faz nada pa- forças sutis. O mundo nega-as, porque elas escapam aos seus
ra praticar o Evangelho, afastando-se sempre mais dos resulta- sentidos. Mas quem, amadurecido por profundos sofrimentos,
dos positivos que este lhe poderia trazer. atingiu um elevado grau de sensibilização pode perceber tudo
A conclusão é que o poder de defesa está na pureza da es- que acontece neste mundo subterrâneo, no interior das aparên-
trutura interior do sujeito. A sua fraqueza começa tão logo apa- cias, antes que, saindo deste seu estado sutil, venha a se materi-
reça no seu castelo de positividade uma percentagem de negati- alizar nos seus efeitos concretos, que representam só a última
vidade, o que enfraquece aquele poder. Na prática isto se reali- fase do fenômeno, aquela que o mundo percebe. É possível en-
za quando e na medida em que pactuamos com o mundo, usan- tão, para um indivíduo sensibilizado, observar os acontecimen-
do a sua psicologia e métodos, praticando as suas sagacidades. tos desde o seu início, lá onde ninguém se apercebe da existên-
Então abrimos as portas e deixamos entrar a negatividade des- cia deles, e, conhecendo-os, prever assim o seu desenvolvimen-
truidora, aumentando, com ela, a nossa fraqueza e vulnerabili- to, sabendo como eles serão quando atingirem a sua última fase
dade. O princípio é que as forças do mal podem entrar na medi- sensória, aquela que todos percebem. Esta é a maneira pela qual
da estabelecida pela percentagem de negatividade, que enfra- alguns podem ver os acontecimentos antes que eles se revelem
quece aquele poder de defesa, estabelecendo qual é a abertura por fora, sendo isto julgado previsão ou profecia. Não se trata,
das portas que impedem a entrada. Contra um castelo de ener- porém, de um trabalho de adivinhador, mas sim de um processo
gias puras, todas positivas, sem vestígios de negatividade, qual- de leitura daquilo que, apesar de ainda não ser visto pelos ou-
quer assalto do mal para e volta atrás. Quando o mal vence, a tros, já existe. Trata-se de uma observação positiva do aconte-
culpa está não somente no agressor, mas também no agredido, cimento no seu estágio preparatório, fase que escapa à observa-
porque a sua derrota é devida à dose de negatividade com a ção dos outros. Então se diz que isto é previsão do futuro. Mas
qual sua positividade está corrompida. Neste caso, ele inicia o o futuro não nasce do nada. Ele já existe como germe no pre-
seu contra-ataque, aumentando assim ainda mais a sua negati- sente. Nós dizemos que algo de fato acontece, apenas quando o
vidade, e, agarrando as armas, desce ao terreno traiçoeiro do fenômeno atingiu a fase final do processo da sua formação e
AS, enfraquecendo-se cada vez mais, numa luta destrutiva para desenvolvimento. Mas ele também existe antes de atingir esse
todos, na qual ninguém vence. Quando a luta se realiza no seu ponto final. E é justamente pelo fato de tudo existir antes
mesmo terreno humano, com a mesma forma mental, no mes- deste momento, que alguns, observando a fase inicial, podem
mo nível de vida e com os mesmos métodos, entre involuídos, assim prever o seu desenvolvimento futuro.
então se atinge sempre o mesmo resultado, no qual os dois lu- Então, examinando o fenômeno da luta entre o bem e o
tadores, sejam indivíduos ou nações, acabam transmitindo um mal, é possível prever qual será o resultado do assalto do
ao outro somente o que eles possuem, numa troca recíproca de agressor contra a vítima inocente, e isto não somente pelos
negatividade, destruição e sofrimento. caminhos da lógica, porque conhecemos os princípios que re-
O pedido de justiça, para ser ouvido, exige que seja inocen- gem o fenômeno, mas também por este outro caminho da visão
te, estando do lado do bem e não do mal, quem o pede. Para interior do fenômeno, antecipando assim o conhecimento da
que a Lei funcione, também em nosso plano, é necessário a uti- sua solução. Mas como ocorre este fenômeno, pelo qual se po-
lização dos seus métodos, que à estratégia da força substituem a de inclusive avisar aos outros do perigo em via de preparação,
da justiça. A força pode ser a mais poderosa, mas, se ela é in- antes que ele chegue à fase final, na qual o caso se materializa
justa, torna-se fraca, porque, neste caso, a Lei se coloca imedia- na forma concreta de desgraça, doença ou sofrimento? Tradu-
tamente contra o agressor. O próprio fato de ser inocente, colo- zida em termos sensíveis, uma concentração de forças do mal
ca a vítima na posição de credora perante a justiça da Lei. É por pode ser percebida como uma nuvem escura que, aos poucos,
isso que os astutos da Terra procuram disfarçar-se de vítimas na vai-se condensando no ar, enquanto uma concentração de for-
luta. E até podem com isso enganar as leis humanas, mas não a ças do bem pode ser percebida como uma nuvem clara. A es-
lei de Deus. Perante esta, o agressor é devedor, e por isso tem curidão expressa a negatividade, e a claridade representa a po-
de pagar, o que constitui a sua fraqueza, enquanto o agredido é sitividade, porque o ponto de referência é a luz do S. A clari-
credor, e por isso tem de receber, o que constitui a sua força. dade corresponde à plenitude da luz. A escuridão corresponde
Apesar de serem tão imperfeitas, as leis humanas já contém à falta de luz, nas trevas do AS. Quando nem uma nem outra
este conceito de justiça, que, em nosso mundo, regido por ou- dessas duas posições prevalece de modo absoluto, teremos
tros princípios, realiza-se quando é possível. Infelizmente, este uma mistura entre claro e escuro, cuja tonalidade expressará se
é um mundo de aparências, onde muito mais importante do que a prevalência no campo de forças é de positividade ou de nega-
ser de fato justo, é demonstrar com provas visíveis que se é jus- tividade. Na maioria dos casos, culpa e mérito, mal e bem, es-
to. É lógico que tão imperfeita justiça tenha de ser a cada passo tão de ambos os lados, em medidas diferentes. Ora, se o bem
revista e corrigida pela justiça de Deus. É neste ponto que co- prevalece, havendo domínio da positividade no campo de for-
meça a funcionar esta outra lei, que, estando acima de todas as ças, então teremos uma nuvem clara com algumas manchas es-
leis humanas, é constituída por outros princípios. Chega-se as- curas de tamanhos variados, conforme a negatividade presente,
sim a uma estranha consequência, pela qual quem move uma que elas expressam. Se prevalece o mal, havendo domínio da
ação na Terra, seguindo os métodos das leis e dos juízes da Ter- negatividade no campo de forças, então teremos uma nuvem
ra, e obtém o julgamento ou a sentença, pode até acreditar ter escura com algumas zonas claras de tamanhos variados, con-
com isso resolvido definitivamente o caso conforme a verdade, forme a positividade presente, que elas expressam.
146 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
Observemos, então, deste novo ponto de vista, o que acon- do. Com a sua defesa, a Lei confere ao homem de bem uma
tece nos vários casos. Conhecendo a percentagem de positivi- força superior a todas as outras forças.
dade ou negatividade que contém o campo de forças de cada A vida do Evangelho é dura, mas leva o homem para o S. A
um dos dois antagonistas, pode-se prever qual será o resultado vida do mundo é mais fácil, mas deixa o homem no AS. O ho-
do choque entre eles. No caso limite que já vimos, onde a víti- mem do Evangelho vai ao encontro dos seus semelhantes para
ma é completamente inocente e o agressor está completamente colaborar, sem interesse nem egoísmo, para o bem de todos.
dominado pelas forças do mal, será possível perceber neste úl- Eles, no entanto, devido ao seu interesse e egoísmo, apenas res-
timo as vibrações que, condensando-se no ambiente, vão-se pondem com a agressão, buscando a sua vantagem pessoal.
concentrando até atingir a forma de uma nuvem escura sobre a Trata-se de duas psicologias opostas: a do S e a do AS. No S,
nuvem clara da vítima inocente, pronta a se lançar contra esta os seres são complementares, sendo as suas diferenças compen-
para destruí-la. Que acontece então? A nuvem clara é toda ela sadas e fundidas numa união orgânica, na qual cada ser se en-
clara, não possuindo manchas escuras, por isso não oferece ne- contra feliz, cumprindo a função para a qual foi criado. Eles es-
nhuma porta aberta que, constituindo um convite para entrar, tão unidos por um liame de amor, numa contínua troca ou per-
sirva como um ponto no qual as forças da nuvem escura pos- muta, na qual cada um dá e recebe vantagens gratuitamente. No
sam descarregar-se. Esta, diante de tal impenetrabilidade, repe- AS, os seres, em vez de compensarem as suas diferenças com
te os seus ataques, porém cada vez mais inutilmente. Quanto tal troca, utilizam-nas para agredir e destruir uns aos outros,
mais bate contra a parede dura, tanto mais é levada, pelo con- num estado de caos onde cada ser, ao invés de amar, repele os
trário, a ricochetear para trás. Isto até que, impulsionada pela seus semelhantes, ficando sozinho contra todos e cumprindo
necessidade de se descarregar em alguma parte, a nuvem escura apenas uma função de agressão e destruição. Eles estão separa-
não tem outra escolha, a não ser percorrer às avessas o seu ca- dos pela rivalidade, submetidos a uma luta contínua, em que
minho de ida, descarregando todo o seu impulso de agressão cada um dá e recebe apenas sofrimentos.
contra o campo da personalidade que lançou o assalto, a qual Tudo depende do grau de evolução do indivíduo, que define
acaba sendo assim atormentada pelos tormentos que ela havia a sua natureza. Dela deriva o estado de paraíso ou inferno. Bas-
procurado lançar contra o inocente. ta que haja dois seres do AS, isto é, dois diabos, para que eles
Diferente é o caso em que a vítima não é inocente. Então a prontamente construam ao redor de si um primeiro núcleo de
nuvem da vítima não é toda clara, mas possui manchas escuras, inferno. Da mesma forma, basta que haja dois seres do S, isto é,
oferecendo, por isso, portas abertas, que convidam a entrar e dois anjos, para que eles imediatamente construam ao redor de
por onde as forças do mal podem descarregar-se. Então estas si um primeiro núcleo de paraíso. O resultado é consequência
aproveitam tal penetrabilidade e entram, atingindo o seu objeti- da sua conduta. Os seres do AS, para vencer um ao outro, logo
vo. Desse modo, a vítima recebe o choque, assim como um or- entram em luta, que termina apenas gerando sofrimento para
ganismo fraco, não suficientemente forte para se defender, todos. Os seres do S, amando um ao outro, logo entram em co-
também tem de aceitar a doença. Neste caso, a culpa é do laboração, que termina gerando paz e bem estar para todos.
agressor, mas ela também está no agredido, o que paralisa a Aqueles destroem, criando necessidade; estes constroem, crian-
Lei, impedindo-a de intervir com a sua justiça, para defender a do abundância. Eis a posição atual de nosso mundo, em com-
vítima. Eis por que, em tantos casos humanos, a Lei não pode pensação do qual deverá surgir um mundo novo, quando se rea-
funcionar, uma vez que a vítima não é inocente e mereceu ser lizar na Terra o anunciado Reino de Deus.
atingida pelas forças do mal. O princípio geral é que, se o mal Escrevi este capítulo e o precedente em cerca de quinze di-
nos atinge, não tem sentido, como se costuma fazer, lançar a as, com febre quase contínua, talvez devido ao choque recebido
culpa nos outros, porquanto nada podemos receber que não te- pela agressão de que falei nas páginas precedentes. Não quis
nha sido antes merecido por nós mesmos. O grau de penetração parar e, por isso, aproveitei o descanso aconselhado pelo médi-
das forças do mal no terreno do agredido, com todas as suas co, para desenvolver estes capítulos. Assim o leitor pode ver
consequências de desgraças e sofrimentos, pode ser previsto, qual foi o meu tipo de reação. Encerraremos este livro com o
observando-se a amplitude das manchas escuras na nuvem do capítulo a seguir. O assunto parece inesgotável e haveria ainda
agredido, que estabelece o grau da sua vulnerabilidade. O caso muita coisa para dizer, mas isto ficará para o próximo volume,
de uma nuvem clara que agride não existe, porque as forças do que iniciarei em seguida.
bem nunca agridem. Se o mal, pela sua negatividade, não sabe É noite profunda. É carnaval, e o mundo louco está dançan-
trazer senão destruição e morte, o bem, pela sua positividade, do sob a ameaça de um destino tremendo e merecido, que se
não pode trazer senão reconstrução e vida. aproxima ameaçadoramente.
A moral de tudo isto é que verdadeiramente forte é quem
está do lado da Lei, e que a força do mundo, por si só, é uma XVIII. CONCEITO DE MORTE PARA O
forma de fraqueza. Por outro lado, a astúcia também é inútil, EVOLUIDO E O INVOLUÍDO
porque desenvolve a arte de descobrir mentiras, que paralisa a
própria astúcia e acaba eliminando-a. Pelo princípio de equilí- Utilizamos, nos dois capítulos precedentes, um caso pessoal
brio, cada força gera o seu paralelo antagonista, armado para vivido, para dar maior evidência às teorias destes livros, apoian-
combatê-la. Na realidade, existe não somente a força para che- do-as em fatos e mostrando como elas se aplicam na prática, para
gar à vitória, mas também a luta para realizar a evolução. A comprovar que não estamos apresentando teorias fora da realida-
psicologia do super-homem, herói da força, é somente produto de da vida. Aos que nos censuram, dizendo que estamos com a
do mundo emborcado do AS, um crescimento às avessas, can- cabeça no céu, é necessário mostrar quão bem estamos também
ceroso e destruidor. Este modelo, porém, foi até agora um dos apoiados com os pés na terra, mantendo equilíbrio entre a teoria e
maiores ideais humanos. a prática, para ficar em contato tanto com uma quanto com a ou-
De tudo isto que temos explicado até aqui, a conclusão é tra, explicando os fatos com as teorias e provando as teorias com
que poderoso de fato é o homem inerme do Evangelho, e fraco os fatos. Temos assim teoria e prática ao mesmo tempo, apoian-
é o armadíssimo homem do mundo. Se estivermos dentro da do-se uma na outra. Explicar as teorias é relativamente fácil, vi-
Lei, nada teremos a temer. Quem quer usar os métodos do vê-las, porém, trazendo-as até ao nosso mundo, é coisa bem dife-
mundo tem de ficar com as consequentes desvantagens. Todo o rente. Estamos convencidos de que a pregação sem a aplicação é
mal depende de nossa posição emborcada no AS contra Deus, e mentira, não sendo lícito, portanto, sustentar um princípio sem
quem a escolhe, mesmo que seja o dono do mundo, está perdi- a condição de estar, ao mesmo tempo, vivendo-o. Este problema
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 147
não é só de honestidade moral, mas também de seriedade na pes- primeiro, é falência, porque ele, não podendo levar nada consi-
quisa, pois como pode afirmar a verdade de uma teoria quem não go, tem de deixar todas as coisas neste mundo, e a morte que,
a experimentou no laboratório da vida? para o segundo, é triunfo, pois este, tendo-se apegado aos valo-
A grande afirmação fundamental destes livros resolve-se res eternos, nada pode perder do fruto do seu trabalho. E não se
em sustentar, no terreno prático, a verdade do Evangelho. A pode dizer que este assunto seja apenas teórico e não interesse
maior experiência da minha vida foi tê-lo vivido. Haviam-me por estar fora da realidade, porquanto não há quem não tenha
dito que o Evangelho, se tomado a sério e praticado de fato, de chegar a este ponto final.
mata. Quis ver se isto era verdade e, se fosse necessário ser Procuremos então, antes de tudo, entender o que é a morte.
morto, só o seria pela palavra de Cristo, e não por ter acredita- Todos, inclusive quem não conhece ou nega a teoria do S e AS,
do nas tolices humanas. Conforme conclui, esta era a experi- estamos mergulhados neste dualismo universal e vamos, com a
ência mais importante a ser feita, que poderia dar um conteúdo vida e a morte, oscilando de um polo ao outro. A própria ciên-
sério e interessante à minha vida, a qual eu não podia desper- cia já admite a existência de um anticosmo no qual tudo que é
diçar, correndo atrás das habituais ilusões. Agora, na velhice, positivo encontra a sua contrapartida negativa, de modo que
estou chegando ao fim desta experiência e aproximando-me cada molécula teria a sua antimolécula, cada estrela a sua anti-
cada dia mais da sua conclusão. Quais são os resultados desta estrela, cada galáxia a sua antigaláxia etc. Existiria assim um
tentativa, julgada pelo mundo coisa louca e desesperada? Vale antiuniverso constituído de antiátomos e antimatéria. Eis que a
a pena fazer tanto esforço para acabar assim, na pobreza, des- nova ciência está encaminhando-se para o conceito de S e AS.
prezado como simplório, sobrecarregado de deveres e de traba- Eis por que somos feitos de corpo e espírito, que representam
lho, explorado pelos maus e condenado pelos práticos, que sa- os dois polos opostos e complementares do mesmo dualismo. A
bem fazer seus negócios? Quão melhores resultados concretos morte é somente do corpo, que pertence ao AS, enquanto a vida é
poderiam ter sido atingidos, para gozar deles agora, se tivesse qualidade do espírito, que pertence ao S. O princípio da geração
usado minha inteligência para triunfar no mundo. Assim, a pertence à positividade do S. O princípio da morte é a sua posi-
conclusão mais simples e imediata seria de que este foi o ca- ção emborcada, que pertence à negatividade do AS. Vemos, em
minho errado, não sendo aconselhável segui-lo. nossa própria existência, funcionarem o S e o AS, sempre em lu-
Tal resposta estaria certa, se a vida se esgotasse toda e so- ta um contra o outro, na qual o princípio positivo do S está sem-
mente neste mundo. Há duas maneiras de se enfrentar a vida, pre gerando e o princípio negativo do AS, sempre matando. O
dando-lhe um ou outro destes dois diferentes objetivos: o ime- primeiro, sendo obra de Deus, é maior e, por isso, sempre vence,
diato, no presente, encerrado dentro deste mundo, ou outro enquanto o segundo, sendo obra da criatura rebelde, é menor e,
mais vasto, longínquo, acima dele. O primeiro pode ser rapi- por isso, não pode prevalecer. Deste modo, quem está do lado do
damente alcançado em forma tangível, com a riqueza, o poder, S está do lado da vida, e quem está do lado do AS está do lado da
as honras, os gozos materiais etc. Este método tem, porém, um morte. Em nós, o que pertence ao S é o espírito e o que pertence
defeito, uma vez que, com a morte, o fruto de tanto trabalho se ao AS é o corpo. O que em nós é espírito não morre, e o que é
abisma todo no vazio. Depois dos grandes funerais, nada per- corpo morre. Então a morte é só do corpo, e não do espírito. Dis-
manece e tudo acaba no vazio. A realização do segundo obje- to decorre que, quanto mais próximos estivermos do AS e, por
tivo, embora escape nas nuvens dos ideais e implique na Terra isso, pertencermos à vida no plano material, ou seja, quanto mais
uma realidade de pobreza, servidão, humilhação, sofrimento o nosso eu for constituído pelo corpo, tanto mais ele tem de ficar
etc., tem a vantagem de oferecer a possibilidade de colher o sujeito à morte. Da mesma forma, quanto mais próximos esti-
fruto permanente de tanto trabalho. Depois de humildes fune- vermos do S e, por isso, pertencermos à vida no plano espiritual,
rais, abrem-se as portas de um mundo superior, onde se conti- ou seja, quanto mais o nosso eu for constituído pela alma, tanto
nua vivendo uma vida maior. menos ele tem de ficar sujeito à morte, porque possuí a vida. A
Sinceramente devo confessar que, agora, quando minha vi- morte está somente no corpo, na matéria – produto emborcado
da vai chegando ao fim, estou muito satisfeito por ter seguido pela queda no AS – e não no espírito, que é obra de Deus. Assim,
este segundo método, tendo mais sofrido do que gozado. Satis- quanto mais o ser evoluir e, portanto, espiritualizar-se, tanto me-
fação de ter levado a sério a vida, que pode tornar-se uma coi- nos estará sujeito à morte.
sa imensa, se lhe dermos também um imenso conteúdo. Satis- Imediatamente surge a distinção que existe entre o utopista
fação de não ficar chorando na velhice, com saudade de um evangélico e o homem vencedor em nosso mundo. Se a morte
passado que acabou, mas, pelo contrário, alegrando-me com a mata só o corpo, e não o espírito, eis que ela mata o homem da
aproximação de um futuro melhor, sempre desejado. Perante a matéria, mas nada pode contra o homem do espírito. Surge as-
morte que se avizinha, sinto claramente que o método do sim uma grande diferença. Eis como a morte revela o que um
Evangelho tinha razão e venceu, enquanto o método do mundo homem é de fato e torna-se assim a pedra de toque do seu valor,
falhou. Se este tivesse sido o método seguido por mim, eu es- marcando o resultado final do que ele escolheu praticar. Assim,
taria agora olhando para o abismo que se estaria abrindo aos quanto mais o ser é atrasado, tanto melhor é para ele o ambiente
meus pés, voltando tristemente a me apegar ao passado morto, humano, onde realiza os seus baixos instintos, gozando a vida,
na desesperada e vã tentativa de ressuscitá-lo. No entanto, pelo e tanto mais, para ele, a morte é morte. E, ao contrário, quanto
contrário, nada me pode dar tanta alegria como a sensação da mais o ser é adiantado, tanto pior é para ele o ambiente huma-
vida nova que se aproxima e o pensamento de que o tempo fa- no, onde luta para realizar os seus elevados instintos, sofrendo,
talmente me leva para ela, porque a morte não é o fim, mas e tanto menos, para ele, a morte é morte. Então a morte, que re-
apenas a libertação de uma forma de vida inferior, que abre as presenta para o primeiro o fim do próprio eu, significa para o
portas para uma outra superior. segundo apenas a sua libertação da casca material. Porquanto a
A morte, ponto final e conclusão da vida. Este é o assunto evolução saneia a doença da negatividade, é lógico que o ser,
que quero focalizar neste último capítulo e, com isso, encerrar evoluindo, vai-se libertando da morte, fruto da revolta. Assim,
este livro. A morte do homem material, astuto e egoísta, apreci- com a morte, o ser tanto mais tem de sofrer quanto mais ele é
ado pelo mundo porque sabe vencer, e a morte do homem espi- involuído, e tanto menos quanto mais ele é evoluído.
ritualizado, evangélico e altruísta, desprezado pelo mundo. A Compreende-se então a razão pela qual é tão natural o ser
morte que, para o involuído, situado do lado do AS, é queda, e atrasado ter medo da morte, consequência lógica da sua posição
a morte que, para o evoluído, situado mais próximo do S, por de involuído, próxima do AS. Mergulhado na ilusão da qual está
ter subido com seu esforço, é salvação. A morte que, para o feita toda a sua vida, ele julga que, com a morte, chega o fim de
148 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
tudo, enquanto o ser adiantado, pelo contrário, não a teme, pois Eis porque a existência terrestre, para resistir, tem de se sus-
sabe que se trata somente da continuação da vida numa forma tentar através de uma luta sem descansos contra infinitos peri-
melhor. As religiões ensinam essa verdade, mas apenas por meio gos e obstáculos, nos quais se expressa a negatividade do AS,
da fé, pois, para seres não evoluídos, que, por isso, não podem que a ameaça a cada passo. Isto tanto mais quanto mais o ser é
entender, este é o único expediente que se pode usar. E a fé não é involuído, abismado no AS, que é o reino da destruição e da
certeza, pois deixa os crentes na dúvida, como nos mostra o fato morte. Para o desgraçado que está mergulhado em tal atmosfera
de que eles, assim como os descrentes, têm medo da morte. Tudo de negatividade, a existência é sobretudo uma desesperada pro-
isto, porém, é providencial, pois é necessário que o ser atrasado cura de vida, para acabar arrancando apenas alguns momentos
fique amarrado ao terreno das duras experiências terrenas, que, fugidios, nunca sendo possível atingi-la na sua plenitude. É por
apesar de dolorosas, são indispensáveis para ele evoluir e repre- isso que a vida do homem está ameaçada a cada passo pela
sentam o único meio de salvação. Por outro lado, também é lógi- morte e atormentada pelo sofrimento, tendo de ser conquistada
co que essa ilusão, necessária para os inferiores, desapareça com a toda a hora contra todos. Ao primeiro momento de fraqueza,
a evolução, que abre a inteligência para ao entendimento. qualquer cidadão de nosso mundo pode ser vencido e destruído
Eis então como e porque a vida do involuído está continua- por outro mais forte. Essa é a lei do ambiente terrestre.
mente repleta do medo da morte. Ele está desesperadamente A ciência afirmou a presença dessa lei da luta pela vida,
apegado a esta forma de existência, que, apesar de ser uma mas, sem entender a causa que a gerou, não explicou a razão da
forma inferior, é a única que ele conhece e, para ele, representa sua existência. Tal lei representa a condenação do decaído, que
toda a vida. Aqui é necessário esclarecer um fato. Viver signifi- tem de subir de novo, evoluindo com o seu esforço, para re-
ca existir e, por isso, é coisa tão fundamental, que nenhum ser, construir e ganhar duramente o que agora lhe faz falta, mas que,
por mais involuído que seja, pode renunciar à vida. Tudo o que antes da queda, ele possuía de graça, na maior abundância. É
existe deriva de Deus, e a primeira qualidade de Deus é o “eu por isso que o homem primitivo, se quiser sobreviver, tem de
sou”, isto é, a existência. Se o ser, ao erguer-se como Anti-Deus lutar contra as feras, os elementos desencadeados, os inúmeros
com a revolta, para estabelecer uma contra-Lei, caiu numa for- perigos e inimigos, cego pela sua ignorância e perdido no caos,
ma torcida de existência, nem por isso ele a perdeu ou tem de enquanto, com a evolução, tudo isso vai-se arrumando e melho-
aceitá-la nesta sua forma torcida. A revolta pôde, momentane- rando, até o homem, com o desenvolvimento da inteligência,
amente e na superfície, que pertence ao AS, apenas emborcar conseguir construir um ambiente mais favorável, dominando e
no negativo (morte = interrupção de vida), mas não aniquilar, o domesticando as forças da natureza e, também, transformando-
princípio fundamental do “eu sou”, que está em Deus, isto é, na se em ser civilizado, que sabe conviver com os seus semelhan-
profundeza, pertencente ao S. Eis a razão pela qual este princí- tes, não mais seus inimigos, e sim colaboradores.
pio deve permanecer indestrutível em todas as individuações Essa é a razão da tão miserável vida do cidadão do AS.
constituídas pelas criaturas, que não podem deixar de existir, Com a queda, não ficou nas suas mãos senão um farrapo de vi-
pois são centelhas inextinguíveis de Deus. A existência pode da, ao qual ele fica desesperadamente agarrado para não o per-
mudar, assumindo uma forma invertida, na qual, em vez de der. Não há conquista que não seja ameaçada pelo medo de
continuar inalterável, torna-se despedaçada a cada passo pela perdê-la, não há poder que não seja cheio de perigos, riqueza
morte, mas não pode ser aniquilada. O ser não possui o poder que não seja roída pela inveja dos rivais, glória que não seja
de se destruir, tornando-se definitivamente um não-ser, num es- enganada pela mentira da adulação etc. Neste nível, cada van-
tado de absoluta não-existência. Com a revolta, o ser pode em- tagem está fatalmente sepultada pela correspondente desvanta-
borcar, mas não eliminar a Lei. Por isso a morte aparece no AS gem, devida à negatividade do AS, de modo que aumentar a
como um parêntese transitório que a queda colocou no tempo, vantagem implica aumentar a respectiva desvantagem. Aconte-
dentro da vida, permanecendo não como elemento de destrui- ce, então, que a conquista de cada vez mais poderes, riqueza,
ção definitiva, mas somente como princípio negativo, oposto e glória etc. não leva, como o ser desejaria, só à obtenção de van-
antecedente ao princípio positivo da ressurreição, no qual está a tagens, mas também, devido à negatividade do ambiente do AS,
vida, que ninguém pode anular. O aniquilamento dos espíritos de qualidades negativas, que trazem necessariamente consigo
que desejarem insistir para sempre na sua revolta, como já vi- um aumento de todos os males e embaraços, aos quais aquelas
mos no Cap. II, é apenas uma possibilidade teórica para um ca- vantagens estão inseparavelmente ligadas.
so excepcional. A própria presença do AS, com o seu processo Mas é lógico que, quando o ser situado no AS procura, nes-
involutivo-evolutivo, já dissemos que representa apenas um pa- ta sua posição involuída, as doçuras do S, encontre no fundo
rêntese temporário dentro da vida eterna do S. delas o veneno e as amarguras do AS. É lógico que, num mun-
Ora, se a vida é uma inevitável necessidade para todos, en- do emborcado no negativo, não se possa, também quando se
tão aqueles que, devido à queda, encontram-se nos níveis mais buscam produtos positivos, encontrar senão produtos sempre
baixos e, por isso, não possuem nem conhecem outro tipo de prontos a se emborcarem no negativo. É lógico que, em nosso
vida, senão aquela destes níveis inferiores, têm de permanecer mundo, quanto mais quisermos possuir produtos positivos, para
apegados a esta sua única forma de existência, sejam quais fo- saciar a nossa fome de positividade, tanto mais seremos emba-
rem os sofrimentos que ela contém, lutando a cada passo para raçados e sufocados pelos produtos da negatividade. Na sua ig-
defendê-la da morte. No ambiente saturado de positividade do norância, o homem pretende cegamente realizar o absurdo de
S, a vida é naturalmente boa e eterna, sem esforço, tal como o atingir as satisfações do S, movimentando-se em descida, em
movimento nos espaços siderais, para os corpos que, em gran- direção emborcada, aprofundando-se sempre mais no AS, en-
des velocidades, saem do campo gravitacional da Terra. No quanto o seu anseio não pode ser satisfeito senão pelo caminho
AS, a vida não pode ser mantida senão ao preço de uma luta oposto, isto é, renunciando a tudo que é AS e reconstruindo,
contínua contra a negatividade, que quer destruí-la, assim co- com o seu esforço, tudo o que é S. Acontece então que, aumen-
mo o movimento de qualquer corpo próximo da superfície da tando os seus poderes, o ser não ganha, mas perde. Trata-se de
Terra, presos no seu campo gravitacional, exige esforço para uma nutrição às avessas, que, ao invés de saciar, aumenta a fo-
ser realizado. Assim como o homem, no seu ambiente, tem de me e, ao invés de sustentar, envenena. Tudo é lógico e não po-
extrair a energia do seu esforço muscular, enquanto há dela deria ser diferente. Temos, assim, também uma explicação ra-
uma quantidade ilimitada no universo, o ser do AS também cional para os ditames sustentados pela ética e pelas religiões,
tem de ganhar a sua vida com o esforço de uma luta contínua, bem como para a inconciliabilidade entre Cristo e o mundo.
enquanto há vida sem limites para quem está no S. ◘ ◘ ◘
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 149
Observamos o que é a morte e a vida para o biótipo atrasa- agride os bons, julgando-os fracos, explorando-os e esmagan-
do, cidadão do AS, forte e hábil vencedor em nosso mundo. do-os, acreditando com isso vencer e ganhar. No entanto estes o
Observemos agora o que acontece do lado oposto, isto é, o que utilizam a fim de serem expelidos para fora do inferno, dentro
é a morte e a vida para o biótipo evoluído, que vai se aproxi- do qual os seus agressores, com sua ação, vão-se radicando ca-
mando do S, o homem evangélico, que o nosso mundo despreza da vez mais. Os bons e perseguidos sofrem, mas sobem e, su-
como fraco e utopista. bindo, ganham. Os maus e os perseguidores vencem, mas des-
A maior punição para o involuído, que se encontra do lado cem e, descendo, perdem a partida maior. Mas isto, pela sua ig-
do AS, é automática e está no fato de que, na sua ignorância, ele norância, eles não entendem, nem adianta explicar-lhes. Tudo
julga ser a sua vida a única e verdadeira, tomando a sério, assim, isso, porém, é entendido por quem subiu com o seu esforço e,
uma vida que é somente uma existência inferior de condenado. subindo, amadureceu, conquistando o conhecimento.
A maior vantagem para o ser adiantado, que se encontra do lado Vemos aqui como funciona o jogo das ilusões do mundo. O
do S, está no fato de que ele não aceita tal ilusão, porque enten- homem está cercado de enganos. Ele acredita ser um vencedor,
deu que a verdadeira vida é outra, a imorredoura, e não a tempo- quando, na verdade, é um vencido. Ao praticar o mal, acredita
rária e perecível na matéria. Eis que existe para ele uma vida que fica impune, escapando às consequências das suas ações e à
maior e melhor, pela qual se justificam e se compensam os so- justiça de Deus, mas não sabe que às reações da Lei ninguém po-
frimentos humanos e na qual não há morte. Ressuscitando e de fugir. Enganado por sua miopia, em razão da qual, baseando-
continuando, a vida vence a morte, encontrando finalmente um se na sua curta vida atual, ele julga ser essa toda a vida, o homem
apoio firme em algo estável e verdadeiro, que não pode ser des- conclui, observando as maldades praticadas por seus semelhan-
truído e não se resolve numa ilusão. Então este homem, que o tes, que eles não sofram consequências imediatas. O homem não
mundo julga ser um sonhador e viver fora da realidade, é o úni- entende que esse processo é lento e complexo e que o pagamento
co a ter sua vida apoiada num ponto positivo, que não acaba das dívidas se faz em outras vidas sucessivas. Isto acontece assim
num engano, como acontece com as coisas do mundo. Tudo de- pelas seguintes razões: 1) A eternidade não tem pressa; 2) A jus-
pende da forma mental que possuímos, com a qual julgamos tu- tiça de Deus não está fechada dentro da pequena medida de nos-
do. É lógico que o ser, vivendo emborcado no AS, julgue verda- so tempo; 3) Antes de se redimir com o pagamento, o ser, entre
de o que é ilusão, porque, pela sua própria posição, ele não pode uma vida e outra, pode refletir e compreender melhor, porque es-
deixar de ver tudo às avessas. E é lógico, também, que o ser tá fora da ilusão dos sentidos; 4) Finalmente, pelo fato de precisar
próximo do S julgue a ilusão de fato uma ilusão, porque, pela ser organizada de outro modo, uma existência de pagamento e
sua posição, ele não pode deixar de ver tudo de maneira correta. expiação tem de basear-se sobre condições diferentes daquelas
É esta diferente visualização que desloca os conceitos e os valo- constituídas pela vida atual, na qual foi cometido o mal.
res dos dois biótipos. Se quisermos então conhecer como o ser É lógico que o panorama da vida apareça completamente di-
mais adiantado, próximo do S, vê e julga o mundo, basta inver- ferente, conforme o olhemos de cima para baixo ou de baixo
ter o julgamento que o mundo faz dele e de si próprio. para cima. É lógico também que o ser, ao evoluir acima do co-
Para o evoluído, a vida terrestre representa um inferno adap- mum nível humano, julgue e conceba a vida de maneira dife-
tado para feras, ambiente que, para os atrasados, pode até pare- rente. É natural que, conquistando outras qualidades e tendo de
cer civilizada. A moral comum aconselha a superação da ani- realizar outro trabalho, o ser não possa deixar de se sentir des-
malidade com o desapego das coisas do mundo. Mas o evoluído terrado e estrangeiro em nosso mundo, onde tem de tropeçar a
não sente apego, e sim enjoo delas. Este é o estado de quem não cada passo em coisas que não correspondem à sua natureza,
somente despreza o que a maioria mais procura e gosta, mas com as quais ele não pode construir a sua vida.
também sente por tudo isto uma instintiva repulsa, que repre- Assim o fenômeno da morte se torna uma coisa diferente,
senta a fase final de superação e libertação, na fuga definitiva conforme a natureza do indivíduo que tem de enfrentá-la. Es-
para fora do ambiente terrestre. Neste caso, o ser experimentou quecê-la não é possível, porque a vemos aparecer entre nós a
a tal ponto os enganos do mundo, que, para ele, pelo fato de todo o momento, conduzindo um ou outro, sempre pronta para
haver entendido o jogo das ilusões, não se trata mais de um es- todos. O homem do mundo procura não vê-la, atordoando-se
forço de virtude para não desejar riquezas, honras, poder e go- com a corrida atrás das coisas materiais, que lhe dão a ilusão da
zos materiais, mas sim do fato de que, pelo contrário, ele não realidade, enchendo de barulho os sentidos ou procurando es-
pode deixar de rejeitar com um sentido de repugnância tal tipo quecê-la, adormecido na inconsciência. Mas um secreto terror
de satisfações, apesar de serem tão procuradas pela imbecilida- se aninha em sua alma, quando ele pensa neste fim, que lhe ar-
de humana, recusando-as com náusea, revoltando-se contra elas ranca tudo o que mais ama e defende. Pelo contrário, o homem
sobretudo porque são a causa de tantas maldades e crimes, co- espiritual, perseguido pelo mundo, pensa com tranquilidade na
metidos por quem, devido ao seu egoísmo, semeando tantos so- morte, porque, estando o seu tesouro nas coisas espirituais que
frimentos, faz delas o maior objetivo da vida. Mas os atrasados leva consigo, ela não tem o poder de lhe tirar nada. Quem vive
não se apercebem que monstruosidade repelente e horrível re- em função não do mundo, mas de uma existência superior, nada
presenta, para os mais adiantados, a falta de sentido moral. perde deixando a Terra, pois sabe que assim, pelo contrário, sa-
Esta é a posição de quem vive a última das suas encarna- irá do inferno, e regozija-se pela sua libertação.
ções terrestres. A esse ponto, depois de ter seus olhos abertos Sendo os dois tipos biologicamente situados nos antípodas,
por tantas experiências dolorosas, todos terão de chegar. Tal é a é lógico que as suas concepções sejam uma o reverso da outra.
psicologia de despedida do inferno terrestre, no qual os vence- Para o homem do mundo, a morte é o término da vida; para o
dores do mundo, que atormentam os bons, julgando-os ineptos, homem espiritual, ela é o início de uma vida mais alta. Para o
terão de ficar, enquanto não tiverem, com o seu esforço, percor- primeiro, a morte é uma condenação que destrói a felicidade,
rido todo o caminho que leva para a libertação. Quem está ape- para ele situada no corpo; para o segundo, a morte é uma liber-
gado a um mundo inferior tem, devido ao seu próprio apego, de tação que abre as portas à felicidade, para ele situada no espíri-
voltar a ele. A condenação é automática, devida à própria natu- to. Para o primeiro, a morte é morte; para o segundo, é ressur-
reza do ser. Até que tenha aprendido toda a lição através de in- reição; para um, ela é motivo de tristeza, porque tira a vida; pa-
contáveis dores e desilusões, esse tipo de homem ficará preso a ra o outro, é motivo de alegria, porque traz um aumento de vi-
essa forma de existência e a todos os males a ela inerentes. A da. É natural que a evolução leve a um aumento de positivida-
vitória do homem do mundo é a sua maior condenação, pois de, ou seja, de vida, e que, nos níveis mais involuídos, prevale-
constitui aquilo que o prende sempre mais à sua prisão. Ele ça a negatividade, ou seja, a morte.
150 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
Quanto mais perto do AS está o ser, ou seja, quanto mais a O mais adiantado, que entendeu a mecânica desse jogo, cho-
sua vida está no corpo ao invés de estar no espírito e, assim, ra sobre tanta ignorância e miséria. Ele quer fazer alguma coisa
mais na superfície ou forma ao invés de na profundeza ou subs- para salvar os seus irmãos menores, mas estes se apressam a
tância, tanto mais destruidora é a morte. Enquanto não acordar crucificá-lo. Assim, tal ajuda é repelida, ficando em pé a miséria
na vida do espírito, tornando-se vivo e consciente nesse nível, o e a vergonha do mundo. Eles não entendem, e não adianta expli-
ser não poderá gozar da sua imortalidade. Enquanto o ser se car-lhes. Quando, movidos pelo originário instinto de positivi-
identificar com seu corpo, julgará que morrerá, quando o corpo dade do S, eles procuram cheios de afã levantar na Terra as suas
morrer. Assim, quem não aprendeu a estar vivo e consciente no construções, sem entender que, pelo fato de pertencerem a um
espírito não poderá sobreviver acordado após a morte, mas mundo feito de negatividade, situado no AS, aquelas constru-
apenas adormecido. É lógico que, estando convencido de que a ções não podem durar e têm de cair, terminando tudo num enga-
vida está apenas no corpo, quem perde o corpo tenha a sensa- no. Para que censurar, se cada um, pela sua própria natureza,
ção de ficar sem vida. Assim ele continua vivendo, mas num traz em si mesmo o seu prêmio ou a sua condenação? Nada se
estado de asfixia, sozinho nas trevas, desesperado no vazio, pode acrescentar ou tirar à perfeição da justiça de Deus, pela
perdido no vácuo de si mesmo. qual, automaticamente, cada um recebe o que merece.
A terrível autopunição do involuído é a sua ignorância, ◘ ◘ ◘
pois ela o deixa acreditar que, apegando-se às coisas do mun- Já vimos que, na Terra, são conhecidos três planos de evo-
do, possa ganhar a vida, quando de fato ocorre o contrário, lução: 1) O nível da fera, que usa o método da força; 2) O nível
pois, desse modo, ele desce e se enraíza cada vez mais no AS, do homem, que, quando não é fera, usa o método da astúcia; 3)
o reino da morte, sendo levado a perder a verdadeira vida, ao O nível do super-homem, que usa o método da honestidade e da
invés de ganhá-la. Essa é a lógica consequência da posição justiça. Estes níveis situam-se um acima do outro. Cristo ensi-
emborcada em que se colocou o ser com a revolta, pela qual nou o método do nível mais adiantado, no qual, transformando-
ele não pode deixar de conceber tudo às avessas. Quem esco- se por evolução, terão de chegar os outros. Assim, Cristo ante-
lhe o caminho da descida vai para a morte, e quem segue o cipou e preparou as novas realizações do futuro, indicando-nos
caminho da subida vai para a vida, assim está escrito nas pró- um mundo onde basta cada um cumprir o seu dever a respeito
prias leis da existência, e ninguém pode impedir. dos outros, para que os outros o cumpram em relação a ele, um
Paralelamente, o oposto ocorre ao evoluído. Enquanto o ser mundo às avessas do atual. Neste, onde se fareja de longe o tipo
atrasado luta desesperadamente para conservar a sua efêmera honesto, para explorá-lo, acreditando-se que a inteligência con-
vida inferior, seu único tesouro, o adiantado não consegue su- siste em não fazer o seu dever, mas sim aproveitar-se dos que o
portá-la senão transformando-a num meio para realizar alguma fazem, o jogo é bonito e gostoso. Há, porém, os irrefreáveis
coisa superior, que concorde com os seus instintos e pertença impulsos da evolução, que não podem deixar de acabar limpan-
ao seu plano de vida. A orientação e os objetivos da vida do do o mundo de tal imundície. Então tais seres inteligentes às
evoluído estão nos antípodas aos do involuído. O primeiro é avessas serão pela própria vida eliminados do nível humano e
idealista, o segundo materialista. Este realiza toda a sua vida impelidos para planos inferiores, porque o progresso pode cada
aqui na Terra; aquele a realizará na sua plenitude somente ama- vez menos tolerar os seres não civilizados.
nhã, porque, para ele, a verdadeira vida se inicia no momento Com o exemplo, Cristo nos mostrou a superioridade do seu
em que tudo, para o outro, parece acabar com a morte. Conven- método, porque, se Ele se deixou crucificar, as leis da vida de-
cido de se encontrar numa posição mais vantajosa, o mais adi- pois constrangeram o mundo, por milênios, a se ajoelhar peran-
antado gostaria de ensinar o segredo da sua vida superior ao in- te a Sua imagem de crucificado. Diante da figura de Cristo, o
voluído, para o bem dele, e essa transmissão de conhecimentos homem tudo pode fazer, menos ficar indiferente. Apesar de ne-
se torna a finalidade da sua existência terrena. Mas o atrasado, gar e rebelar-se, ele não pôde deixar de ter que engolir a doutri-
encontrando-se proporcionado às suas trevas, não quer ser in- na de Cristo, porque ela está escrita na lei de evolução da vida.
comodado por nenhuma luz que o impulsione a fazer o esforço E tanto isso é verdade, que, quando os melhores não são escu-
de realizar em si essa reforma revolucionária. Então ele repele a tados, os piores são chamados pela história, para impor aquela
ajuda, respondendo com a revolta e a agressão, que é a lei do doutrina (justiça social) com o método dos inferiores. As religi-
seu plano, escrita nos seus instintos, perfeitamente convencido ões cristãs, não importa se sem acreditar nem praticar, tiveram
que tudo isso corresponde à verdade. de proclamar e sustentar o método de vida de Cristo, pregando
A conclusão é que tudo vai bem para quem, na Terra, está a honestidade e a justiça. Bilhões de indivíduos, durante milê-
situado no seu nível evolutivo, que representa o ambiente a ele nios, tiveram de conhecer essa doutrina e exemplo, ouvindo
proporcionado. Aqui ele pode realizar a sua vida conforme a aquelas palavras, que o mundo não pode silenciar. Os maduros
sua natureza. Mas tudo vai bem apenas enquanto o jogo de uma encontraram em Cristo um refúgio e a justificação para a sua
vida, que depende da efêmera existência de um corpo físico, conduta, que o mundo julga loucura. Assim eles não estão mais
não acaba. Pelo contrário, tudo vai mal para quem, na Terra, sozinhos, porque há alguém que endossa o seu comportamento.
não se encontra no seu nível evolutivo, ou ambiente a ele pro- Por isso eles se agarram a Cristo, único sustentáculo seu no
porcionado. Aqui ele não pode realizar a sua vida conforme a desterro terrestre, juntando-se à pequena turma dos Seus segui-
sua natureza, mas tem de suportá-la, com muito sofrimento. Se, dores, unicamente onde podem encontrar seus companheiros de
porém, tudo vai mal até à morte, a efêmera existência de um luta e de martírio, para realizar, seguindo as pegadas de Cristo,
corpo físico que aprisiona o espírito não pode durar para sem- a grande tarefa de civilizar o mundo.
pre e, depois do cativeiro, tudo termina na libertação, pois a vi- Mostrando qual é a posição do involuído e a do evoluído
da, ao invés de acabar na morte, continua para ele numa vida nos seus respectivos planos de existência, indicamos também
maior. Eis então que os primitivos, sedentos de vida, reprodu- qual é o caminho que o primeiro tem de percorrer para atingir o
zem-se irresistivelmente, para depois se matarem uns aos outros nível do segundo. Este é o trecho humano do grande caminho
nas guerras. Eles têm de ficar apegados a um mundo onde cada ascensional do ser, que vai do AS ao S. Este é o caminho da
berço é um esquife, onde a geração serve para alimentar a mor- salvação, que destrói todas as tristes qualidades da negatividade
te, onde uma vida de lutas atrai mil enganos e tem de acabar na e leva para a conquista de todas as felizes qualidades da positi-
destruição do que mais foi almejado. O que não faz parte dessa vidade. Chamamos a esse caminho de subida, porque vai para o
condenação para eles é rejeitado como utopia, de modo que aperfeiçoamento, mas o poderíamos chamar também de desci-
acabam permanecendo na sua justa posição, como merecem. da, porque vai da superfície, onde está o AS, para a profundida-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 151
de, onde se encontra o S. Trata-se de diferentes imagens para ao impulso da vida, que, derivando do S, vai até ao AS, onde se
nos tornar inteligível a mesma realidade. manifesta na forma. Mas, logo que isto acontece, a negativida-
É nesta profundeza que está a verdade. É de lá que fala a voz de do AS começa a roer e vai consumindo o poder daquele im-
da vida; é de lá que se origina e procede a sua ação, abismando pulso, até prevalecer sobre ele, quando então chega a morte. No
as suas raízes até Deus. Ele está no centro do todo, de onde se primeiro momento, é o S que vence; no segundo, é o AS. Te-
manifesta em todas as formas, regendo todos os fenômenos, se- mos assim um universo dualista, devido à revolta que o despe-
gundo os princípios por Ele estabelecidos na Lei. É nesta pro- daçou em dois momentos opostos; na profundeza, a vida; na
fundeza que se encontra a sabedoria, a orientação, a energia, a superfície, a morte. A tarefa do S é sempre gerar a vida; a fun-
saúde, a ajuda moral e também material. É nela que se resolvem ção do AS é destruí-la. Se dentro do AS não existisse o S, isto
os problemas do conhecimento e se encontram a bondade, o po- é, se o nosso universo não fosse animado e sustentado pela pre-
der e a justiça. Tudo desce daquela primeira fonte, que é Deus. sença imanente de Deus, tudo teria fracassado há muito tempo,
Quanto mais o ser é involuído, tanto mais ele está situado na destruído pela negatividade do AS. Se esta não existisse, como
periferia do todo, representada pelo AS, com todas as suas qua- acontece no S, então não existiria morte e a vida seria eterna.
lidades. Quanto mais o ser é evoluído, tanto mais ele está situa- É assim que, quanto mais o ser no AS está longe do S, tanto
do perto do centro do todo, representado pelo S, com todas as mais ele é matéria inerte, na qual a consciência do espírito está
suas qualidades. Dentro da casca exterior, representada pelo adormecida, ao passo que, quanto mais o ser no AS, evoluindo,
nosso universo material, reino dos rebeldes (expulsos do S), aproxima-se do S, tanto mais ele adquire vida e se potencializa
que vivem na ignorância e no sofrimento, há um núcleo de na- como vida, acordando a consciência do espírito. É pelo fato de
tureza oposta, representado pelo universo espiritual do S, reino significar aproximação do S, que a evolução representa uma
de Deus, onde domina a sabedoria e a felicidade. conquista de vida. É por isso que, com a evolução, cada vez
Mas os dois reinos não são separados, e sim contíguos, de mais se fortalece o poder da vida e se enfraquece o da morte,
modo que podem se comunicar. O S, que está no centro, irradia até que, ao se concluir o processo evolutivo, com o regresso ao
continuamente as suas qualidades de positividade e de vida para S, o AS, e junto com ele a morte, desaparecem e a vida volta a
o AS, que está na periferia. Este, pela sua natureza invertida, ser eterna, acima da dimensão tempo, produto da queda, agora
constitui-se somente de negatividade e de morte, de modo que, reabsorvido pela evolução.
se fosse deixado sozinho, a si mesmo, estas suas qualidades o Mostramos neste volume os duros efeitos da queda, mas
destruiriam. Há, porém, esta contínua irradiação de positividade também os caminhos da salvação. Temos agora o diagnóstico
e de vida, que, nascendo do S, penetra, alimenta e, assim, salva do mal e os remédios para o tratamento. A conclusão é que,
o AS da destruição, compensando e corrigindo suas qualidades com a evolução, temos nas mãos a chave de nossa salvação, o
de negatividade e morte. meio para a conquista da felicidade e da vida eterna. Se, com
Por outras palavras, o Deus transcendente, que está além do a revolta, o ser involuiu no AS, ele pode, com a evolução, vol-
nosso universo atual, no S, estende e faz chegar, do centro on- tar ao S. Esta nossa conclusão não é novidade, porque é uma
de Ele está situado, a sua ação até à zona periférica, de super- ética que coincide com a ética do Evangelho e com aquela re-
fície, isto é, no AS, e permanece aí presente na forma de Deus petida pelas religiões, num consentimento quase universal,
imanente, representando o princípio da vida, que sustenta todas que a confirma, provando a verdade das nossas teorias. A no-
as formas, e a inteligência que, com a Lei, dirige o funciona- vidade está na forma mais convincente, na qual apresentamos
mento de todos os fenômenos. As fontes da vida estão no S, tal verdade. As religiões se apoiam na fé cega, porque fala-
que, através das irradiações da sua positividade, subindo da vam e ainda falam a seres que não podem entender o valor das
profundeza, continuamente reconstrói o que a negatividade do provas racionais e ficar convencidos, incapazes de serem im-
AS, na superfície, constantemente destrói. É assim que Deus, pressionados pela sua lógica. Nem a filosofia abstrata, nem a
as fontes da vida, o S, estão dentro de tudo o que existe e, por- ciência, limitada ao que aparece objetivo, podiam tornar atual
tanto, dentro de nós, sendo aí, descendo na profundidade de e introduzir na vida essa ética.
nosso ser, que os poderemos encontrar. Para chegarmos às nossas conclusões, era necessário possuir
Explica-se desse modo como, na luta entre a vida e a mor- uma visão clara da estrutura do universo, mostrada em nossos
te, S e AS, em nosso mundo, a vida vence a morte. A razão es- livros precedentes. Para que tais conclusões fossem aceitáveis,
tá no fato de que o S é obra de Deus, sendo mais forte do que o era preciso apoiá-las no único argumento que todos entendem e
AS, obra da criatura. De fato, vemos que as construções hu- que a todos convence, de valor prático e concreto, ou seja, a
manas, para resistir à destruição, necessitam de uma manuten- própria utilidade. É sobretudo nisto que nos baseamos. Aqui,
ção contínua, que se pratica pelo trabalho do homem, de fora neste volume, não se trata de voos místicos ou de arremessos
para dentro, enquanto as construções da vida automática e fideístas, o que já algures foi feito, mas do simples cálculo das
constantemente se reconstroem, intimamente alimentadas de vantagens que compensam o esforço evolutivo. Não basta dizer
dentro para fora (reconstrução dos tecidos celulares etc.). É as- que a salvação está na evolução. A evolução representa um tra-
sim que, por exemplo, se deixarmos abandonada uma cidade, balho duro, e quase todos querem fugir dele. Então, para que
quando aí voltarmos depois de um século, encontraremos ape- fazê-lo? Para ser ouvido, é necessário provar que este trabalho é
nas ruínas. Se, pelo contrário, deixarmos abandonado um cam- compensado com uma utilidade nossa, mostrando como, quan-
po plantado de árvores, depois de um século, encontraremos aí do e por que isto ocorre. A fé sozinha nos deixa sempre um
um espesso bosque. A diferença está no fato de que os edifí- pouco duvidosos, tanto que, para a sustentá-la, foi necessário
cios de uma cidade, como toda obra humana, são um produto apoiar-se no inferno, já que o paraíso prometido pelas religiões
tipo AS, obra apenas do homem, e, por isso, não estão ligados parece não convencer muito os crentes, que, com o risco de me-
pelas suas raízes às fontes da vida, que estão em Deus. Deus recerem o inferno, muitas vezes preferem o bem pobre, mas
cria operando de dentro para fora, provando que o S está no in- menos nebuloso, paraíso inteligível e concreto das coisas terre-
terior do AS. O ser destrói de fora para dentro, matando o cor- nas. Não esqueçamos que a vida e, por isso, o ser são utilitários.
po, provando, dessa forma, que o AS é exterior ao S. Cada um Cada um faz os seus cálculos e, antes de se movimentar, estuda
trabalha conforme a sua posição no todo. se convém fazer o esforço necessário para ser compensado, ca-
Em nosso mundo, encontramos os dois elementos: o cons- so contrário não o faz. Na prática, a pregação de sacrifícios por
trutivo do S e o destrutivo do AS, a vida e a morte, em luta en- ideais teóricos de virtude não convence ninguém. Essa é a rea-
tre si. Quando um ser nasce em nosso mundo, este fato se deve lidade, lógica e natural consequência do que o homem é de fato.
152 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
Eis por que, neste livro, procuramos dar provas do dano que práticos e positivos quisemos provar que não só vale a pena,
recebemos ao cometer erros, bem como da utilidade que atingi- mas também é bom negócio, de fato o melhor possível, tomar o
mos, se cumprirmos o esforço de evoluir, seguindo os ditames Evangelho a sério e vivê-lo.
de Cristo. Este nos pareceu o melhor comentário possível para Trata-se do nosso sofrimento ou da nossa felicidade, proble-
demonstrar a verdade do Evangelho. Assim ele se torna atual e ma fundamental. Explicar racionalmente qual é o melhor método
prático, necessário a toda a hora no meio de nossa vida, também para alcançá-la, é a minha grande vingança contra os meus seme-
fora do ambiente fechado das religiões particulares. Por isso lhantes, pelas espoliações e esmagamentos que, para cumprir o
demonstramos que estar do lado de Cristo não significa ser fra- meu dever, tenho recebido ao longo de minha vida, num mundo
cos e vencidos, como o mundo julga, mas sim fortes e vencedo- onde, infelizmente, aparentemente, o maior crime, o mais des-
res; não significa ser ignorantes, mas sim sabedores, porque me- prezado, punido e raramente perdoado, é ser honesto. Que se po-
lhoramos as condições de nossa existência, enquanto o contrário de fazer de mais útil para o bem dos outros, coisa urgentíssima
acontece para os vencedores do mundo, vítimas das suas ilusões, em nosso mundo? Não será procurar civilizar os primitivos, ex-
em virtude das quais, acreditando ganhar, eles perdem. plicando-lhes onde está a sua verdadeira vantagem, para que eles
Assim, contra a moral dominante nos fatos, aparentemente não sofram mais, continuando sempre a cometer erros?
verdadeira, demonstramos a verdade da moral oposta, aparen-
temente absurda, que está no Sermão da Montanha e nas bem- São Vicente, Páscoa de 1961.
aventuranças do Evangelho. Trata-se somente de nos tornarmos
mais inteligentes, a fim de compreender o truque dos enganos FIM
do mundo, para não cair mais neles, e entender que o caminho
para obter a nossa verdadeira vantagem é outro. Aos homens
Pietro Ubaldi A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS 153
I. VERDADES E MORAIS RELATIVAS
A TÉCNICA FUNCIONAL
Vemos, na realidade, que a verdade é uma abstração. O que
DA LEI DE DEUS existe, de fato, são as pessoas que nela creem. Desta forma, uma
verdade só existe na Terra enquanto vivem as pessoas que acre-
PREFÁCIO ditam nela. Isto acontece porque não existe, em nosso mundo
(AS), uma verdade universal. Assim encontramo-la, muitas ve-
zes, fragmentada em infinitas verdades particulares, que são de-
Com o presente volume, vamos realizando o desenvolvimen-
finidas pela percepção de cada indivíduo. Estas, porém, repre-
to da Segunda Obra, que constitui uma série de aplicações e
sentam o ponto de partida e a matéria prima para a reconstrução
consequências da teoria em que a Obra se fundamenta. Foi da verdade universal do S, o que se consegue pelo princípio das
possível, desse modo, submeter a teoria a um controle experi- unidades coletivas, isto é, por reagrupamentos sempre mais vas-
mental, colocando-a em contato com os fatos, para buscar a tos de mentes que aderem a uma verdade particular, reciproca-
verdade e obter assim um sólido testemunho. O fato de que a mente atraídas por afinidade. Evolui-se, assim, em direção a
prática confirma a teoria nos dá total segurança. unidades coletivas cada vez mais amplas, cujas partes, antes de
Creio, pois, que mantive o compromisso assumido e cumpri se unificarem (S), enfrentam-se entre si para destruir-se (AS),
o dever de explicar tudo às almas sedentas de conhecimento. uma acusando a outra de erro, enquanto não passam de aspectos
Desejo-lhes que seja seu grande júbilo, como foi o meu, com- diversos da mesma verdade, lutando para entender-se e, enfim,
preender tudo e ver com clareza os grandes problemas da vida, unificar-se. Que a evolução leve à unificação das verdades parti-
saindo do estado nebuloso da fé e do mistério. De volume em culares, vemo-lo hoje na religião e na política, com a universal
volume, conduzi o leitor através do longo caminho do conhe- tendência à unificação, cuja finalidade é sanar o estado de cisão
cimento, e agora, atravessado esse oceano, creio termos che- e luta que prevalecia no passado. É assim que, através da unifi-
gado juntos ao porto. Ensinando-lhe a dar à vida um sentido cação das verdades relativas particulares, chega-se à concepção
altíssimo, pude demonstrar-lhe essa possibilidade de suprema de uma verdade cada vez mais vasta. Certamente existe a verda-
de universal absoluta, mas ela é uma longínqua meta da evolu-
utilidade, dando à minha própria vida uma expressão que a
ção e, hoje, para o homem, somente existe na medida dada pela
tornasse digna de ser vivida.
aproximação que ele atingiu da sua compreensão, em proporção
Não ofereci fé, mas segurança; não apresentei mistérios, ao desenvolvimento de sua forma mental.
mas demonstrações; não convidei a crer, mas a compreen- Então, o que de fato encontramos hoje, aqui na Terra, são
der. De cada afirmação dei uma prova, baseada em fatos, e, agrupamentos de indivíduos de forma mental afim, que, por isso,
finalmente, depois de tê-las exposto, ainda submeti as teori- defendem uma verdade comum, relativa a eles e válida para seu
as a controle experimental. Este é o estilo da nova religião grupo. Assim as religiões são reagrupamentos de indivíduos que,
científica, aquela que, sem negar as antigas, mas sim conti- pela raça, história, posição geográfica, grau de evolução etc., en-
nuando-as e demonstrando-as, torna necessária sua aceita- contram-se de posse de um dado tipo de forma mental, que pos-
ção, assim como, para quem sabe pensar, é convincente tu- sibilita seu reagrupamento em torno de um determinado tipo de
do aquilo que é racionalmente demonstrado e experimen- verdade e, portanto, em torno de um dado pensador-chefe, que a
talmente controlado. Isso torna uma religião tão positiva e proclamou e que, ao morrer, deixou-a no mundo. Porém, se ela
universal quanto a ciência, colocando-a acima da rivalidade não corresponde à necessidade e gosto das massas, este guia, por
entre as divisões existentes. maior que seja, terá falado aos surdos, inutilmente. O fundador
É conhecido o conceito de uma lei que tudo dirige. Mas faz sozinho a metade do trabalho do lançamento de uma religião.
não basta falar dela em termos gerais. Por isso, neste volume, A outra metade depende da aceitação por parte das massas, que,
depois, transformam e adaptam tudo às medidas e formas que su-
adentramos-nos ao tema, para ver com que técnica funciona
as necessidades e capacidades exigem, para seu uso.
esta lei. O conhecimento alcançado é de extrema utilidade
Explica-se, assim, como as várias religiões do mundo conce-
prática, porque explica as causas da dor e o modo como não bem Deus e O adoram em formas tão diversas. Deus é o ponto
semeá-las, evitando assim as suas consequências. Desse mo- de convergência de todas elas, imensamente distante no Céu,
do, aprende-se a conhecer qual é a gênese de nosso destino e onde todas se encontrarão unidas um dia no futuro. Uma religião
a corrigi-lo, quando ele estiver errado. Verifica-se que a vida é a construção mental que o homem faz, para si mesmo, da con-
é canalizada ao longo de sua própria via de desenvolvimento cepção que ele pode atingir de Deus relativamente à sua nature-
e, assim, aprende-se a não viver loucamente, como acontece za, dada pelo seu nível de evolução. Trata-se, portanto, de uma
com os involuídos, mas de forma inteligente como os evoluí- concepção particular, e não universal, portanto impotente para
dos, de acordo com uma técnica verdadeira, à qual se pode conseguir unificações mais vastas dos que as conseguidas pelo
chamar de Técnica da Libertação. próprio grupo religioso. Tais verdades, assim, não superam os
Este livro, portanto, é prático, utilitário e benéfico, por- limites do grupo. Aponta-se para o absoluto, mas o absoluto está
que, através de uma cerrada psicanálise, nos conduz a Deus. no S, no alto da escala evolutiva, no extremo limite do grande
É um livro que, por meio de uma racional planificação da vi- caminho de subida, enquanto nós estamos no AS, inexoravel-
da, leva à redenção e à salvação. Mas, para compreendê-lo, mente mergulhados no relativo. É verdade que o universo está
seria bom ler os livros precedentes, os mais recentes, que de- pleno de Deus, não havendo ponto, momento ou fenômeno em
que Ele não esteja vivo e presente com Sua lei, que é pensamen-
ram origem a este, ou pelo menos um deles: “O Sistema”,
to diretor e vontade atuante. Mas também é verdade que o AS é
porque as referências à teoria ali exposta sobre o Sistema (S)
um invólucro que encerra e isola o ser como uma barreira, sepa-
e o Anti-Sistema (AS) são frequentes. Terminei esse trabalho rando-o da capacidade de sentir aquela presença e mantendo-o
em 1969, no meu octogésimo terceiro ano de idade, atraves- aprisionado, até que, com a evolução, ele consiga rompê-lo.
sando uma enfermidade que ameaçou matar-me. Mas o espí- O estado atual do homem diante da verdade é, portanto, de
rito venceu, a Lei funcionou como já descrevi neste volume, e separação, isto é, de cisão entre as muitas pequenas verdades
assim posso lançar-me ao trabalho de um novo livro, a fim de isoladas, egocêntricas e em luta entre si. Enquanto o involuído
que a Obra, nascida no Natal de 1931, esteja acabada no de- permanece fechado nos estreitos confins da sua pequena verda-
vido momento, isto é, no Natal de 1971. de individual, em antagonismo com a dos seus semelhantes, o
154 A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
evoluído é, ao contrário, levado a conhecer verdades sempre um meio para chegar à unificação, que é um dos grandes fins
mais universais. Com a queda, a unidade do conhecimento se da evolução. Vemos assim como tudo funciona e encontra a
fragmentou num caos de pequenas verdades rivais, em posição sua justificação e explicação lógica.
de disputa. Explica-se assim não só o atual estado divisionista, ◘◘◘
mas também o processo, hoje em ação, de reunificação, em Não só no campo da verdade e da religião encontramos
grupos cada vez mais vastos, dessas verdades separadas, que indivíduos que as aceitam, transformando-as em verdades e
são, na realidade, apenas diversos aspectos e modos de conce- religiões particulares para uso próprio. Também no campo
ber a mesma verdade, mas que, por não se conhecerem, conde- da moral, não encontramos uma única e universal, mas tan-
nam-se reciprocamente. No entanto o processo evolutivo é de tas quantas são as consciências individuais. Não falamos
unificação, e ele já se iniciou e se realizará sempre mais no aqui da moral oficial, altamente proclamada e pregada, para
campo religioso, assim como para as nações no campo político. uso da massa, feita de normas gerais, que deveriam regular-
Com a queda, o ser se fechou nos limites dimensionais do lhe a conduta. Isto é o que se diz, mas falar serve frequente-
espaço e do tempo. Assim, a forma mental humana, que é seu mente para mascarar o que se faz. Falamos aqui da verdadei-
instrumento, foi construída em função de tais limites. O ponto ra moral, aquela que, apesar de ninguém mostrar, é aplicada
de partida e de referência para cada concepção do indivíduo foi conscientemente por todo indivíduo, segundo sua própria na-
o terreno de sua propriedade, sobre o qual está a casa em que tureza e forma metal, as duas únicas bases que ele possui pa-
vive com a própria família. Eis, então, a ideia de confim e de ra julgar e se orientar. Esta é a moral da qual somos verda-
defesa contra os invasores, que são estranhos e estão ao seu re- deiramente convencidos, mas que fica escondida, por ser po-
dor, desejando entrar, como se entrassem nos próprios terrenos, sição de batalha e arma na luta pela vida.
para roubar as mulheres e os haveres, a fim de satisfazer às du- Dessas morais individuais existem tantas quantas são as
as necessidades básicas da vida: sexo e fome, correspondentes posições de cada um ao longo do caminho evolutivo. Os ínti-
às necessidades de sobrevivência da raça e do indivíduo. mos julgamentos variam de acordo com as posições assumi-
É sobre esse esquema que se constrói o castelo, para guerre- das, que representam o ponto de vista pelo qual cada um olha
ar contra todos. Hoje, esse castelo não tem muros e fossas, mas o mundo. Assim, um involuído julgará tolo um evoluído que
barreiras legais, econômicas, morais e sociais. O princípio é o se sacrifica pelo ideal e, do sacrifício deste, só perceberá o
mesmo, quer se trate de indivíduos ou de povos. Luta-se para modo de aproveitá-lo em vantagem própria. Por sua vez, um
invadir e para não ser invadido, em todos campos e níveis. evoluído se ofenderá com o modo materialista pelo qual o in-
O homem levou consigo, para o campo espiritual, essa voluído entende a religião, limitada a práticas exteriores, va-
forma mental. Assim, ele constrói a sua própria visão da vida, zias de espiritualidade e, ainda pior, reduzidas a dogmatismo,
constituída pela sua verdade, aquela que mais lhe serve para fanatismo, proselitismo e intransigência agressiva contra ou-
viver. Ele a considera como sua propriedade e a defende con- tras religiões. Tais métodos são contra a moral das religiões,
tra as outras verdades, as quais, por sua vez, são construídas porém, mesmo assim, são usados, porque correspondem a
por outros homens, que igualmente as defendem e delas se uma outra moral, aquela real, aplicada aos fatos.
servem como propriedade sua. Esta não é a moral ideal, que o futuro haverá de realizar
Temos, assim, verdades limitadas, para uso próprio, relati- através da evolução, mas é a presente, tal qual se vive. Uma
vas a cada um, ciumentas, inimigas uma da outra. Estão sepa- moral biológica, que funciona na realidade, não fundada sobre
radas, mas cada uma é um centro de consciência e conheci- a compreensão e a cooperação, mas sim na luta para impor-se,
mento, constituindo um foco em expansão. Cada verdade ten- porque só o vencedor tem direito à vida. A outra moral é ape-
de assim a dilatar-se, invadindo o campo da consciência e da nas teórica, sendo repetida em voz alta para esconder o estado
vida do outro. O princípio imperialista é uma qualidade hu- de involução em que ainda se encontra o animal humano. A
mana que se revela em cada manifestação, tanto no terreno praticada de fato é esta moral biológica, egoísta e estritamente
político como no religioso, dando lugar a guerras que, na utilitária, anteposta a um fim importantíssimo, que é a defesa
substância, são da mesma natureza. da vida, continuamente a ameaçada por um mundo hostil.
É assim que, à maneira de cada povo, cada religião tende Ora, isto não significa que o homem, por segui-la, seja mau
à conquista e, além de ser proselitista e dogmática, quer in- ou tenha má fé, só pelo fato de não praticar a moral que ele de-
vadir e dominar as consciências. Daí vem a intransigência e fende em palavras. Simplesmente ele não está amadurecido pa-
o absolutismo egocêntrico, surgindo então o fenômeno do ra saber viver ao nível do ideal, aplicando-lhe os princípios.
imperialismo religioso. Ele não é imoral, mas amoral.
Tudo isto tem uma explicação. Com a queda, a verdade se Imaturidade não é maldade. Portanto ele não é culpado.
fragmentou em inúmeros momentos separados, egocêntricos Simplesmente cuida de resolver o problema mais urgente: so-
e inimigos, em luta para sobrepor-se um ao outro, gerando o breviver, tratando de ser prudente para não se arriscar em peri-
caos. Para fazê-los voltar ao estado de ordem, em posição gosas explorações nas desconhecidas terras do ideal. Deixa tu-
unitária, não há outro modo senão reagrupar, gradualmente, do isso para o futuro e pensa que, havendo a eternidade, não há
em unidades sempre maiores, os elementos rebeldes e sepa- por que se apressar. Fica então ligado à matéria, à parte anima-
rados, impondo-lhes à força uma disciplina contra a sua von- lesca, apoiando-se na mais segura realidade biológica. Ele tem
tade de desordem e separatismo. Esta é, de fato, a história e a boa fé, porque, no seu nível de evolução, toda a consciência
técnica construtiva dos agrupamentos humanos, tanto políti- que ele, por haver conseguido formá-la no passado, possui ago-
cos como religiosos. Temos sempre um chefe que, com mei- ra – fruto de uma longa experiência conquistada através de du-
os materiais e espirituais, faz de si o centro e se impõe por ras provas – assevera-lhe que é necessário permanecer utilita-
um poder superior. Temos assim a fase do conquistador, de- rista, sem se deixar desviar por caminhos perigosos, e continu-
pois a do poder e, por fim, a do expansionismo imperialista. ar, portanto, em busca de vantagens imediatas e concretas,
Tudo depende da natureza humana, constituída por uma for- permanecendo positivo antes de qualquer outra coisa.
ma mental que é aplicada a tudo o que se faz e se constrói. Tudo o que se faz por instinto é um produto do inconscien-
No entanto, se temos um imperialismo religioso, também te- te, onde funciona a inteligência da vida, substituindo a do in-
mos uma verdade em contínua expansão, resultado de uma divíduo, ainda insuficiente para orientá-lo. A verdade é que o
contínua conquista. A necessidade de evoluir está na base de homem faz as coisas mais importantes da sua vida, como nas-
nossa vida e justifica, em qualquer campo, o método imperia- cer, reproduzir-se e morrer, movido por forças que desconhe-
lista expansionista de conquista dominadora, porque esse é ce, com muito pouca liberdade de escolha.
Pietro Ubaldi A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS 155
Num tal mundo de involuídos, o evoluído surge como um II. A POSIÇÃO DO HOMEM ESPIRITUAL
revolucionário que busca antecipar os tempos e se destaca DIANTE DAS RELIGIÕES DE MASSA.
do nível das massas, pretendendo acelerar-lhes o ritmo evo- A RELIGIÃO UNITÁRIA E CIENTÍFICA DO FUTURO
lutivo, esforço que elas se recusam a realizar, porque isso
significaria precipitar os lentos deslocamentos de sua matu- “A hipocrisia é o câncer das religiões.
ração. Não obstante, vários profetas foram aceitos, e isto Ela as corrói até matá-las”.
significa que eles também são úteis à vida, porquanto ela os
produz e os aceita, não importando as adaptações necessá- Observemos um caso particular da consciência e do com-
rias para se chegar à aceitação. portamento que deve seguir o indivíduo espiritualmente mais
Embora, num primeiro momento, isto possa parecer escan- sensível que a média, ligado a uma religião mais de substância
daloso, pela falsificação dos ideais, vê-se, depois de um exame que de forma, porém ainda enquadrado, na prática, dentro das
mais amadurecido, que tudo não passa de um calculado desen- normas impostas pela forma mental das massas.
volvimento de forças, canalizadas em sentido pragmático, a Há na sociedade indivíduos profundamente espiritualiza-
fim de que todas deem o maior rendimento possível, segundo a dos, que, por isso, custam a entrar na corrente em que se en-
sua natureza, para o bem do ser, que deve ascender. Ora, se a contra a maioria.
vida, cujo funcionamento é dirigido pela Lei, que é o pensa- Muitas vezes é a força do número que estabelece a lei e a
mento de Deus, aceitou o ideal na sua economia, embora so- verdade. Quando o erro é da maioria, não é julgado erro, mas
mente na medida que esse ideal pudesse ser utilizado segundo sim verdade; e quando a verdade é de uma minoria, não é jul-
a maturidade atingida pelo homem, tudo isso prova que é ne- gada verdade, mas sim erro. Parece que a verdade, quando não
cessária a descida do ideal à Terra. Assim o surgimento de pro- está munida de alguma força para se fazer valer, perde o valor,
fetas, santos e gênios sempre produz um certo rendimento bio- reduzindo-se a uma afirmação teórica que não se pode realizar.
lógico, em sentido positivo. Cristo, apesar de tudo, sobreviveu Retirando-se de qualquer doutrina a força que lhe confere o
no mundo, em virtude do fato de terem as massas, no seu in- número de seguidores, ela ficará uma ideia desvalida e só, não
consciente, por instinto de evolução, percebido, embora de sendo mais levada em consideração, ainda que seja bela e per-
forma nebulosa, que Ele, num certo sentido, como aspiração a feita. Por isso cada religião se apoia no proselitismo, que cor-
realizações distantes, representava uma forma de utilidade.
responde ao imperialismo no campo político, o valor prático de
Assim, descem à Terra os ideais, como uma chuva benéfica cada grupo, advindo do seu poder de conquista e domínio.
sobre a selva árida e feroz. Vagam aqui e ali, alimentando o cimo
Que deve fazer, então, o indivíduo em minoria? Ele poderia
das árvores mais altas, prontas para recebê-los e assimilá-los. Em
escolher um dos vários caminhos já existentes e adaptar-se às
baixo, permanece a selva árida e feroz, onde os seres, continuan-
preferências da maioria, mas isto representaria para ele uma re-
do os mesmos, só podem ver com os olhos que têm e agir segun-
ligião apenas de forma, escassa em substância. Adaptar-se e
do sua própria natureza. Tal comportamento é considerado cor-
aceitar tal mentalidade significaria renunciar à vida espiritual vi-
reto por eles, dentro da perspectiva da sua verdade, relativa ao
vida em profundidade, isto é, mutilar-se nas regiões mais altas
seu nível de evolução, verdade esta, porém, que pode ser um ter-
do seu ser. Isto, para quem é espiritualizado, é a mais penosa e
rível erro para quem vive em posição mais avançada. Os delin-
também danosa das experiências, constituída pelo retrocesso in-
quentes, à sua maneira, acreditam estar certos, do mesmo modo
volutivo, que o leva a viver num nível espiritual mais baixo.
que a fera, quando devora a vítima, está certa no nível da fera.
Que ela esteja vivendo a sua verdade, prova-o o fato de que não Diferentemente das massas, que fizeram de Deus uma re-
se engana, pois, com tal conduta, resolve o problema maior, que presentação para seu uso e consumo, reduzida às dimensões do
é o da sobrevivência. A culpa da besta está apenas no fato de ser que podem conceber, o indivíduo mais evoluído tem Dele um
obrigada a resolvê-lo daquela maneira, enquanto que o homem outro conceito. O homem mediano concebe um Deus antropo-
civilizado pode permitir-se o luxo de resolvê-lo sem catástrofes e mórfico, feito à sua imagem e semelhança. Ora, uma redução
risco de vida, chegando a culpar aquele que não procede do em tão estreitos limites é inaceitável para quem pensa mais
mesmo modo. No entanto ele também se encontra diante do profundamente. O homem mais evoluído concebe Deus como
mesmo problema de sobrevivência e o sente tão vivo, que tenta o sábio pensamento que funciona em cada forma e fenômeno,
resolvê-lo não só na Terra, mas também depois da morte, no Céu, em toda parte e sempre presente, ao qual é preciso prestar con-
pois, se faz sacrifícios, é apenas com essa finalidade. tas em cada movimento. Tal pensamento regula a todos através
Assim, para um selvagem, na sua inocência, pode parecer de uma lei estabelecida com exatidão, a qual não se pode vio-
justo roubar e matar, quando isso lhe servir para a sua sobrevi- lar sem pagar as consequências. Trata-se de conceitos positi-
vência. Ele terá remorso e se julgará inepto, se não tiver rouba- vos, racional e experimentalmente controláveis, de que a ciên-
do e matado suficientemente, porque sua consciência animal cia pode apoderar-se para construir uma nova religião, baseada
lhe diz que faz bem quando age em benefício próprio. E que ele na lógica dos fatos e, portanto, universal.
age bem é provado pelo fato indiscutível e convincente à sua Como se vê, neste caso, o problema religioso é colocado de
consciência de que, matando e roubando, obtém vantagens. O forma diferente. Mas, ao invés de abrir as portas a tais concei-
bom sabor da carne humana e o bem-estar do ventre saciado tos, mais aceitáveis pela ciência, as religiões insistem naqueles
persuadem, de forma indubitável, o antropófago de que comer o antigos, que parecem feitos justamente para empurrar as mentes
homem branco é coisa boa. Da mesma forma, a posse da botina cultas a uma sumária negação, terminando na irreligiosidade do
roubada, que permite gozar melhor a vida, persuade o ladrão de ateu. A esses resultados podem levar os velhos métodos.
que é ótimo roubar sem se deixar prender. Assim, usar a astúcia Quando uma religião impõe o conceito de um Deus exclusi-
para enganar a boa fé dos honestos, pela vantagem que deles vamente pessoal e transcendente, o evoluído espiritualizado,
obtêm, também persuade o astuto de que a hipocrisia é louvá- embora desejando obedecer, pode dizer a si mesmo: “Mas eu
vel. Cada um, no seu nível, está certo e, na sua ignorância, tem não posso aceitar, porque os fatos me falam da imanência de
razão. O ser involuído é, pois, a seu modo, inocente. Mas isto Deus em todo o universo. É verdade que Ele é o centro do uni-
não impede que cada um receba o que merece, ou seja, a pena verso e, por isso, pode ser entendido também de forma pessoal,
máxima, e esta não é, como se pensa, ficar momentaneamente mas isso não me impede de ver que Ele também é periférico e,
derrotado na luta, mas sim ser uma criatura daquele nível, no assim, está presente em tudo que existe. Concebendo-o assim,
qual deve permanecer, quem sabe por quanto tempo, mergulha- sinto a Sua presença e não posso negá-la para admitir um Deus
do nas trevas e nas dores relativas a ele. imensamente distante, que se ausenta da sua criação, isolando-
156 A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
Se na Sua transcendência, pois, se assim fosse, tudo morreria ção, para o qual está pronto o indivíduo evoluído, que poderia
no mesmo instante. E eu preciso desta Sua presença para viver, realizá-lo, se encontrasse um ambiente humano do seu tipo, é
pois sinto que, relegando Deus a tão imensa distância, tal sepa- composto de indivíduos autônomos, espontaneamente irma-
ração me mataria. Sei que Deus está presente em tudo, como nados em consciente colaboração, visando obter uma vanta-
pensamento diretor e como dinamismo animador de todas as gem comum. Mas as organizações humanas de qualquer gêne-
formas de existência, nas quais Se exprime. Assim, em todas ro não alcançaram ainda tal nível evolutivo.
criaturas e também em mim Deus está presente. Eu sou célula Segundo as leis da vida, para poder dirigir, é preciso ter as
do Seu organismo vivo, formado por todos os seres, e devo, por qualidades necessárias, e quem não as tem deve obedecer. Li-
conseguinte, pensar em uníssono com o pensamento daquele berdade e comando significam responsabilidade. Inaptidão e
organismo, que dirige todos movimentos, e funcionar segundo preguiça levam a um estado de sujeição. Todos desejariam eli-
os princípios que o regem, isto é, segundo a lei Dele. Certamen- minar o reverso da medalha e ser gratuitamente servidos. Mas é
te, Ele é o Eu central do organismo do todo. Como acontece preciso pagar-se com a obediência o serviço que presta aquele
conosco, o eu central não se isola dos elementos que o com- que dirige. Não obstante, é preciso aprender a se autodirigir. Se,
põem, existindo também em cada célula, que só pode viver em até ontem, as massas ficaram submetidas, isto ocorreu porque,
função dele, em estreita união e comunhão com Ele. Deus é a devido à sua imaturidade e inércia, preferiram a via da paciên-
vida presente em toda a parte. Retirai do ser este liame e ele cia, para elas menos cansativa e menos arriscada.
morre. Deus é a existência. Um isolamento de Deus na sua Uma outra via pode ser escolhida pelo indivíduo mais evo-
transcendência destruiria a criação, porque O retiraria da cor- luído, que se encontra em minoria. Trata-se agora não de um
rente da existência. Não sei se isto é panteísmo, mas sei que enquadramento para uma verdadeira adaptação, mas apenas de
não posso renunciar a esta presença de Deus, porque é essa pre- uma falsa condescendência, mimetizando-se externamente na
sença que me faz vivo na eternidade. Uma tal renúncia rompe- aparência. Este é o caminho da hipocrisia. Quando não há outro
ria o fio da minha vida que me une a Ele, de Quem a recebo”. meio, a vida costuma usar a mentira como elemento de concili-
Compreender e viver tudo isso é fundamental para o ho- ação entre opostos. É um acordo na aparência, limitando-se a
mem espiritual, mas pouco interessa às massas. Não se trata esconder a dissensão, a qual permanece, porém já não franca e
de abstrações teológicas, mas do modo de conceber a vida e visível, mas tão distorcida, que poderia parecer consenso. Isto
de realizá-la diferentemente da maioria, com resultados diver- se justifica enquanto é uma tentativa, uma antecipação daquela
sos, aos quais não pode renunciar quem os conhece. Muitos verdade, à qual se chega somente pela evolução. Mesmo assim,
solucionam os elevados problemas espirituais, como os da este método ainda é um modo de chegar a uma convivência pa-
consciência e do conhecimento, de modo muito fácil, sim- cífica, o que é preferível a um estado de guerra.
plesmente ignorando-os ou suprimindo-os, para se ocuparem A vida, que é utilitária, escolhe sempre o caminho do me-
somente do estômago e do sexo. Desse modo obtém-se a van- nor esforço e maior rendimento. Mesmo sendo a mentira um
tagem de simplificar a vida, suavizando a fadiga da luta, que remédio de ínfimo grau (os mais evoluídos a rejeitam com
fica reduzida às conquistas mais elementares. desprezo, resolvendo os problemas com inteligente sincerida-
Tudo isso se explica. A força da evolução é poderosa e de), é neste sentido pragmático que a vida aceita a hipocrisia,
conduz ao S, sendo essa redenção a lei fundamental e a razão quando é obrigada a recorrer a ela, porque, em face da involu-
da vida. Mas a tudo isto se opõe uma outra força, também po- ção do indivíduo, nada encontra nele de melhor. Obviamente,
derosa, constituída pela involução, que tende ao AS. Esta mentir não é honesto, sendo necessária muita insensibilidade
conduz a uma descida sempre mais acentuada. É a negação moral para adaptar-se à mentira. Mas, quando o acordo não é
que leva à perdição, opondo-se à positividade salvadora. Eis o conseguido em sua reta posição, a vida tenta consegui-lo numa
que significa o retrocesso involutivo a que se reduziria o ho- posição falsa, invertida, que, mesmo não sendo uma concor-
mem espiritual, caso se adaptasse ao nível das massas, que dância, é, pelo menos, um tácito compromisso, que, bem ou
gostariam de detê-lo no seu plano. mal, já aproxima as duas partes contrárias e permite uma pri-
A posição delas é completamente diferente. Não possuem a meira forma de pacífica convivência entre opostos. Eis a fun-
força da evolução e não saberiam usar a autonomia espiritual, ção biológica da mentira. Assim se explica por que a vida, ho-
se a tivessem, por isso não a desejam. É necessário compreen- nestamente utilitária, recorre a tal artifício, seguindo a lógica
der-se também a sua forma mental. Para viver, a ovelha neces- do seu princípio do mínimo esforço.
sita de um rebanho e de um pastor que a conduza. Deixada so- O indivíduo pode adaptar-se e assumir a forma mental reli-
zinha, em liberdade, não sabe aonde ir e se perde. A autonomia, giosa imposta pela maioria, quando ele é involuído, detentor da-
que para a pessoa evoluída e espiritualizada tem um valor ines- quela sensibilidade que permite tais sedimentos morais. Mas a
timável, não é para a ovelhinha uma vantagem, mas sim um pe- isto não se adaptará um evoluído, detentor de outra sensibilida-
rigo ou um dano. Explica-se assim como funcionam as religi- de, que torna impraticável para ele o método da hipocrisia. Tal
ões, com sua estrutura hierárquica de rebanhos e pastores, a método resulta válido sobretudo para os menos evoluídos, sendo
qual exprime os valores desses seus termos e corresponde à na- útil para esconder a forma mental que os leva a desfrutar da reli-
tureza dos vários elementos biológicos que a compõem. Se os gião por interesses materiais, tais como obter respeito, autorida-
pastores comandam, é porque as ovelhas não sabem se dirigir de, posição social e o bem-estar que tudo isso traz junto.
sozinhas e têm, portanto, necessidade de alguém que lhes preste Se nem a adaptação sincera nem a hipocrisia são aceitáveis
este serviço. Por isso elas são obedientes, pois com sua submis- para o indivíduo mais evoluído, que se encontra em minoria,
são recebem benefício. A vida é sempre utilitária. há para ele um terceiro modo de resolver seu caso: o isola-
Formam-se assim o grupo e o espírito de grupo que man- mento, que pode parecer a muitos como indiferença religiosa,
tém unido o rebanho sob a tutela do pastor. E, quanto maior o ausência espiritual, descrença e ateísmo, sendo por isso causa
grupo, maior é seu poder. Por extensão progressiva vai reali- de escândalo. Tal método é condenável perante o mundo, mas,
zando-se gradualmente o processo de coletivização. Mas tra- diante de Deus, é melhor que os outros dois, porque evita o
ta-se ainda de um sistema de massificação submetido a um retrocesso involutivo do primeiro e o decaimento moral im-
pastor que, como patrão, impõe a ordem com regras próprias plícito no segundo. De fato, é excelente o espírito de concilia-
de disciplina. Com esse biótipo (ovelha), não é possível ir ção que lubrifica os atritos e atenua os choques, mas não des-
mais adiante, além da estrutura pastor-rebanho, a única alcan- sa forma. Reduzir uma religião a uma forma de hipocrisia é
çável pelo nível atual. Um mais avançado tipo de coletiviza- menosprezar Deus, sendo necessário um alto grau de insensi-
Pietro Ubaldi A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS 157
bilidade moral para fazê-lo. É preferível um ateísmo sincero e são da ação anti-Lei é um resultado segundo a Lei. É nesta
convicto a uma falsa religiosidade. técnica que está o segredo da salvação universal.
Como se vê, nos dois casos, o modo de conceber a vida é Para o ser situado no AS, dirigido em sentido contrário, is-
completamente diverso, levando consequentemente a uma éti- to parece um erro, porque ele não consegue a alegria que bus-
ca e a um comportamento também diferentes. As religiões ofi- cava, mas sim dor; não obtém o sucesso, mas sim a derrota.
ciais são o resultado de um longo processo de adaptação da Ele não compreende a razão de não conseguir os seus objeti-
ideia-mãe que as gerou, aos instintos, inclinações e necessida- vos, mas aquela dor e aquela derrota o salvam, sendo este o
des humanas desenvolvidos no inconsciente das massas. O caminho pelo qual ele alcança os fins da Lei, que são a seu fa-
homem espiritualmente evoluído permanece fiel à ideia-mãe e vor, e não contra. O fim último é a salvação, e o ser o atinge
rejeita as acomodações. E daí surge a dissensão. Ora, esta ade- contra a sua vontade, sendo obrigado pela Lei a mover-se na
são à ideia-mãe não é utopia, porque ele não a admite cega- direção contrária àquela por ele escolhida no início dos seus
mente de um profeta fundador de religião, mas controla-a e movimentos. Explicamos assim como a procura da felicidade,
aceita-a enquanto lhe é confirmada pela observação do funcio- feita com os métodos do mundo, termina sempre na dor, isto é,
namento que dirige tudo o que existe, isto é, por um fato expe- exatamente no ponto devido, seguindo o caminho justo, que
rimentalmente positivo e universal. leva à correção do erro, e não ao sucesso do mal.
O homem não tem consciência da presença nem ideia do Tudo se explica e se resolve quando se compreende este
poder absoluto de tal pensamento e, resistindo e colocando-se jogo entre forças opostas, positivas e negativas, do apocalípti-
em contradição a ele, não compreende que cataclismos atrai. co conflito entre o bem e o mal, dirigidas fatalmente para a vi-
Na sua ingenuidade, crê até que a lei de Deus possa ser enga- tória do bem. É assim que, sem mistérios, com lógica eviden-
nada e que dela possa fugir com astúcia. A Lei, no entanto, te, pode-se compreender quais são as vantagens de viver na
impõe um equilíbrio inviolável, segundo uma justiça calculá- ordem da Lei, em vez de na desordem da anti-Lei. Essa é a
vel com exatidão matemática, estabelecendo uma moral férrea, prova de que viver honestamente, segundo o S, não é uma po-
que realmente funciona, em lugar da moral do mundo, elástica sição de fracos, iludidos pelas teorias moralistas e condenados
e cômoda, mas enganadora. pela realidade da vida, mas sim o método mais vantajoso,
Quem segue a moral da Lei sabe que todo abuso produz uma porque é o único que conduz à vitória final.
privação na mesma proporção; sabe que, para colher, precisa Descobrimos, dessa forma, quais os meios de defesa forne-
semear; que, para receber, é preciso dar. Quem roubou deve res- cidos pela Lei aos justos, que parecem inermes no mundo. Es-
tituir, e isto não significa dar apenas uma esmola, mas sim de- tes jamais são abandonados pelo S, que está sempre vivo e pre-
volver tudo o que foi roubado, mais os juros e os ressarcimentos sente também no AS, como uma alma a sustentá-lo em seu ín-
dos prejuízos causados. Enquanto isto não for feito e o método timo. O homem que vive segundo a Lei e, com isso, põe-se no
de ação não for mudado, aquele roubo produzirá miséria. Pela campo de ação direta do S, é mais potente que o homem que
mesma lei, toda generosidade produz abundância. Isto parece vive contra a Lei, na posição inversa e negativa do AS. Deste
contradição, porque o resultado obtido é o contrário do que se mecanismo a ciência ainda nada sabe, no entanto ele funciona.
queria. Mas este fenômeno se explica. Se nossa ação tivesse a A tentativa de inverter o S em AS – embora constitua uma lou-
direção da Lei, os resultados positivos corresponderiam à natu- cura, porque só serve para despertar na Lei reações que depois
reza positiva do impulso que os produziu. Mas, como estamos se pagam com a própria dor – é continua. No entanto seria pos-
situados no AS, isso significa que a direção predominante da sível, com uma reta conduta, lançando essas forças na direção
nossa ação é no sentido anti-Lei. Eis porque, no campo do fe- justa, recolher o bem ao invés do mal e construir destinos de
nômeno, temos um impulso determinante de sinal negativo, ao paz e de alegria, em vez de ansiedades e sofrimentos.
qual só podem corresponder resultados negativos. O AS é um Queira ou não, o homem vive dentro da Lei, como um
campo emborcado e só pode emitir impulsos deste tipo. Porém o peixe dentro do mar. Este, por mais que tente rebelar-se, não
ser aí situado gostaria de, ao emitir o impulso negativo, obter re- pode existir senão enquanto está dentro da água, assim como
sultados positivos. Mas, naturalmente, está enganado e então o homem não pode viver sem a atmosfera terrestre. Em nossa
grita que a vida é uma ilusão. No entanto iludido é somente ele, vida, quando fazemos mau uso de uma coisa boa, tentando re-
que, devido à posição invertida na qual o AS foi construído, fa- alizar a inversão de valores, vemos que ela se torna má para
talmente entende tudo ao contrário. Seria absurdo tentar conse- nos envenenar. Diante do abuso, não há outro remédio senão o
guir resultados de sinal positivo, lançando a trajetória em dire- justo pagamento, que corrige a inversão, recolocando-nos na
ção oposta. A causa só pode levar a efeitos do mesmo sinal. ordem, de acordo com a Lei. Assim, quem quer libertar-se das
Que acontece então? O AS, que é feito de revolta, preten- consequências do mal feito, não tem outro meio senão fazer
deria a vitória do erro. Isto, porém, é impossível, porque o outro tanto de bem. A compensação entre dois impulsos, posi-
senhor é o S, ou seja, Deus. A ação produz o efeito contrário tivo e negativo, deve ser exata. Para retornar ao ponto de onde
ao desejado, pois, em vez de dirigir-se no sentido correto, vai se desceu, é preciso refazer para o alto todo o trecho percorri-
para o sentido oposto e assim, em vez de conseguir o fim de- do até embaixo. Orar e invocar é útil, mas só como acessório.
sejado, produz a reação da Lei, que arrasta no sentido de en- O problema não será resolvido até que todo o trabalho da su-
direitar novamente a posição errada, levando o ser a obter re- bida e do pagamento tenha sido realizado.
sultados opostos aos desejados. Para quem compreende o seu
funcionamento, o fenômeno é evidente. Quase sempre é igno- III. A ATUAL FASE EVOLUTIVA DA
rada a presença ativa da Lei, que se interpõe entre a ação do SOCIEDADE HUMANA
ser e os resultados por ele buscados. Assim, embora o desen-
volvimento do fenômeno dependa dela, e não do arbítrio in- Na Idade Média o domínio era dividido entre a autoridade
dividual, não se leva em conta a sua presença. Quando há espiritual e a temporal, entre o pacífico poder religioso e o
conflito entre a vontade da Lei e a do ser, verifica-se então o guerreiro poder civil, entre a cruz e a espada, entre o papado e
surgimento de uma força, denominada reação, por parte da o império. As comunidades humanas se agrupavam em torno
primeira, tendendo a corrigir na direção do S o movimento do templo e do castelo. Prevaleciam, pois, os dois tipos bioló-
anti-Lei. Trata-se de uma ação salvadora, porquanto reconduz gicos: o religioso e o guerreiro. O único elemento produtivo, o
a negatividade à positividade, endireitando desse modo a po- tipo do trabalhador, ficava-lhes submetido como servo, às cus-
sição invertida do AS na direção justa do S. Assim, a conclu- tas de quem eles se mantinham. Somente hoje o tipo do traba-
158 A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
lhador foi valorizado. Trata-se de um deslocamento de base, De seu lado, o tipo guerreiro, para se justificar moralmente
que mudou toda a ética e os princípios sobre os quais se apoia diante dos outros princípios – pregados para uso das massas, a
a organização da sociedade. Isto se deveu às condições de vida fim de que continuassem obedientes – e, ao mesmo tempo, pa-
alcançadas, aos novos conceitos diretivos agora adotados e à ra conservar a sua posição de domínio, escondendo o seu para-
reorganização do rebanho humano em novas formas. Pela pri- sitismo econômico, mantinha outros ideais, que lhe eram úteis,
meira vez na história, a coletividade se encontra desperta em porque construídos para seu uso, à semelhança daqueles do ti-
vasta escala, sente-se a si mesma e, como tal, forma uma cons- po religioso. Assim, neste caso, não somente a preguiça e a as-
ciência, de modo que as massas trabalhadoras se afirmam, fa- túcia, mas também a força e os instintos agressivos, foram co-
zendo valer as suas forças e conseguindo reconhecimento do bertos com o ideal dos valores do heroísmo e do patriotismo
seu valor econômico como produtoras de bens. Disso segue-se do guerreiro, associados aos respectivos martírios e à interes-
que seu advento e seu triunfal ingresso na história levou ao en- sada e partidária glorificação.
fraquecimento da importância e ao processo de decadência dos Ao homem não agrada que se lhe percebam os instintos in-
outros dois elementos sociais: o religioso e o guerreiro. E este feriores, pois eles o aproximam do animal. Gosta de escondê-
é, de fato, o fenômeno a que assistimos hoje. A sociedade ten- los e, para isso, serve-se dos ideais, pois eles permitem obter
de sempre a valorizar os elementos produtivos e a deixar de aquilo que mais lhe interessa, a satisfação dos instintos, en-
lado, como inúteis, os improdutivos. Pergunta-se qual a utili- quanto ocultam aquela inferioridade, completamente contras-
dade desses dois tipos, que coisa produzem para a sociedade, tante com a bela figura do homem superior que vive de princí-
e, quando se vê que são passivos, tende-se a eliminá-los. O pios. Adaptações da vida, que sabe utilizar-se de tudo, até
conceito de produção pode estender-se a um amplo sentido, in- mesmo do ideal, pois este, se não pode, pela imaturidade dos
clusive como obtenção de valores espirituais e morais, também indivíduos, ser empregado no sentido evolutivo, é usado como
úteis à coletividade. Trata-se de um utilitarismo lato sensu, e meio para a defesa na luta pela sobrevivência.
não daquele restrito à moderna economia de consumo. Esse mundo medieval, que vivia até há pouco, está hoje de-
Assim, o problema da vida é colocado em bases totalmente saparecendo por fatal maturação biológica. É verdade que está
diferentes, fundamentando-se no trabalho produtivo, e não no morrendo, mas dizê-lo desagrada a quem cresceu dentro dele e
domínio imposto sobre as massas ignorantes e desorganiza- com ele estruturou sua forma mental. Desagrada porque des-
das, que, por isso mesmo, são fracas e, portanto, facilmente truí-lo significa destruir, com ele, a si mesmos. Estas são, en-
subjugáveis, seja com a força das armas materiais, seja com a tão, verdades que não podem ser ditas, pois acabariam gerando
força das armas psicológicas e espirituais. Mesmo nestas con- um sentido de agressividade que não é necessário e nem opor-
dições, vemos a sabedoria e a bondade da lei de Deus, que di- tuno. Para concluir o atual trabalho de renovação, não se ne-
rige a vida. Estes estados de sujeição são dolorosos, e a dor, cessita de velhos bem pensantes. Basta esperar que estes mor-
que é o grande mestre, ensina, porque obriga o ser a pensar, ram por si mesmos. Sua forma mental e seus métodos serão
para compreender a sua origem e, assim, conseguir evitá-la. A ignorados pelas novas gerações, que serão arrastadas por ou-
dor desenvolve a inteligência, e isto significa evoluir, repre- tros problemas. Houve um tempo em que o passado era liqui-
sentando consequentemente a solução de todos os males e o dado com a violência, cumprindo uma carnificina. Hoje, a pas-
maior bem possível. Todos os indivíduos subjugados acabam sagem do velho ao novo se faz sem barulho, respeitosamente,
sendo obrigados, por sua própria e triste condição, a despertar por graduais transformações, por natural maturação e renova-
da inércia. Desse modo, sendo levados a reagir, eles fazem o ção, sem agressões destrutivas, que implicam reações violentas
esforço necessário para conquistar um valor, sem o que não é e, com isto, a reativação de baixos instintos.
possível se fazer valer, pois não se podem abraçar direitos se- É assim que vemos cair pacificamente, na zona do silêncio,
não quando se faz tudo para merecê-los. o convento e a fortaleza, os heroísmos da santidade e da guerra,
Para uma melhor compreensão, consideremos o fenômeno o conceito do mundo regido por dois poderes: o espiritual e o
reduzido à sua estrutura esquelética de realidade biológica, que temporal, que foram por muito tempo a base da vida social. Es-
é dada pelo fato de cada um procurar viver a seu modo, segun- tas duas instituições já não servem para o crescimento. Assim, a
do sua natureza, da melhor forma possível, com o mínimo de vida já está construindo outras. Em seu lugar está surgindo a
fadiga e mal-estar, utilizando para este fim, em seu favor, os instituição do trabalho. Cada elemento da sociedade deve ser
elementos que encontra no seu ambiente. O fundo do ser huma- produtivo e, em compensação, provido do necessário por toda a
no é frequentemente feito de preguiça, egoísmo e utilitarismo vida. Deverá, pois, ser eliminado como antissocial tanto o rico
aproveitador. A resignada passividade e a ignorância das mas- que vive ociosamente de renda, quanto o pobre ocioso que mor-
sas convidavam, no passado, ao fácil triunfo sobre elas, que re de fome; tanto o renunciatário improlífero, quanto o irres-
eram absorvidas à vontade por quem soubesse, usando a força ponsável que se reproduz além do limite estabelecido por seus
ou a astúcia, elevar-se acima delas. Porém era preciso, moral e recursos e os da coletividade. Com as novas gerações, irá mor-
legalmente, justificar essa posição, que era falsa não diante das rendo a velha forma mental, que será substituída pela nova. As-
ferozes leis biológicas, mas sim perante os princípios oficial- sim a velha ética, embora sendo continuada pela nova, não será
mente proclamados, segundo os quais era preciso também sal- mais compreensível e desaparecerá. Pouco a pouco, com o pro-
var as aparências, para se ter as massas melhor subjugadas. É gresso da vida, a sociedade chegará a uma nova organização,
assim que, no passado, costumava-se cobrir aquela dura reali- que utilizará métodos mais evoluídos e perfeitos.
dade biológica, feita de instintos nada nobres, com os preciosos Isso tudo não significa que o espiritual e o temporal não de-
mantos das altas teorias e nobres ideais. vam mais cumprir sua função, mas sim que devem cumpri-la de
Assim, para melhor sobreviver na luta, protegido pela sua outro modo. O espiritual será mais positivo, consciente e res-
posição de privilégio, o tipo religioso se fez representante de ponsável, como convém ao adulto, para realizar-se na vida seri-
Deus, exibindo virtudes e cobrindo-se de investiduras divinas. amente, e não apenas em sonho ou aspiração. E o temporal sa-
Podia deste modo justificar seu positivismo econômico, apoi- berá lançar, com a técnica, as bases que possibilitarão a produ-
ando-se em construções ideais, impostas pela fé e fundadas na ção dos bens necessários para se poder viver num nível civil.
revelação e no mistério, meios utilíssimos, neste caso, porque Trata-se de dois métodos diversos de enfrentar o problema
autorizavam a paralisação da atividade racional, que, sendo um da vida. Há algum tempo, dada a fase atrasada de evolução em
meio de investigar a verdade, era um elemento perigoso, por- que se encontrava o homem, a economia da produção dos bens
quanto levava a descobrir e, assim, suprimir o jogo. necessários se fundava mais no assalto e no furto do que no tra-
Pietro Ubaldi A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS 159
balho. Hoje, também em razão justamente da evolução, ocorre aumento da inteligência das massas, levando-as a descobrirem a
que o homem se prepara para superar aquele tipo de economia e potência da organização e da cooperação, condições que as va-
substituí-la por outra superior, que, em vez de valorizar o herói lorizam como número, dando-lhes um poder desconhecido e
conquistador, ladrão e assaltante, valoriza o trabalhador, pacífi- não utilizado anteriormente, em virtude da dispersão gerada pe-
co mas produtivo. O que foi um tempo função menosprezada de lo individualismo separatista, causa de um contínuo e desgas-
servo, é hoje virtude de cidadão útil à coletividade. tante atrito recíproco. Houve um tempo em que o povo era
O conceito basilar de uma propriedade imóvel e hereditária, obrigado a viver de forma subordinada, em função das classes
defendida por leis estáticas religiosas e civis, é substituído hoje dominantes e seus interesses, porque, pela própria imaturidade,
pelo conceito fluido e dinâmico da produção e consumo, defen- não sabendo orientar-se por si mesmo, precisava apoiar-se ne-
dido por direitos e deveres em termos de justiça social. A essa las. Hoje, porém, aquele povo se desenvolveu a ponto de se dar
ideia a sociedade foi conduzida pelo desenvolvimento tanto da conta de que constitui a base da estrutura social – formada por
tecnologia quanto do sentido orgânico social de espírito coleti- quem trabalha e produz – e que, por isso, vale tanto quanto
vista, dando maior rendimento ao trabalho, que assumiu assim quem comanda. Assim, entendeu que, na organização coletiva,
um outro significado e valor. Este, de fato, hoje, não representa tem uma função complementar diferente, mas cujo valor não é
mais a condenação dos vencidos, simplesmente reduzidos a es- inferior à de quem dirige aquele trabalho e produção.
cravos, mas exprime a potência produtora das mãos e da mente Na sociedade futura não haverá mais pobres, porque sua
do homem. Outrora, quem trabalhava era um escravo; hoje ele formação será impedida através da regulamentação demográfi-
é um produtor. A justiça distributiva já esteve confiada à espa- ca, do trabalho organizado e obrigatório para todos e das ne-
da; hoje ela depende da organização social. cessárias providências sociais. O desenvolvimento da inteli-
Estes fatos nos fazem compreender por que, no passado, gência levará à compreensão de que o individualismo, levado
exaltava-se, com o cristianismo, a religião do sofrimento. até à inconsciência, ignorando o prejuízo infligido ao próximo
Mas, se sofrer era então uma virtude, uma vez que, sendo a pelo egoísmo, é contraproducente, devido à dispersão de ener-
ordem social baseada no desfrute de uma vítima (mulher, ser- gia que custa, fazendo da sociedade um campo de lutas fero-
vos etc.), era impossível evitá-lo, tal virtude hoje é contrapro- zes. Compreender-se-á que o mal, quando posto em circulação
ducente, porque a ordem social é fundada em outros princí- por quem quer que seja, danifica a coletividade da qual todos
pios de justiça, com outros direitos e deveres. No passado ha- fazem parte e, assim, acaba por retornar àquele que o emite.
via muita gente sem nenhum direito, mas apenas com deveres, Compreender-se-á que é impossível isolar-se no seio de uma
gente que era preciso manter quieta na sua posição, com espe- sociedade; que não se pode, sem dano, ser rico entre pobres ou
ranças e consolações. E o cristianismo satisfazia esta necessi- fruir entre quem sofre; que a vida é feita de leis, razão pela
dade. Com o seu aparecimento, porém, aos párias foi reconhe- qual não se pode fazer o mal sem pagar depois. Sem teóricos
cida uma alma, passando-se a considerá-los como seres hu- idealismos, que só convencem os que gostam de crer neles,
manos, com direitos e com preferência sobre os ricos, ao me- mas objetivando um utilitarismo evidente e prático, compreen-
nos no Céu. Este foi o primeiro passo. O caminho foi continu- der-se-á a conveniência de superar o antigo método desagrega-
ado, depois, pelo comunismo, que, embora com métodos di- dor da luta de todos contra todos, a fim de substituí-lo pela co-
versos, deu a eles direito também aos bens terrestres. laboração. O problema não é ético, mas de rendimento positi-
No passado, a sociedade era composta de patrões e servos, vamente calculável. Este será o novo Evangelho, adaptado às
sendo que a matéria dos direitos e deveres não era disciplinada, novas condições de vida produzidas pela civilização e convin-
e sim confiada à espada. Porém, mesmo neste nível, formou-se cente, porque racionalmente utilitário. Sem heroicos altruísmos
um equilíbrio, no qual, enquanto ao servo convinha deixar-se e compensações ultraterrenas, o homem compreenderá que não
dirigir e defender, ao patrão cabia fazer-se servir. No fundo, ca- é vantagem para si o dano do vizinho, pois isto redundará num
da um dos dois tinha como compensação uma vantagem, esta- dano a si mesmo, não convindo a ele, portanto, ocasioná-lo.
belecendo-se então uma espécie de justiça social. Formou-se Mas há também o reverso da medalha. Houve um tempo em
assim uma simbiose que permitia uma convivência pacífica. que a arte, a poesia e os valores espirituais ocupavam lugar de
Naquela fase evolutiva, enquanto cumpriam uma função, honra, não se deixando que morresse de fome quem cultivasse
estas relações eram justas. O problema da injustiça e da vítima tão nobres coisas. Hoje se tenta relegá-las a um “hobby”, um
configurou-se somente hoje, quando se concebe a vida de ou- passatempo nas horas livres permitidas pelo trabalho, que é
tro modo, de forma coletiva, numa sociedade organizada. considerado a atividade mais importante, por ser a única produ-
Ocorre então que o indivíduo pode, cada vez menos, isolar-se tiva. Houve um tempo em que éramos primitivos e ferozes, mas
no seu egoísmo e ficar indiferente ao mal do próximo, porque na desordem havia lugar também para os ideais, um lugar esti-
este mal também é percebido como sendo seu próprio mal, en- mado e admirado. Hoje somos mais educados e já nos preocu-
quanto antes lhe era indiferente, pois percebido como alheio. pamos em não deixar ninguém na miséria, mas o ideal desapa-
Na posição separatista do passado, o dano do outro significava, receu, sendo relegado entre as coisas supérfluas, não necessá-
muitas vezes, o próprio bem. No estado de sociedade organi- rias à vida. Assim conquista-se o bem-estar, mas, como aconte-
zada, significa um prejuízo para si o prejuízo do próximo, pelo ce com toda conquista, paga-se com o sacrifício do melhor.
qual o indivíduo deve interessar-se, para evitar o seu próprio. Eis, portanto, os tipos de valores sociais aqui examinados.
Esta transformação está implícita no fato de que se caminha Temos três poderes: o espiritual, o temporal e o econômico, re-
para uma economia unificada, baseada na socialização dos re- presentados por três tipos de homem: o religioso, o guerreiro e
sultados, tanto de danos como de vantagens. o trabalhador, que desempenham suas funções unindo-se se-
Tal transformação só se tornou possível hoje, através da gundo três modelos de vida associativa: o convento, a fortaleza
técnica, que torna mais rendoso o trabalho, e, paralelamente, do e a oficina. Cada um destes tipos de vida, segundo princípios e
novo amadurecimento mental das massas. Houve um tempo em necessidades diversas, representa uma instituição, que é a cons-
que, à força de compromissos e adaptações, uma ordem havia trução de uma unidade coletiva na qual se organizam os vários
sido estabelecida, e a sociedade a conservava de forma ciumen- elementos humanos. Ora, o fenômeno a que assistimos, no atual
ta, porque, não sabendo inventar algo melhor, não tinha outro momento histórico, é o desaparecimento dos dois primeiros ti-
meio para esquivar-se ao caos. Ora, o fator novo, que desloca pos de vida em favor do terceiro. Hoje, a técnica substitui a
os antigos equilíbrios nos quais se apoiava a sociedade, está no cruz e a espada; o homem não é mais uma alma para ser salva
160 A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
ou um herói habituado a vencer os inimigos, mas sim um pro- so não era fácil, e devemos a esse trabalho o fato de ter a civi-
dutor e consumidor de mercadorias. Trata-se de uma transfor- lização chegado ao nível atual. Eis que a função desempenha-
mação profunda, de uma revolução incruenta, mas que trans- da no passado não se desvaloriza, mesmo se a civilização hoje
formará o mundo como nenhuma outra precedente revolução. lhe impõe a superação. Cada coisa, colocada no seu devido
Hoje, os dois primeiros tipos de vida estão velhos e can- lugar, tem a sua importância e o seu significado.
sados, exauriram sua função biológica e foram substituídos Porém o respeito pelo passado e o reconhecimento do valor
pelo terceiro. A grande organização industrial, as contínuas da função por ele desempenhada não pode e não deve impedir a
descobertas e a tecnicidade aplicada à vida, tomam o lugar transformação no sentido de um tipo de vida mais evoluído. A
dos antigos ideais, tanto mundanos como religiosos. Tempos religião, que outrora detinha o poder político e hoje se mantém
atrás, a mecânica da produção era iniciante e movia os pri- como poder econômico, deverá assumir-se como poder espiri-
meiros passos à sombra da Igreja e do castelo, donos do po- tual. Os instintos agressivos, que definiam no passado o herói
der. Diante do Papado e do Império, senhores do mundo, o glorioso na guerra, hoje são concebidos cada vez mais como
artesanato era ainda uma pobre coisa e o trabalho constituía qualidades antissociais, próximas da delinquência. Mesmo a
atividade servil, desdenhada pelos senhores, pelos cavaleiros nova técnica bélica, baseada mais na inteligência do que na fe-
armados e pelos conventuais contemplativos. A cruz e a es- rocidade, não convida mais ao desabafo daqueles instintos bes-
pada dominavam as massas inermes e ignorantes. Mas estas, tiais, que antes podiam conduzir às mais altas honras. Seme-
embora de forma servil, trabalhavam e, dessa forma, adquiri- lhante moral era justa enquanto necessária para a sobrevivência,
ram qualidades que os dirigentes, no ócio, perdiam. que era então reservada somente aos fortes, como é confirmado
A vida sempre caminha. Assim os patrões se tornaram inep- pela escolha feita pela mulher, cujo instinto a fazia sentir-se
tos e os servos, hábeis. Estes, com seu esforço, resistindo à atraída por este tipo de macho.
opressão dos execráveis senhores e à hostilidade da Igreja, cria- Tudo isso foi substituído hoje, sobretudo, pelo trabalhador
ram a ciência, e esta os levou a uma nova técnica de vida, que, da mente, que, aprendendo e fixando no seu inconsciente ca-
por sua vez, reage hoje, gerando um novo tipo de homem. Tudo pacidades técnicas e culturais, vai construindo a personalidade
é concatenado e interdependente. Com a sua mente, o homem num caminho diferente, na direção do conhecimento e da pro-
fez a ciência, que, por sua vez, refaz a mente do homem. As dutividade, conquistas que estavam em germe no passado,
novas condições de vida, criadas pela técnica moderna, reagem ainda não desenvolvidas, tanto em profundidade como em ex-
sobre ele, criando um novo tipo de civilização. Ir até aos plane- tensão, nas massas. Os idealistas do passado, tendo alcançado
tas, deslocarem-se milhares de pessoas de avião em alta veloci- isoladamente altos graus de evolução, poderiam olhar com
dade, comunicar-se por rádio e televisão, saber logo, em qual- desconfiança a atual transformação, que pode parecer-lhes
quer parte onde se esteja, tudo o que ocorre no planeta, abolir o uma degradação da espiritualidade na técnica e do trabalho de
trabalho físico, confiando-o às máquinas, e substituí-lo pelo elite no trabalho de massa. Mas é preciso compreender que a
trabalho mental etc., tudo isto constrói um ambiente novo. Vi- humanidade, hoje, está começando a construir, desde as bases,
vendo nele, o homem não pode deixar de se transformar. Eis o edifício de uma nova civilização, cujas fundações ela está
então que o mundo do passado se afasta e desaparece, refugian- colocando agora, no nível mais baixo. Uma vez lançadas es-
do-se nas recordações históricas e nos museus, circundado pelo tas, a subida continuará até aos ideais. Partindo de bases mais
respeitoso silencio dos cemitérios. sólidas, será possível subir mais alto, até aonde não se podia
Se a forma é diversa, a finalidade mais urgente e imediata é com os métodos dos séculos precedentes. Do passado nada
sempre a mesma: a sobrevivência. Houve um tempo em que morre. Tudo apenas continua e renasce de novo para desen-
essa luta se desenvolvia em dois níveis: 1) No plano da exis- volver-se ainda mais. Será possível então atingir uma espiri-
tência terrena, ela se travava entre indivíduos rivais que dispu- tualidade positiva, derivada do conhecimento profundo de um
tavam entre si o espaço vital; 2) No plano da existência depois mundo que as religiões, hoje, tratam apenas como matéria de
da morte, ela era realizada contra si mesmo, a fim de assegu- fé, envolvido em mistério. Assim a evolução avança, possibi-
rar, com virtudes e renúncias para superar a própria animalida- litando a realização de tipos de vida sempre mais altos.
de, a vida em outro plano. A função da presente obra é levar Deus para fora das Igre-
Hoje, esta mesma luta ainda se realiza no plano da existên- jas e das religiões, a fim de colocá-lo de forma racional e po-
cia terrena, para conquistar o espaço vital, valendo-se da inte- sitiva diante da ciência agnóstica e ateia, de modo que esta
ligência, a fim de penetrar as leis da vida e utilizá-las em bene- não possa mais ignorá-Lo. Para chegar a isso, é necessário
fício próprio. Porém, no plano da existência depois da morte, elevar o conceito antropomórfico com que Deus era pensado
esta luta é eliminada, pois a ciência ainda não dá soluções po- no passado, ao Seu conceito de Lei, funcionando em toda a
sitivas neste campo, e assim, dado que, para a mente moderna, parte, com o qual a ciência não pode deixar de encontrar-se a
mitologia e mistérios não são mais levados em consideração, cada passo e, pois, de prestar-lhe contas. O primeiro passo é
estes problemas são no momento, enquanto se espera uma so- a laicização e universalização das religiões particulares, ain-
lução, deixados de lado. Desse modo, hoje, o espírito de luta se da hoje separadas e inimigas, penetrando em todas as mani-
dirige para outro objetivo, indo muito menos contra o próximo festações da vida, e não apenas alguns setores particulares.
ou contra si mesmos – o que no passado se fazia com o espírito Trata-se de uma abolição de fronteiras, uma ampliação de ho-
agressivo característico do involuído – e muito mais contra a rizontes, uma tentativa de colóquio para chegar à atualização.
ignorância, o ócio improdutivo e o parasitismo, enquanto a lu- Outros passos virão depois. A evolução chega por aproxima-
ta, caso ocorra, acontece num plano mais alto, não mais ao ní- ções sucessivas. A fase que se seguirá mais tarde, por essa orien-
vel muscular, da guerra feroz, mas sim ao nível nervoso e ce- tação geral da ciência em relação aos fins últimos da existência,
rebral, da competição intelectual. será constituída pelo conhecimento e uso da técnica funcional da
Isto não quer dizer que no passado, no seu terreno e condi- Lei. Desta serão descobertos, a partir de então, os seus muitos
ções de vida, cada um não tenha tido o seu valor ou cumprido aspectos, o que permitirá viver as suas aplicações e consequên-
a sua função. Os guerreiros tentavam construir e manter a or- cias. Será a fase da transformação biológico-social da humanida-
dem social com as suas instituições. Os monges e o clero ti- de, a fase sucessiva à atual, que é de orientação e de preparação
nham que se defender de ataques bélicos, salvar a cultura e daquela transformação. Assim, tudo se prepara primeiro e, de-
fazer orações e penitencias para a salvação espiritual. Tudo is- pois, realiza-se com lógica, equilíbrio e medida, como quer a Lei.
Pietro Ubaldi A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS 161
IV. UM MAIS AVANÇADO CONCEITO te conhecimento não é adquirido por esforço da mente, devemos
DE DEUS E DA VIDA conquistá-lo à custa de sofrimentos. O fim da Obra é iluminar,
ensinando com métodos de compreensão, menos duros que os
Quando um leitor apressado vê que o autor volta a deter- da escola da dor. A arte de viver consiste no desenvolvimento da
minado argumento, diz: “Mas ele já tratou disto, está repetin- inteligência, a fim de compreender mais a Lei. E ter dela uma
do”. E assim fica na superfície. Não compreende que esta re- compreensão melhor serve não só para obedecer-lhe com maior
petição é devida ao fato de nossos conceitos girarem todos precisão, mas também para estar melhor e sofrer menos. O nos-
em torno de um pensamento central, que é continuamente re- so objetivo é prático e utilitário.
tomado, porque constitui o ponto de referência de todos eles. A Lei resiste como um muro contra toda desordem e, sem-
O que parece repetição é de fato um aprofundamento; é uma pre atenta à sua integridade, resiste contra quem ameaça dese-
busca de precisão, para resolver os problemas enfrentados quilibrá-la. Encontramo-nos, assim, diante de um fato positivo,
com maior fidelidade; é uma penetração cada vez mais pro- e não uma coisa longínqua e genérica. Nos seus princípios
funda no pensamento que dirige os fenômenos examinados. fundamentais, a Lei é como uma árvore formada por um tronco
Assim, a nossa pesquisa segue um caminho em espiral, que central de onde partem muitos ramos e uma infinidade de fo-
busca aproximar-se cada vez mais do centro daquele pensa- lhas. Assim, a lei geral se subdivide em muitas leis menores,
mento. Este centro é Deus, um infinito irredutível às nossas que são tantas quantas as formas dos seres e dos fenômenos.
dimensões, portanto inconcebível para nós em sua essência. Estes se reagrupam segundo o ramo de que derivam, mas, por
Isto, porém, não impede a possibilidade de se obter aproxi- outro lado, subdividem-se até chegar aos mínimos particulares
mações sucessivas na tentativa de compreender aquele pen- que encontramos na realidade. É preciso aprender a se mover
samento, fazendo uma progressiva abertura de nossa mente com disciplina, respeitando as normas estabelecidas por essa
ao conhecimento. Mesmo que, no relativo, onde estamos si- ordem inviolável, dentro da qual estamos situados. Ignorá-la
tuados, o absoluto não seja atingível, este relativo está sem- significa sofrer depois. Só com conhecimento e obediência se
pre a caminho, buscando aproximar-se daquele absoluto. pode evitar a dor. Isto é o que a Obra quer ensinar. É inevitá-
Nestes livros seguimos este caminho, percorrendo um trecho vel, portanto, girar continuamente em torno do ponto central,
dele, sempre ansiosos por avançar mais. constituído pela Lei, que pode assumir mil formas e aspectos
Já conquistamos o conceito de Sistema (S) e Anti-Sistema segundo o problema particular submetido a exame, dando as-
(AS), referindo-nos continuamente a eles, que nos orientam a sim lugar para um tratamento estritamente unitário, embora
cada passo. Conhecemos o esquema fundamental da estrutura subdividido em inumeráveis particulares.
de nosso universo físico-dinâmico-espiritual e, com esta bússo- Tudo que existe está imerso nessa Lei. Não podemos, en-
la nas mãos, podemos saber, em cada ponto de nossa navegação tão, ir de encontro a ela a cada passo. Devemos compreender
no oceano do desconhecido, onde está o Norte e, assim, dirigir que a finalidade da vida é a redenção na dor, efeito da revolta,
nossa busca com mais segurança. Cada problema pode assim, já e que isto só se consegue através da evolução. Se, num primei-
de saída, ser colocado de modo a aproximar-se com mais segu- ro momento, a revolta contra a ordem do S gerou o caos do
rança da verdade e com maior probabilidade da solução, dife- AS, num segundo momento a disciplina deve reconstituir tudo
rentemente do método da tentativa cega. E isto acontece pelo na ordem, tal como nasceu no S. Sabemos que o fio condutor
fato de não se partir da dúvida e do desconhecido, mas sim de do caminho da existência é constituído dos seguintes termos,
um princípio universal de base, já demonstrado e aceito. reunidos no mesmo ciclo: ordem no S, revolta, involução até à
Pelos argumentos tratados, o leitor poderá deduzir que estes dispersão daquela ordem no caos do AS, estado de ignorância,
livros sejam de filosofia e, portanto, distantes da realidade da erro, dor, experiência, conhecimento, obediência e retorno à
vida. No entanto estes livros estão bem ligados à vida, uma vez ordem do S. Assim, o ciclo se fecha, retornando ao ponto de
que não ficam na superfície, mas penetram-na em profundida- partida. Eis que a lei da existência é avançar em direção ao S,
de. O conceito de Deus que expomos aqui revoluciona aquele ao longo do caminho da evolução.
do passado. Não se trata apenas de teorias, mas da análise cien- Quando se assume esta forma mental, a separação entre a
tífica dos problemas teológicos, enfrentando-os com métodos ciência e a fé, entre materialismo e religião, entre ateu e crente,
de pesquisa positivos. Foi assim que pudemos falar de uma re- perde a importância. Vê-se então que, seja qual for o nosso
ligião científica unitária no capítulo precedente. Não se trata de comportamento mental, a Lei funciona igualmente para todos.
elucubrações teóricas e estéreis. Se quisermos salvar as religi- O ateu, assim como o crente, vive imerso no pensamento de
ões, é preciso encontrar um Deus que os ateus não possam ne- Deus. O homem de ciência não faz outra coisa senão estudar
gar, como fazem facilmente com o antropomórfico Deus atual. uma das ramificações desse pensamento. Ele observa seu fun-
Uma vez que o pensamento humano tenha entrado nesta or- cionamento em leis invioláveis, estabelecidas pela mente divi-
dem de ideias e canais de pesquisa, podem seguir-se a ele con- na, e sabe que, se não seguir as regras com exatidão, vai obter
sequências revolucionárias, com grandes deslocamentos em como resultado um desastre. Quando o cientista quer enviar
nossa vida. A aceitação de tais conceitos diretivos implica na um foguete à Lua, deve estudar todas as regras estabelecidas
formação de uma estrutura mental diversa da atual, da qual de- por aquele pensamento e obedecer-lhes, se não quiser ver des-
riva uma ética também diferente, que determina um novo modo truídos os seus mecanismos. A Lei, com os fatos, fala claro. Se
de comportamento. De uma conduta diferente derivam depois o médico não observa as leis do funcionamento orgânico, mata
outras consequências, levando ao aumento do bem e à diminui- o doente. Se o engenheiro não respeita as leis da gravidade, do
ção do mal, ou seja, à eliminação das dores e à conquista de sa- equilíbrio, da resistência dos materiais etc., a sua construção
tisfações, com mudanças nas condições de vida e reações no cai. Se alguém pratica o mal, esse mal termina por voltar con-
campo psicológico-espiritual que podem levar a novas trans- tra quem o praticou. E assim iludem-se aqueles que esperam
formações evolutivas, e assim por diante. Tais fenômenos são obter recompensa, praticando o mal.
conexos e se desenvolvem de forma encadeada. Estas são as respostas da Lei, nos permanente diálogo que se
Assim, a obra é feita de um único pensamento, sempre mais mantém com o pensamento de Deus, em todos os campos. Sua
aprofundado. Este pensamento é a Lei. Aproximamo-nos dele presença torna-se assim evidente, porque, se não compreende-
em dois momentos: primeiro, para conhecê-lo; depois, para obe- mos a sua palavra e nos enganamos, então ele nos corrige, repe-
decer-lhe. Conhecê-lo é importantíssimo, porque isso nos faz tindo-a na língua que melhor compreendemos, a dos fatos, fa-
evitar os erros, que são a causa de nossas dores. Ninguém pode zendo-nos pagar o erro. É preciso mais que ateísmo para negar
escapar da obediência à Lei, sem pagar as consequências. Se es- as evidências. Este é um Deus cuja existência ninguém pode
162 A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
deixar de reconhecer, porque, para os surdos, sabe falar bem al- campo moral, será possível prever as consequências das pró-
to. E isto é verdade em todos os campos, da matéria ao espírito. prias ações, controlar a correção da trajetória do próprio destino
O conhecimento dos fatos não é senão um prolongamento do e lançá-lo a partir de um novo impulso, calculando a natureza e
conhecimento da existência de Deus. Trata-se, portanto, somen- o desenvolvimento nele contidos. Em vez de se comportar co-
te de fazer a ciência – ainda materialista – continuar avançando, mo hoje, às cegas em relação ao futuro, poder-se-á, com uma
para que possa chegar mais alto e, assim, compreender também regulamentação racional da própria conduta, estabelecer previ-
os problemas do espírito. Com os seus métodos experimentais amente uma planificação da própria vida, dirigindo-a conscien-
positivos, o conhecimento levará aos bancos de prova dos labo- temente para os fins pré-estabelecidos, evitando os erros e suas
ratórios também os fenômenos desse tipo, para compreender- consequentes dores. A ética poderá tornar-se uma ciência exata.
lhes a técnica funcional e descobrir-lhes os princípios diretivos, Isso é possível porque ela faz parte de uma lei justa. Então a
já estabelecidos pela lei geral, dada pelo pensamento de Deus. conduta humana certamente seguirá métodos diversos. Cada
Trata-se de uma revolução profunda, que ocorrerá antes de pensamento e ação deverá ser feito com absoluta sinceridade e
tudo no cérebro humano. Não se pretende dizer com isso que se honestidade, dirigido para fins determinados, porque sabe-se
possa compreender completamente Deus, conquistando o abso- que a Lei é justa e responde com a mesma linguagem que se
luto. Porém é possível, na medida permitida pelo caminho per- usa com ela. Assim, pois, não será mais concebível uma reli-
corrido na evolução, chegar a um contato direto com Deus, em gião de hipocrisia, porque se poderão calcular os efeitos desas-
proporção ao desenvolvimento atingido pela nossa inteligência trosos que os impulsos de forças negativas pode produzir, pe-
e, pois, capacidade de compreensão. Não se pode superar tal sando sobre quem as lança. O raciocínio, porque terá base utili-
limite, mas, dentro daquele nível, o contato se realiza e o diálo- tária, será convincente, claro, evidente e, principalmente porque
go pode ser uma real troca de ideias. Ora, o livro da vida já foi honesto, tangível nos efeitos, sem mistérios nem fé cega. Com-
todo escrito por Deus, mas ainda falta ao homem os olhos para preender-se-á então quão péssimo negócio é semear o engano,
lê-lo e a mente para compreendê-lo. Ele poderá lê-lo cada vez que só pode levar a colher engano. A Lei responde restituindo o
melhor, à medida que a evolução desenvolve aqueles olhos e que lhe foi dado e dando o que foi merecido. Assim, o que de
aquela mente. A história da humanidade é todo um diálogo com fato conta não é o que se diz, mas sim o que se faz. O atual sis-
Deus. Diálogo profundo e completo. tema de se comportar como astuto, pensando saber o que faz, é
Na presente obra, já são quase quarenta anos em que estou simplesmente louco. Mas a dor desperta a inteligência, e a hu-
empenhado sozinho nesse diálogo, que vejo desenvolver-se manidade, quando cansar de sofrer, chegará a compreender que
sempre mais e que deverá continuar cada vez mais estreito na convém adotar um tipo de vida diferente.
eternidade. Nasci sem saber o verdadeiro significado da vida e Para o ser maduro, tudo isso é evidente. Mas as velhas for-
ninguém encontrei que o conhecesse e mo explicasse. Agora mas mentais resistem e se rebelam contra as mudanças, não
posso morrer satisfeito, depois de havê-lo compreendido, gra- querendo correr o risco de se perder, abandonando os velhos
ças a este diálogo, vivendo com consciência e com conheci- métodos, comprovados pela experiência. De fato, o ser, embora
mento e, desse modo, lançando na direção desejada por mim a situado no AS, tende ao S. Isto significa que, apesar de situado
trajetória do meu futuro destino. Jamais se poderão apreciar no relativo, onde a verdade é relativa e progressiva, sente con-
suficientemente as vantagens advindas de saber assumir cons- fusamente uma indefinida ânsia do absoluto. Busca então reali-
cientemente as rédeas da própria vida. Desenvolver esta capa- zá-lo como pode, fazendo dele uma imagem que lhe correspon-
cidade significa evitar montanhas de erros e, portanto, de so- da, declarando e afirmando, como absoluta e definitiva, a sua
frimentos. É natural que a ignorância seja um grave perigo, posição alcançada na progressiva conquista da verdade. Então,
porque leva a desastres contínuos. cada inovação é julgada como erro e heresia, sendo portanto
A ciência ateia está de fato realizando um diálogo com o condenada, para que seja destruída. Tudo isso é um impulso
pensamento de Deus, que se lhe revela sempre mais a cada instintivo, produzido pelo inconsciente. O novo é recusado por-
descoberta. O ateísmo não é contra Deus, mas sim contra o que atenta contra a segurança garantida à vida pelos antigos
clericalismo, ou seja, contra a concepção eclesiástica de Deus. métodos, que deram prova de ser úteis para tal fim. Assim se
Trata-se em resumo da costumeira guerra entre os homens, na explica a resistência do passado, a sua sobrevivência no presen-
qual Deus não entra. Seria ridículo pensar que Deus pudesse te e a sua predisposição contra o futuro.
envolver-se em nossas lutas humanas ou que devesse estar à O problema se resume em lutar pela própria sobrevivência,
mercê de nossas opiniões. E uma guerra contra Deus é absur- e não em conquistar a verdade. O mundo se interessa mais pelo
da, porque seria uma guerra contra a primeira fonte de nossa primeiro aspecto do que pelo segundo. Trata-se sempre da ve-
própria vida. De fato, o Anti-Sistema, por sua negatividade an- lha verdade, que cada religião estabelece na sua própria forma,
ti-Deus, tende à própria autodestruição. Uma completa ausên- com o objetivo fundamental de manter o monopólio do seu
cia de Deus é impossível, porque significa a ausência da pró- Deus, concebendo-o segundo sua forma mental específica e
pria vida. Assim ateu quer dizer sem vida, isto é morto ou em acirrando a diferença do próprio grupo contra todos os demais.
descida para a morte. O comunismo não é ateu, mas só anticle- Na Terra, como se vê, fundamental é o problema biológico
rical, pois ele, de fato, continua o seu diálogo com o pensa- da luta pela vida, e não a busca da verdade. Postos um diante
mento de Deus, estudando-o atentamente, quando busca co- do outro, o primeiro vence o segundo. Interessa ao homem a
nhecer o funcionamento da Lei, para não cometer erros quando satisfação imediata das suas necessidades, e não o conheci-
envia mísseis ao espaço. Deixemos de lado o Deus fabricado mento por si mesmo. É com esta realidade da vida que o ideal
pelas religião para seu uso eclesiástico. Seus fins e funções são tem de ajustar contas todas as vezes que busca descer à Terra.
limitados ao grupo que o elegeu como modelo para satisfazer Mas é possível então haver obstáculos à grande função bioló-
suas necessidades. É natural que tal Deus não possa ser univer- gica do ideal, que é fazer evoluir? Quem tem razão? É louco
sal, superando os limites do grupo. E não há razão para cair no quem, num mundo feito de guerra, enquanto ferve a luta, põe-
ateísmo, se tal Deus às vezes parece ilógico e inaceitável. Se se a fazer pesquisas sobre a verdade, mas é louco também
desaparecessem as religiões atuais, ainda assim Deus sobrevi- quem, na sua ignorância, violando a lei, atrai tantas dores. No
veria de outra forma, cada vez mais sentido no íntimo e cada entanto ambos têm a sua parte de razão, porque o realizador
vez mais amplo como universalidade. Este será o melhor canto prático busca viver bem no presente, enquanto o idealista trata
que a ciência positiva poderá elevar à glória de Deus. de criar para si um mundo melhor. Estes contrastes entre opos-
Colocada na estrada de uma religião positiva, toda a vida tos são inevitáveis numa vida feita de transformação, razão pe-
individual e social poderá ser orientada de outro modo. No la qual tudo, modificando-se, é sempre uma fase de transição.
Pietro Ubaldi A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS 163
Será que o valor da vida encontra-se apenas nessa luta exterior senvolvimento físico e mental, repetindo e reassumindo o cami-
e que a sabedoria, então, está apenas em saber vencer a luta pa- nho que sua evolução percorreu no passado, até chegar ao ponto
ra viver como vencedores, ou tudo isso nada mais é senão um em que se encontra. Mas, terminado este trabalho de repetição,
meio para aprender e, assim, progredir para formas de vida no qual a trajetória da vida retorna sobre si mesma para reassu-
mais evoluídas? Em suma, será a vida fim em si mesma e vale- mir todo o passado, inicia-se na época da maturidade o lança-
rá mais pelas suas realizações imediatas do que pelo futuro ou, mento da trajetória de uma nova vida. Esta se desenvolverá em
ao contrário, valerá por suas realizações longínquas, situadas obediência ao lançamento inicial, até atingir seu apogeu, para
numa outra vida, à qual é sacrificada a presente? depois, descrevendo um arco, descer e fechar sua trajetória.
Devemos descuidar-nos dos problemas reais do presente, Quais são os princípios que regulam este arremesso em órbi-
para cuidar dos hipotéticos do futuro, ou descuidar destes úl- ta para seguir o trajeto que chamamos destino? Esse trajeto o in-
timos para ocupar-nos apenas dos primeiros? Qual dos dois divíduo só vem a conhecer na velhice, após já haver percorrido
métodos é mais vantajoso? O ideal é uma inovação ainda não o caminho, quando ele pode ver tudo retrospectivamente. As-
ratificada pela experiência, uma tentativa que pode malograr- sim, ignorando-o ainda jovem, ele o segue por instinto, movido
se, um salto no escuro. Por que devemos, como imprudentes, por seus impulsos, agindo sem consciência do que faz. Estamos
aventurar-nos por estradas inexploradas? numa fase determinista. Nesse período, com experiência míni-
Pode-se responder que tanto o realizador prático quanto o ma, são tomadas as mais graves decisões, assumindo-se as posi-
idealista têm, cada um, sua sabedoria, mas em função de pontos ções que constituirão as bases de toda uma vida, às quais per-
de referência diversos. Cada um faz o seu trabalho. O primeiro maneceremos ligados até ao fundo. Se fosse justo responsabili-
exaure suas forças no presente, na Terra, conseguindo aqui os zar o indivíduo, lógico seria que ele tomasse suas decisões na
seus objetivos imediatos. O segundo dirige seu esforço para velhice, isto é, em estado de maior consciência e maturidade es-
além do período de vida física, estendendo-o ao futuro. Mas piritual. No entanto acontece o oposto. Ele faz o arremesso no
cada uma das duas posições tem o seu pró e o seu contra. O momento em que é mais inexperiente, incapaz de prever, dei-
primeiro se tornará rico e poderoso, obtendo glória e júbilos, xando-se cegamente dirigir pelos seus impulsos. Então nos per-
mas, com a morte, chega o fim e tudo cai para ele, que só então guntamos qual é o significado dos impulsos que movem o indi-
se dará conta de quão ilusórios são os valores do mundo, enten- víduo, como existem e quem os construiu? Eles são o resultado
didos como último e exclusivo fim. O segundo viverá de renún- do passado, porque dependem das qualidades com que o indiví-
cias e atribulações, sendo desprezado como inepto, mas terá duo construiu seu tipo de personalidade, que resulta definida por
aproveitado da escola da vida um aprendizado que não é ilusão, elas, como um feixe de forças em movimento, interligadas num
porque, quando chegar a morte, estará no caminho da evolução. campo dinâmico fechado. Tudo isto se formou através de expe-
Na verdade acontece que, assim, cada um busca realizar-se a si riências de vidas precedentes e representa o resultado impresso
mesmo segundo sua própria natureza, fazendo o trabalho a que no subconsciente, constituindo o capital armazenado que o indi-
melhor se adapta e dele colhendo os respectivos resultados. Ca- víduo carrega consigo na vida sucessiva. São essas as qualidades
da um recebe em pagamento pela Lei, com justiça, a recompen- que estabelecem as atrações e as repulsões que determinam, no
sa que buscou e mereceu, segundo o destino que, com o seu ambiente, a escolha de uma coisa ou de outra.
passado, construiu com as próprias mãos. Desde o ingresso na nova vida, tudo está fixado. Isto signi-
A justa posição está em usar os valores do mundo, mas não fica que já estava estabelecida a direção da trajetória, porque o
como única finalidade, e sim apenas como um meio para conse- arremesso foi feito desde o final da vida precedente, pelas for-
guir um fim mais alto e longínquo, aquele proposto pelo ideal. ças livremente postas em movimento, as quais acompanham o
Aceitar assim o mundo, mas em função de uma superação. Des- indivíduo até se exaurirem. Tudo se passa então segundo a ló-
te modo, a vida na Terra se torna uma escola para aprendizagem. gica e a justiça, ocorre no momento devido e corresponde ao
Então, a sabedoria está em servir-se desta experiência para pre- mérito, respeitando a devida responsabilidade. Quando o indi-
parar-se, a fim de entrar na outra vida, em uma posição espiritu- víduo atinge a maturidade, não é necessário que ele esteja des-
al mais elevada. É respeitada assim a imperiosa necessidade de perto e consciente para escolher, porque a escolha já foi feita
se ocupar das coisas materiais indispensáveis para viver, mas, ao como consequência do tipo de trajetória lançada anteriormente.
mesmo tempo, este trabalho é canalizado num sentido evolutivo,
Agora ele já não pode mais mudá-la, e esta é a razão pela qual
em direção ascendente, para o alto, de modo que não dê apenas
ela se apresenta sob a forma de fatalidade do destino.
um fruto imediato, mas seja também útil para a nossa evolução.
Podemos, assim, compreender o que é o destino, a técnica
funcional desse fenômeno e a lógica de sua estrutura determi-
V. ARREMESSO E CORREÇÃO DA TRAJETÓRIA nística, a qual, se parece violar o nosso livre arbítrio, na reali-
DA VIDA. A TERAPIA DOS DESTINOS ERRADOS dade o respeita plenamente. Ao nascer, a personalidade é niti-
damente individuada, não só como estrutura, por suas qualida-
Observamos o fenômeno de nossa vida e destino. Existir, no des, mas também como trajetória em movimento, resultante
relativo, significa possuir uma duração própria como transfor- das forças que nela estão atuando. Isto significa que a órbita do
mismo fenômenico, que é o incessante movimento ao longo do próprio destino já está estabelecida e calculada em função ape-
caminho do devenir. Este movimento é na direção evolutiva, is- nas desses elementos componentes. Cada indivíduo, na época
to é, no sentido que vai do AS para o S. Toda forma de existên- de sua maturidade na vida precedente e como consequência de
cia, cada fenômeno e cada vida, é constituída por uma trajetória suas conclusões, fixa com impressão indelével em sua perso-
ao longo da qual tudo se move. Esta trajetória tem o seu percur- nalidade os resultados da sua experiência. Assim, ao renascer,
so estabelecido pelos impulsos que a lançaram. Cada fenômeno é preciso ajustar contas com a bagagem que cada um traz con-
está fechado dentro da sua lei, que lhe estabelece o desenvol- sigo, acumulada no passado. É com esse material que vai sen-
vimento. O mesmo acontece no fenômeno de nossa vida. Pode- do construído o próprio destino. Por isso ele é determinista e
se, então, estudar a estrutura da personalidade humana, uma vez se apresenta com caráter de fatalidade, uma vez que constitui a
que ela é constituída por um feixe de forças em movimento. consequência de resultados já fixados pelas experiências reali-
Observemos o caso de nossa vida. Voltemos aos conceitos já zadas e concluídas, e não em fase de formação. Assim, por
observados, para tratá-los agora mais a fundo. Já tratamos, em exemplo, explica-se como irmãos nascidos dos mesmos pais e
outro lugar, da estrutura e da formação da personalidade. Do crescidos no mesmo ambiente, recebendo a mesma educação,
nascimento até aos vinte anos, o indivíduo trabalha no seu de- percorrem vidas diferentes, com destinos diversos. Isto porque
164 A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
eles, pelo fato de não possuírem o mesmo patrimônio pessoal, vá-la. É inútil tentar derrotá-la, pois a Lei é mais forte e vence.
só podem seguir trajetórias diferentes. Na mesma casa, não te- Mas, apesar de tudo, o homem é tão ignorante, que, quando se
rão procedimentos iguais e da mesma coisa farão usos diver- põe a funcionar contra a Lei, julga-se sábio.
sos. O que decide, mais do que as opções a nós oferecidas pela É fato positivo e inviolável que, acima de qualquer desor-
vida, é a escolha realizada por nossa preferência, a qual depen- dem, está a Lei. Ela permanece sempre em seu lugar, quer o
de exclusivamente de nós mesmos. homem a compreenda ou não. Ao invés de ceder, deixa-o, pe-
Eis que a parte mais importante da própria vida cada um a lo contrário, pagar duramente, com a própria dor, o erro de ir
traz consigo. Então é inútil lamentar-se depois por não ter feito contra ela.
de outro modo, dado que não se poderia fazer de outra maneira. É inútil iludir-se. A revolta quis destruir o Sistema, no en-
Para proceder de outra forma, é necessário ter outro destino. tanto apenas produziu uma zona periférica emborcada. No cen-
Mas como o indivíduo pode ser outro, com outro tipo de perso- tro do Anti-Sistema ficou o Sistema – Deus – que dirige o fun-
nalidade e com outras qualidades? Que se procure, então, viver cionamento de nosso universo, para levá-lo, através da evolu-
corretamente, porque tudo recai sobre nós. Uma vida errada nos ção, à salvação, com o retorno a Ele. Isto significa que no cen-
liga a um doloroso destino de correção, o que significa uma tro de tudo está a Lei, incumbida – como o espírito em nosso
grande fadiga, à qual ficamos ligados. Urge, pois, corrigir em corpo – da função de dirigir tal funcionamento. Isto não é uma
tempo a trajetória, enquanto a percorremos durante a vida, in- fantasia, mas sim uma teoria demonstrada em nossos dois vo-
troduzindo nela, com o nosso livre arbítrio, novas modifica- lumes: O Sistema e Queda e Salvação. Para redimir-se, é fun-
ções, ou seja, não a lançar de todo, esperando que se fixe, por- damental a correção das trajetórias erradas. Já vimos o caso de
que então ela se torna destino fatal. um destino isolado, constituído por uma única trajetória. Este
O problema da correção da trajetória do próprio destino é fenômeno, dado pelo lançamento e correção da trajetória, pode
importante para a nossa evolução e redenção. Tal correção não verificar-se para cada um ou para muitos indivíduos, que são
é fácil. Segundo o próprio tipo de destino, as forças que consti- milhares e milhares. Será que conseguimos imaginar milhares
tuem a personalidade atraem as forças afins, com as quais es- de vidas lançadas em órbitas, cada uma com a sua trajetória,
tabelecem uma ligação, formando em torno do indivíduo uma no oceano das forças do transformismo universal fenomênico,
atmosfera semelhante a ele, que ele respira e da qual se nutre, em movimento consonante com a evolução, orientadas e im-
confirmando as suas qualidades, boas ou más. Isso reforça os pulsionadas pela Lei na direção do S? Que rede de reações e
impulsos que deram origem ao lançamento da trajetória e ten- combinações poderá verificar-se na aproximação e encontro
de a mantê-la ainda mais estável ao longo de sua linha de de- dessas trajetórias? Cada órbita se acha numa posição de desen-
senvolvimento, resistindo aos desvios e tendendo a fazê-la volvimento diferente, seja no início, no apogeu ou na sua con-
chegar à sua conclusão boa ou má, segundo a direção assumi- clusão. E cada uma é exatamente regulada e claramente indivi-
da. Certamente, se essa direção estiver errada, a correção re- duada pela Lei, de modo a nunca perder a sua identidade em
quererá um esforço proporcional para empurrá-la no outro sen- qualquer estado de reação ou combinação em que ela possa
tido, e somente o indivíduo que vive tal destino pode fazer este encontrar-se. A cada conclusão segue-se o lançamento de uma
esforço, porque o projétil lançado é ele e as forças que o mo- nova trajetória, cada uma ligada à precedente como sua conse-
vem são as suas qualidades pessoais. quência, num encadeamento que se perde no infinito. Não obs-
Eis então que se pode estudar uma técnica para praticar te- tante a complexidade, todas as combinações e reações são re-
rapia de destinos errados, através da correção das trajetórias guladas por um dinamismo calculável com exatidão. E isto é
mal orientadas, que levam o indivíduo a espatifar-se contra a apenas um dos aspectos do fenômeno da vida.
resistência da Lei, pois esta não se deixa violar, como ele dese- Quando começamos a penetrar um pouco mais na íntima
jaria na sua inconsciência. Trata-se de uma terapia à base de an- estrutura de tais fenômenos, ficamos perplexos. Ficamos to-
tídotos adequados para neutralizar as qualidades venenosas ad- mados por uma espécie de estupor mágico, encantados na con-
quiridas em vidas anteriores, vividas de forma errada. As várias templação da técnica desse funcionamento. Tem-se a sensação
morais que a humanidade possui têm justamente a finalidade de de ver ao longe, no horizonte, brilhar o pensamento de Deus.
impedir, ensinando uma sábia conduta, a formação de trajetó- Quando observamos a trajetória do desenvolvimento e o com-
rias deste tipo ou então, caso já se encontrem formadas, corrigi- portamento de um fenômeno, embora limitando-nos apenas a
las, reconduzindo-as à sua justa direção, estabelecida pela Lei. ele, observamos a técnica funcional daquele pensamento. Po-
Sem dar explicações, tais morais desempenham esta impor- de-se assim, também pelas vias da inteligência e da ciência,
tante função de modo simples, proporcionada à ignorância das chegar aos entusiasmos do místico, porém agora racionalmente
massas, ditando normas práticas, prontas para o uso, confeccio- calculados. Assim a mente, com a fria contemplação da Lei e
nadas para tal fim. Estas morais, assim como uma espécie de daquele pensamento, também pode alcançar êxtases semelhan-
trilho, oferecem um direcionamento pré-estabelecido, para que tes aos obtidos pela ascese mística. Nos meus primeiros volu-
não se erre a direção no lançamento das trajetórias, evitando mes experimentei os ímpetos mais elementares, originados do
dessa forma a formação de destinos errados. coração, no plano do sentimento. Mas aqui, nestes últimos vo-
Deve-se ter sempre em mente que, para os seres rebeldes – lumes conclusivos da Obra, amadurecido depois de tanto ca-
cujo intento é sempre lançar órbitas erradas, do tipo AS – a Lei, minho andado, experimento os arrebatamentos mais comple-
que dirige nosso universo, já fixou, segundo o modelo dado pe- xos e profundos, provindos do pensamento, que se apossam da
lo Sistema, o tipo de órbita a ser seguida. Ora, aqueles que pra- mente, resultando em conhecimento. Atinge-se assim um mis-
ticam o mal pretendem estabelecer, em oposição às trajetórias ticismo mais maduro e evoluído, que se elevou do coração à
segundo a Lei, órbitas do tipo anti-Lei, em sentido contrário. mente, do sentimento à inteligência, do amor a Deus à con-
Ocorre, assim, o que sucederia a um automóvel, caso se lanças- templação do Seu pensamento. Este é o misticismo que a ciên-
se na contramão e enfrentasse o tráfego contrário. Então é fatal cia alcançará, formando a nova religião do futuro.
o choque com a Lei. Mas ela é constituída por forças poderosís- Quando se abrem à compreensão essas espirais de luz, sente-
simas, muito além daquelas pelas quais é constituída a persona- se o abalo de uma poderosa libertação. Quando um cientista faz
lidade do indivíduo, que, deste modo, acaba levando a pior, en- uma descoberta, ele deve, naquele momento, sentir-se arrastado
quanto a Lei continua intacta e triunfante em sua rota. Assim, pela onda avassaladora do pensamento de Deus, que lhe falou e,
ao invés de se expor a sofrer as duras consequências provoca- num átimo de sublime contato, revelou-lhe um pouco de si
das pela tentativa de infringi-la, seria mais conveniente obser- mesmo. Esta percepção também é revelação e adoração, consti-
Pietro Ubaldi A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS 165
tuindo o senso de veneração que sentirá vibrar no fundo da sua com consciência e conhecimento, o homem poderá construir
alma o mais evoluído homem do futuro, ao se dar conta que, nas um futuro melhor para si mesmo.
suas descobertas, ele se encontra diante do pensamento de Deus. Como se vê, a ideia de uma vida única é simplesmente ab-
Uma religião baseada na fé era necessária no tempo da ig- surda. A vida é longa, e tão longa quanto a evolução. Não po-
norância, em que a mente era ainda incapaz de pensar por si de ser de outro modo. A criança nasce com a sua personalida-
mesma e imatura para compreender. Mas, hoje, tal sistema é de já feita e com ela reage e se adapta ao ambiente. Mas isso
contraproducente, levando ao ateísmo. A falta de crença não é não é novo para ela. O fato de logo se sentir à vontade, mostra
mais possível diante do fato positivo da existência de um pen- que já o conhece. A infância é uma rápida repetição que re-
samento funcionando sempre e por toda a parte, cuja presença sume o trabalho já feito, a fim de levá-lo um pouco mais adi-
é evidente, porque é impossível não esbarrar nele a cada passo. ante. Os instintos pelos quais a criança é guiada são o resulta-
E, se esse pensamento é Deus, como podemos ser ateus? Que do de longa experiência passada, que emergem do inconscien-
pensamento tão evidente é este que, quando lhe são propostos te, onde foram armazenados.
quesitos para resolver, exprime suas respostas na linguagem Sobre os ombros do indivíduo encontra-se, então, o peso de
concreta dos fatos, através do funcionamento dos fenômenos e toda a bagagem acumulada por ele no passado. Este fato estabe-
da evolução do seu devenir? lece a órbita do seu destino, ligando-o a um certo tipo de trajetó-
Do panorama restrito dos fenômenos individuais não po- ria. Mas esse indivíduo tem diante de si o futuro, vazio e intacto,
demos deixar de passar aos vastos panoramas de princípios dentro de cujo espaço ele pode, com sua livre vontade, lançar os
universais. Na verdade, tudo é interligado, do particular ao novos impulsos que desejar. Eis de onde nasce a possibilidade
universal, onde encontramos a orientação e a justificação dos de se redimir. São estas as bases racionais do conceito de reden-
nossos conceitos no particular. Pensando, em relação a esses ção. Significa introduzir na trajetória do próprio destino novos
princípios, nos destinos do mundo, é evidente que sua trajetó- impulsos. Por isso afirmamos insistentemente que não se pode
ria é mal orientada e necessita de uma correção. Os métodos da conseguir através de outros a própria redenção, mas somente ca-
violência e da mentira vigentes são contra a Lei e não podem da um por si mesmo, pois ela é exclusivamente pessoal. Indivi-
conduzir senão a desastres. Como aplicar aqui uma terapia pa- duais são os destinos, constituindo campos fechados à seme-
ra destinos errados? Raciocinar é inútil, e a força não serve, lhança do organismo humano, que pode ter contatos e trocas,
porque não resolve, como nos prova a história. Quando uma mas nunca perde a sua identidade, apresentando alta estabilida-
trajetória é anti-Lei, só há uma solução: chocar-se contra a Lei, de, tanto que rejeita qualquer corpo estranho. O bem ou o mal
isto é, esfacelar-se contra as suas invencíveis resistências e fi- que cada um faz é feito para si próprio, por sua conta, sob exclu-
car massacrado, para depois sofrer, pensar e aprender, através siva responsabilidade e com suas próprias consequências.
da experiência, uma dura lição. Não é este o método normal de Eis então que, seja qual for o seu passado, é oferecida ao
ensino na escola da vida? Pode-se assim calcular onde vai che- indivíduo a possibilidade de corrigi-lo. Mantém-se, desse mo-
gar a política mundial, baseada no espírito de domínio, que até do, sempre aberta a porta da salvação. É questão de tempo,
agora só levou a guerras. É verdade que esta luta desenvolve a pois a dor, consequência do erro, existe e impele tenazmente o
inteligência, mas a que preço e em que nível? Se é este, porém, ser a decidir-se a canalizar as sua órbitas de acordo com a von-
o nível evolutivo da humanidade, como levá-lo a um outro su- tade da Lei. Todos deverão terminar salvando-se. Se um único
perior? Os golpes da Lei tornam-se, portanto, inevitáveis, por- indivíduo não se salvasse, Deus fracassaria no mal e, impoten-
que, a essa altura, outros métodos educativos não são produ- te diante dele, Sua obra estaria falida.
centes. Tudo é lógico e está em seu lugar. Métodos e resulta- O período em que o campo de forças da personalidade está
dos não podem ser diferentes. É possível, porém, em contra- aberto para a introdução de novos impulsos é dado pela vida
partida, uma grande reviravolta. A Lei é justa e estabelece que terrestre, no plano da matéria e da luta, onde se encontram as
as trajetórias, as responsabilidades e os destinos sejam indivi- resistências adequadas para avaliar as qualidades já adquiridas
duais. Portanto quem quiser salvar-se pode fazê-lo sozinho, se- e conquistar novas qualidades através da experimentação. O
ja qual for o modo como vive. A Lei lhe responde com a lin- ambiente terrestre é um campo de trabalho. Nele, a vida é um
guagem com a qual se lhe fala, pagando a cada um segundo o período de construção, uma fase da existência na qual todo o
seu mérito e restituindo segundo o que se lhe dá. passado ressurge, retornando como impulsos instintivos, que
originam outros, lançados em novas direções. Por isso a vida é
VI. AS TRÊS FASES DO CICLO DA REDENÇÃO também um campo de batalha. Na velhice tudo acalma-se, coa-
gula-se e cristaliza-se, isolando-se das experimentações, das
Vimos, no capítulo precedente, que a personalidade é cons- quais é tão ávida a juventude. Terminada sua função, a ação en-
tituída por um feixe de forças em movimento e que o destino é tão se detém, pois a posição de partida já se fixou para o desen-
a trajetória desse movimento. Pode-se assim estabelecer uma volvimento do novo trecho de trajetória da próxima vida. O ca-
técnica diretiva da evolução do espírito, orientando de forma nhão já fez pontaria, e, com isto, o futuro trajeto do projétil já
inteligente esse movimento na direção do S, isto é, Deus, meta foi traçado. O indivíduo já preparou, com as próprias mãos, o
de todo caminho. O tipo de trajetória ou destino é estabelecido destino que o espera. Este trabalho de preparação será comple-
pelos impulsos que o indivíduo, com seu livre arbítrio, tem o tado e aperfeiçoado no período de reflexão, definido pelo inter-
poder de lançar no campo fechado da própria personalidade, regno depois da morte e antes do nascimento, quando se dá a
que assim estabelece o tipo de órbita que ela deve percorrer. interiorização e a assimilação das experiências vividas. Isto
Tal personalidade é, por sua vez, o resultado do seu passado, acontece na fase introvertida de desencarnado, oposta e com-
de que se ressente, com todos os efeitos que constituem a sua plementar àquela extrovertida da vida. Eis, portanto, quantas
natureza e dos quais depende a direção do seu movimento. Eis coisas trazemos e temos conosco quando nascemos.
que nosso eu não é uma entidade estática, mas um feixe de Assim estabelece a Lei, e quando o ser ainda não se tornou
forças – cada uma com suas características próprias, bem defi- consciente pela evolução, isto funciona automaticamente. A
nidas – que, avançando e retrocedendo, desloca-se ao longo do diferença está apenas no fato de que ele, em vez de se dirigir
caminho da evolução. É o estudo dessa bagagem e o modo in- com conhecimento, tendo nas mãos o timão do próprio desti-
teligente de manobrá-lo que haverá de formar o conteúdo de no, é arrastado pela corrente da vida. Quando o ser não co-
uma psicanálise mais profunda, base de uma nova ética cientí- nhece a técnica da correção das trajetórias erradas e não se
fica positiva para a psicosíntese do futuro. Assim, vivendo decide a este trabalho espontaneamente, a Lei reage ao erro
166 A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
por meio da dor, manifestando a necessidade de corrigi-lo. o seu impulso natural é para baixo, na direção do mal. Assim o
Quanto mais distanciados estivermos da Lei e insensíveis movimento tende a verificar-se no sentido contrário.
formos aos seus reclamos, mais aumentará a dor proporcio- Como se vê, desde o início, o fenômeno já aparece assen-
nalmente a este afastamento, até se tornar um fato tão insupor- tado sobre essas características de negativismo, em que fica
tável, que deveremos decidir-nos a eliminá-lo a qualquer pre- enquadrado durante o seu desenvolvimento, ainda que isto le-
ço, reentrando na ordem. Uma tal potência de correção auto- ve ao emborcamento.
mática se deve ao fato de que o afastamento da trajetória indi- É esse tipo de colocação do processo sobre o erro, em posi-
vidual daquela traçada pela Lei produz no ser um estado de ção anti-Lei, desde a sua primeira fase, que, seguindo uma fa-
desordem, de desarmonia, de dissonância, que se faz perceber tal concatenação, leva a estabelecer, desde o princípio, os ca-
como dor. E isso ocorre em proporção ao afastamento, de mo- racteres da segunda fase, fatalmente destinada a ser de dor,
do que, quanto maior for este, maior será a dor. Adiante ex- porque o involuído, privado de consciência e conhecimento,
plicaremos melhor esses conceitos. Eis, pois, qual a técnica do não sabe se autodirigir com inteligência, mas apenas deixar-se
automático e irresistível chamamento que impulsiona as órbi- arrastar pelos instintos, que, neste caso, vêm de sua evolução
tas desviadas a reentrar na justa órbita da Lei. Esta, assim, não pretérita, isto é, do AS. Como corrigir, então, tais erros, fazen-
teme o mal e sempre termina por vencê-lo, utilizando-o sob a do quem ainda não tem capacidade compreender? Assim se
forma de instrumento de salvação, ao servir-se da dor como justifica o aparecimento posterior da dor, necessária na segun-
ferramenta segura para a correção das órbitas erradas. da fase, para desempenhar a função de corrigir o erro. Dada a
◘◘◘ natureza do indivíduo, a dor se torna o único meio seguro para
Agora que vimos em linhas gerais a técnica desse funciona- estabelecer um diálogo, constituindo o modo pelo qual a Lei
mento, vejamo-lo de modo mais particular, observando como se pode mostrar o verdadeiro caminho a percorrer.
comporta o homem que, estando encarcerado dentro daquele Como se vê, tudo é consequência do ponto de partida do ci-
funcionamento, deseja conduzir-se a seu modo. Isto nos permiti- clo, do qual depende o lançamento e a direção de toda a trajetó-
rá ver como se desenvolve a luta entre as duas vontades opostas ria do seu desenvolvimento. Parte-se, em suma, de um estado
e como a da Lei termina por vencer, levando o ser à salvação. de involução, isto é, de um edifício destruído. O conteúdo do
Todo o caminho da evolução é uma luta entre AS e S, que fenômeno só pode ser, portanto, um trabalho de reconstrução
se conclui, porém, depois de tantas fadigas e dores, com a vi- por meio da evolução. O ser só pode encontrar sobre o seu ca-
tória do S. A concepção apocalíptica da cósmica batalha entre minho a necessidade de esforço, indispensável para percorrê-lo.
bem e mal corresponde a uma realidade biológica, porque é A causa primeira de tudo está na natureza humana egoísta e se-
através do caminho da evolução que tem lugar essa batalha, paratista, que é levada à procura somente da vantagem e do go-
até reconduzir, através de um transformismo incessante, o ser zo próprios, não se detendo a não ser quando obrigada pelo
ao ponto de partida: o S. aparecimento da dor e do dano próprios. Como frear ou parar o
A técnica dessa redenção, por meio da evolução, realiza-se ser, então, no caminho da descida para o Anti-Sistema, para o
ao longo de um processo trifásico, que, ao nível humano, de- qual ele tende, senão por meio dos seus sofrimentos? Desse
sempenha a função corretora das trajetórias mal orientadas, pa- modo, a cada erro, a Lei reage com uma dor proporcional, le-
ra levá-las aos trilhos da Lei, dirigidos na direção do S. Este vando à obtenção de resultados tão ruins, que faz cessar a von-
processo se realiza através de uma forma típica, que poderemos tade de repeti-lo, cumprindo assim a sua função corretiva e
chamar de ciclo da redenção. Seu desenvolvimento abraça três atingindo sua principal finalidade, que é ensinar e, portanto,
tipos de experiências, cada uma das quais pode estender-se a eliminar o erro. Sofrendo, o ser aprende o que não é capaz de
uma ou mais vidas. O fenômeno é dividido em três momentos aprender raciocinando. Quando o aluno não possui ainda a inte-
ou períodos. Observaremos então o seu desenvolvimento em ligência para compreender, a sua formação vai sendo feita jus-
três situações distintas. tamente à custa de luta e sofrimento, já que a Lei não pode usar
Se observarmos o fenômeno em seu aspecto evolutivo, outro método na escola. E ensinar-lhe é necessário, a fim de
como processo construtivo do indivíduo, poderemos definir as que, aprendendo a lição, possa salvar-se.
três fases assim: É assim que a primeira fase, de ignorância e erro, é a lógica e
1 – Ignorância. fatal premissa da segunda, de experimentação e dor. Se o ho-
2 – Experimentação. mem possuísse o conhecimento das consequências da sua con-
3 – Conhecimento. duta errada, não incorreria nelas e, assim, não teria que seguir o
Se olharmos o fenômeno no seu aspecto retificador e sal- longo percurso das três fases. Ele não sabe, mas deverá aprender
vador, isto é, de correção na direção do S daquelas trajetórias às suas custas, que, num universo regido por uma lei feita de or-
erradamente lançadas para o AS, poderemos ver aquelas três dem, qualquer violação desta ordem, pela própria natureza da in-
fases de outra forma: fração, inevitavelmente deve doer em quem a pratica. Isso por-
1 – Fase inicial do erro (lançamento da trajetória errada). que, assim, é produzido aquele estado anti-Lei que, traduzido
2 – Fase curativa da dor (sua correção). em termos de vibração, significa um estado arrítmico de disso-
3 – Fase resolutiva da redenção (trajetória justa). nância, através do qual se produz no ser, situado no organismo
Em ambos os aspectos, o processo termina sempre com a do todo, a sensação daquele efeito negativo chamado dor. Dura
chegada ao conhecimento, à cura, à salvação ou redenção, isto consequência esta, porém segura e mesmo salutar, porquanto
é, a um estado em que essas metas são atingidas. funciona como um benéfico processo de autoabsorção, pois,
1a fase – O ponto de partida do processo de experimentação eliminando o erro que a gera, a dor termina por eliminar-se a si
é a ignorância e o erro. Por que? Se o ponto de chegada do ci- mesma. Dada a repugnância que o homem tem pela dor, o fato
clo é o conhecimento, é lógico que, no seu extremo oposto, o de associá-la repetidamente à ideia do erro terminará por fixar
ponto de partida seja a ignorância. O ciclo se move em sentido em sua mente a aversão ao erro, de modo que assim, eliminada a
evolutivo, e assim, se a meta para a qual tende é o S, com as causa, também pode desaparecer o efeito.
qualidades positivas que conhecemos, a origem da qual prece- Se o homem tivesse conhecimento, não teria necessidade,
de é o AS, com as qualidades contrárias. Eis então que, no iní- para conquistá-lo, de passar através das três fases do ciclo da
cio de sua primeira fase, o indivíduo vive nas trevas, sem co- redenção e poderia, assim, poupar-se do erro e da dor.
nhecimento, agindo por tentativas, e isso o conduz ao erro. O ser mais evoluído não segue este longo caminho para che-
Além disso, pelo fato de se encontrar ainda mergulhado no AS, gar ao estado de salvação, porque a atinge diretamente, evitando
Pietro Ubaldi A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS 167
entrar na primeira fase e, com isso, esquivando-se às premissas da, indo em direção ao S. Com a revolta e a queda, foi implan-
do ciclo, que obrigam a seguir o desenvolvimento até o fim. tado o método separatista, tipo AS, lançando-se trajetórias ne-
Mas isto só ele sabe fazer sozinho, pois seu ponto de partida não gativas, anti-Lei. Indivíduos rebeldes, afeitos ao mal, continu-
é o estado normal de involução. Não vai por tentativas, pois co- am a lançá-las. Mas, como acenamos acima, essas órbitas na-
nhece e toma, desde o princípio, o caminho justo, razão pela vegam em direção oposta àquela órbita positiva da Lei. É ine-
qual não inicia nem lança a trajetória na direção errada e, em vitável então que, indo contra ela em vez de seguir fielmente
consequência, não deve sofrer a ação corretiva do endireitamen- sua direção, o choque ocorra e que, sendo a trajetória da Lei a
to. Ele não precisa dessa escola e, por isso, não se submete a ela. mais forte, a órbita do indivíduo rebelde se quebre e sofra as
Porém, para quem se encontra na primeira fase, estando obriga- consequências em forma de dor.
do a seguir as sucessivas, também há a perspectiva de atingir Podemos assim compreender agora, mais exatamente, que
uma futura sabedoria com as relativas consequências, embora o choque é devido a uma ação não da Lei, mas sim do indiví-
sob a condição de conquistá-la através de uma enorme fadiga. duo, que, lançando-se em direção oposta, vai contra ela. Então
Assim, na primeira fase se inicia o ciclo da reconquista do é ele próprio a causa do choque. Não é a Lei que inflige a dor,
conhecimento. Movido pelos impulsos do AS e ignorando os re- mas sim o indivíduo que a inflige a si mesmo, indo bater a ca-
sultados, o indivíduo é levado a tentar o desconhecido em senti- beça contra o muro imóvel e inviolável da resistência da Lei.
do involutivo, anti-Lei, que automaticamente o expõe às reações É preciso compreender que, se algo é anti-Lei, então é anti-
dela. Ele busca a felicidade, motivado pela sua natureza de ori- Deus e, portanto, antivida. Tal condição significa assumir uma
gem divina, mas, por causa da revolta, age de forma contrária, posição de morte, implicando numa automática liquidação de
isto é, descendo em vez de subir, caminhando para o AS, e não quem se põe do lado negativo, no mal.
para o S. Assim segue os desvios, os enganos, as falsas vias, Nesta segunda fase, tudo tem o caráter de fatalidade, uma
que, convidando ao prazer, levam à dor. Ele é livre. A Lei lhe vez que é consequência do que foi livremente preparado na
permite agir e, enquanto ele ainda não houver cumprido toda a primeira fase. Daí advém a importância de nosso comporta-
sua ação, provocando as devidas reações, fica à espera. Dessa mento neste primeiro período, porque é nele que se faz o lan-
forma, o indivíduo, em princípio, pode obter um sucesso mo- çamento da trajetória, que depois, automaticamente, continua
mentâneo, falseando o seu julgamento, já que, ao contrário, está na mesma direção, até o impulso recebido se exaurir. Disso
aprendendo sua primeira lição, isto é, a vitória do erro. Neste er- depende o desenvolvimento de todo o ciclo, desde o início de-
ro ele se afirma, crendo ter vencido, enquanto na verdade per- finido e irrevogável. Se a primeira fase é o livre plantio das
deu. A verdadeira lição, que é o endireitamento, virá depois. Es- causas, a segunda fase é a fatal colheita dos efeitos, quando o
ta é a história de quantos fizeram fortuna no mal. fenômeno se acha mais avançado no seu desenvolvimento e
É preciso ter presente que todo o fenômeno do ciclo da re- começa a dar os seus frutos.
denção é orientado em sentido evolutivo, movendo-se do AS Se a primeira fase é o lançamento da órbita na direção anti-
para o S. É assim que a primeira fase traz consigo todo o sa- Lei, a segunda fase é o choque com a órbita da Lei, quando, pa-
bor do AS e lança sua trajetória na direção anti-Lei. É natural, ra o indivíduo, chega a hora da experiência da dor. Sacudido
pois, que, tratando-se de uma órbita em sentido negativo, esta pelo choque, ele entra no hospital para fazer a cura corretiva do
seja feita pelo engano e não possa levar senão ao emborca- erro, até sair dele convalescente, para iniciar a terceira fase do
mento na dor. Logicamente também, é inevitável o choque de tratamento. Por esse exemplo se vê a utilidade dessa segunda
tal órbita com a Lei, que, ao contrário, segue uma órbita de ti- fase, que, retificando a negatividade do erro através da negati-
po positivo. Embate doloroso, mas salutar, pois reconduz ao vidade da dor, corrige uma trajetória de enfermidade, que tende
caminho positivo, isto é, à salvação, que acaba, assim, tornan- à morte, com uma outra positiva de saúde, que leva à vida.
do-se um resultado inevitável. Na segunda fase, teremos então uma vida de tipo diferente,
2a fase – Esta é a fase na qual se experimentam as conse- isto é, não de abuso, mas de pagamento, não de desordem anti-
quências da primeira, que precede a escola da dor. Nela se reali- Lei, mas de reordenamento segundo a Lei. A primeira fase para
za a ação curativa do mal, com a correção dos erros. Em geral o indivíduo foi de livre iniciativa, que, por si mesma, embora a
esta fase se desenvolve na vida sucessiva. O triunfo obtido na seu modo, o ligava às suas responsabilidades. A segunda fase é
vida precedente ensinou ao indivíduo que é vantajoso o caminho determinista. Nessa etapa, é a Lei que comanda, curando o mal e
do erro. Esta vitória o fez assimilar no subconsciente as piores reconstruindo a ordem violada. Este é o momento em que se vê
qualidades do tipo AS, que, fixadas aí, agora ressurgem sob a como funciona a presença ativa de Deus em nosso mundo, uma
forma de instintos, impelindo-o a insistir na órbita precedente de vez que, como já foi explicado, não obstante a queda e a forma-
sentido negativo. Então este indivíduo se lançará de novo na ção do AS, o S permanece no centro do universo, com seu espí-
mesma direção, e a repetição do erro será tanto maior quanto rito animador e sua providencial potência curadora do mal.
maior tiver sido o sucesso que dele obteve na vida precedente. Como se vê, estes fenômenos no desenvolvimento de desti-
Verifica-se, desse modo, o choque fatal entre esta a traje- nos individuais têm raízes profundas, que estão em Deus, e só
tória errada e a trajetória da Lei. E tanto mais forte será o assim eles podem ser justificados com uma causa permanente,
choque, quanto mais negativa for a força do indivíduo, isto é, que lhes explica a forma e a evolução.
quanto maior o sucesso obtido com ela e, portanto, a potência Eis, pois, que o indivíduo se encontra diante do fato de ter de
atingida. Quanto mais forte for o choque, tanto maior será a viver um outro tipo de vida. O mesmo cálculo de probabilidade
dor do indivíduo, que se esfacela no momento em que a sua mostra que é difícil a possibilidade de se verificar, uma segunda
órbita choca-se contra a inamovível órbita da Lei. É natural vez, a feliz convergência de todos os elementos favoráveis ne-
que esta vença todas as órbitas menores que lhe são contrá- cessários para obter um sucesso frequentemente não merecido,
rias, porque ela é a maior do universo: a órbita da lei de Deus. porque a ele não correspondem reais qualidades e valores indi-
As órbitas lançadas no mesmo sentido a acompanham e, as- viduais. Então, diante de uma realidade tão diversa, cai a mira-
sim, não se chocam com a Lei, o que somente acontece com gem e o indivíduo choca-se contra a desilusão em que lhe nau-
aquelas estão contra a sua corrente. fragam os sonhos. A posição se troca, porque, na hora da corre-
Podemos agora compreender por que o choque advém. No ção da trajetória, aqueles mesmos movimentos, em vez de leva-
universo, temos a grande órbita da Lei, segundo a qual se mo- rem ao sucesso, conduzem ao desastre; em vez de trazerem sa-
ve em sentido evolutivo o transformismo de todos os fenôme- tisfação, geram dor; em vez de conseguirem um alto grau social,
nos, que, partindo do AS, tende à recuperação da ordem perdi- levam à prisão. Esta é a resposta que se pode dar a uma fácil ob-
168 A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
jeção que poderia ser levantada, quando se observa a realidade to mais decidido foi o lançamento da nova órbita em sentido
da vida, que nos oferece o espetáculo de homens malvados e contrário ao da Lei, tanto maior terá sido o sucesso até então ob-
bem sucedidos, gozando o fruto de sua iniquidade e zombando tido naquele caminho. Tudo isso, ao invés de fazer o indivíduo
da Lei e da sua justiça. Aqui podemos responder que tal contra- aproximar-se dos mais evoluídos, leva-o a cair num ambiente de
dição nasce porque a observação do fato limita-se ao exame de involuídos, ao lado não dos melhores, mas sim dos piores. Dada
um único momento do fenômeno, sem ver as outras fases. a sua forma mental da primeira fase, é natural que, por afinida-
Eis como funciona a escola. Ela não consiste na exposição de, ele se sinta levado a nascer e a viver justamente entre estes.
de teorias, as quais se pode não escutar, deixar de lado ou en- E nada mais poderá esperar deles, senão egoísmo, traição, assal-
tão torcer, dando-lhes uma interpretação própria, mas sim de tos etc., que terminarão por vencê-lo. Se na vida precedente lhe
fatos, que não se podem evitar. Pelo fato de ser uma defesa da foi fácil aproveitar-se de pessoas simples e boas, enganando-as,
vida, o método é benéfico e, embora magoe, constitui uma dessa vez, entre pessoas mais duras, ele levará a pior.
providência de Deus a nosso favor. Aqui o jogo dessa correção do erro se torna mais complexo.
Sem ação corretiva, que detém e remete o ser ao reto cami- Qual é, no processo da evolução, a função desses elementos pi-
nho, ele se perderia, tornando-se sempre mais desgastado e invo- ores que, embora tenham que se redimir, vencem na primeira
luído. É assim que o S o salva do desastre da queda no AS. E ne- fase, às custas de quem sofre na segunda fase? A Lei, sendo um
nhuma tentativa de destruição para subverter a ordem tem suces- conceito ou princípio imaterial, não se manifesta em nosso pla-
so, porque o resultado produz, infalivelmente, a lição adequada no senão através das forças e formas que a exprimem. Quando
para corrigir quem, na sua inconsciência, cometeu aquele erro. exige do violador compensações para restabelecer a ordem, ela
A segunda fase contém uma experiência real, feita na pró- usa, como executor do débito e da divina justiça, um outro in-
pria pele e sem possibilidade de evasão. Tentemos compreen- divíduo mais atrasado, que encontra no devedor uma oportuni-
der mais exatamente como isso acontece. A vida é como um dade para satisfazer seus instintos maléficos. Para quem sofre o
laboratório químico. Nele encontramos todos os elementos pa- dano, este processo constitui uma purificação e, para quem o
ra nos exercitarmos com suas combinações, nos mais diversos impõe ao outro, significa cair na tentação de cometer o erro.
modos. Porém, se desconhecemos, devido à nossa ignorância Assim, quem se encontra na primeira fase do ciclo, na qual se
das leis da química, as reações e os resultados das nossas ope- cometem os abusos, é utilizado para dar uma lição corretiva em
rações, então cometemos erros contínuos, porque misturas e quem se encontra na segunda fase, na qual se fazem os paga-
combinações são feitas ao acaso. Mas a própria química nas- mentos. O mesmo ato cumpre, em duas direções, funções di-
ceu assim, tentando e depois observando o que sucedia. O versas. Nas mãos de quem o faz, o mal é culpa e débito para
mesmo ocorre com as experiências da vida. Nela, as reações pagar depois à Lei; nas mãos de quem o recebe, é instrumento
já sabem funcionar por si mesmas e as combinações seguem a de redenção e pagamento da dívida à Lei.
Lei, que já conhecem. Porém o homem que não a conhece de- Assim todos trabalham para o mesmo fim em diversas fases
ve descobri-la por meio de suas experiências. Tudo já aconte- do mesmo ciclo. Aqueles da primeira fase preparam, sem que-
ce por si mesmo, independente dele. Seu conhecimento diz rer, a escola para os da segunda fase, mas deverão receber, por
respeito somente a ele e, exista ou não, não interessa de modo sua vez, a mesma lição, quando atingirem a segunda fase, por
algum ao funcionamento dos fenômenos. parte dos novos que, na primeira fase, iniciam o ciclo. Aparen-
Eis então que a vida coloca o homem no laboratório, a fim temente, os dois tipos são inimigos, porque um inflige dano e o
de que, provando, aprenda. A cada experiência, ele toma co- outro o recebe, mas eles, na realidade, colaboram fraternalmente
nhecimento de uma reação e combinação química nova. Em um para o bem comum, porque os da primeira fase experimentam
certo momento, quando o fenômeno já amadureceu, qualquer através do erro, enquanto os da segunda seguem um curso da re-
estímulo pode funcionar como catalisador. Então o edifício denção. É assim que, na sabedoria da Lei, até mesmo o mal ter-
químico se precipita e a combinação se fixa estavelmente num mina por desempenhar uma função de bem. Então quem acredita
dado composto, registrando-se o resultado da experiência no que trabalha em sentido negativo para o AS, na verdade trabalha
subconsciente, onde é depositado. Assim o ser enriquece o pró- em sentido positivo, para o S. Isso se deve ao fato, já examinado
prio patrimônio com conhecimentos que, depois, constituirão muitas vezes, de que a positividade do S permaneceu imanente
suas várias qualidades adquiridas, vindo estas a fazer parte in- no centro da negatividade do AS, com a função de transformá-
tegrante da sua personalidade como ideias inatas e impulsos na- la, através da evolução, na positividade do S. Assim, o mal se
turais instintivos. É assim que a personalidade vai sendo cons- torna uma escola que, através da dor, redime do mal e da dor.
truída através da experimentação e o ser vai recuperando a sa- Uma vez que se trata de um jogo de emborcamento e endi-
bedoria do S, perdida com a queda no AS. Isto é o que se faz do reitamento, assistimos àquilo que os maus podem ver como
nascimento até à morte. O indivíduo, ponto por ponto, constrói zombaria. Estes, de fato, pensam que, fazendo o mal aos ou-
com o próprio esforço a própria sabedoria, que se torna sua tros, podem obter vantagem para si, quando, na verdade, fazem
propriedade inalienável e a mais útil conquista da vida. o bem àqueles, devendo depois pagar o mal que praticam. As-
A estrutura desta técnica nos faz compreender como ocorre sim os inimigos vivem abraçados, ajudando-se mutuamente no
a correção do erro na segunda fase. O resultado de tais experi- trabalho da evolução. O resultado de todo este trabalho não é
ências forma uma conexão de ideias diferentes da primeira fase, negativo e destrutivo, como desejariam os cidadãos do AS,
substituindo a conexão entre erro e vantagem própria pela de mas sim positivo e construtivo, como quer a Lei. Assim, fican-
erro e dano próprio. Assim, com a finalidade de corrigir a pre- do livres para fazer o mal, acabam fazendo o bem. Pode-se en-
cedente, uma nova ideia se estabelece, registrando-se e alojan- tão compreender, além da aparência, uma realidade diversa,
do-se no subconsciente, para ressurgir depois, conforme já foi aquela já revelada pelo Evangelho no Sermão da Montanha,
dito, sob a forma de instinto, como qualidade adquirida pela em que os vencedores, na perspectiva do mundo, tornam-se
personalidade, para dirigir de modo diferente uma outra vida. vencidos e os vencidos, vencedores. Assim, um inimigo que
O fenômeno também é conduzido por esta via porque, se o nos faz sofrer pode tornar-se um amigo que nos faz subir,
indivíduo na vida precedente foi um vencido, ele acreditou, no obrigando-nos a evoluir. Pior para ele então, pois a salvação
entanto, ter sido um vencedor, uma vez que, momentaneamente, está na evolução e, através do pobre coitado, podemos subir a
os fatos lhe davam razão. Ora, essa ilusão com que o AS o traiu, uma posição melhor, enquanto o mesmo fica atrasado, numa
empurrando-o a repetir o erro, faz que ele continue na direção posição pior. Através dele, pagamos nossos débitos, enquanto
involutiva com os mesmos métodos. Mas, como já vimos, quan- ele se endivida e deve pagar. É por essa razão que o Sermão da
Pietro Ubaldi A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS 169
Montanha pode dizer, “Abençoados os que choram, porque se- tória, uma vez lançada, deve ser percorrida até o fim. O segun-
rão consolados... abençoados os que sofrem, alegrai-vos e do homem, por sua vez, continua a pensar: “Eis que é inútil
exultai, porque grande é a vossa recompensa...”. avisá-lo. Afinal de contas, esta é a linha traçada pela Lei, e não
Assim se percorre a segunda fase do ciclo e se conquista o posso mudá-la. Se ele não se espatifar na curva, como já acon-
conhecimento. Tudo isso, porém, não se resume a um fato úni- teceu outrora comigo para aprender, ele jamais compreenderá
co e imediato, mas sim a uma reconstrução executada em cada e, assim, não se decidirá a deixar o caminho do erro e seguir a
detalhe, por graus, ponto por ponto, em todos os campos e sob via correta segundo a Lei. Deixemo-lo, pois, nas mãos de
todos os aspectos da vida, envolvendo sentimento e intelecto. O Deus. É necessário provar para crer”.
ciclo da redenção, portanto, não se realiza numa única zona do A conclusão é que, devido à própria natureza do homem, a
indivíduo, mas é um fenômeno que se repete a cada passo, em sua via natural é traçada pelas três fases do ciclo da redenção,
cada setor, em tantos casos quantos são os elementos do conhe- razão pela qual não se pode retornar à felicidade do S senão pe-
cimento, para reconstruí-lo em todos os seus detalhes. la dura via do erro e do pagamento com a própria dor. Constru-
Ainda que varie o conteúdo específico da experimentação, ído assim, com os elementos que o constituem, o fenômeno não
não muda a técnica trifásica do ciclo com que se realiza a pode seguir outra linha de desenvolvimento. Teremos sempre
evolução, permanecendo na segunda fase a sua característica indivíduos do primeiro e do segundo tipo de homem. E os
de falência dos métodos da primeira. Assim a desilusão se primeiros somente compreenderão os segundos depois de have-
mantém, pois são obtidos resultados opostos aos precedentes, rem chegado, através de seus erros e correspondentes choques
terminando-se por viver na corrente contrária à da primeira com a Lei, à segunda fase, onde encontrarão a dor. Para quem
fase, que foi vivida na anti-Lei. Na segunda fase, em vez de ignora a estrutura da Lei, não é possível compreender, sem ter
se continuar a comandar livre no caos do AS, como se dese- antes passado pela experiência, que não se poderá jamais che-
jaria, deve-se obedecer disciplinadamente, na ordem do S. gar à felicidade pela via fácil da descida, mas somente pela via
Esta é a hora da penitência, mas é também a hora da reflexão difícil da subida, o caminho adequado para alcançá-la. Que o
e da mudança, momento precioso, no qual se aprende e, as- universo seja regido, na complexa organicidade da sua ordem,
sim, se prepara o lançamento de um novo destino, segundo por uma lei de fácil e injusto arrivismo, só os involuídos, igno-
uma nova e correta trajetória. rantes da realidade, podem pensar.
Para melhor compreender as relações entre a primeira e a 3a fase – Assim como a primeira fase leva à segunda, que a
segunda fase, vejamos um exemplo. Imaginemos dois indiví- continua, a segunda leva à terceira. Na primeira, o indivíduo é
duos, que chamaremos de homem da primeira fase e homem da alucinado pela visão deformada da realidade no AS. Ele não vê
segunda fase, no sentido de que o primeiro vive o primeiro pe- a Lei como força vital amiga, mas sim como um inimigo que é
ríodo do ciclo, o do erro, e o segundo vive no segundo período, preciso vencer, e seu valor consiste em desobedecer. Assim, ele
o da correção na dor. Há dois caminhos: um que desce (involu- se lança imediatamente numa órbita negativa, e o sucesso que
ção) e outro que sobe (evolução). O primeiro homem é esperto, obtém o engana, porque o leva a chocar-se com a Lei. Sobra-lhe
sabe viver, escolheu o caminho cômodo e segue por ele sem fa- tempo para confirmar-se no engano, porque aquele choque só
diga, livre em sua bicicleta, cantando despreocupado, feliz por ocorre após a trajetória ser toda percorrida, isto é, quando o mal
ter descoberto a vida fácil. Bastava somente um pouco de astú- está feito. Antes de chegar a esse ponto, o fenômeno do movi-
cia e ele, convencido da própria inteligência, de repente fez a mento das forças necessárias deve desenvolver-se todo numa de-
descoberta. O segundo homem não é ladino, mas sim honesto. terminada direção. Assim o pecador pode cometer livremente
Escolheu o caminho íngreme, que sobe, cheio de pedras agu- todas as culpas que quiser e concluir sua vida com a convicção
das, e segue por ele com esforço, empurrando a sua bicicleta, de estar com a verdade. E, até certo ponto, os fatos acabam lhe
quando não é forçado a carregá-la sobre os ombros. Caminha dando razão. Mas, assim, ele iniciará uma nova vida, lançando-
pensativo, escavando a própria alma, ocupado com um profun- se a toda velocidade na segunda fase: a da penitência.
do trabalho de introspecção, a fim de compreender o sentido e o Dados estes precedentes, o choque é fatal. Desta vez, o in-
valor da vida difícil, a sua função redentora e suas metas lon- divíduo não encontra o caminho livre para desenvolver a expe-
gínquas. Ele não é mais tão ingênuo a ponto de se crer inteli- rimentação a seu modo, pois, enfrentando condições opostas,
gente só pelo fato de ser astuto, porque experimentou as conse- acha-se bloqueado pelas resistências da Lei, contra a qual vai
quências de se deixar enganar pelo orgulho. chocar-se, e isto o obriga a se corrigir. O dano do choque recai
O primeiro homem, muito contente consigo mesmo, vai completamente sobre o próprio indivíduo, que o provocou. A
correndo confortável pela descida, sem freios. No fim do ca- correção da trajetória é uma consequência do fato de se obter
minho há uma curva, mas ele não se preocupa em saber o que resultados opostos aos previstos. A primeira fase é positiva para
há na frente. Tudo é tão fácil e belo! Que importa? Ele sabe o o indivíduo, mas negativa diante da Lei. A segunda fase é nega-
que faz, é ladino. Na sua inconsciência, plenamente satisfeito tiva para o indivíduo, mas positiva diante da Lei. Podemos ago-
consigo mesmo, olha com lástima o segundo homem, cansado ra compreender a estrutura destes fenômenos, porquanto os vo-
na subida, e pensa: “Como é possível ser tão estúpido para es- lumes precedentes nos permitem orientá-los em relação ao fun-
colher um caminho tão incômodo, quando se pode tomar este cionamento universal. A presença do S no centro do AS faz
outro tão belo, que eu escolhi?”. Tem vontade então de gritar: com que deva ser reabsorvida a desordem pela ordem, a negati-
“Muda o caminho, tolo. Não sabes viver!”. vidade pela positividade. Compreende-se, então, que a fatalida-
Por sua vez, o segundo homem olha o primeiro, que o jul- de do choque implica na fatalidade da correção e da salvação,
ga, e pensa: “Coitado, com seu modo de agir, está destinado a com o triunfo final do S sobre o AS.
se espatifar. Adverti-lo é inútil, porque ele está convencido de Chegamos assim à terceira fase. O seu conteúdo não é
ser ele o sábio e eu o idiota, uma vez que o sucesso imediato mais o trabalho de estabelecer condições de choque, para a
lhe dá razão”. Nos lados do caminho estão os pregadores mo- correção da trajetória e do erro, mas sim de confirmação da
ralistas, que o advertem do perigo, mas ele é astuto e não se posição correta, alcançada no final da segunda fase. Não basta
deixa enganar. No fim, a Lei vai ensiná-lo, fazendo-o aprender receber uma lição, é preciso também absorvê-la. Não basta
com a própria experiência, e não com a alheia, deixando-o obter resultados, é preciso também assimilá-los, transforman-
quebrar a própria cabeça, em vez de ver a cabeça partida dos do-os em qualidades adquiridas, fixadas na própria personali-
outros. Não seria justo que um simples aviso permitisse ao dade. Na terceira fase cumpre-se o processo da trajetória cor-
culpado desviar-se ou parar a tempo. Ao contrário, uma traje- reta, para experimentar-lhe as vantagens e assim confirmar a
170 A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
sua verdade. Para ensinar que este é o melhor caminho, é pre- Dada a multiplicidade de pessoas e posições, encontramos
ciso que aos sofrimentos passados se acrescentem os bons re- na Terra um emaranhado de destinos, que se tocam, influenci-
sultados atuais. Assim a função da terceira fase é confirmar am-se, entrelaçam-se e podem combinar-se entre si, no entanto
definitivamente, num dado campo de experiências, a posição não se misturam. Quem se encontra na primeira fase, a do erro,
do erro corrigido e da lição aprendida. pode exercer a função de carrasco e utilizar aquele que, so-
Trata-se de se construir, conquistando o conhecimento. A frendo sua ação como vítima, encontra-se na segunda fase, a
dura lição da segunda fase dissuadirá o indivíduo de repetir os do pagamento com a própria dor. O agressor é levado a isso
erros da primeira, e a lição da terceira lhe fará ver as vanta- não só pelos instintos básicos, mas também pelo fato de que os
gens de viver segundo a Lei. Assim, agora, ele poderá ter uma mais involuídos se agarram às costas de quem tenta sair do AS,
vida de paz e alegria, na qual fará a experiência da ordem e de a fim de impedir que isso aconteça, porque não querem tais fu-
suas vantagens, vivendo segundo a Lei, e não na anti-Lei. Tal gas para o campo inimigo, que, na verdade, gostariam de ver
como na primeira fase se formou a conexão entre erro-abuso- destruído. Esta é a razão pela qual os melhores, que buscam
alegria e, na segunda, a conexão entre erro-abuso-dor, forma- superar-se, são assaltados e caem presas dos piores. Estes con-
se na terceira fase a conexão entre ordem-dever-alegria. Com sideram-nos seus inimigos, porque sentem inconscientemente
isto, o ciclo se fecha num tipo de forma mais inclinada ao S, neles a potência superior do Sistema, que os vence. Este é o
em oposição àquela inicial, mais inclinada ao AS. Assim, gra- poder da justiça, da bondade e da ordem – qualidades e méto-
dualmente, progride-se no caminho da evolução, até suas zo- dos do Sistema – que levam aqueles situados na segunda fase,
nas mais altas, de natureza moral e espiritual. onde se dá a correção, a aprender e praticar.
Passa-se, deste modo, da ignorância ao conhecimento, do Deste modo, involuído e evoluído se atraem mutuamente.
engano à verdade, da falsa alegria à verdadeira, da desordem Cada um dos dois tem necessidade do outro para cumprir sua
do AS à ordem do S, percorrendo todo o ciclo nos seus três experiência. O carrasco, para realizar o mal que depois paga-
momentos: erro, expiação e redenção. Isto em correspondên- rá, tem necessidade de uma vítima para executá-lo, e a vítima,
cia ao ciclo universal da queda e da salvação, nos seus três para pagar o delito pelo mal que fez, tem necessidade de um
momentos: AS, dor e S. carrasco que a faça pagar. Procede-se a uma troca de serviços
Podemos, dessa forma, compreender a centralidade da pai- opostos, que são realizados em duas posições opostas, para
xão de Cristo no fenômeno biológico da evolução. Eis que, fazer duas experiências também opostas.
mesmo no caso particular da reconstrução de cada qualidade da Assim, encontramos tanto aquele que, oprimindo, goza às
personalidade, mesmo nos seus menores aspectos, encontramos expensas do outro, mas, com isso, prepara-se para pagar com
reproduzido o modelo do grande ciclo da queda e reconstrução o próprio sofrimento, como aquele que, oprimido, sofre, mas
do nosso universo, dado pelas três fases: 1 a) A queda involutiva prepara-se para conquistar o melhoramento proporcionado
do S na posição negativa de AS (desmoronamento); 2 a) A dor e, pela evolução.
assim, a árdua luta para reconstruir o S, evoluindo; 3a) A salva- Com injustiças opostas e compensadas forma-se uma jus-
ção, com o retorno ao S, através da evolução. tiça. Na realidade, a verdade que poucos veem é que, no pri-
Se o indivíduo tiver percorrido todo o ciclo, então terá as- meiro caso, o carrasco, que experimenta na primeira fase,
similado a lição e consolidado a experiência, por ter vivido seu prepara para si mesmo uma vida de expiação corretiva numa
lado positivo. Partindo da nova posição conseguida, ele poderá segunda fase, em que ele pagará, tornando-se vítima. E a ví-
iniciar um outro ciclo do mesmo tipo, mas num outro setor tima, que viveu a segunda fase, prepara para si uma vida de
mais avançado, ainda não explorado, e assim por diante, re- redenção na terceira fase, onde será compensada pelo que so-
construindo-se e avançando no conhecimento, sempre em dire- freu. Todos, sem saber ou querer, trabalham juntos, ajudan-
ção ao S, onde todos os erros terão sido eliminados, arrancados do-se mutuamente. Também nesse campo se aplica a lei das
um a um por meio da dor, consequência deles. unidades coletivas, que tende a engrenar vários elementos pa-
Na vida, encontramos indivíduos que estão situados na ra formar um organismo. Podemos então ter uma série de
primeira fase, outros na segunda e outros na terceira. Expli- destinos conectados entre si, dispostos em órbitas coordena-
cam-se desse modo suas diferentes condições. Para facilitar a das, a fim de realizar o mesmo trabalho. Nessa massa de des-
compreensão, expusemos aqui o fenômeno de forma esquemá- tinos, encontramos as trajetórias do pecador, do penitente e
tica, dividindo o ciclo em três fases, vividas em três vidas. Mas do redentor. O primeiro está no erro, o segundo se corrige na
pode acontecer que uma fase se prolongue e continue também dor e o terceiro goza do resultado da lição aprendida. Há vi-
na nova existência. Pode haver destinos mistos, de transição, das cinzentas, em que pouco ou nada se faz; há vidas tempes-
onde encontramos as características de duas fases sucessivas. tuosas e destrutivas; há vidas iluminadas pela redenção. Há
O indivíduo pode, então, ficar submetido a dois destinos diver- tantos destinos quanto pessoas.
sos, um na fase final e outro na inicial. Pode até acontecer que Ao longo dessa grande corrente, o ser pode ocupar as mais
uma fase domine várias vidas. É difícil encontrar uma só das variadas posições. Pode haver quem escolha a inércia, retirando-
três posições em estado puro, com domínio exclusivo do cam- se assim de toda atividade, para evitar o erro e, com isso, a pos-
po. Frequentemente há necessidade de repetir a segunda fase sibilidade de entrar no ciclo da redenção. Mas nem mesmo esta
corretiva, por se ter persistido no erro, sem querer entender. A tentativa de evasão exime das provas necessárias para evoluir,
série desses ciclos de recuperação é tão longa quanto o cami- pois seria muito fácil resolver o problema com a resistência pas-
nho da evolução, e tão vasta quanto todas as qualidades do in- siva à Lei, que, ao contrário, representa a exigência absoluta de
divíduo. Sempre através do mesmo processo erro-dor- subir do AS ao S, isto é, de retornar a Deus. Há, em nosso uni-
redenção, o esquema do ciclo e a sua técnica permanecem e se verso, uma inadiável necessidade de evolução, e quem se lhe
repetem em todos os casos, porém ocorrendo em um nível bio- opõe é um rebelde, não por violação, mas pelo descumprimento
lógico cada vez mais alto. Assim, as experiências e as conquis- da Lei, e fica assim sujeito às consequências que acompanham
tas serão de tipo sempre mais avançado e poderão ser realiza- toda transgressão da Lei. Transgressor porque todo o nosso
das mesmo fora do campo moral orientador do reto comporta- mundo está envolvido no ciclo da redenção, com as três fases
mento, estendendo-se nas áreas do conhecimento, para adquirir descritas acima, das quais a primeira foi a revolta de origem, que
outras qualidades, que também constituem a personalidade. In- iniciou a queda no AS, isto é, a fase do erro; a segunda é a atual
sistimos no tipo de experimentação ética porque ele é funda- correção na dor; e a terceira será a da cura salvadora no S. Eis
mental para a formação do indivíduo. então que, mesmo se o indivíduo não tem um erro precedente e
Pietro Ubaldi A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS 171
pessoal a pagar, ele está situado como elemento no meio da VII. A TÉCNICA FUNCIONAL DO DESTINO.
massa que se encontra em tais condições, isto é, de pagadores da A FUTOROLOGIA E A RACIONAL
segunda fase. Assim cabe-lhe inexoravelmente, por justiça, a fa- PLANIFICAÇÃO DA VIDA
diga da evolução. A vida é um processo de experimentação que,
através da técnica edificante das provações, tende a reconduzir o Os conceitos expostos acima nos permitem colocar em foco
ser à consciência e ao conhecimento da Lei. Mesmo que o indi- o problema do nosso destino. Vivemo-lo sem compreender seu
víduo queira assumir uma posição neutra, para não cair em cul- significado. Cada um tem o próprio e a ele fica inexoravelmen-
pa, ele se encontra sempre perseguido pelo aguilhão da Lei, que te ligado. Que força é esta que fatalmente nos constringe? Que
o impulsiona adiante no caminho da evolução. deseja de nós? Por que tudo isso acontece?
Expliquemos estes conceitos com uma imagem. A evolução é A nossa personalidade é um organismo de forças bem de-
uma pista onde avança o tráfego de automóveis num dado senti- finidas, constituídas por nossas qualidades, de cujo tipo de-
do. O seu percurso é o caminho da vida. O regulamento da estra- pende a estrutura de nosso destino. Se elas estiverem de acor-
da – a Lei – estabelece uma velocidade média para todos, estabe- do com a Lei, atrairão outras forças benéficas, enquanto, se
lecendo no tempo o ritmo do transformismo fenomênico. O ser, forem anti-Lei, atrairão forças maléficas. Segundo sua própria
durante sua evolução, permanece fechado não só dentro dos tri- natureza, cada indivíduo forma sua própria atmosfera, com-
lhos estabelecidos pelo seu determinado tipo de forma, mas tam- posta de elementos que lhe são afins e de acontecimentos do
bém dentro de um determinado tipo de ciclo de maturação evolu- mesmo tipo. Tudo isso ocorre segundo a justiça, porque a es-
tiva próprio dessa forma. Deve nascer, crescer, envelhecer e mor- trutura de nossa personalidade depende de uma livre escolha
rer segundo um certo modelo orgânico e com um ritmo preesta- desejada por nós no passado, cujos efeitos se fixaram em nós
belecido. Quem corre muito sobre a pista vai bater no veículo e cujas consequências trazemos conosco.
que está na sua frente. Este é o caso do gênio incompreendido Como ocorre esta atração por afinidade? As forças que
que, antecipando os tempos, tenta ultrapassar a multidão de me- constituem o organismo da personalidade são ligadas à seme-
díocres. Então, para se adequar à média, ele é obrigado a diminu- lhança de um circuito fechado, oferecendo desse modo resis-
ir a marcha. Quem vai muito devagar na pista é atingido pelo car- tência a combinações com forças de outro tipo, que são repeli-
ro que está atrás. É o caso do ignorante inerte que tenta parar o das, enquanto atraem e introduzem no circuito forças do mesmo
tráfego. Então ele é obrigado a acelerar. E há também o caso do tipo, as quais, depois de aceitas, fazem crescer o potencial da-
inconsciente, que acaba fora da estrada e vai bater por conta pró- quele organismo. A natureza dessas combinações depende do
pria. Eis em cada caso um erro a pagar. tipo da personalidade, que, segundo a sua natureza, atrai para si
Nesse capítulo, examinamos este caso mais comum e evi- o que lhe é semelhante. Assim, os bons, ainda que na fase de
dente do indivíduo que sai da estrada, destrói o seu carro, reco- correção ocorra o contrário, automaticamente tenderão a se unir
lhe os pedaços e, depois, reajusta-os, paga os danos e se repõe aos bons, enquanto os maus são repelidos por ele. Por outro la-
no caminho da evolução. E ainda, por último, observamos o ca- do, aos maus, mesmo que estejam na primeira fase, na qual ob-
so também típico do tranquilo fugitivo da Lei, que desejaria de- têm o próprio triunfo, acontece o contrário, pois tenderão a se
ter-se no meio da estrada e, como um alienado, sentar-se para unir com outros maus, já que os bons fugirão deles e também
descansar. Naturalmente, um tipo assim será atropelado. Esta é a serão por eles repelidos. Depois, superadas as provas e aprendi-
provação que aguarda o indivíduo, quando ele não se decide a da a lição, cada um acabará por atrair o novo tipo de forças e de
mover-se. Por outro lado, a provação para quem é muito ardente indivíduos aos quais, através da experimentação, tornou-se
na evolução é permanecer entre indivíduos inferiores, que lhe afim. No entanto, dado o tipo de circuito que constitui uma per-
sufocam os movimentos. Neste caso, pode ser que ele se encon- sonalidade, a escolha das forças a serem anexadas é fatal, como
tre na dolorosa posição merecida por haver cometido algum erro também é fatal ter que lhes sofrer as consequências.
causador de retrocesso involutivo. Na construção de um destino, temos três momentos conec-
Estas observações nos fazem compreender que a inércia tados por derivação: 1o) Livre-escolha; 2o) Construção de um
também é, diante da Lei, um erro a pagar. Não fazer nada pode certo tipo de personalidade; 3o) Fatal sujeição, a partir da es-
constituir a primeira fase do ciclo da redenção, tornando-se trutura formada, a um tipo de forças e acontecimentos que
inevitável percorrê-lo todo, mesmo para aqueles que acreditam constituirão o destino atual. A manifestação ocorre apenas no
não cometer culpas com sua imobilidade. Podemos assim terceiro momento, estando ocultos os dois primeiros, prepara-
compreender por que os indivíduos que nada fazem, nem para tórios, como raízes subterrâneas das quais se desenvolve de-
o bem nem para o mal, são submetidos a duras provas, que de- pois a planta. Esta toma formas diversas, conforme a semeadu-
sempenham a função de estimular a atividade. Ora, isso acon- ra tenha sido feita na direção da Lei ou da anti-Lei. Assim, o
tece justamente porque seu grande pecado é não fazer nada, o fenômeno do destino é percebido sobretudo na segunda fase do
que exige pagamento como qualquer outro erro. A culpa con- ciclo da redenção, porque é nesta que se dá a correção obriga-
siste em recusar-se à fadiga da subida, recusando realizar o es- tória dos erros livremente cometidos na primeira fase. Por essa
forço necessário para subir a escada que reconduz a Deus. A razão, o destino toma a forma de fato inexorável. Queremos
Lei permite o repouso em função do trabalho, para que este justamente analisar aqui, com mais profundidade, quais são as
possa continuar, e não a inércia como fim em si mesma. As causas e as razões desta sua inexorabilidade.
virtudes negativas, por si sós, são contra a Lei. Desse modo, O fenômeno todo tem funcionamento automático. Uma
quem nada faz parece inocente, pois não comete erros, no en- vez feita a escolha dos caminhos a seguir, a órbita deve fatal-
tanto é obrigado à fadiga de experimentar a correção como um mente continuar o seu impulso. Tudo depende desta primeira
pecador. Tentar, com a própria preguiça, deter a corrente que colocação. Quando o indivíduo se põe numa dada posição di-
sobe em direção a Deus também é uma culpa a ser corrigida, ante da Lei, fica depois encurralado num dado tipo de conca-
pela qual é necessário sofrer a devida lição. tenamento de causas e efeitos, de modo que não pode mais sa-
Observamos, assim, os mais variados tipos de destino, que ir dele enquanto não haja percorrido todo o trajeto. Esse pro-
são tantos quantas são as gotas de água do oceano. Interligan- cesso passa a ser um componente da sua personalidade. Sua
do-se e combinando-se no imenso laboratório que é a vida, ca- própria vida se transforma nesse processo, de modo que é im-
da destino vai seguindo o seu caminho ao longo do imenso possível escapar dele. Daí advém a fatalidade do destino.
mar da evolução e da grande onda do tempo. Este oceano é o Quando um indivíduo enfrenta a sua vida, ele leva consigo
universo, que caminha para Deus. as consequências de todos estes precedentes, aos quais está li-
172 A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
gado. Segue-se que, na série das várias oportunidades que a vi- Vemos um mal nos cair às costas e, para nos defendermos, que-
da lhe oferece, ele não escolhe livremente ou por acaso, mas se remos descobrir quem é o inimigo que no-lo atira. Não compre-
orienta seguindo suas preferências, segundo as atrações estabe- endemos que não se trata do assalto de um inimigo, mas do fun-
lecidas pela sua natureza. Disso depende o seu comportamento, cionamento da justiça da Lei. É inútil nos culparmos uns aos ou-
o seu tipo de reação, o seu método de pensar, seu modo de agir tros. Cada um sofre as consequências do que faz. Quem foi atin-
e, por conseguinte, a sua vida. Mas tudo isso depende de sua gido expia, e quem o atinge deverá expiar por tê-lo atingido.
forma mental, que foi construída por ele no passado. Eis como Há filhos que maldizem os próprios pais porque eles, tra-
o indivíduo traz consigo já traçado o caminho que há de seguir. zendo-os ao mundo, condenaram-nos a uma vida de sofrimen-
A escolha, o comportamento, os tipos de reações, o modo de tos. Mas esses pais poderiam responder a cada um de seus fi-
pensar e de agir eram como sementes à espera de desenvolvi- lhos: “E tu, por que encarnaste naquele feto? Não fomos nós
mento, escondidas no inconsciente do indivíduo, introduzidas aí que te obrigamos a escolhê-lo. Por que não nasceste de um
por ele mesmo no passado. Dado esse precedente, não é possí- outro casal? Poderia esse fato mudar a tua natureza e o teu
vel que ele seja diferente do que é ou se torne uma outra pes- destino, que depende dela? Nós te demos um corpo, mas não
soa, para que as consequências derivadas de sua natureza pos- te obrigamos a escolhê-lo entre tantos outros. A alma é tua, e
sam ser diferentes do que são. Para que isso fosse possível, se- não fomos nós que a fizemos. Se foi Deus que assim te criou e
ria necessário que o indivíduo fosse feito de outro modo. Assim te obriga a viver desse modo, então volta-te contra Ele”.
a única via que ele pode seguir é somente a do natural desen- Depois destes esclarecimentos, tais reclamações não têm
volvimento da trajetória do seu destino, tal como esta foi lança- mais sentido. Contudo, para resolvê-los, é necessário sair do
da por ele. Uma mudança é possível, mas somente percorrendo mistério e conhecer este funcionamento. Os desgraçados que
toda a órbita, introduzindo pouco a pouco, com novos impul- passem a fazer exame de consciência e, ao encontrar a culpa em
sos, as correções para modificá-la, depois de haver passado pe- si mesmos, procurem corrigi-la. Como pode a Lei ser tão injus-
las devidas provações, consequências do passado, e ter apren- ta a ponto de fazer um filho inocente pagar as culpas dos pais?
dido a lição. Uma mudança rápida se poderia fazer, desde que E, da parte destes, como é possível, por sua vez, serem respon-
possuísse o conhecimento. Mas o conhecimento não se pode sáveis por um destino que não podem prever? Certamente esses
sobrepor à experiência, porque é consequência dela. pais podem e devem ajudar com a educação, mas já vimos que
Este fenômeno do destino, uma vez que é consequência do os destinos não se anulam senão depois de terem sido percorri-
que semeamos, apresenta a característica de golpear nos pontos dos, vivendo-se todas as relativas experiências. Como se vê, es-
precisos e na forma em que semeamos. Constituindo-se na cor- tamos fechados numa gaiola de ferro, que é a ordem e a justiça
reção das forças anti-Lei que pusemos em movimento, é lógico da Lei. É lógico que ela não nos venha dar essas explicações e,
que, para nos corrigir, como é sua função, ele o faça de modo imperturbável, continue a funcionar em silêncio. Somos nós
específico e dirija-se contra o defeito a ser corrigido, atingindo que, com a nossa inteligência, devemos chegar a compreender.
o órgão enfermo a ser curado. Assim, cada um é submetido a ◘◘◘
um dado tipo de provas, duras para si, porque o golpeiam jus- Procuremos agora compreender ainda mais profundamente
tamente em seu ponto fraco, de menor resistência, enfermo e a estrutura do fenômeno de nosso destino. Veremos que ele,
dolorido, enquanto que, para outros, tal tipo de provas é insigni- não obstante possa ser entendido como fatalidade cega, é, na
ficante, porque eles, naquele ponto, são fortes, sadios e inatacá- verdade, um fato que se pode racionalmente prever, calcular e
veis. Mas aqueles que não foram atingidos serão, por sua vez, livremente preparar, mesmo apresentando-se depois como de-
submetidos a provas que lhe serão igualmente duras, porque se- senvolvimento automático e fatal. Segundo a justiça, somos
rão golpeados em outros pontos também fracos, doentios e do- responsáveis, e não há como contestar.
lorosos, entretanto estas provas não atingirão os demais seres É necessário, antes de tudo, compreender que só existimos
que, nestes pontos, são fortes, sadios e inatacáveis. enquanto somos um vir a ser. O transformismo é a forma da
Eis então que essas forças são automaticamente canalizadas nossa existência. Não somos algo fixo, mas sim uma trajetória
para ferir o ponto justo, particular de cada indivíduo. Isto é ló- em movimento. É este movimento que nos sustém, assim como
gico, pois esta canalização já está estabelecida pela direção em é o movimento que mantém os planetas nas suas órbitas. So-
que foi lançado o primeiro impulso, continuando por si só, mos crianças que se tornam adultos, adultos que envelhecem,
através do conhecido concatenamento entre o erro, o seu regis- velhos que morrem para renascer. Estamos sempre nos tornan-
tro como mau hábito ou qualidade adquirida, a experiência cor- do alguma coisa diferente e não podemos nos deter nunca.
retiva e, finalmente, a correção da trajetória errada. Ora, o des- Aqui, o esquema rotativo da órbita planetária nos exprime o
tino não pode funcionar senão permanecendo dentro desse ca- fenômeno com evidência. Existimos hoje de um modo diverso
nal em que foi gerado, do qual não pode sair enquanto um novo do que fomos ontem e do que seremos amanhã, ou seja, esta-
impulso não modificar sua trajetória. É assim que o destino é mos sempre em um outro ponto de nosso movimento, que é a
fatal, estritamente pessoal e específico, sendo exatamente orien- continuação do precedente. Assim, pois, cada um de nós é uma
tado para os pontos pré-estabelecidos, construídos por nós ante- personalidade que resulta de um conjunto de qualidades bem
riormente. No caso da segunda fase da redenção, torna-se uma definidas, mas em contínua transformação, razão pela qual o
escola com a finalidade de corrigir aqueles determinados erros ser existe na forma de uma trajetória em curso, como uma en-
que quisemos cometer no passado. Tudo isto é bem definido, tidade que navega através do seu transformismo, individuada
sem elasticidade ou promiscuidade. A cada um corresponde a pelo típico feixe de forças que a constituem. Daí se conclui
responsabilidade pela sua culpa e a fadiga da redenção. Tudo que, assim como uma massa, ao ser lançada ao longo de uma
segundo a justiça. Cada um paga os próprios pecados, e não os trajetória, tende, por inércia, a manter inalterada a sua direção,
dos outros, que pagam somente os seus. Cada um se redime uma personalidade, ao ficar definida pelas suas qualidades,
com as próprias dores, e não com as dos outros, que, por sua também tende fatalmente a prosseguir seu destino.
vez, não podem se redimir através das dores alheias. A Lei não Afirmamos anteriormente que tais forças formam um cir-
pode ser senão esta da mais exata justiça. cuito individual fechado em si mesmo, o qual, porém, encon-
Quando alguém sofre por um duro destino, é levado a procu- tra-se em relação com o ambiente em diversas condições, por
rar a causa nos outros, jogando a culpa neles, e não em si mes- afinidade ou dessemelhança, por atração ou repulsão. Aper-
mo, acreditando desse modo que pode se livrar da própria dívi- feiçoemos agora estes conceitos. Quando a personalidade se
da, enquanto, na verdade, agrava o erro, aumentando a culpa. desloca através de seu transformismo e percorre assim a traje-
Pietro Ubaldi A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS 173
tória do seu destino, ela atrai para si as forças afins que en- como é justo, em quem o praticou. Cada um premia ou pune a
contra nesse caminho e repele aquelas com que não sintoniza. si mesmo com as suas próprias mãos, porque o destino é dado
Dessa atração nasce uma aproximação e, depois, uma combi- pelo tipo de trajetória por ele escolhida e lançada, que o levará
nação. Então um determinado evento se verifica. fatalmente às posições situadas ao longo de seu percurso. É as-
É a natureza das forças constitutivas da sua personalidade, sim que a vida, dependendo do fato de ser positiva ou negativa,
com suas qualidades bem definidas, que estabelece o tipo de será feita de bem ou de mal, benéfica ou maléfica, autoconstru-
atração, de repulsão e, logicamente, de combinações para o in- tiva ou autodestrutiva. E deste último tipo será a vida do indiví-
divíduo, promovendo depois a verificação de determinados duo malfeitor, mesmo que ele se proponha a ser maléfico e des-
eventos em sua vida. Mas estas qualidades são construídas por trutivo apenas para os outros. Se estes forem inocentes, não se-
ele mesmo, com seus pensamentos e atos passados. Assim, es- rão atingidos por ele. Ele poderá irradiar forças negativas, mas
tão presentes no fenômeno estes dois elementos: 1 o) A natureza é ele próprio quem mais está impregnado delas, porque essas
da própria personalidade do indivíduo, ou seja, a sua estrutura, forças constituem a sua natureza e, se são prejudiciais para to-
com suas particulares atitudes de atração e repulsão; 2 o) A traje- dos, o são sobretudo para ele, que, mais do que todos, está satu-
tória segundo a qual ele é lançado, que o expõe a encontrar as rado delas. O mal que ele faz aos outros é muito menor do que
várias forças entre as quais, conforme a qualidade daquela natu- o mal que termina por fazer a si mesmo. E, vice-versa, o mes-
reza, automaticamente ocorrerá a escolha. Ora, estes dois ele- mo ocorre em relação ao bem, seguindo-se as trajetórias de tipo
mentos são pré-existentes ao evento que se diz desejado pelo positivo, que são autoconstrutivas.
destino, sendo eles o resultado de uma nossa livre escolha ante- Esta é a técnica funcional do fenômeno, que é automática,
rior, segundo a qual foram por nós mesmos construídos no pas- ainda que o homem tenha necessidade de representá-la, à sua
sado. Eis, então, que o fenômeno nos parece cego e fatal so- semelhança, sob a forma de um chefe que recompensa ou casti-
mente porque não vemos a sua primeira formação. Esta, no en- ga. Ocorre, desse modo, que as trajetórias semelhantes se atra-
tanto, é o resultado de movimentos concatenados, iniciados pe- em por afinidade, tendendo, portanto, a se aproximarem e a se
lo indivíduo, que livremente os lançou. Ele é, pois, responsável fundirem, fato pelo qual, no bem ou no mal, as forças constitu-
pelos eventos da sua vida, os quais, por ignorância, atribui a um tivas se somam e assim se reforçam reciprocamente. O contrá-
destino cego. Assim, em última análise, tudo é justo, porque a rio ocorre com as trajetórias de tipos opostos. Quando uma tra-
primeira causa de tudo está em nós. jetória de tipo positivo tem de atravessar um campo de forças
Tentemos penetrar a técnica do fenômeno, observando seu negativas, não ocorre nenhuma atração para levá-la à aproxi-
funcionamento. O destino não é senão o desenvolvimento de mação ou à fusão, mas sim uma repulsão, que leva ao afasta-
uma trajetória lançada por nós mesmos anteriormente, a cujo mento e à separação. Somente os circuitos afins conseguem
percurso estamos inexoravelmente ligados pela lei de causa e enxertar-se uns nos outros. Processo igual acontece quando
efeito. Se foi nossa a escolha e nossa a ação que operou como uma trajetória de tipo negativo atravessa um campo de forças
causa, nossas também devem ser as consequências. Uma vez positivas, verificando-se o mesmo estado de repulsa que leva
que nos lançamos em determinada direção, é impossível não se- ao afastamento e à separação. Tal fenômeno é semelhante
gui-la até o fim. Eis porque o destino se nos apresenta com tais àqueles encontrados na química, onde certos elementos, em al-
características de fatalidade. guns casos, combinam-se com outros, somente quando existem
Estabelecida a origem e o tipo desse movimento, tentemos as necessárias condições de afinidade, caso contrário formam
compreender o que acontece no seu desenvolvimento, ao lon- apenas uma miscelânea, permanecendo estranhos um ao outro,
go do seu percurso. Este movimento consiste no transformis- sempre prontos para se separarem. Assim, as forças de uma
mo, canalizado em determinada direção, de uma personalida- trajetória podem se unir e colaborar com as de outra, de um
de exatamente individuada como feixe de forças, num circuito modo semelhante à combinação química, sendo possível sua
fechado e bem definido nas suas qualidades. Eis que cada ca- sintonização quando afins, mas ocorrendo a repulsão no caso
so submetido a exame se distingue – seja como tipo de perso- contrário, mesmo se postas em contato.
nalidade, seja como tipo de destino – de todos os outros casos Eis, então, que o bem atrai o bem e é por ele atraído, com
em meio aos quais se move. Estabelecido tal tipo e o percurso ele tendendo a se juntar, e o mal atrai o mal e é por ele atraído,
da sua trajetória, eis então que se pode prever quais campos com ele tendendo a se juntar. Assim é sobretudo para o próprio
de forças o indivíduo atravessará em seu caminho e a escolha indivíduo, segundo o seu tipo positivo ou negativo, que, no
que fará, dado que, segundo a sua natureza, estará pronto para primeiro caso, tudo tende a se mover em sentido construtivo e,
ser levado a entrar em combinação com forças afins, porque no segundo caso, em sentido destrutivo. No primeiro caso, te-
as atrai e é por elas atraído por semelhança e simpatia. Poder- mos um destino benéfico, que automaticamente favorece quem
se-á prever as forças que poderão entrar no seu circuito e o construiu, e, no segundo caso, temos um destino maléfico,
quais delas se enxertarão nele e com ele se fundirão. Poder-se- que automaticamente pune quem o desejou assim.
á, assim, conhecer que tipo de evento será repelido e qual será Perguntamo-nos, então, se é possível ajudar quem se encon-
aceito e absorvido, como consequência da escolha que o indi- tra nas tristes condições desse último? Se a sua natureza é nega-
víduo é levado a fazer segundo a sua natureza. tiva e maléfica, como podem ser postos, num circuito de tal tipo
Veremos então que, se o primeiro impulso e a trajetória por de forças, impulsos do tipo oposto, a fim de que possam ser as-
ele definida são do tipo negativo, ele será destinado, por atração similados e utilizados? Eis, então, que é a própria negatividade
recíproca, a atravessar campos de forças negativas e a combinar- do indivíduo que repele a positividade de tais ajudas. É natural
se com elas, o que significa entrar numa atmosfera de destrui- que a trajetória do seu destino resista a cada desvio de seu cami-
ção, condição pela qual, ao fazer mal aos outros em vantagem nho, pois este, sendo dirigido para o mal, quer continuar a avan-
própria, será levado a sofrer o mal em dano próprio. Se, ao con- çar em tal sentido. Mudar, para ele, significa uma violação da
trário, o primeiro impulso e a respectiva trajetória são do tipo sua personalidade, então ele, como é negativista e deseja perma-
positivo, ele será destinado, por atração recíproca, a atravessar necer assim, rebela-se a cada movimento de salvação que deseje
campos de forças positivas e a combinar-se com elas, o que sig- conduzi-lo ao campo positivo. Ele procurará, ao contrário, ou-
nifica entrar numa atmosfera construtiva, fazendo não só o bem tros indivíduos negativos, com os quais possa melhor realizar a
aos outros, mas também recebendo-o em benefício próprio. sua personalidade, e, ao invés de salvar-se, terminará por perder-
Em conclusão, eis que, em cada caso, os resultados do pri- se. Assim ele se defenderá dos bons que quiserem salvá-lo, co-
meiro lançamento, livremente escolhido e desejado, recaem, mo se estes representassem um assalto destrutivo com a intenção
174 A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
de sufocá-lo na realização de si mesmo. Ele interpretará os sá- como no plano biológico e espiritual. É a presença dessa ordem
bios conselhos ao contrário. Sendo negativista, ele confundirá que torna possível calcular, com antecedência, não só o percurso
tudo, entendendo o positivo como negativo, um ato de sinceri- de uma órbita planetária mas também a trajetória de um destino,
dade como uma mentira, o que lhe é benéfico como coisa malé- permitindo ver os acontecimentos que ele contém. Torna-se pos-
fica, de modo que, revertendo o que lhe é oferecido como vanta- sível, então, lançar as bases racionais de uma nova ciência posi-
gem, acabará por transformá-lo no seu próprio dano. Eis qual é a tiva da previsão, que poderia ser chamada de “Futurologia”.
técnica da autopunição e a razão da fatalidade do destino, razão Esta ciência se torna possível através do conhecimento das
pela qual a trajetória, seja do tipo que for, deverá ser percorrida fases que, no seu desenvolvimento, a órbita de um destino per-
até o fim. De resto, não seria justo, no caso negativo, uma fácil corre, ou seja, daquelas que chamamos as três fases do ciclo de
recuperação sem mérito, o que certamente não ocorre, pois é o redenção. A evolução segue a direção da Lei, apontando para o
próprio mal que, agindo, tenta subverter e inverter o bem, trans- S, mas disto não se conclui que a trajetória do indivíduo o leve
formando-o em negativo. Às vezes, pode até mesmo acontecer, sempre mais para o bem. Vindo tal movimento do AS, o caso
numa nobre tentativa para resgatar quem está ligado com as for- mais comum é que a direção da partida, no início do ciclo, seja
ças do mal e nada mais deseja senão arrastar consigo todos ao o erro. Verifica-se assim aquele fenômeno trifásico, observado
inferno da perdição, de se chegar ao ponto em que, a uma tenta- no capítulo precedente, que, relembrando, é composto de três
tiva de corrigir o negativo com o positivo, o indivíduo responde momentos: 1o) Ignorância, que leva ao erro; 2o) Experiência,
com uma tentativa de transformar o positivo em negativo. feita de dor; 3o) Conhecimento, que leva à cura, corrigindo a
Eis então que a boa vontade do homem benéfico, no tocante velha trajetória e iniciando outra, conforme a justiça.
aos fins a que ele se propõe, pode ficar paralisada diante da ine- Ora, tenho submetido esta teoria a um controle experimental,
xorabilidade da Lei, que exprime a justiça de Deus, motivo pelo observando muitos destinos, e vi que ela corresponde à realida-
qual o bem não pode passar gratuitamente de quem o quer fazer de. Esta teoria é aplicável a todos casos, ainda que o tipo de for-
a quem não o mereceu, mesmo se, por bondade alheia, aquele ças contido em cada um – portanto de cada trajetória também –
bem lhe seja endereçado. Ocorre então que aquele impulso de seja diferente, pois o percurso das três fases está sempre presen-
bem não prossegue, mas recai sobre quem o lançou e permanece te e pode ser dividido em três períodos. Uns se encontram no
em seu benefício. Assim o exercício do bem, quanto mais é pra- primeiro, outros no segundo, e os demais no terceiro. Estes perí-
ticado em prol do próximo, com o próprio sacrifício, tanto mais odos se encontram distribuídos em vidas sucessivas, ao longo de
beneficia aquele que o faz. O mesmo efeito acontece no exercí- todo o ciclo, que, muitas vezes, não pode ser exaurido numa só
cio do mal. Assim, quanto mais se pratica o mal, a fim de con- vida. Mas, examinando-se a posição do sujeito na sua vida pre-
seguir tudo egoisticamente para si em prejuízo dos outros, maior sente e conhecendo o andamento do fenômeno, podemos saber
será o prejuízo para aquele que o pratica. Em suma, pela justiça qual foi seu destino no passado, que preparou o seu presente, e
da Lei, ocorre que o bem ou o mal não passam a quem o recebe qual será seu destino no futuro, preparado pelo presente. Eis
a não ser na medida em que este mereceu. Pode-se chegar ao como é possível estabelecer uma futurologia racional.
ponto em que os assaltos do mal, encontrando a virtude do bem, Apresentemos um exemplo. O sujeito é um motorista que
podem ser transformados numa escola de purificação e numa guia um automóvel. Ele é inábil e está, portanto, exposto aos
prova útil para a redenção, enquanto, a quem faz o mal, não é perigos do trânsito. Acidentar-se ou não depende das qualida-
dada a oportunidade de saber operar, em vantagem própria, tal des dele, e destas, portanto, também depende o tipo de mal que
transformação em bem, levando-o assim, com os seus frutos ma- ele poderá fazer a si mesmo e aos outros. Ele pode errar de vá-
léficos, a danificar tudo o que realiza. Em suma, o que prevalece rios modos, e em cada um está implícito o dano corresponden-
e fica a cargo do indivíduo como seus resultados é a positividade te. Tudo depende exclusivamente dele. A primeira fase é de ig-
ou negatividade do seu tipo de destino. norância e erro. Se houver acidente, inicia-se a segunda fase, de
Assim, segundo a justiça, todas as tentativas de violar a Lei, experiência e sofrimento. Aquele motorista acabará no hospital
mesmo que seja sem desejar e até desejando o contrário, provo- e ficará imóvel durante muito tempo, enfaixado num leito, para
cam a mesma reação, e tanto quem faz o bem como quem faz o consertar os ossos quebrados. Deverá pagar os prejuízos do seu
mal termina por fazê-lo sobretudo a si mesmo. Ele poderá carro e os dos outros. Então ele pensa: “Se não tivesse cometi-
transmitir uma parte aos outros, mas a maior parte fica com ele. do aquele erro, agora não estaria sofrendo”. Ao ficar bom, ele
Assim quem faz o mal pode até mesmo conseguir fazer o bem à se refaz e retoma a direção, mas toma cuidado dessa vez, con-
sua vítima, se esta é boa. Isto prova como a lei de Deus, com a trolando e dominando os seus impulsos, para não repetir mais o
sua soberana disciplina, exerce seu domínio sobre tudo e sobre mesmo erro. Agora, ele se encontra na terceira fase, a do co-
todos. Em sua ordem, ela estabelece que as responsabilidades, nhecimento, que o leva à recuperação, isto é, à correção de seu
embora os destinos se toquem e se influenciem, não se misturem velho modo de dirigir, para seguir um novo.
e que cada um fique ligado às consequências das próprias ações, Ora, encontramos na vida alguns indivíduos que estão na
e não às dos outros. Nenhuma trajetória pode sair ou ser desvia- primeira fase, uns na segunda e outros na terceira, mas seja
da casualmente do seu caminho, mas apenas seguir as normas qual for a fase que a pessoa se encontre, sempre é possível de-
estabelecidas para sua correção, com os devidos impulsos e cál- duzir quais são as outras duas. Assim, do conhecimento de um
culos de forças. Podemos assim ver com que exatidão, disciplina só ramo de sua história, podemos deduzir outro mais completo,
e justiça é regulado o desenvolvimento de um destino. mesmo que essa história se interligue a vidas precedentes ou
As trajetórias das nossas vidas se movem com a mesma or- posteriores. Desse modo, se encontramos uma pessoa que, in-
dem que as planetárias e estelares, seguindo percursos exatos, consciente dos perigos, corra loucamente na vida, sem conhe-
calculáveis e previsíveis. Assim como aquelas, as infinitas órbi- cimento das suas finalidades, sabemos contra qual obstáculo
tas dos nossos destinos não se misturam. Se isso ocorresse, que ela irá se chocar. Isso é o que tantos chamam de sucesso e
caos se tornaria o universo! E que caos seria a vida, se tudo, no triunfo! Encontramos também aquele que já bateu e está no
seu movimento incessante, não fosse canalizado em percursos hospital, chorando e meditando; ou então quem aprendeu a li-
determinados, segundo um plano pré-estabelecido! Nesta ordem, ção e, já ajuizado, não cai mais no erro. Assim podemos com-
cada elemento percorre a sua trajetória em equilíbrio com as preender o significado e o valor de cada posição, pois elas são
demais, interagindo e relacionando-se através de ações e reações vistas complementando-se dentro do mesmo ciclo, e podemos
reguladas, sendo tudo coordenado em um imenso organismo, dizer a cada um as coisas que ele fez antes e o que lhe sucederá
tanto no plano dos corpos celestes e do dinamismo que os move, depois. As forças que constituem a personalidade estão na tra-
Pietro Ubaldi A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS 175
jetória e no sentido estabelecidos por sua natureza, com a ve- mento seria obtido, se a vida fosse inteligentemente orientada!
locidade determinada pela sua potência. Portanto o trajeto de E quão mais rápido e fácil poderia ser então a escalada ao céu,
nossa vida é, num certo sentido, pré-estabelecido. Assim é realizada por meio da evolução!
possível prever-se, no bem ou no mal, a que posição esse traje- Os métodos de conduta humana hoje vigentes são tremen-
to conduz e quando a alcançará. Eis a futurologia. Para resumir damente ilógicos e contraproducentes. Podemos comparar o
então, estudemos o fenômeno em quatro momentos, cada um trajeto de nossa vida a um trecho que percorremos dentro de um
dividido em duas partes, ou seja: túnel. Nós e tudo o que existe estamos nele fechados, de modo
que os nossos movimentos, apesar de livres dentro de seu âmbi-
Primeiro – Observação da estrutura da personalidade. to, são limitados por suas paredes. O caminho que percorremos
dentro do túnel constitui a evolução. De fato, quanto mais se
Finalidade – Conhecer suas qualidades ou tipo de forças vai para trás, mais ele é estreito e escuro, e, quanto mais se vai
que ela contém. para frente, mais amplo e luminoso se torna, até que, no ponto
final do túnel, na saída, encontra-se o espaço livre e o brilho in-
Segundo – Observação da direção dessas forças, esta-
tenso do sol: a luz do S. Durante o percurso, enquanto estamos
belecida pela sua natureza, segundo a qual elas querem
mergulhados nas trevas, vemos aquela luz de longe, como um
realizar-se, dado que estão em movimento de evolução.
ponto. Avançamos penosamente, na escuridão de nossa igno-
Finalidade – Conhecer quais serão as futuras posições rância. Movimentamo-nos ansiosos de liberdade, mas não sa-
que o destino examinado alcançará no seu percurso, isto bemos fazê-lo, porque nos falta a luz da inteligência. Assim,
é, aonde ele levará o indivíduo. nos movemos por tentativas, enganando-nos a cada passo e nos
chocando contra as paredes do túnel, que lá estão, duras e infle-
Terceiro – Observação da potência daquelas forças e, xíveis. Nós mesmos as fabricamos com nossa revolta, fechan-
portanto, da velocidade de sua realização. do-nos nelas em posição anti-Lei, no AS. Dentro desse cárcere,
aprisionados no túnel, fizemos o caos, que é para nós o nosso
inferno. Desatinados por causa da felicidade perdida, agitamo-
Finalidade – Conhecer quando, em medida de tempo,
nos para a direita ou para a esquerda, mas, a cada movimento
cada uma daquelas futuras posições será alcançada.
errado, chocamo-nos com as paredes do túnel.
O mal que nos fazemos não vem das paredes, que ficam
Quarto – Conclusão das observações efetuadas, alcan-
quietas e não nos assaltam, mas vem dos nossos movimentos
çada através da análise da trajetória.
errados. É evidente que, não obstante o espaço restrito, se sou-
Finalidade – Constatar os erros da trajetória, diagnosti- béssemos nos mover, não iríamos bater e não faríamos mal a
car os seus males e, uma vez conhecidos os meios de nós mesmos. O choque, portanto, deve-se a nós, e não às pare-
correção a serem usados, indicar os novos impulsos a se- des, depende de nossa conduta errada, e não da Lei. Para eli-
rem introduzidos para corrigi-la, compilando uma receita minar a dor bastaria compreender quais são as suas causas e
médica com a lista dos remédios que devem ser tomados não provocá-la mais, semeando-as, isto é, sabendo comportar-
para curá-la, a fim permitir a construção de um destino. nos sem bater nas paredes, seguindo a disciplina da Lei. O
homem, que tem feito tantas descobertas, ainda não é capaz de
◘◘◘ compreender uma coisa tão simples: o funcionamento da Lei.
Estes poucos conceitos são apenas um início do estudo de É inevitável, portanto, que ele continue a sofrer, enquanto não
problemas imensos, uma primeira tentativa de orientação para conseguir compreendê-lo. Porém a Lei já havia previsto que a
profundas pesquisas introspectivas e de psicanálise, mas já decidida vontade do ser seria estabelecer no AS uma revolta
permitem traçar uma teoria positiva do pecado e da redenção, definitiva, de modo a ficar dentro dele, ignorante e sofrendo;
dando uma explicação racional do destino e da função da dor. sabia que ele, em vez de inserir-se na ordem estabelecida, iria
Perfila-se a possibilidade de se efetuar o cálculo das trajetórias tentar romper as paredes do túnel, subvertendo a Lei. Mas ele
dos vários destinos, primeiro descobrindo-lhe as raízes deter- não possui um poder tão grande. Então, em vez de romper as
minantes, situadas no passado, e depois, consequentemente, paredes, arrebenta-se a si mesmo. O resultado da sua revolta é
prevendo seus futuros desenvolvimentos. Uma vida é um traje- a cabeça partida, que significa dor. Ora, a sabedoria da Lei está
to no tempo e depende de como foi assentada, ou seja, da posi- justamente nisso, porque é aquela dor que o ensina a não repe-
ção em que foi posta em órbita. Levando em conta a natureza, tir o choque e, com isso, a saber mover-se. O percurso do tú-
potência e direção das forças em ação, pode-se calcular o per- nel, isto é, da evolução, torna-se então uma escola para apren-
curso e a posição de chegada ao fim de uma vida, mas, para is- der a mover-se, porque este conhecimento é indispensável para
so, é necessário um conhecimento profundo da personalidade tornar a entrar no S, que é regime livre, mas feito de ordem. De
humana e das suas qualidades instintivas, intelectuais e morais, fato, somente na ordem é possível ter, sem prejuízo, uma li-
com uma análise individual em cada caso. berdade completa. Essa não se pode conceder na desordem,
Possuindo o conhecimento de todos os elementos do fenô- porque seria desastrosa, uma vez que gera imediatamente abu-
meno, talvez se possa confiar o cálculo das trajetórias dos des- so, fato que somente num regime de perfeita disciplina não
tinos a computadores eletrônicos, com procedimentos seme- ocorre. Assim, esta liberdade só pode ser atingida no final do
lhantes àqueles que se usam na determinação das trajetórias das túnel, onde o espaço é livre e luminoso, e dessa liberdade se
naves espaciais. Dessa forma, será possível introduzir naqueles poderá fluir, pois se terá aprendido a fazê-lo na indispensável
destinos os impulsos adequados, para corrigir-lhes o percurso e, ordem e disciplina, aprendidas na escola da evolução.
assim, torná-los benéficos, modificando o conteúdo daqueles O homem é ainda uma criança que não sabe caminhar e
campos de forças. Assim, o eu poderia ser colocado e prepara- que, para aprender, deve cair a cada passo, mas cada queda
do para assumir uma órbita mais vantajosa, na melhor acepção ensina, até a criança não cair mais. Certamente, para um adul-
da palavra. Eis o método para uma verdadeira planificação da to, seria absurdo um tal modo de caminhar, isto é, tendo que
vida, não no sentido restrito, já aludido, de uma única existên- cair e levantar-se a cada queda. Basta apenas evoluir um pou-
cia terrestre, mas sim no sentido amplo, de vida na eternidade. co, e passa-se a compreender quão estranho é este modo de se
Quanta energia despendida em tentativas frustradas seria pou- mover. Mas é para isso que existe a evolução. Quanto mais o
pada, quantos erros e dores seriam evitados, quão maior rendi- homem evolui tanto mais se aproxima da saída do túnel, onde
176 A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
termina o AS e o espera o S. Então, com o avançar, as trevas Quando um míssil é lançado, trate-se de um míssil do orien-
se tornam menos densas, a luz aumenta, abre-se a inteligência, te comunista ou do ocidente democrático, ele deve atravessar os
vê-se tudo mais claro e, assim, as quedas e os choques, como mesmos espaços, enfrentar os mesmos riscos e superar os
as dores que deles derivam, vão diminuindo, até cessar. mesmos obstáculos. Portanto os problemas a resolver são os
Quando se tiver compreendido tudo isso, será possível che- mesmos. Diante das leis dos fenômenos, as ideologias de nada
gar a uma nova moral científica, que se ocupará do correto lan- servem. Só por ignorância se pode crer que nossa fé e nossas
çamento das trajetórias da vida e da correção das erradas, im- opiniões podem mudar alguma coisa no funcionamento da rea-
pedindo assim a formação de destinos de dor. Trata-se de uma lidade. Por isso se vê quanto a nova moral é diversa da antiga.
medicina preventiva no campo moral, baseada nas normas de Esta acreditava em Deus não através da mente, utilizando o ra-
higiene espiritual, que previnem contra o mal, eliminando os ciocínio, mas entendia-o antropomorficamente, vendo nele um
centros de infecção, impedindo-lhes a formação, o que é mais senhor que, pelo direito do mais forte, recompensa ou castiga
prudente do que corrigir e reprimir depois, recorrendo às repa- de forma arbitrária, segundo planos escondidos no mistério.
rações, quando o mal já está formado. Assim o problema é as- Com a nova moral, o destino, segundo o qual se desenvolve o
sentado sobre a lógica, sem apriorismos fideístas, com base em percurso de nossa vida, torna-se uma trajetória calculável, con-
critérios práticos e utilitários, portanto compreensíveis para to- forme o lançamento realizado por nós, da qual se podem prever
dos, isento das rivalidades de partido ou religiões, baseando-se e inteligentemente corrigir as consequências.
em princípios de alcance universal. Poder-se-á então fruir da Introduzimos, no capítulo precedente, o problema de ser
imensa vantagem de evitar tantas dores, vivendo como seres possível alguém se sacrificar, violando a inexorável justiça da
conscientes e inteligentemente orientados. Lei, em benefício de quem não tenha merecido tal vantagem.
Esta é a posição na qual se encontra o idealista que se sacrifica
VIII. A NOVA MORAL E A TÉCNICA DA SALVAÇÃO para salvar um mundo que não tem a menor disposição de se
deixar salvar por ele. Vejamos agora quais são as fases que este
Falamos em uma nova moral. Aprofundemos este conceito. ser atravessa na sua tentativa de beneficiar os outros.
Segundo a velha forma mental, invocava-se a liberdade para ir 1o) Dada a sua natureza honesta, o idealista crê num mundo
em direção ao AS, com o abuso, lançando trajetórias de tipo semelhante a ele, isto é, que à aparência corresponde uma reali-
negativo, em descida involutiva, e não para ir em direção ao S, dade, que as palavras sejam verdadeiras, que a religião, a moral,
com disciplina, lançando trajetórias de tipo positivo, em ascen- a espiritualidade e o idealismo sejam coisas vividas seriamente.
são evolutiva. Com a nova moral não são possíveis tais distor- 2o) A esta fase, que se poderia chamar de inocência, segue-
ções, pois trata-se de uma moral de substância, uma moral de se o descobrimento de que, sob aquela aparência, há uma reali-
honestidade, e não de formas inimigas, prontas a fazer a guer- dade completamente diferente. Daí provêm a amarga surpresa
ra, no sentido de vencer na luta pela vida no plano animal. Tra- de constatar que a sabedoria do mundo consistia em fingimento
ta-se de uma moral que não é fundada nesta ou naquela reli- e engano. Este descobrimento, no entanto, é uma superação da
gião ou ideologia, mas nas leis da vida, portanto positiva e fase precedente de ingenuidade.
universal. Moral que, tal como estas leis, é verdadeira para to- 3o) Segue-se, então, um estado de terror pelas possíveis
dos e, portanto, funciona indiscriminadamente, trazendo con- consequências a que pode levar o percurso de uma trajetória tão
sequências tanto para os crentes como para os ateus. Moral re- negativa e destrutiva em descida para o AS, em vez de positiva
duzida à sua essência, despojada de formas, que tendem a ser e salvadora, em ascensão para o S. Assim se explica, dado o
transgredidas. Moral que consiste em ser sinceros e honestos, ânimo honesto do idealista, a sincera preocupação de advertir o
sem admitir hipocrisia diante da Lei. próximo do perigo que corre, a fim de que mude de rumo.
Esta lei regula tudo em nosso universo e o rege, no plano 4o) Há uma resposta hostil da parte de quem, incomodado
moral, com a mesma exatidão com que o rege no plano físico e nos seus métodos e aborrecido por vê-los descobertos e de-
dinâmico. Diante da constatação positiva de uma sabedoria que nunciados, está pronto a reagir contra aquelas tentativas de
dá prova indubitável de saber coordenar e disciplinar o funcio- redenção espiritual, que não lhe interessam, sendo entendidas
namento orgânico dos fenômenos nesses dois planos, seria im- como um ato de agressão, contra o qual devem defender-se,
possível admitir que aquela sabedoria não funcione igualmente eliminando o incômodo moralista. Mas, analisando-se a outra
com a mesma ordem e disciplina naquele outro plano de exis- face do problema, é necessário também compreender que é di-
tência de nosso universo: o moral e espiritual. Se, na sua primei- fícil ao homem comum, tão mergulhado na sua involução,
ra parte, a Lei se mostra tão ampla, comprovando tal potência e atravessar a vida sem ficar de algum modo massacrado, não
inteligência, não é possível que ela mude de método e natureza lhe sobrando assim espaço para fadigas suplementares, como
justamente quando se trata de dirigir essa última parte, a mais as que o ideal lhe desejaria impor, acrescentando-as às suas já
alta, a mais importante e mesmo a mais preciosa, por se tratar do duras penas pela luta da existência.
fruto do trabalho que o ser, com a evolução, teve de realizar para 5o) Segue-se um novo golpe na ingenuidade do idealista, tão
poder chegar àquele nível. A Lei é uma só. O universo físico, sabedor das coisas do Céu, mas muito pouco conhecedor no to-
dinâmico e psíquico é um só. Logo a regulamentação do seu cante às bem diversas coisas da Terra. Além do mais, a sua fun-
funcionamento deve ser só uma. ção biológica não é, como para as massas, a conservação da es-
Com a nova moral caem as distinções fictícias humanas de pécie, mas sobretudo a evolução destas. Assim, o idealista
forma e fica a substância. Chega-se, então, à conclusão de que aprende, às próprias custas, a conhecer o ambiente terrestre, tão
ser ateu ou crente é a mesma coisa, quando o somos honesta- diferente do seu. Com as novas experiências, supera o seu esta-
mente. Salva-se quem é honesto, ainda que ateu, e perde-se do de inocência e não comete mais o erro de pretender coisas
quem é desonesto, mesmo se religioso e crente. Compreende- superiores da animalidade humana. Por isso é lógico que o ideal,
se, assim, que as religiões de nada valem, quando não são vi- na Terra, seja utilizado sobretudo para os fins concretos e imedi-
vidas honestamente, e que a hipocrisia representa para elas atos da vida, como é lógico também que, num regime de luta, o
um perigo mortal, um mal que termina por matá-las. Para esta nobre desejo de salvação por parte do idealista seja entendido
nova moral mais valem as intenções do que as formas exterio- como ato de agressividade ou, no mínimo, como sem sentido.
res. É condenado quem, por astúcia, consegue parecer irrepre- 6o) Sem mais ilusões, há o reconhecimento da verdadeira na-
ensível, porque sabe agir de forma escondida, e é perdoado tureza do homem, involuído e sem nenhum desejo de evoluir.
aquele que, por não saber disfarçar, parece culpado. Mantem-se, então, absoluto respeito pela sua liberdade de esco-
Pietro Ubaldi A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS 177
lha e decidida vontade de permanecer naquele nível. Reconhece- A moral que deriva de tais constatações é que se torna ne-
se a impossibilidade de forçar a correção do percurso da trajetó- cessário ter uma conduta reta, porque as nossas obras nos se-
ria já lançada e estabelecida, em vista da necessidade de tais cor- guem e suas consequências não nos deixam mais, enquanto
reções não poderem ocorrer a cada um senão através de suas du- não as tenhamos exaurido totalmente. Cada impulso nosso, se
ras experiências pessoais, aprendendo exclusivamente às pró- é relativamente livre para iniciar novas trajetórias no momento
prias custas, e não por meio de prova alheia ou de conselhos gra- de lançá-las, é imediatamente em seguida colocado no canal
tuitos. Em suma, uma evolução justa, conseguida com o próprio causa-efeito, no qual o movimento se torna determinístico. So-
esforço e suportando as consequências dos próprios erros. bre a nossa liberdade prepondera a Lei, que, se não nos limita
Essa posição final está em concordância com a justiça. Des- na escolha das causas, liga-nos aos seus efeitos, dos quais não
sa forma, o idealista se despoja de sua ingenuidade e aprende a permite evadirmo-nos. Permanecemos, então, fechados dentro
conhecer o mundo. Então ele não tem mais necessidade de se do percurso da trajetória lançada, sem possibilidade de fuga, e
defender de um inoportuno estado de luta, que o aborrece, e al- deveremos fatalmente segui-lo até ao fim, isto é, até ao ponto
cança um outro, de compreensão e pacífica convivência. A evo- em que ele, divergindo da Lei, nos leva a bater contra as pare-
lução, porém, que a febre do idealista gostaria de acelerar, per- des do canal, dentro do qual ela impõe que tudo se mova. O
manece estacionada à espera, enquanto o involuído pode afun- choque que receberemos então será o golpe corretivo que nos
dar-se nos baixos planos da matéria. Esta é a vitória do mundo, levará a abandonar a velha trajetória e a iniciar uma nova, e es-
que, em seu ambiente, tenta afastar o ideal como um intruso. te desastre será a nossa salvação.
Esta é a realidade e a mais importante coisa deste mundo. O Quantos destinos que parecem venturosos não se estão
problema mais urgente para resolver é a sobrevivência, e isso a movendo nessa direção! Isso ocorre quando eles são lançados
qualquer preço. A moral, os princípios, a religião vêm depois. no sentido anti-Lei, com base no engano, no abuso e no ego-
Em primeiro está a necessidade de se defender contra todos. ísmo, para a vantagem própria e o dano alheio. Outros desti-
Somente mais tarde, com o aperfeiçoamento, é que se vai pen- nos estão em fase de golpe corretivo, outros em posição de
sar em justiça. Acima de tudo estão os meios materiais para trajetória corrigida, e todos vão sendo inexoravelmente, para o
manter a própria vida na Terra, depois vêm a religião e o ideal, seu desenvolvimento, canalizados dentro da norma estabele-
a fim de assegurar o próprio aperfeiçoamento para uma vida no cida pela Lei. Por mais que o ser goste de ficar no caos, ambi-
Céu. A finalidade é sempre a mesmo: sobreviver. Por isso, dado ente natural do AS, no fundo deste permanece sempre a or-
que o Além e as religiões que dele se ocupam são em grande dem do S, que ninguém pode anular. Diante da Lei, para qual-
parte mistério, jamais se sacrifica o certo pelo duvidoso. É me- quer um que a transgrida, não há salvação, seja ele o mais po-
dida de sabedoria fazer, antes de tudo, os próprios negócios deroso ou o mais astuto da Terra.
neste mundo e, somente quando for oportuno, ocupar-se de O mundo não compreende tudo isso e paga duramente por
questões celestiais, das quais há tão pouca certeza. sua ignorância e sua vontade de não compreender. Somos li-
Assim a evolução é lenta, porque a vida é prudente e não vres na escolha, mas responsáveis pelas consequências, liber-
se arrisca no inexplorado, em tentativas plenas de incógnitas. dade e responsabilidade que nos ligam, inexoravelmente, aos
A evolução pede esforços, e o indivíduo, que tem recursos li- efeitos das nossas ações. Se compreendêssemos tudo isso, esta-
mitados, calcula-os, preferindo pensar nas vantagens imedia- ríamos bastante preocupados em não fazer o mal. Deixamos de
tas que percebe melhor e que lhe parecem mais seguras. A ser inteligentes quando praticamos o mal, iludindo-nos com o
providência presume um estado de ordem, enquanto que o fato de crer que isso ocorra impunemente, só porque não ve-
nosso mundo ainda está envolvido no caos do AS. Por sua mos logo surgir suas consequências, das quais acreditamos po-
parte, o idealista se torna mais consciente das dificuldades e der fugir. É preciso olhar mais longe. Somente os muito ingê-
menos propenso aos fáceis entusiasmos, tão comuns em tal nuos podem acreditar que os efeitos do mal possam anular-se
campo. Então, aprendendo que o ideal, para frutificar, deve gratuitamente, sem que ninguém pague; apenas eles podem
trabalhar mergulhado na imundície humana, ele não se expõe pensar que uma força lançada possa deter-se no vazio, sem ter
a insucessos, pelos quais o mundo depois o ridiculariza. Com de percorrer todo o seu caminho.
isso, também se torna mais potente, pois evita expor-se irre- Essa moral revoluciona o modo normal de conceber a vida
fletidamente como um cordeiro, somente para se deixar devo- como luta para vencer. A realidade é bem outra. O vencedor
rar. Ao contrário, será um cordeiro cujo sacrifício, em vez de não é quem sabe conquistar domínio glória, poder e posses ter-
ser desperdiçado, será multiplicado para o bem de todos. renas. O verdadeiro rico e poderoso é aquele que é proprietário
Falamos há pouco de um novo tipo de moral positiva e uni- de um bom destino, o indivíduo cuja personalidade é composta
versal e dissemos que ela é objetiva, funcionando tanto para os de forças benéficas, positivas, sadias, que, por sua vez, atraem
crentes quanto para os ateus e materialistas, porque o fenômeno eventos favoráveis. Por outro lado, é pobre e miserável quem é
se realiza indiferentemente para todos, sem levar em conta suas proprietário de um mau destino, o indivíduo cuja personalidade
opiniões. Trata-se de uma moral que depende dos fatos, e não é composta de forças do tipo ruim, negativo, doente, que, por-
de nossa fé neles; uma moral que, se for compreendida, pode tanto, atraem forças e eventos desfavoráveis. O mundo está
revolucionar o nosso louco modo de viver, transformando-o em cheio tanto de coisas boas como más, mas que a nós venham
outro mais sábio e, portanto, menos doloroso. Por quê? umas ou outras depende de nós mesmos, isto é, do tipo de atra-
Já explicamos anteriormente que, quando um determinado ção que possuímos. Um homem pode ser o senhor do mundo,
tipo de personalidade ou circuito de força percorre a sua órbita, mas, se possuir somente as qualidades que atraem o mal, tudo
se ele é bom, atrai do ambiente forças boas e com elas se com- lhe será desfavorável, até que esteja arruinado.
bina, produzindo bons acontecimentos, que serão favoráveis ao O que rege a nossa vida são estas forças interiores. As ver-
indivíduo. Mas, se é mau, atrairá do ambiente forças más, com dadeiras riquezas, portanto, são de outra natureza. O que de fato
as quais se combinarão as forças do seu circuito, produzindo conta é o que temos dentro de nós, aquilo de que somos feitos, e
maus eventos, que lhe serão desfavoráveis. E isto será automá- não o que está por fora, ligado somente ao exterior. Eis o nosso
tico e fatal, pois as combinações são definidas por atrações e verdadeiro patrimônio inalienável, que ninguém pode nos rou-
repulsões que dependem do tipo de forças de que o indivíduo é bar. Eis o método para nos tornamos independentes daqueles
feito, com as quais ele próprio construiu a sua personalidade. que, por meio da força, são vencedores. Estes podem empobre-
Eis porque o destino é realmente fatal, porém somente na sua cer-nos e matar-nos, mas não podem deslocar um ponto em nos-
fase de efeito, e não na fase de causa. so destino. E, se nos empobrecem e nos massacram, é porque
178 A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
merecemos. Eis que ao princípio da luta pela vida com o triunfo pois, ser o golpe corretivo necessário para ele se endireitar e
do mais forte se substitui o princípio da Lei e da sua justiça. salvar-se. A mais profunda realidade da vida é que os aconte-
Estejamos atentos em não lançar trajetórias na direção do cimentos pelos quais ela é constituída não ocorrem de forma
mal, porque, depois, teremos de percorrê-las até ao fim, pa- desordenada e por acaso, mas estão antes logicamente ligados,
gando com o nosso sofrimento. Seremos, então, perseguidos para cada indivíduo, ao longo do fio de seu destino, sendo tal
por uma série de acontecimentos hostis, dos quais fomos nós fio constituído por um desenvolvimento de forças ao longo da
primeiro a causa, por nos termos construído de modo ruim e, linha causa-efeito, segundo uma trajetória bem definida, numa
como consequência, atraído somente forças maléficas, das dada direção. Tais acontecimentos não são isolados, e quem
quais, no entanto, aqueles que se construíram de modo bom compreendeu vê que a vida é feita de um concatenamento de
ficam imunes, já que atraem forças benéficas. Atentos então, sucessivos momentos ao longo de um único percurso, razão pe-
porque não há coisa tão dolorida quanto ter que corrigir uma la qual eles adquirem uma direção, uma meta e um significado.
trajetória lançada contra a Lei. A esta altura, podemos com- ◘◘◘
preender toda a técnica deste fenômeno. Construamos assim, Continuemos a falar da construção de um novo tipo de mo-
com uma conduta reta, um patrimônio de forças boas, porque ral, positiva e universal. Essa moral pode ser tanto preventiva,
então todo o bem virá a nós. Se, ao contrário, quisermos for- constituída por normas de boa conduta, para o lançamento de
çar a Lei, colocando-nos contra ela, construindo para nós um trajetórias sadias – construídas segundo a Lei – e de seus desti-
patrimônio de forças negativas, todo o mal virá, e estaremos nos correspondentes, como corretiva, constituída por métodos
inexoravelmente ligados a um destino de desgraça. para endireitar as trajetórias erradas e os destinos corresponden-
É preciso compreender que tudo o que pertence ao AS é tes. Como se vê, trata-se de uma moral diferente da antiga, que
negativo, destrutivo, inclusive para os seres que nele vivem. se limitava ao exterior e intervinha apenas quando o fato estava
Trata-se de um reino invertido, onde a ordem do S se trans- realizado, sem chegar à raiz do fenômeno. Trata-se de uma no-
formou em caos; a sua unidade, em separatismo; o seu poder va moral, que, penetrando profundamente no íntimo da consci-
construtivo, em força destrutiva, ou seja, fraqueza e enfermi- ência, respeita-lhe a liberdade, mas impõe-lhe responsabilidade,
dade. Ao invés de amigos que se ajudam reciprocamente, os e, assim, enquanto a deixa livre para qualquer escolha, é inexo-
elementos pertencentes ao AS são rivais que vivem em dispu- rável na exigência do pagamento de suas consequências. Uma
ta. Eles se irmanam somente para tirar proveito uns dos ou- moral que nos ensina a segurar o leme na travessia da vida e a
tros, e suas uniões se desfazem tão logo cesse o interesse de dirigir a trajetória do seu percurso, lançando-a na direção justa,
cada um. Esta sua estrutura é o ponto fraco do AS, por isso ou obrigando a corrigi-la, se errada. Pode-se assim dispor de
ele não pode deixar de se desagregar. medidas preventivas e corretivas do mal, antes desconhecidas,
Quando um indivíduo, com sua conduta errada, viola a Lei, impedindo-lhe o nascimento ou afastando-se dele a tempo, evi-
ele inevitavelmente entra na negatividade, nos caos e no separa- tando assim chegar-se ao choque fatal com a Lei. Trata-se, em
tismo do AS, colocando-se em posição de inferioridade, de fra- suma, de uma moral das causas, e não só dos efeitos. Uma mo-
queza e de doença diante da vida. Então a vida tende a eliminar ral mais sutil e inteligente, mais sábia e poderosa que a atual,
tal elemento de corrupção, que se colocou fora da Lei. Em vez agindo no interior, de forma mais penetrante e com efeitos de-
de protegê-lo em seu seio, ela – que é vida – abandona-o sozi- cisivos, o que torna possível uma correção oportuna, evitando
nho, ao seu desejado destino de rebelde, em razão do seu negati- aquele choque com a Lei, que, mesmo podendo ser catastrófico,
vismo destrutivo. Como amigos, ele só encontrará seres do tipo representa a natural solução do fenômeno, quando este foi lan-
AS, isto é, aliados egoístas prontos a traí-lo. Quanto mais avan- çado no seu fatal desenvolvimento.
çar no caminho do mal, tanto mais afundará nesse ambiente. Podemos então chamá-la de moral das intenções, porquanto
A salvação está somente na recuperação, retomando o ca- atinge o ato no seu nascimento, no momento espiritual da sua
minho do bem. Para fugir àquela vontade de morte que está no gênese, já que está na raiz de cada movimento nosso, instante
AS, basta nos livrarmos do mal que nos torna vulneráveis. O do qual tudo mais deriva. Com a nova moral, pode-se intervir
micróbio ataca o ponto débil. O destino nos assalta onde pe- neste primeiro tempo, no momento do lançamento, quando este
camos. É por isso que se torna necessária a retidão para nos ainda não estabeleceu uma trajetória e tudo é mais maleável,
curarmos. Se Cristo, quando lhe foi oferecido, tivesse aceita- porque ainda está em fase de formação. Quando a trajetória é
do o AS, teria caído dentro dele, tornando-se rei na Terra, e lançada, o erro básico já foi definido e o dano está em ação. En-
teria perdido a oportunidade de nos mostrar, através do pró- tão já é tarde, e a correção terá que ser muito mais laboriosa do
prio exemplo, como fugir do AS para o S, que era o verdadei- que antes, quando tudo isso ainda não tinha ocorrido e podia ser
ro objetivo da sua paixão. prevenido, impedindo-se a sua primeira formação. Consegue-se
Eis que nada do que ocorre em nossa vida depende do aca- assim antecipar-se ao mal, como, por exemplo, quando se usa a
so. Tudo é pré-ordenado segundo esse jogo de forças, con- desinfecção e a higiene, que previnem a formação e a difusão
forme a atração ou repulsão dada pela natureza delas. O desti- de enfermidades, evitando um ambiente inadequado.
no é construído por nós mesmos e está em nossas mãos. Ver- Estes novos métodos podem levar a um deslocamento fun-
dadeiramente, ainda que não estejamos conscientes, vivemos damental em nossa vida, pelo qual nos tornamos senhores de
num mundo livre e responsável, onde não domina o fado ce- nosso destino, ao invés de sofrê-lo passivamente. É certo que,
go, mas a inteligência de Deus; onde não prevalece o acaso, pela lei de causa e efeito, o destino é fatal, porém, se souber-
mas sim a justiça. Procuremos, pois, lançar uma boa trajetória mos lançá-lo na direção justa, ele será fatal a nosso favor, ao
para o nosso futuro. Uma vez que se faça o esforço de lançá- passo que o será em nosso prejuízo, se o lançarmos, como fre-
la, ela irá por si mesma, segundo a sua natureza, arrastando- quentemente acontece, na direção errada. É necessária, porém,
nos e levando-nos na direção de nosso bem ou de nosso mal, uma psicanálise da personalidade e um conhecimento do tipo
segundo o mérito e a justiça, de modo semelhante a um veícu- de forças benéficas, uma espécie de medicina preventiva do
lo no qual viajamos a determinado ponto. espírito, que cure os males a tempo, prevenindo-os antes de se
Em substância, a nossa vida é um destino em movimento, formarem e, assim, evitando agredir o enfermo com punições
que percorre o seu trajeto estabelecido pelo tipo de forças que (cárcere ou inferno), que constitui uma forma de autodefesa
contém. Infeliz é o afortunado que tem sucesso, enquanto segue tardia, um tipo de vingança, que não adianta, porque confirma
a sua trajetória anti-Lei, dirigida para o mal, porque tal sucesso e consolida o mal, ao invés de eliminá-lo. Tal forma é um mé-
o reforça naquela direção. Tanto mais forte e doloroso deverá, todo de guerra e responde a um princípio de luta para subjugar,
Pietro Ubaldi A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS 179
e não de cura para restabelecer, rebelando-se contra o atingido reconhecer que o egoísmo é a primeira condição de sobrevivên-
pela enfermidade, para eliminá-lo; indo não contra as causas cia em nosso baixo nível biológico? Como suprimir o egoísmo,
da doença que o atingiu, mas contra os seus efeitos. Trata-se se ele desempenha a função de defender o indivíduo? Como se
apenas de uma reação egoísta contra uma ameaça ou uma pode, honestamente, propor como virtude aquilo que, num re-
ofensa produzida por aquele mal, e não de uma ação interessa- gime de luta, é antivital? É assim que nasce a hipocrisia por par-
da na sua cura. Para nos livrarmos do perigo que ele represen- te do falso altruísta, que exalta uma tal virtude, mas só para os
ta, busca-se eliminar, em lugar do mal, o enfermo. demais, buscando até mesmo desenvolvê-la nos outros, para se
Quanto mais o homem se civiliza, tanto mais aguda se tor- aproveitar deles em função do seu próprio egoísmo. É natural
na sua inteligência, aumentando a sua capacidade de penetrar que, quanto mais os outros se sacrifiquem em seu benefício,
até às raízes do fenômeno e, consequentemente, de dominá-lo. exercitando o altruísmo que ele incentivou, tanto mais ele pode-
Assim, com o progresso da civilização, vai sendo continua- rá utilizá-los a favor do seu egoísmo. Eis uma das razões pelas
mente substituído o conceito de justiça positiva “a posteriori” quais, no passado, inculcavam-se certas virtudes cristãs com tan-
pelo de educação preventiva, primeiro, e, depois, corretiva do to zelo, além do que qualquer ato de rechaçá-las provocava uma
mal. Este é de fato o critério que, em matéria penal, vai con- espécie de escândalo e de condenação contra quem não as prati-
quistando espaço, tentando eliminar a formação da dupla fila cava. Tudo isso, conforme as leis da vida, é lógico.
de sempre, formada pelos culpados passíveis de punição e por A velha moral nada mais resolve. Melhor será deixar de pre-
suas vítimas, progressivamente eliminando-se a relação entre o gá-la hipocritamente. Em lugar de reprimir um egoísmo neces-
mal realizado e o mal recebido. sário à vida, aumentado-lhe assim o estado de luta, a inteligência
Forma-se assim uma nova moral, alicerçada na compreen- está em desenvolver esse sentimento, redirecionando-o em sen-
são, e não no temor, na convicção das vantagens que ela ofere- tido coletivo, para nos defendermos todos juntos, em vez de nos
ce a todos, e não na imposição da autoridade. A vida, que é uti- esganarmos para nos destruirmos. Respeitar então o vital impul-
litária, não poderá deixar de aceitar essa moral, compreendendo so egoístico, mas levá-lo a dilatar-se para abranger um grupo
a conveniência que há na convivência pacífica, tornando leves cada vez mais vasto, capaz de suprimir, a cada ampliação, um
os perigos e as fadigas da luta, o que permitirá o trabalho e a limite divisório e um setor de guerra, lucrando todos em paz e
conquista de um mais alto nível evolutivo. Houve um tempo em bem-estar. Pode-se, pois, passar do egoísmo a um verdadeiro al-
que a moral existia em função daqueles que comandavam e, vi- truísmo sem hipocrisia, levando em conta a realidade biológica e
sando à própria vantagem, faziam-se representantes da ordem e pedindo apenas o que a vida pode dar. Só se pode passar do ego-
da justiça, constituindo a classe das pessoas honestas. Hoje, em ísmo ao altruísmo através da dilatação do primeiro, e jamais por
lugar dessa moral egoísta de classe, a nova moral existe em sua negação antivital, contra a qual o ser se rebela, concedendo
função da utilidade coletiva. Houve um tempo em que uma pes- apenas uma aceitação fictícia, em forma de mentira. Neste caso,
soa valia na proporção de sua riqueza, de sua classe social, de não é mais útil uma virtude de tal tipo. Mas, se, pelo contrário, o
sua posição de comando, isto é, segundo o poder que dispunha seu movimento for redirecionado, ele não toma uma direção ne-
para submeter os outros a si mesmo. Hoje se começa a apreciar gativa, agressiva e destrutiva, mas sim positiva, porquanto de-
o indivíduo em razão do rendimento que ele pode dar como senvolve em sentido construtivo um natural impulso da vida,
produção e atividade em benefício de todos. É por isso que no tendo em vista uma vantagem e deixando de assumir uma forma
passado se glorificava a virtude da obediência, porque se bus- opressiva de mutilação. Então o indivíduo aceita algo melhor,
cavam servos para subjugar, e não colaboradores. porque satisfaz o instinto de crescimento, que está na base da
Foram exaltadas as três virtudes franciscanas: a pobreza, a evolução. Repensando o problema do egoísmo em termos de de-
castidade e a obediência, que buscavam podar o indivíduo no senvolvimento de amplitude em vez de repressão, ele se resolve
plano animal humano, na esperança de poder elevá-lo a um ní- de modo natural, no sentido evolutivo.
vel evolutivo mais alto. Mas, hoje, elas se transformaram. A vir- Já tratei alhures desse assunto. Ao leitor superficial há de
tude da pobreza ociosa e improdutiva é substituída pela virtude parecer repetição a retomada não só desta como também de ou-
do trabalho, indispensável para elevar o nível de vida, base de tras questões. Mas retornar a um tema é levá-lo sempre um
uma civilização mais avançada. A virtude repressiva da castida- pouco mais adiante, vê-lo mais a fundo, completá-lo e aperfei-
de e da renúncia – que, apesar de controlar as paixões baixas e çoá-lo. Assim, o leitor assiste o seu contínuo desenvolvimento.
ferozes então dominantes, induzia à posição negativa do não fa- É interessante ver como a sabedoria da vida resolve certos
zer – é substituída pela virtude positiva, motivada no dinamismo problemas, manobrando o homem ignorante através de seu in-
criativo do fazer, isto é, o exercício de uma paixão mais alta no consciente. Os psicanalistas afirmam que as motivações “re-
plano da inteligência, deixando em seu devido lugar as funções ais” são instintivas, inferiores, e que as outras, ideais e superio-
fisiológicas e nervosas e deslocando o centro da vida para um res, nada mais são do que coberturas para, diante dos princí-
nível mais evoluído. A virtude da obediência, referida acima, é pios, justificar aquelas. A realidade seria, pois, definida pelas
substituída pela produtividade e pela compreensão recíproca, motivações mais baixas, vizinhas da animalidade. Observemos
necessária para consegui-la. O exercício dessas três virtudes va- a técnica do fenômeno, sem condenar suas origens instintivas.
lia enquanto funcionava como correção das trajetórias mais co- De que modo a vida resolve a contradição entre o ideal e a rea-
muns naqueles tempos, dirigidas no sentido oposto: abuso de ri- lidade biológica, entre Cristo e o mundo? O primeiro quer que
queza, de sexo e de poder. Então a autoridade, não só para corri- sejamos cordeiros, mas, se o formos, o mundo nos devora. En-
gir mas também para manter-se em pé, tinha que exercer a fun- tão o Evangelho, tão cheio de amor, acabaria nos empurrando
ção de domador. Modificadas, porém, as condições de vida, en- para a morte? E porque nos escandalizamos, quando a essa
contrando-se esta numa fase de evolução mais avançada, é natu- pretensão se responde com a hipocrisia?
ral que a moral evolua e surjam virtudes de tipo diverso. A questão se resume nestes termos: existe um antagonismo
Hoje, ainda nos encontramos habituados à antiga moral con- absoluto entre o Evangelho e o mundo, isto é, entre o ideal de
vencional, que resiste a se adaptar às mudanças das condições de Cristo e as leis biológicas vigentes no nível evolutivo do ani-
vida. Trata-se de uma moral peremptória, ameaçadora e precep- mal humano. Obrigando-se os dois opostos à convivência, é
tiva, ao passo que hoje necessitamos de uma moral de compre- inevitável a hipocrisia, isto é, uma posição de contradição en-
ensão. Os problemas, analisados mais a fundo, assumem outros tre o que se prega e o que se pratica. A Igreja, devendo repre-
aspectos e perdem seu absolutismo. Por exemplo, condenava-se sentar Cristo no mundo, não podia deixar de ficar prisioneira
o egoísmo, mas, se quisermos ser sinceros, como se pode não dessa contradição. Há fatos que não podem ser deslocados: 1o)
180 A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
Os ministros de Cristo devem pregar o Evangelho, porque es- através de um recíproco ajustamento, uma aproximação entre
te é o seu dever de ministros e nisto consistem a sua função e dois extremos opostos, sem que um deles fosse eliminado. De
a sua missão; 2 o) É verdade que há contradição em pregar sem outra forma, o mundo teria ficado sem o ideal como impulso
praticar, porém praticar o Evangelho num mundo ainda não de evolução, enquanto, para o ideal descido à Terra, não have-
civilizado como o nosso, isto é, oferecer-nos como cordeiros ria outra condição senão a morte. A realidade é que Cristo está
aos lobos, leva ao fim de Cristo, ou seja, a sermos rapidamen- no Céu, mas a Igreja está na Terra, e o comando pertence ao
te eliminados; 3 o) Quando se morre, embora na condição de mundo. Cristo está no S, e aqui estamos no AS, reino do invo-
mártires e santos, não se pode cumprir a função e a missão de luído, no seu baixo nível biológico. Dessa forma, então, expli-
pregar o Evangelho; 4o) Portanto, para poder pregar o Evange- ca-se e justifica-se o antagonismo entre os dois opostos, Cristo
lho, é necessário não o praticar; 5 o) Dessa forma, a contradi- e o mundo, e a contradição na qual se encontram os cristãos
ção e a hipocrisia são inevitáveis. que, de fato, não seguem Cristo, advindo daí a necessidade das
Assim, a Igreja é justificada, porque se vê obrigada a recor- adaptações que constituem hipocrisia, não se podendo, porém,
rer a tal solução. Nasce então o consórcio entre a religião e a acusar nem julgar culpado quem as pratica. Eis que, sem eles,
hipocrisia. Mas esta não é uma solução desejável, pois o mal o ideal, ainda em seu estado teórico, não poderia existir nem
permanece. Então, para não culpar a Igreja, termina-se por ser conhecido na Terra e a ideia de evolução em direção a um
culpar Cristo, que pregou um Evangelho em flagrante contra- telefinalismo ideal estaria faltando.
dição com as leis da vida vigentes no plano humano e, portan- Se essa contradição existe e se a vida aceita tal fenômeno, é
to, é inaplicável às massas. Para justificar a Igreja, temos que lógico que este deve ter a sua função útil, a qual só agora, indo
culpar Cristo, o que é uma solução ainda mais grave. Isso de- mais fundo, pudemos ver. Confirma-se assim a convicção de
monstraria que o ideal é impraticável na Terra e acarretaria a que a vida é feita de uma sabedoria que dirige tudo da melhor
derrocada total, pois, sem o conceito de evolução e de telefina- maneira possível, com o maior rendimento útil, mesmo que
lismo, a vida perderia o significado. possa parecer o contrário a quem não conheça todos os fatores
Será a culpa da Igreja e dos cristãos, que não seguem Cristo do fenômeno. O elemento que não se levou em consideração
plenamente, até à Cruz, ou de Cristo, que propôs um método de foi o estado involuído do ser humano, razão pela qual termi-
vida que a conduz à morte? Há, no entanto, uma solução que nou-se por exigir dele uma excessiva e avançada aproximação
justifica tudo sem inculpar ninguém. Ela consiste em aceitar a de Cristo, o que na Terra, campo do AS, é impossível. Assim
contradição, reconhecendo sua existência e sua incoerência, se explica como, embora traído sob a forma de hipocrisia, o
mas aceitando-a como um mal necessário, justificado por ser Evangelho ainda subsista neste mundo, em vez de se ter há
transitório, como uma fase evolutiva, feita para ser superada e muito evaporado nos céus. Embora apenas iluminando do alto
depois abandonada pela vida. O Evangelho é de fato aplicável a estrada a percorrer, ele permanece, mesmo que esta estrada
num mundo mais civilizado, que pratique métodos mais pro- ainda não tenha sido de fato percorrida.
gressivos de vida, dos quais já se estão detectando os primeiros Que encontramos então na Terra, por trás das aparências?
sintomas. É verdade que o fenômeno só é concebível em função De um lado, vemos lobos à procura de cordeiros evangélicos,
de uma futura fase complementar hipotética. Mas é também sequiosos para devorá-los; de outro, verificamos que a sobrevi-
verdade que a isso nos levam a nossa razão e a lógica da vida. vência só se torna possível quando os lobos se disfarçam em
A Igreja, por ora, resolveu o caso, usando o método concili- cordeiros, isto é, assumem a auréola de pessoas honestas, justi-
atório, o único que pode permitir a pacífica convivência de ficadas pela sagrada necessidade de sobreviver. Em tal mundo,
opostos no mesmo terreno, sem que um destrua o outro como é necessidade vital e, portanto, biologicamente justificável fazer
gostaria. Claro que se trata de dois inimigos. Contudo essa con- do Evangelho um uso diverso daquele para o qual foi destinado,
vivência é necessária, porque o ideal deve cumprir a sua função utilizando-o como um manto para esconder a verdadeira natu-
evolutiva, por meio de uma lenta penetração no mundo, que reza. Mas, se não há outro meio para não sermos devorados e se
gostaria de eliminá-lo, mas que deverá ser por ele transforma- estas são as regras do jogo da vida no baixo nível humano, a
do. Este resultado não se poderia atingir com o método unilate- conclusão então seria que tudo é justo e ninguém culpado.
ral da vitória de um termo sobre o seu oposto. Frequentemente, O problema é colocado pela própria vida de um tal modo,
a contradição é um casamento entre opostos, a fim de que estes, que não se pode resolvê-lo senão por uma destas duas vias: 1 o)
como polos da mesma unidade, ligados no mesmo circuito, Ou negamos, por orgulho, que o homem se encontra ainda
possam colaborar para um fim comum. É assim que a sabedoria numa fase involuída de animalidade, perdendo-se a única ate-
da vida terminou por casar o ideal e a realidade biológica, evo- nuante de suas necessárias evasões diante dos ideais superio-
luído e involuído, Cristo e o mundo. Desse modo, o primeiro res, o que nos induziria a concluir que, sendo um ser superior e
termo não deixa sozinho, embaixo, o segundo, mas desce ao consciente, como se afirma, é um mentiroso, porque não faz o
seu nível e a ele se junta para elevá-lo a um outro plano de exis- que diz; 2o) Ou reconhecemos que o homem está ainda numa
tência. Trata-se de um trabalho de milênios, de lenta penetração fase involuída de animalidade e, assim, tornamos possível jus-
dos princípios do cristianismo no âmbito terrestre, realizando, tificar as evasões necessárias à sua sobrevivência, isentando de
sob o manto do ideal, uma obra de civilização da besta, sempre culpa a hipocrisia de que se vale como indispensável arma de
pronta a reaparecer tão logo surja a necessidade de se defender luta e, neste caso, reconhecendo que ele não é o ser superior e
na desesperada luta pela sobrevivência neste mundo. consciente como se pensa. Em suma, há um erro na contradi-
É assim que se pode compreender, sem culpar ninguém, a ção entre a teoria e a prática, cuja causa é preciso encontrar.
posição de um cristianismo que não pratica o que prega. Com- Não há outra escolha: ou devemos ser perdoados porque, na
preende-se também a sua função de progressiva realização do condição de involuídos, somos inconscientes, ou somos cons-
ideal por sucessivas aproximações. Entende-se o seu trabalho cientes e evoluídos, mas culpados pela mentira. Cada um pode
de transformação evolutiva, situando a atuação plena do Evan- escolher a interpretação que lhe convier. Ou somos desgraça-
gelho não no presente, que não pode oferecê-la senão em pe- dos que miseravelmente lutam no nível animal, usando todos
quenas doses percentuais, porém longe, mais adiante, no futu- os meios de que dispomos, inclusive o ideal; ou, na verdade,
ro. De fato, este é um caminho que se está percorrendo, avan- somos seres superiores – o que implica na responsabilidade e
çando sempre mais no sentido daquela atuação. Compreendido obrigação a um adequado tipo de vida, com deveres que os ou-
assim o fenômeno, cessa a culpa das adaptações que tanto de- tros não têm – traidores do ideal, pois não observamos tal
preciei nos escritos precedentes, pois não seria possível, senão comportamento. Não é possível nos qualificarmos como seres
Pietro Ubaldi A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS 181
conscientes sem assumir as relativas responsabilidades e deve- pobres e que ele pode gozar, dada a posição que ocupa, custan-
res. Se assim não se procede, a hipocrisia é evidente. do apenas um pouco do quanto já conquistou. Assim, ele tran-
Qual é a solução então? Será, como já escolheu o mundo, quiliza sua consciência, sente-se bom, pratica o Evangelho, dá
deixar o ideal como está, em seu estado teórico, e a realidade provas de amar ao próximo, é respeitado na Terra e pode até
como é, em seu estado prático? Ou será procurar conduzir a rea- preparar-se para subir ao Céu e gozar a eterna beatitude.
lidade, através de uma lenta maturação, a aproximar-se cada vez É verdade que ele se esforçou e lutou para subir, pensando
mais da realização do ideal? Sem dúvida, tentar aproximar-se da que soube vencer. A vida o recompensa com o sucesso terre-
perfeição, embora vivendo num estado imperfeito, é a solução. no, no mesmo nível em que trabalhou. Apesar de tudo, ele fez
Não é necessário que o homem compreenda aquilo que faz. A um esforço para subir, e a Lei lhe dá crédito. A retidão da Lei
vida se ocupa de obrigá-lo a fazer aquilo que para ele é melhor, é indiscutível, recompensa cada um proporcionalmente ao es-
e isso automaticamente. Quando a hora está amadurecida para forço realizado na direção evolutiva. Esta é a direção da pró-
que tal fato ocorra, seja ela uma revolução, a descoberta de no- pria Lei, que atrai e protege o ser. Mas, quando este, sob a
vas ideias ou a mudança em qualquer campo, o homem o realiza máscara da mentira, põe-se a desfrutar o resultado obtido,
sem saber por que e onde acabará, chegando a conclusões, mui- buscando enganar a Lei para obter mais do que o merecido,
tas vezes, totalmente diversas daquela em que acreditava. As- então a falsa virtude se torna nociva para quem a aplica. Não
sim, procedendo de forma inconsciente, crê ser ele próprio quem se pode condená-lo, porque, se soubesse as consequências que
deseja e escolhe, enquanto na realidade apenas obedece. A vida o esperam, não escolheria tal via. Sua opção é fruto da igno-
permite que ele mascare tudo com outras razões, deixando-o di- rância, que se pode chamar também inocência. Mas a inocên-
zer o que quiser, mas, na verdade, ele só faz o que ela (a vida) cia não impede que se cometa o mal. Muito ao contrário, leva
permite. O que vale, realmente, são os fatos, e não as palavras. a cometê-lo, e todo o mal deve ser corrigido, porque, diante
A evolução se faz com as próprias experiências, cada um com as da Lei, representa desordem e, sem correção, voltaria a se re-
suas. Aprende-se a não cair mais nos erros, somente depois de petir, o que seria prejudicial para quem o comete.
ter caído neles e tê-los pagos com as próprias dores. Tanto faz Automaticamente, a ignorância leva à experiência que a
ignorar ingenuamente ou mentir com astúcia, tudo funciona da elimina. Assim, a experiência é necessária para eliminar a ig-
forma como deve. Assim, qualquer comportamento pode deslo- norância, que, por sua natureza, representa involução, en-
car a posição do indivíduo, mas a Lei e a ordem das coisas per- quanto a Lei quer justamente o contrário, ou seja, não a es-
manecem invioláveis, continuando o seu caminho. É desse mo- tagnação do ingênuo, mas a laboriosa experimentação do
do que o homem vai experimentando e, com isso, conquistando conquistador de conhecimento. A inocência não exime das
a consciência, o mais precioso produto de tanto trabalho. provas, sendo o estado que mais precisa da escola para
O homem é livre, mas de tudo o que fizer advirão conse- aprender. Não se pode voltar ao céu do S, situado no mais al-
quências, e delas deverá prestar contas à Lei. Esta o deixa livre to da escala da evolução, senão depois de ter atravessado to-
para cometer qualquer erro, uma vez que só deve corrigi-lo de- do o inferno do AS e, por experiência direta, ter atingido os
pois, com uma experiência instrutiva, que, através da dor, ensi- pontos mais degradantes da involução, com o fim de superá-
na o caminho certo. Trata-se de uma conquista de conhecimen- los e suportar o trabalho de purificação, neutralizando todo o
to, o que significa evolução. O ideal representa um tipo de vida mal com o qual o ser se saturou, por ter vivido nele.
de um nível mais alto, isto é, mais civilizado e feliz. É em razão ◘◘◘
disso, por constituir um bem maior, que a realização do ideal é Vimos assim, num determinado aspecto, como funciona a
assegurada. A vida recompensa somente quem luta para subir, Lei. Ela é um pensamento diretivo e uma vontade de realiza-
porque isso está de acordo com a Lei, que arrasta consigo quem ção. As características fundamentais da Lei são: a inteligên-
a segue, ao passo que abandona quem diverge do seu caminho. cia, o poder e a vontade. Os seus movimentos são exatos e
Se um preguiçoso ou inerte se veste de pacifista para esconder atingem a finalidade. A sua técnica não é constituída de ten-
seus defeitos, a vida, que não se deixa enganar, não o protege. tativas incertas, característica do ser decaído no AS. O ho-
É inútil mentir-lhe. Diante dela não têm valor tais virtudes bara- mem ainda primitivo, na sua inocência, não soube conceber
tas, negativas, feitas de inércia. Aqueles que se fazem evangéli- tal lei senão antropomorficamente, sob a forma de um Deus
cos por comodidade são liquidados. A mentira se volta contra que ajuda cada um. Quando um corpo cai, não podemos ad-
quem a usa, quando é usada contra a vida. A vida quer a luta mitir que Deus esteja lá para regular o fenômeno da queda,
pela conquista, e o ideal é uma luta em um nível mais alto, pela porque este é regulado automaticamente pela lei da gravida-
conquista de valores mais elevados. A hipocrisia, que desejaria de. Similarmente devemos admitir que assim também ocorra
usar o Evangelho como um refúgio para poltrões, pode valer no no campo espiritual. A Lei funciona igual para todos, segun-
plano humano, diante do mundo, mas jamais diante da Lei. É a do as condições em que cada um se põe diante dela. Ela fun-
própria Lei que lança os lobos contra os falsos cordeiros, que ciona com inteligência perfeita, sem errar um movimento
desejariam enganá-la. A veste de cordeiro, usada por muito nem falhar um instante, com força irresistível, contra a qual
tempo, torna os indivíduos gentis, mas os enfraquece. Obriga- não adianta rebelar-se, mas também com bondade absoluta,
os a assumir as pacíficas atitudes do cordeiro, e isto os torna que exige a nossa salvação a qualquer preço.
ineptos para a luta, beneficiando o lobo. No plano humano, a Para esse fim, ela usa sempre dois métodos, segundo o ti-
vida permite a esses indivíduos agirem desse modo porque isto po de trajetória que o indivíduo escolheu e percorre. Se este se
serve para civilizá-los, porém, terminada essa função, manda os lançou contra a Lei, então esta, com seus impulsos, leva-o a se
aristocratas para a guilhotina das revoluções. chocar com ela, o que se faz necessário para o bem dele, pois
É antiga a história do ideal escondido. O lobo prepara suas é a única solução, embora dolorosa, para a correção do erro,
reservas e sobe na escala social. Estabilizada legalmente a posi- que, de outro modo, continuaria a levar o indivíduo cada vez
ção conquistada, ele se torna uma respeitável pessoa honesta. O mais para o mal, piorando as suas condições. A Lei sabe disso
homem da ordem, que ele passa a defender porque é a seu fa- e o encaminha para o choque, porque, para a salvação do ser,
vor, torna-se conservador, defensor da sua posição, honesto e este é o único fato que pode reendireitar sua trajetória. A dor
generoso, pois agora pode agir sem incômodo. Ele chegou lim- não deve, pois, ser entendida como uma punição por parte de
po ao bem-estar e agrada-lhe completar a obra, ostentando a au- um Deus ofendido, mas sim como uma benéfica salvação da-
réola de benfeitor, situação que agora pode desfrutar para satis- quele que queria se perder. Se, porém, a trajetória em que o
fação do próprio orgulho, luxo moral que não é concedido aos indivíduo se lançou segue a direção da Lei, então esta o pren-
182 A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
de na sua corrente e o eleva, ajudando-o também quando ele Vimos que, além de inteligência e bondade, a Lei também é
está na fase de correção de uma trajetória errada. uma vontade absoluta de manter o percurso de todas as traje-
Em suma, a Lei está sempre presente e ativa, visando ao tórias na direção positiva, no caminho para o S; é um impulso
bem, embora sob formas opostas, segundo a posição positiva ou inabalável de fazer o ser avançar ao longo do caminho da evo-
negativa em que o ser se coloca diante dela. O seres se movem lução, a sua natural via de salvação. Então, quando uma traje-
em meio a essa lei como os peixes no mar. Quem segue a cor- tória se afasta da Lei, porque é lançada na direção negativa,
rente da Lei é por ela conduzido; quem vai contra, é por ela ar- no sentido do AS, a própria Lei age em sentido corretivo, reti-
rastado. Esta corrente é a evolução, dirigida para o S. Quem rando o ser do caminho da involução, que é a via da perdição.
quer andar em sentido oposto, involuindo para o AS, depara-se Ora, das duas forças, a do extraviado e a da Lei, a primeira é
com todas as resistências da Lei, até encontrar o choque resolu- mais débil e limitada, devendo acabar por exaurir-se, e a se-
tivo, expresso em forma de dor e de sufocamento da vida. A dor gunda é mais potente e inexaurível, devendo, pois, acabar
é a voz da Lei dizendo: “Erraste! Corrige o teu erro”. A Lei nos vencendo. O impulso de atração da Lei deve prevalecer sobre
diz isso porque é nessa correção que consiste a salvação do ser, o impulso de repulsão do ser. Nesse afastamento, está implíci-
também chamada de redenção. Todo caminho de involução não to um limite de resistência do impulso negativo, que funciona
é senão uma trajetória errada, lançada na direção anti-Lei. Nes- a favor da vitória do impulso positivo. Inevitavelmente há de
te caso máximo, cada erro nosso, embora pequeno, desencadeia chegar um momento de saturação do fenômeno, isto é, de
o mesmo processo de experimentação, dor e correção. O cami- exaustão das forças maléficas do circuito rebelde. Aquele mo-
nho evolutivo não é senão a correção do grande erro da revolta, vimento centrífugo chega, assim, a um ponto calculável, além
através da experimentação e da dor. Depois de uma cansativa do qual prevalece e entra em ação o impulso oposto, positivo,
subida que neutraliza a queda, voltaremos ao S, mas estaremos gerando um tropismo em direção à Lei, destinado a recolocar
então conscientes das consequências de cada violação da Lei, as coisas na ordem por ela estabelecida.
donos de uma sabedoria tão duramente conquistada, que não de- É nesse momento que não funciona mais a vontade do indi-
sejaremos mais cometer o erro. Este é o método que a Lei usa e víduo e, com a finalidade de corrigi-lo, prevalece a vontade da
que se poderia chamar a técnica da salvação. Lei. Então é dada marcha a ré e o débito contraído com os equi-
Procuremos aprofundar o conhecimento dessa técnica, líbrios da sua justiça é pago por quem o contraiu. A partir deste
observando-a ainda mais nos seus particulares. Estamos ape- ponto começa o percurso invertido, de redenção. Então ao afas-
nas começando a penetrar o canal da Lei, mas, ao percorrê- tamento se substitui a reaproximação; à revolta, a obediência;
lo, descobrimos desde o início incríveis maravilhas. Pergun- ao furto de um bem não merecido, o pagamento da pena cor-
tamo-nos a que descobertas esse exame nos poderá levar e respondente. O percurso de ida se resolveu no choque contra a
até aonde será possível, para nós ou para outros, continuar a Lei, mas, com a súbita ruína, o ser compreende o significado do
percorrer aquele canal? abalo e então, para se salvar, aceita voltar atrás. Colocando-o na
O eixo conceitual em torno do qual se move o universo – direção correta, a Lei – que, por ser positiva, é sempre saneado-
em outras palavras, o pensamento diretivo do seu constante ra, benéfica e construtiva – ajuda-o a pagar a dívida. Presta-lhe
funcionamento orgânico – é a Lei. Ela representa sua inteli- auxílio, pois é feita de bondade, mas não presenteia nada, por-
gência, isto é, o modo pelo qual o universo existe no plano que é justa. Não abandona o pecador ao seu destino, mas o atrai
mental, do qual dependem outras formas menos evoluídas de e o ajuda para salvá-lo, permitindo, porém, que ele expie a sua
sua existência, que estão no nível dinâmico, como a energia, e pena, a fim de que compreenda o mal feito e não recaia no erro.
no nível físico, como a matéria. Com relação ao nosso corpo, a Sua finalidade é a salvação dele, e não uma vingança pela ofen-
Lei é o espírito. No universo, encontramos em maior escala o sa recebida. Deus não pune e muito menos se vinga, porque
mesmo modelo, do qual o homem é uma cópia ou caso menor, ninguém tem o poder de ofendê-Lo.
com a mesma disciplina, dependência hierárquica e funciona- Acontece então, nesta fase, o emborcamento da posição
mento orgânico. Assim como no espírito está o nosso pensa- precedente. Enquanto no trajeto de afastamento, as vantagens
mento, na Lei também está o pensamento de Deus. Da mesma eram todas surrupiadas à justiça da Lei, que, diante da inicia-
forma que, em todo o funcionamento de nosso organismo, en- tiva contrária do indivíduo, encontrava-se em posição de re-
contramos a presença de um pensamento, a presença do pen- sistência, já no trajeto de reaproximação, a dívida é toda paga
samento de Deus também é encontrada no funcionamento de àquela justiça, e o indivíduo, em lugar de impulsos de resis-
todo o universo, e podemos identificá-lo por toda a parte. tência da parte da Lei, encontra apoio. Ela, assim, facilita-lhe
Vemos então que o homem é apenas uma partícula, mo- o caminho, convida-o e impulsiona-o a percorrê-lo, ajudando-
vendo-se ao longo de percursos estabelecidos por determina- o tanto mais quanto mais ele, sofrendo, houver quitado seu
das leis, como as que estamos observando. Os seus movimen- débito, purificando-se e redimindo-se. Isso o faz, então, tor-
tos podem assumir duas direções principais, canalizando-se ao nar-se mais apto a poder gozar dos bens a que tem direito
longo de dois tipos de trajetória: uma que se afasta da Lei, se- aquele que se move segundo a Lei.
guindo a direção negativa, e outra que segue a Lei, indo, pois, Esta é a técnica funcional dos movimentos e relações de
na direção positiva. Este segundo caso se verifica mesmo forças entre os dois termos: Lei e indivíduo, de acordo com a
quando, para corrigir um precedente afastamento da linha da qual se dão os deslocamentos de ida e volta por parte do indi-
Lei, realizado em direção negativa, é necessário inverter tal víduo em relação à Lei. Esta permanece estável no seu sinal
percurso. Direção negativa quer dizer avançar no caminho do positivo, isenta das oscilações (+ e –) do indivíduo, porque
mal. Direção positiva quer dizer avançar no caminho do bem. apenas ele está sujeito a erros e correções (afastamento e rea-
Temos, assim, dois percursos opostos: um no sentido que se proximação). Isso é o que ocorre quando observamos os dois
afasta de Deus pelas vias do mal, e outro que se aproxima de termos, Lei e indivíduo, nas suas relações. Vejamos agora
Deus pelas vias do bem. Como se vê, o dualismo expresso pe- quais fenômenos se verificam quando o ser segue uma trajetó-
los dois sinais (+ e –) existe em nosso universo até ao mais alto ria que se move em sentido negativo, anti-Lei. A Lei é positi-
plano da existência: o espiritual. va, e todo afastamento dela é negativo, sendo esta a qualidade
No centro de tudo está Deus, que é uno, acima de todo du- fundamental daquela trajetória anti-Lei, qualidade exclusiva-
alismo, no qual se encontra somente a criatura caída pela re- mente sua, característica própria do seu campo de forças. As-
volta. Diante do ser pulverizado no relativo, Deus é o pensa- sim se explica o fato de tal trajetória ser levada a atrair no seu
mento único e central, a Lei, cujas qualidades já observamos. circuito de tipo negativo, entre as forças que encontra em seu
Pietro Ubaldi A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS 183
caminho, somente forças do mesmo gênero, isto é, maléficas, retorna ao circuito de forças positivas do emissor, enriquecendo-
repelindo as outras positivas, isto é, benéficas. Esta é a conde- o de positividade, para vantagem de quem fez o bem.
nação que o indivíduo, situado em tais condições, leva automa- A moral que deriva de tais constatações é a mesma exposta
ticamente consigo e impõe a si mesmo. E, dessa forma, ele não anteriormente, mas com resultados opostos, permanecendo de
pode deixar de encher a sua vida de mal e de desgraças, que pé a justiça da Lei. Como se vê, esta nova moral se baseia
tendem a destruí-lo e acabarão por consegui-lo, já que, com num princípio de justiça mais avançado que o da antiga moral,
sua própria natureza negativa antivital, é incapaz de resistir di- segundo a qual tudo se explicava sob a perspectiva de uma
ante da positividade da Lei. Há no S uma vontade fundamental ofensa a Deus e de uma ação pessoal punitiva contra o trans-
de se livrar do maligno tumor constituído pelo AS e de recupe- gressor. Tal conceito, que tem muito de egoísmo e de vingan-
rar-se, com o retorno deste ao estado de S. ça, corresponde à forma mental e psicológica do passado, si-
Estas forças negativas são lançadas também contra os cam- tuada ao nível de uma mitologia antropomórfica proporcional
pos de forças de tipo positivo, tentando torcer para o sentido à ignorância dos tempos. Porém, enquanto aquela velha ima-
negativo o seu percurso gerado em sentido positivo. Ocorre, po- gem de Deus convier à vida, ela vai ser respeitada, apesar de
rém, que, sendo esses circuitos de sinal oposto, eles repelem bastante primitiva. Ser destrutivo é trabalho negativo, caracte-
tais forças, de modo que aqueles impulsos de tipo negativo não rístico dos atrasados, inseridos no AS. Quem é positivo jamais
conseguem penetrar e não se instalam nos circuitos de tipo po- faz um trabalho negativo, mas somente positivo e, assim, ape-
sitivo. Eis porque o mal não pode fazer o mal a um bom que nas atua no sentido de mostrar a nova visão das coisas, dei-
não o mereça, mas pode acrescentar o mal a quem o merece, xando-a junto à antiga, de modo que os mais amadurecidos a
somando-se a ele, porque, neste caso, as portas lhe estão abertas encontrem pronta e possam, assim, escolhê-la e colocá-la em
para entrar, enquanto no outro permanecem fechadas para im- ação. Compete ao tempo a destruição do antigo, que é supera-
pedi-lo. Ocorrem então que, além de não entrar no campo do do e deixado para morrer de morte natural.
bem, que é automaticamente protegido pela sua positividade, o Traçam-se aqui as espirais de luz – premissas introduti-
mal lançado volta-se para trás e, sendo negativo, vai enriquecer vas, suscetíveis de grandes desenvolvimentos – de uma nova
o campo do seu próprio sinal, aumentando o dano para quem o moral científica e racional. Moral universal, porque verdadei-
lançou. Assim, os impulsos negativos, além de não penetrarem ra para todos, como verdadeiras são as leis do plano físico e
no circuito positivo, somam-se com os impulsos negativos do dinâmico. Portanto, assim como não há uma lei da gravidade
circuito de origem, reforçando sua potência destrutiva, que re- especial para os ateus, diferente daquela para os crentes,
dunda em prejuízo de quem a possui. também não existe uma lei moral diferente para eles. O lan-
De tais constatações deriva uma moral que responde à çamento das trajetórias é livre, mas, para todos, em qualquer
perfeita justiça da Lei, razão pela qual, por mais que se tente tempo e lugar, cada movimento é regulado por leis e, uma
fazer o contrário, não é possível fazer o mal senão a si mes- vez iniciado, é canalizado em um dado sentido, ao qual fica
mo, nem fazê-lo a um bom que não o tenha merecido. A me- ligado segundo os impulsos que lhe são impressos, permane-
dida com que o mal pode passar de um indivíduo a outro ou cendo aprisionado à disciplina da ordem soberana, sem poder
que a negatividade pode ser inserida num dado circuito, é es- escapar do canal escolhido, enquanto sua trajetória não for
tabelecida pelo mal merecido, ou seja, pelo grau de negativi- toda percorrida. As transgressões levam ao choque destrutivo
dade de que se saturou o próprio circuito receptor. Em suma, e doloroso com o qual se paga o erro.
a Lei não permite a injustiça. Portanto não pode haver sofri- Essa nova moral não será aceita por quem está habituado à
mento sem culpa, porque seria absurdo corrigir um erro não velha moral. Porém, para o homem mais evoluído, representa
cometido. É possível, assim, verificar-se quão injusto seria a uma grande satisfação chegar a conceber com exatidão essa lei
possibilidade de se conceder ao elemento mau o poder de fa- e poder situar-se e funcionar em seu seio, num plano de justiça
zer sofrer o bom e inocente, somente porque aquele malvado elevado, acima do nível humano da luta pela seleção do mais
é mais forte e mais esperto. Se o bom tiver de ser atingido, forte e astuto. Também é consolo, para o evoluído, constatar de
isso só poderá ocorrer na proporção em que o circuito de suas modo positivo que, em um nível mais avançado, existe uma lei
forças permitir a introdução de impulsos negativos e maléfi- bem diferente daquela de tipo animal, vigente em nosso mundo.
cos. Esta inserção será impossível, se o indivíduo bom não Assim, a lei terrestre inferior, com a sua relativa moral e siste-
merecer o mal que o assalta, mas torna-se possível, quando ma de vida, permanece como herança somente para o involuí-
ele merecê-lo. É isto que tal moral nos garante. Ela nos diz do, sendo destinada a desaparecer com a evolução. Surge então
também que aquele mal não merecido e, pois, não recebido uma biologia mais avançada, na qual a feroz lei do mais forte é
não é uma força que se anula – o que é impossível – mas sim substituída pela justa lei do mais honesto, de modo que a sele-
um impulso que se volta contra e atinge quem o lançou. Esta ção ocorra em outro sentido, em um nível mais alto. Será intro-
é a justiça da Lei. Pelo fato de desconhecermos as raízes pro- duzido na Terra, inclusive para os menos atrasados, e poderá
fundas e as origens longínquas de tantos acontecimentos hu- começar a ser reconhecido o valor social de quem é mais avan-
manos, o que vemos na superfície pode enganar-nos. çado. O inepto para o tipo de vida inferior dominante não mais
O contrário ocorre no caso de trajetórias que seguem a dire- será condenado. Assim, o evoluído conhecerá qual é a sua posi-
ção da Lei, isto é, um percurso em sentido positivo. Estas, entre ção biológica e cada um estará situado no lugar que lhe cabe
tantas forças que encontram em seu caminho, atrairão e pode- por justiça, em obediência à lei do seu plano de evolução.
rão absorver no seu circuito apenas aquelas que têm o mesmo Alcança-se finalmente, na evolução biológica, um ponto
sinal. Assim, quem se encontra em tais condições terá uma vida em que o ideal encontra condições para cumprir a sua função
abençoada e frutificativa, que o levará para o alto, porque a Lei vital, em vez de ser utilizado de modo hipócrita, como meio
da vida, para quem quer evoluir, é mover-se em direção do S. de esconder a realidade e obter melhor vitória na feroz luta
Estes impulsos positivos, porém, se forem dirigidos em favor pela vida. Finalmente, será atingida uma posição biológica
de campos de forças do tipo negativo, não poderão se inserir na- num mais elevado plano, situada além do nível normal huma-
quele circuito de sinal oposto e, portanto, serão repelidos. Assim no, na qual o ideal será realização e atuação, e não só teoria e
o bom não pode fazer o bem a um mau que não o tenha mereci- hipocrisia. Será definido finalmente, na escala biológica, um
do e, quando pode fazê-lo, isso só acontece na medida em que lugar no qual o evoluído encontrará o ambiente adequado ao
aquele haja merecido. Quando esse bem, ao encontrar as portas seu tipo – feito de inteligência e de bondade, ao invés de força
fechadas, não pode entrar naquele campo, então volta para trás e e agressividade – e o seu direito à vida será reconhecido.
184 A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
Resumamos e apliquemos estes conceitos ao momento his- sermos mais ingênuos, para podermos nos permitir o luxo de
tórico atual. Há na Terra três modos de viver, usando três mé- sermos bons sem cair em todas as armadilhas da vida. Os deve-
todos: 1o) O da força, que consiste na opressão do fraco; 2 o) O res dizem respeito àqueles que os podem cumprir. Porém isto
da astúcia, apoiado na inocência do ignorante; 3 o) O da sinceri- não significa que hoje o pobre esteja passando para a outra mar-
dade e da clareza, dirigido à compreensão recíproca com o fim gem, pois ele tem de assumir suas responsabilidades. As previ-
de colaborar. Estes três métodos são distribuídos em três de- dências sociais dão uma nova orientação de tipo coletivo. As
graus sucessivos ao longo da escala da evolução. O primeiro é classes e os povos, outrora em estado de sujeição, estão se orga-
o mais antigo, hoje superado e condenado. O segundo é de uso nizando e vão conquistando forças para se fazerem valer. É sufi-
mais recente e ainda em vigor. O terceiro é um método mais in- ciente este fato, que nada tem de teológico, filosófico ou moral,
teligente, que se expandirá no futuro. Hoje vivemos uma fase para se chegar a um novo conceito de justiça, antes impraticável.
de transição, que vai do segundo ao terceiro método. Hoje podemos constatar seu fortalecimento com base no direito
É natural que, no passado, quando a vida se encontrava di- que realmente se tem, fazendo surgi-lo, quando antes, na prática,
ante de um fraco ou ignorante, ela permitisse, pela lei do míni- era apenas teórico e não funcionava. Entretanto, um fato nada
mo esforço e maior rendimento, que dele se aproveitasse quem espiritual, mas concreto, como a aquisição da força, pôde trans-
tivesse capacidade de consegui-lo. Embora muitos pensem des- formar a velha moral numa outra bem diversa.
sa forma, o método é injusto segundo a atual e mais amadureci- A atual transformação nos faz ver como a vida tinha suas ra-
da moral dos países civilizados, ao passo que poderia parecer zões quando, no passado, deixava que aquelas injustiças fossem
justo no passado menos evoluído. Outrora não existiam pro- cometidas, porque isso somente ocorreria até o momento em
blemas de justiça com deveres e direitos, mas só duas posições: que, pelo sofrimento, o fraco aprendesse a se tornar forte e o ig-
a do vencedor, o forte que comandava, e a do vencido, o fraco norante viesse a ser mais inteligente, isto é, até o momento em
que obedecia. A primeira coisa que fazia aquele que detinha o que a vítima alijasse de si mesma o defeito que a tornava vulne-
poder, para assegurar-lhe a continuação e consolidá-lo, era rável. Assim a vida atingia a justiça percorrendo uma longa es-
exercitá-lo em nome da justiça divina, afirmando a sua legiti- trada, mas a única possível, devido às condições de então. Na
midade, que defendia à força, com as armas da sugestão e do verdade, para que se livrassem dos próprios sofrimentos, a vida
domínio psicológico. Pregava-se como virtudes o respeito e a obrigava os mais atrasados a fazer o esforço de evoluir, supe-
obediência, investindo o poder de um caráter sagrado, coadju- rando suas inferioridades na luta pela seleção do melhor, sendo
vado pela autoridade religiosa, aliada no trabalho de manter justo tal condição. Depois, nas revoluções, as vítimas se revolta-
subjugados os povos. É natural que, em tal fase evolutiva ainda vam contra os opressores, fazendo com que estes pagassem as
feroz, a mais forte preocupação de quem detinha o poder fosse respectivas culpas, o que é também um ato de justiça. Vê-se co-
conservá-lo, defendendo a própria posição. mo tudo é lógico e tem suas razões.
Do outro lado, o pobre não vencedor era induzido a perma- Cada um paga pelos seus defeitos. O fraco ou ignorante
necer sujeito não só a um tal tipo de educação, que lhe era im- paga pela sua fraqueza ou ignorância, enquanto o forte ou astu-
posto, mas também a uma natural ideia de superioridade do to paga pelo abuso da sua vitória, e todos, indistintamente, cur-
mais forte. Tal tipo, que, para Nietzche, representava o modelo sando alternativamente a mesma escola, são obrigados a evolu-
do super-homem, estava baseado, porém, devido ao baixo ní- ir, como quer a Lei. Cada um, assim, sofre um período, en-
vel de evolução em que a humanidade se encontrava no passa- quanto o outro goza, mas depois goza um período, enquanto o
do, pelo uso das velhas leis biológicas, na superioridade da outro sofre. Na escola da Lei há lugar para todos. Esta era a
força, seu maior valor, e se fazia valer naquele plano com as única forma de justiça que se podia praticar num regime de
mesmas razões pelas quais o leão é o rei da floresta e merece inimizade, onde a justiça não pode ser obtida sob a forma pací-
respeito. Essa superioridade, portanto, não era só inculcada por fica de acordo entre companheiros, mas somente através do
sugestão, mas também realmente sentida pelos fracos. equilíbrio entre rivais em luta.
Hoje, em outra fase da evolução, tudo isso não é mais con- Por mais que se busque escondê-la sob belas teorias, esta é
siderado justo, como foi no passado. É natural que a moral a realidade da vida. Vejamo-la num outro caso, também de
dependa das diversas condições de vida. No passado, tinha-se justiça, mas em outro sentido. Hoje nasceu um fato novo na
um outro conceito de justiça, porque esta era medida em fun- história, isto é, um estilo de generosidade pelo qual as elites
ção de outros pontos de referência. Não há dúvida de que o ricas se ocupam das classes pobres e os povos de alto nível
mais forte, se não representava um maior valor espiritual, econômico voltam-se para os subdesenvolvidos. As raízes de
constituía, no entanto, um valor biológico maior. É por isso tudo isso se encontram num outro fato também novo, que é a
que o pobre, ainda que com ódio e inveja, inclina-se diante do organização dos pobres, realizada pelo comunismo, através da
rico também com admiração e avidez para imitá-lo, ansioso de qual estes se tornaram uma força e, assim, fortalecendo-se,
aprender os métodos de vitória. Para a vida, isso é sadio, por- passaram a ter direitos que antes não tinham, mas que agora
que funciona para a evolução, embora em nível baixo. O po- têm, pelo fato de hoje saber fazê-los valer. Um direito não
bre sabia que era um fraco e que valia pouco. Sabia que a su- alimentado por uma força que lhe imponha o reconhecimento,
jeição era justa e que ele devia aceitá-la como sua culpa. Era não é de fato direito, mas apenas um piedoso desejo, cuja sa-
sua própria fraqueza, a qual ele não sabia superar, que o im- tisfação depende do capricho do patrão. Só é possível falar
pedia de ter direitos. De fato, ele se deu conta de tê-los só tanto de justiça social hoje porque existem os que estão pron-
agora, depois de ter evoluído mais e haver conquistado a força tos a exigir seu reconhecimento, ao passo que, antes, ninguém
para fazê-los valer, sem a qual é inútil ter direitos, embora se ocupava disso. Somente agora, que os pobres se tornaram
justos. Antes não lhe restava senão a virtude da obediência e uma ameaça, nasceu nas classes e nos povos abastados o amor
da resignação, além da esperança de recompensa com uma vi- pelos deserdados, ressuscitando-se o Evangelho. No entanto já
da melhor nos céus, consolo do vencido na Terra. se falava há séculos desses deveres para todos os cristãos, que
É óbvio que, naquelas condições de vida miserável, era im- só excepcionalmente os praticavam. Mas como se podia pre-
praticável ao pobre o exercício da bondade. Pode-se pensar nos tender o contrário, se a parte oposta não sabia impor-se, fa-
outros somente quando não falta o indispensável para si mesmo. zendo seus próprios direitos serem reconhecidos?
Para poder crescer, é preciso que não falte o necessário; para Hoje, o grande amor pelo pobre se tornou moda e é usado
poder dar, é preciso primeiro possuir; para ser bondoso, é preci- como bandeira, fazendo parecer que o pobre tenha surgido só
so ser forte; para ser generoso, é preciso ser rico. É preciso não agora, sem jamais ter existido ou sofrido antes. O mundo se
Pietro Ubaldi A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS 185
deu conta de sua existência somente hoje, depois que o pobre é, do método da astúcia e do engano para aquele da sincerida-
constitui um perigo, condição sem a qual ninguém o veria. de e da compreensão. Vivemos numa fase de destruição dos
Até ontem seus direitos não existiam. Seu problema nunca valores do passado. Com ele não se entra mais em discussão.
teve importância e, se hoje tem, é porque se tornou também Deseja-se apenas retirá-lo do mundo, para recomeçar do zero.
um problema para a segurança e a paz do rico. Foi daí que se O castelo das velhas construções não comanda mais a crítica.
originou esse novo amor, surgindo não por uma questão de Há, porém, o fato de que, no transformismo universal, nada
bondade, mas sim de luta. pode se deter definitivamente. No conflito entre as gerações,
Ora, para que se acobertar com mantos de idealismo, se essa caberá às novas, após ser concluída a destruição, a tarefa de
é a realidade da vida e ninguém crê em tais disfarces? Por que recomeçar a reconstruir, porque não se vive no vazio e nin-
insistir no velho método da astúcia, quando o mundo quer passar guém pode parar a vida. Que saberão fazer os inovadores de
– não porque esteja melhor, mas porque está mais inteligente – hoje quando, superada a fase negativa da destruição, tiverem
ao método da sinceridade e clareza? A ingenuidade está em crer que entrar na subsequente fase positiva de reconstrução?
que os velhos sistemas possam ainda valer num mundo que se Não há dúvida de que estamos em estado de revolução. A
renova profundamente; está em crer que um determinado tipo de história nos habituou com a ideia de revoluções à base de catás-
trajetória, constituído por um modo de pensar e de viver, possa trofes. Esta, porém, parece uma revolução mais evoluída, que se
ser rapidamente corrigido só com a tomada de consciência de processa diferentemente. Nem por isso se pode dizer que não se-
tudo isso. A quem conheceu a técnica desses fenômenos, expli- ja revolução, porque age de uma forma mais profunda que as
cada neste volume, poderá ocorrer uma pergunta. Não será mui- outras. Hoje, reis e chefes, outrora constituídos pela graça de
to tarde para que uma trajetória, percorrida por tanto tempo no Deus, são depostos pela vontade da nação, que os mandam reti-
passado e fixada como forma mental e costume social, possa ser rar-se, sem matá-los, coisa antes inconcebível. Esta forma de re-
corrigida com tais paliativos? Não estará implícito nos equilí- volução mais civilizada, realizada na ordem, parece-nos mais
brios da Lei, sendo portanto fatal, que não se poderá chegar sadia que o habitual desabafo de vinganças e de agressividade
àquela correção, senão depois de se ter chocado com a Lei e so- por parte dos oprimidos. Trata-se de uma revolução que aceita a
frido todas as suas consequências? destruição como um mal necessário para limpar o terreno, mas
Num regime de luta, pode surgir a dúvida de que, no passa- cuja finalidade não é negativa, e sim positiva, porque tem a fina-
do, tenha sido exaltada a virtude da inocência porque esta, signi- lidade de construir num plano mais alto, de acordo com a lei da
ficando ignorância, permitia dominar melhor, ao passo que a vi- evolução. Essa sua forma pacífica na qual se manifesta em nosso
da quer e premia a virtude do conhecimento, necessária para Ocidente civilizado nada retira à profundidade do fenômeno,
vencer a luta sem cair na armadilha da astúcia humana. Com a que poderíamos chamar biológico, pois constitui uma fase do
queda, perdeu-se aquele conhecimento, que vai sendo trabalho- percurso evolutivo e, portanto, toca os pontos vitais da humani-
samente reencontrado através da experimentação, e nessa con- dade, dirigindo-a no sentido de um mais avançado tipo de civili-
quista consiste a solução. Vimos como se procede à correção do zação. Não estamos falando da habitual revolução de classe,
erro devido à ignorância. Por isso a vida é uma contínua expe- com o assalto dos famintos contra os abastados. Trata-se de um
rimentação, justamente porque o seu fim é a reconquista do co- processo que procura desenvolver a inteligência, para ela conse-
nhecimento. Assim se explica o instinto humano de se aventurar guir compreender o enorme peso que tal método de vida repre-
em toda a sorte de experiências. senta para todos. Constitui, portanto, uma revolução para se li-
Muda então o tradicional conceito de evoluído. Ele não é um bertar da segunda fase, livrando-se das falsidades que enchem
santo ou um anjo, ingênuo e inexperiente, mas um ser que pro- de alçapões a vida. É uma guerra contra a moral de hipocrisia –
vou e conhece a vida, mesmo nos seus planos mais baixos, dos estabelecida em todos os campos como produto do passado e
quais, porém, fez o esforço de emergir. A superioridade deve ter transformada em sistema de vida – da qual tanto se aproveitou
consciência também do seu oposto, pois deve ser o fruto de um quem a usou e a qual tanto pesou sobre quem a sofreu. Um hábil
conhecimento adquirido pela experiência individual. Assim o homem de negócios dizia ao filho, para educá-lo: “Conviva
santo deve conhecer todas as insídias do diabo, porque, se for sempre com as pessoas honestas, são as mais fáceis de serem
ingênuo, será vencido por ele. Trata-se uma guerra, e o santo enganadas”. Eis o que se lucrava com a honestidade.
deve ser o mais forte e o mais preparado. O evoluído deve co- O problema agora é reconstruir. Jamais teve tanto vigor o
nhecer as consequências do erro, por tê-lo cometido, se não qui- revisionismo como neste nosso tempo de ideologias. Os jovens
ser recair nele. Deve ter-se livrado, com seu próprio esforço, da precisam de quem, especializado em tais trabalhos, tenha pre-
grande punição que o ser, com a queda no AS, infligiu a si parado e possa apresentar um plano já completo. Eles têm ne-
mesmo, ou seja, do estado de ignorância da realidade expressa cessidade de encontrar uma filosofia já pronta, positiva, para
pela Lei. O involuído vive em posição invertida, isto é, no enga- orientar e dirigir a ação. A hora atual não é mais de elucubra-
no, na ilusão que foi chamada a “Grande Maya”. Ele é cego, ções, mas de realizações. Vivemos num momento maravilhoso
mas crê que vê, e assim se engana e paga. Enquanto não houver da história humana, que é de aceleração evolutiva, levando a
corrigido a sua posição de AS, não terá paz. um mais rápido transformismo da vida em sentido ascensional,
Deus entende o pensamento de Satanás, mas Satanás não para formas mais evoluídas. Agora sabemos que determinados
entende o pensamento de Deus. A evolução consiste na reab- conceitos novos não nascem por acaso em algumas consciên-
sorção do erro pela dor, do pecado pela penitência, da igno- cias isoladas, mas representam o reclamo das exigências do
rância pela experiência, do negativo pelo positivo. A evolução momento evolutivo, que, satisfazendo uma necessidade vital,
é o trabalho de correção – na direção do S, isto é, Deus – da polariza-se sobre aquelas consciências, encontrando no incons-
trajetória da vida invertida em direção ao AS. Isso só se ob- ciente coletivo o terreno adequado para crescer e frutificar. Eis
tém com uma serie de tantos lançamentos de trajetórias meno- que, entre tantas, a nossa Obra, da qual este volume faz parte,
res quantas são as vidas, as experiências de superação e as li- poderia ser utilizada para esse fim. O momento é adequado. A
ções a aprender. As condições são desvantajosas, porque o oferta é desinteressada, e já foi feita oficialmente em 1966, na
lançamento se faz na posição de AS, isto é, emborcado para o Câmara dos Deputados, em Brasília, ao Brasil e aos povos da
negativo. Pelo fato de os impulsos serem errados, há a neces- América Latina. Esta Obra não nasceu hoje. Somente agora,
sidade de corrigi-los um a um. depois de quarenta anos de trabalho, ela está se completando.
Mas vejamos agora o que está sucedendo hoje, que se está Tem suas raízes no passado e se projeta no futuro, do qual re-
realizando a passagem do segundo ao terceiro momento, isto presenta uma antecipação. Pode assim funcionar como ponte
186 A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
entre a segunda e a terceira fase do transformismo evolutivo. IX. A RESISTÊNCIA À LEI E SUAS CONSEQÜÊNCIAS
Ao invés de destruir, como hoje se desejaria, ela, pelo contrá-
rio, salva e utiliza do passado tudo o que é bom, mesmo não O maior problema de nossa vida consiste nas relações que
sendo novo, mas alija tudo o que é mau, ampliando-se e avan- cada um estabelece com a Lei, porque nosso próprio destino
çando com conceitos novos, lucidez e sinceridade, como exi- depende dos respectivos contatos e choques que se seguem.
gem os tempos atuais. Trata-se de conceitos revolucionários, Continuemos, então, aperfeiçoando as observações deste fenô-
enquadrados na ordem da lei de Deus, expostos com lógica e meno, embora sob outros aspectos. Comecemos por orientar
demonstrados à razão através de provas. nosso pensamento para uma posição diferente em relação ao
A fim de que uma coisa se desenvolva, não basta que ela esquema geral que rege o funcionamento de nosso universo.
seja boa e bela. É necessário que também seja útil e satisfaça O seu centro dinâmico e conceitual é Deus. Inesgotável
uma necessidade do consumidor, que só então a aceita. Esta fonte de poder e de sabedoria, irradia-se continuamente, man-
Obra é um plano de trabalho para os reconstrutores. Ela é pu- tendo em vida tudo o que existe, como resultado dessa per-
blicada em livros que são de domínio público. As novas gera- manente irradiação divina. Ele é o princípio e a primeira fon-
ções encontram nela, com o estilo de franqueza que desejam, a te da vida. Reciprocamente, tudo gravita na direção de Deus,
solução racional dos fundamentais problemas do conhecimen- que se constitui não somente em centro irradiador, mas tam-
to. Trata-se de conceitos sadios e dinâmicos, que, ao invés de bém em centro de atração universal, para o qual tende tudo o
impor, busca oferecer uma ideia pelas vias da convicção, sem que existe. O ser, com seu impulso de rebelião, procurou se-
agredir ninguém; uma ideia jamais negativa, e sim exclusiva- parar-se e afastar-se deste centro, que é o S, construindo seu
mente reconstrutora, deixando para outros a parte destrutiva. anticentro no AS. Mas, fazendo assim, isolou-se da fonte de
São conceitos que induzem os seguidores do velho estilo a um sua vida e, se não quiser morrer, deve voltar a ela. Eis, então,
exame de consciência e conduzem os jovens seguidores do no- que o caminho de afastamento ou involução teve de se inver-
vo estilo a uma conquista de consciência, para que aqueles ter, corrigindo-se no caminho de reaproximação ou evolução,
mudem o sistema diretivo e estes assumam a responsabilidade que, por parte do espírito obscurecido, representa um proces-
das posições que querem conquistar. O mundo está farto de so de reabertura ao conhecimento perdido. No conflito entre
enganos, exploração e injustiças; está cansado das pessoas que, a vontade anti-Deus do ser rebelde e a vontade de Deus, o
sem compreender quanto infortúnio causam a todos e sobretu- impulso da segunda, sendo inesgotável, porque infinita, não
do a si mesmas, tomam da sociedade mais do que dão e, assim, pode deixar de vencer o impulso da primeira vontade, natu-
a danificam, tornando-se pesadas à coletividade, o que é deso- ralmente fechada num limite. Superado assim o impulso re-
nesto e injusto em qualquer campo, causando indignação às belde, predomina a atração para Deus. O grande fenômeno da
pessoas que são honestas e justas. Trata-se de verdades positi- evolução é devido a essa atração, que, não obstante todas re-
vas, imparciais, de efeitos calculáveis, racionalmente controla- sistências do AS, dirige o nosso universo.
das e suscetíveis de experimentação, verdadeiras tanto no Ori- Exemplifiquemos. As águas que descem dos montes vão to-
ente como no Ocidente, sob qualquer religião ou ideologia, das para o mar, que as espera para recolhê-las no seu seio. Elas
porque estão escritas nas leis da vida e, como tais, não podem não encontram um caminho traçado que as guie, contudo mo-
deixar de funcionar em toda a parte. vem-se todas na mesma direção do íntimo impulso de atração.
Os mais evoluídos já começam a compreender que o siste- Encontrarão dificuldades, mas resolvê-las-ão. Avançarão por
ma intimidativo não resolve e a violência provoca outro dano. tentativas, explorando o desconhecido caminho a percorrer,
Já se pode hoje demonstrar, a quem sabe compreender, quanta mas sempre orientadas pela certeza absoluta da presença da me-
aflição deve suportar pelo mal feito o próprio indivíduo que o ta, para a qual as leva essa atração. Eis o que significa gravitar
faz, confirmando que o dano recai principalmente sobre ele e para Deus e porque, à semelhança dos rios que vão para o mar,
que a mentira engana quem a pratica, isso tudo automatica- aquela meta final deve, pelo caminho da evolução, ser atingida,
mente, por um jogo de forças que não se pode deter e das quais apesar do estado de ignorância do ser, das trevas em que vive,
não se pode fugir. Entende-se, pois, que é estúpido aquele que da incerteza das suas tentativas e dos obstáculos que procuram
pensa vencer com tais meios, porque, em lugar de ganhar, co- detê-lo. Agora o caminho, depois de ser percorrido do S até ao
mo crê, perde e tem de pagar. AS, é percorrido no sentido oposto, do AS ao S.
O novo mundo a construir deve ser, antes de tudo, sadio. A evolução é uma força viva em movimento, porque ani-
Isto é o que a vida quer. Se de fato deseja-se alcançar a tão co- mada pela vontade de Deus, que exige o retorno a Ele. Mas,
biçada justiça, então, para poder usá-la como um legítimo di- do lado oposto, fica a vontade do ser que, não redimido ainda
reito, é preciso antes praticá-la como legítimo dever. Somente por sua evolução, resiste em posição anti-Lei, impulsionado
assim pode cessar o estado de luta que atormenta tantos. Trata- por resíduos daquele primeiro impulso de revolta a se manter
se de uma renovação de base. O problema da injustiça tem so- contra a corrente de atração que tende a levá-lo de volta a
lução, mas a humanidade está ligada aos antigos hábitos. Terão Deus. Pretendemos, neste capítulo, estudar o fenômeno dessa
as novas gerações a força de arrastá-la até à outra margem? resistência, a sua técnica e as consequências, observando co-
Conseguirá o homem compreender a estupidez de querer sofrer mo se comporta o ser de tipo anti-Lei e o que ocorre quando
inexoravelmente, fazendo da Terra um inferno de condenados, se verifica o choque entre ele e a Lei.
atormentando-se reciprocamente, enquanto tudo isso seria evi- É lógico que seja possível ocorrer o fenômeno de resistên-
tado e todos poderiam estar melhor, se fossem menos maus? cia à atração do S, porque a revolta e a queda foram devidas a
Trata-se de passar da era patrão-servo, na qual se usavam os um impulso oposto, ainda não totalmente extinto nos níveis
primeiros dois métodos, força e astúcia, que se apoiavam na mais baixos. Assim, a evolução não é pacífica, mas se desen-
injustiça, à era dos direitos e deveres, na qual se passará a usar volve numa luta entre dois contrários, S e AS, isto é, entre o
o terceiro método, sinceridade e honestidade, que se alicerça impulso unificador do primeiro e o impulso separatista do se-
na justiça. O momento é grave e resolutivo. Trata-se da mu- gundo. É assim que o indivíduo, quanto mais involuído é, ou
dança para uma nova fase evolutiva, do salto de um nível bio- seja, mais próximo está do AS, de onde deriva, mais ele pro-
lógico a outro mais elevado. Quem está habituado aos velhos curará opor-se à corrente evolutiva de endireitamento, fazen-
sistemas resiste. Mas, se as novas gerações souberem ser for- do prevalecer o seu instinto de inversão. Com a sua vontade
tes, inteligentes e honestas, haverão de consegui-lo e, então, rebelde, ele se colocará em posição anti-Lei, para deter-lhe o
poderão dizer que fundaram uma nova civilização. funcionamento, buscando com as próprias forças construir um
Pietro Ubaldi A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS 187
dique que detenha essa corrente. Isso se verifica sobretudo na A sabedoria do mundo consiste em construir diques com
primeira das três fases do ciclo da redenção, a do erro, com o esses resultados. Este é o método dos astutos que sabem viver.
lançamento da trajetória errada. O seu exagerado senso de egocentrismo os faz crer que podem
Observemos o que acontece. Os dois impulsos, um de natu- fazer sua própria lei, enquanto estão na verdade fechados num
reza positiva, o da Lei, e outro de natureza negativa, o do indi- sistema de normas que custa caro violar. Na verdade, ocorre
víduo, agora em posições opostas, estão frente a frente. Logi- que eles, com tal forma mental, quanto mais creem ganhar, in-
camente isso não acontece no caso onde se segue a corrente da do contra a Lei, tanto mais se destroem, sobrecarregando-se de
Lei, que tem, por natureza, poder ilimitado e, portanto, riqueza dores. Não se trata de uma abstração da realidade, mas daquilo
inesgotável de reservas. O impulso do S é tão superior ao do que vemos acontecer no mundo a cada dia. Eis qual é a estru-
AS, que permaneceu vivo e atuante no íntimo deste, para dirigi- tura do mecanismo da reação da Lei. Da compreensão de tais
lo em direção à salvação e curá-lo por meio da evolução. O im- fenômenos é evidente que nasce uma nova moral, provida de
pulso anti-Lei não é bem direcionado, pois nada tem de positivo sanções automáticas, às quais ninguém pode fugir, tenha a fé
e afirmativo, sendo, pelo contrário, um impulso invertido, por- que tiver, e sobre a qual nenhuma autoridade humana tem po-
que traz a negatividade da posição de rebelião e resistência. der. Uma moral convincente, porque redutível a um cálculo de
Portanto, como não resulta de um sistema orgânico de forças, forças. Moral cuja autoridade é alicerçada sobre princípios que
mas sim de elementos isolados, como indivíduos ou de seus todos compreendem e sobre os quais se baseia a vida.
agrupamentos, seu poder é limitado e está sujeito a se exaurir. Assim, o mundo é dividido em duas partes. De um lado, os
Assim, a resistência que o indivíduo anti-Lei opõe não pode ul- espertos fabricantes de diques, abandonados pela Lei e defendi-
trapassar um determinado limite, pois suas reservas não são in- dos apenas por suas próprias forças. De outro, os honestos, que
finitas, e chega o momento do cansaço e da rendição. agem de acordo com a Lei, desprezados como tolos, mas defen-
O que acontece então? O indivíduo que trabalha em sentido didos por ela. Muito esforço é despendido na construção de di-
anti-Lei procura fortalecer a sua resistência contra a corrente ques gigantescos, cuja queda, porém, é desastrosa. Se fizermos o
da Lei. Constrói um dique que se manterá em pé enquanto pu- cálculo utilitário do rendimento do trabalho realizado, vemos
der, porque está do lado oposto. Mas a corrente não se detém, que o tipo anti-Lei se cansa muito mais, para obter depois pés-
e a água continua a forçar o dique, que gostaria de deter-lhe o simos resultados. Entretanto quem segue a corrente da Lei nada
curso. Então o nível da água cresce, aumentando cada vez mais perde do fruto dos próprios esforços. Cada braçada que ele dá,
a pressão. Por mais alto e forte que seja o dique, cada vez mais nadando a favor da corrente, leva-o adiante no caminho da evo-
se aproxima o momento da catástrofe, com a vitória da corren- lução, atraindo e multiplicando a seu favor tudo o que é positivo
te, que resultará no afundamento e destruição do dique. Então, e alijando progressivamente tudo o que é negativo e lhe causaria
o impulso da Lei, isto é, o das forças do bem, vence finalmente prejuízo. Ele obtém, pois, do seu trabalho o rendimento máxi-
o impulso da anti-Lei, isto é, o das forças do mal. mo, enquanto ocorre o contrário para quem nada contra a cor-
O dique que se rompe representa o campo de forças com- rente. Aquele que pretende inverter a Lei, é antes por ela inver-
ponentes da personalidade do indivíduo, orientado contra a tido. O mecanismo do fenômeno processa-se de uma tal forma,
Lei. O rompimento significa que, naquele momento, ele recebe que a tentativa de inverter redunda na inversão de quem tenta
os efeitos do choque contra a Lei, ou seja, a reação dela. Signi- fazê-lo, obrigando o indivíduo a restituir à Lei na mesma pro-
fica também que aquela personalidade se precipita, porque a porção em que tentou lesá-la. Desse modo, quem faz o mal o faz
corrente da Lei arrasta a sua inútil resistência. As pedras que sobretudo a si mesmo, ainda que creia tê-lo feito aos outros.
formavam o dique são as forças que constituíam a personali- Quem assim procede está demonstrando o próprio egoísmo, e
dade do indivíduo rebelde. Uma vez que não flutuam, elas não jamais a sua inteligência. Tudo que é negativo é perseguido pela
podem se manter na superfície e seguir a corrente para se sal- vida, cujo objetivo é eliminá-lo, e esta perseguição só terminará
var. Ao contrário, em razão de seu peso, mergulham na Lei e quando o objetivo for alcançado. Trata-se de princípios biológi-
são arrastadas por sua corrente, chocando-se a cada momento cos, que fazem parte das leis da vida e estão sempre ativos em
contra aquele fundo pedregoso. Este atrito representa a reação nosso mundo. Quem opõe um dique à corrente da Lei, está ten-
da Lei, que não se detém com a queda do dique, mas prossegue tando obstruir a corrente da vida, que ninguém pode deter.
com a sua função de forma educadora. Assim, continuando a Os diques são construídos por nós, com nossos pensamentos
rolar no fundo, as pedras têm suas saliências suavizadas e ar- e obras. Suas pedras são as forças que lançamos. Cada impulso
redondadas, o que lhes permite avançar um pouco melhor, nosso acrescenta uma pedra à sua estrutura, lançando uma força
obedecendo à corrente, embora penosamente nas trevas e com que, ao somar-se com as outras, constrói aquela resistência à
grandes baques. Esta é a hora da dor expiatória, da lição salu- Lei, representada pela imagem de um dique. Tanto a construção
tar. Com esse método, até mesmos os cegos veem e os surdos como a queda e o choque contra a corrente são fenômenos de
ouvem. Esta é uma forma de avanço bastante penosa e forçosa, caráter dinâmico e espiritual. Concebendo-os como forças, é
ao passo que o mesmo caminho poderia ser feito muito mais possível calcular seus parâmetros, tais como impulsos, movi-
suavemente, flutuando na superfície da corrente. mentos, trajetórias, direção, potencial, tipo de estrutura etc. Na
O processo da redenção se realiza quando buscamos seguir verdade, todos esses fenômenos podem ser constatados, se
espontaneamente a corrente, em vez de tentar resistir-lhe com a submetidos a controle experimental.
pretensão de detê-la. A fim de aprender isso, é necessário, para Apesar de viver tais fenômenos, o mundo nada sabe do fun-
os que não conhecem a estrutura do fenômeno nem tem a inten- cionamento deles, cometendo contínuos erros, que depois deve
ção de seguir-lhe o desenvolvimento, que eles construam seus pagar com sucessivas dores. Por isso insistimos neste argumen-
diques e os vejam depois ruir e afundar, sofrendo as conse- to, a fim de que, ao menos, algum leitor isolado salve-se por
quências desejadas. Assim, à força de construir diques e vê-los sua conta. De Deus, fonte infinita de forças benéficas, flui con-
cair, aprende-se que aquele sistema, por ser anti-Lei, é contra- tinuamente uma corrente positiva vital, que sustém tudo o que
producente e deve ser abandonado, para seguir-se o oposto, na existe. O fluir dessa corrente é disciplinado por uma lei própria,
direção da Lei, que é muito mais vantajoso. Feita essa opção, a a qual é necessário respeitar, caso se deseje que o fenômeno se
própria Lei, que só pode auxiliar a quem segue a sua vontade verifique. Ora, ao construir diques, opondo-se com a sua nega-
salvadora, pois sua natureza é jamais se impor à força contra o tividade, o rebelde detém esse fluxo no seu campo de forças e,
ser rebelde, funciona como ajuda. Então Deus vem ao nosso em meio a uma atmosfera de ilimitada abundância, acaba se en-
encontro para nos levar em direção ao S. contrando na mais esquálida miséria. Ele não percebe que eleva
188 A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
o dique contra as forças que alimentam a sua própria vida. ficando-se todas as vezes que o livre fluir da corrente da Lei se-
Deus, jamais se negando, continua sempre sua irradiação. Mas ja impedido pelo indivíduo através do lançamento de forças ne-
nada pode chegar, quando se impede sua corrente de entrar, fe- gativas, que resistem ao fluxo benéfico.
chando-lhe as portas. Aquele que vive segundo a Lei abre-as e, A simples conclusão é que, quando somos justos, Deus nos
então, é alimentado. No entanto, quem vive contra a Lei fecha- ajuda e, para sermos ajudados, é preciso tê-lo merecido. Colo-
as e então, como nada mais passa, morre de fome. Pobre de cada essa premissa e encontrando-se o indivíduo nas condições
quem interpõe um diafragma de negativismo ao fluxo de positi- ideais da justiça, o resto é fatal e automático. Deus construiu
vidade do S. Se quem pratica o mal soubesse o que vem depois, com perfeição o universo, que é feito de forças benéficas. É a
quando se trata de pagar, ele ficaria aterrorizado. Mas isso só própria criatura rebelde que, virando tudo de cabeça para bai-
compreende quem pagou e sabe, portanto, o que isto significa. xo, impede, em prejuízo de si mesma, a chegada destas forças.
Tais afirmações parecem ser desmentidas pelo fato de ver- É ela que, voltando-se contra a Lei, coloca-se contra a vida. O
mos desonestos sem escrúpulos gozar impunemente do fruto de universo está cheio de Deus. É a nossa própria loucura que nos
suas proezas. É preciso, porém, também reconhecer que essa impede de gozar de seus benefícios.
sua posição não é estável, pois se mantém apenas enquanto du-
ram as reservas de força do indivíduo anti-Lei, o qual não rece- X. O PROBLEMA DO KARMA E A JUSTIÇA DE DEUS
be reabastecimento e, portanto, encontra-se como alguém aban-
donado no deserto. O jogo tem duração limitada. Assim, aquela Da teoria da reencarnação já nos ocupamos no livro Pro-
aparente impunidade nada mais é senão a momentânea riqueza blemas Atuais. Iremos aqui vê-la apenas em alguns de seus as-
do jogador que, no final, termina perdendo tudo, pois se vê con- pectos. A seu favor há o fato de que ela não só é admitida por
tinuamente assediado pela Lei, que exige justiça e, consequen- uma boa parte da humanidade, mas também permite enquadrar
temente, a prestação de contas e o pagamento. Trata-se de um e resolver muitos problemas sobre o significado e as finalidades
equilíbrio instável, em virtude de ser injusto, e a Lei o fará de- da vida, de outra forma insolúveis.
sabar, pois quer a posição estável, alicerçada na justiça. Se a Muitos temem que tudo isso seja incompatível com a orto-
posição do indivíduo não é mantida por tais íntimos equilíbrios, doxia cristã. Cristo não negou tal doutrina, tratou-a como coisa
o esforço humano poderá sustentá-la por um determinado perí- óbvia, sobre a qual não era necessário insistir. A igreja primi-
odo, mas, ao longo do tempo, ela será corroída pelo seu vício tiva aceitou-a até o Concílio de Constantinopla, em 553 d.C.,
de origem e terminará esfacelando-se. vindo a repeli-la mais tarde, por três votos contra dois. Oríge-
É preciso compreender que a nossa culpabilidade anti-Lei é nes, Santo Agostinho e São Francisco de Assis a aceitaram.
um diafragma que nos separa das origens de tudo o que é bené- Para citar apenas alguns outros, sabemos que nela creram Pitá-
fico. É assim que os auxílios chegam à zona onde não somos goras, Platão, Sêneca, Cícero, Goethe, Schopenhauer etc. O
culpados, mas nada acontece naquelas onde a culpa e a rebeldia consenso de tais mentes não pode deixar de constituir um tes-
nos deixa abandonados ao nosso livre arbítrio de revolta. Eis temunho da verdade para tal doutrina. Nós a aceitamos plena-
porque razão o nosso mundo está em poder da feroz lei animal mente, porque é a única capaz de demonstrar, pelos argumen-
da luta pela vida, condição que significa salve-se quem puder, tos da lógica, a justiça e a bondade de Deus, que, de outro mo-
cada um por si, sozinho contra todos, sem defesa alguma além do, não encontrariam comprovação numa criação tão cheia de
das próprias forças. Trata-se de um regime infernal, baseado na males e de dores. Considerando-se o princípio evolucionista do
força, no engano e na injustiça, que só um estado de revolta an- retorno de tudo a Deus, a reencarnação se torna um fato indis-
ti-Lei pode ter criado, pois não é possível admitir que uma obra pensável para que essa subida se possa realizar. O próprio cris-
tão terrível possa ter saído das mãos de Deus. O nosso mundo tianismo é todo baseado nessa ascensão do espírito, cuja reali-
representa, de fato, a reviravolta da positividade do S. zação não seria compreensível sem um longo tirocínio que
O pagamento se faz de acordo com a justiça. Em cada uma permita repelir e, desse modo, corrigir as experiências engano-
das zonas de forças e qualidades constituintes de nossa perso- sas, fazendo das vidas repetidas uma escada de degraus suces-
nalidade, há uma balança que estabelece até que ponto a priva- sivos. É impossível compreender como, tão-somente com um
ção deve funcionar como compensação e pagamento do res- rápido exame de uma única vida, seja possível, inapelável e
pectivo abuso pelo qual infringimos a Lei. É assim que o des- definitivamente, julgar um ser que nasceu ignorante e inocente.
tino nunca nos atinge globalmente, mas apenas em dados pon- Não se compreende por que deveriam as mãos perfeitas de
tos, poupando-nos, favorecendo-nos e até mesmo ajudando- Deus dar origem ao nascimento de seres tão imperfeitos.
nos em outros. É a própria natureza das forças com as quais Mas por que, então, o cristianismo repeliu essa doutrina? A
nos construímos que atrai as forças pelas quais deveremos de- maioria que a refutou não foi muito forte: apenas três contra
pois ser punidos ou premiados segundo a justiça. Assim, em dois. Provavelmente, tal resultado se deveu ao fato de que mui-
cada ponto, recebemos segundo o mérito. tas verdades não podem ser ditas, e isso por motivos práticos.
Estes conceitos nos fazem compreender como funciona a Somente excluindo a reencarnação, a Igreja poderia deter nas
Divina Providência. Pelo eterno fluir das irradiações divinas, próprias mãos o monopólio absoluto e definitivo da outra vida,
ela está sempre aberta e em ação. Mas só pode chegar até nós obtendo o poder de decidir para sempre sobre a sorte da alma.
quando encontra livre o caminho. O segredo, pois, para sermos As massas ignorantes estão sempre prontas a fazer mau uso
ajudados por tal providência é nos encontrarmos ajustados à mesmo das melhores doutrinas e das maiores verdades, que
Lei. Para o rebelde anti-Lei, não há ajuda. Ele poderá invocá-la lhes devem, consequentemente, ser sonegadas. Assim, um pro-
e ter a ilusão de poder aproveitá-la, mas, se não tiver agido se- blema de fundamental importância como a reencarnação foi
gundo a Lei, não receberá auxílio, permanecendo abandonado posto de lado, sendo seu lugar assumido por questões sem im-
às próprias forças, que, esgotando suas reservas, chegarão ao portância, mas que encontraram ressonância nos instintos do
fim. Se, pelo contrário, ele tiver agido segundo a Lei, esta o inconsciente coletivo, sempre interessado em semelhantes te-
ajudará abundantemente. Mas o rebelde se coloca fora de sua mas e pronto a aderir-lhes. Referimo-nos a problemas de fundo
ordem e fica excluído do seu organismo de energias positivas. sexual, como o da virgindade da mãe de Cristo. É que, na Ter-
No próprio campo de forças das zonas da negatividade, ele ra, até mesmo as coisas de Deus são elaboradas pelo homem,
forma vazios antivitais, que atraem, para enchê-los, forças ma- que as faz a seu modo, segundo os seus instintos, seu uso e con-
léficas da mesma natureza. Este procedimento é automático, sumo. Não se deve, portanto, condenar a Igreja, porque ela não
independente da vontade e do conhecimento do indivíduo, veri- pode ser diferente do elemento humano que a compõe.
Pietro Ubaldi A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS 189
No caso da teoria da reencarnação, qual interesse podia ter pa-causa é, pois, apenas dedução nossa. Não sabemos exata-
a Igreja de entrar em tal assunto, quando era mais fácil obter mente qual é, onde, quando e como foi cometida. Nada de se-
um consenso geral com a teoria da vida única, que, embora guro se tem como base. Ninguém pode garantir que os seus juí-
absurda, permite satisfazer o instinto humano utilitário da zos correspondam à verdade. O certo é que, valendo-se de uma
máxima vantagem com o mínimo esforço? É mais cômodo lógica suposição de culpa, baseada na lei do Karma, pode-se
acreditar que, no átimo de apenas uma vida, seria possível as- condenar o próximo e, desse modo, agravar injustamente a sua
segurar o direito a uma felicidade eterna. É verdade que, com pena, aproveitando-se de seus sofrimentos para acusá-lo. Uma
tal sistema, também se corre o risco de cair num inferno eter- teoria de justiça não pode nos servir de instrumento para come-
no, mas isso faz parte do jogo em que o astuto se crê hábil, termos um ato de injustiça. Mas, de qualquer modo, a culpa não
sabendo como se evadir da pena através de arrependimentos é, certamente, da teoria do Karma.
oportunos. Assim se explica porque foi omitida a doutrina da Mas o caso não está encerrado. Que novos efeitos produzirá
reencarnação. Hoje, com a psicanálise, é fácil descobrir que essa intervenção de novas forças inseridas no fenômeno, funci-
ela é a íntima razão de muitos dos nossos atos. onando como novas causas, que operam no terreno dos efeitos
Dissemos que a provável razão pela qual a Igreja fez calar já em ação? Ora, quem condena se inculpa. O mundo é feito de
a espinhosa questão da reencarnação estava em que não se pecadores, e ninguém tem o direito de jogar a primeira pedra.
podem dizer certas verdades, devido ao mau uso que as mas- Dessa forma, o Karma pode ser utilizado para lançar muitas pe-
sas ignorantes estão sempre prontas a fazer, mesmo das me- dras por quem não está sem pecado, piorando-se assim o pró-
lhores doutrinas. O ponto que queremos focalizar agora, para prio Karma, que exigirá depois o resgate dessa culpa.
entender a conduta da Igreja, é justamente o mau uso da teoria Poder-se-ia, porém, objetar que quem é atingido deveria ser
da reencarnação ou do Karma. grato a quem condena, porque, quanto mais sofre, mais rapi-
A realidade da vida, escondida atrás das mais belas e santas damente resgata e, com isso, liberta-se. E o problema se agra-
doutrinas, é que na Terra vigora um regime não de justiça, mas va, pois quem condena é levado a atingir o culpado, tornando-
sim de egoísmo e rivalidade. É por isso que a visão do sofri- se, por sua vez, ele mesmo culpado, ao passo que, para o seu
mento do próximo, em lugar de provocar um sentimento de pi- bem, melhor seria que o condenado se insurgisse contra o juiz,
edade e induzir a ajuda, desperta o instinto de luta, que leva a impedindo-o de pecar e de criar um mau Karma. Quem conde-
ver em quem sofre um vencido e, com isso, um inimigo a me- na deveria ser grato ao condenado por sua revolta, que o salva
nos, o que já é uma vitória, porque cada vida alheia suprimida de tristes consequências, já que, impedido de fazer o mal, não
significa maior espaço para a própria vida. Entretanto o homem cria um mau Karma, que depois terá de pagar. Ações e reações
sente a vergonha desses baixos instintos, que o reaproximam do são interdependentes e de todos os lados se expande o conca-
animal. Por isso quer recobri-los com justificativas morais, que tenamento de causas e efeitos. Eis o complexo jogo que pode
o autorizam a satisfazê-los sem revelá-los. produzir o mau uso da teoria da reencarnação, servindo de re-
Então, diante daquele que sofre, comparece não o irmão que forço aos argumentos daqueles que não a aceitam.
ajuda, mas o juiz que julga, dando uma explicação lógica para ◘◘◘
aquele fato pela teoria do Karma, justificando aquela dor e dei- Estas simples observações nos levam a olhar mais profun-
xando em paz sua consciência. Não é a posição atual efeito de damente o funcionamento da lei de Deus. Podemos assim en-
causas situadas no passado? Então basta imaginar causas que frentar tal problema em termos sempre mais amplos. É verdadei-
correspondam a tal efeito, das quais é consequência, e o caso es- ro o fundamental princípio de justiça, mas, em nosso baixo nível
tá resolvido. A justiça é perfeita. A Lei automaticamente corrige evolutivo, é também verdadeira a lei da luta, que recompensa o
com aqueles sofrimentos os erros passados. A culpa é de quem mais forte, o vencedor. Trata-se de dois princípios opostos: um
sofre. Chega-se a tal conclusão, obtendo-a de altos princípios, pertencente ao S, e outro ao AS; princípios que se digladiam
porque ela convém à lógica dos mais baixos instintos de luta pe- nesta nossa fase intermediária de evolução, disputando o campo
la sobrevivência, que querem a derrota e a eliminação do fraco. de batalha. Vejamos então o que ocorre nesse embate.
É instinto humano colocar-se do lado do juiz que condena, Quanto mais me sacrifico e sofro com paciência, mais me
e não do pecador que deve pagar. Quando se encontra o sofre- purifico e, por isso, devo ser grato a quem me fere, uma vez
dor – e o mundo está repleto deles – explica-se a ele que sua que, com isso, ele me faz expiar as minhas culpas e pagar meus
dor se deve às culpas do passado. Com este juízo da culpa dos débitos à divina justiça. Devo, então, ver nele um salutar ins-
outros, satisfaz-se o próprio senso de justiça às expensas do trumento da Lei, que assim me educa, pelo fato de que me habi-
próximo, livres do dano, que cabe inteiramente ao pecador. O tua, através da minha própria experiência, a unir a ideia de chi-
mesmo não ocorre quando, invertendo-se os papeis, a pena é cotada com o mal feito. Induz-me a não cometê-lo mais, por-
nossa e o próximo é o juiz que, em nome da justiça – uma vez que, agora que senti o peso do açoite, sei a que está ligado. Por
que o dano pertence somente a nós – agora nos faz ver a lógica outro lado, é também verdade que, quanto mais os outros me
de nosso débito. Compreende-se então a diferença entre se tor- fazem sofrer para que eu expie e me redima, tanto mais eles fi-
nar juiz às custas dos outros e suportar quem se faz juiz às nos- cam devendo à Lei, porque a culpa do mal praticado recai sobre
sas custas. A luta pela vida faz com que cada um descubra a aqueles que o praticaram, tornando-se estes, consequentemente,
culpa no outro, a fim de poder erigir-se comodamente em juiz responsáveis, mesmo se a sabedoria de Deus os utiliza como
e superá-lo, enquanto esconde as próprias culpas, para não ser justiceiros e instrumentos de expiação. Para quem faz o mal
condenado pelo mesmo sistema e pelas mesmas razões. sempre há o que pagar. O fato de eu ter merecido o sofrimento
É esse o uso que se faz da teoria do Karma. Com isso, não que me é infligido não apaga a culpa de quem o inflige, porque
criticamos a teoria, mas sim o mau uso que dela se pode fazer. ninguém o obriga a perseguir o próximo, autodenominando-se
A presença de culpas cometidas nas existências precedentes, executor da divina justiça. Suas razões não o isentam, apesar do
funcionando como causa determinante dos efeitos de agora, fato de beneficiar a vítima, resultado que é independente das in-
não é matéria suscetível de observação positivamente controlá- tenções do verdugo. Assim o mal cumpre a sua função de bem,
vel. Trata-se, antes, de uma suposição que, embora racional e mas de forma inconsciente, portanto sem mérito, garantindo a
válida como princípio geral, é muita incerta no caso particular. vantagem alheia, ainda que a ideia do perseguidor seja de bene-
Conhecemos apenas uma parte do fenômeno, a fase do efeito, ficiar-se a si próprio e prejudicar o outro.
através da qual procuramos deduzir a fase oposta e desconheci- De tudo isso se conclui que, a cada santo, é necessária a co-
da da causa, derivando-a por correspondência ao efeito. A cul- laboração de um diabo. Este, com a sua perdição, sacrifica-se
190 A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
como instrumento de agressão – condição necessária daquela nico, mas ele procura impor-se de forma individualista, com os
santidade – funcionando como resistência a ser vencida para métodos egoístas e separatistas do primitivo. A vida quer cons-
superar a prova, a fim de que se estabeleça o triunfo do santo. truir unidades sempre maiores, numa ordem cada vez mais com-
Para o glorioso sacrifício de Cristo pelo bem da humanidade, plexa e compacta, mas ele opta pela imposição da luta e do caos.
era necessária a traição e a condenação de Judas, além da mal- Então a vida expele do seu caminho ascensional esses rebeldes,
dição de Deus sobre um povo até ontem chamado de deicida. que vão para os degraus mais baixos da involução no AS.
Não se pode negar que estes tenham sido elementos necessários Que fenômeno se verifica, quando, na Terra, o bom e o mau
para a verificação do fenômeno, tanto quanto o foi o sublime se encontram? O primeiro, usando o método do S, perde e so-
sacrifício de Cristo. A fim de que os mártires cristãos pudessem fre, mas sobe. O segundo, usando o método do AS, vence e
ganhar o paraíso, essa sua beatitude deveria ser paga com a frui, mas desce. Este, porém, não poderá subtrair-se ao impulso
eterna pena do inferno dos seus assassinos pagãos. A fim de da evolução, que depois o prenderá em suas espirais e o levará
que possa existir a vítima inocente sacrificada, mas destinada à para cima. As sempre mais dolorosas experiências que irá en-
eterna felicidade, é necessário o delito de quem a sacrifica, de- contrar na descida irão separá-lo dos seus métodos de vida, os
pois execrado e condenado à eterna dor. Mas, na verdade, quem quais lhe darão frutos tão amargos, que ele tentará subir. Então,
é a verdadeira vítima? Quem sofre durante uma curta vida o à força de evoluir na Terra, ele se encontrará no grupo dos bons
temporário martírio, mas é feliz depois para sempre, ou quem, e, portanto, usará os métodos e seguirá o destino deles. Por obra
por um passageiro ato de agressão, que não leva certamente à dos outros maus emergentes do AS, caberá a ele fazer, então, a
felicidade, deve depois sofrer para sempre? O certo é que a mesma experiência salvadora que os bons, quando estavam no
função santificadora, que beneficia o bom, deve, por último, ser seu nível, fizeram como suas vítimas.
paga pelo malvado que a executa, com a sua perdição. O verda- Assim, a maré da evolução sobe, levantando uma camada
deiro dano é sofrido por aquele que permanece enganado, por- de todos os seres, entre bons e maus, santos e diabos, todos in-
que, movido apenas por seu egoísmo, acaba trabalhando em terligados num processo comum de colaboração para as finali-
benefício de sua vítima e em seu próprio prejuízo. Então, quem dades da evolução, que os abraça a todos e a todos arrasta.
pagou o preço da redenção da humanidade não foi Cristo, que Compreende-se, então, que o princípio da luta, origem do se-
sofreu poucas horas e logo subiu triunfante ao Céu, mas foram, paratismo desagregador que produz caos no AS, contém, no
sim, Judas, os hebreus, os pagãos e todos aqueles que foram fundo, um princípio de cooperação para atingir um mesmo fim
julgados responsáveis pela morte Dele e, por isso, condenados comum: evoluir para a ordem. De fato, no AS, a luta não é se-
ao inferno eterno. Onde está, pois, a justiça de Deus? não um vínculo negativo pelo ódio, enquanto, no S, a harmo-
Para eliminar essas contradições, compreender o que ocorre nia é uma ligação positiva pelo amor. Mas o mesmo ato é pela
e resolver o caso, devemos deixar de lado a teoria do prêmio e evolução impulsionado da sua posição invertida no negativo à
das penas eternas e observar a realidade do fenômeno, colocan- sua posição retificada no positivo. Assim, tanto nesta como
do-nos diante da justiça da Lei. O mérito de transformar o assal- naquela posição, os seres permanecem sempre ligados pelo
to do malvado em meio de santificação pertence ao bom, ao pas- mesmo vínculo, nascido do princípio originário da unidade,
so que a culpa de querer fazer o mal fica para o malvado. É ele ainda que a revolta e a queda tenham tentado despedaçar essa
que se rebela, portanto é justo que pague, como também é justo unidade no caos do separatismo no AS.
o prêmio da vítima por ele sacrificada. O rebelde nunca terá uma Deste modo, bons e maus, santos e diabos, funcionam todos
pena ilimitada, mas sempre proporcional à culpa, limitada se- eles como instrumentos da Lei, para a mesma finalidade evolu-
gundo a justiça, tanto mais que a finalidade da Lei é educar e tiva, reciprocamente oferecendo uns aos outros provas que de-
corrigir, e não usar de inútil crueldade. Na realidade, o fenôme- vem ser superadas, oportunidades e tentações para o bem ou pa-
no tem um outro significado. Ele representa uma prova para o ra o mal, material experimental que cada um utiliza a seu modo,
mau, isto é, uma oportunidade de fazer o bem, que lhe é ofereci- sofrendo-lhe depois as consequências. Em razão de sua livre es-
da e da qual poderia fazer bom uso, ajudando a vítima, em lugar colha, ainda que a Lei os utilize como seus instrumentos, eles
de agredi-la. O mau, porém, deixa-se vencer por seus baixos ins- não estão isentos de responsabilidade, pois ela não impõe posi-
tintos e dessa oportunidade faz mau uso. Culpa limitada, mas ções, mas apenas as oferece. Assim, imparcialmente, ninguém
sua. Uma possibilidade de redimir-se lhe é oferecida, e ele se pode subir e redimir-se senão através da própria dor. E são eles
aproveita dela para fazer um mal ainda maior. Assim, a experi- mesmos que, causando a dor com a sua própria revolta, termi-
mentação fracassa para ele, e justamente em seu prejuízo. Tam- nam por se ferir, como se estivessem ligados a uma condenação
bém é justo que a vantagem seja a favor da vítima, pois ela sou- de recíproca perseguição, produto da desobediência da criatura,
be fazer bom uso da oportunidade que lhe foi oferecida. O tolo, condenação, porém, que, com a experiência da dor, conduz à re-
aquele que não sabe cuidar de seu interesse, é o próprio mau, denção e à salvação, produto da sabedoria e da bondade de
que se vale da bondade do bom para vencer. A sua vitória é feita Deus. Tanto os rebeldes do AS se atormentarão entre si, que
de uma momentânea construção, que logo após desaba, porque acabarão por amar-se como criaturas do S. Com isso, o bem
se orienta em sentido involutivo, contrário à Lei. A derrota do triunfa sobre o mal, a ordem vence o caos da revolta e Deus
mau favorece, em contrapartida, uma construção que permane- permanece sempre senhor absoluto de tudo.
ce, porque foi feita segundo a Lei, em sentido evolutivo.
Em nosso mundo, regido pela lei animal da luta pela seleção XI. A FUNÇÃO DA BONDADE E DO AMOR DE CRISTO
do mais forte, a bondade é entendida como fraqueza e representa DIANTE DA RÍGIDA JUSTIÇA DA LEI DO PAI
uma tentação para o forte, um convite ao assalto. Mas pior para
ele quando crê ser hábil ao valer-se da ocasião que lhe permita Imaginemos uma família composta de pai, mãe e muitos fi-
explorar o bom, oportunidade que lhe é oferecida para fazer o lhos. O pai provia tudo e representava a ordem e a justiça, a
bem, mas que ele aproveita para praticar o mal. Podia subir, mas Lei. Fazia-a respeitar, porque ele era o princípio masculino da
desceu. Ele podia aderir à corrente da Lei, mas preferiu colocar- potência. A mãe, seguindo aquela ordem e apoiando-se sobre
se na anti-Lei, carregando-se de forças negativas. As conse- aquela potência, criava os filhos com bondade e sacrifício, em
quências são fatais. Involuir é piorar, é caminhar para a dor. A completa dedicação. Ela era o princípio do amor. Os filhos,
vida quer ascender ao S, mas o involuído insiste em retroceder ainda pequenos, ainda não tendo chegado à maturidade, fica-
para o AS. A vida quer chegar aos métodos de coexistência mais vam em casa, confiados à mãe. Mas, movidos pelos instintos
civilizados, de tipo evangélico, altruísta, colaboracionista, orgâ- rebeldes, próprios da natureza humana, tentavam aproveitar-se
Pietro Ubaldi A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS 191
do amor de mãe, para desobedecer às sábias ordens do pai. Po- justiça, que exige obediência e reage a cada violação. O fato de
rém, à noite, o pai voltava. Então, prestavam-se contas, e a jus- que se tente, com a própria vontade, substituir a ordem pela
tiça tomava lugar do amor. A cada violação da ordem estabele- desordem, demonstra em que grau de inconsciência o homem
cida pelo pai, já não respondia o amoroso perdão da mãe, com ainda se encontra. O fato de Cristo ser bom é uma coisa. Ten-
quem, valendo-se de sua bondade, poderiam fazer o que quises- tar enganar a Lei é outra. A bondade de Cristo tem a sua fun-
sem. Não compreendiam, porém, o quanto era necessário para ção, mas subordinada à disciplina estabelecida pela Lei. Ora,
eles aquele pai, de quem, de bom grado, se livrariam. Não en- antepor a bondade à disciplina, substituindo a primeira pela
tendiam que ele, tudo provendo, era indispensável e que, se im- segunda, é subverter a ordem, o que constitui uma enganadora
punha uma ordem, assim procedia porque era necessário à vida tentativa de inversão, de tipo AS. Para salvar-se, não basta
de todos, para não terminar no caos. apenas amar Cristo, é preciso, antes de tudo, saber funcionar
Deus é o pai com função de justiça, e Cristo é a mãe com exatamente enquadrados na ordem do organismo do todo.
função de amor, que completa a função do pai. Ou melhor, o pai Todos sabem quão grande foi a bondade de Cristo. Mas sa-
é Deus no seu aspecto Lei, e Cristo é Deus no seu aspecto amor. bem também como ele foi recebido na Terra, de que modo o
Os filhos são os cristãos, ainda crianças, protegidos em um ni- homem, por dois mil anos, respondeu àquela sua bondade e de
nho pela bondade de Cristo. Esta situação é necessária para os que forma foi aplicado seu Evangelho. Para não ser acusado de
imaturos, que devem ficar livres para as finalidades da sua expe- maledicência, cedo a palavra a um escritor não suspeito, o
riência, mas são ignorantes dos furacões que poderiam desenca- Doutor Giovanni Albanese. No seu pequeno volume Assim
dear com sua louca conduta diante da lei de Deus. A natureza disse Jesus, editado pela Pro Civitate Cristã, Assis, 1959,
deles não deseja a ordem, mas o livre arbítrio; não deseja a obe- aprovado pelo devido “Imprimatur” e “Nihil Obstat” da auto-
diência à lei do Pai, mas a revolta. Ei-los, então, prontos a apro- ridade eclesiástica, esse escritor diz algumas verdades que não
veitar da bondade da mãe para fugir das rígidas ordens da lei do se poderiam dizer: “(...) no mundo, tu, Cristo, és um pobre
Pai. E bondade maior não poderiam encontrar senão em Cristo, vencido, um iludido, um falido (...), amaste, fizeste o bem (...),
que se ofereceu para pagar por nós, obtendo-nos a eterna reden- com que resultado? Os Teus não Te reconheceram e não Te
ção. Mas, considerando o homem tal como ele é e as leis vigen- acolheram (...), dedicaste-Te à Tua missão com extremo sacri-
tes em nosso mundo, de que serve a bondade alheia senão para fício, sem repousares. Que obtiveste? Não creram em Ti, não
ser utilizada em benefício próprio? Te seguiram e Te repeliram. Escolheste um grupo de colabo-
Há dois mil anos, a humanidade procura aproveitar-se da radores com afetuoso cuidado; Te pagaram com o abandono,
bondade da mãe para fazer o que lhe convém. Mas chega a a fuga, a negação, a traição, e Te venderam pelo preço de um
noite, e eis que o pai volta. Então o discurso se torna diferente. escravo (...), e dizes teres vencido o mundo. Os Teus adversá-
Ele usa o seu poder segundo a justiça, e ao amor se substitui a rios Te tratam como um delinquente, Te fizeram processar,
Lei. Prestam-se contas, e os resultados são executados. Esta é a condenar, insultar pelo povo e crucificar entre ladrões e mal-
posição atual dos filhos diante do pai. Era tão bom depender feitores (...), e Tu afirmas que venceste o mundo. Fizeste-Te
apenas da bondade da mãe, condição que permitia tantas aco- proclamar rei, e a Tua coroação foi uma burla feroz; Te pro-
modações, mas infelizmente, por trás daquela bondade, que clamaste filho de Deus e foste condenado como blasfemador;
tudo adapta e ajusta com a sua elasticidade, ajudando e confor- Te chamaste o Messias e foste julgado um sedutor da plebe;
tando, há a firme rigidez da Lei, que se volta contra o infrator, Te proclamaste o Salvador e não conseguiste salvar sequer a
quando a medida está cheia, e então golpeia inexoravelmente, Ti mesmo (...), ainda dizes que venceste o mundo?”.
porque ela não admite que a elasticidade se transforme em vio- Estas palavras, devidamente aprovadas pela autoridade,
lação. Infelizmente, a natureza humana é levada a dirigir as afirmam que Cristo, ao menos na Terra, é um falido e confir-
coisas neste sentido, jogo perigosíssimo, devido à ignorância mam uma nossa asserção – defendida em outro volume da obra
do real estado das coisas. Com tal forma mental age-se louca- – de que não foi Cristo que venceu o mundo, mas foi o mundo
mente, enquanto tudo no universo, da matéria ao espírito, fun- que, além de não se ter deixado vencer por Cristo, O tem ven-
ciona enquadrado dentro de leis exatas, fixadas por uma inteli- cido até aqui. Triste constatação, levando a terríveis deduções,
gência suprema, que tudo dirige com ordem. Então, é natural que fazem parte das chamadas terríveis verdades que não se
que, num ambiente intimamente regido por uma ordem perfei- podem dizer. A falência maior de Cristo está no fato de que seu
ta, quem se move seguindo um regime de caos acabe se cho- Evangelho não foi, de fato, aplicado. E, se alguma tentativa de
cando a cada passo com as barreiras impostas por essa ordem, justiça social foi iniciada, deve-se isto principalmente à revolta
determinadas pelas normas que a regulam. É natural também dos deserdados. As conquistas se deveram antes à força do que
que o choque provoque aquelas reações da Lei, que se fazem ao amor e à generosidade evangélica. Quando o amoroso convi-
perceber sob a forma de dor. Trata-se de leis positivas, que a te de Cristo não funciona, então explode a Lei, que irrompe nas
ciência descobrirá. Leis às quais todos, ainda que as ignorem, revoluções, e o Evangelho se aplica obrigatoriamente. A atua-
estão submetidos. Só a infantil ingenuidade do homem pode ção da justiça é primeiro oferecida com o método doce de Cris-
crer que seja suficiente ser astuto para fraudar a lei de Deus. to, que age com bondade. Mas, quando a bondade da mãe não é
Seria como se fosse possível, com a astúcia, enganar a lei da ouvida e é aproveitada para desobedecer à Lei, então chega o
gravitação, evitando a queda quando nos lançamos no vazio. poder do Pai, que não pode ser enganado pelas astúcias huma-
A história está cheia de catástrofes que representam a pena nas e não admite a violação impune da sua Lei. Isso significa
que se segue como reação a tantas tentativas de violação da que, por trás da bondade – mesmo se esta, como diz aquele es-
Lei. O problema não é pertencer a esta ou aquela religião, na- critor, fez de Cristo um vencido – existe a Lei, que não pode fa-
ção ou partido, mas sim de retidão. A Lei presta atenção à lhar, porque ela sabe se fazer valer e vencer o mundo. Então
substância, e não à forma. Em nada modifica a Lei o fato de Cristo se retrai e o amor desaparece. Prestam-se contas e, sobre
se crer nela ou não, de se ter conhecimento dela ou não. A Lei a cabeça de quem se aproveitou da bondade, explode inflexível
funciona permanentemente para todos. a sanção da justiça. Chegam as horas terríveis, duras mas ne-
O grande erro, no qual se cai frequentemente e que revela o cessárias, a fim de que os surdos ouçam e a triste raça dos re-
tipo invertido do AS, é usar a bondade de Cristo como um beldes, que zombaram do amor, seja castigada como merece,
meio de fraudar a lei de Deus. Não se compreendeu que, por porque é delito valer-se da bondade para fugir à justiça.
trás do amor de Cristo, doce, cheio de compaixão e feito de sa- O uso da liberdade – concedida pela bondade – para violar a
crifício, existe a ordem estabelecida por Deus, ordem feita de ordem estabelecida pela Lei, faz parte da primeira culpa de ori-
192 A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
gem, que levou consequentemente a criatura a precipitar-se do S pleta-se na forma, acrescentando à dura lei de Moisés (Velho
no AS. É sempre o mesmo pecado que se repete, de querer obter Testamento) a lei do Evangelho (Novo Testamento).
sem merecer, sem ter antes feito o esforço para ganhar. O grande Tentemos compreender ainda mais o significado da presen-
sonho do ser decaído é destruir a Lei, para deixar em seu lugar a ça de Cristo na Terra. Encontramo-nos diante de dois grandes
Anti-Lei. Mas é justamente isso que revela a sua ignorância, que dramas: 1o) A paixão de Cristo, como representante do ideal,
o faz crer numa coisa tão absurda. Ele não vê que a injustiça que descido à Terra para cumprir o necessário sacrifício, colocando-
gostaria de implantar pode existir apenas temporariamente e de se à frente do movimento da evolução redentora da humanida-
forma superficial. Não percebe que, no fundo, o objetivo máxi- de. 2o) A paixão da humanidade, com a qual ela deverá pagar o
mo da Lei é tenazmente perseguido, cabendo à justiça a última delito de, em lugar de aceitar tal oferta de amor, ter-se aprovei-
palavra e a solução definitiva. Ele não vê que Deus permaneceu tado da bondade de Cristo como de uma fraqueza do Deus-
imanente dentro do AS e que, portanto, a lei do S dirige também senhor, insistindo na própria revolta (AS), contra a ordem da
o AS. Assim, não é possível fugir à Lei. Quem se julga esperto, Lei (S), trágico drama este, porque não se pode desviar da ine-
acreditando deste modo conseguir a felicidade sem esforço, vio- vitável conclusão. Eis como isso aconteceu.
la a ordem e vai contra a justiça, portanto faz o mal e, assim, Com a vinda de Cristo, o homem viu Deus humanizado na-
termina por fazê-lo de fato a si mesmo, colhendo dor. É possível quele rosto e acreditou que este aspecto de Deus, como bondade
ser mais tolo? No entanto é nisso que consiste grande parte da e amor, exprimisse toda a divindade, porque seu outro aspecto
sabedoria humana, revelando-nos o que é o homem. O motivo é abstrato, de Lei, foge à capacidade de compreensão do homem
sempre o mesmo da primeira revolta: violar a ordem e tentar comum. Então, como verdadeiro rebelde – rebeldia que ocasio-
agir no lugar da Lei, mas, com isso, terminar emborcado e ter de nou a primeira queda do ser – o homem, na sua inconsciência,
pagar o mal feito. Para quem conhece o funcionamento do uni- disse a si mesmo: Deus, então, é bom. Que esplêndida ocasião
verso em todos os seus planos, dá para ver com quanta inconsci- para se aproveitar disso! Outro instinto não pode ter quem é ci-
ência se cometem os erros mais grosseiros, semeando as causas dadão do AS, que acredita não na justiça, mas na força e na as-
dos maiores desastres. De nada adianta advertir. Mas assim deve túcia, não no poder da honestidade, mas no engano. Não é esta a
ser, porque não seria justo que a lição salvadora pudesse ser to- forma mental que nos impõe o mundo, regido no seu nível pela
mada gratuitamente da experiência alheia, uma vez que a justiça lei da luta pela vida? Aqui, o bom é tido como fraco, um tolo de
quer que aquela lição não possa ser aprendida senão por experi- quem se pode aproveitar. Entendendo a bondade como fraqueza,
ência própria, através da própria dor. o mundo, em vez de usar para o bem a oferta de Deus, abusou
Agora podemos compreender qual a função da bondade e dela por dois mil anos com o mal. Já que lá estava a vítima ino-
do amor de Cristo diante da rígida justiça da Lei. Cristo é pie- cente, encarregada dos pagamentos diante da Lei, Cristo foi re-
dade e misericórdia. Ele não castiga, pelo contrário perdoa, duzido a pagador dos pecados alheios. Com isso, quitaram-se os
mas, quando chega a hora da Lei, Ele nada pode fazer. Então débitos com a justiça divina e ficou-se em paz. É natural que, na
desaparece a bondade e fica apenas a justiça. Esta não é doce Terra, os bons devam ser utilizados de algum modo. Caso con-
e elástica como o amor, mas férrea para não errar no golpe. trário, para que serviriam? Existiram e existem exceções, mas
Trata-se de duas funções diversas, ambas necessárias. Não são a minoria. Fala-se muito, mas esta é a dura realidade. Assim,
nos desencorajemos, pois, se Cristo, como disse aquele escri- a oração que não se baseia em fatos é uma falsa superestrutura,
tor, é um falido. Se na Terra a bondade fracassa, nem por isso que nada vale sozinha, porque, diante de Deus, o que conta são
fracassa a justiça. A Lei sempre triunfa. Somente quem ignora as obras, e não as palavras. O mal camuflado se torna mais cor-
a realidade dos fatos pode, na sua inconsciência, acreditar que rosivo do que aquilo que é escandalosamente visível.
seja possível, com a astúcia, subverter a ordem de Deus. Por O fato de não só ter-se aproveitado, por comodismo, da
trás do amor de Cristo há, inexorável, o poder absoluto de bondade de Deus – que, piedosamente, toma a mão da desgra-
Deus, a Quem cabe a última palavra. çada criatura para salvá-la, abrindo-lhe o caminho da redenção,
Felizes daqueles que sabem interpor o amor de Cristo en- a fim de que ela se encaminhe e, amparada, redima-se com o
tre o seu erro e a rígida justiça da Lei. Então o pagamento é próprio esforço – mas também haver respondido com a mentira
facilitado, prorrogando-se as quotas, tornando-as proporcio- e a traição a uma oferta de amor, como fez Judas, conduz a hu-
nais às forças do indivíduo, mas sem, com isso, nada subtrair manidade, neste perigoso jogo, ao pior pecado que ela poderia
à exatidão desse pagamento. Assim presta-se contas à justiça, cometer, porque resulta na mais dolorosa das consequências: o
mas as culpas são abrandadas, porque a Lei, não sendo atingi- retrocesso involutivo. Então a oferta de amor é retirada, a bon-
da na sua integridade, pode funcionar também pelos caminhos dade e a ajuda desaparecem, e Cristo, o ponto de defesa inter-
do amor, e não apenas através da justiça. Entretanto, para os mediário entre a miséria do culpado e a rígida inviolabilidade
que não aceitaram o método da bondade de Cristo, a ação da da Lei, afasta-se. O homem se encontra sozinho e nu diante da
Lei não é doce, mas rígida e inexorável. Quanto mais amor justiça do Pai, e nem Cristo poderá mais impedir que se dispare
pusermos no pagamento de nossa dívida, tanto mais a Lei se o mecanismo da reação da Lei, porque foi ultrapassado o limite
adaptará a nós, proporcionando-se às nossas necessidades, a suportável, com a tentativa absurda de utilizar a bondade de
fim de nos ajudar, já que o nosso amor lhe permitirá tratar-nos Deus ao contrário, para ir contra a Lei e subverter a ordem.
mais docemente. Cristo é o amor da mãe que se interpõe entre Como pode acontecer tal coisa? É oferecido o perdão, e apro-
a Lei e o culpado, para moderar a severidade do Pai, represen- veita-se para fazer o pior. Qual será a nossa culpa e que pena
tando o princípio de elasticidade, que se acrescenta à firmeza deveremos pagar, quando estivermos diante do tribunal? Então
da justiça sem violá-la, e funcionando como substância que já não se poderá mais invocar o amor e pedir piedade, porque as
lubrifica e acaba facilitando o funcionamento da máquina da portas da misericórdia estarão fechadas. Cristo cala-se, porque
Lei. Adaptando este funcionamento à nossa vida, Cristo hu- chegou a hora do Pai, a hora do juízo. Quando Judas O traiu
maniza a concepção da Lei, para nós terrivelmente profunda. com um beijo, Cristo o perdoou, mas seu perdão não pôde im-
Cristo a transporta das inacessíveis alturas do absoluto até ao pedir que a culpa da traição devesse ser paga à divina justiça.
nosso nível, a fim de que possa melhor funcionar no caso par- Tal exemplo nos mostra os limites dos poderes do amor de
ticular de nossa vida. Diante do Pai, Cristo representa a fun- Cristo como redentor diante da justiça da Lei, que permanece
ção materna do amor, que funciona como intermédio entre a inviolável. Na Lei, tudo é disciplinado, de modo que bondade e
violação e a ordem estabelecida pela Lei. Assim, a concepção amor não podem conflitar com justiça. Se isso ocorresse, a re-
desta se enriquece de novas qualidades, aperfeiçoa-se e com- denção, obra do Filho, estaria em oposição à Lei, obra do Pai.
Pietro Ubaldi A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS 193
Em seu comodismo, o homem entendeu aquela bondade como gamento e o único meio de compreensão disponível. Nisso está
um modo de fugir à Lei, tornando-a vã, o que faria de Cristo a fatalidade do destino, que exprime a inexorabilidade da Lei e,
um violador, em vez de um salvador. Amor e justiça constituem assim, fecha as portas a qualquer possibilidade de evasão. Nin-
tão-somente dois modos de agir da Lei, ambos ascendentes ao guém pode reagir diversamente da própria natureza, sendo ine-
S, duas estradas para atingir o mesmo telefinalismo: Deus. vitável que, quando chega o golpe, as máscaras caiam e o ser se
O verdadeiro poder e a salvação estão somente em Deus. mostre tal como realmente é. É assim que, no momento do pe-
Mas é natural que o nosso mundo, existindo em posição inver- rigo, o louco fica mais louco, o ladrão mais ladrão, o viciado
tida e vendo tudo através de tal perspectiva, creia no contrá- mais viciado; em contrapartida, o bom revela a sua bondade e o
rio. Assim ele não compreende que a maior força está na fu- inteligente a sua inteligência. Desse modo, encontrando-se em
são com a Lei, na conduta retilínea pautada por ela, e que fra- apuros, quem está contorcido acaba se torcendo ainda mais e
co e vencido é o astuto, e não o homem bom e justo, como quem está na descida acelera a sua corrida para a perdição.
frequentemente se crê. Quem é cego pelo orgulho crê no ab- Isso ocorre não por se tratar de uma intervenção do exteri-
surdo de que possa ser tão hábil a ponto de saber fraudar a or, por parte de seres ou forças estranhas ao fenômeno. A Lei
Lei, mas é tão tolo, que provoca uma reação de prejuízo para não intervém para premiar ou punir. Trata-se de forças inseri-
si mesmo. O fato de não saber compreender uma coisa tão das no próprio fenômeno. O fato de, automaticamente, estas
simples custa a muitos seres uma incalculável soma de dores, forças se colocarem a funcionar segundo os impulsos que o ser
que são merecidas, pois a ignorância e a incapacidade para livremente pôs em movimento, faz parte da própria estrutura e
compreender são efeitos da queda no AS. funcionamento do fenômeno. A Lei é tão engenhosa, que o in-
A realidade é diferente. Vivemos num universo regido por divíduo, queira ou não, saiba ou não, está imerso nela como
um organismo de leis também espirituais, que lhe regulam ca- um peixe no mar, sendo obrigado a produzir, seja qual for o
da movimento. Tudo funcionaria perfeitamente, mesmo para movimento realizado por ele, efeitos que recaem sobre si
nós, se soubéssemos mover-nos segundo a ordem estabeleci- mesmo, de modo que, automaticamente, quem faz o mal se au-
da. Mas, inconscientes dessa ordem, usamos nossa liberdade tocastiga e quem faz o bem se autopremia. Definidas as pre-
para violá-la a cada passo. Chocamo-nos, então, contra mil missas, as consequências são fatais.
forças e provocamos suas reações, o que, para nós, significa Daí se conclui que a Lei sempre se realiza totalmente, seja
dor. Cremos que seja possível obter o que desejamos, transi- qual for o movimento que o ser faça e a posição que queira as-
gindo com todos os meios. Grande cegueira a nossa! O único sumir. Assim ele é livre, mas ai dele se violar a ordem, que
método válido de recebermos é segundo a justiça, sem a qual sempre permanece. Em substância, ele é livre somente para es-
nada se obtém. Porque nos movemos em direção errada, nos- colher e semear aquilo que deseja, mas nunca para modificar os
sos planos falham e nossos esforços são em vão, produzindo efeitos que depois deverá sofrer. Quando se explicam essas coi-
resultados contrários. Ilude-nos a vantagem imediata, mas tal sas ao homem comum, ele responde que não lhe interessam,
resultado é momentâneo. Abusa-se tanto do princípio do mí- sem compreender que elas representam a técnica necessária ao
nimo esforço como do jogo de atalhos ilusórios, que parecem navegante para atravessar o mar da vida. Assim ninguém se
facilitar o sucesso, métodos estes que nos atraem, mas que, preocupa em dirigir a própria rota, crendo ser mais lógico dei-
depois, resultam invariavelmente em traição. xar o leme à deriva sobre as ondas.
Uma outra afirmação feita por nós, não compreendida pelo Há, porém, o fato de que o homem rebelde, mesmo igno-
mundo, é que, por trás do amor e da bondade de Cristo, está a rando tudo isso, está fechado dentro da Lei, que não permite
rígida e inviolável justiça de Deus. É inútil, portanto, querer lo- evasão e o reconduz duramente à ordem, fazendo isso para
grar Sua justiça, tentando aproveitar-se do amor e da bondade seu próprio bem. A Lei é, por natureza, positiva, isto é, cons-
ofertados, cuja finalidade é nos ajudar a cumprir a Lei, e não trutiva e, por isso, tende sempre à salvação. Assim, embora
servir como subterfúgio para desobedecê-la. A sólida estrutura seja rigidamente justa, enquanto justa é implicitamente boa e
que rege o universo é a Lei, ou seja, o pensamento e a vontade benéfica. Aparentando punir, no fundo educa, reordena a de-
de Deus. Assim, a última palavra, com a qual se estabelece a de- sordem, põe o bem no lugar do mal, leva ao S, isto é, à alegria
cisão final, é reservada à Lei. Sua solidez está por trás da doçu- e à vida, e afasta do AS, isto é, da dor e da morte.
ra, de que é inútil se aproveitar para fugir à sua ordem. O ho- A Lei sempre atinge esta sua finalidade, sendo que a possi-
mem, porque não compreendeu isso, faz tentativas erradas. Se bilidade de evadir-se é apenas uma das tantas ilusões humanas.
tivesse entendido a imensa oportunidade que lhe foi oferecida, Diante dela, o homem pode assumir três posições, mas, qual-
ele não a teria perdido e haveria utilizado esta oferta no devido quer que tenha sido a escolha, não poderá evitar a correspon-
sentido, a fim de redimir-se com o próprio esforço, em vez de dente reação. A primeira posição é a do indivíduo honesto,
tentar acomodar-se, crendo que pudesse ser gratuitamente redi- que, sem evasões, segue a Lei. A segunda posição é a do peca-
mido pelo sacrifício de Cristo! Poucos O tomaram seriamente. O dor que violou, mas se arrependeu e se dispõe, com boa vonta-
homem não entendeu que não se pode evoluir através de outrem, de, a pagar o seu débito à Divina Justiça, ajudado pelo amor de
nem jogar sobre os ombros alheios a merecida fadiga de ir do Cristo. E, finalmente, a terceira posição é a do pecador impeni-
AS ao S. Mas, como isso era cômodo, ele se iludiu com esta tente, decididamente rebelde, que tenta enganar a Lei, valendo-
possibilidade. Uma redenção gratuita seria uma violação da jus- se da bondade de Cristo. Quem está nesta posição é reenviado
tiça do Pai. O amor não pode violar a ordem da Lei. Se a Lei ao terreno da justiça, diante da qual será obrigado a pagar ine-
fosse observada, a ajuda se teria multiplicado em proporção à xoravelmente toda a sua dívida. Nos três casos, seja qual for a
nossa boa vontade e ao nosso esforço. Mas, buscando-se, pelo posição que o homem quiser tomar, a Lei será sempre aplicada
contrário, torcer a Lei, as fontes da ajuda divina secaram. E pode plenamente e sem falhas. No primeiro caso, isso ocorre sem
ser que tenha chegado a hora em que o amor e a bondade se re- esforço, por espontânea adesão, sem erros e reações. No se-
traem, permanecendo apenas a rígida justiça de Deus. gundo caso, acontece penosamente, mas com retidão, isto é, o
Poder-se-ia objetar que, se o mundo não compreende, basta- erro receberá da Lei uma reação moderada pela ajuda do amor.
ria explicar-lhe. Mas é inútil. Para compreender, é necessário No terceiro caso, tudo ocorre à força, por constrangimento, por
ter a forma mental adequada, mas o mundo está com a sua em- rígida coação da Lei, até que o erro seja todo pago. No primei-
borcada e, portanto, é levado a conceber e entender tudo segun- ro caso, nada há a pagar. No segundo, paga-se por amor. E no
do uma perspectiva deformada. Não importa o que se diga, tudo terceiro, deve-se pagar à força. Mas, em todos os casos, é sem-
é deturpado pela mente humana, que representa o órgão de jul- pre a ordem e a justiça da Lei que triunfa.
194 A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
XII. O HOMEM DIANTE DA LEI Esta ordem da Lei são os trilhos da existência. Esses trilhos
permitem uma oscilação, consequência da liberdade do ser, ne-
Tudo o que existe é um fenômeno em movimento, dirigido cessária também para seguir a escola da sua experimentação.
por uma lei que, distinguindo-se em tantas modificações particu- Funcionam como se fossem trilhos elásticos, para permitir os
lares, orienta os movimentos de todos os fenômenos. Esta lei deslocamentos colaterais. Mas elasticidade não significa violabi-
constitui o código que regula o seu contínuo transformar-se. Pe- lidade da Lei, ou seja, uma definitiva saída do reto caminho. Ao
lo fato de representar uma inteligência e uma vontade de ação contrário, significa um impulso de atração de retorno para a jus-
realizadora, podemos concebê-la como uma manifestação da ta posição desse caminho, tanto maior quanto mais o ser dele se
personalidade de Deus transcendente, que deste modo se mani- afaste. É assim que, quanto mais se erra, tanto mais se é corrigi-
festa imanente nas formas de nosso universo, cujo funcionamen- do e tanto mais se aprende a não errar, porque, quanto maior o
to depende daquela lei, que estabelece as normas, segundo as afastamento da Lei, mais se obrigado a voltar a ela e a ficar-lhe
quais o processo da existência se deve desenvolver. Ela abarca ligado. Assim a ordem, num certo sentido, é violável, mas tende
também a conduta humana, fixando-lhe uma espécie de trilhos, automaticamente a reconstituir-se. A Lei é um fato verdadeiro,
ao longo dos quais esta deve atuar. Há, pois, inserido na vida, real, continuamente em funcionamento, sempre atuante.
acima de todo separatismo religioso, um único regulamento para Podemos exprimir-nos também com uma imagem. O traba-
esta estrada, igual para todos, segundo o qual se deve desenvol- lho do homem ao atravessar a vida pode ser comparado àquele
ver o tráfego, seguindo uma ordem pré-estabelecida. Assim, está de quem aprendesse a andar de bicicleta ao longo de um corre-
traçada a via a percorrer, que é dada pela evolução do AS para o dor, entre duas paredes, sem saber ainda equilibrar-se. No
S. E, tal como ocorre com as normas do trânsito, tudo é discipli- meio da estrada, está assinalado o caminho correto a seguir,
nado, a fim de que não haja desastres. mas o ciclista inexperiente ora vai para um lado ora para outro.
Enquadrado em tal rede de regulamentos, o ser permanece Assim, ele termina batendo de um lado, cai e se machuca, mas
livre nos seus movimentos, gozando de plena autonomia, e aprende a não se jogar mais para aquele lado. Então, fortaleci-
não preso como uma peça passiva na mecânica universal. Esse do por essa experiência, evita repeti-la, mas se deixa ir para o
livre arbítrio faculta-lhe a possibilidade de erros, violando a lado oposto. Então cai de novo e se machuca, no entanto
Lei. Como evitar, então, que a liberdade transforme a ordem aprende a não mais se jogar também para aquele lado. Batendo
em caos? Este perigo é bastante grave não só porque a nature- e tornando a bater, caindo e sofrendo, o ciclista, com essa téc-
za rebelde do homem, filha do AS, leva-o a querer impor-se à nica educativa, aprende a não se chocar com as paredes laterais
Lei, mas também porque ele conhece pouco o regulamento da que fazem seu caminho, mantendo-se na via correta a seguir,
estrada, razão pela qual o transgride a cada passo. Pode-se assinalada no meio da estrada: o caminho da Lei.
imaginar as consequências de tais métodos, que acarretam Substancialmente, esta lei representa a presença de Deus.
movimentos desordenados em um tráfego intenso. Isso é o Sem aparecer, ela deixa o ser enquadrado num sistema de for-
que está ocorrendo em nosso mundo. ças que, por ações e reações, o obrigam a transformar por si
Que se passa então? Temos batidas, lutas, processos, danos a mesmo – queira ou não, tenha ou não consciência disso – o erro
pagar e questões similares. Eis os efeitos da desordem. Pode-se na sua correção, o mal em bem, a dor em felicidade. Esse pro-
violar a Lei, mas ninguém pode se furtar às consequências, pro- cesso de cura de todo o mal existente é a grande obra de Deus
porcionais à violação. Tudo isso funciona como corretivo e tem para dirigir a recondução do ser do AS ao estado de S, processo
a finalidade de reconduzir o violador às normas e aos limites do que se desenvolve por concatenação de momentos sucessivos,
regulamento. O dano que ele sofre o ensina a não mais transgre- segundo a lei de causa e efeito, isto é, de golpes e contragolpes,
dir a Lei. Esta, com as suas sanções impostas aos violadores, é uns como consequência dos outros. Nessa concatenação, a cor-
também mestre que ensina, porque age não apenas para manter a reção do erro não é instantânea, porém, uma vez semeado o
ordem entre os que obedecem, mas também para reconduzir à mal, inicia-se o ciclo que o leva a produzir seus tristes frutos,
ordem os desobedientes, que assim aprendem, às próprias cus- definindo-se a trajetória do seu desenvolvimento, que, pela ve-
tas, a conhecer a Lei e a saber usar a própria liberdade com co- locidade adquirida, resiste e, se não for corrigida por um impul-
nhecimento e responsabilidade. Depois, não ocorrendo novos so contrário, não se apaga enquanto não se tiverem exaurido
danos, não há consequências a pagar. Tudo corre bem, quando o seus efeitos. É assim que a humanidade arrasta os seus pecados
ser sabe mover-se disciplinadamente. Na Lei, a cada erro está li- por milênios, antes de conseguir digeri-los e livrar-se deles.
gada automaticamente a sua correção e, com isso, a eliminação Muitas vezes, é necessário um tempo longuíssimo antes de po-
dos males a que todo erro conduz. Isso mostra a sabedoria con- der neutralizar os erros cometidos contra a Lei, e pode-se até
tida na Lei e nos prova que a finalidade da dor não é a vingança imaginar a natureza desses erros, uma vez que são cometidos
nem a punição, mas o ensinamento, a fim de que não se repita o por um ser situado nos antípodas dela, isto é, no AS.
erro e se possa, assim, evitando o próprio dano, seguir na dire- Para explicar melhor, tentemos concretizar, focalizando o
ção do bem e da própria felicidade. problema de um caso particular, a título de exemplo. O eterno
Estabelecendo para cada movimento a estrada correta a se- antagonismo entre ricos e pobres deriva do fato de haver sido a
guir, a Lei é como um trilho sobre o qual a vida caminha. coexistência, desde o princípio, assentada em posição invertida
Quando se sai dela, ocorre um enguiço no funcionamento, per- (AS). O pecado originário ocorreu em razão de não ter sido a
cebido sob a forma de dor, sensação esta que nos adverte da convivência baseada no acordo e na recíproca compreensão,
presença desse desajuste, para evitá-lo e, assim, evitar também mas no egoísmo e, portanto, na luta e no atrito. Assim, ricos e
o erro que o produz e, consequentemente, a dor resultante. pobres, em lugar de se ajudarem e se entenderem, buscaram or-
Constatamos este fato também em nosso organismo. Cada ser ganizar-se em dois grupos, um contra o outro. Por terem assim
existe dentro de uma forma, assim como cada fenômeno é indi- se dividido, foram lançados em caminhos opostos e iniciaram
viduado por um dado tipo de transformismo. Esta forma ou tipo duas trajetórias divergentes, que não tendem a resolver-se atra-
é o veículo por meio do qual o ser e o fenômeno desenvolvem a vés da colaboração, já que o triunfo de uma só se consegue com
sua atividade. Esse veículo é um meio para alcançar esse fim, o arrasamento de outra. Aplicando ambos o mesmo princípio
que representa um enquadramento obrigatório na ordem. Cada do “tudo para si”, o rico procurou subjugar o pobre, enquanto o
veículo é diferente e expressa um determinado modo de existir, pobre, sempre que lhe foi possível, vingou-se do rico.
correspondente a uma determinada ordem particular. Mas a Lei, Os dois têm as suas culpas, e, caso se queira ser imparcial,
responsável pela ordem, é igual para todos. é necessário reconhecê-las em ambas as partes. Suas trajetó-
Pietro Ubaldi A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS 195
rias já foram lançadas nessa direção. Em lugar de tentar enco- ona no nível angelical, agindo em proporção à natureza do in-
brir o mal, os ricos, detentores do poder e da cultura, tinham o divíduo, à sua sensibilidade, compreensão e necessidade evolu-
dever de assumir a iniciativa de corrigi-lo. Entretanto o rico tiva, adaptando-se a tudo isso para atingir seus fins. São as qua-
buscou escondê-lo, a fim de que não fosse percebido e, assim, lidades do ser que estabelecem a forma em que a Lei se mani-
pudesse impunemente continuar a gozar as vantagens de sua festa. Ela sabe responder a todas as chamadas com a mesma
riqueza. Para estar de acordo com o Evangelho e salvar a al- linguagem, assumindo todas as posições segundo a situação do
ma, o rico inventou o sistema da esmola, que deixa o pobre tal ser dentro dela. Vemos, dessa forma, que ela permanece a
qual é, à mercê da beneficência do rico, sem uma educação mesma, igual para todos, funcionando diversamente para o jus-
para trabalhar e produzir, mantendo-o como seu servo, sem to e o injusto, o evoluído e o involuído, o santo e o delinquente,
direitos nem independência. O sistema de caridade e benefi- o anjo e a besta. Quem inicia os movimentos é o ser, usando a
cência paternalística de fato é muito conveniente para o rico, sua liberdade. A Lei simplesmente responde, como se continu-
porque, enquanto implica na superioridade e magnanimidade asse o mesmo movimento, mas assumindo-lhe a direção, que se
de quem é generoso, satisfaz o seu orgulho, sem impor-lhe transfere então para suas mãos. Assim, ele passa da sua livre fa-
qualquer laço, porque o deixa livre para distribuir benefícios se de causa à fase determinística do efeito. Ocorre, porém, que
segundo seu capricho. Entretanto aquele que recebe torna-se a Lei se comporta diante do indivíduo segundo a natureza e a
devedor e fica obrigado à gratidão. Com esse estratagema foi posição evolutiva deste. É ele quem, com o seu tipo de ação,
encontrada a forma de, salvando-se as aparências, escapar aos aciona o julgamento da Lei, provocando uma correspondente
próprios deveres, parecendo justo e não fazendo sacrifícios. reação. E a Lei, que as contém todas, devolve ao ser a reação
Por sua vez, a resposta do pobre tem sido curvar-se moral- correspondente à ação que a provocou.
mente, levado pela inércia de quem se habituou a mendigar e Esta lei representa o S, que a revolta não pôde destruir. É a
voltado à multiplicação demográfica, que leva ao assalto por presença de Deus no AS. Mas já vimos que o instinto do ho-
força de brutal massa de carne. Agora, porém, cada um dos mem (AS) é a rebeldia, que o leva a tentar enganar a Lei (S),
dois grupos já se lançou ao longo de sua trajetória. para tomar o seu lugar. Então esta lhe paga com a mesma moe-
Para se deter e mudar de itinerário, seria preciso anular toda da, isto é, fazendo retornar sobre ele a mesma fraude com a
a velocidade, fazer marcha à ré e iniciar uma outra trajetória. Se- qual tentou violá-la. Mas a Lei não frauda ninguém, ela apenas
ria necessário destruir as antigas posições, efeitos das causas já restitui o que recebeu, razão pela qual o que lhe foi lançado é
assentadas, e semear novas causas diferentes. Quando se come- refletido e devolvido ao emissor. Eis porque a vida é cheia de
teu um erro e se insistiu nele, as consequências não se desfazem enganos e ilusões. É o homem que as fabrica, e não a Lei. Que
facilmente, porque já se formou a relação causa-efeito, que vai mais se pode colher, senão conforme o que se semeia? Quando
sempre gerando novos elos, assim como, numa corrente, cada não pode se valer da astúcia, o homem tenta fugir da Lei pela
anel se liga ao outro. É preciso desfazer o emaranhado, neutrali- inércia. Ele é levado a estabilizar de forma hereditária as suas
zar o impulso, reabsorvendo todo o mal feito e substituindo-o posições de vantagem, transformando-as em instituições prote-
com criações de tipo contrário. A experimentação mal dirigida gidas pelas leis. Mas nem esta escapatória serve. A Lei deseja a
foi assimilada pelo inconsciente, fixando na personalidade qua- evolução e retira os preguiçosos da sua inércia, provocando o
lidades maléficas. Vê-se assim, em tais casos, quanto é longo e movimento de quem está faminto e desencadeando o assalto
cansativo o caminho da recuperação. O desenvolvimento da contra as posições conquistadas, como ocorre nas revoluções.
evolução é um gigantesco trabalho de reconstrução, devido ao Quando a vida fica carregada de excessivas superestruturas
maior erro do passado: a revolta, que originou a queda no AS. contra a Lei, ela explode e as destrói. Quando o ciclo de uma
É fundamental o conhecimento desta lei, que é o próprio instituição, religião ou civilização se exaure, a Lei a faz cair e
Deus e preside o desenvolvimento de nossa vida. Segui-la re- inicia uma outra, a fim de que esta cumpra a sua função.
presenta a nossa salvação. Violá-la é a nossa perdição. Ela é o Funcionando a justiça, então a fraude trai o fraudador, a es-
código do funcionamento orgânico do universo, disciplinando tratégia da inércia não é capaz de eximir ninguém da contingên-
tudo, da matéria ao espírito. Com todo o transformismo feno- cia de ter que se mover e o dever de evoluir cabe ao homem, que
mênico que constitui a evolução, ela define o caminho de retor- é livre para fazê-lo como quiser. Mas, sendo ignorante diante da
no que vai do AS ao S. A Lei não é coercitiva. Porém, embora Lei, ele comete contínuos erros, contraindo dívidas que deverão
respeitando a liberdade do ser, ela o persegue, expulsando-o do ser resgatadas. Consequentemente, estando enquadrado na Lei, o
AS através da dor e atraindo-o para o S através da alegria. Age, homem, embora livre e ignorante, tem de aprender a conhecê-la
portanto, indiretamente. A evolução não é uma realização ocio- e terminar por segui-la, se quiser evitar todas as dores que atrai
sa, mas uma vontade obstinada, uma tendência constante a rea- com os seus erros. O fato de ter que pagar cada erro seu o obriga
lizar-se. Se a liberdade do ser lhe opõe obstáculos, ela espera, a desenvolver a inteligência, até chegar à compreensão da Lei. É
circunscreve-os e os contorna para superá-los. Se é paciente e exatamente o que hoje está fazendo a mente humana com as
elástica, nem por isso é menos decidida no seu impulso para o descobertas científicas, com a conquista da ordem moral e soci-
alto. Conhecemos tão pouco esta lei, que não a levamos em al, com o progresso da civilização em todos os campos. Cada
consideração. Não obstante isso, ela funciona a cada instante, conquista significa uma diminuição de erros e, portanto, de do-
sem jamais parar, sempre presente à nossa volta, dentro de nós, res. Desse modo se vai do AS para o S e a compreensão da Lei
para todos. Nós a respiramos e devemos vivê-la, porque ela é a se resolve na compreensão de Deus.
nossa vida e dela somos feitos: ela é Deus. Funciona em todo Todo o universo avança fatalmente para Ele. Poder-se-á ne-
lugar, até nas mais longínquas galáxias, do cosmo ao átomo, da gar o Deus antropomórfico das religiões, mas não se pode negar
matéria ao espírito, em todas as dimensões do ser, mesmo nas a evidente presença de um Deus como aqui O concebemos. E
profundezas do inferno, no AS como no S, sempre ativa, lógica, como fugir a Ele? Caso se tente enganá-Lo, engana-se a si mes-
boa e justa, para tudo sarar e reconduzir do caos à ordem, do mo; caso se resista, inerte à sua atração, essa nos obriga a avan-
mal ao bem, da dor à alegria, do ódio ao amor. çar. E, se não O conhecemos, temos de pagar com a nossa dor os
A Lei funciona em todas as possíveis posições do ser, em erros de nossa ignorância. Tudo o que existe está compreendido
todas alturas ou níveis de evolução, que vão do AS ao S, e, em- na ordem da Lei. Ela dirige todos os movimentos, dos astros e
bora seja diferente em cada ponto, permanece sem contradição, planetas aos elementos do átomo, dirige o desenvolvimento da
sempre verdadeira e sempre a mesma para todos. Ela é sempre vida e dos destinos, canalizando cada fenômeno para uma incon-
justa, seja quando funciona no nível animal, seja quando funci- fundível linha de desenvolvimento, que o individualiza diante de
196 A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
todos os outros. Os fenômenos são infinitos, e as respectivas li- sonalidade sob a forma de novas qualidades adquiridas, que,
nhas de desenvolvimento são enquadradas nas dimensões de es- assim, a enriquecem e desenvolvem. A zona do consciente é o
paço e tempo, ao longo de uma ilimitada concatenação de cau- campo de trabalho, que leva a novas aquisições. Quando o ser
sas e efeitos. Dentro da grande lei, cada fenômeno obedece a começa a funcionar no superconsciente, então está superando o
uma lei particular, que lhe define a trajetória, estabelece os limi- método cognitivo do tato. Nessa condição, estão de novo flo-
tes e disciplina os movimentos. O desenvolvimento de todas es- rescendo nele as perdidas funções da visão, constituindo um
sas trajetórias segue uma ordem suprema, que permanece inaba- outro tipo de instrumento para o conhecimento.
lável mesmo diante dos núcleos de desordem, que aquela ordem Dessa forma, a recuperação do conhecimento soterrado no
circunscreve, isola e corrige. Cada uma dessas trajetórias se en- inconsciente, é feito através de três fases progressivas de con-
reda com as outras sem perder-se, repercutindo e ecoando, sem, quista de consciência; 1o) O subconsciente, que representa a
no entanto, confundir-se com elas. Tudo é livre, mas guiado; au- parte mais baixa do consciente e contém armazenadas as expe-
tônomo, mas interdependente; individualizado e definido por si riências já vividas, de tipo animal; 2a) O consciente, que repre-
mesmo, mas colocado no seu lugar, na devida posição dentro da senta a parte ativa de experimentação e aquisição de novas
ordem universal e em função dela. qualidades, mais evoluídas, de tipo humano, referentes ao ní-
A Lei está em tudo o que existe, como princípio que anima vel de vida atual; 3 o) O superconsciente, projetado para ativi-
as formas, por meio das quais ele se torna manifesta. Este prin- dades futuras e dirigido para realizações hoje imaginadas sob a
cípio é a sua vida, porque estabelece o nascimento, o desenvol- forma de ideais. Todos os seres, porém, no degrau evolutivo
vimento e o fim daquelas formas, depois as reproduz para cum- que atingiram, estão empenhados, de acordo com o respectivo
prir o tipo de ciclo estabelecido para cada uma delas, seguindo nível e grau de desenvolvimento, nessas reconstruções de
um determinado ritmo de desenvolvimento no tempo. A Lei consciência. Cada forma de existir representa um determinado
não é um código morto escrito, mas uma corrente viva e pen- plano de evolução atingido, isto é, um dado grau de reconstru-
sante, sempre em ação, funcionado no íntimo de tudo o que ção realizada, do reino mineral ao vegetal, ao animal, ao hu-
existe, no incessante processo do seu desenvolvimento. Tudo mano e ao super-humano. Cada vida se eleva no substrato das
isso, mesmo se expandindo em uma infinita multiplicação de suas experiências passadas, vividas nos planos mais baixos, e
ramos particulares, deriva, no entanto, de um único tronco, um traz delas em seu íntimo o fruto, que constitui a sua sabedoria,
princípio simples de base que rege um conceito extremamente isto é, a sua emersão do inconsciente com a conquista da cons-
complexo. Pode-se assim subir da periferia ao centro, onde, ciência na subida do AS para o S. É por estas razões que o
além do imensamente múltiplo, encontra-se o uno que o rege. A homem guarda consigo a sabedoria da vida mineral, vegetal e
maravilha não está, porém, só em encontrar a animal, através das quais se reconstruiu até à sua atual fase
simplicidade no fundo da complexidade, mas também no fato humana, e, agora, percorrendo-a, prepara-se para a próxima, a
de que a multiplicidade constitui um grande organismo, pensa- super-humana, que ele entrevê na luz do ideal longínquo.
do e criado pela mente de Deus, que agora, constituindo-se no Estas observações nos permitem melhor compreender o
seu espírito animador e impulso salvador, o move, alimenta e fenômeno da evolução, que deverá ser completamente per-
reconstrói em cada instante da vida. Essa mente tudo sabe, ten- corrido em toda a sua extensão e em todos os seus particula-
do a capacidade e o poder de em tudo atuar e trabalhar continu- res, a fim de que a reconstrução seja completa em cada pon-
amente, em sentido construtivo. Este é o Deus que a ciência não to. Tijolo por tijolo, devemos construir a casa derrubada. A
poderá deixar de descobrir com as suas pesquisas, o conceito montanha do Sistema é toda escalada, a partir dos lugares
que Dele uma humanidade mais iluminada haverá de ter. mais baixos do AS, com as nossas pernas e a nossa fadiga.
◘◘◘ Daí se conclui que são improdutivas as atitudes ascéticas, na
O mundo está mergulhado na ilusão, longe da compreensão tentativa de encurtar as distâncias através de assaltos contra a
da realidade, embora até isso se explique e se justifique. O pro- própria natureza inferior, a fim de queimar etapas. O asce-
blema da dor é uma questão de ignorância da Lei, porque é esta tismo só é válido quando se trata da última etapa de uma lon-
ignorância que leva ao erro e este à dor. No S conhece-se a Lei, ga maturação interior, quando não mais se admitem formas
portanto não se comete erros e, assim, não existe a dor. Com a improvisadas. É preciso percorrer todo o caminho. Não é
revolta e a queda, o ser perdeu o conhecimento e, desse modo, possível atingir subitamente a zona do ideal sem ter antes vi-
impôs uma punição a si mesmo, porque se tornou cego e, sem a vido as experiências terrestres necessárias à maturidade. Se a
visão para se orientar, vai sempre se chocando com a Lei, de- vida é uma escola, é porque nela nos exercitamos natural-
terminando assim as contínuas reações e constantes dores. O mente. É preciso compreender que não se pode chegar ao es-
jogo é simples e evidente, mas os seres, com os olhos vedados, pírito simplesmente jogando fora a matéria, como se ela fosse
não o percebem. Disso surge a necessidade de reconquistar tra- apenas uma superestrutura postiça. Pelo contrário, é desta
balhosamente o conhecimento com a evolução, através de uma matéria que somos feitos em grande parte, sendo o ponto de
longa experimentação, que, diante da vida, poderia ser compa- que partimos no caminho do retorno. Ela ainda está na base
rada ao método primitivo do tato, de que se valem os cegos pa- de nossa natureza e ainda é o centro de atração de nossa vida.
ra chegar a conhecer o mundo. É triste, mas, para os cegos, não É ingenuidade pensar que podemos nos livrar dela facilmen-
há outro método. De resto, o ser se colocou por seu livre arbí- te. Tomamos então uma atitude de antagonismo em relação a
trio em tais condições. E, se quis cair com a involução, é justo, ela e, no santo zelo de ascender, a agredimos como a um ini-
portanto, que lhe caiba agora a obra de reconstrução com a evo- migo. Mas, se somos feitos de matéria, matando-a, nos ma-
lução. Ele não compreendeu que revoltar-se contra Deus não tamos a nós mesmos. É assim que um arremesso para a santi-
era aumento de vida, mas sim suicídio, erro que continua a re- dade pode assemelhar-se a uma tentativa de suicídio.
petir a cada passo. É loucura buscar a vida, que está em Deus, Não podemos matar a matéria que está em nós sem ir con-
na morte, como faz aquele que se afasta de Deus, opondo-se à tra a vida, o que significa ir contra a lei de Deus. Tal matéria
Lei, em vez de unir-se a ela. Ninguém pode deslocar estes prin- não morre e deve ser transformada. O trabalho da evolução
cípios fundamentais da existência. consiste exatamente nesta transformação. Tarefa dura, lenta e
Com a queda, o conhecimento se afundou no inconsciente, imensa. O trabalho do ser é reconduzir ao estado de S todo o
no qual ficou latente e do qual é desenterrado através da expe- AS, pelo qual ele mesmo optou. Em outras palavras, seu tra-
rimentação da vida, feita de erros e dores. No inconsciente vão balho será espiritualizar o universo decaído, reconduzindo-o
sendo armazenadas as novas experiências, assimiladas à per- ao estado original. Se esta é a tarefa do ser, sendo esta tam-
Pietro Ubaldi A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS 197
bém a estrada que a Lei traçou para a evolução, tentar evadir- com o método de responder ao abuso com a privação e à culpa
se dela é o mesmo que traí-la. No entanto este é um erro no com a punição. Sem jamais encontrar o equilíbrio da justa me-
qual o ser – que se tornou ignorante por causa da queda – ten- dida, somos sempre rechaçados pela disciplina das reações para
de a cair com frequência, devendo sofrer, portanto, as conse- dentro dos limites da Lei e, mesmo permanecendo todos livres,
quências de cada um de seus erros. nos autopunimos com o inferno por nós mesmo procurado, tão
Na ascensão evolutiva, a Lei não admite fugas fáceis do sábio é o mecanismo da Lei. Quando numa vida se usou como
cumprimento do dever que nos compete. A estrada está toda fórmula de justiça o “tudo para mim e nada para os outros”, é
traçada passo por passo. O progresso é um fenômeno vasto e lógico e fatal que depois, numa outra vida, seja imposta como
complexo e não pode ser feito de forma unilateral. Contribu- fórmula de justiça o “tudo para os outros e nada para mim”. As-
em para ele todas as várias espécies de atividade humana, sim, o peso é exato como deve ser na balança da Lei.
todas elas interdependentes, sem que nenhuma possa se iso- Com a evolução, o ser se afasta dos métodos do AS e vai
lar da outra. O progresso espiritual está ligado ao intelectual, assimilando os do S. Assim, gradativamente, vai extinguindo-se
econômico, científico, técnico, político etc. Cada passo adi- o método de contragolpes, isto é, dos opostos em luta, pois,
ante em qualquer ramo leva sempre ao S. É preciso compre- evoluindo, o ser se afasta do AS, que vai perdendo a força, por-
ender que o S não é uma abstração espiritual paradisíaca, quanto a evolução o mata. A tendência da evolução é eliminar
mas um perfeito estado orgânico ao qual deve chegar por tal contraste, reconduzindo o ser da cisão à unidade. Então,
evolução o nosso universo, um estado de consciência unitá- quanto mais o ser se disciplina e, reentrando na ordem, aproxi-
ria, de conhecimento e consciência, de recíproca compreen- ma-se do S, sempre menos graves se tornam as violações e as
são e colaboração entre os seus elementos, de ordem e har- correções. Quanto mais o homem se civiliza, menos ferozes são
monia, do qual ainda estamos imensamente longe. Com esta os delitos e as punições, que reciprocamente se influenciam,
finalidade, é preciso trabalhar firme. Todas as experiências condicionam-se e ajustam-se em proporções, de modo que a
terrestres são necessárias, e as místicas fugas, salvo condi- suavização de um lado permite que possa ocorrer um corres-
ções especiais do ser, são contraproducentes. pondente abrandamento do outro lado. E, assim, caminha-se pa-
Certos tipos de santidade do passado se justificam como ra formas de vida melhores. O mesmo ocorre também com as
reação a excessos bestiais involutivos, tais como matar, rou- religiões, que, evoluindo, preocupam-se mais com o desenvol-
bar e farrear, tão comuns naquela época. Mas, num mundo vimento espiritual, isto é, com o lado positivo ou S, do que com
onde se tende sempre mais a eliminar tais excessos – como no o sufocamento da parte material do ser através de duras peni-
mundo moderno, feito de uma economia disciplinada de tra- tencias, isto é, com o lado negativo ou AS.
balho e consumo – a pobreza de São Francisco não tem mais Desse modo, reentrando na ordem do S, tudo se desloca.
sentido e não é mais virtude. A tendência para descer ainda Então os cegos chegam a ver a Lei e concebe-se a vida de ou-
continua hoje, mas de outras formas. Essa tendência se expli- tro modo, com seus pontos de referência e finalidade mudados,
ca com o fato de que a evolução é uma cansativa subida do indo tudo girar em torno de outro centro. Os elementos de todo
AS ao S, e subir é difícil. Porém, enquanto a descida é fácil, o processo, cuja existência é positivamente controlável em
demorar-se no passado é repouso. De fato, aqueles que invo- nosso mundo, são: Lei, ignorância, erro, dor e sabedoria. O
cam a liberdade a entendem como liberdade de fazer o mal, homem não pode sair dessa estrada. Quanto maior a ignorân-
dando vazão à sua natureza inferior, e não como liberdade de cia, maiores o erro e a dor, que aumentarão à proporção que o
fazer o bem; entendem a liberdade no sentido de utilizá-la pa- ser estiver mergulhado no AS, mas também sabemos que,
ra o gozo animalesco, e não para a ascensão espiritual. quanto menor é a ignorância, menores serão o erro e a dor, que
◘◘◘ diminuirão à proporção que o ser tiver ascendido ao S. Uma
Com a queda, a existência se fragmentou no dualismo: 1) vez atingido o S, desaparecem a ignorância, o erro e a dor. O
Conhecimento, que significa ordem segundo a Lei e alegria no produto da evolução é a sabedoria, último termo do processo,
S; 2) Ignorância, que significa desordem na anti-Lei e dor no condição na qual desaparecem estes outros.
AS. Assim, surgiu o método dualístico da cisão conhecido no Podemos assim compreender que a grande função da evolu-
AS, isto é, da ação do ser contra a Lei e das opostas reações de- ção é curar e salvar, livrando o ser do mal e da dor, para recon-
la, com o processo dos contragolpes corretivos do erro através duzi-lo ao S. Não falamos aqui de uma opinião filosófica ou de
da dor. A Lei só pode atuar com o sistema da compensação en- fé, mas sim de uma evolução biológica e mental. Trata-se de um
tre contrários. Assim a sua justiça se compensa com a reação fato positivo universal, próprio da existência, independente das
contra a injustiça. Explicando melhor, quem rouba à Lei se en- cisões raciais e religiosas. A evolução se incumbirá de desen-
divida primeiro e, depois, paga obrigatoriamente, de acordo volver a mente humana até conduzi-la à compreensão da Lei, is-
com a justiça. É um sistema de luta, revoltado contra si mesmo, to é, de um Deus que é pensamento, sempre e em toda a parte
negativo, danoso, absurdo, capaz de produzir somente fadiga e presente, diretor de todo o funcionamento orgânico de nosso
dor. Um sistema invertido no qual foi fragmentada a unidade universo, em todos os níveis, da matéria ao espírito. Esta será a
original do Sistema, evidentemente derrocado da sua primeira grande religião do futuro, que, muito diferente da mitologia –
posição, revelando, com a sua forma, ser derivado de uma in- produto do inconsciente e da fé infantil, incapaz de compreender
versão que lançou o ser em direção autodestrutiva. – há de ser fato positivo, confirmado pela realidade dos fenôme-
O nosso universo é consequência de tal inversão e, por isso, nos e compreendido por uma mente adulta. Esta realidade já
é obrigado a percorrer, com a evolução, o caminho do endirei- existe nos fenômenos, porquanto funcionam dirigidos pela Lei.
tamento. Assim, só é possível achar o caminho certo, corrigin- O que falta ao homem é uma mente capaz de vê-la, porque, en-
do o caminho errado; a verdade, corrigindo o erro; a justiça, quanto isso não ocorrer, ele se perderá em inúteis fantasias. Mas
corrigindo a injustiça; o bem, eliminando o mal. Ora, no AS é cabe à evolução o trabalho de desenvolver esta mente, e, na Lei,
abundante o material negativo a purificar, do qual devemos nos está escrito que o homem, fatalmente, tem de atingir a maturida-
livrar, utilizando o máximo possível a disciplina da Lei, embora de. Então, quando ele tiver compreendido como são verdadei-
seja do caos da anti-Lei que evoluiremos para a ordem. Assim, ramente as coisas, não cometerá tantos erros nem pagará com
caminhamos todos marcados por uma imensa fadiga, conse- tantas dores. Será possível ver, então, como é importante com-
quência do mal que fizemos e pelo qual devemos pagar, tendo preender e seguir a função salvadora da evolução.
sempre que refazer tudo desde o começo, avançando penosa- Encontramo-nos às portas de uma nova e maior civilização,
mente sob as chicotadas da Lei, devidas à rebeldia e aplicadas diante da qual hoje somos subdesenvolvidos. A evolução está
198 A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
amadurecendo a mente humana, para reconduzi-la a compreen- mem, pois, se esta lhe fosse confiada, a história se desenvolve-
der. Isto possibilitará a realização de vidas cada vez menos fe- ria ao acaso e seria um verdadeiro desastre. Vemos que, pelo
rozes e sempre mais elevadas. O homem aprenderá a conhecer contrário, a vida é orientada para metas determinadas e sabe se-
a ordem universal e a mover-se nela com disciplina, sem trans- guir o caminho necessário para atingi-las. Assim, as forças da
formá-la, com sua louca conduta, num inferno. Existimos den- vida são movidas pela lei de Deus, a única e verdadeira inteli-
tro de um grande organismo. É preciso aprender a conhecer-lhe gência que existe no universo. Mas, quando a mente humana
a estrutura e o funcionamento, para que possamos, dentro dele, estiver amadurecida e capacitada, poderá assumir a direção de
nos mover com destreza e sabedoria. Hoje, a tendência do ho- sua vida, pois terá compreendido a Lei e aprendido a saber co-
mem é violar aquela ordem. Ora, quando qualquer elemento sai mo se mover de acordo com ela, seguindo a sua ordem e cola-
do lugar, a vida grita ofendida e a dor surge naquele ponto, borando com o que chamamos “a vontade de Deus”.
porque essa desordem é um atentado contra ela. Aquela dor é
uma campainha de alarme que adverte do erro e tende a fazê-lo XIII. A INTELIGÊNCIA DO DIABO
cessar, obrigando a reentrada na ordem, porque, enquanto isso
não ocorrer, o alarme continua. Trata-se de um previdente, au- Foi-me feita uma inteligente objeção. Em vários pontos da
tomático e salutar meio de defesa e salvação. A sabedoria da Obra tem-se afirmado que a queda do S no AS, isto é, a invo-
Lei deu à vida os meios para se proteger, garantindo sua con- lução, leva a uma perda de consciência no estado da matéria,
servação e desenvolvimento. Então, sucedendo o erro, o viola- que representa a tumba do espírito. Destacou-se também o fa-
dor, para afastar a dor, é obrigado a reparar, às suas custas, o to de que, com a revolta, quanto mais alta a posição do ser e,
mal feito, que não pode ser eliminado senão reabsorvendo-o portanto, maior sua potência, tanto mais profundamente ele
com o esforço de uma severa disciplina. ficou sepultado na matéria e tanto mais denso tornou-se o in-
A grande descoberta da futura humanidade consistirá no fato vólucro em que ficou aprisionado.
de que ela se dará conta da presença dessa lei e conseguirá ver o Dessas afirmações se pode deduzir que Satã deva ser o es-
seu funcionamento em cada detalhe, desde os grandes fenôme- pírito reduzido ao máximo de inconsciência e de inércia. No
nos cósmicos aos pequenos acontecimentos de nossa vida coti- entanto constata-se que Satã, entendido como personificação
diana. Será superada assim a fase de inconsciência na qual, ig- das forças do mal, em vez de permanecer projetado na matéria
norando as consequências de nossa conduta, vivemos atualmen- no ponto extremo da involução, não é nada inconsciente ou
te, guiados por uma moral que é produto dos instintos, e não do inerte. Ao contrário, ele dá prova de muita vitalidade, de um
conhecimento. Poder-se-á então prever o resultado de cada ato poderoso dinamismo, de uma astúcia incomum, a ponto de
nosso e, guiando-nos com inteligência, evitar tantos desgostos. desafiar Deus. Como resolver essa contradição? Voltamos
Será possível calcular a trajetória de cada destino e, examinando aqui a este argumento justamente para melhor explicar, a fim
as forças que estão em funcionamento, conhecer a natureza e o de que tudo fique claro.
desenvolvimento do destino de cada um. Conseguir-se-á, assim, O princípio geral é de que a queda no AS, ou seja, a involu-
descobrir onde e em que forma se realiza infalivelmente a justi- ção, leva a uma perda de consciência na matéria. Este é o es-
ça de Deus. É absurdo pensar que o desenvolvimento em curso quema geral do fenômeno na sua primeira parte, a involutiva,
de uma trajetória possa ser detido com a morte, como imaginam necessária premissa à segunda parte, a evolutiva, que é a presen-
não só os ateus, mas também aqueles crentes que pensam que o te fase por nós constatada em nosso universo atual. Mas, quando
fim da vida desemboca na eterna imobilidade do inferno ou do se desenvolve uma teoria, é necessário ater-se às suas linhas ge-
paraíso. A trajetória do destino deve continuar a se desenvolver, rais, sem divagar em detalhes e exceções, que obstam a clareza e
completando a fase das causas com a fase das suas consequên- a unidade de exposição. Só num segundo momento é possível
cias. Isso deve, pois, ocorrer em ambientes pelo menos seme- fazer esta outra parte do trabalho, entrando nas particularidades
lhantes aos atuais e com efeitos do mesmo tipo das causas postas e, assim, podendo dar um conceito mais exato do fenômeno.
em movimento na Terra, porque é óbvio que deve haver uma Trata-se, na verdade, de um caso particular. Devemos pen-
correspondência entre as consequências e os fatos que a provo- sar que a queda da grande massa já se tenha realizado, porque
caram, porquanto elas representam sua continuação. Tudo isso vemos o nosso universo em fase evolutiva, ao menos até onde
se dará por lentas transformações, até se chegar ao S. podemos conhecer. De fato, o ser em evolução apresenta qua-
Se o homem compreendesse tudo isso e colocasse tal co- lidades que se encontram a caminho da retificação do tipo AS
nhecimento em ação, sua vida seria outra coisa. Mas ele tem para o tipo S, sendo assim limitadas. Contudo, no caso particu-
nas costas todo um passado bem diverso, com o qual constituiu lar que ora examinamos, temos qualidades de potência e inteli-
a sua forma mental, que hoje possui e que o guia. Outra ele não gência de tipo S, mas com sentido invertido na direção do AS.
tem e também não conhece verdadeiramente a sua, à qual está Deve-se tratar, então, não de emersões evolutivas vindas de
ligado. Assim, dirige-se de um modo errado, que deriva dela e baixo, mas de resíduos que, no processo involutivo, subsistem,
o conduz aos conhecidos desastres. Mesmo aqui, a justiça fun- porque ainda não foram precipitados na sua fase mais profun-
ciona, porque seria injusto que o homem pudesse redimir-se da. Estes elementos seriam constituídos pelos seres que, pos-
somente ouvindo um belo ensinamento, gratuitamente ofereci- suindo maior potência, devido ao seu mais alto ponto de parti-
do por outros. Pelo contrário, a justiça quer que tudo seja con- da, puderam melhor resistir à ação destruidora da queda, mas
quistado e merecido. Apenas o ensinamento não serve, como de que ainda continuam impulsionados para baixo, ocupados com
fato ocorre. A lição não se dá só com palavras, mas sobretudo a construção do AS e empenhados em arrastar todos para ele.
com a dor, que atinge cada um individualmente, proporcionada Neste caso particular, aquilo que chamamos inteligência do di-
ao erro cometido e adaptada ao caso particular. O sofrimento é abo, típica por suas características, seria um resíduo daquela
imposto sem possibilidade de fuga, em forma de lição obrigató- inteligência de origem ainda não destruída, empenhada na des-
ria, à qual não se pode ser surdo, porque todos a entendem. cida e em via de destruição. Quando encontramos a inteligên-
Somente assim é possível realizar plenamente a justiça da Lei. cia unida ao mal, isto é, em posição invertida no AS, devemos
É claro que o instinto do homem seria fugir-lhe, no entanto concluir que ela se encontra no caminho da descida. A presen-
ele é automaticamente enredado nela, de modo que isso se torna ça da inteligência e sua potência nos mostram que o ponto de
impossível, pois a Lei está dentro das coisas e, portanto, é into- partida é o S. O seu emborcamento no mal nos comprova que a
cável pelo homem, que, ignorante de sua essência, age no seu direção é o AS. Assim se explica o poder do mal e a sua inteli-
exterior. A verdadeira direção da vida não é confiada ao ho- gência, fato cuja presença é inegável.
Pietro Ubaldi A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS 199
O ponto central da contradição está no fato de que, neste ca- que estão em descida involutiva, afastando-se do S. A posição
so, apesar de ser a involução um processo que leva à inconsci- é evidente. Se essas qualidades estivessem em ascensão para o
ência, o mal exprime e dá prova de muita inteligência. Ora, S, deveriam ser do tipo benéfico, como aquelas que já apare-
perguntamo-nos se é de fato inteligência esta característica que cem no pecador em fase de remissão, mas que estão totalmente
encontramos no mal? Seu modo de agir é característico de um ausentes em Satã e seus seguidores. Porém nada impede que
ser consciente ou de um inconsciente? ele, Satã, também possa um dia redimir-se, iniciando o cami-
Neste caso, temos duas qualidades opostas, que não podem nho da evolução. Esta não é, porém, a sua posição atual. O que
estar juntas: a inteligência (qualidade do S) e o mal (qualidade do está ocorrendo é justamente o contrário. Ele insiste delibera-
AS). Aqui, entendemos por inteligência aquela verdadeira, sã, damente no mal, com todas suas forças, e usa toda a sua inteli-
honesta, altruísta, construtiva, inerente ao S, uma inteligência po- gência para abismar-se no AS.
sitiva, do bem, que não deve ser confundida com a outra, negati- A explicação é lógica. Os rebeldes de menor potência caí-
va, do mal, da revolta, enferma, desonesta, egoísta, destrutiva. A ram mais facilmente, atingindo mais rápido o fundo da traje-
inteligência do diabo é deste segundo tipo, isto é, invertida, torci- tória da própria queda. Para as grandes massas, o período de
da, perigosa não só para os outros, mas também para quem a usa, involução terminou. Mas os rebeldes de maior potência, dis-
porque, fazendo o mal, o ser o faz sobretudo a si mesmo. Mas, pondo, pela própria força, de maior possibilidade de resistên-
então, uma tal inteligência, que só prejudica a si mesma, pode ser cia diante dos efeitos da queda, conservaram mais tempo suas
chamada de fato inteligência, ou não seria antes uma inconscien- qualidades de origem, embora em posição invertida do bem
te loucura? Pode ser considerada inteligência esta que atinge o em mal. A sua descida está em curso, o que significa que es-
fim oposto ao desejado, trazendo o mal a si e aos outros? Mas es- tão lançados para a inconsciência e a escravidão da matéria,
sa é a sombra das trevas, é a maior ignorância, servindo somente nas quais é fatal que caiam.
para enganar e prejudicar sobretudo quem a possui, que com ela Não há dúvida que a atual inteligência e potência de Satã
se fere a si mesmo. E o próprio dinamismo do mal, outra quali- atuam no sentido da revolta, sendo usadas para confirmá-la e
dade sua, serve para este fim de autodestruição, pois, sendo ele dirigidas, portanto, para baixo, o que só pode levar ao aprisio-
negativo, também é lançado na direção involutiva. O dinamismo, namento de todas as dimensões do ser. Outro destino não pode
neste caso, é invertido; não é vital, mas sim mortífero; não serve ter uma inteligência usada na direção anti-Lei, isto é, anti-Deus.
para conduzir à alegria, mas sim para aprisionar sempre mais no Eis a natureza da inteligência do diabo. Quando se fala de
inferno da dor. Este é, de fato, o último resultado da inteligência inteligência, é preciso ver de que tipo se trata. Tem a aparên-
e do dinamismo de Satã: construir para si o próprio inferno. cia de verdadeira, mas, na realidade, pode ser apenas astúcia.
Eis em que consiste, na realidade, a inteligência e o dina- Evidentemente, se tal inteligência serve apenas para prejudi-
mismo de Satã. A sua inteligência não passa de um resíduo car os outros e àqueles que a possuem, não é inteligência, mas
corrompido daquela que, no S, foi a sua verdadeira inteligên- sim, quando muito, a inteligência do louco, cuja finalidade é
cia, empenhada na felicidade do bem, e não no inferno do unicamente a autodestruição. Este tipo de inteligência quer
mal. O mesmo se pode dizer do seu poder. Eis, pois, que te- enganar e acaba enganada. Pensando tirar vantagem, quer fa-
mos uma inteligência e um dinamismo em descida, que ser- zer o mal aos outros, mas não percebe que, assim, precipita-se
vem somente para enterrarem-se, fortes ainda, mas em vias de na involução, fazendo mal a si mesma, enquanto a vantagem
enfraquecimento e anulação. Seus resultados invertidos no passa para os ofendidos, que, com o sofrimento, podem redi-
mal e na dor nos mostram que, aí, as trevas estão se fechando, mir-se. Mesmo os loucos, a seu modo, são astutos. Mas seria
porque estamos na via da descida. justo chamar-se isso de inteligência?
Recordemos que a queda não é a destruição do indivíduo,
mas de suas qualidades. Este resiste, porém em posição inverti- XIV. O CONCEITO DE CRIAÇÃO
da. Na matéria, de fato, a inteligência não está morta, mas so-
mente aprisionada. Assim ela permanece, porém o indivíduo Do ato de Deus na criação o homem só poderia fazer, para
não é mais o senhor dela, e sim seu servo. A involução leva a seu próprio entendimento, um conceito dualista e separatista,
esse aprisionamento. O átomo é uma máquina complexa, bem que é a base da estrutura do AS, com a qual o homem constru-
calculada em cada parte e movimento. Mas a inteligência que iu a sua forma mental e o seu modo de compreender. Ele con-
dirige tudo isso não é mais a sua, e sim a de Deus. A liberdade cebeu assim, à sua imagem e semelhança, um Deus que cria
não pertence mais ao ser, que do próprio funcionamento não fora de si. Ora, enquanto o homem não pode criar senão to-
tem mais consciência nem domínio diretivo. Nesse nível, cons- mando do exterior a substância e imprimindo-lhe uma forma, o
tatamos o desaparecimento das qualidades do S, que voltarão a ato de criar, para Deus, só pode consistir em dispor da própria
surgir no homem, reconquistadas com a evolução. Fica no áto- substância de que é constituído, num estado diverso da criação
mo uma inteligência, que permanece na forma obrigatória de humana. A criação que o homem faz é exterior; a de Deus é in-
seu movimento, mas não lhe pertence. terior. Nos dois casos, a posição do criador apresenta uma dife-
Ora, a inteligência e o dinamismo do mal estão se trans- rença fundamental. O homem é uma parte do Todo, portanto
formando nessa direção. Então, esta qualidade do S vai se fe- só pode tomar de fora o material para criar. Deus é o Todo. Se
chando, até se tornar, como no átomo, um movimento automá- houvesse alguma coisa fora Dele, então não seria mais Deus.
tico, sem consciência e sem liberdade, dado que nisto consiste Assim, Ele não pode tomar coisa alguma fora de Si, mas ape-
a inversão da positividade do S na negatividade do AS. Satã, nas dentro de Si mesmo, da sua própria substância. Já o ho-
sendo escravo do mal, não tem mais liberdade de escolha dian- mem não podia sair dos esquemas que o seu mundo lhe ofere-
te do bem e, assim, aprisiona-se em seu cárcere, que é o AS. cia e que constituem tudo o que pode conceber.
Tal tipo de inteligência se fecha sempre mais no seu jogo astu- Deus está situado no S, e o homem no AS. Isso modifica tu-
cioso. Em lugar de se abrir para a luz do conhecimento da ver- do, porque quem está no AS se encontra em posição invertida
dade, aquela inteligência naufraga na arte do engano. Então, diante daquele que se encontra no S. O divisionismo dualista
quanto mais o ser desce, mais se torna faminto de vida, insaci- que existe no AS não existe no S, que é regido pela unidade. No
ável como um câncer, para roubá-la dos outros, porque cortou S não existe cisão entre criador e criatura, nem separação, nem
o canal do alimento vital que o ligava a Deus no S. oposição. O homem, seguindo sua própria natureza, de tipo AS,
O fato de serem de caráter maléfico, prova que tal tipo de concebe um Deus que cria o seu universo fora de si mesmo e
inteligência e de dinamismo pertencem à negatividade do AS e que, depois, ausenta-se dele, destacando-se da Sua obra e iso-
200 A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
lando-se dela no próprio egocentrismo. Mas, na realidade, Deus Observemos então o que ocorre quando alguns princípios
criou segundo os princípios do S, quando o AS não existia. Se- próprios do S são aplicados segundo os critérios do AS. Veja-
gundo estes princípios, Deus criou do único modo que Lhe era mos, por exemplo, o que se torna, nestas condições, o princípio
possível, isto é, dentro de si mesmo, criando um universo que, de ordem e hierarquia. Este, ao invés de constituir uma força de
na sua substância, continuou sendo Deus no estado de S, repre- coesão, que unifica, transforma-se numa força desagregadora,
sentando a estrutura orgânica atingida por Ele depois da cria- que separa. Ordem e hierarquia, no S, apoiam-se na adesão es-
ção. Este “dentro de si” significa o infinito, que é o Todo e não pontânea, convicta, a fim de colaborar, porém, no AS, só po-
pode, portanto, ter limites nem qualquer coisa fora ou além de dem ser fruto de imposição forçada contra rebeldes, para arra-
si que se lhe possa acrescentar. sar e tirar proveito, pois aí, apesar de ser aplicado o mesmo
Podemos então compreender por que o homem foi levado à princípio, ele aparece invertido, produzindo, portanto, resulta-
concepção de um Deus transcendente, antropomórfico, perso- dos opostos. Os dependentes são escravos do poder – que não
nalizado de uma forma comum, separado da criação, que é por serve para ajudá-los, e sim para dominá-los e oprimi-los – mas
Ele dirigida como um acessório, e não como emanação de Si também são inimigos do chefe, ansiosos por rebelar-se e des-
mesmo. De fato, no S, ainda no estado espiritual antes da que- truí-lo. No AS, o poder se fundamenta na força. No S, está fun-
da, Deus, que é o próprio universo, transformou-se – através damentado na justiça. É desse sistema implantado de forma in-
da criação – de um todo homogêneo num organismo de ele- vertida que nascem as revoluções. É por isso que as construções
mentos que funcionam segundo o divino princípio de ordem, humanas terminam por desabar, corroídas interiormente pela
codificado numa lei que exprime seu divino pensamento e sua inversão de sua estrutura. Outro resultado não se poderia obter
vontade. Mesmo no próprio AS, depois da separação do S, com elementos que, em vez de quererem estar unidos, com
Deus permaneceu ali, constituindo a alma que o mantém em iguais direitos e deveres, vivem, pelo contrário, tentando cada
vida, sem o que, em vez de salvar-se com a evolução, o AS se- um subjugar o outro, arrogando-se todos os direitos e deixando
ria destinado a morrer. Eis então que Deus não está presente os deveres para outros. Um organismo só pode ser construído
apenas no S, mas também em nosso universo, ou seja, no AS, sobre a coesão entre termos que se atraem, e nunca sobre a
onde Ele se mantém plenamente ativo. Mesmo aqui, apesar da guerra entre termos que se repelem.
tentativa de inversão, a lei de Deus funciona plenamente. Assim como o conceito de ordem no S é completamente di-
Esta imanência não é concebível com a forma mental co- ferente do vigente no AS, o mesmo ocorre com o conceito de
mum, que, à semelhança da própria imagem, pensa num Deus autoridade. No S, a autoridade responde a um princípio de har-
pessoal transcendente, que só dirige do alto, de fora, ausente do monia, pelo qual todos se respeitam mutuamente, unidos na
seu universo. Tal presença se faz viva e atual quando concebe- mesma lei de justiça, que ninguém pensa em violar. Quem co-
mos Deus como supremo pensamento, concebido como a lei manda não o faz visando exclusivamente sua própria vantagem,
que estabelece os fins e as trajetórias de desenvolvimento do prevalecendo-se da condição de senhor de forma caprichosa,
transformismo de tudo o que existe. Esta lei é um pensamento sem outra lei que não seja a sua vontade, mas o faz, ao invés,
que está dentro de todos os fenômenos, de cujo íntimo dirige o para cumprir uma função de utilidade coletiva, segundo uma lei
incessante movimento. Tal presença, portanto, é atual, real e que, antes de tudo, é obedecida por ele. No AS ocorre o contrá-
experimentalmente controlável, permitindo entrar em contato rio. A autoridade responde a um princípio de antagonismo, que
com Deus de forma positiva. Se não podemos conhecê-Lo dire- une a todos de forma invertida, isto é, repelindo-se, segundo a
tamente na sua essência, podemos ao menos conhecê-Lo atra- própria lei de luta. Cada um pensa em violar os direitos dos ou-
vés do pensamento e da vontade Dele, expressos pela Lei. tros, e não em cumprir os próprios deveres em relação a eles.
Desse modo, embora decaído e corrompido, o AS perma- Neste caso, a autoridade significa cisão entre patrão e servo,
nece, assim como o S, criação de Deus, da qual Ele nunca se cabendo ao primeiro todos os direitos, e ao segundo, todos os
separou. O ser, por mais que esteja afundado no AS e, por is- deveres. Não há outra lei, senão a vontade do patrão, não há ou-
so, em oposição a Deus, continua a ser substancialmente, tal tro direito, senão o seu beneplácito. Os dependentes não tem di-
como os elementos do S, uma criação de Deus. Por mais que reitos. São educados para a adulação, a mentira, o favoritismo e
estejam situadas nos antípodas, a separação não conseguiu a corrupção, que são os resultados de tal sistema.
fazer de criador e criatura coisas diversas, verdade ainda Aplica-se assim a moral do AS, que, não sendo apoiada na
mais evidente quando se sabe que ambos se destinam a reen- justiça, inculca a obediência como virtude, enquanto reconhe-
contrar-se e a reunir-se finalmente. ce no comando um direito e um privilégio do mais forte, que
É verdade que o ser do AS, pela própria rebeldia, julga-se os adquire porque na Terra domina ainda a lei involuída do
um anti-Deus, destacado Dele e capaz de construir, em oposi- homem animal, dada pela luta para vencer a qualquer preço.
ção a Ele, um AS, regido por uma anti-Lei tão poderosa quan- Em tal sistema, diante de uma autoridade exercida em forma
to a lei de Deus, a ponto de vencê-la e subjugá-la, substituin- de abuso, praticar o mesmo abuso em forma de desobediência,
do-se a ela. Acontece, no entanto, que é a lei de Deus que por lei de justiça, pode constituir um direito. Isso porque, num
continua a comandar no AS, porque aquela tentativa de subs- regime de egoísmo, somente armando-se com a força, que
tituição é um ato absurdo e louco, que só pode realizar quem permite lutar para corrigir a outra força oposta, pode-se che-
está de todo cego. O menos forte não pode dominar o mais gar a eliminar o abuso e atingir o equilíbrio entre contrários, o
forte; o que está invertido não pode valer mais do que o que respeito recíproco e a justiça.
está direito, colocado no seu devido lugar; um universo criado No atual momento histórico, a humanidade vive ainda os
sobre o princípio da ordem e da unidade não pode acabar pul- princípios do AS, mas já entrevê os do S e está tentando as pri-
verizado pelo princípio do caos e do separatismo. É ato de meiras aplicações deles. Assim, tenta-se fixar um novo tipo de
loucura querer construir imitando ao contrário o trabalho do autoridade, que corrija o antigo, substituindo o privilégio do
construtor. Disso nasceu o AS, com a pretensão de ser um ou- mais forte, entendido como direito, por uma autoridade entendi-
tro tipo de S, mas que, na verdade, não é uma criação nova, e da como função social, possuída em razão do interesse coletivo.
sim uma repetição, onde permanece o mesmo princípio, po- A própria disciplina jurídica, armada de sanções, estabelecidas
rém aplicado ao contrário, como puro arremedo do S. Este pela autoridade a seu favor em detrimento dos seus dependentes,
método, com o qual se pretendeu construir o AS, é como uma busca hoje transformar-se em uma função de justiça. Deve-se,
casa tendo por fundações o teto e por teto as fundações, isto é, então, culpar o passado? Mas como seria possível, num regime
uma subversão de todas as normas da lógica e do equilíbrio. de egoísmo, impedir que surgisse um tal abuso de autoridade, se
Pietro Ubaldi A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS 201
as massas, comodamente para quem comandava, praticavam a quando aplicado ao S, pode não ter razão de existir e, se apli-
virtude da obediência, que lhes foi sabiamente inculcada? cado ao AS, pode ter todo um outro significado.
Correspondentemente, há dois tipos de liberdade, ou me- Então o S representa o único modo de existir de Deus, um
lhor, um duplo modo de entendê-la. Há a liberdade do tipo S e estado perfeito, que não admite mudanças, transformações e,
a do tipo AS. No S, ela é entendida em sentido orgânico, de portanto, criações. Não há necessidade de imaginar em Deus o
colaboração na ordem; no AS, é entendida em sentido de re- chamado fenômeno interior de autoelaboração, uma vez que
volta individualista e imposição no caos. Geralmente invoca-se Deus poderia sempre ter existido no seu estado orgânico perfei-
em nosso mundo a liberdade entendida como licença para vio- to. Daí, pode-se concluir também que não houve nenhuma cria-
lar a lei e subverter a ordem, manifestando um baixo nível evo- ção verdadeira. Esta ideia de criação seria então apenas uma
lutivo, em que triunfa o AS. Esta é a liberdade em cujo nome, imaginação do homem, uma construção de tipo mitológico, pa-
em geral, são feitas as revoluções, que, por sua forma violenta, ra explicar a origem das coisas que via, devido ao fenômeno da
podem tornar-se injustas mesmo quando as causas são justas. queda. O homem tirou essa imaginação do único campo que lhe
Assim acontece quando a autoridade exaltada é exorbitante e era acessível, dado pelo seu concebível, que se estabeleceu
sua ordem é injusta, de tipo AS camuflado em S. Se não hou- através de sua experimentação no seu próprio ambiente, isto é,
vesse um mal do qual fosse preciso libertar-se nem exorbitân- do seu modo de agir para produzir as coisas. Então, pensando
cias, mas apenas o método justo do S, nas revoluções não ha- que o universo físico tivesse sido criado pelo mesmo processo
veria liberdade alguma a invocar. que ele usava nas próprias construções, o homem caiu na mes-
Quem está situado no AS entende por liberdade a liberação ma ilusão psicológica que o fazia acreditar na imobilidade da
para desobedecer, semeando a desordem e criando o caos, en- Terra e no movimento do Sol em torno dela.
quanto que, no S, só há a liberdade de mover-se organicamente, O que de Deus e do S fica conosco, em torno a nós, dentro
de acordo com todos os outros seres, como sucede com as célu- de nós, funcionando sempre e, portanto, suscetível de obser-
las em nosso organismo. O S unifica e constrói. O AS separa e vação e experimentação é a Lei. Ela exprime em forma tangí-
destrói. Assim, o AS é como uma enfermidade do S, enquanto vel a presença do S no AS, a imanência de Deus em nosso
o S é o médico que trata do AS. O AS é o fruto da descida invo- universo. A sua tarefa é dirigir e impulsionar o processo evo-
lutiva, ao passo que o S é o ponto de chegada da subida evolu- lutivo, isto é, a retificação do AS no S, corrigindo o preceden-
tiva. O homem deve viver o contraste entre estes dois impulsos te processo involutivo, que representou a imersão do S em
opostos, mas os trilhos do seu caminho são traçados pela Lei. O AS. Assim a Lei estabelece a direção de nossa conduta no
rebelde do AS gostaria de se evadir deles, assim, por não acei- caminho da salvação, porque representa, no seio do AS, a po-
tar espontaneamente a ordem do S, são impostos a ele a prisão e sição direita do S. A Lei constitui os trilhos sobre os quais a
o inferno, feitos para manter no devido lugar os seres do tipo evolução avança. E é nesse processo que consiste a redenção.
AS. Então, à força de golpes, percorre-se o caminho de retorno Cristo se referia à vontade do Pai, isto é, à Lei, à qual
a Deus. Faça a criatura o que fizer, ela permanece sempre liga- obedecia e à qual nos ensinou a obedecer, propondo-a como
da ao Criador, devido ao fato de ser Sua filha, feita da Sua superior norma de vida, emanada do S, que penetra no AS
mesma substância. Por mais que se afaste, essa criatura terá de para induzi-lo a retornar ao S, corrigindo a revolta através da
acabar retornando a Deus, que a gerou. obediência. A Lei é disciplina, porque remete cada coisa no
◘◘◘ seu lugar, restabelecendo a ordem no caos, e exprime a von-
Depois destas elucidações, voltemos ao tema da criação. Pa- tade do Pai, que é vontade de cura e reconstrução. Essa lei,
ra quem a entende no sentido humano, isto é, como ato exterior no S, está em plena eficiência, em perfeito funcionamento.
ao criador, é difícil admitir um ato de criação no S, que foi ge- No AS, ela é uma força que impulsiona para este estado e
rado no íntimo de Deus, dentro de Si mesmo. O homem pode tenta, por todos os meios, reconduzir o AS ao S. Deus, S,
destacar-se do produto do seu trabalho, porque opera sobre uma vontade do Pai e Lei são a mesma coisa. No AS, eles são o
matéria que lhe é exterior. Mas Deus não, pois Ele opera sobre pensamento e a força que se opõem à perdição do ser, impul-
a sua própria substância. Então o que nós, situados no AS, sionando-o a evoluir, para que ele se salve.
chamamos de criação não passa de uma queda involutiva do S Esta série de conceitos aparecem agora, no fim da Obra,
no AS, do espírito na matéria, que constitui a substância básica depois de um maior amadurecimento, e podem ser acrescen-
de nosso universo. Dessa forma, se houve criação no ato consti- tados como conclusão da teoria exposta no volume O Sistema.
tutivo do S, esta não foi no sentido humano, ainda que, para Agora, o leitor pode ver como o nosso pensamento, através de
conseguir imaginá-la, o homem a represente em tal sentido. aproximações sucessivas, avança na direção de uma verdade
Há outros esclarecimentos, porém. Não é necessário o cada vez mais profunda. Pode, também, acompanhar e contro-
conceito de uma primeira criação para a formação do S, isto é, lar o próprio progresso dessa conquista, vendo como a reali-
a passagem da divindade do seu estado homogêneo a um esta- dade se revela cada vez mais distante das representações com
do diferenciado. A divindade pode ter sempre existido nesse que tentamos imaginá-la.
seu estado orgânico, resultante da ordem de seus elementos No entanto, à medida que a mente humana amadurece por
componentes, isto é, no estado de S. Assim, não teria ocorrido evolução, mais vasto se faz seu conhecimento. As revelações
uma criação do S, porque Deus teria sempre existido no esta- das religiões são visões da Lei, percebida pelos homens mais
do de S, eterno e imutável como tal. Desse modo, a criação te- sensíveis e evoluídos, que as transmitem depois às massas igno-
ria sido uma só, aquela constituída pela queda no AS, o que, rantes. Quanto melhor o homem perceber essas visões, mais terá
na realidade, não seria uma criação, mas um desabamento de progredido. Quanto mais se desenvolvem os meios do conheci-
uma parte do S, uma descida involutiva a ser reequilibrada mento, sempre mais concebível Deus se torna. Não se pode en-
com uma correspondente ascensão evolutiva, para retornar a tender Deus completamente, mas a parte de seu pensamento que
Deus, no S. O homem, assim, teria chamado de criação a esta se relaciona conosco, porquanto funcionamos segundo ela, é
queda na matéria e, com sua forma mental, formada à seme- acessível à nossa compreensão. A ciência, estudando as leis dos
lhança do próprio modo de criar, teria atribuído a autoria des- fenômenos, vai cada vez mais investigando aquele pensamento,
sa criação a Deus. O universo físico (estrela, planetas, luz para vê-lo revelar-se. Assim, a ampliação do campo do nosso
etc.) é, de fato, o efeito de um processo involutivo (queda) do conhecimento de Deus e da sua lei aumenta a cada dia com a
espírito na matéria, e a criação dos seres vivos não é senão o evolução da ciência e o progresso da civilização. O homem, si-
início de uma subida evolutiva. Eis que o conceito de criação, tuado no AS, é um ser anti-Lei, mas está destinado a reconquis-
202 A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
tar a sua consciência da Lei, perdida com a queda. Quem perce- ende a técnica do funcionamento de tudo e pode, portanto, inse-
be o pensamento dessa Lei, vê e sente Deus. rir-se nele, harmonicamente, dirigindo-se para os fins aos quais
Nós também, na Obra, nesta sua segunda parte, quisemos ele tende, sem os erros e as dores que acompanham o processo.
penetrar na visão da Lei mais profundamente do que na primei- Em lugar de ser dirigido sem saber, o homem pode dirigir a sua
ra. Tentamos conceber Deus não só no seu aspecto místico, de vida, sabendo. Em vez de receber inconscientemente a orienta-
amor, mas também no seu aspecto de pensamento e vontade, ção das forças da Lei, ele pode conscientemente funcionar para-
dirigidos no sentido de estabelecer a ordem e a disciplina. Tra- lelamente com elas, permanecendo de forma espontânea na or-
ta-se de uma penetração mais profunda, reveladora de outros dem, ao invés de ser obrigado a isso pelas sanções corretivas.
aspectos da Lei, mais positivos e complexos. Obtém-se, agora, Quando se conhece a técnica funcional da Lei, estando-se de
também através da razão, uma aproximação maior de Deus, acordo com ela e secundando os seus movimentos, pode-se
com uma compreensão mais realista do que aquela atingível avançar ajudado pela corrente em que se navega, em vez de so-
apenas pelas nebulosas vias do sentimento. Assim, podemos di- frer a resistência do seu impulso contrário. Então, a própria von-
zer que, no fim da Obra, a visão está completa, porque foi apre- tade não é anti-Lei, mas está de acordo com a Lei, e o próprio eu
ciada em seus dois aspectos fundamentais: o seu lado místico e, não é mais isolado, rebelde, repelido, mas se torna um elemento
no extremo oposto, o seu lado objetivo e racional. De fato, aos do grande organismo universal, dirigido pelo pensamento de
movimentos do coração, realizados com a correspondente for- Deus. Então, em vez de evoluirmos à força, açoitados pela Lei,
ma mental e adaptados a eles, acrescentamos agora o controle cuja vontade é que avancemos, subiremos levantados por sua
positivo, feito com um trabalho de reflexão, observando no seu corrente ascensional, na qual estaremos inseridos.
conjunto o pensamento que a Lei exprime ao dirigir o funcio- Eis as vantagens desta nova posição mais avançada de adul-
namento dos fenômenos de nosso mundo. tos, à qual conduz a atual maturação evolutiva. Este amadure-
cimento começou com a ciência moderna. As religiões repre-
XV. AS CONQUISTAS ESPIRITUAIS DO sentam, ao contrário, a fase infantil da humanidade. Mas elas,
NOVO HOMEM DO FUTURO no seu devido tempo, foram úteis, justificando-se pelo fato de
constituírem um degrau necessário para tornar possível, inclu-
Os conceitos expostos neste volume correspondem a uma sive para elas, alcançar a fase adulta, quando então se fundirão
nova forma mental do homem, adulta, mais avançada que a sua com a ciência. Esta, como movimento de vanguarda, arrastará
precedente, infantil, que ele está hoje superando, para chegar consigo até mesmo as posições mais atrasadas, elevando-as ao
àquela. A crise de desenvolvimento que ele está atravessando o seu nível, no qual viverá o novo homem adulto.
conduzirá a um nível evolutivo mais alto. A ciência exige um desenvolvimento mental que as religi-
No passado, o homem era movido sobretudo pelos instin- ões não requerem e que até mesmo podem dispensar. O cho-
tos, usando a inteligência apenas para satisfazê-los. No velho que entre a ciência e a fé se deve à distancia que há entre as
estilo, a religião, a fé, a moral, as instituições e toda a organi- suas formas psicológicas, situadas em duas posições antípodas
zação social permitiam, implicitamente, a obtenção de tal fim, com relação à fase evolutiva hoje percorrida pelo homem,
sendo isso apenas um produto do primitivo inconsciente, que uma mais avançada e a outra menos. É por isso que a ciência,
ainda não tem consciência da justiça ou da moralidade de sua em oposição à religião, fez-se materialista e ateia, vindo am-
conduta. Assim, tudo se explica e justifica, mas compreende- bas frequentemente a se guerrearem mutuamente no último
se hoje a sua falsidade, porque já foi superada aquela fase de século, sem compreender a razão do seu antagonismo, dada
evolução. O velho mundo desaba, e procura-se viver de modo pela distância e antagonismo de posições ao longo do cami-
diferente. Ser criança e comportar-se como tal não é culpa en- nho da evolução. Isto é provado pelo fato de que a religião es-
quanto se é criança, porque não se pode ser de outro modo. A tá morrendo na sua velha forma e a ciência está triunfando,
infância é uma fase necessária na evolução dos indivíduos, pronta para arrastar consigo, em frente, a religião, tão logo a
dos povos e da humanidade. maturação mental do homem o permita.
Hoje, porém, começa-se a entrar na fase da maturidade, pela Para o adulto, tais antagonismos desaparecem, então a reli-
qual se verifica uma mudança da forma mental e da relativa gião se torna cientifica e a ciência se torna religião. O antago-
conduta. Quando essa transformação tiver conquistado a maio- nismo se encontra somente na mente do involuído, que não
ria, o homem do velho estilo, que antigamente constituía a compreendeu o fenômeno. Por sua natureza, a ciência não pode
normalidade, será julgado um subdesenvolvido e a sua conduta ser ateia. Como poderia sê-lo, se a ciência perscruta continua-
será reprovada. A grande diferença entre os dois estilos de vida mente o funcionamento de todos os fenômenos? Ninguém mais
consiste no fato de que, no novo, a inteligência não é usada pa- do que o homem de ciência pode sentir a presença de Deus no
ra servir aos instintos, mas sim com a finalidade de compreen- material que estuda. O ateísmo da ciência, hoje muito diferente,
são. Então a parte melhor, que deve estar à frente da evolução, não é uma negação de Deus, mas apenas uma negação do Deus
passa de serva a senhora, de dependente dos impulsos do in- de tipo antropomórfico, construído pelas religiões para uso das
consciente a dirigente deles. Quando o homem não tinha ainda massas atrasadas, que exigiam semelhante imagem, porque dela
conhecimento nem consciência para se autodirigir, a Lei não ti- necessitavam para seu próprio uso e consumo. É natural que a
nha outro sistema para fazê-lo funcionar segundo os fins que forma mental da ciência, racional e positiva, repelisse tal ima-
ela deve atingir, senão dirigi-lo através de impulsos instintivos, gem. Por isso quem não a aceitou foi declarado ateu, já que es-
como um autômato. Vejamos como ocorre esta transformação. sa imagem representava o próprio Deus.
Começar hoje a usar a inteligência para compreender a A ciência não é contra o espírito nem contra Deus. Ela só
Lei, que tudo dirige, em vez de usá-la para a satisfação dos não pode aceitar os produtos de uma forma mental de sonho
próprios instintos, significa entender o pensamento dessa lei, nem as relativas e instintivas construções fideísticas, não fun-
conhecer as suas diretivas e poder colaborar livre e respon- dadas na realidade. Basta que se dê tempo à evolução, a fim
savelmente com elas, em lugar de tolerá-las cegamente. Com de que as massas atinjam um nível mais alto e o antagonismo
este passo adiante, a posição do indivíduo diante da vida entre a ciência e a fé desapareça. A ciência não é contra a re-
muda completamente. ligião, mas somente contra a forma mental infantil que ela
As consequências de tal mudança da forma mental e da con- usava nas suas concepções.
duta que se lhe segue são importantes. O homem se torna consci- Explica-se assim a atual crise religiosa, que é, na verdade,
ente da presença do pensamento diretivo da existência, compre- um problema de forma mental, e não de religião. Não se aceitam
Pietro Ubaldi A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS 203
mais os produtos das formas mentais do passado, entre as quais preensão e colaboração. A maturação evolutiva leva à criação
está a religião, que está transformando-se, morrendo na sua for- de uma imagem diferente de Deus. A vida deixa que o homem
ma antiga, para assumir outra nova, mais próxima da ciência. De crie aquilo que mais lhe convém para progredir. Um Deus cons-
fato, tão logo aparece a cultura, desaparecem o fanatismo e a su- tituído por um pensamento abstrato, que é a lei diretora do fun-
perstição. Não se trata de uma religião ou de outra, mas da velha cionamento universal, era um conceito inimaginável para o
forma mental, que desaparece em todas as religiões. A atual cri- primitivo do passado, conceito que, portanto, não servia à vida.
se das religiões não é senão um caso particular de uma crise Para este uso, então, ela permitiu que se imaginasse um Deus
universal de valores. Agora é inútil agarrar-se ao velho. O ho- antropomórfico, mais acessível, que satisfizesse à forma mental
mem começa a raciocinar de modo diferente, em todos os cam- de então. Hoje, por idênticas razões, já se pode passar a um ou-
pos, inclusive no religioso. Do mesmo modo que, com a chega- tro conceito de Deus, aceitável para o homem da ciência mo-
da dos novos tempos, não teremos o fim do mundo, mas sim o derna. Quando as velhas representações da verdade não convém
fim do velho mundo, para o nascimento de um novo, também o mais à vida, ela as abandona e as substitui por outras, ainda que
fim do velho modo de conceber a religião fará nascer um novo. as tenha aceitado no passado, quando lhe convinham. Isso não
Este fenômeno, que hoje é natural, pois vivemos atualmen- impede que aos povos e indivíduos subdesenvolvidos ainda
te numa fase ativa de transformismo, era inconcebível antes, possam ser úteis aquelas velhas representações, que os mais
quando se vivia em posição estática. Foi assim que se acredi- evoluídos já superaram. Tudo, pois, está certo, porque cumpre a
tou que a verdade fosse imutável e eterna. Mas depois viu-se sua função a seu tempo e em seu lugar.
que, não obstante tais afirmações, ela mudava. Porém, até que Essa progressão de sucessivas representações permitiu que
isso ocorresse, não era possível compreender que a verdade é se pudesse obter uma sempre mais verdadeira concepção da
relativa e está em evolução, entendimento já alcançado hoje, divindade. É preciso, no entanto, reconhecer que a presença
porque a vida nos mostrou esta posição diferente. Assim é ex- de uma fase inferior precedente é necessária, para que se pos-
plicável a surpresa de quem agora ainda pensa com a velha sa superá-la. É o que ocorre hoje. Encontramo-nos, de fato,
forma mental. Não se trata da clássica luta entre religiões ou num período de passagem do velho ao novo. O primeiro é fei-
contra uma heresia, onde se permanece no mesmo nível men- to de fé e sonho (fase mitológica, infantil). O segundo é feito
tal, mas sim de uma passagem para outro nível, razão pela qual de razão e realização (fase científica, adulta). O primeiro po-
o velho cai por si mesmo, sem ataques destrutivos, abandona- deria ser comparado à intuição dos poetas, aos contos de fic-
do pela vida às margens do caminho da evolução. Está aca- ção cientifica; o segundo, à técnica realizadora das descober-
bando o espírito antirreligioso de outrora entre grupos antes tas dos cientistas. O primeiro é fantasia, que, sonhando, ante-
guiados pela mesma forma mental, que em todos eles foi se cipa (Julio Verne descreve a viagem à Lua). O segundo é ci-
transformando, assemelhando-os no mesmo modo de pensar, ência, que concretiza o sonho (os primeiros astronautas desce-
muito diverso do que foi no passado. Hoje, as diferenças e an- ram na lua em 20 de junho de 1969).
tagonismos percebidos não acontecem entre os diversos méto- Para conhecer qual poderá ser a nova religião do futuro, po-
dos e verdades, mas sim entre planos e períodos diversos, isto demos estabelecer a seguinte proporção: os romances de ficção
é, entre aqueles que opunham ciência e religião e aqueles para científica preludiam a positiva realização da técnica científica
os quais a religião se torna ciência e a ciência religião. assim como a fé na mitologia religiosa antecipa a positiva reli-
Somente hoje se compreende que o velho estilo de vida es- gião científica do porvir.
tava errado. Mas, para chegar a isso, era preciso tornar-se adul- Por analogia, pode-se deduzir da primeira parte da propor-
to. Não se pode compreender os erros das crianças senão quan- ção, isto é, do conhecimento dos dois primeiros termos e suas
do nos tornamos diferentes delas, apartando-nos da velha forma relações, o valor da incógnita, que é o quarto termo. Este não
mental, para adquirir uma outra. Enquanto o homem permane- contradiz o terceiro, mas confirma-o, uma vez que é constituído
cer criança, ele acha justa a sua conduta infantil. Para se dar pelo seu desenvolvimento. Assim, o novo tipo de religião não
conta de um erro, é preciso experimentar-lhe as consequências. destrói o velho, mas continua levando-o mais adiante.
Enquanto isso não ocorre, tudo vai bem, porque os resultados Chegando a esse novo nível, o homem atingirá uma compre-
são favoráveis e não perturbam. Antigamente bastava que se ti- ensão que hoje ainda não tem. Deslocar-se-á o plano de seu co-
vesse uma boa fachada, não importando o que estava atrás. E, nhecimento, e ele se tornará consciente do funcionamento uni-
por muito tempo, esse sistema andou bem, sem que ninguém o versal e de sua posição nele. Compreenderá, com forma mental
acusasse de hipocrisia. Se, hoje, não se houvesse compreendido positiva, que a desordem do caos do AS, em que está situado, é
os danosos efeitos daquele sistema, ninguém pensaria em corri- apenas aparente e de superfície. Ele descobrirá que, na fenome-
gi-lo, e estaríamos ainda satisfeitos com as velhas posições. nologia universal, há uma íntima realidade, constituída pela pre-
Isso não quer dizer que a fé, sustentáculo da religião, deva sença do S na profundidade do AS, ou seja, verificará a presença
acabar. Se ela existe, significa que tem uma função e que deve de uma ordem perfeita e inviolável, à qual está sujeita a desor-
ser reconhecida, porém situada no lugar que lhe cabe. A ciên- dem do AS, que é enquadrada, disciplinada e dominada por ela.
cia, com a mente racional e objetiva, desempenha a função de Portanto o mal que reina no AS constitui apenas uma posi-
indagar para compreender e, depois, aplicar com a técnica as ção periférica do ser, enquanto a posição central é formada
suas descobertas, utilizando-as para a vida. A fé, como o senti- pelo S, que estabelece um núcleo vital oposto ao mal, isto é, o
mento e a intuição, desempenha a função de revelar realidades bem. Se assim não fosse, o AS, com o seu negativismo, já te-
espirituais inacessíveis à razão, lançando pontes para o futuro ria sido destruído há tempo. Eis que, no centro dessa negativi-
da evolução. As funções da ciência e da fé são, pois, distintas, dade, encontra-se a positividade do S. Isso significa que, den-
mas complementares. O conflito nasce quando uma quer substi- tro desse invólucro de mal, acha-se um núcleo de bem. Assim,
tuir a outra, invadindo o seu campo, isto é, quando a fé quer no íntimo desse turbilhão de mal, dores, ignorância, morte,
eliminar o trabalho da razão, impondo mistérios, e a ciência trevas etc., há um centro feito de bem, felicidade, conheci-
procura paralisar o trabalho da fé, suprimindo suas intuições. A mento, luz, vida etc. Não fomos separados dos mananciais da
função de ambas, no entanto, é colaborar, ajudando-se mutua- existência, pois eles continuam a ser irradiados para nós atra-
mente, para o mesmo fim, que é avançar no mesmo caminho. vés da cortina da negatividade do AS, mas apenas podem nos
A passagem da fase infantil à posição de adulto leva a um alcançar na medida permitida pela transparência de nossa at-
modo de perceber e comportar-se diferente. O método do pas- mosfera, que se faz cada vez mais sutil, quanto mais, subindo
sado, de luta entre as religiões rivais, é substituído pela com- para o centro, evoluímos para o S.
204 A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
Tudo o que existe é atraído por este centro e movimenta-se guinte, resultados diversos. Conhecer a técnica de tal fenôme-
em sua direção. Esta atração determina e canaliza para o centro no pode ser útil na procura do sucesso, problema hoje consi-
o movimento evolutivo de retorno ao S. Em outras palavras, a derado da maior importância. O homem, em geral, segue o
grande esperança é esta via de salvação, dada pela presença método egocêntrico, separatista, próprio do AS, fazendo-se
imanente de Deus, que realiza esse prodígio do fenômeno da centro e lutando contra todos, para superá-los e sujeitá-los.
evolução, com a função universal de curar todo o mal e negati- Ele se sente elemento isolado no caos, onde busca impor a
vidade que existe no AS. Eis que, mesmo nas profundezas do própria ordem e tornar-se o centro dela, tentando dobrar tudo
AS, subsiste a presença de um fundamental impulso sadio, que à sua vontade. Ora, num mundo regulado por leis que não
irradia vida e saúde no organismo enfermo, para curá-lo. A admitem ser violadas, um tal comportamento é absurdo e de-
grande descoberta do homem já adulto consistirá em adquirir sastroso, porque, neste contínuo choque com a vontade da
consciência da presença do S, encontrando no fundo do AS a Lei, também decidida a impor a sua ordem, quem paga é o
primeira fonte da existência. Então a ciência compreenderá a homem, o mais fraco. A vida sabe o que quer. Ela maltrata
Lei e terá encontrado Deus. quem desobedece, mas ajuda quem a segue.
Os astronautas russos se gabaram de não ter encontrado Completamente diferente é o rendimento do próprio trabalho,
Deus no céu, onde se diz que Ele está. Talvez pensassem que conforme seja ele realizado indo contra ou a favor da corrente da
encontrariam um Deus com imagem humana. Mas encontra- Lei. Enquanto, no primeiro caso, o esforço se consome em atritos
ram leis, leis e leis, às quais prestaram completa obediência. contra ela, no segundo caso o rendimento é maior, pois evita-se o
Estas leis revelam a presença de um pensamento sábio e ex- desgaste. Desde que se seja evoluído, viver no AS não quer dizer
pressam uma vontade de ferro, e isto é Deus. Eles O tocaram que não se possa viver em profundidade, na ordem do S, seguin-
e não O viram. do-lhe os métodos. Mas é preciso não só ter compreendido que
Acontece que Deus não pode ser procurado no exterior, fo- há uma lei, mas também saber viver em função dela, e não de si
ra do ser, mas apenas no interior das coisas, no âmago dos fe- próprio. O ponto de referência da vida é completamente diverso
nômenos da ciência, no íntimo de nós mesmos. Esta afirma- nos dois casos. Num caso, esta referência é a Lei; no outro, é o
ção é confirmada pela existência de fatos concomitantes, já próprio eu. Resultam assim dois tipos de vida diversamente ori-
explicados por nós, mostrando-nos que a evolução vai do AS entados, com as relativas consequências.
ao S; que o S está no interior do AS; que a evolução, portanto, Em nosso mundo, o melhor é o mais forte, aquele que, com
procede para o interior, onde está o S; que o S é de natureza a sua potência, sabe vencer a todos num regime de caos. Se-
espiritual e que, assim, a evolução leva à espiritualidade. Des- gundo o outro tipo de vida, num regime de ordem, o melhor é
se modo explica-se por que a evolução consiste num desen- quem tem mais méritos, por ter conquistado valores pessoais,
volvimento nervoso, cerebral e mental. Portanto Deus, que é os quais põe a serviço de todos. Tal indivíduo sabe que tudo é
pensamento, está e deve ser procurado no íntimo do ser. controlado pela sabedoria da Lei, que não admite violações e
Assim a evolução é um despertar de qualidades espirituais, é castiga os transgressores. Muitas vezes o homem, acreditando
uma reconstrução da parte interior do ser, decaída mas perten- vencer por ser inteligente e forte, não se dá conta que, na ver-
cente ao S. A evolução consiste, antes de tudo, neste despertar e dade, é a vida que, identificando nele certas qualidades, o lan-
nesta reconstrução, isto é, no desenvolvimento psíquico da per- ça para o alto, utilizando-o como instrumento para fazer um
sonalidade, e somente como consequência deste aprimoramento trabalho útil, ao qual ele é adequado. O problema então não é
do psiquismo cuidará do desenvolvimento do organismo, que é mais saber como vencer sozinho, mas sim conhecer a Lei, a
apenas um instrumento de manifestação e experimentação dessa sua vontade, a própria posição em relação à realização de seus
personalidade. Assim, em substância, a evolução consiste numa fins e as razões pelas quais se cumprem tais lances, identifi-
espiritualização do ser, entendida como desenvolvimento psí- cando o impulso e a estrutura da onda pela qual se deve ou não
quico. Conceituamos aqui a espiritualidade em lato senso, como ser levado ao alto, como e por que.
faculdade de pensar e compreender pela aquisição de conheci- Então o sucesso na vida e em todo campo depende de um
mento, e é neste sentido que a ciência conquista seu espaço. cálculo mais complexo, que não leva em conta somente as pró-
Assim se explica por que o homem deve procurar Deus prias forças e as resistências do ambiente contra o qual se deve
dentro de si mesmo, mas se explica também por que ele O lutar, mas calcula também a estrutura, direção e o impulso pro-
procura fora. Trata-se de um comportamento próprio do AS, pulsivo das correntes da vida, às quais deve juntar-se para su-
sendo, portanto, natural que essa busca seja feita de modo in- bir. No futuro, diante de um empreendimento de qualquer gêne-
vertido, centrífugo e enfermo, no sentido oposto ao ser ínte- ro, bélico, comercial, político, religioso etc., serão levados em
gro, são e centrípeto, que está dirigido para o S, de onde não conta, com uma exata técnica de previsões, também estes fato-
procura fugir. Por essa razão sabemos agora qual a postura res, hoje confusamente relegados ao imponderável. Se Napo-
correta que deveria ser assumida. Mas é natural que o homem leão e Hitler tivessem feito este cálculo, não teriam falido, por-
se comporte justamente de modo contrário, porque ele está que a vida não os teria abandonado, como quando tentaram im-
mergulhado no AS e não pode senão seguir-lhe os métodos. por o próprio egocentrismo, para seguir seus fins egoísticos,
Tal posição dos elementos do fenômeno leva também a uma sobrepondo-os à finalidade da vida. Eles caíram porque não
outra consequência, porquanto, da presença do S no centro do sustentavam mais a causa do impulso que os tinha lançado para
AS, isto é, do Deus imanente em nosso universo, conclui-se que o alto. Se eles tivessem se retirado a tempo, logo que houves-
tudo, no seu íntimo profundo – nas suas raízes, que estão no ní- sem terminado o trabalho para o qual a vida os protegia, não te-
vel do S – é perfeito, ainda que essa perfeição fique escondida riam falido, como ocorreu quando subverteram a própria mis-
por uma crosta de imperfeição, tanto maior quanto mais o ser são, para se tornarem o centro do próprio desejo de grandeza.
está imerso no AS, isto é, longe do S. Isso significa que, mesmo Entretanto alguns indivíduos, mesmo sendo considerados na
quando ocorre o contrário na superfície e a aparência seja dife- história personalidades de pouco valor, fizeram sucesso devido
rente, tudo, em substância, funciona para o bem maior do ser e ao fato de terem sido elevados pela onda da vida, porque servi-
para o melhor rendimento do seu progresso. am à sua finalidade. Assim, explica-se também como homens
◘◘◘ de grande valor não tenham sido reconhecidos, pois, vivendo
Observemos agora as consequências práticas a que levam fora do tempo, encontravam-se na descida da onda.
tais conceitos. Deles deriva uma nova visão da vida, que leva Há uma outra diferença entre os dois métodos. A ação do
a assumir uma nova posição diante dela, trazendo, por conse- mundo, sendo de tipo AS, produz resultados transitórios, tanto
Pietro Ubaldi A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS 205
mais instáveis quanto mais baixo o nível biológico em que se prios deveres e presta contas do que faz diretamente ao tribu-
opera, onde, pelo menos aparentemente, é mais forte o estado nal de Deus, tornando-se autossuficiente diante do mundo. O
de caos e de luta no transformismo do AS. De fato, o mundo es- seu sucesso, o fruto pelo qual trabalha, é superior, espiritual e
tá cheio de falências e desilusões, não se sabendo o que valem mais íntimo, consistindo em valores imperecíveis, que não se
as suas conquistas, já que estas não duram. Ao contrário, o mé- pode perder. É certo que o crescimento é fundamental instin-
todo de quem se ajusta à Lei, pelo fato de se projetar na direção to da evolução. Crescer é desenvolver-se e subir. Mas cresce
do S, produz resultados duradouros, definitivamente nossos, de verdade aquele que cresce nos valores espirituais, e não
dos quais ninguém, nem mesmo a morte, poderá privar-nos. quem cresce apenas nos valores materiais. Concentrar-se em
Tais resultados não são como os do mundo, anexados ao exteri- si e para si é antissocial, e o é contra as leis da vida, porque,
or, mas sim assimilados como qualidades nossas, constituindo queira ou não, vivemos coletivamente num organismo, cada
valores espirituais definitivamente adquiridos. um como uma roda num relógio, que não se pode tornar
Tentemos aplicar estes conceitos de forma ainda mais par- egoisticamente maior sem perturbar o funcionamento na or-
ticular. Estas observações não são para aqueles que, embria- dem e, portanto, ser obrigada por essa ordem a reentrar nas
gados pelas fáceis vitórias, creem numa vida terrena de triun- suas justas dimensões. Uma tal roda desajustada acaba sendo
fo, mas sim para aqueles que já experimentaram bastante a jogada fora do relógio. Será vantagem, no entanto, aperfeiço-
dureza da realidade. À luz das precedentes considerações, ve- ar-se dentro dos seus limites, tornando-se assim sempre mais
jamos se é virtude ou defeito o desprendimento do fruto do valorizado, porque apto a melhor cumprir a sua função.
próprio trabalho. Num mundo em que tudo é transitório, o Devemos esclarecer que crescer como valor espiritual não é
problema da durabilidade é fundamental. A primeira e mais entendido aqui no sentido de isolar-se do mundo, a exemplo do
espontânea resposta a esse quesito é que tal separação não é, místico ou anacoreta, que se ausentam da realidade da vida. Por
como os moralistas podem sustentar, uma virtude. Cada traba- valor espiritual entendemos também o fruto da atividade mental
lho deve prefigurar um fruto, como resultado que o justifique. do cientista e do pensador, do dirigente de uma indústria ou de
A própria vida é utilitária e não gasta suas energias exceto pa- qualquer outra organização social. Como valor espiritual enten-
ra produzir alguma coisa. É a ligação a esse fruto que nos sus- demos o fruto de toda a atividade que desenvolve a inteligência.
tém no esforço de cumprir aquele trabalho. Então aquela dis- É indiscutível que a nossa vida atual pode ter verdadeiro valor,
tância passa a ser um mal, porque elimina até mesmo a nossa se vivida em função de uma a meta a atingir, sem o que a vida
vontade de trabalhar e nos leva à inércia. fica sem sentido. Cuidemos, portanto, de vivê-la com inteligên-
É inegável, porém, que vivemos num mundo de tentativas, cia, percorrendo de maneira orientada, e não de forma cega, o
onde não há garantia de se conseguir a posse do fruto do pró- caminho evolutivo que a constitui. No entanto estamos longe de
prio trabalho. É fácil então ficarmos desiludidos, de mãos vazi- negar a vida terrena, fazendo dela um exílio, enfrentando-a so-
as, depois de ter feito tanto esforço. Encarado sem egoísmo, mente de forma negativa, para fugir ao trabalho criativo que
desprender-se pode até nos ser útil. Mas, se ele nos retirar a ela, com a sua experimentação, representa. Se a vida terrena
vontade de trabalhar e nós, para evitarmos desilusões, não fi- existe, é porque tem os seus fins. É preciso evitar o excesso de
zermos mais nada, então cairemos no pior dos sistemas. Como quem a apresenta como fim em si mesma, usufruindo dela todo
se resolverá o problema? o prazer, com o argumento de que tudo acaba com a morte.
A maior parte dos resultados que se almeja atingir na Terra Mas é preciso também não cair no excesso oposto, que apresen-
pertence a esse plano de evolução e são de natureza caduca e ta a vida como uma pena, para suportar um mal que é necessá-
ilusória. Frequentemente acabam num engano, seja porque se rio sofrer, a fim de subir aos céus. Na Idade Média pecou-se no
trabalha, mas não se chega ao resultado e, com isso, à satisfação segundo sentido. Hoje peca-se pelo oposto. A Lei, no entanto,
sonhada, seja porque eles, por natureza, não são duradouros. O engloba tudo e funciona na Terra como no Céu.
melhor seria dirigir-se à conquista de valores superiores, que Então continua-se a trabalhar no mundo como quem é do
não são exteriores, mas sim íntimos, fazendo parte da própria mundo, mas com outro ânimo, com uma outra visão da vida e
personalidade, pois constituem as suas qualidades adquiridas e de seus fins. Funciona-se, aparentemente, como os outros, mas
permanentes. Isso, porém, não impede que mesmo o trabalho evitando fazer-se centro de tudo, mantendo-se, ao contrário, em
voltado para resultados falhos ou fictícios tenha sua utilidade, posição subordinada à Lei e aos fins da vida. Faz-se isso não
pois serve como experimentação, cujos resultados se fixam na por princípios ideais ou morais, em que se pode crer, mas por-
personalidade do indivíduo. É neste sentido que até mesmo a que este é o caminho mais seguro e, portanto, é útil segui-lo,
corrida atrás de riqueza, poder, prazeres e glórias pode ter sua argumento que todos compreendem. A posição de quem está
utilidade, se bem que tais coisas redundem sempre em ilusão. orientado é completamente diferente de quem está sem orienta-
Devemos condenar quem trabalha nesse nível? Não, pois ção. Sucede então que, se o indivíduo chega a se defrontar com
este é o seu plano evolutivo e ele não saberia fazê-lo de outra o insucesso no plano material, ele não se sente atingido por is-
maneira. Não se pode culpar uma criança de ser inexperiente e so, pois o que perde então não é o fruto que queria conseguir.
de não saber trabalhar de outro modo. Além do mais, este ser Tendo em mira outra realização, em outro plano, ele atinge o
está sujeito a sofrer provas, erros e sanções que lhe são úteis, seu fim, mesmo que no mundo tenha falido. Isto lhe confere
porque lhe servem para experimentar e evoluir em proporção ao uma força e uma superioridade que o outro tipo não possui.
seu nível de ignorância e sensibilidade. Assim, ele também se Quando se cumpriu fielmente o próprio dever diante de Deus e
realiza a si mesmo, tal como é, pois, mesmo enganando-se, se sente, no mais fundo de nossa consciência, que Ele o aprova,
atinge os fins que a vida deseja. a finalidade maior já foi alcançada e o fruto melhor fica conos-
Vejamos agora como funciona o indivíduo do outro tipo. co. O que ficou perdido é o resultado exterior, transitório, que
Antes de tudo, para ele, os resultados que consegue são inde- se destina a passar e que fatalmente, mais cedo ou mais tarde,
pendentes do juízo, aprovação ou condenação por parte do passará. A perda é, pois, leve e fácil de ser consolada, porque o
mundo, atitude rara, já que a maior parte teme este juízo e, ganho maior fica conosco, intacto e definitivo.
para evitá-lo, enquadram-se na conformidade, impondo-se O fruto espiritual obtido com o trabalho realizado consiste
limitações. Mesmo esse tipo de homem, como todos os de- em: 1o) Tê-lo feito honestamente e com convicção, para um fim
mais, está ansioso de sucesso. Mas sucesso em que? Ele está superior; 2o) Tê-lo realizado para o bem do próximo; 3o) Havê-
preso ao fruto do próprio trabalho, mas que fruto? Encontra- lo cumprido como dever, sem qualquer interesse ou recompensa
se livre da opinião alheia, porque tem consciência dos pró- material; 4o) Tê-lo feito bem e com zelo; 5o) Ter aprendido, le-
206 A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS Pietro Ubaldi
vando consigo, através de novas atitudes, o conhecimento adqui- são incapazes de resolver. Porém também é certo que alguns
rido. Tudo isso permanece como nosso patrimônio, constituído indivíduos excepcionais, sabendo pensar, têm necessidade de
pelo mérito adquirido diante da justiça da Lei, valor que fica uma representação mais avançada, que mais se aproxime da re-
como propriedade permanente, em benefício de quem o ganhou. alidade e mais exatamente exprima o conceito verdadeiro de
O fruto do trabalho consiste também nas boas qualidades Deus. Portanto é bom expô-la, a fim de que as pessoas come-
assimiladas pela personalidade, que constituirão os futuros ins- cem a habituar-se a essa nova aproximação, com uma visão
trumentos da sua potência. É assim que se constrói o homem mais clara, porque este é o objetivo da evolução, que deverá ar-
superior, dotado de inteligência, boa vontade, honestidade, es- rastar, com o seu impulso, todos os seres ao futuro. Sei bem que
piritualidade, altruísmo, senso de dever, capacidade construtiva essas afirmações não são adequadas para conquistar a populari-
etc. A aquisição de tais qualidades significa evoluir para um dade de um escritor, mas, quando um indivíduo chega a com-
plano mais alto, em que a vida é menos dura. O homem se torna preender, mesmo se às massas não interessa essa compreensão,
mais livre, autônomo, senhor do seu destino, consciente dos permanecendo surdas às suas palavras, ele deve falar, a fim de
seus movimentos, que são dirigidos para o bem. Desse modo se que possam compreender aqueles que já estão capacitados e,
alcança o maior resultado possível em uma vida: subir um de- muitas vezes, ansiosos por tal alimento. Por isso quisemos ofe-
grau na escada da evolução. Trata-se indiscutivelmente de recê-lo com a convicção de cumprir um dever em relação àque-
grandes vantagens. Mas, para poder usufruir disso, é preciso ter les que estão maduros, porque lhes pode ser de vital importân-
alcançado o grau de inteligência necessário para compreender a cia, embora seja indiferente para os involuídos.
utilidade de adotar esta nova técnica de vida. Este novo conceito de Deus não é o clássico do Deus Se-
Nem por isso os outros resultados terrenos perdem o valor, nhor, que castiga e comanda arbitrariamente e a quem os de-
mas ficam subordinados àqueles outros, o que nos livra de toda pendentes obedecem por temor. Trata-se do conceito de um
a amargura e desilusão, quando se revela a sua caducidade. Deus ordem, que é a sua Lei, à qual Ele, primeiro que todos,
Uma vez esclarecidos os equívocos, eles não são desprezados obedece, porque obedece a si mesmo; Lei à qual, seguindo este
ou negligenciados, nem supervalorizados, mas simplesmente exemplo, todos obedecem, porque nisto está seu bem. Quando
colocados no seu justo lugar, tendo sua função reconhecida e conseguimos compreender que Deus é uma lei, uma espécie de
apreciada. Assim, cada tipo de atividade é introduzido, em to- pensamento diretor e ação que opera dentro de nós, em torno de
dos os níveis, na grande corrente de forças animadoras do orga- nós e em tudo o que existe, não nos encontramos mais diante de
nismo da vida e, segundo sua natureza e qualidades, dá os seus um Deus ausente, isolado em sua glória nos céus, mas diante de
frutos na mesma proporção. Tudo isso é conhecido pelo homem algo positivo e real, pois O vemos funcionar vivo conosco. En-
que se põe diante de Deus e vive consciente diante da Lei. tão Deus não está presente apenas por um ato de fé, nem existe
somente enquanto Nele se crê, mas é um fato perceptível e con-
CONCLUSÃO trolável, tornando-se uma inteligência com a qual se pode racio-
cinar, questionar e obter respostas. Como isso ocorre, já expli-
Chegamos ao fim desta obra. A teoria básica foi desenvol- camos suficientemente neste livro. Não se trata de crer, mas de
vida nos volumes: A Grande Síntese, Deus e Universo, O Sis- ver. E como não perceber a presença deste Deus, quando Ele é
tema, A Lei de Deus, Queda e Salvação e Princípios de uma uma lei na qual estamos todos mergulhados e só existimos en-
Nova Ética. Os outros volumes completam essa teoria, desen- quanto integrados no seu funcionamento?
volvendo problema colaterais. Na última parte da Obra, como Dissemos que esta lei é o S, que permaneceu incorrupto, o
já foi anunciado no prefácio deste volume, descemos ao terre- Deus imanente, presente mesmo no AS, para salvá-lo. Tudo,
no das consequências e aplicações práticas dos princípios antes assim, é lógico e claro. Neste conceito de Deus-Lei poderão
afirmados e demonstrados nos citados volumes. Assim, a teo- finalmente fundir-se, completando-se, os dois polos opostos
ria de base encontra aqui uma espécie de controle experimen- da mesma unidade: a religião, que só vê o espírito, e a ciência,
tal, ao ser posta em contato com a realidade dos fatos. Estes que só vê a matéria. A ciência já entrevê a existência de um
não a desmentiram e ainda a confirmaram plenamente. outro universo feito de antimatéria, que constituiria a outra
Chegamos com o presente volume, resolutivo do problema metade, espiritual, complementar do universo material que
básico de nossa vida, ao racional enquadramento do indivíduo conhecemos. Será possível, assim, sair da nebulosidade da fé
no funcionamento orgânico do universo onde vive, seguindo a e entrar conscientemente, de olhos abertos, em contato com o
lei de Deus, que dirige esse funcionamento e o realiza. Defron- pensamento de Deus, ao menos na parte que mais atinge a
tamo-nos, desse modo, com um novo método de vida, baseado nossa existência, aquela que interessa ao nosso trabalho de re-
na sua racional planificação e dirigida para a sua meta final, a denção. E o conhecimento da técnica funcional dos fenôme-
redenção. Tal método constitui uma técnica de salvação. Já es- nos do espírito nos induzirá a uma conduta mais sábia, que,
crevemos um volume com o título: A Lei de Deus, mas não bas- evitando o erro, evitará também a dor. Aprenderemos assim,
ta afirmar que tal lei existe. É necessário mostrar, nas particula- racionalmente e cientificamente, a nos redimirmos, conhecen-
ridades, a técnica do seu funcionamento, porque o segredo de do a técnica do processo de salvação.
nossa salvação consiste em saber funcionar de acordo com a Lei. Quando os astronautas vão ao espaço, sabem bem o que
Por isso escrevemos o presente volume, além do citado acima. acontece se não observarem as leis. Por isso a ciência as estuda
Este novo estudo nos leva a um mais alto conceito de Deus, e ninguém pensa em desobedecê-las. No campo moral, igual-
mais verdadeiro que o atualmente possuído, um conceito inde- mente regido por leis, o homem se propõe violá-las, e nisto
pendente das divisões religiosas humanas, conceito universal, consiste a sua bravura. Os desastres que se seguem mostram,
porque alcançável através das vias racionais da ciência. Uma com os fatos, como é grande a sua inconsciência. A sabedoria
concepção antropomórfica da divindade é necessária às massas consiste em entrar no jogo da Lei, secundando-a, e não em es-
subdesenvolvidas, que, para poder imaginá-la, precisam reduzi- tabelecer contra ela contrastes e oposições, porque neste caso,
la ao seu nível mental. Para tais seres, a necessidade de com- sendo a Lei mais forte, o indivíduo sempre levará a pior.
preender um conceito não é um fator básico para aceitá-lo, e is- Estas conclusões modificam a concepção comum da vida, e
to exclui o conceito da Lei, que para eles é uma abstração in- passamos então a vê-la não mais em função do AS, mas em fun-
concebível, ainda que corresponda à verdade. Eles preferem ção do S, de forma positiva. A dor não é mais entendida como
crer, aceitando de outros soluções já prontas, porque é cansati- uma condenação, mas como uma escola, e pode ser usada pelo
vo pensar e resolver por si problemas que, naturalmente, ainda sábio como instrumento de evolução. A Lei não é uma pessoa
Pietro Ubaldi A TÉCNICA FUNCIONAL DA LEI DE DEUS 207
que possa ser ofendida e, por isso, imponha punições para se entendido como acusação malévola, mesmo que a finalidade se-
vingar, e muito menos ainda é alguma coisa que se faça funcio- ja justamente a oposta. Tenta-se salvar, e se é tomado por críti-
nar com fingimentos. A Lei é um sistema de forças que não po- co agressivo, sendo a boa vontade entendida como orgulho,
de ser movimentado pelas aparências, mas somente pelos fatos, como uma indevida intromissão, uma falta de respeito pela li-
por nossas ações. A esperteza de disfarçar a realidade com a hi- berdade alheia. Num regime de luta, querer impor uma virtude
pocrisia de nada serve. Trabalha-se sobre a realidade, em que a ao próximo significa impor-lhe uma limitação, contra a qual ele
forma não vale, e sim a substância. No campo da moral, cheio se rebela, porque aquela limitação, em geral, é benéfica a quem
de mentiras, tais conceitos representam uma revolução, de modo a prega e pesada para quem a pratica.
que fingir é inútil, sendo antes um mal que o indivíduo inflige a Perguntei-me então: é possível que a aplicação da lei de
si mesmo e cujos efeitos danosos podem ser calculados. Cai as- Deus deva depender de quem a prega? Como poderia isto
sim toda a técnica de simulação tão aperfeiçoada pelo homem, e acontecer, se de fato tão pouco se obedece à palavra? Como a
torna-se necessário inaugurar um sistema mais rendoso e menos Lei deve funcionar? Deus seria vencido pelo caos do AS?
dramático, fundamentado na clareza e na sinceridade. O homem Olhando bem, vi que a Lei não tem necessidade de pregador
consciente da Lei se sente sempre na presença de Deus e sabe para funcionar. Ele pode ser útil para advertir, transmitir a
que nada Lhe pode esconder. Ele não usa mais as tantas escapa- ideia, mas não representa a força decisiva, que determina a
tórias absurdas com as quais os subdesenvolvidos creem evadir- atuação. O que leva necessariamente à aplicação da Lei não
se da Lei, e assim evita tantos erros e tantas dores. Ele sabe que são as palavras, mas os fatos, não são as ameaças de pena, mas
cada um, automaticamente, provoca o próprio prêmio ou a pró- as penas reais que atingem os transgressores, as quais repre-
pria condenação, na justa medida, segundo o próprio mérito. Tal sentam o único discurso suficientemente claro para ser com-
resultado é infalivelmente atingido por todos, qualquer que seja preendido por todos. Entendido o problema, deixei as exorta-
a sua fé, em qualquer tempo e lugar. ções, convencido de que a Lei sabe ensinar por si só, e me pus
A presença da Lei, ou seja, do S ou do Deus imanente em a demonstrar como automaticamente ela sabe fazer-se respeitar
nosso universo, como íntima sabedoria, corrige-o e leva-o à e pôr-se em prática por si mesma. Vi que a Lei já contém o
salvação, transformando-o em um universo substancialmente remédio do mal e sabe atingir seus fins, nada havendo a acres-
perfeito, não obstante a sua imperfeição de superfície. Os seus centar-lhe, de modo que não me restou senão, na posição de
males e dores são, de fato, reduzidos a um elemento transitório, espectador, a obrigação de, por sentido de dever, limitar-me a
eliminável por meio da evolução. O transformismo tem tendên- contar, a quem pode ser de utilidade, o que vejo ocorrer.
cia corretiva. O real senhor do caos do AS é a ordem do S, que Assim, em vez de denunciar as culpas do mundo, sobre as
continua a funcionar no íntimo do AS. A presença de Deus é quais nada posso fazer, exigindo de quem não quer aceitar,
um fato positivo, porque canaliza todos os fenômenos, condu- admiro a perfeição da Lei, que sabe, com os seus meios bem
zindo-os aos caminhos estabelecidos para os fins desejados. persuasivos, justos e proporcionais à insensibilidade humana,
A descoberta desta verdade traz um significado profundo à corrigir e assim salvar o mundo, mesmo que este não o deseje.
vida, faz dela um instrumento de grandes conquistas, um meio Desse modo, terminou aquele meu sofrimento – que não havia
para atingir fins altíssimos, enquanto dá ao indivíduo um ab- razão de ser – com o mal e o erro existentes, pois estes são
soluto sentido de segurança, de quem sente a presença de corrigidos pela dor, que anula o seu poder destrutivo. Na con-
Deus regendo tudo com justiça. Cai, então, toda a grande Ma- vicção de que o mal não tem nenhum poder para vencer, pois,
ya, toda a ilusão que envolve o mundo, e compreende-se o jo- mesmo no inferno do AS, Deus é o senhor, encontrei a paz,
go e a diversa realidade que está por trás dele. Tornamo-nos porque agora sei que cada coisa está no lugar que lhe cabe, sei
sábios e não caímos mais nos seus enganos. Sabe-se que o que a ordem permanece, faça o homem o que fizer ou diga o
homem, quando, com os métodos do AS, crê vencer, perde e, que disser. Senhor para cometer erros, mas servo para pagá-
quando crê que perde, vence. O jogo está todo na imersão do los, o que nada altera na justiça de Deus, antes constitui a sua
S no AS e no endireitamento do AS em S. Basta assumir a po- realização. A minha alma agora repousa na contemplação da-
sição do S, para colocar cada problema na posição correta. In- quela maravilha que é a perfeição da lei de Deus e na sensa-
feliz é quem goza, afirmando-se nos caminhos de decadência ção da sua imanência salvadora.
do AS, porque está involuindo. Afortunado, porém, é o ser Esta visão do triunfo do S sobre o AS, do bem sobre o mal,
que se afirma nos caminhos ascensionais do S, porque está de Deus sobre tudo; a constatação da impotência do homem pa-
evoluindo. A salvação está na evolução. Para cada ato nosso, ra ofender a Deus, como ele no seu orgulho crê ser possível,
há, por obra da Lei, uma contabilidade de débito e crédito jus- achando-se capaz de alterar alguma coisa da Lei; a sensação da
ta e exata no banco de Deus. presença de Deus, viva e inviolável, ininterruptamente agindo
Tudo isso ocorre automática e perfeitamente, sem que haja dentro de nós, constituem a minha maior segurança e garantia
necessidade da intervenção de qualquer censor ou moralista pa- de vida, a grande alegria de encontrar, como conclusão, no final
ra impô-lo. Estes se exprimem com palavras, às quais se res- de tão longo caminho, tudo isso no vértice da Obra.
ponde geralmente com outras palavras, fingindo obediência. A
Lei não pode ficar à mercê desse jogo. Ela é um funcionamento S. Vicente (S. Paulo) Brasil, Páscoa 1969.
real, que ninguém tem o poder de deter, e responde à substân-
cia, para a qual as palavras não contam. Eu mesmo, movido pe-
lo desejo de ver os outros melhorarem, insisti em alguns escri- FIM
tos passados, com finalidade corretiva, na denúncia dos defeitos
alheios. Num ambiente de luta, como é o humano, isso pode ser
Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 209
O leitor poderá dizer: mas eu não creio em Deus! Não tem
PENSAMENTOS importância. Pedimos apenas para que observe os fatos, pois
eles nos mostram como funciona a vida. É pueril pensar que o
fato de crer ou não crer em nossas filosofias ou religiões possa
PRIMEIRA PARTE modificar tal realidade. Ora, esse funcionamento contínuo, con-
creto e experimentalmente controlável, mostra-nos de forma ra-
COMO ORIENTAR A PRÓPRIA VIDA cional a presença de conceitos diretivos, sem os quais o fato po-
sitivo de tal funcionamento não se poderia realizar. Assim cada
um pode verificar a presença desses princípios e constatar que
INTRODUÇÃO – ORIENTAÇÃO eles são antepostos à manutenção de uma ordem. Quem ama,
acreditando, verá neles Deus; quem é ateu deverá admitir a pre-
A finalidade deste livro é oferecer, sobretudo aos jovens, sença deles, ainda que negando Deus. Na prática, porém, afir-
um modo para se orientar na vida, a fim de que ele, depois de mar ou negar a Sua presença não altera coisa alguma, porque
ter entendido como ela funciona, possa autodirigir-se. Procu- todos obedecem àquelas leis, sejam ou não de qualquer religião.
ramos estabelecer um diálogo com base na inteligência, na Não entramos na teoria geral do funcionamento da vida,
sinceridade e na boa vontade. pois isto nos levaria muita longe, além do que já tratamos am-
Usamos este método e o aconselhamos ao leitor, porque é plamente disso alhures. Aqui, queremos ser simples e práticos.
de seu interesse usá-lo. Acreditamos ser vantajoso para todos Permaneceremos, portanto, ligados à realidade exterior, aquela
eliminar o velho, fatigante e contraproducente sistema dos que mais tocamos com as mãos. Quem quiser aprofundar o co-
atritos entre contrários. Não nos fazemos de preceptor que nhecimento de tais problemas, analisando-os em seus pormeno-
exige obediência, nem de distribuidor de sabedoria para me- res e enfrentando-os em seus aspectos mais vastos e longínquos,
nores ignorantes que nada sabem fazer senão aceitar as su- poderá encontrar tudo isso nos demais livros já publicados.
gestões. Aqui não existe autoridade imposta e, por isso, nada Entremos na matéria.
há para se contestar. De nossa forma mental e da estrutura de nossa personali-
Neste volume, procuramos apenas explicar, a quem interessa dade, que definem nossas escolhas e nossa conduta, depende o
compreender, como realmente funciona a vida, a fim de que ca- modo pelo qual cada um constrói sua própria vida e seu pró-
da um, se o quiser, comporte-se de um modo mais racional, por- prio destino. Primeiro semeamos e depois colhemos. A relação
tanto mais vantajoso, menos ilógico e de menor dano. Explica- causa-efeito é evidente. A vida é um laboratório onde encon-
se, ainda, que ninguém pode constranger outra pessoa a fazer is- tramos os mais variados instrumentos e ingredientes. Nós os
so ou aquilo e que, por isso, deve-se respeitar a sua liberdade. escolhemos e depois os manipulamos como julgamos melhor,
Mostramos, também, que não se pode impedir as consequências cada um a seu modo.
das boas ou más ações praticadas pelo indivíduo. Em suma, bus- Grande parte deste trabalho é preestabelecido e automáti-
camos demonstrar que existe uma realidade inevitável, pela co, como o nascimento, o desenvolvimento físico, a velhice, a
qual, quando não se vive em estado de ordem e disciplina, deve- morte, a reprodução, o funcionamento orgânico, os impulsos
se sofrer os consequentes danos, porque esta é a lei da vida, que instintivos e a formação de novos instintos, pela assimilação no
subsiste, mesmo depois de destruída toda autoridade humana. subconsciente das experiências vividas. Todos podemos verifi-
Concluiremos, então, que se deve ser honesto e prudente, mas car que nossa vida se desenvolve ao longo de uma rota estabe-
não pelo fato de alguma autoridade humana o impor e pelo me- lecida da qual ninguém pode sair.
do das sanções punitivas com que ela nos ameaça. São permitidas, porém, algumas oscilações, que, ainda as-
Este é o velho sistema. O novo, que seguimos aqui, não sim, permanecem limitadas e corrigidas por uma lei própria,
se baseia na imposição forçada, mas sim na livre aceitação cuja tendência é reconduzi-las para a ordem, tão logo esta seja
derivada da convicção. E é exatamente esta convicção que violada. Mesmo se, nas aparências, tem-se a impressão do pre-
nos propomos alcançar com a demonstração racional e po- domínio da nossa liberdade e do caos individualista, o que de
sitiva, baseada em fatos. É por isto que nos colocamos na fato ocorre, em substância, além destas aparências, é que todos
posição de diálogo, em paridade perante o leitor. Como se os nossos movimentos permanecem regulados por leis cuja
vê, o problema é solucionado por um princípio completa- função é reconstruir o equilíbrio e sanar o mal que fazemos.
mente diverso do passado. Trata-se exatamente do método Sem a presença dessa força íntima reguladora, o nosso mundo,
que os jovens estão inaugurando hoje e que corresponde às abandonado a si mesmo, desmoronaria em pouco tempo, no en-
suas condições de vida, modificadas em razão da maturida- tanto vemos que, pelo contrário, ele está continuamente cons-
de que o homem está para atingir. truindo-se, porque evolui sempre para o alto.
A vida é uma série de problemas a serem resolvidos. Como A vida é um impulso de crescimento, um anseio em direção
resolvê-los? Antigamente vigorava o método do comando, à perfeição e à felicidade. A grande aspiração é subir, mesmo
adaptado à fase infantil da humanidade. Devia-se obedecer ce- se cada um o faz em relação ao seu nível. Nisso manifesta-se a
gamente. Mas por que? Parque assim tinha falado Deus. Aqui lei de evolução. Devemos evoluir, e esta é razão pela qual a vi-
a mente humana estacava, porque era incapaz de avançar so- da representa aquele laboratório que mencionamos, consti-
zinha. Hoje ela sabe andar um pouco mais à frente e pergunta: tuindo-se numa escola de experimentação para aprender. A
mas por que Deus falou assim? O adulto discute a autoridade, primeira coisa que é necessário compreender, sobretudo os jo-
mas, se ela serve à vida, reconhece-lhe o valor, obedecendo, vens construtores da vida, é que se trata de um trabalho para o
quando está convencido de que seja útil e justa. Não basta co- ser construir a si próprio, através de provas variadas, cada um
mandar, é necessário justificar o próprio direito ao comando. sujeito àquelas mais adequadas ao seu desenvolvimento.
210 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi
A vida é uma coisa séria, a ser percorrida com consciência te era um terreno inexplorado, e a psicanálise era inexisten-
e responsabilidade, sabendo a que dores podem levar-nos os te. As motivações eram secretas. O indivíduo não as estudava
nossos erros. É necessário, então, saber como é construída a nem as dirigia, lançando assim ao acaso a semente do futuro
Lei, para evitar tais erros e as dores que se seguem. Esta lei desenvolvimento de seu destino. Os jovens enfrentavam a vi-
pode ser chamada a lei de Deus, porque exprime o Seu pensa- da, tomando as mais graves decisões, em estado de completa
mento, que dirige cada fenômeno, em todos os níveis de evolu- ignorância dos problemas que deviam enfrentar e das suas
ção e planos de existência. soluções. Procedia-se por tentativas, ao acaso, seguindo mi-
É necessário ter compreendido que o homem se move den- ragens. Nada de planificações racionais da vida e nenhum
tro dessa Lei como um peixe no mar. A finalidade de nossos conhecimento das consequências. Disso pode-se deduzir
movimentos é a experimentação, e a finalidade da vida é o quão despreparado estava o indivíduo para resolver os seus
aprendizado. Estamos, sobretudo os jovens, cheios de desejos problemas com inteligência.
e de impulsos que nos lançam a provar o que serve para nos Aquilo que buscamos adquirir neste livro é a consciência
construirmos. Os efeitos desse trabalho ficam registrados e de nós mesmos, o conhecimento do significado, do valor e das
são acrescentados à nossa personalidade, que se enriquece de consequências de cada ato nosso, a fim de que tudo se desen-
conhecimento, constituindo a nossa própria evolução. Por aí volva beneficamente, de maneira satisfatória para o indiví-
se compreende a importância de se saber viver. Assim, ao fim duo. Desejamos ensiná-lo a ser forte, resistente, positivo e
da vida, seremos ricos, se soubermos adquirir novas e melho- construtivo. Chegou a hora de dar um salto à frente, em dire-
res qualidades, mas seremos pobres, se nada fizermos e, por- ção a um novo tipo de seleção biológica, não mais aquela fe-
tanto, nada aprendermos de bom. E isso independente de to- roz do passado, que exaltava como campeão o vencedor vio-
dos os triunfos, conquistas e bens terrenos, que só valem como lento e assaltante, hoje tornado um perigo social. Trata-se de
miragens para nos induzir a fazer o trabalho de experimenta- um tipo de seleção mais aperfeiçoado, que deseja produzir o
ção e de aquisição de qualidades. homem inteligente, trabalhador, espiritualmente forte e cole-
Trata-se de um novo modo de conceber a vida, entendo-a tivamente organizado. Trata-se de construir o homem consci-
em função de outros pontos de referência, para conquistar ou- ente, que sabe pensar por si mesmo, independente do juízo
tros valores. Antigamente, relegava-se isso ao plano espiritual alheio, e que assume sua responsabilidade, porque conhece a
em bases emotivas de fé e sentimento. Hoje, fazemo-lo com ba- lei de Deus e sabe viver segundo ela.
se na lógica, através das observações dos fatos e do controle Tal conhecimento e o fato de saber viver de tal modo, cons-
experimental. Já é um progresso, porque daí nasce um tipo de ciente de estar dentro da Lei e em harmonia com ela, devem
moral positivamente científica e universal, aquela que os no- dar a esse homem resistência na adversidade, que só pode pos-
vos tempos de espírito crítico exigem. Progresso necessário, suir quem sabe encontrar-se de acordo com a Lei e, portanto,
porque, quanto mais se avança, tanto mais os problemas a se- na posição de justo equilíbrio no seio da ordem universal. Que
rem resolvidos, dos quais é feita a vida, tornam-se mais nume- podem fazer as acusações alheias, quando o indivíduo é hones-
rosos e difíceis. Os instrumentos de experimentação que en- to e pode, conscientemente, proclamar perante Deus a sua ho-
contramos no laboratório da vida e que devemos empregar nestidade? A verdadeira força não está nos poderes humanos,
para aprender fazem-se sempre mais complexos e de difícil mas sim no estado de retidão.
uso. Para nossos ancestrais bastava uma ética elementar para Quem compreendeu como tudo isso funciona, sabe que não
resolver os seus problemas. Faz-se necessário uma ética sem- se trata apenas de palavras. Ele sabe que a Lei não é uma abs-
pre mais complexa e exata para resolver os novos problemas tração, mas uma força viva, operante, inflexível, positiva, sa-
que surgem, quando se sobe a um nível evolutivo mais eleva- neadora e honesta; sabe que a sua justiça termina por vencer
do. Para dirigir uma carroça ou um automóvel, é necessário todas as injustiças humanas e que, portanto, o vencedor final é
um diferente grau de perícia e precisão. o justo, e não o prepotente sobre a Terra. A Lei, imparcial e
A nossa sociedade atual não possui escolas que eduquem universal, paga a cada um o que for merecido.
a fundo, ensinando a viver. A velha moral era exterior, base- Neste trabalho, não apresentamos produtos emocionais ou
ada muito mais nas aparências, velhos enganos nos quais ho- fideístas. Através da observação e da experimentação, chega-
je ninguém mais crê. Antigamente, bastava não gerar escân- mos à conclusão que existem, no campo moral e espiritual, leis
dalo, impedindo que o pecado fosse visto. A verdadeira ciên- inderrogáveis como as existentes no campo da matéria e da
cia da vida consistia em esconder os próprios defeitos, e não energia. Todos os fenômenos, de cada tipo, são regidos por
em corrigi-los. Os adultos que possuíam aquela ciência a leis exatas, que não são senão ramificações de uma lei central,
guardavam bem, para não ensiná-la em prejuízo próprio, na qual estão contidos os princípios que regulam o funciona-
usando, em vez, a autoridade e as punições. Tais métodos es- mento de todo o universo.
tão hoje se desmantelando. A liberdade individual cresceu, e Buscaremos, a seguir, mostrar quais as mais altas e pre-
o pecado social adquiriu importância, porque prejudica o ciosas metas que pode ter a vida, as quais lhe dão um signi-
próximo. Hoje, a vida se faz sempre mais coletiva, exigindo ficado novo e vão além daquelas comuns do sucesso materi-
um maior senso de responsabilidade. al. Procuraremos mostrar que, para conquistar, também se
Ora, quem entendeu tem o dever de mostrar como tudo pode lutar e vencer com outros valores. E o faremos com ba-
funciona àqueles que podem e querem compreender. Com es- se não em abstrações filosóficas ou misticismos, mas no real
tes apontamentos, buscamos preencher o vácuo de conheci- funcionamento da vida.
mento que se verifica nas diretivas fundamentais de nossa Com estes esclarecimentos, fechamos estas notas prelimi-
vida, em nosso pensamento e nossos atos. Antigamente isso nares de orientação geral, com as quais quisemos definir o
era deixado aos instintos, aos impulsos do subconsciente. Es- presente trabalho e as suas bases.
Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 211
I. O PRINCÍPIO DE RETIDÃO modo semelhante às normas exatas vigentes nos outros cam-
pos já de domínio da ciência. Hoje, a ética é um campo ainda
Veremos que justiça e senso de retidão emanam das leis da inexplorado, constituindo um fenômeno que vivemos frequen-
vida, a ponto de se reconhecer nelas qualidades de alta morali- temente com resultados desastrosos, porque lhe ignoramos o
dade. Como é possível isso no plano biológico? Que significa is- funcionamento e, daí, cometemos erros contínuos. Mas, no fu-
so e como se explica? Moralidade significa um estado de ordem turo, será possível planificar a viagem da vida, percorrendo-a
no nível espiritual. Mas este estado de ordem é o mesmo que a com olhos abertos, e não mais às cegas, num completo caos,
ciência encontra no plano da matéria e da energia, tanto que o como ainda hoje se costuma fazer.
codificou, expressando-o com leis exatas, positivamente contro- Mesmo nestas condições, viver é lógico e justo segundo a
ladas. Então essa moralidade biológica que encontramos nas leis Lei, porque são proporcionais à atual involução humana. E a
da vida não é senão uma expressão, relativa a esse nível, da or- vida adianta-se por tentativas, através de uma série de erros e
dem universal da Lei. Trata-se da mesma disciplina vista pela pagamentos correspondentes, de sonhos e desilusões, com
ciência no campo físico e dinâmico, a qual se verifica também dores corretivas. Isso acontece porque a direção está errada.
no campo, ainda mais avançado, da conduta do homem e da mo- Aponta-se para fora do centro. A vida não é feita para gozar,
ral que a dirige. Trata-se do mesmo princípio de ordem inserido mas para aprender. Compreendido isto, logicamente se vê
na Lei e atuante em níveis evolutivos diversos. É assim que se que tudo está em seu justo lugar e funciona como deve. Mas
explica como a conduta humana está sujeita a normas éticas. é necessário ter compreendido que a vida é uma escola, um
Assim podemos dizer que a vida, ainda que em proporção laboratório experimental. É lógico e útil que, quando as expe-
e em forma adaptada ao seu grau de evolução, é fundamen- riências estão erradas, fique-se queimado pelas consequên-
talmente honesta. Até no seu nível mais alto, constituído pela cias do erro cometido, porque isso serve para aprender e, as-
psique e pela consciência, tal condição é dada por um estado sim, a finalidade é atingida.
de equilíbrio, de correspondência entre causa e efeito, entre Eis para que serve a dor. Eis quanto é útil o que, por não se
ação e reação etc., que encontramos no mundo da matéria e da lhe compreender a função, parece danoso. Eis como o que é ne-
energia. Trata-se do mesmo princípio de ordem que, no nível cessário para eliminar o erro, a fim de se evoluir em direção ao
superior da psique e da conduta, toma a forma de retidão e melhor, é julgado um mal. Muitas coisas nos parecem erradas
justiça. Essa equivalência de valores, em forma diversa nos porque as vemos fora de seu devido lugar e, portanto, não com-
vários planos evolutivos, é possível porque o Todo, devido à preendemos a sua posição nem a função exercida por elas. Mas,
sua unidade fundamental, é regido por uma única lei. Trata-se se observarmos bem, veremos que tudo, segundo sua natureza,
do mesmo princípio de harmonia que rege todo o universo. É cumpre a finalidade para a qual existe. A força do homem do
assim que, no fundo, tudo, porquanto é um momento da Lei, futuro não consistirá em superar o próximo, subjugando-o se-
moraliza-se em qualquer nível. gundo a lei do nível animal, mas sim em mover-se consciente
Desse modo então, daquilo que se verifica nos fenômenos da da ordem, segundo a lei de Deus.
matéria e da energia, quando violamos as leis de seu funciona- Tratemos agora de analisar o fenômeno. Como calcular os
mento, podemos deduzir as consequências de nossas atitudes, efeitos maléficos de uma nossa ação contra a retidão, isto é,
quando fazemos a mesma coisa no campo moral. Há uma equi- realizada no sentido anti-Lei? É preciso primeiro definir o que
valência básica entre as leis dos vários planos, pelo fato de não entendemos por retidão. Para isto é necessário concebê-la em
serem elas senão aspectos da mesma e única Lei, vista em mo- termos gerais, referindo-nos não só ao fator moral, mas também
mentos evolutivos diversos. Assim, aos efeitos de uma violação ao dualismo universal de positividade e negatividade, contido
em um plano, correspondem os efeitos que se verificam em ou- na Lei. Esse é um princípio verdadeiro em todos os planos da
tro plano. É importante compreender esses conceitos, por causa existência, abrangendo os valores da matéria, da energia e do
das consequências práticas que daí derivam. Acontece, então, espírito. No plano moral, positividade e negatividade tornam-se
que uma violação da retidão no campo moral pode levar a con- bem e mal, virtude e culpa, retidão e desonestidade etc.
sequências danosas, correspondentes às de uma violação do pa- Eis então que, por retidão, entendemos a qualidade positiva
ralelo princípio de equilíbrio presente, por exemplo, na lei de contida em um dado ato. Logo positividade é o poder benéfico
gravitação. Isso porque, em ambos os casos, verifica-se a mesma daquele ato, observado em suas consequências, e negatividade
violação do princípio universal de ordem, do qual é feito a Lei. é o seu poder maléfico. É, portanto, a favor da moral um ato
Segue-se que a falta de retidão é um fenômeno analisável, benéfico, e contra a moral um ato maléfico, sendo que em am-
como o é a falta de equilíbrio, porque, em ambos os casos, bos os casos têm-se como referência tanto o indivíduo isolado
temos efeitos calculáveis, proporcionais à quantidade de afas- como a coletividade.
tamento da posição de equilíbrio na ordem da Lei, isto é, à O ato benéfico produz vantagem, e o maléfico, desvantagem.
quantidade de violação efetuada. Em suma, o desacordo com Mais exatamente, podemos definir como moral tudo que é
ordens similares, das quais é feita a Lei, paga-se com conse- benéfico ou pseudomaléfico perante a Lei – ponto de referência
quências negativas tanto no plano matéria-energia como no que estabelece os verdadeiros fins da vida – e como imoral tudo
moral. Assim a posição certa ou errada, com referência ao que é maléfico ou pseudobenéfico, porque segue fins falsos e
primeiro plano mencionado, encontra no segundo plano, dado ilusórios. Assim pode ser benéfico o que nos faz sofrer e malé-
pelo nível biológico, o seu equivalente nos conceitos de moral fico o que nos causa prazer.
ou imoral, honesto ou desonesto. Então o erro de direção que, No campo moral, positividade e negatividade tomam a
em sua conduta, o indivíduo comete perante a ética em seu forma adequada para satisfazer os fins que a vida se propõe re-
campo, produz os mesmos efeitos negativos que produz o erro alizar, segundo o plano de evolução no qual ela se encontra e
de direção que o motorista ou o astronauta cometem em suas trabalha naquele momento. Assim, no plano animal, nível no
funções. Tratando-se de um mesmo fenômeno de desequilí- qual o fim da vida consiste na seleção individual do mais forte,
brio, é lógico que ele deva ser estudado nos dois campos di- é positivo e moral o tipo guerreiro e conquistador, que lança o
versos segundo os mesmos princípios. novo, vencendo e eliminando o débil inepto. Mas, em um nível
É este fato que nos permite afirmar a possibilidade da mais alto, tudo aquilo resulta negativo, porque a seleção toma
construção de uma ética de tipo positivo, baseada em princí- outra forma, para produzir outro tipo, intelectualmente forte
pios científicos. Isso significa que os movimentos da conduta segundo a retidão, dirigida à conquista da ordem, mais do que
humana deverão, no futuro, ser estudados e executados de ao próprio domínio sobre os outros.
212 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi
Eis então que uma moral justa em um nível de evolução, não Estes são casos mais complicados, nos quais é mais difícil
o é em outro nível mais adiantado. Assim, evoluindo, pode tor- ver o funcionamento da Lei. Mas comecemos com a descrição
nar-se imoral e desonesto o que anteriormente era lícito e julga- de um tipo de caso simples, de modelo monocromático no ne-
do honesto. Desse modo, assim como acontece com a verdade, gativo, com resultado rápido e evidente, pela presença exclusi-
também temos morais relativas e progressivas em evolução. va de forças de uma dada qualidade, e ausência daquelas de
Estabelecido tudo isso, pode-se proceder ao cálculo de mo- qualidades opostas. Em nossas experiências no laboratório da
ralidade ou imoralidade de cada ato nosso. Se ele é, por exem- vida, pudemos assistir à operação cirúrgica da punição por falta
plo, 10% positivo e 90% negativo, isso levará a resultados com de retidão, presenciando a solução de um caso de negatividade.
a mesma percentagem. E vice-versa também, em todas as con- A operação nos impressionou pelas seguintes qualidades: 1)
dições possíveis, sempre mantendo a proporção das percenta- A exatidão com que o efeito correspondeu à causa, conservan-
gens, a mais ou a menos, entre cada ato e as suas consequên- do-se do mesmo tipo de forças postas em ação, mas retornando
cias. Eis os primeiros elementos para estabelecer um cálculo. ao emitente em vez de atingir o indivíduo ao qual elas se desti-
Mas quando que uma conduta é verdadeiramente moral? navam; 2) A precisão com a qual foi centralizado o escopo, sem
Quando ela corresponde totalmente à retidão, isto é, à positivi- atingir quem quer que estivesse próximo do alvo; 3) A rapidez
dade, sendo toda ela benéfica, porquanto possui 100% de valor do desenvolvimento e da conclusão do fenômeno; 4) A conver-
evolutivo, seja para si ou para os outros. Pode-se assim medir o gência dos impulsos em direção àquele resultado final; 5) A
grau de moralidade ou de imoralidade de um ato, observando significativa massa dos resultados obtidos em relação aos mí-
que percentagem ele possui desta ou daquela qualidade oposta. nimos meios usados, isto é, o rendimento com eles obtido du-
Essa posição nos faz conhecer o tipo e a quantidade das rante o trabalho realizado.
causas boas ou más postas em movimento, dando-nos, portanto, Perante tal espetáculo tem-se a sensação de ver a face da
também a medida das qualidades e volume dos efeitos que, ine- Lei, não sendo possível conter, ao fim da experiência, um grito
xoravelmente, acontecerão. de maravilha, quando se observa o seu perfeito funcionamento.
Dessa forma, pode-se prever os efeitos, quando são conheci- Não se trata de sonhos. Qualquer pessoa pode verificar a exis-
das as causas que os determinam, das quais eles são as conse- tência de um caso semelhante a esse, controlando as suas con-
quências. E as causas são dadas pelos elementos aqui tomados clusões. Mas tudo isso corresponde a uma lógica que nos auto-
para exame. O segredo para conhecer aquilo que nos acontecerá riza a admiti-la, mesmo porque, confirmando a nossa tese, exis-
na fase de efeito reside em nosso conhecimento do que somos e, te a visão da unidade fundamental da Lei.
portanto, fazemos na fase de causa. Compreendida a técnica do Observemos agora outro caso, que podemos chamar poli-
fenômeno, pode-se prever o seu futuro desenvolvimento. É lógi- cromático, onde fica diminuída a velocidade com a qual o fe-
co que seja assim, porque o efeito está contido na causa, sendo a nômeno chega à sua conclusão. Tratemo-lo com análise precisa.
continuação de um desenvolvimento que se pode conhecer antes Tudo depende das forças existentes no campo em que o ca-
da sua manifestação, prolongando a linha por ele já traçada, co- so se desenvolve. Temos o indivíduo que age em sentido nega-
mo continuação do caminho na direção em que ele foi iniciado. tivo, para obter vantagem em prejuízo de um terceiro. Isso é
Pode-se, portanto, praticar uma pequena futurologia, aplicada contra a Lei. Esta negatividade e o dano correspondente deveri-
aos casos da própria conduta e suas consequências. am agora recair sobre o promotor, com isso resolvendo o que é
um simples caso de falta de retidão, como o precedente. Mas,
II. A LEI DO RETORNO pelo contrário, esse homem continua sem ser perturbado em sua
violação. A sanção de sua culpa permanece suspensa. Por quê?
Continuemos a observar. Dissemos que, dada a premissa Aqui o caso se complica, porque as forças postas em movimen-
colocada por nós, o fenômeno tende a se concluir segundo a to por ele estão no mesmo campo e combinam-se com as forças
direção que lhe foi dada no início. Estudemos agora como pre- movidas pelo ofendido, que se encontra em fase de pagamento
ver, em unidades de tempo, a velocidade com que o fenômeno do seu débito para com a Lei e, por isso, necessita da experiên-
chega à sua conclusão na fase dos efeitos. Nem todos os casos cia corretiva do seu erro passado.
são simples, derivados de uma conduta exclusivamente positi- Então a ação punitiva da Lei contra o opressor, por causa
va ou negativa. O decurso do fenômeno é tanto mais linear e a do mal praticado, é freada pelo bem que ele faz, tornando-se
solução tanto mais rápida e fácil, quanto mais monocromática útil ao executar, segundo a Lei, a função de seu instrumento
é a sua composição, isto é, quanto mais decisivamente preva- na imposição de uma lição corretiva ao oprimido. Eis aí, em
lecer uma das duas características, seja de positividade ou de favor do opressor, o impulso positivo, que interrompe mo-
negatividade. Um caso construído por um só destes elementos, mentaneamente o impulso negativo contra ele, pelo mal que
ou seja, com 100% de uma só destas duas qualidades, é de rá- fez. Combinam-se assim dois valores opostos: a injustiça por
pida solução. Isso acontece porque, nesta condição, todas as parte do opressor (negatividade anti-Lei) e a justiça por parte
forças em ação são orientadas e dirigidas para uma mesma do oprimido que paga seu débito (positividade segundo a
conclusão, seguindo em uma única direção e, portanto, ten- Lei). Esta é a razão pela qual o primeiro, que faz sofrer o se-
dendo todas a convergir para um único fim. gundo, pode continuar a fazer o mal, não obstante seja justo
As complicações e os atrasos da conclusão se verificam ele passar dessa posição àquela do próprio pagamento, como
quando o caso é composto de qualidades positivas e negativas de fato acontecerá mais tarde.
ao mesmo tempo, porque então elas resultam contrastantes e Assim, tão logo o opressor tenha cumprido sua função de
divergentes, em vez de concordantes e convergentes na direção instrumento punitivo segundo a Lei, o fenômeno chegará à
de uma única solução. Nessas condições, o desenvolvimento do fase de pagamento também para ele, que terá de efetuá-lo, so-
fenômeno prolonga-se até que se estabeleça uma prevalência na frendo a lição corretiva que o espera. É natural que, quando a
direção das forças em um dado sentido. Assim é necessário es- opressão feita por esse homem tiver purificado e redimido o
perar que se esgote o impulso das forças do tipo que está em seu oprimido de toda a negatividade que o agravava, o opres-
percentagem menor, porque só então o tipo oposto pode se sor seja então abandonado a seu destino, pois a sua missão
afirmar e vencer, prevalecendo em uma única direção. Nesse foi cumprida. Naquele momento, não havendo mais razão pa-
ínterim, pode-se chegar a resultados temporários, sem uma ex- ra esperar, a Lei passa a exigir o seu pagamento. Finda a fácil
pectativa definida ainda, em razão de terem sido determinados vitória do mal, cai a ilusão de ter sabido evadir-se às sanções
por impulsos positivos e negativos não delineados. da Lei, sem prestar contas.
Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 213
Pode-se encontrar muitos casos assim, mas sempre em tra as paredes da Lei. Buscando tal liberdade, o homem lança as
função do mesmo princípio básico, aplicado em posições di- causas de uma autopunição corretiva, que terminará por forçá-
versas. Então, uma vez compreendida a técnica de seu funcio- lo a se enquadrar dentro da ordem. Nas revoluções aflora sem-
namento, cada um poderá traçar o esquema do fenômeno até à pre a escumalha, justamente aqueles que mais clamam por li-
sua conclusão final. berdade, com lutas e destruições. Diz-se então que as revolu-
É necessário, porém, ter em conta que, na realidade, não en- ções devoram seus filhos. Por quê? Porque este é o efeito que
contramos casos isolados, mas sim uma concatenação de casos, lhes recai em cima, imposto pela causa por eles mesmos posta
razão pela qual os efeitos de um se encravam nas causas de ou- em movimento, a qual tem de ser do mesmo tipo, de modo que
tro, como fios entrelaçados que afundam suas raízes no passa- eles, por terem matado, são agora mortos.
do. Isso porque, em vez de pagar e liquidar o débito, procura-se Trata-se de receberem como restituição o mesmo impulso
fugir dele, criando-se assim novos débitos. Assim a semeadura que eles próprios colocaram em movimento. Dadas estas leis,
de causas negativas não termina nunca, e o imenso fardo de do- não deveriam tremer aqueles jovens que hoje vemos entrega-
res que pesa sobre a humanidade não se esgota, tornando-se seu rem-se aos vícios, ao ócio, aos estupefacientes etc., se compre-
patrimônio natural e constante. endessem de que efeitos estão semeando as causas? É certo
Com esta técnica, podemos conhecer qual será o nosso fu- que nas revoluções são necessários também os destruidores.
turo, observando as forças que pusemos em movimento, pelas Mas que fim têm eles? Uma vez que executaram sua função, a
quais o nosso destino é construído. É necessário ter compreen- Lei os destrói e deixa vencer os construtores, que lhe servem
dido que os efeitos têm natureza do mesmo tipo das causas que para avançar. O que é negativo não tem direito à vida e, por-
pusemos em movimento, como determinante deles, conservan- tanto, logo acaba sendo morto.
do assim as qualidades positivas ou negativas de que foram sa- Eis que cada um pode estabelecer uma contabilidade própria
turados ao nascerem. Portanto, quando as causas que lança- de débito e crédito em sua conta corrente pessoal, posta perante
mos, visando algo útil para nós, são contra a Lei, elas se vol- a justiça da Lei. Esses débitos e créditos não são constituídos de
tam contra nós em posição invertida, para prejuízo nosso. valores econômicos, mas sim dos superiores valores morais,
Quando, porém, elas são segundo a Lei, então se voltam a nos- dotados de mais vasta capacidade do que os materiais, que,
so favor. Existe assim a lei do retorno, segundo a qual recebe- frente a eles, encontram-se em posição subordinada. Pode as-
mos, em forma negativa, aquilo que lançamos negativamente sim ser paupérrimo o mais rico e poderoso homem da Terra, se
e, em forma positiva, aquilo que lançamos positivamente. Eis ele tem débitos a pagar para com a Lei. E ao contrário. Essa é a
então a que resultados leva a tentativa de querer ser astuto para contabilidade que realmente vale, aquela na qual está a base da
fraudar a Lei em vantagem própria. vida, sendo decisiva para ela, porque não permanece limitada
A Lei, em si mesma, é invisível como um espelho. Este, apenas ao campo dos bens e do dinheiro, mas abrange todas as
por si, permanece vazio, pois nele nada se vê senão uma ima- expressões da vida, em cada um de seus aspectos, como saúde,
gem refletida. Mas, tão logo nos colocamos em sua frente, eis afetos, felicidade ou dores. O bem ou o mal que recai sobre nós
que ele nos reflete tal como somos, restituindo-nos a nossa dependem da dose de positividade ou negatividade que colo-
imagem igual ao modelo, com as mesmas qualidades, mas em camos em nossas contas, com nossos atos.
posição invertida de retorno.
Estejamos atentos, portanto, para cada ação nossa, porque III. UM NOVO ESTILO DE VIDA.
as nossas obras nos seguem e recaem sobre nós. É necessário O MÉTODO DO RESPEITO RECÍPROCO
compreender que o mundo, em substância, é regido por um
princípio de ordem, razão pela qual o segredo do verdadeiro su- Nos vinte e dois volumes que precedem o presente, procu-
cesso não está em tentar modificar este princípio para vantagem ramos compreender o nosso mundo, orientando-nos, pelo menos
nossa, mas sim em segui-lo, enquadrando-se nele. O caos se em linhas gerais, com referência ao problema do conhecimento.
encontra somente no exterior, na superfície, e está sempre, não Ao mesmo tempo, quisemos comunicar aos outros os resultados
obstante a nossa resistência, sendo corrigido e recolocado na deste trabalho. No presente livro, a fim de que todos possam au-
ordem da Lei, que é a força íntima pela qual tudo é dirigido. ferir vantagens, procuramos disponibilizar estes resultados, ex-
Assim, querer ser forte para se impor não serve senão para lan- plicando como aplicá-los na vida prática. Para que o consumidor
çar sobre nós a reação da Lei, que não admite ser violada. de um remédio possa encontrá-lo pronto para o uso na farmácia,
Conforme o seu volume e a simplicidade de sua estrutura, o é necessário que, ao produzi-lo, o técnico o tenha primeiro estu-
fenômeno de retorno pode ter maturação mais ou menos rápida. dado longamente em seu laboratório. Agora, com este livro, es-
Quando as causas são poucas e lineares, tratando-se de um só tamos na fase final daquele trabalho, aquela na qual o produto é
indivíduo, chega-se logo à conclusão. Mas, quando se trata de oferecido ao publico, para que este se sirva dele.
muitas causas conexas e complexas, como no caso de nações e Tal produto não teria sido solicitado no passado, quando
povos, a conclusão é mais laboriosa e lenta. pouco se pensava, porque a vida se havia estabilizado numa po-
É necessário compreender que cada defeito é uma disso- sição estática ou de movimentos extremamente lentos. Mas ele
nância pela qual nos afastamos da Lei, um ponto débil perante é solicitado hoje, quando a humanidade se pôs a pensar, presa
ela e, portanto, um erro a ser corrigido, que, por isso, volta-se de uma febre de renovação. Assim, temos motivos para crer
sobre nós em forma de débito a ser pago. A causa de tudo isso que a nossa oferta corresponde a uma demanda nascida do atual
somos nós, porquanto nos colocamos em posição de desordem momento histórico. É por isto que fazemos tal oferta, buscando
dentro da ordem, lançando-nos contra ela, em nosso próprio preencher um vazio e satisfazer uma necessidade.
prejuízo. Ora, se não sabemos nos enquadrar, a Lei, em vez de Não pretendemos ser infalíveis nem oferecer um produto de-
uma casa, será para nós uma prisão. E a Lei pode ser uma casa finitivo, que valha para sempre. Mas acreditamos que ele, hoje,
bastante cômoda para se morar, contudo não sabemos nos sirva mais do que os produtos usados no passado. Estes eram
mover dentro dela, porque somos feitos de desordem. O so- adaptados à época, mas não ao momento atual, que é de grandes
frimento que se segue, quando nos lançamos contra suas pare- mudanças. Sabemos que a verdade é relativa e evolui. Existe uma
des, serve para nos ensinar a viver na ordem e, assim, trans- verdade absoluta e definitiva, mas ela constitui o ponto de chega-
formar o cárcere em uma ótima casa. da de quem está a caminho. Portanto, ao longo desse caminho,
O homem invoca a liberdade. Mas de que tipo? Trata-se de não pode haver senão verdades relativas à posição e ao nível evo-
uma liberdade da desordem, aquela que o leva a chocar-se con- lutivo atingido pelo ser, um após outro, progressivamente.
214 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi
Sempre para respeitar o fato positivo dessa relatividade, pro- faz-se no segundo caso as coisas mais a sério, porque se co-
pomos as nossas conclusões como hipóteses de trabalho, cuja va- nhece a estrutura do fenômeno, trabalhando-se, portanto, não
lidade o leitor pode ele mesmo depois controlar experimental- por obediência, mas por convicção, livres e esclarecidos, com
mente, aplicando-as à sua vida. Desejamos que ele se convença consciência e responsabilidade.
por si, e não que creia em nós segundo o velho sistema do princí- Eis que a nossa moral, na forma, coincide com aquela tradi-
pio de autoridade. Não assumimos nenhuma posição de mestre cional, mas apoia-se em bases mais sólidas, fundando-se numa
que, colocando-se na cátedra, despeja sapiência. Não buscamos técnica da qual se pode estudar o funcionamento. Ela é, portan-
seguidores. Quem nos lê deverá fazer o esforço de compreender, to, o modelo de moral adaptada ao novo tipo de forma mental
sem pretender que outros o façam em seu lugar e lhe forneçam os que o homem novo de nossos tempos está construindo, analítica
resultados, para adquiri-los sem fadiga. O leitor indolente, que e crítica, em vez de instintiva, emotiva e fideística. Esta é a ra-
aceita por fé, deixando-se arrastar assim, sem fazer ele mesmo o zão pela qual acreditamos que o atual momento histórico seja
esforço de compreender a vida, permanecerá estacionário e não adequado para se propor tal tipo de moral, da qual se pode tirar
atingirá a finalidade, que é amadurecer e evoluir. vantagem segundo os novos tempos.
Isso não impede que exponhamos as nossas conclusões em Aqui oferecemos esta interpretação da vida, não como uma
forma definitiva, porque o caminho para chegar até lá, através conclusão obrigatória, emanada “ex-cathedra”, mas como um
de uma demonstração detalhada, já foi percorrido em nossos ou- método para ver com os próprios olhos e, assim, estudar a reali-
tros volumes, não sendo possível repeti-lo aqui. Não nos encon- dade dos fatos. São estes que falam, e não alguém que deseja
tramos mais na fase precedente e preparatória, de indagação, impor a sua doutrina. Simplesmente dizemos: “Observai, é a
mas sim na de exposição e aplicação dos resultados obtidos. realidade que fala. Eu só vos coloco a par da minha experiência,
Ao assumirmos agora a nossa posição, queremos em pri- que adquiri no laboratório da vida, observando, pensando, com-
meiro lugar nos colocar de acordo com as leis da vida. E pode- preendendo e controlando. Quem deve pensar, compreender e
mos fazê-lo, porque as observamos e vimos então que é uma amadurecer agora sois vós. Estamos aqui para vos ajudar nisto”.
grande vantagem pôr-se em sua corrente, concordando e cola- Já terminou o tempo no qual se pensava por uma procuração
borando com elas, em vez de opor-se egoisticamente e, com is- delegada pela autoridade, que se encarregava disso, estabele-
so, ser barrado e posto de lado. Colocar-se na corrente da Lei cendo em que coisa se devia crer. Admitimos tão somente que
confere uma grande força, razão pela qual procuramos que o leitor, tendo compreendido o problema, possa, continuando a
também o leitor a conquiste por si, colocando-se ele próprio indagação com o mesmo método, desenvolver por sua conta es-
dentro desta corrente. ta pesquisa, conduzindo-a para conclusões mais avançadas. So-
Este fato nos oferece um primeiro ensinamento. Para se ter licitamos este auxílio a todos os estudiosos inteligentes. Por is-
sucesso na vida é necessário fazer ou produzir qualquer coisa so dissemos acima que a verdade é relativa e progressiva. Aqui-
que verdadeiramente seja um bom produto, útil para os outros. lo que, para quem escreve aqui, é uma conclusão, pode ser para
Se isso agrada à vida, esta, que é uma força inteligente e utilitá- outros um início. Esta é a razão pela qual buscamos pensar este
ria, irá protegê-lo e impulsioná-lo para frente. Mas se aquele livro junto com o leitor.
produto for feito somente em benefício de quem o faz, com fins Eis que nos encontramos diante de uma revolução substan-
egoístas e a exploração dos outros, a vida então se rebelará e cial, consistente com a renovação de valores sobre os quais se
buscará destruir tudo, negando qualquer sucesso. baseia a vida e adaptada aos pontos de referência em função
Então surge na Lei um princípio que diz: “A afirmação de dos quais se executa a nossa conduta. Hoje, o valor ainda con-
qualquer produto ou instituição, assim como o favor que eles siste em riquezas, poderes, honras etc., quando, na verdade, ele
encontram e a duração de seu sucesso, são proporcionais ao grau está nas qualidades morais. Crê-se na força, em vez da justiça;
de positividade – ou seja, de utilidade para o bem de todos – que na astúcia enganadora, em vez da retidão etc. Mas assim, a ca-
eles possuem. E ao contrário, a caducidade, o descrédito que os da passo, desembocamos numa estrada errada, que nos leva a
elimina e a rapidez de sua liquidação, são proporcionais ao grau bater contra o muro. O alvo está sempre em um ponto diferente
de negatividade que, em prejuízo de todos, eles possuem”. daquele que visamos. Porém, se apontarmos corretamente, nós
Eis que já aparece um novo estilo de vida, enquadrado em o atingiremos precisamente. Então veremos que tudo está no
um regime de retidão. Isso, porém, não por princípios abstratos, seu devido lugar, para executar a sua respectiva função, e
sentidos e aplicados muito pouco na realidade da vida, mas sim compreenderemos que a vida não é uma ilusão, mas sim um
por um cálculo utilitário, para uma vantagem concreta, que to- meio para construir a nossa felicidade e grandeza. Não se trata
dos compreendem e está no instinto, método aplicado por to- das revoluções usuais, que se reduzem à substituição de pesso-
dos, porque concorda com aquilo que a luta pela sobrevivência as e de classes sociais nas velhas posições favorecidas, para
exige. É certo que, neste caso, as motivações são diversas. En- depois se comportar do mesmo modo. Trata-se, pelo contrário,
tão não se é honesto por amor a Deus ou para alcançar o paraí- de uma revolução que a maturidade mental torna possível, ba-
so, coisas que frequentemente nos deixam indiferentes, mas sim seada na compreensão do imenso rendimento utilitário de se
por razões concretas e com resultados controláveis. Neste novo saber viver dentro da ordem, com retidão, em vez de se viver
estilo de vida, não se fala de sacrifícios com recompensas nebu- no caos e assaltando-se uns aos outros.
losas e longínquas, mas de uma vantagem imediata, calculável, Acreditamos neste novo tipo de revolução, não porque nos
previsível e, portanto, bem mais convincente, porque aderente à sintamos capazes de iniciar uma mudança de tal grandeza, o
realidade. O ganho obtido assim é substituir a dúvida pela con- que é absurdo, mas sim porque vemos que os tempos estão
vicção e o fingimento pela ação. amadurecendo e que o novo milênio nos encaminha por essa
Será moral esse novo método de vida? Ainda que sejam di- estrada. O conceito de retidão como valor moral já existia no
versas as motivações pelas quais se fazem as mesmas coisas, mundo antigo, mas não podia agir porque era baseado somente
não há dúvida que as normas de conduta são sempre as da reti- em abstrações ideais e afirmações morais gratuitas, que não
dão. Chega-se ao mesmo resultado prático, mas passando-se convenciam a ninguém. A força capaz de impulsionar a mu-
por outras vias. Enquanto no passado se usavam as sugestões dança é devida à possibilidade hoje existente de se compreen-
ou imposições por parte de uma autoridade, agora se utiliza a der o rendimento positivo e imediato deste novo estilo de vida
demonstração racional, levando à convicção e, assim, à livre e, portanto, a vantagem de realizá-lo com seriedade.
adesão de quem compreendeu e reconhece que é vantajoso ser Uma das bases deste novo estilo é a eliminação do absolu-
honesto. Muito embora tudo isso tenha um mesmo objetivo, tismo e de sua imobilidade em relação à verdade, para substituí-
Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 215
los pelo conceito de verdade relativa, em movimento de trans- zando os seus habitantes. O novo estilo de vida, no seu modo
formação evolutiva. De fato, cada período histórico possui a de conceber as relações sociais, considerará o proselitismo co-
sua própria verdade, aquela da qual ele tem necessidade para mo uma falta de respeito para com o próximo, considerando-o
executar seu trabalho de construção da vida. Então, sendo este um atentado contra a liberdade de consciência.
trabalho diferente de um período para outro, porque o trajeto Ainda assim, o proselitismo pode ser um meio útil para di-
evolutivo a percorrer é diferente, eis que a verdade dominante fundir uma ideia, funcionando como um sistema de irradiação
em função dele deve também ser diferente. Isso significa não mental necessário à evolução. Então onde começa o dever de
somente que uma verdade é verdadeira na fase de desenvolvi- respeitar a consciência alheia e termina o de instruir o ignorante?
mento na qual ela deve funcionar, porque naquele momento Se a vida usou o método do proselitismo, é porque ele cum-
corresponde a uma determinada necessidade da vida, mas tam- pre uma função. Para cada nível de evolução há um sistema
bém que ela não é mais verdadeira em outro momento, no qual proporcional de difusão das ideias. O proselitismo é adaptado
se torna verdadeira outra verdade, sendo esta então, e não mais ao estado infantil da humanidade, presumindo o ignorante que
aquela, que deve funcionar, porque corresponde às novas e di- se torna discípulo, para crer no mestre e repetir suas palavras.
ferentes necessidades da vida. Por isto tal método foi justo e necessário no passado. Mas o
Para a vida, a verdade não é uma abstração, mas sim uma proselitismo torna-se invasão da casa alheia em uma fase de de-
realidade em funcionamento. Assim, os velhos conservam as senvolvimento mental mais avançado, quando o indivíduo já
suas ideias, que foram úteis a seu tempo, enquanto os jovens construiu a sua verdade e tem, por isso, direito a vê-la respeita-
buscam outras, novas. Gostaríamos de permanecer imóveis, da. Trata-se, no primeiro caso, de um vazio a preencher e, no
mas a vida caminha porque é vida e, se não caminhasse, seria segundo, de um patrimônio alheio no qual não se deve pôr a
morte. Eis então que a verdade dos velhos não é um erro, como mão. Somente quando há uma consciência, ou seja, uma casa
agradaria aos jovens que fosse, para combatê-lo e destruí-lo. espiritual alheia, pode-se falar de invasão. Mas, quando tudo is-
Trata-se, ao contrário, de uma verdade que cumpriu sua missão so não existe, tem-se o dever de entrar para ensinar.
e que, por tê-la cumprido, merece todo o respeito. Merece-o É assim que a difusão das ideias deve ser realizada por dois
porque ela foi útil ao homem de seu tempo e porque, graças a modos diversos, segundo o nível evolutivo no qual o fenômeno
seu trabalho, os jovens podem hoje encontrar-se mais avança- ocorre. Para o primitivo, a simples oferta de uma verdade não
dos. O progresso é uma escada que se sobe por degraus, não serve para nada. Caso se explique, ele não entende, e quando se
sendo possível passar ao sucessivo sem escalar o precedente. oferece, ele não aceita, porque segue somente seus instintos.
Disso resulta que o passado está superado, mas como inte- Não resta senão persuadir com os elementares argumentos utili-
gração que o leva avante, e não como destruição que o elimina. tários da ameaça (inferno e prisão) ou do prêmio (paraíso e go-
Atentemos, pois, para saber, nos acontecimentos renovadores, zos). Para quem tem uma consciência, tal método torna-se re-
conservar os velhos valores ainda utilizáveis pela vida. Eis os pugnante e é repelido. O medo obriga e o desejo seduz, mas ne-
perigos de uma contestação geral e indiscriminada, que pode nhum dos dois convence. Este método é aceito porque coincide
levar a perdas gravíssimas. com o utilitarismo fundamental da vida, mas não convence, por-
Mas observemos ainda outro aspecto do novo estilo de que seus resultados são incontroláveis e estão situados no im-
vida. O conceito de relatividade do verdadeiro elimina o an- ponderável. Explica-se assim como, no passado, a ignorância e o
tagonismo não apenas entre o velho e o novo, mas também método de prêmio ou castigo produziram uma obediência passi-
entre as verdades individuais. Ora, toda supressão de formas va, sem convicção, feita, portanto, de evasões e hipocrisias.
de luta é progresso que facilita a solução do problema da Quem é mais evoluído deseja, pelo contrário, ver, compre-
convivência pacífica. ender e ficar convencido. A sua aceitação é condicionada a
Segundo a forma mental do passado, cada indivíduo acredi- outros fatores. Então pode bastar o sistema da oferta, sem a
tava que seu modo de ver era a verdade. Então, ele pensava as- necessidade de levar em conta o cálculo do dano ou vanta-
sim perante os outros: “Se eu vejo a verdade e esta é uma só, gem. É assim que hoje, frente à forma mental mais adiantada,
então eu a tenho e tu estás em erro, razão pela qual estou auto- o proselitismo é substituído pelo diálogo. Então uma verdade
rizado a te corrigir”. Quando a verdade era de grupo, então, se não é imposta, mas sim exposta e, dessa forma, em vez de se
este fosse forte, adquiria o direito de impor-se aos estranhos, condenar o erro, apenas demonstra-se que ele é de fato um er-
que se tornavam um terreno a ser invadido. O resultado era a ro. O fim a que se tende é a aceitação por convicção, e não pe-
luta pela conquista de seguidores. Eis o proselitismo. Quem la constrição. O método é mais sutil e profundo, e o resultado
aderia estava certo, mas quem não aderia estava errado e, por- mais íntimo e completo.
tanto, era combatido. E uma verdade tanto mais valia e podia Eis a transformação a que assistimos em nosso tempo. Esta
impor-se como tal, quanto mais forte ela fosse, porque maior é a razão pela qual nasceu a ideia do diálogo. Trata-se de um
era o número de seus seguidores. Quando passavam à minoria, fenômeno universal, porque é efeito de deslocamentos evoluti-
a sua verdade tornava-se erro e, como tal, era condenada. Isso vos. O uso desse estilo novo é fatal hoje, porque faz parte de
até ao ponto em que, então, as partes se invertiam, tornando-se um amadurecimento biológico. Explica-se assim o fato do ho-
perseguidos aqueles que antes eram os árbitros do juízo. dierno surgimento de uma nova autonomia mental, que destrói
Com tal método, acontece que os inovadores, considerados o velho sistema ético fideístico, colocando-o sob um processo
rebeldes, porque faziam parte do grupo minoritário, contrário à de secularização e dessacralização, que o despoja de sua fisio-
ordem estabelecida pela maioria, eram depois julgados heróis e nomia tradicional. Para os conservadores, agarrados à forma,
mestres, quando o seu grupo, tornando-se maioria, conseguia isso parece o fim. Então, não vendo que se trata de uma des-
impor-se. Eis que o conceito de culpa e da correspondente pu- truição necessária para a renovação, eles se desesperam.
nição, de legalidade ou ilegalidade, é relativo aos princípios vi- Desesperam-se porque cada um está convencido de possu-
gentes e muda com a mudança da verdade dominante. ir a verdade absoluta, de modo que a dos outros é considerada
Eis a importância vital do proselitismo, uma vez que o nú- um erro. Então é doloroso não conseguir destruí-la, como se
mero dá força para a sobrevivência, seja de uma religião, de desejaria. Nasce, deste modo, uma oposição entre termos que
uma ideologia política etc. No entanto o proselitismo é um sis- são apenas aspectos complementares de uma verdade única.
tema que invade outras áreas, atingindo o campo espiritual, Complementaridade pela qual um é necessário ao outro, como
conceptual, moral etc., de modo similar àquele que, pelo mes- o são luz e sombra, que, isoladas do seu termo oposto, não são
mo motivo, é praticado na invasão do território alheio, escravi- percebidas. Assim se opõem erro e verdade, que são simples-
216 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi
mente as duas partes, positiva e negativa, de uma única e superada, a retidão torna-se um elemento básico para a com-
permanente unidade, ainda que em todos os lugares a vejamos plexa estrutura social de uma humanidade que atinge o estado
cindida no dualismo universal. orgânico. Hoje, que alcançamos a fase cerebral e científica,
O novo Evangelho dirá: “Respeita o teu próximo como que- compreende-se que a negatividade do estado de luta é destruti-
res que teu próximo respeite a ti mesmo”. Do velho “método do va e que somente a positividade da retidão é construtiva. É
assalto” ao novo “método do respeito”, passar-se-á por evolu- uma questão de compreender.
ção. Chegaremos a isso quando a inteligência estiver desenvol- Eis então que, no estado orgânico, próprio dos povos mais
vida o bastante para compreender a relatividade das nossas ver- civilizados, o egoísta desonesto representa o elemento antisso-
dades, todas elas corretas em função do ponto de referência, cial a ser expulso. Assim, quanto mais primitivo é o indivíduo,
dado pelo grau de desenvolvimento mental e moral alcançado tanto mais lhe convém ser aventureiro, e quanto mais evoluído
pelo indivíduo que a possui. Todos estamos a caminho, ocu- ele é, tanto mais lhe convém ser honesto, porque esta é a con-
pando diferentes posições evolutivas. É natural, portanto, que duta mais vantajosa para quem vive no estado orgânico. Trata-
tipos com personalidade e com olhos diversos vejam aspectos se de um desenvolvimento biológico, que tem fatalmente de
diferentes da realidade. É por isso que cada um tem o direito de atingir esta nova fase, quando chega a hora da maturação. A
possuir a sua verdade e de exigir respeito por ela, assim como evolução é também um processo de progressiva moralização.
tem o dever de respeitar a dos outros. A nova moral não cai no defeito da negatividade e não lhe
sofre os danos, enquanto goza das vantagens da positividade.
IV. UM NOVO TIPO DE MORAL Chega-se a compreender que, agindo contra a justiça, obtém-
se uma vantagem negativa, ou seja, um dano. O segredo do
Observemos sob outros aspectos o tema que estamos de- verdadeiro sucesso, então, está em agir segundo a Lei. Eis que
senvolvendo, referindo-nos agora às diretivas que, segundo a o nosso desejo de enriquecer deve ser satisfeito, mas segundo
nova moral, pode-se dar à orientação da própria vida. Veja- a justiça, se não quisermos permanecer iludidos, alcançando o
mos então quais são os direitos recíprocos dos indivíduos pe- resultado oposto.
rante a aquisição e a posse dos meios econômicos, sobre os Para compreender como isso acontece, é necessário conhe-
quais se baseia a vida. O problema era simples nos baixos ní- cer a estrutura de nosso mundo. Analisamo-la a fundo em vá-
veis evolutivos do passado, quando tudo pertencia, por direi- rios de nossos volumes, porém neste só é possível um resumo.
to, ao primeiro ocupante, bastando que ele fosse forte para sa- Vivemos na superfície das coisas, onde reina o egocentrismo,
ber defender sua posse. Com a vida do homem atingindo o ní- o separatismo, a luta, a desordem, a ilusão, a negatividade. A
vel social, o problema tornou-se mais complexo na definição presença universal do dualismo faz presumir, como termo
dos direitos e deveres recíprocos. complementar à nossa negatividade, a existência do termo
Neste ambiente, pode ser justificado o assalto do tipo primi- oposto positivo, com qualidades contrárias, cuja função cons-
tivo, quando o indivíduo se encontra em condições de desespe- trutiva é dirigir, corrigir e sanar o nosso mundo, feito de nega-
rada necessidade, por lhe ser negado qualquer meio de sobrevi- tividade destrutiva, levando-o assim, passo a passo e a cada
vência. Justifica-se também o desejo natural de crescer, enri- momento, da desordem à ordem, da doença à saúde, do mal ao
quecer e dominar, quando isso é um meio para civilizar-se, o bem, da posição errada à justa.
que constitui uma evolução e está nas finalidades da vida. Isso, No fundo do caos, injustiça e desonestidade que estão na
porém, deve ser feito honestamente, segundo a justiça, sem superfície de nosso mundo, há dentro dele, como uma alma que
aproveitar-se de ninguém, caso contrário viola-se a Lei, pois ela o sustenta, ordem, justiça e retidão. A ascensão evolutiva nos
exige que tudo seja merecido. Buscar a felicidade não é culpa, leva em direção a esse mundo interior, cujos princípios, quanto
se ela não for tirada da infelicidade dos outros, caso no qual o mais evoluímos, mais entendemos e vivemos. Sendo ele de tipo
ganho mal realizado, com prejuízo de outros, não poderá deixar positivo, a evolução tende a nos levar não em direção ao erro e
de resultar em dano para si próprio. à correspondente dor, mas, pelo contrário, ao enquadramento na
Eis então que, quando este crescimento quer se realizar por ordem, dentro da qual desaparecem o erro e a dor. A nova mo-
vias torcidas, com violência ou astúcia, o resultado, obtido ili- ral utilitária nos ensina a ser honestos, a fim de evitarmos a ne-
citamente, fica impregnado de negatividade, qualidade que gatividade, que se paga com a própria dor, e conquistarmos a
tende a destruí-lo. Neste caso, o indivíduo que pensa ganhar, positividade, que é premiada com a própria alegria.
na realidade perde. É importante compreender essa técnica, Chega-se assim a compreender que a astúcia para enganar é
porque é fácil cair vítima de miragens e, assim, obter um resul- contraproducente, constituindo-se num meio para vencer super-
tado oposto àquele desejado. Quando se quer obter algo sem ficialmente, de forma temporária e aleatória, enquanto a reti-
merecê-lo, contrai-se um débito que depois é preciso pagar, dão, pelo contrário, é uma força para vencer em profundidade,
terminando-se por receber somente o que se merece. Assim, de forma estável. Cada um trabalha em seu próprio nível.
em vez de riqueza, obtém-se miséria. Quanto mais se é evoluído, tanto mais se trabalha em profundi-
Cálculos semelhantes eram desconhecidos na economia dade, alcançando proporcionalmente resultados do tipo utilitá-
do passado. Bastava realizar o fruto da própria rapina para rio. E quanto mais efeitos vantajosos se deseja obter, tanto mais
que isso se considerasse legítimo, tanto que constituía um di- profundamente é necessário trabalhar.
reito fixado por herança, no qual não se levava em conta a Esta é a mecânica do fenômeno. Não se pode obter efeitos
negatividade que podia estar contida nele perante a justiça da vantajosos ou danosos, senão dispondo as causas adequadas. O
lei de Deus. Diante da nova moral, porém, aquela era uma resultado, portanto, depende de nós. Os animais no mato, por-
economia de aventureiros. Mesmo assim, tratava-se de uma que são animais, não podem agir senão como tais e, portanto,
consequência lógica do sistema de luta pela vida então vigen- devem viver como animais. O homem civilizado, como tal, po-
te. Tudo era proporcionado. O que importava era saber ven- de agir de outro modo, colocando em ação outras forças, para
cer, e não o mérito ou a justiça. viver melhor. A realidade profunda é que a retidão atrai rique-
Isso não impediu que o sistema de luta pudesse ser supera- za, enquanto a desonestidade atrai pobreza. Tanto mais se com-
do por evolução, para dar lugar ao sistema de retidão, de modo preende isto, quanto mais desenvolvido se é, seja pelas vanta-
que, atingido certo nível de desenvolvimento, esta pudesse tor- gens que derivam deste fato, seja pela experiência vivida e pelo
nar-se uma arma de defesa para a sobrevivência. Pela velha conhecimento adquirido, pagando os débitos contraídos para
forma mental, isso é inconcebível. Mas hoje, quando ela está com a Lei devido aos erros cometidos.
Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 217
Todavia, é possível se objetar que mesmo a riqueza deso- evolução atingido, eram adaptados ao cumprimento da função
nesta às vezes se sustém. Pode-se então chegar a crer que não que, segundo as leis da vida, deviam cumprir.
existe justiça, considerando-se a retidão uma ingenuidade e de- Segundo a forma psicológica do passado, era possível pen-
bilidade, como coisa perigosa a ser evitada, porque o método sar que se pudesse enganar um Deus antropomórfico, imagina-
rendoso é aquele do tipo oposto. Mas o resultado imediato en- do pelo indivíduo como um amo que comandava arbitrariamen-
gana e não subsiste. O jogo tem suas regras e, caso se queira te a seu bel-prazer e de quem se era servo pela força. Era, por-
vencer, é necessário conhecê-lo e respeitá-lo. Antes de tudo, tanto, natural a busca de escapatórias com astúcias, para evadir-
aquelas riquezas subsistem apenas enquanto podem ser susten- se de tal domínio. Hoje, quem compreendeu o funcionamento
tadas com novas desonestidades, que depois devem ser pagas. da Lei sabe que Deus é algo completamente diferente e que,
Além disso, se observarmos os casos em que, em vez de conse- portanto, o uso de astúcia em busca de escapatórias para fugir
guir fraudar a justiça da Lei, paga-se o erro, vemos que eles são de uma lei justa e inviolável é um absurdo.
maioria, sendo esta a regra. E ainda que não se veja como nem Quem compreendeu não pode ser tão ingênuo a ponto de se
quando se paga em alguns casos, estes constituem uma minoria, meter por esse caminho, pois ele sabe que o mesmo não o leva
tratando-se de uma exceção que confirma a regra. a ganhar, mas sim a perder, resultando em seu dano, e não em
Pode levar-nos a um engano o fato de que a certo ponto, sua vantagem. A conta é clara, sincera e utilitária, de modo que
com a morte do indivíduo, o fenômeno parece interromper-se o julgamento da conduta do indivíduo se inverte e aquele com-
em seu desenvolvimento, porque não se vê mais a sua continu- portamento, antigamente considerado uma sagacidade do inte-
ação. Julgando com tal critério, cremos então que tudo esteja ligente, passa agora a ser julgado uma ingenuidade do ignoran-
terminado. Mas a continuação está na lógica do fenômeno, e te, como de fato é assim quem, porque não compreendeu como
ninguém pode interromper seu prosseguimento, violando aque- funciona a vida, provoca seu próprio dano com suas mãos.
la lógica. Se tudo desaparece a nossos olhos, isso não é porque O homem pode afrontar hoje grandes mudanças, porque se
cesse de existir, mas sim porque se esconde no imponderável, está tornando mais maduro, autocrítico e inteligente. É natural e
fugindo assim à nossa percepção. fatal, portanto, ele entrar nessa nova fase da moral, que o levará
Na própria lógica de cada fenômeno está a sua continuação. a um novo modo de agir, com as respectivas consequências.
Uma vez iniciado, ele não pode ser anulado, devendo cumprir Neste livro, estamos mostrando a técnica de funcionamento da
todo o seu desenvolvimento, até à exaustão dos impulsos que o Lei. Isso não serve para a criança e, no passado, seria trabalho
constituem. Se esta é a regra, devemos admitir que ela perma- desperdiçado. Mas o cálculo, porque dá evidência de um racio-
nece verdadeira também para os casos interrompidos pela mor- cínio utilitário, é o melhor meio para convencer o adulto, que
te, dos quais não se vê a conclusão. O fato é que, se uma força é sabe ver com olhos críticos e analíticos.
lançada, os seus impulsos não podem ser anulados. A existência A ética torna-se então outra coisa. A mudança é profunda e
de uma lei pela qual o desenvolvimento de um fenômeno não tem efeitos decisivos. À incerteza da fé substitui-se a previsão
pode parar até que ele, depois de ter percorrido todo o seu de- dos resultados a serem alcançados, com a certeza de que, segun-
senvolvimento lógico, atinja a sua conclusão, pode constituir do a lógica dos fatos observados, eles acontecerão. Se as religi-
mais uma prova a favor da tese da sobrevivência depois da ões, no passado, usaram o método do mistério e da fé, é porque
morte. Quando um equilíbrio é rompido, ele deve ser restabele- ele era inevitável, uma vez que as massas eram totalmente inca-
cido. Quando um erro é cometido, ele deve ser pago, mesmo pazes de raciocinar e compreender. Mas hoje, que elas começam
que esse pagamento ocorra depois da morte. Ela não pode inter- a pensar, eis que o método mistério-fé é abandonado e se come-
romper o curso fatal da ação da Lei e, por isso, não pode ser ça, ao contrário, a observar, para compreender e resolver.
capaz de anular os efeitos das causas dispostas por nós em vida. Para bem compreender a passagem que se está efetuando
Ter compreendido o funcionamento da Lei e, com isso, hoje da velha para a nova moral, com a difusão, em todos os
adquirido consciência das consequências fatais dos erros que campos, do pensamento humano positivo e científico, devemos
a violam, leva-nos a viver segundo outro tipo de moral, diver- colocar estas duas formas mentais uma ao lado da outra. O
so daquele praticado no passado. Isso não quer dizer que nos- homem comum do passado não sabia entender nada que esti-
sos progenitores fossem imorais. Eles eram simplesmente vesse além de seu estado emotivo. Assim, ele não era guiado
amorais, mas no sentido de que ainda não podiam entender o pelo raciocínio, mas sim pelos instintos e impulsos do sub-
mais alto nível de moralidade alcançada pelo homem ao atin- consciente, que o faziam mover-se em uma ou outra direção. A
gir essa forma de consciência da Lei, a qual estamos aqui maior preocupação do indivíduo era satisfazê-los. Seu maior
examinando. O homem é moral com respeito ao seu nível de trabalho consistia em superar os obstáculos que, sobrepondo-
evolução, mas torna-se imoral em relação a um nível mais al- se, impediam aquela satisfação. Na simples psicologia do ho-
to. Com a evolução, ele vai-se moralizando sempre com maior mem das massas, não havia lugar para uma moral mais eleva-
exatidão e perfeição, porque a evolução é um avanço em dire- da. Naquele sentido desenvolvia-se a sua inteligência, e era es-
ção ao alto, ou seja, em direção a Deus e à sua lei. Assim, tu- te o tipo da sua norma de vida. Ele não via a razão pela qual
do se torna sempre mais definido, e o que era lícito em um ní- não devesse viver a seu modo, satisfazendo seus desejos,
vel não o é mais no superior. Com o progresso, as malhas da quando não lhe advinha dano. Tudo aquilo que este homem
ética se fazem cada vez mais estreitas, de modo que tudo podia fazer era aprender a arte de encontrar os meios para se
quanto por ela passava numa fase de desenvolvimento do ser, satisfazer. A vantagem imediata que ele obtinha deste método
não passa mais na fase sucessiva. o convencia do valor do mesmo. Além disso, tudo aquilo que o
Nossos antepassados, pelo seu modo frequentemente feroz preceituário daqueles tempos não tinha previsto era considera-
de agir, podem nos parecer imorais. Mas eles o eram apenas em do lícito. Triunfava plenamente o maquiavelismo, segundo o
relação aos mais avançados, e não perante si próprios. Pela qual a habilidade consistia em saber se evadir dessa moral
mesma razão, nós também podemos parecer imorais a nossos mais elevada, porque este era o método que o levava à vitória.
descendentes, mais evoluídos do que nós. É por isso que não se Havia, porém, a presença dos princípios morais, altamente
pode culpar nossos ancestrais, se eles, por serem menos evoluí- proclamados. O problema então era somente fugir deles, satis-
dos, seguiam de fato um tipo de moral mais primitiva. A sua fazendo-se sem incorrer em suas sanções. Como resultado, ti-
involução os justifica. Não é admissível que se possa condenar nha-se uma sociedade bem acomodada e coberta de boas inten-
a vida por ter cometido um erro. Se ela usou no passado tais ções, onde cada um, recitando a sua parte, fazia uma bela fi-
métodos, é porque eles, sendo então proporcionais ao grau de gura, bastando para isso que seguisse algumas regras exteriores
218 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi
convencionais. Tratava-se de um método, também este, para re- razão desta mudança não é de caráter ético, mas sim biológico.
solver o problema da convivência. Trata-se de uma questão de evolução. É pelo fato de passarmos
Tal sistema não podia durar senão na fase evolutiva em que ao estado orgânico que adquire valor o fator retidão, o qual
podia ser utilizado pela vida. Superada aquela fase e alcançada serve nesta hora à vida. E também é por isso que se desvalori-
uma compreensão mais avançada, aquele sistema não é mais zam o fator força e o domínio para impor-se, coisas que, pelo
aceitável. Isso é o que está acontecendo hoje, quando se com- contrário, servem ao estado caótico. O problema é utilitário. A
preende que, com tal método, não se resolve os problemas. Por retidão é aceita pela vida não por ideologias morais, mas por
isso mudou-se de sistema e aqueles problemas são postos a nu, razões práticas de rendimento.
enfrentados com sinceridade e sem escapatórias emotivas, por Tudo é relativo e evolui. Acontecerá então que o princípio
meio de uma mentalidade científica e positiva, que penetra em de retidão e justiça, próprio da Lei, superará o sistema vigente
todos os campos. Essa é o modo pelo qual se alcança a nova da luta. Isso não significa que ela será abolida, mas sim que
moral, baseada no estudo da Lei e de sua técnica funcional, mudará de forma. Pelo fato de estarmos passando hoje ao esta-
que estamos expondo aqui. do orgânico da sociedade, o separatismo individualista torna-se
O extraordinário resultado destes fatos, colocados perante contraproducente para a vida, que, por isso, deixa-o de lado,
uma moral demonstrada e convincente, conduzirá o indivíduo a como fase superada.
um método diferente de pensar e de viver. Assim, do sistema de Assim a luta terminará na sua forma atual de seleção do mais
hipocrisia e escapatórias para desviar-se do próprio dever, com forte ou ardiloso no baixo nível evolutivo, para continuar em
uma moral pregada, mas não praticada, passar-se-á ao sistema uma forma mais aperfeiçoada, como luta inteligente, competin-
da moral sincera e vivida, como é tudo aquilo que depende de do na conquista do desconhecido. Ela se estenderá a grupos cada
fatos positivamente controlados, e não da fé. Trata-se de uma vez maiores, nos quais serão coordenadas as funções sociais e se
verdadeira revolução, que tende a varrer fora os métodos tradi- organizará a coletividade ( A Grande Síntese: “Lei das Unidades
cionais de pensar e agir. Nascerá assim um novo tipo de vida, Coletivas”). Deverá assim desaparecer a luta individual e violen-
por meio do qual o homem adulto poderá autodirigir-se com ta, que será relegada ao submundo social. Sobre esta prevalecerá
conhecimento e consciência perante a lei de Deus. um tipo de luta mais inteligente, realizada em nível mental, que
não se rebaixa às pueris rivalidades do orgulho humano.
V. AS POSIÇÕES DO INDIVÍDUO PERANTE A LEI Já vemos o trabalho de equipe entre especialistas que
unem seus esforços para um fim comum, a coordenação das
Falamos no primeiro capítulo do princípio de retidão, sobre funções nas grandes organizações industriais e a universalida-
o qual se baseia a Lei. Ele corresponde a um princípio de equilí- de da ciência, que não admite barreiras. Assim a seleção, co-
brio e justiça, o qual faz parte da ordem de que é feita a Lei. mo é lógico, será realizada em outro sentido, direcionada para
Vimos, então, que existe este outro método de conceber e con- produzir um indivíduo não mais forte e isolado, mas sim inte-
duzir a vida. Podemos agora perguntar-nos se, para vencer, ter ligente e social, com maior aptidão para viver na coletividade
sucesso e resolver o problema da sobrevivência, há somente o e cumprir nela a sua função específica. Isso não nos surpreen-
método vigente em nosso mundo, pelo qual se deve ser o mais de, porque já vemos tudo isso realizado na sociedade orgânica
forte e hábil para triunfar na vida, ou existe de fato outro método de células que é o corpo humano.
também? Qual é então a sua técnica e a que resultados ele nos Para viver de tal forma, é necessário conquistar qualidades
leva? Aquilo que dissemos até aqui sobre a Lei e a sua retidão diversas daquelas valorizadas no passado, quando a vida se en-
pode levar-nos à dúvida de que o outro método possa ser mais contrava na fase precedente de evolução e o sistema de retidão e
lucrativo e superar o sistema honesto e meritório, no qual se justiça da Lei era próprio de uma fase mais avançada, ainda a ser
possui um valor real, mais útil do que impor-se à força. Seria re- realizada. Ora, a evolução não pode ser detida, por isso ninguém
volucionário admitir que o sistema da justiça, com a consequen- pode evitar os deslocamentos que ela produz. Portanto a passa-
te defesa automática do indivíduo por parte da Lei, possa substi- gem para esse novo modo de conceber e conduzir a vida não é
tuir com vantagem a justiça feita com os próprios meios, como é uma utopia, mas sim uma realidade já em ação, pois constitui
o método vigente no plano animal. Isto seria uma reviravolta, um fenômeno que é natural e fatal consequência da evolução.
pois o justo, mesmo sendo fraco, tornar-se-ia um vencedor, por- Resolvido este problema, tratemos agora de conhecer mais
que está protegido pela Lei, enquanto o homem injusto, que, por a fundo a técnica deste novo método de vida, para poder fazê-
ser forte, impõe sua própria lei, tornar-se-ia um vencido, porque, lo funcionar com nossas mãos. Ao falar de retidão, tínhamos
sendo um rebelde, teria a Lei contra ele. dito que o homem justo, colocando-se na corrente da Lei, é por
Tal estranha afirmação da superioridade de tal método, com ela protegido e auxiliado. Isso seria uma bela solução para re-
a vitória segundo a justiça, como quer a Lei, não é infundada, solver o problema da vida, sendo honestos e colocando-nos
mas baseia-se em vários fatos: 1) É evidente que o velho sistema dentro da Lei, para nos deixarmos assim ser levados por ela.
não resolveu o problema da convivência social pacífica; 2) Mas será possível usar esse sistema para alcançar tal finalida-
Aquele sistema não é mais válido, porque se tornou contrapro- de? Para fazer funcionar a Lei em nossa vantagem bastará a re-
ducente e, portanto, deve ser eliminado, quando se passa do ve- tidão ou, por outro lado, precisamos também de outros fatores?
lho estado social caótico ao orgânico; 3) Esta afirmação é corro- Qual é a estrutura deste fenômeno? Dentro de que mecanismos
borada pelo fato de podermos controlar a sua veracidade, porque deve encontrar-se o indivíduo para sua vantagem, e não para
hoje se está iniciando a passagem para o estado orgânico, em ra- seu prejuízo? Como e em função de que elementos ele deve
zão da qual assistimos a um deslocamento na avaliação dos va- conduzir-se para conseguir isso?
lores humanos. O vencedor egoísta e violento, antes honrado Tudo se baseia na Lei. Porém ela não é apenas um princípio
porque forte e vencedor, começa a ser considerado atualmente de retidão e justiça, mas também uma vontade de torná-lo atu-
um criminoso, inimigo da coletividade. Hoje o herói de guerra, o ante, formando uma corrente de seres vivos que a fazem reali-
amo prepotente dominador e o hipócrita astuto que sabe enga- zar-se. Podemos representar o fenômeno com a imagem da cor-
nar, ao invés de incutirem respeito, provocam revolta e são iso- renteza de um rio sobre o qual o indivíduo se desloca com seu
lados como elementos antissociais, para serem eliminados. barco. Se ele rema de acordo com a Lei, isto é, no sentido da
Nesta nossa época de transição para um novo tipo de civili- corrente, ela o ajudará. Então ele avançará e seus esforços obte-
zação, tudo isso começa a se verificar de forma visível, pois já rão o máximo de rendimento para o bem. Se, pelo contrário, o
podemos verificar o início da inversão dos velhos valores. A indivíduo rema contra a Lei, isto é, no sentido oposto à corren-
Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 219
te, ela não poderá ajudá-lo, levando-o para frente. Então ele re- pio evolutivo da Lei e tende, portanto, a acumular valores nega-
trocederá e seus esforços só obterão rendimento para o mal. tivos em prejuízo do indivíduo.
No entanto o fenômeno não se exaure aí. Pode haver outras Então a posição de justiça, favorável a esse homem, segun-
posições, que devemos examinar para resolver o problema do a Lei, é neutralizada por sua posição oposta de inércia antie-
apresentado acima, como a questão de ser honesto e deixar-se volutiva, contra a Lei, em prejuízo dele. Assim, a negatividade
levar. Se o fato de agir segundo a justiça nos coloca na corrente da inércia, que recusa a evolução, anula a positividade da reti-
da Lei, então nada impede que, uma vez colocado o barco na dão, levando o indivíduo a uma estagnação na qual a vida para.
corrente, seja possível avançar sem remar. E esta seria uma bela O resultado é que ele, permanecendo estacionário em um mun-
solução: evoluir sem fadiga. Mas por que isso não é possível? do de movimento, acaba sendo superado pela massa em mar-
Chegando a este ponto, é necessário, para compreender o cha, resultando disso um retrocesso, porque o movimento des-
fenômeno, levar em conta que influenciam como elementos loca tudo para diante, ao longo do caminho da evolução.
fundamentais da Lei não só o princípio de retidão e justiça, mas Para compreender isso, é necessário levar em conta que o
também o princípio de evolução e, portanto, qualquer movi- fluxo da corrente evolutiva avança continuamente e, portanto,
mento com essa finalidade. Assim, a Lei exige também o cum- está ligado ao tempo como uma função dele. De fato, definimos
primento deste dever por parte do indivíduo, além daquele ou- o tempo como o ritmo que regula e mede o desenvolvimento do
tro. Então vai contra a corrente da Lei não só aquele que não transformismo fenomênico. Ora, esta transformação se verifica
cumpre o dever de retidão e justiça, mas também quem não em sentido evolutivo, de modo que o fluxo da corrente evoluti-
cumpre o igualmente importante dever de evolução, deixando va está ligado ao fluxo da corrente do tempo e, assim como ele,
de realizar o movimento para realizá-la. Em suma, o homem, não pode parar. Quem se isola dessa corrente fica estacionado
embora justo, se não trabalha para evoluir, também é um viola- dentro dela, mas ela não pode ser interrompida e continua a
dor da Lei, como o é quem trabalha contra ela. avançar. Desse modo, quem para é ultrapassado e deixado para
Compreendido isso, vejamos quais são as outras posições, trás, com um movimento equivalente a um retrocesso involuti-
além dos dois casos extremos já examinados, que o indivíduo vo, semelhante àquele realizado no segundo caso pelo indiví-
pode assumir perante a Lei. Nos dois casos precedentes, ele se duo que se move contra a Lei, retrocedendo. Eis como a inér-
move: 1) Segundo a Lei e seguindo-lhe a corrente; 2) Contra a cia, pelo fato de, também no homem justo, transformar-se em
Lei e movendo-se em direção oposta à sua corrente. Temos de- involução, pode constituir um grave prejuízo para ele.
pois outros dois casos, relacionados não ao movimento, mas sim No quarto caso, tal como no terceiro, o indivíduo se coloca
à inércia: 3) O homem justo que se recusa a trabalhar para evo- contra a Lei, porque se recusa a trabalhar para evoluir, colocan-
luir; 4) O homem injusto que igualmente se recusa àquele traba- do-se fora da corrente que avança. Porém essa sua negatividade,
lho. Estes dois tipos são ambos culpados, pois, dado que a Lei é ao invés de ser compensada com a positividade do homem justo,
movimento, ficar parado é um atentado contra ela, constituindo como se dá com o tipo do terceiro caso, é, pelo contrário, agra-
uma revolta contra o princípio de evolução, fundamental na Lei. vada pela sua negatividade de homem injusto. Segue-se que os
Quais são então as consequências de se cometer o erro de não dois impulsos, não sendo opostos um ao outro como no terceiro
trabalhar para avançar, seguindo o movimento evolutivo? caso, não se neutralizam, mas somam-se, e isso no negativo. En-
Para melhor nos exprimirmos, representamos o fenômeno tão, por falta de trabalho evolutivo, o retrocesso involutivo do
com a imagem de um grupo de seres percorrendo um caminho. terceiro caso, próprio do inerte que para, não só se verifica neste
Poder-se-ia traçar em um desenho a estrada sobre a qual avança caso, mas também é maior, uma vez que o seu ponto de partida,
o movimento dessa massa, relativamente àquele percurso, ao sendo o do injusto, e não o do justo, está mais embaixo.
deslocamento e às várias posições do indivíduo. Para nos facili- O indivíduo do quarto caso se encontra em vantagem sobre
tar a compreensão, também introduziremos no fenômeno os aquele do segundo, porque, enquanto este é ativo de forma anti-
conceitos de positivo e negativo. Assim, qualificaremos com Lei, trabalhando para involuir, aquele, com a sua inércia, para-
um sinal positivo tudo aquilo que está de acordo com a Lei e, lisa esse movimento em sentido negativo, pernicioso para ele.
portanto, progride com o próprio esforço, seguindo a corrente Assim a sua inércia freia o seu retrocesso, deixando-o um ponto
da evolução, e qualificaremos com um sinal negativo tudo aqui- acima do qual chegaria, se fosse ativo como homem injusto, no
lo que é anti-Lei e, portanto, tende a retroceder, seguindo na di- sentido anti-Lei. Eis que, no quarto caso, a inércia, como sus-
reção contrária àquela corrente. pensão de uma atividade negativa, pode representar uma vanta-
Examinemos agora os vários casos expostos acima. No pri- gem, porque é um mal menor. Se, para quem avança pelo ca-
meiro caso, o indivíduo encontra-se de pleno acordo com a Lei, minho do bem, parar é um mal, para quem avança pelo cami-
porque é um justo que se colocou e se move na corrente da evo- nho do mal, parar é um bem. Em outras palavras, se, para quem
lução. Uma vez que aplica os princípios fundamentais da Lei, trabalha positivamente, parar é negativo, para quem trabalha
ele progride em positividade, acumulando a seu favor sempre negativamente, parar é positivo.
mais valores daquele tipo. Cada indivíduo se situa numa dessas quatro posições, se-
No segundo caso, o indivíduo encontra-se em plena opo- gundo sua natureza e seus impulsos correspondentes, aos quais
sição contra a Lei, porque, além de injusto e situado fora da a Lei responde adequadamente. Isso coincide com o que ele
Lei, move-se contra a corrente da evolução. Uma vez que vi- merece, porque a estrutura de sua personalidade é obra sua.
ola os princípios fundamentais da Lei, ele regride no sentido Com essa técnica automática, cada um recebe a lição a ele
da negatividade, acumulando em seu prejuízo sempre mais adaptada. A lei quer a correção do erro para a salvação do ser, e
valores deste tipo. a evolução é o meio pelo qual isto tem de se realizar. A função
No terceiro caso, o indivíduo está, por um lado, de acordo da evolução é transformar o negativo em positivo, assim como
com a Lei, porquanto é um justo, mas, por outro lado, está con- a função da involução é emborcar o positivo em negativo. A
tra ela, porque, recusando-se a avançar, isto é, a trabalhar para evolução é uma corrente em movimento, dentro da qual a Lei
evoluir, senta-se à margem da estrada, fora da corrente evoluti- quer que tudo avance. Está implícito, portanto, que ela faça essa
va, que avança. Então, neste caso, temos duas forças opostas. corrente levar avante quem nela se coloca e, no caso contrário,
Uma é dirigida em sentido positivo, porque funciona segundo o faça o oposto. Assim podemos compreender por que isso acon-
princípio da retidão da Lei e tende, portanto, a acumular valores tece. E de fato, a Lei ajuda ao máximo o indivíduo do primeiro
positivos a favor do indivíduo. A outra, pelo contrário, é dirigi- caso, resiste ao do segundo caso, colocando-lhe obstáculos, e
da em sentido negativo, porque funciona opondo-se ao princí- deixa entregue a si mesmos os do terceiro e quarto casos.
220 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi
Há, porém, um fato fundamental, que não admite exceções. estabelecem o funcionamento orgânico executado pela matéria
A Lei atinge fatalmente a sua finalidade, que é fazer a evolução e pela energia. Sem tal essência, ao invés da ordem existente,
funcionar e, por meio dela, levar todos à salvação. Qualquer feita de movimentos coordenados em direção a um fim deter-
que seja a posição escolhida pelo indivíduo, as reações da Lei minado, segundo um processo construtivo de evolução, tería-
acabarão sempre por corrigi-lo do erro e fazê-lo avançar, seja mos o caos total, no qual tudo ficaria disperso.
porque ele é atraído pelo bem que conquista, seja porque ele O campo no qual agem essas forças de natureza psíquica,
procura salvar-se do mal que lhe cai em cima. Muitos procuram diretoras de nossa vida, é a nossa personalidade, em cuja estru-
retroceder e muitos se põem de lado para fugir à fadiga de evo- tura deveremos, portanto, descobrir a existência delas e, com
luir, mas a grande corrente da Lei irá persegui-los, agitá-los e isso, a origem primeira do lançamento da trajetória de seu de-
desentocá-los, até levá-los à salvação. Não se pode deixar de senvolvimento. Para conhecer tudo isso, devemos então olhar
nascer e viver, como não se pode deixar de aprender e evoluir. para dentro de nós, porque é de nossas qualidades e das ações
É fatal, portanto, o retorno final a Deus. que lhes seguem que depende, por dedução lógica de causa-
efeito, o nosso destino.
VI. ANÁLISE DAS FORÇAS DA PERSONALIDADE E Eis então que, para conduzir o exame mencionado acima, é
O CONHECIMENTO DO FUTURO. necessário conhecer-se a si mesmo, porque aí se encontra a ori-
O FIM DAS GUERRAS. gem do primeiro impulso, que estabelece o ponto de partida pa-
ra todo o movimento. São as qualidades de que somos feitos
Ao tratar no capítulo precedente das posições justas ou er- que estabelecem a posição inicial do lançamento, da qual de-
radas que o indivíduo pode assumir, falamos de bem ou mal em pende a forma da trajetória, a sua direção, o seu desenvolvi-
termos gerais, como valor positivo ou negativo, sem especifi- mento e, por fim, o seu ponto de chegada. É necessário então
car-lhes o conteúdo. Nossa finalidade é compreender o fenô- um exame de consciência profundo, severo e sincero, realizan-
meno, e não fazer preceituário. Esse trabalho o leitor, se lhe do-se um trabalho de introspecção e autopsicanálise que ponha
agradar, poderá fazê-lo, tendo em conta a natureza do erro to- às claras as características das forças positivas (segundo a Lei)
mado para exame. Queremos então mostrar como proceder pa- ou negativas (anti-Lei) que constituem a nossa personalidade.
ra, a partir do geral, inferir o particular, quando se quiser foca- Voltaremos a este conceito no fim do volume.
lizar um caso específico. Entramos assim no terreno das aplica- O resultado da análise do caso, como conhecimento do seu
ções dos princípios expostos acima. desenvolvimento e previsão de sua conclusão, depende da exa-
Para fazer isso, é necessário definir a natureza e a quanti- tidão de tal exame de consciência. Este desenvolvimento é jus-
dade dos valores dos quais é constituído o fenômeno a ser es- tamente aquilo que chamamos de destino, o qual, pelo fato de
tudado. Estabelecida uma unidade de medida, pode-se deter- nos faltar o conhecimento necessário para poder conduzir tal
minar, no caso observado, o posterior desenvolvimento e a ve- análise, é considerado como uma fatalidade cega. No entanto
locidade da progressão de sua evolução, assim como a dimen- trata-se, pelo contrário, de um fenômeno analisável em suas
são do deslocamento do indivíduo no sentido positivo segun- causas, corrigível em seu desenvolvimento e controlável em
do a Lei, ou negativo anti-Lei, ao longo do seu caminho evo- seus movimentos. E é desse modo que ele será entendido, im-
lutivo. Pode-se também determinar o grau de afastamento al- plantado e dirigido futuramente na vida, quando o indivíduo
cançado pelo indivíduo em relação à linha da Lei, em sentido for consciente da Lei.
negativo (por falta de retidão), e o grau de proximidade desse Para chegar a isso, é necessário compreender que o futuro já
homem em relação a ela, em sentido positivo (como retidão). está contido em suas causas, que temos sob os olhos no presen-
Assim, naquele segundo caso já estudado, pode-se observar o te. Eis então que o futuro é analisável em sua origem, fonte dos
movimento de retrocesso involutivo realizado pelo indivíduo, primeiros movimentos, de que depende todo o resto. O proble-
não só em relação à força exercida por ele contra a corrente, ma está em saber compreender o conteúdo daqueles germes e a
mas também em relação à força exercida pela corrente a favor sua lei de desenvolvimento, para determinar sua direção e, as-
da evolução, e assim por diante. sim, o ponto para o qual tende. Isso é possível, porque todas es-
É possível, então, chegar à determinação qualitativa e sas coisas estão contidas naqueles germes. Se soubermos exa-
quantitativa desses valores, porque se trata de forças. Elas minar e compreender tudo, eis que, depois do presente, pode-
são postas em movimento numa dada direção, sendo lançadas remos ver o seu futuro correspondente.
ao longo de uma trajetória que, pelo fato de estar sujeita a Pelos princípios segundo os quais a Lei atua, poderemos
uma lei de desenvolvimento, como acontece com todos os fe- saber que forma tomará em cada caso o efeito das causas dis-
nômenos, pode ser determinada e traçada. O princípio de postas por nós, para o bem ou para o mal. Pode-se assim co-
causa-efeito liga em uma concatenação lógica os sucessivos nhecê-lo como um complemento lógico daquela causa, especi-
momentos desse desenvolvimento, fazendo-o avançar sobre almente na reação corretiva por parte da Lei. Ela, de fato, por
um trilho definido e a uma dada velocidade. Isso permite es- princípio de ordem e equilíbrio, põe ao lado de cada movimen-
tabelecer, com antecedência, onde, quando e de que forma o to, à guisa de anticorpo, o correspondente fator compensador,
fenômeno vai terminar. que age como termo complementar. Desse modo, pode-se co-
Estas são apenas indicações gerais sobre a questão. Aqui só nhecer o valor desta incógnita, pois sabe-se que, para usufruir
podemos expor o problema sumariamente, oferecendo ao leitor uma vantagem, é necessário ter-se fatigado para merecê-la, ra-
a chave para que ele possa aprofundar-se e analisar por si mes- zão pela qual quem, para usufruir, faz o mal, termina por dever
mo, resolvendo os casos que surgirem. Quem desejar conhecer pagar, sofrendo. Como se vê, não se trata de um trabalho de
como se chega a essas conclusões, pode encontrar orientações profeta, com base numa incontrolável intuição ou inspiração,
no volume: Princípios de Uma Nova Ética. acessível somente a poucos e em condições excepcionais, mas
Tudo isso que expusemos é possível. Presume-se, porém, sim de um trabalho à base de lógica, acessível a todos, em
uma definição da natureza e da quantidade de movimento das condições normais e em termos positivos. Assim, começa-se a
forças que constituem o caso em exame. Elas são do tipo men- entrar, com o método racional, no campo até agora reservado à
tal. É necessário ter compreendido que o nosso universo é cons- ética e às religiões, resolvendo os problemas que elas pro-
tituído não somente de matéria e energia, mas também de psi- põem, mas não resolvem. E isso sem basear-se em afirmações
quismo. Trata-se de uma onipresente substância psíquica, com gratuitas, não controláveis, mas sim usando uma técnica racio-
caracteres de inteligência, ligada à direção dos movimentos que nal e uma forma mental científica. Até agora, a ciência e a fé
Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 221
partiram de pontos e usaram métodos muito diversos para po- Então, como se comporta a Lei neste momento, em relação
der estabelecer um diálogo e uma compreensão. Hoje, porém, ao homem, que ela deixa livre para construir seu destino con-
o homem está se transformando de criança em adulto e, por is- forme ele quiser? A Lei exige que seja atingida a sua finalida-
so, enfrenta tais problemas com outra forma mental. A ciência de, que é fazer a vida entrar em sua nova fase de desenvolvi-
avança sobre todos os campos, de modo que invade também os mento, na qual o método da violência bélica estará superado. O
mais longínquos, preparando-se para enfrentar neles problemas homem é livre, mas, não importa o que ele faça, a Lei está de-
que têm até agora, com os velhos métodos, permanecido inso- cidida a realizar sua vontade sobre a dele.
lúveis. Trata-se do encaminhamento em direção à religião ci- O resultado do sistema é sempre o mesmo: 1) Ou o homem,
entífica da nova civilização do Terceiro Milênio. porque a compreendeu, obedece à Lei, colaborando com ela no
Uma diferente aplicação de tais conceitos, prática e imedia- cumprimento de sua vontade; 2) Ou o homem desobedece à
ta, podemos encontrar em outro campo. Podendo-se prever em Lei, sendo forçado assim a cumprir a vontade dela. No primeiro
suas primeiras causas quais serão os acontecimentos de nossa caso, a abolição das guerras é conseguida pacificamente, sem
vida, será possível preparar uma defesa contra aqueles doloro- dores, só por meio da inteligência. No segundo caso, o mesmo
sos. E isso poderá acontecer através do uso de uma técnica dife- resultado é atingido à força, por meio de uma ação constritiva,
rente daquela comumente adotada, intervindo de forma preven- realizada por meio de uma prova dolorosa. Este é o meio que a
tiva e agindo sobre as causas, de modo a suprimir-lhes ou cor- Lei usa com quem não compreende outra linguagem. Trata-se
rigir-lhes os efeitos. Trata-se de um novo método de defesa da de um método seguro, uma vez que, independente do caso, a
vida, mais inteligente e decisivo. Lei acaba sendo obedecida, seja porque foi compreendida, seja
A vida, então, irá se tornar completamente planificada, e o porque foram sofridas as consequências de não compreendê-la.
homem será o senhor do seu próprio destino, em vez de supor- Vejamos o primeiro caso. A Lei oferece motivos utilitários
tá-lo como um escravo, sem entendê-lo. O jogo é claro. positivos a quem é capaz de avaliá-los, para que sejam acei-
Quando sabemos que as causas de nossas dores são os nossos tos. Os armamentos atômicos custam muito, porque envelhe-
defeitos, podemos eliminar as dores, eliminando os defeitos. cem rapidamente e são continuamente renovados pelo inces-
Isso porque está na lógica da Lei que, onde não temos defei- sante progresso científico. A primeira vantagem, portanto, em
tos, ela não tem razão para impor lições corretivas. Será pos- prol da paz, é a supressão do custo de produção. Há depois o
sível assim, fazendo um exame de consciência, até mesmo fato de que é difícil obter uma superioridade atômica absoluta
prever quais provas nos esperam, porque elas são uma conse- e definitiva, que assegure a defesa, porque sempre se pode ser
quência lógica de nosso passado. Mas é evidente que, para superado por outro país. A preparação com meios atômicos
nos libertarmos, é necessário agir sobre as causas e, se não for não admite mais possibilidade de vitória, porque o atacante
possível, procurar pelo menos aliviar o peso das provas a en- seria aniquilado juntamente com o atacado, de modo que uma
frentar, colaborando com a Lei, aceitando e compreendendo a guerra produziria somente destruição para todos. E isso se
sua lição. De fato, a finalidade da Lei é ensinar, a fim de que torna sempre mais verdadeiro, porque os meios atômicos fa-
não se repita o erro e, assim, não se tenha de suportar a dor zem-se mais mortíferos a cada ano.
correspondente. Certamente, quando o aluno aprende por Vejamos o segundo caso. Se o homem quiser colocar-se em
meio da inteligência e da boa vontade, não há razão que justi- uma linha anti-Lei, insistindo em usar a sua inteligência no
fique o método do chicote, porque dele não se tem mais ne- sentido de determinar uma guerra atômica, ela será igualmente
cessidade para atingir aquele fim. Eis então, como aspecto uti- a última, porque constituirá tal prova e lição, que todos perde-
litário do presente estudo, um método inteligente para evitar a rão a vontade de repetir a experiência. Assim, com o sistema
dor. No final deste volume, aprofundaremos também este do chicote, a Lei saberá fazer-se compreendida, alcançando a
conceito. Isso poderia ser chamado de um novo tipo de seguro sua finalidade da mesma forma, ainda que o homem não queira
contra os males que nos ameaçam. Tal seguro, porém, só é ob- compreender o absurdo de seu comportamento. E a culpa será
tido individualmente, com um trabalho consciente e inteligen- dele, que pagará um alto preço, pois a sua liberdade não pode
te. Estes conceitos são suscetíveis de vários desenvolvimen- impedir que a Lei se realize.
tos, razão pela qual tudo que, aqui, é agora um ponto de che- Mas por que ela quer hoje a abolição das guerras? A Lei o
gada, poderá ser para outros um ponto de partida. quer porque não há mais necessidade delas para atingir seus
Mas, também no plano coletivo, a ascensão do homem pa- fins. Se no passado a vida as aceitava, é porque tinham uma fi-
ra um mais alto nível de inteligência e consciência levará a nalidade, que era misturar os povos, difundir as ideias e ex-
grandes mudanças. Sabemos que a evolução tende a levar para pandir a civilização dos conquistadores nos países conquista-
uma diminuição progressiva da dor, reduzindo-a tanto mais, dos. As grandes marchas dos exércitos no passado eram meios
quanto maior for o grau de compreensão da Lei e, portanto, de de comunicação através de massas inertes. O invasor vencedor
harmonização com ela, o que significa evitar o erro e o cor- era um fecundador não só de mulheres, mas também de cére-
respondente sofrimento corretivo a ele ligado. O objetivo de bros, instituições e costumes.
tais esforços é sempre evitar a dor. E um dos efeitos do de- Hoje, a vida não tem mais necessidade das guerras com essa
senvolvimento da inteligência humana será a eliminação das função, porque a ciência abriu grandes vias, antes desconheci-
guerras. Esta será uma das grandes transformações que se ve- das. Os meios de comunicação fizeram-se hoje tão rápidos e fá-
rificarão no atual momento histórico, no qual termina um ci- ceis, que se atingiu automaticamente um estado de fusão perma-
clo de civilização e inicia-se outro. A vida está empenhada a nente, sem necessidade de invasões com exércitos vencedores.
fundo neste trabalho. Tudo isso amalgama, unifica e suprime as diferenças de língua,
A abolição das guerras será o resultado da nova moral utili- ideias e raça, em razão do que ruem as barreiras étnicas, econô-
tária, baseada na inteligência. Isso não acontecerá por mérito de micas, políticas e religiosas, levando em direção ao futuro esta-
teorias pacifistas. Elas nunca serviram para nada. A vida não é do orgânico, ao qual, por lei de evolução, tende a humanidade.
feita de palavras, mas sim de fatos, baseando-se sobre um posi- É com esta finalidade que a vida abandona o sistema de
tivo cálculo utilitário. A moral que eliminará as guerras não se- guerras. A Lei quer a unificação, e hoje surgiu um fato decisivo
rá filosófica ou religiosa, mas sim racional e positiva, conforme neste sentido. A evolução levou a humanidade a alcançar os
a nova forma mental que o homem está assumindo hoje, ao umbrais de uma nova fase de desenvolvimento, forçando-a ago-
atingir um novo nível de evolução. Este é um dos muitos resul- ra a entrar nela. Como aconteceu isso? O progresso da ciên-
tados da atual crise de crescimento. cia levou à descoberta de armas bélicas de tal potência, que não
222 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi
podem ser usadas sem provocar uma catástrofe universal. O fa- vigente, baseado na luta pela seleção do mais forte para exer-
to é que elas são mortíferas demais para poderem ser usadas cer o comando, passa-se ao colaboracionismo, baseado no mé-
com a velha finalidade de vencer um inimigo. Hoje as duas todo da cooperação pacífica para o interesse comum. Esta se-
maiores nações que disputam a supremacia mundial atingiram gunda posição está nos antípodas da primeira. Como é possível
uma tão grande potência atômica, que cada uma delas pode des- então, num ambiente onde domina o regime de caos, transfor-
truir a outra, e cada uma sozinha pode destruir o mundo. mar a luta em colaboração? Como conseguir implantar aí um
Chegamos ao ponto de ruptura com a velha lei da luta, que método de vida unificado e orgânico?
deve ser abolida, porque, em vez de atingir o fim evolutivo de Não é sem razão que o homem é por instinto proselitista,
seleção do mais forte, leva, pelo contrário, a uma destruição expansionista e imperialista. Veremos agora como a vida utili-
universal, fato contra o qual a vida se rebela. Essa é a forma pe- za essas qualidades. É certo que elas são contraproducentes em
la qual a Lei elimina as guerras, que não servem mais aos fins uma sociedade que atingiu o estado orgânico, onde é funda-
dela, pois não termina com o triunfo do vencedor selecionado mental o dever do respeito ao espaço vital alheio (material e
(fato de utilidade biológica em sentido evolutivo), mas sim com espiritual), porque tudo está disciplinado na ordem, não sendo
a destruição de todos. A revolução é profunda, porque leva a lícitas transgressões de normas e violações de limites. Mas
um estado de unificação mundial, abolindo o velho método de aquelas qualidades, em uma sociedade no estado caótico, ser-
vida egocêntrica e separatista, para adotar o método coletivista vem à vida, que, graças a elas, pode realizar, sob o domínio do
e colaboracionista. Isto significa passar do estado caótico ao vencedor na luta, os primeiros reagrupamentos, os quais, sem
orgânico. Trata-se de um grande salto avante em direção ao re- tais condições para lhes impor e manter a união pela força, não
gime de ordem, para o qual tende a evolução. se formariam nem resistiriam.
Vemos, de fato, que tudo isso hoje começa a se realizar, tanto É com este sistema que a vida começa a impor gradualmen-
no campo político como no religioso. Vem acontecendo entre os te o novo regime de tipo orgânico no lugar do caótico. Ela utili-
filhos separados do cristianismo e acontecerá para todas as reli- za o vencedor na luta, que, por isso mesmo, mostra-se mais ap-
giões, cujas bases positivas serão dadas pela ciência, único co- to para as funções de organizador, servindo justamente para es-
nhecimento de tipo universal. No campo político, a mesma ten- ta finalidade, de amalgamar e unificar sob seu comando os ego-
dência à unificação levou à ideia nova dos Estados Unidos da centrismos rivais que constituem o regime de caos. Como se vê,
Europa, reduzindo as três ou quatro potências mundiais a um esta é uma fase de transição, na qual se utiliza o melhor fruto
número sempre menor, até que se atinja uma sociedade mundial do método mais involuído para passar à posição mais evoluída.
de nações, com um governo único, que assumirá funções de polí- O indivíduo da fase caótica jamais se adaptaria a viver no regi-
cia e impedirá as guerras, resolvendo os casos de países menores. me de ordem, a não ser forçado por um chefe construído se-
Estes são os novos conceitos que a Lei colocará em prática. gundo seu mesmo velho tipo, capaz de tratá-lo com o método
Os destruidores do velho já estão trabalhando. Mas não se trata da força, o único compreensível para ele. Desse modo, a vida
de destruição, e sim de renovação. A Lei nos mostra o gesto de fornece os meios necessários para induzi-lo a evoluir.
Deus, continuamente criador, impulsionando o homem novo Obrigado assim a viver dessa outra maneira, o indivíduo
em direção a uma posição biológica mais adiantada, envolven- egocêntrico e separatista começa a avizinhar-se e a fundir-se
do todas as suas manifestações. Na superfície vê-se a tempesta- com o seu rival, encaminhando-se para um estado unitário.
de gerada pelo vórtice do grande deslocamento. Mas nas pro- Mas, dado seu tipo, era-lhe necessária uma educação imposta à
fundezas está a ordem da lei de Deus, que guia o desenvolvi- força, para que assim, habituando-se, ele assimilasse e apren-
mento do fenômeno e garante seu bom êxito. O tempo bate fa- desse a viver o novo modelo. Era necessária uma educação im-
talmente o ritmo do transformismo evolutivo, que a cada mo- posta por um amo vindo de fora, para que, depois, ela descesse
mento, sem jamais cessar, demole o negativo, para reconstruí-lo do exterior para o interior, a fim de ser assimilada através de
positivamente. Vemos a trajetória do fenômeno lançada do mal longa repetição, até se tornar um automatismo ou novo instinto.
para o bem, cujo completo e definitivo triunfo deverá ser assim Esta é, na verdade, a técnica que a vida adota para a formação
fatalmente alcançado no retorno final do ser a Deus. de novas qualidades na personalidade.
É fato que o ponto de partida do atual salto à frente é o ho-
VII. O FUTURO ESTADO ORGÂNICO mem do velho tipo, construído no passado, e também é fato que
UNITÁRIO DA HUMANIDADE a vida não dispõe de outro. Esse homem não é racional, inteli-
gente e planejador, como o futuro tipo, mas um ser movido
Observamos no capítulo anterior o fenômeno do fim das apenas por seus instintos. Dado tudo isso, não resta à vida, para
guerras e a tendência à unificação política mundial. Em outros dar aquele salto, a não ser utilizar, tal qual ele é, o único mate-
pontos, já afirmamos que a humanidade se encaminha para o rial de que ela dispõe, aplicando os seus métodos para modifi-
estado orgânico. Olhemos agora para o futuro, a fim de com- cá-lo. Tratando-se de instruir indivíduos do tipo rebelde, é lógi-
preender o que ele nos prepara neste terreno. co que esse trabalho não pudesse ser feito senão por férrea im-
Comprovamos nos fatos que o homem, quanto mais é primi- posição. O raciocínio e a persuasão não servem para esse nível.
tivo, tanto mais é individualista, egocêntrico, separatista e iso- É assim que as formas de organização que se verificam em
lado, vivendo num estado caótico, e quanto mais é evoluído, nossa sociedade são caracterizadas pela imposição, e não por
tanto mais é coletivista, interdependente com seus semelhantes uma unificação espontânea e convicta, na qual cada um, cons-
e integrado ao todo, vivendo num estado orgânico. ciente de sua função na coletividade, toma a posição que o es-
A passagem de um tipo ao outro ocorre por evolução. Não pera. É assim que a organização na Terra é do tipo imperialis-
há dúvida que esta marcha é orientada e que sua direção vai da ta, tomando a forma hierárquica, numa estrutura em que a or-
desordem para a ordem na lógica de seu desenvolvimento. De- dem desce de apenas um que comanda a muitos que obede-
sordem significa uma posição de elementos rivais em luta entre cem. Segue-se que estes, naturalmente rebeldes, têm seu indi-
si, cada um afirmando-se em si mesmo contra o outro. Ordem vidualismo egocêntrico encerrado na ordem imposta pelo che-
significa uma posição de relações recíprocas de tipo diferente, fe. E assim começa a realizar-se o principio orgânico. Estes
tendo como base a vida em sociedade, segundo o princípio da são seus primeiros passos.
unificação, colaboração e organicidade. Estamos aqui explicando por que tudo isso acontece assim e
Queremos observar aqui como a vida passa do primeiro qual a razão para a vida se comportar desta maneira. Tal estru-
estado ao segundo, ou seja, como do individualismo até agora tura, assumida pelo princípio orgânico em suas primeiras for-
Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 223
mações, para chegar depois a se realizar plenamente, nós a en- VIII. POR QUE SE VIVE.
contramos em todos os campos, seja político, religioso, bélico, AS TRAJETÓRIAS ERRADAS E
industrial etc. Qualquer que seja o tipo de governo, religião, A TÉCNICA DE SUA CORREÇÃO
exército ou atividade econômica, termina-se sempre no sistema
piramidal, composto por chefes e dependentes, com o poder No presente trabalho, a finalidade pela qual estamos estu-
tanto mais centralizado, quanto mais se dirige para o alto. dando a estrutura e a técnica do funcionamento da Lei é evitar o
Tudo isso é perfeitamente coerente com as qualidades do mal e a dor. Tratando-se de resolver um problema, é lógico que
biótipo humano em seu nível evolutivo atual, seja pelo instinto a primeira coisa a fazer é compreendê-lo, analisando-o com
de egocentrismo separatista que o faz rebelde e, portanto, ne- mentalidade positiva. Por isso evitamos atitudes idealistas, não
cessitado de uma ordem imposta para sair do caos, seja pelo baseadas na realidade dos fatos.
instinto de domínio sobre seu semelhante para submetê-lo. A A vida dá provas de uma tão grande sapiência ao construir
técnica usada pela vida combina e utiliza essas qualidades para seus organismos, dirigir os seus fenômenos, resolver os seus
alcançar seu objetivo, que é passar à organicidade. problemas e atingir os seus fins, que não podemos deixar de
Eis por que a estrutura das organizações humanas atuais é considerá-la um centro psíquico inteligente. Este fato nos auto-
do tipo comando-obediência. Trata-se de uma razão psicoló- riza a estudar-lhe o pensamento para conhecê-lo.
gica estrutural, ligada à realidade e proporcionada aos fins, Perguntamo-nos, então, por que a vida, que soube criar as
segundo o comportamento normal da vida, que sabe tirar o maiores maravilhas, resolvendo problemas dificílimos em suas
melhor partido dos elementos disponíveis. Assim, utiliza-se o construções, deixa frequentemente suas criaturas indefesas, à
individualismo para cumprir a função de chefe, a seleção do mercê de mil perigos e sofrimentos? Como se explica tamanha
mais forte para escolhê-lo e a prepotência do dominador para indiferença por tal sorte, ao lado de tanta sabedoria e previdên-
subjugar e enquadrar os rebeldes na ordem, aproveitando-se cia? Como se justifica tanta negatividade destrutiva, ao lado de
assim as próprias qualidades do caos para construir o estado tanta positividade construtiva? Quando o indivíduo vem ao
orgânico. Essa condição pode surgir, mas apenas na depen- mundo, frequentemente espera-lhe a miséria, as doenças, o cár-
dência de um chefe, vencedor por eleição ou por revolução. cere e muitos outros tipos de sofrimentos materiais e espiritu-
No fundo, trata-se sempre de um ato de conquista, com o ais. Há gente condenada desde o nascimento a uma vida de do-
qual, para satisfazer seu instinto de domínio, o chefe começa res. Todavia as coisas estão combinadas de tal modo, que nas-
a organizar os seus dependentes. É natural que do velho mé- cer é algo fatal, porque depende de instintos irrefreáveis. Além
todo de vida nasça esse novo, levando consigo as qualidades disso, a vida é imensamente pródiga de meios para tornar o fato
dele, para depois libertar-se delas gradativamente. É assim do nascimento inevitável. Ela, que é avaríssima e utilitária,
que, em nossa sociedade, podemos encontrar casos de orga- desperdiça uma abundância incrível de germes, destinados em
nicidade já distanciados daquela posição original impositiva, grande parte a perecer. Por exemplo, dos duzentos e cinquenta
que forma o esqueleto do fenômeno. milhões de espermatozoides que conseguem contato com o
Inicialmente, a organicidade existe como um produto da óvulo, somente um está destinado a operar a fecundação.
potência dominadora do chefe, estendendo-se em profundi- Se a vida deseja tanto que o ser nasça, ainda que seja para
dade e amplitude proporcionais a essa potência. Assim, de deixá-lo depois submetido a todos os tipos de condições, exce-
Roma a Carlos Magno, a Napoleão etc., nasceram e desapa- to um estado de felicidade garantida, então deve haver uma
receram os grandes impérios da história. Sobre o mesmo forte razão para isso. Somente tal fato pode explicar a contra-
princípio baseia-se a solidez do grupo familiar e de outros, de dição existente nas manifestações da vida, que é tão benéfica
dimensões sempre maiores, como instituições, associações, de um lado e, depois, tão maléfica de outro. E, nisto, ela dá
partidos, religiões, nações etc. Como se vê, existe uma gra- também provas de saber perfeitamente fazer-se obedecer, ade-
duação unificadora sempre mais vasta, que tende a se desen- quando-se exatamente ao caso de indivíduos cujo primeiro im-
volver, admitindo um número sempre maior de elementos. pulso é a desobediência à Lei.
Notamos então que o princípio de unificação é um fato posi- Para os subdesenvolvidos, o jogo da vida se reduz a buscar
tivo que se está realizando. Trata-se de um fenômeno que o prazer e a fugir da dor. Mas a coisa não é tão simples, e ne-
funciona e vai-se impondo. E unificação sempre mais vasta nhuma uma explicação nos é oferecida. Encontramo-nos pe-
implica em organicidade cada vez mais complexa e completa. rante um funcionamento que cabe a nós mesmos descobrir e
Assim avança-se também neste sentido. compreender. Trata-se de algo que simplesmente funciona,
Deste modo, os elementos dispersos no caos começam a co- como acontece com todas as leis do universo, sem nos dizer
nhecer o novo estado de ordem que os aguarda, habituam-se a nada a seu respeito. Tratemos então de compreender qual é,
viver nele, veem-lhe as vantagens, assimilam-lhe as qualidades, neste caso, a regra do jogo.
aprendem a arte da convivência e da colaboração, encaminhan- A finalidade da vida não pode ser gozar, ainda que os ingê-
do-se gradualmente para a coletivização. É assim que, pouco a nuos possam crer nisso. Isto pode acontecer na juventude,
pouco, o indivíduo, de egocêntrico separatista, vai-se fazendo quando o indivíduo baseia-se em seu desejo, e não em sua ex-
orgânico unitário, assimilando as qualidades necessárias para periência. Mas não há velho que, tendo vivido, conserve tal
isso. Eis a técnica do fenômeno. Esta é uma das vias pela qual a ilusão. Então devemos admitir que a finalidade da vida não é o
Lei se manifesta, realizando a evolução. O resultado final que gozo, pois, se fosse, impor o nascimento de uma criatura desti-
nos espera no futuro é o estado orgânico unitário. nada a sofrer seria uma traição. Ora, a vida demonstra ser tão
Resumindo tudo o que dissemos neste capítulo e no prece- benéfica, que não se pode admitir nela tal impulso maléfico.
dente, temos as seguintes conclusões: 1) O homem no futuro te- Em todas as suas manifestações, ela se demonstra tão carrega-
rá uma vida inteligentemente planificada, na qual muitas dores da de positividade, que a negatividade contida nela deve existir
poderão ser previstas e evitadas, eliminando-lhes as causas; 2) por outra razão.
O mundo caminha para a abolição das guerras; 3) O futuro nos A realidade é que o verdadeiro objetivo da vida é outro. Uma
reserva o estado orgânico-unitário da humanidade. vez entendido qual é ele, tudo encontra sua explicação. Assim, é
Eis alguns aspectos da imensa revolução que se realizará no necessário primeiro ter compreendido o fenômeno vida em seu
Terceiro Milênio e que levará a humanidade a viver em um ní- desenvolvimento e finalidade. O fim supremo que ela quer al-
vel evolutivo mais avançado, inteligentemente orientada segun- cançar a todo custo, de acordo com seu caráter de positividade
do o funcionamento da lei de Deus. construtiva, é a salvação do ser, conseguida através da evolução.
224 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi
Salvação significa atingir a felicidade, que é o grande desejo a em sentido involutivo, quando deveria ser dirigida para o alto,
fremir no fundo de cada coração humano e a impulsionar o indi- em sentido evolutivo. Assim, apesar de querer dirigir-se à
víduo à ação. Este desejo está escrito na lei de Deus e está desti- alegria, ela caminha para a dor, porque segue no sentido invo-
nado a se realizar. Ele deverá ser um dia satisfeito. Se assim não lutivo. Para evitar essa trajetória e colocá-la realmente na di-
fosse, tal anseio não teria sentido nem finalidade, constituindo reção da alegria, a vida deve reorientá-la com golpes doloro-
uma zombaria atroz. Quem sabe como funciona a vida não pode sos. Trata-se de uma desordem, que é uma doença da ordem.
admitir que ela trabalhe com tal sistema. E é neste ponto que dói. A dor aparece quando a ordem é alte-
Compreendido que esta é a sua finalidade, as condições que rada, e deste fato somos advertidos por aquela sensação que
ela nos oferece de fato não são mais uma contradição, porque chamamos dor. Isto, em todos os campos, é a expressão sen-
assumem outro significado. Não se vive para gozar, mas sim sorial de uma violação da ordem da Lei.
para se chegar à felicidade, que é o ponto final no topo da esca- Desejamos a felicidade, e isto é justo. Mas o caminho para
la evolutiva. O instinto não nos engana e é um motor utilíssimo chegar lá é regulado por normas. Se não as seguirmos, chega-
da ação. Ele cumpre sua função, que é nos impulsionar na bus- remos, pelo contrário, à dor. Insistimos nisso porque este é o
ca da felicidade. Assim corre-se a fazer esforços em todos os sistema mais usado, embora seja uma grande ilusão, uma vez
sentidos para subir, enfrentando e tentando vencer todos os obs- que leva, ao invés, à operação cirúrgica da reorientação. É duro
táculos. Com isso, experimenta-se, seguindo o curso da escola então ter de retornar à Lei pelo lado negativo, em posição cor-
da vida, cujos métodos didáticos (erro-dor etc.) já vimos. E para retiva. Só quem não compreendeu o funcionamento do fenôme-
que não se tente fugir de tudo isso, há o instinto de apego à vi- no não vê o absurdo de pretender que a desordem e a violação
da, o qual nos faz suportar as provas necessárias para evoluir. possam levar à felicidade, porquanto esta é, pelo contrário, um
Todavia pode acontecer que se tente a fuga com o suicídio. estado de harmonia, feito de disciplina na ordem.
Mas, por que é ele um mal? Mais exatamente, porque é uma re- O conhecimento de tal mecanismo pode ser útil, sobretudo
cusa em afrontar as provas que precisamos atravessar para con- aos jovens, que, ingênuos e carregados de desejos, encontram-se
seguir a evolução, que, ainda que não se compreenda, é a fina- na hora do lançamento da trajetória de sua vida, quando realizam
lidade da vida. Evoluir para salvar-se é o dever que a vida nos a implantação de seu destino. Eles creem ter nascido para gozar.
impõe. Suicidar-se é dizer não a este dever, que, em substância, Mas nasceram, em vez disso, para experimentar e aprender, a fim
não é senão o de construir o nosso bem. Mas isso deve aconte- de evoluir, o que significa elevar e melhorar as condições de vi-
cer cumprindo a fadiga para ganhá-lo, o que está de acordo com da. Programa saudável e construtivo. Quem tem a mente lúcida
a justiça da Lei. Então o suicida, que deseja fugir disso, termina compreende que isso é lógico e corresponde à verdade.
por pagá-lo, no sentido de que a prova não aceita recai sobre ele Mas é frequente o caso em que se busca a felicidade, des-
com a fatalidade de um destino e agravada pela recusa. cendo negativamente, isto é, endividando-se com a Lei. Trata-
É necessário compreender que as provas, sendo meios para se de um regime de perda contínua, porque, não sendo ganho
aprender a subir, constituem instrumentos de evolução e, por- com o próprio esforço e valor, não é reabastecido de positivi-
tanto, de salvação. Embora reconhecendo nelas um aspecto ne- dade, de modo que para continuar a gozar, usufruindo da posi-
gativo, a vida assume um valor positivo. Assim, o mal e a dor, tividade, é necessário um endividamento cada vez maior. As-
que são destrutivos em si, adquirem um significado e um poder sim a negatividade aumenta, sendo isso inevitável, pois o mo-
construtivo, que dão um sentido elevado e benéfico àquilo que vimento, uma vez lançado em descida, adquire sempre mais
antes parecia uma condenação. velocidade, até atingir o ponto de saturação, no qual a reação
Eis por que a vida pode – sendo benéfica, e não maléfica – da Lei amadurece, interrompendo subitamente o desequilíbrio
impor o nascimento, mesmo se este leva a provas dolorosas. e restabelecendo a ordem à força.
Estas então não são negativas e destrutivas, mas sim positivas e Como se vê, o fenômeno se baseia num jogo de equilíbrio
construtivas, porque, se forem compreendidas, podem tornar-se entre duas forças contrárias, uma positiva e outra negativa em
um instrumento de evolução, constituindo um meio para subir relação ao princípio de justiça próprio da Lei. É um processo
em direção à felicidade. Eis por que se deve nascer. Esta é a ra- similar ao verificado no uso de drogas, que criam um paraíso
zão pela qual a vida é sempre uma bênção de Deus, mesmo fictício de tipo negativo, pois artificialmente roubado às leis da
quando ligada a um destino doloroso. Tais afirmações são o re- vida, o qual tende assim a exaurir-se, de modo que, para se con-
sultado não de uma fé, mas sim de um raciocínio baseado na tinuar a gozá-lo, torna-se necessário um aumento contínuo da
realidade e na lógica vivenciadas. dose de negatividade pela qual ele é gerado. Isso significa que,
Já explicamos que a dor tem a finalidade de eliminar o erro, para se conseguir um bem sempre menor, é necessário buscar
que é a sua causa. A dor existe para eliminar a si mesma. O fato um mal sempre maior. Mas é justo e lógico que assim seja,
de ser ela um meio para chegar à felicidade, justifica-a perante porque a trajetória do fenômeno está em posição inversa, no
a Lei. Em suma, reconhecemos na vida uma larga zona de ne- sentido anti-Lei, razão pela qual não se pode obter senão resul-
gatividade, mas compensada e corrigida, fechada e enquadrada tados opostos, no sentido antivida. Assim, tudo tende a se re-
para o bem, na positividade fundamental do Todo. solver em envenenamento e morte. É nesta direção que o de-
Compreendido esse mecanismo, tratemos de utilizar o seu senvolvimento do fenômeno se precipita, até o baque final, com
conhecimento para orientar sabiamente a nossa vida e, com is- o qual a Lei restabelece o equilíbrio segundo a justiça. Atente-
so, evitar o doloroso efeito do erro. mos para não nos enveredarmos por essa estrada, da qual de-
Um sistema bastante difundido para satisfazer o desejo de pois não se sai mais, enquanto não se chega ao fundo.
felicidade é tentar procurá-la pelo caminho mais fácil, de me- A vida pode fazer convites desse tipo em qualquer campo,
nor resistência, através de atalhos. Com isso, procura-se che- do poder político e econômico ao prazer dos sentidos etc. Em
gar rapidamente, por qualquer meio, sem importar-se com as nosso tempo, caracterizado pela adoração do sucesso, é fácil
consequências. Quem compreendeu o mecanismo da vida sa- cair na armadilha. E os ingênuos, atraídos, abocanham o anzol.
be que isso é um erro pelo qual ele será conduzido à dor. Esse Não seria uma traição da vida fazer semelhantes ofertas? Então
tipo de felicidade é roubada à justiça da Lei e, como furto, de- por que ela as faz? Onde está a justiça da Lei?
ve ser-lhe pago. A alegria que não corresponde a um mérito e É necessário não esquecer que a vida é uma escola, e uma es-
a um valor verdadeiro é falsa, transformando-se assim em um cola é feita de contínuas provas a serem superadas. Tais ofertas
engano. Trata-se de uma trajetória lançada na direção errada, são um teste para aqueles que, tendo experimentado e aprendido,
que exige, portanto, uma correção. Ela é lançada para baixo, dão provas de saber resistir ao convite, não caindo mais na arma-
Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 225
dilha. De tal exame aqueles saem vencedores e são promovidos à sos podem ser resolvidos, se bem orientados. Oferecemos uma
classe superior. Os maduros conhecem o jogo da armadilha e, por chave com a qual poderão ser abertas muitas portas ainda fe-
isso, não caem nele, vitória que lhes serve para avançar. chadas, se soubermos onde está a fechadura correspondente.
Mas os imaturos não entendem o jogo, e é exatamente para Não nos podemos enveredar pelo caminho da casuística, por-
chegarem a compreendê-lo que eles têm necessidade de expe- que, sendo os detalhes intermináveis, isso nos levaria muito
rimentá-lo. Como podem aprender, se não sentirem na própria longe. Seguem-se então alguns outros capítulos, mas sem ne-
pele quais são as consequências do erro? É necessário que nhuma pretensão de exaurir o argumento.
eles aprendam e, portanto, vivam todo o desenvolvimento do Estamos numa época de grandes mudanças, na qual se pes-
fenômeno da queda, como descrito acima. Isso até o baque fi- quisam métodos novos, destinados não a encobrir os proble-
nal, que é o golpe necessário, sendo a única coisa que pode ter mas, para salvar as aparências, mas sim a resolvê-los. Esta é a
a força para abrir e penetrar sua mente, ainda dura para enten- diferença entre o presente e o passado. Antigamente, o proble-
der. Nela, então, faz-se a luz, e estes homens amadurecem, de ma da pobreza era enfrentado com o paliativo das esmolas e
modo que, quando receberem o próximo convite do mundo, com a promessa de uma felicidade futura no céu, a qual era en-
não cairão na armadilha. Então, eles superarão tal exame e carregada de compensar o mal e, assim, realizar a justiça de
poderão subir para uma classe superior. Esta é a mecânica do Deus. Hoje, em vez de fazer da pobreza um problema espiritual
fenômeno. O caminho é livre, sendo necessário, portanto, e deixar de resolvê-lo, procura-se suprimi-la com os meios po-
muita atenção para escolhê-lo. sitivos da técnica produtiva e da organização econômica coleti-
Cuidado, portanto, para não se deixar seduzir, aceitando ce- va. Diz um provérbio chinês: “Se quiseres ajudar um pobre, não
gamente ofertas gratuitas para triunfar facilmente. Façamos en- lhe dês um peixe, mas ensina-o a pescar”.
tão um exame de consciência e, se virmos que tais triunfos não Nota-se a mesma mudança de métodos com relação ao pro-
são merecidos, por não corresponderem a um valor real nosso, blema da delinquência. No passado, a justiça se encarniçava con-
não os aceitemos. Devemos dar provas de sermos conscientes tra aquele condenado como culpado. Isso constituía um enfure-
do que valemos e merecemos. Se somos orgulhosos, vaidosos, cimento estéril, porque se limitava aos efeitos do mal e às suas
ávidos, ignorantes, descuidados ou irresponsáveis, é justo que origens mais próximas. A finalidade não era eliminar as causas e,
caiamos e paguemos. com isso, a delinquência, mas sim defender-se e vingar-se. Hoje,
O banquete está pronto, e somos convidados. Mas devemos em vez disso, tende-se a fazer a psicanálise do criminoso, para
compreender o significado do convite, porque, se não o com- atingir as causas remotas e organizar uma ação preventiva em
preendermos antes, compreenderemos depois, como acontece profundidade, para impedir, na sua origem, a formação do mal.
com o peixe que abocanha o anzol. O ávido, ansioso de ganhos Trata-se de enfrentar o problema com métodos diferentes.
gratuitos, crendo ser esperto e vencedor, abocanha-o. Mas por Observemos quais são eles e qual é o mais útil à vida. Trata-se
quê? Porque estas são as qualidades de seu temperamento, exa- de dois sistemas de vida, que pertencem a dois níveis diferentes
tamente aquelas que devem ser corrigidas pela experiência. É de evolução, sendo que hoje está ocorrendo a passagem do infe-
justo que a prova o espere, até que ele aprenda e com isso evo- rior para o superior. O primeiro é baseado na luta, o segundo é
lua. Ele compreenderá depois. Mas como se poderia isentá-lo baseado na compreensão. O primeiro foi usado no passado, o
da prova, se ele antes não compreendia? A desilusão tem uma segundo começa a ser utilizado hoje, para continuar a se desen-
salutar função educadora, e é por isto que, para seu bem, a vida volver sempre mais no futuro. Ele depende da afirmação da in-
o faz suportá-la. A finalidade disto é fazer ele chegar a compre- teligência, posição nova que a humanidade agora alcança, por
ender que, com aquele método, ao invés de se vencer, perde-se. lei da evolução, entrando numa sua fase mais avançada.
A desilusão serve para atingir a compreensão, que é a primeira O criminoso é tanto mais notado e expulso da coletividade,
condição para avançar. Trata-se de um sofrimento justificado, quanto mais próxima ela se encontra de um regime de ordem.
salutar e construtivo. Se ele houvesse sido maduro, não teria Em um regime de desordem, quanto mais o caos domina, tanto
abocanhado e não teria sofrido, porque sofrer é justo, útil e ne- menos se nota a presença do criminoso, porque, num ambiente
cessário somente para quem não aprendeu. caótico, onde reina um sistema de luta, ele constitui a regra, e
não a exceção. O fato é que, quanto mais involuída é uma so-
IX. O PROBLEMA DA DELINQUÊNCIA ciedade, tanto mais ela se encontra afastada da justiça e tanto
mais a vida se reduz à autodefesa na luta pela sobrevivência,
Neste livro, foi nosso propósito basearmo-nos sobre o que a na qual o mais forte vence.
vida nos mostra através dos fatos, observando seu pensamento. Esta era a substância da justiça penal no passado. Mais do
Por isso não nos referimos a nenhum escritor. Além disso, im- que numa compreensão inteligente do fenômeno, ela se baseava
pusemo-nos ser breves e sintéticos, fazendo uma recapitulação em reações instintivas do subconsciente, para se defender con-
de todo o trabalho de preparação que nos trouxe até este ponto. tra um ataque à própria pessoa ou aos próprios bens. A lei de
Tal trabalho está aqui subentendido, embora não muito eviden- Deus não podia funcionar senão de acordo com o baixo nível
te. Este é um livro de aplicações e conclusões, que representa a evolutivo então atingido, baseado na luta pela sobrevivência. A
fase final. O período de pesquisas e maturação está nos vinte e justiça consistia em uma reação de defesa e vingança, que sal-
dois volumes precedentes e nos quarenta anos percorridos por dava as contas, mas não restabelecia a ordem, deixando intacto
vários caminhos, para chegar à maturação atual. o estado de guerra entre juízes (a parte lesada) e violadores (o
Ao fim deste trabalho, implantamos algo que outros po- assaltante). Embora houvesse a punição, permanecia como um
derão desenvolver, aplicando através de novas pesquisas os mal social o hábito do delito, que não era erradicado.
princípios expostos. Com isso, depois de ter percorrido a fa- No passado dava-se exemplo público da justiça, adminis-
se conclusiva do velho mundo, colocamo-nos agora às portas trando-a em praça pública, onde o povo podia gozar o saboroso
do novo, que hoje não só pertence aos jovens, mas também espetáculo de ver os malfeitores serem torturados e mortos. Es-
será deles amanhã. te era o lugar para onde todos corriam, e pode-se imaginar com
Fizemos algumas aplicações das teorias aqui expostas. que resultados morais e educativos. Acreditava-se, com isso,
Mas, uma vez que nos tenhamos orientado e, assim, compre- combater o delito, enquanto na realidade, o povo aprendia a
endido a técnica do fenômeno, dela se poderá fazer muitas ou- cometê-lo melhor ainda, instruído por aquele espetáculo feroz.
tras aplicações. Ainda citaremos algumas, mas escolhidas ape- Tais efeitos, no entanto, constituíam sutilezas psicológicas que
nas como exemplo, só para mostrar como e quando muitos ca- eram ainda desapercebidas.
226 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi
Tratava-se de um mundo ainda involuído, ou seja, carregado política mundial, pela qual o guerreiro assaltante de outra nação
de negatividade. Assim, à negatividade do criminoso somava-se não será mais um herói glorioso, mas sim um criminoso, da
a da sociedade julgadora e à negatividade da culpa somava-se a mesma forma como hoje, dentro do próprio país, é criminoso
da punição, de modo que o ódio e a vingança aumentavam a qualquer indivíduo que assalte o próximo. Já se reconhece o di-
negatividade em vez de absorvê-la, para eliminá-la. Não é pos- reito de se recusar à guerra por objeção de consciência.
sível combater a negatividade senão com a positividade, que a O princípio já existe, mas ainda é limitado somente a cada
corrige, agindo em sentido oposto. Tal sistema não é seguido nação. Trata-se apenas de uma questão de amplitude na exten-
porque o indivíduo, no seu egoísmo, preocupa-se tão-somente são de sua aplicação, a qual, no entanto, está sempre crescen-
em resolver o seu problema, que é defender o seu próprio inte- do. Pela lei de evolução, que leva à formação de unidades co-
resse. Cada um dos dois termos lança sobre o outro sua própria letivas sempre maiores, não é possível se chegar a outro resul-
negatividade, que, na falta da ação de uma força corretiva, per- tado senão a unificação mundial, em que todo e qualquer ato
manece intacta. Desse modo, o mal não é curado, pois não se bélico será uma violação da ordem, passível de punição pela
pode eliminá-lo com outro mal, e reaparece sempre. polícia, como ato criminoso.
Deveríamos ir então de braços abertos ao encontro do de- Antigamente, estas extensões na aplicação de tais princípios
linquente? Isso é possível para uma sociedade que já atingiu a não eram realizáveis. Procurava-se então resolver o problema da
fase de compreensão, mas não para aquelas ainda situadas na criminalidade de outro modo, lançando-se furiosamente sobre o
fase de luta. Tudo isso, então, era justificado no passado, por- condenado, acreditando-se que, quanto mais cruel fosse a pena,
que se utilizava o sistema de imposição e os homens se acha- mais difícil tornar-se-ia a ocorrência do delito. Hoje, quando se
vam na fase de luta. passa do método da luta ao da compreensão, vê-se a estrutura do
Há, porém, outro fato: a humanidade está passando hoje à fenômeno, e a solução é dada de maneira diversa. O homem ra-
fase da compreensão, e isso acontece primeiramente com as cional moderno analisa o caso, questionando. Quais são os resul-
classes dominantes, que representam a posição evolutiva mais tados do sistema punitivo? Considerado do ponto de vista utilitá-
avançada. É destes que se espera, frente ao criminoso, a inicia- rio, qual é o seu rendimento para o bem da coletividade? Tal sis-
tiva de se passar do regime de luta ao da compreensão. Trata-se tema melhora ou piora o criminoso? E uma vez que o piora, para
de um momento propício para iniciar e, depois, realizar a pas- que serve então puni-lo, se isso se reduz a uma fábrica de maior
sagem para uma posição de positividade, a fim de sanar o mal, delinquência? A solução está em empregar um método feito de
corrigindo a negatividade do elemento antissocial, oposto à so- positividade, que assim corrige e diminui o mal e a negativida-
ciedade: o criminoso. de, ao invés de agravá-la, como se fazia anteriormente contra a
É pela maturidade das massas que o indivíduo antiordem criminalidade, utilizando-se um método de negatividade.
deve ficar como que estrangulado por uma reação psicológica Como se vê, o novo estilo de enfrentar o problema consiste
coletiva, pela qual seu campo de ação é fechado. Este homem em se propor a melhorar o delinquente, porque este é o caminho
deve ser julgado pela opinião pública como criminoso, mesmo que leva à diminuição da criminalidade, sendo, portanto do inte-
quando, ao prejudicar o próximo, dá provas de saber vencer pe- resse coletivo. O velho estilo não tinha esses fins corretivos, con-
lo valor da força ou da astúcia. No passado ele podia, caso ven- sistindo apenas na reação de defesa individual do ofendido contra
cesse, tornar-se um herói admirado, porque era julgado com o ofensor. Ora, o novo estilo, sendo produto de uma fase evoluti-
uma psicologia individualista, pela qual só à parte lesada inte- va mais avançada e inteligente, compreendeu que o sistema de
ressava reclamar, não à coletividade. Aos outros, porquanto ile- investir contra o condenado é contraproducente e deve, portanto,
sos, não importavam os danos, que não lhes diziam respeito. A por uma questão utilitária de rendimento, ser eliminado.
vitória, sendo à custa de um terceiro, dava-lhes um senso de va- Começa-se então a estudar a psique do delinquente, procu-
lor e poder, incutindo, portanto, respeito. Ainda hoje, o delin- rando-se penetrá-la com a pesquisa, para descobrir onde está o
quente astuto bem sucedido provoca uma dose de admiração terreno das motivações e a origem primária das ações. Procura-
por parte dos que não foram lesados. se, assim, penetrar todo o mecanismo cerebral determinante do
Tudo isso está implícito no sistema da luta e dele surge como ato criminoso, que é sua última consequência. Com a psicanáli-
consequência. Este sistema é uma qualidade ligada à involução, se do delito, pode-se determinar quais as condições hereditá-
de modo que, quanto mais involuído é o indivíduo, tanto mais rias, mentais e ambientais dentro das quais ele nasce. Torna-se
valor ele tem como criminoso, e ao contrário. Acontece que a possível, assim, desinfetar esse terreno, a fim de impedir o nas-
evolução tende a eliminar tal tipo. É assim que a delinquência cimento do criminoso, ou, caso este já se tenha formado, estu-
começa a ser julgada como tal, quando o mundo se civiliza, en- dar métodos de como reeducá-lo, para reabilitar esse elemento
quanto antes constituía um método normal de defesa e um meio antagônico e, depois, inseri-lo na vida coletiva. Isso faz parte
necessário à vida. Esta, quando se encontra em tal nível, aceita a daquele trabalho de formação do estado orgânico da sociedade,
delinquência, porque só quem sabe roubar e matar sobrevive ne- já explicado nos capítulos precedentes.
le. O criminoso, de fato, acha-se à vontade e vive bem num am- Essa recuperação já está sendo feita, de modo que os fatos es-
biente caótico, que é feito sob medida para ele. Mas acontece o tão de acordo com as nossas explicações. Busca-se pôr em ação
contrário num regime de ordem, ao qual somente o evoluído se melhoramentos carcerários no sentido educativo, para reconstruir
adapta. Assim pode-se considerar o criminoso como uma sobre- o indivíduo estragado. Para não provocar a reação involutiva do
vivência atávica do passado, destinada a desaparecer com o condenado, busca-se evitar o embrutecimento, procurando-se ir
tempo, por lei de evolução, pois, quanto mais a sociedade se ci- ao seu encontro, não com o sentido de vingança, mas de compre-
viliza, tanto menos adaptado a tal ambiente ele se torna e tanto ensão do seu caso. Busca-se reatar as relações de boa vizinhança
mais difícil é para ele viver nestas condições. na convivência social, rompidas por várias causas, que se procu-
Em um momento de transformação como o atual, estão apa- ram eliminar. É verdade que a sociedade quer antes de tudo se
recendo novos critérios, antes inconcebíveis. Condena-se, por defender, sendo isto seu pleno direito. Mas ela deve agora apren-
exemplo, o culto da personalidade, que representa a apoteose do der a se defender mais profundamente, suprimindo a causa do
vencedor, segundo o velho sistema. Apareceu depois o conceito mal, e não o agravando com o acréscimo de outro mal. Também
de criminoso de guerra. Para ser completo, porém, tal conceito neste setor, vemos a passagem para a fase de colaboração, que
deverá ser aplicado não só aos vencidos, como imposição dos constitui o novo estilo de vida em todos os campos.
vencedores, mas a quem quer que faça uma guerra, violando a Antigamente, a ação punitiva se dirigia contra o indivíduo
ordem internacional. Encaminhamo-nos para a formação de uma que tinha agido mal. Mas ele não era senão o último efeito de
Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 227
uma cadeia de fatos ignorados pela justiça, os quais tinham, to- X. A FABRICAÇÃO DO TÉCNICO,
davia, valor determinante. Tais fatos eram desconhecidos porque DO PRODUTO E DO CONSUMIDOR
a penetração psicológica do homem não era capaz de observá-
los. Via-se o fenômeno com outra forma mental. A aplicação da É próprio do estado orgânico, para o qual a humanidade se
justiça tinha frequentemente o sabor de uma luta entre crimino- encaminha, a formação de problemas interdependentes, ligados
sos. De fato, quem ditava e aplicava a lei era aquele que, por ser em cadeia. Aqui, apresentamos agora alguns deles, inerentes à
o vencedor, havia-se tornado senhor, cuja vontade o vencido de- industrialização moderna, mostrando como se pode resolvê-los
via suportar. As classes ricas e dominadoras constituíam os ven- de um modo mais lucrativo, quando se usa o sistema de retidão,
cedores, enquanto as pobres e subjugadas constituíam os venci- que nos é proposto pela Lei.
dos. As primeiras faziam a lei a seu favor, condenando, caso não No passado, a produção era reduzida e o trabalho era um ar-
obedecessem, aqueles que tinham interesses contrários. Assim o tesanato destinado a poucos consumidores. O estado primitivo
delito, para indivíduos da classe dominada, era um ato de legí- da técnica não permitia a grande organização industrial com
tima defesa. Porém, mesmo assim, eles eram punidos, porque, produção em série, que implica não só num suprimento de téc-
em um regime de justiça, baseado na força, o fato de serem fra- nicos aptos à execução daquele trabalho, mas também no for-
cos e não saberem vencer tornava isto merecido. Ora, se estes necimento de uma massa de consumidores preparados para ab-
homens se tornassem fortes e vencessem, não seriam mais cri- sorver aquela produção. A indústria torna-se assim um fenôme-
minosos, e sim legisladores, admirados e obedecidos. no complexo, no qual, como rodas dentadas, devem-se engre-
Em tal mundo, o culpado, que acabava punido segundo a nar, um exigindo a presença do outro, os elementos sucessivos
justiça de então, era quem perdia a batalha, por não ter sido sufi- de um ciclo preestabelecido. O problema da fabricação do pro-
cientemente forte ou astuto para saber vencê-la. Neste tempo, a duto no estabelecimento industrial encontra-se espremido entre
reação punitiva se dava através da luta, método correspondente dois fatores: a formação do técnico nas escolas, para fornecer o
ao primeiro tipo de vida. Hoje a justiça procura também os cul- trabalhador que produz, e a preparação do consumidor, para as-
pados colaterais, precedentes e longínquos, de modo que a rea- segurar o mercado. Por sua vez, esses problemas se encaixam
ção ao mal se dá através da compreensão, método corresponden- em outros, mas examiná-los nos levaria longe demais. Limitar-
te ao segundo tipo de vida. Atualmente são chamados a debate nos-emos, então, a observar os três problemas básicos: o do
elementos antes nunca vistos, que podiam antigamente fazer o técnico, o do produto e o do consumidor, aos quais correspon-
mal impunemente, pois ninguém os via. Culpava-se assim aque- dem outros três: o da escola, o da indústria e o do comércio.
le envolvido mais próximo, apanhado em falta, desconsideran- Comecemos pelo primeiro. Antigamente a instrução tinha
do-se desse modo o fator remoto, que pode ser determinante. características diferentes da atual. Era reservada a poucos, diri-
Vem à minha mente um exemplo típico, no caso histórico gindo-se a uma elite que podia permitir-se tal luxo. Frequente-
da Monja de Monza1. Ela foi presa durante toda sua vida em mente, tinha somente a finalidade de formação cultural, para
uma cela, por ter seguido os instintos do sexo, a cuja satisfação embelezar com um título uma posição econômica privilegiada.
tinha direito, deixando-se levar pelos delitos decorrentes de sua Tratando-se de pessoas que não tinham necessidade de traba-
ligação com um delinquente, que, por sua audácia, tinha conse- lhar para viver e não sendo a instrução adquirida frequentemen-
guido fazê-la sentir nele o macho protetor. No entanto, ela pro- te com essa finalidade, desejava-se estudar o menos possível
cedera segundo os elementares e sadios impulsos da vida. Neste para receber o famoso pergaminho, como era chamado então o
caso, a justiça não viu seus genitores, que, sem aparecer, havi- diploma, do qual se dizia que não servia para nada na vida. O
am-na indiretamente constrangido a declarar uma vocação ine- estudante, portanto, não se preocupava, como o faz hoje, se o
xistente; não viu o pobre, simples e velho padre, escolhido pro- mestre tinha ou não conhecimento do que ensinava.
positadamente para aceitar tais declarações; não viu, se bem me Hoje, a instrução é sobretudo técnica, destinada não para en-
lembro, uma tia que queria apoderar-se do feudo, cuja posse a sinar a dissertar como um intelectual, mas sim para adquirir um
monja herdaria, caso não fosse fechada em um convento. Quem conhecimento que deverá depois ser aplicado em uma posição de
era então o culpado? Mas a punição foi aplicada somente a ela. ganho e responsabilidade. Como se vê, pelas condições alteradas,
Quantos outros puderam cometer a metade do delito impune- o problema do ensino hoje é apresentado de maneira diversa. Ele
mente, porque a justiça não os viu, fixando-se somente na mon- não é mais do tipo acadêmico como era antes, mas sim prático,
ja. Tais casos não autorizam a exigir uma justiça perfeita, im- positivo e realizador. Não constitui mais o monopólio de uns
possível na Terra, mas autorizam a contar com outra justiça, poucos eleitos, bradando em nome de sua sapiência às massas
que retifica a humana, quando esta não consegue funcionar. ignorantes, estupefatas ao ouvi-los. Estas se fizeram mais cultas e
Hoje se estuda o criminoso e procura-se entender o delito. inteligentes, mobilizando-se como um imenso material humano
Às vezes, mais do que um culpado, encontra-se um doente. A que, antes abandonado a si mesmo, tornou-se agora produtivo
perseguição está sendo superada. Perante um acusado, busca- com o adestramento mental. É, portanto, de seu próprio interesse
se saber por que esse homem é culpado, procurando determi- aprender, e o indivíduo vai à escola para isto, motivo pelo qual
nar quem e que fato o levou a esse ponto. Agora vemos que a ele quer uma escola bem feita, para aprender, porque sabe que
justiça, para ser feita, deveria golpear outros pontos, situados disso dependem seus futuros ganhos e posição social.
distantes. Pode assim, atrás da culpa incriminada, aparecer um Encontramo-nos hoje perante o fato de que a instrução não
mundo de outras culpas individuais e coletivas, das quais aque- só está dirigida para as massas, mas também serve, ao mesmo
la do condenado não é senão a última consequência. Revelam- tempo, como um meio para o indivíduo se tornar produtivo, tra-
se então estados de injustiça social, pelos quais cada um é res- zendo assim vantagem tanto individual e como coletiva. Isto se
ponsável, mesmo quando dispensa o dever da reparação. En- deve ao desenvolvimento técnico, efeito do progresso científico.
tão, uma sentença penal pode constituir um convite a se fazer Outro fator contribuinte é o novo impulso de laboriosidade, que
um exame de consciência, para ver a parcela com a qual cada se compreende ser o único meio, porquanto intensifica a produ-
um concorre na determinação daqueles efeitos. Às vezes, ção, para alcançar o bem-estar, ao qual quem trabalha sente ter
quando acontece um fato triste, em vez de se investir contra direito. Descobriu-se assim o método para nos tornarmos ricos.
quem se deixou apanhar em falta, poderia ser até mesmo o ca- Aqui pode surgir uma objeção. Sem dúvida, assim se eleva
so de nos perguntarmos quem é o verdadeiro culpado. o nível de vida. Mas consistirá nisso a finalidade da instrução,
ou será ela a formação espiritual? Com o método de mecaniza-
1
V. romance histórico: I Promessi Sposi, de A. Manzoni. (N. do A.) ção da instrução, não se arrisca a atentar contra a integridade da
228 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi
personalidade humana, construindo um robô tecnicamente per- dirigentes e operários? Na realidade, trata-se da divisão de um
feito no exercício de suas funções, mas desprovido da orienta- mesmo trabalho, com funções complementares, uma necessá-
ção ainda necessária em outros campos? Não se arrisca a dimi- ria à outra. Ora, cada atrito que houver é prejudicial a todos,
nuir a dignidade do homem, quando o tornamos apenas um téc- de modo que o método da colaboração representa aquele de
nico especializado, para ser colocado na máquina da produção maior rendimento. É aí que se vê a lógica da aplicação do
industrial, como uma peça feita sob medida? princípio de retidão da Lei, em obediência aos princípios utili-
Pode-se responder que este tipo de instrução é útil para o tários, segundo os quais funciona a vida.
mecanismo da produção e, portanto, como esta a base do bem- Neste campo, podemos ver como a evolução muda a forma
estar, deve ser aceito. Tal aceitação é válida, mas sem maiores das relações sociais. Antigamente, o rendimento do trabalho,
pretensões, admitindo-se que aquele sistema só se aplica no seu em vez de resultar na produção, era anulado pela fadiga da lu-
respectivo setor e que, portanto, deve ser completado no que ta. À custa de uma menor produção, era necessário pagar o
diz respeito à formação da personalidade. Com aquele sistema, dispêndio de energia utilizada para manter em pé a atividade
não se pretende construir todo o homem, mas somente o técnico contraproducente da luta, equivalente ao fator que, na mecâni-
perito em seu setor, para executar seu trabalho. Espera-se que ca, chamamos de atrito, o qual funciona como resistência, ab-
ele se complete, e a industrialização, ao invés de impedi-lo, sorvendo energia. Os dois elementos da relação trabalhista
tende sempre mais a permiti-lo, como nos indicam a semana eram o patrão e o servo. O primeiro dizia ao segundo: “Eu sou
inglesa, o trabalho cada vez mais executado pela máquina, os o patrão, porque venci. Por isso deves me obedecer. A lei, a
meios técnicos de difusão do saber etc. verdade e a justiça são definidas pelo que eu quero, como me
Há, depois, o fato de que uma instrução de massa não pode agrada e como me serve”. O servo, de sua parte, reagia com a
ser realizada sem perder em altura o que ganha em extensão. O resistência passiva, negando-se ao trabalho, que ficava então
desenvolvimento hodierno em sentido horizontal não pode ser reduzido a um rendimento mínimo. Grande parte da fadiga era
obtido senão renunciando-se ao desenvolvimento vertical, que desperdiçada com esses atritos.
só uma elite de poucos pode atingir. Antigamente, o saber po- O novo método, para o qual a vida avança, consiste em ter
dia ser profundo, mas era concentrado em uns poucos. Hoje ele compreendido a utilidade que há para ambas as partes em evitar
é mais superficial, mas difuso entre muitos. Trata-se de com- essa dispersão. Os dois elementos da relação de trabalho avizi-
pensações das quais não se pode fugir. A difusão da cultura é nham-se para usufruir das vantagens que advém da compreen-
paga com seu nivelamento. são recíproca. O primeiro diz ao segundo: “Nós fazemos parte
Antigamente, os governos preferiam deixar os povos em es- do mesmo organismo. Portanto é nosso interesse colaborar,
tado de ignorância, porque assim era mais fácil dominá-los. Ho- eliminando a fadiga louca e estúpida da luta, que não é útil a
je, a instrução torna-se um direito. As próprias indústrias come- ninguém. Procuremos ser mais inteligentes, evitando-a. Eu, na
çam a construir escolas por sua conta, a fim de preparar seus função de comando, faço uma parte do trabalho, a qual tu não
técnicos especializados para trabalharem em suas oficinas. As- sabes fazer. Tu, na função de obediência, fazes a outra do
sistimos à democratização do ensino, ministrado com meios mesmo trabalho, a qual eu não posso fazer. Temos necessidade
técnicos que o multiplicam ao infinito. As “teaching machi- um do outro, portanto convém a ambos a colaboração”.
nes”2 representam uma revolução nos métodos didáticos. O método de patrão e servo é uma concepção infantil, que
Assim, a instrução vem construir a parte introdutória da ainda sobrevive nos países subdesenvolvidos. Mas a evolução le-
vida, realizando o adestramento para o trabalho, do mais sim- va fatalmente ao outro sistema, que passa a ser praticado tão logo
ples ao mais complexo. O período escolástico, então, torna-se a inteligência se desenvolve o suficiente para chegar a compre-
a primeira fase do trabalho do homem, como preparação para ender sua utilidade. Não é um problema de bondade ou amor,
outro, que virá depois, na fábrica. A instrução torna-se a fase mas sim de produtividade do próprio esforço de trabalho. Não se
de construção do técnico e encaixa-se na engrenagem da or- trata de pregar ideais, mas de gozar uma vantagem e eliminar um
ganização industrial. Com isto, a grande produção em série prejuízo. Pode-se calcular a perda de rendimento a que leva o li-
pode ser precedida e alimentada por uma produção paralela de tígio. Nos países mais civilizados, os industriais mais inteligentes
um grande número de trabalhadores preparados tecnicamente. antecipam espontaneamente aqueles melhoramentos que se im-
A escola começa a fazer parte, portanto, do moderno tecni- porão por si mesmos, dentro em pouco, e que terão inevitavel-
cismo. Assim, a instrução se liga à produção, como fase pre- mente de ser concedidos. O cálculo deve ter-lhes demonstrado a
paratória desta, e a indústria, porque é condicionada pela ins- maior conveniência de escolher esse caminho, que elimina gre-
trução, faz dela um problema seu. ves, sabotagens, debates e atividades similares, que são dispendi-
É certo que tudo isso é coerente perante o fim a que se pro- osas e dispersivas e devem ser pagas pelo industrial.
põe a sociedade. Mas para onde nos poderá levar a lógica do Tudo isso corresponde à lógica da evolução. Ela leva do
aproveitamento racional em busca de rendimento econômico? separatismo à unificação, do caos ao estado orgânico. Vemos
Que perigos pode esconder essa industrialização da vida? O aqui, uma vez mais, aplicados pela vida, estes seus princípios,
método da linha de montagem, para produzir tantas unidades os quais já ilustramos acima. A evolução aproxima os elemen-
por hora, adapta-se à estrutura espiritual do homem, ou pode tos que a involução mantinha afastados e inimigos, levando-
ser um suicídio para ele? O fim de grande parte da instrução nos, assim, em direção a um rendimento sempre maior de nos-
tende hoje a ser não a formação do indivíduo maduro e comple- so esforço, com a eliminação das dispersões. Dessa forma, as-
to, mas sim um investimento de capital. Calcula-se quanto custa sistimos a um contínuo processo de restrição da negatividade e
a instrução em relação ao rendimento que depois se pode obter de dilatação da positividade, o que significa um melhoramento
do indivíduo em quem ela foi aplicada. O problema não é mais das condições de vida.
a construção espiritual do homem, mas sim o bem-estar. Che- ◘◘◘
gando-se à abundância, que outros problemas poderão surgir? Formando-se o técnico para produzir e depois se fabricando
◘◘◘ o produto a ser consumido, é necessário estabelecer o consu-
Compreendido o problema da formação do técnico que midor para absorver a produção. Chegamos assim ao terceiro
produz, observemos o problema conexo da fabricação do pro- termo conclusivo do ciclo: escola, indústria e comércio. Este
duto. Quais são nas organizações industriais as relações entre problema de vender o produto também pode ser resolvido de
duas formas: empregando o método da imposição, segundo o
2
Máquinas de ensino. (N. da E.) baixo nível evolutivo do passado, feito de luta, ou utilizando o
Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 229
método da compreensão e da colaboração, segundo o nível Então se compreenderá que, no comércio, não se pode tirar
evolutivo superior. Observemos agora, também na moderna vantagem do prejuízo alheio, mas somente dano para si, enten-
organização comercial, o maior rendimento que se pode alcan- dendo que o público não é um terreno a ser desfrutado. Com-
çar com o método da retidão, para constatar, assim, o valor preender-se-á que um produto inferior, lançado com grande
dessa qualidade mesmo neste campo. rumor propagandístico, apesar de dar um rendimento imediato,
Diz-se que a propaganda é a alma do negócio. No seu esta- trará perda no futuro, de modo que, no fim das contas, as des-
do genuíno, a propaganda deveria constituir-se na oferta de um pesas com essa propaganda serão dinheiro jogado fora. Méto-
produto útil ao consumidor, dado que ele paga, e dirigir-se ho- dos falsos produzem resultados falsos. Eis que o sistema co-
nestamente ao encontro dele, para satisfazê-lo. Em um regime mercial mais lucrativo, de fato, é tornar o produto bom e útil,
de retidão e colaboração, deveria ser esse o dever do produtor. conquistando a confiança do consumidor para formar a cliente-
Em vez disso, no velho regime do tipo egoísta separatista, a fi- la, e não a fazendo fugir com a imposição do produto através de
nalidade é outra, constituindo-se em ser capaz de obter a maior uma propaganda desonesta. Em suma, também neste caso, o
quantidade possível de dinheiro. O comprador é um material a sistema da retidão é o mais lucrativo.
conquistar, de interesse do próprio produtor. O intercâmbio se O problema do consumidor pode ser visto também sob ou-
implanta sobre um regime de luta. O produto não é oferecido tro aspecto, colocado perante a moderna economia do consu-
no interesse do consumidor, mas sim no do produtor. mo. O progresso técnico levou hoje a uma produção intensiva
É natural então que ao egoísmo de um lado se contraponha e mecanizada. A indústria organizada lança um rio de produ-
o egoísmo do outro lado, estabelecendo entre os dois um estado tos, num grande número de unidades por minuto. Sem dúvida,
de inimizade. O comprador, perante o produtor que finge servi- trata-se de abundância, mas, com isso, o homem se tornou es-
lo, mas tem como única finalidade o lucro, reage com a descon- cravo da máquina, que o liga a um ciclo intenso e obrigatório
fiança. Este estado de ânimo, por sua vez, interfere no comér- de produção e de consumo. Tal ciclo não pode ser interrompi-
cio. Reaparece assim o regime de atritos, que absorve parte do do, porque dele vivem milhares de operários. É necessário en-
rendimento, como já se viu nas outras fases do ciclo. tão achar o mercado para dar saída a tanta mercadoria. Uma
Quando a produção é abundante, o consumidor encontra sua vez fabricado o produto, é necessário produzir o consumidor e
defesa no sistema de concorrência, que, levando à seleção do o seu hábito de consumo.
melhor produtor, permite ao consumidor uma possibilidade de Disso nasce um regime de vida carregado da ânsia do reno-
escolha. A eliminação da negatividade daquele produtor que só vamento contínuo, com a obrigação de adquirir e consumir. En-
vê seu próprio lucro é, então, imposta à força, enquanto lhe cus- tão os produtos devem ser construídos para não durar. Chega-se
taria menor dispêndio de energia um regime consciente e es- a criar necessidades artificiais, com a finalidade de satisfazê-
pontâneo de positividade, devido ao seu maior rendimento. Es- las, mesmo se inúteis à vida. Assim também o consumidor é
tamos em uma ordem de expedientes de caráter contraprodu- mecanizado, sendo reduzido a um consumidor submetido a co-
cente para ambos os lados. ações contínuas. Ele vê tudo envelhecer rapidamente em suas
A propaganda segue estes impulsos. Ela deveria ser do tipo mãos, porque os produtos mudam de tipo ou de modelo e, por
informativo, a serviço de quem busca notícias dos produtos. Em fim, têm de ser jogados fora, porque não se encontra mais peças
vez disso, ela é do tipo assaltante, para impor o produto, e isso de reposição. Assim a máquina terminou por impor seu ritmo
de uma forma que, nos centros urbanos, pode tornar-se obce- de consumo, como tinha imposto o da produção. Alcança-se en-
cante. O público, sabendo que isso se faz no interesse do produ- tão uma riqueza apoiada na pobreza, porque não se pode possu-
tor, defende-se, habituando-se a não assisti-las, para sentir o ir senão uma quantidade de coisas impostas pela grande produ-
menor aborrecimento possível. Eis que o resultado em parte é ção, sempre em curso de renovação. Com isso, forma-se tam-
negativo, tornando contraproducente a despesa da propaganda. bém um novo problema: encontrar um meio de se livrar do pro-
O resultado da propaganda invasiva é a formação de uma atitu- duto de refugo, que aumenta continuamente.
de especial de rejeição automática, para se livrar de tal agressão O remédio está em não se deixar dominar pela máquina,
psicológica. Contra as tentativas de forçar uma ideia a penetrar não se submetendo ao seu ritmo; está em produzir e consumir
por sugestão no organismo mental, surge neste uma reação si- somente aquilo que tem serventia, simplificando a vida, ao in-
milar à formação de anticorpos, com função defensiva. O qua- vés de complicá-la com uma infraestrutura custosa e inútil. É
dro propagandístico, exatamente por ser propaganda, é repelido necessário refrear a ilimitada voracidade consumista que se
de forma automática pelo subconsciente, tão logo a mente se levanta nos países mais ricos. Nestes, tende-se a um padrão de
apercebe dele. Apenas ele aparece, o efeito que produz é, sobre- vida sempre mais elevado. Mas é preciso compreender que is-
tudo, provocar uma cadeia de ideias, ligando propaganda a es- to não pode ser um fim em si mesmo, com um crescimento até
torvo e aborrecimento, pelo que surge a rejeição. Assim a vida, o infinito, mas somente um meio para realizar um desenvol-
neste caso, arranja a legítima defesa. vimento mais para o alto. Também neste caso devemos retor-
Perguntamo-nos por que a vida, que é inteligente e utilitá- nar ao conceito de retidão.
ria, adota esse sistema tão contraproducente? Para que serve ◘◘◘
isso? Será ele produtivo em outro sentido? Isso pode aconte- Concluamos então este argumento. Observamos neste capí-
cer, à medida que a vida dirige o fenômeno para outra estrada. tulo, em relação ao ciclo produtivo, os seus três elementos
Então o intercâmbio comercial não serve como tal, mas sim componentes: escola-técnico, indústria-produto e comércio-
para tornar os compradores mais inteligentes, ensinando-lhes a consumidor. Verificamos então que, quando eles funcionam se-
desconfiar e a não se deixar enganar. A sua fadiga também gundo a Lei, ou seja, conforme a positividade da retidão, temos
produz seu rendimento, e este não se exaure aqui. De fato, o boa qualidade de sangue e de circulação, resultando num orga-
comprador, tornando-se mais inteligente, pode, com a recusa nismo social saudável. E vimos também que, quando os três
da mercadoria, obrigar o produtor a passar ao método da ho- elementos funcionam de maneira anti-Lei, ou seja, contra a re-
nestidade, o que constitui progresso e vantagem para todos. tidão e negativamente, temos má qualidade de sangue e de cir-
Assim, também o produtor se torna mais inteligente, conse- culação, resultando num organismo social doente.
guindo, à sua própria custa, entender o maior rendimento do Neste segundo caso, isso acontece quando: 1) O trabalhador
sistema da retidão. Com este jogo, eliminam-se sempre mais não trabalha; 2) O produto é mal feito; 3) O consumidor não pa-
os prejuízos da negatividade da luta e se obtém sempre mais as ga. Pode-se ter assim uma indústria que serve apenas de fachada
vantagens da positividade da colaboração. para esconder a vontade de furtar, buscando impingir um mau
230 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi
produto ao consumidor, com a finalidade única de arrecadar di- Ora, a fase atual é a de limpeza do terreno. E depois? Supe-
nheiro. Então temos o organismo daquela indústria doente de rada essa fase, a vida segue em frente. Sua finalidade é positiva
um câncer que tende a matá-la. Este câncer é a desonestidade. e, portanto, sempre construtiva. Então a vida mobiliza a seção
Isso nos faz ver que, mesmo neste campo, a Lei funciona, e dos construtores, colocando em ação a onda dos elementos po-
que, também nele, a positividade da retidão significa vida, assim sitivos, adaptados à construção. Isso não pode acontecer senão
como a negatividade, que exclui a positividade, significa morte. em um segundo tempo, quando os destruidores, depois de lim-
par o terreno, já se afastaram. Hoje estamos na primeira fase,
CONCLUSÃO mas a lógica do fenômeno nos indica qual será a sucessiva.
Não se iludam, portanto, os atuais destruidores. Terminada
Resumindo, podemos concluir que a visão aqui apresenta- a sua função, eles terão de ir embora. Sua natureza e sua ação
da é otimista, mesmo revelando uma dura realidade. Seu oti- direcionam-se no sentido da descida, portanto não podem pro-
mismo está no fato de nos mostrar que a salvação final está duzir senão frutos negativos, destrutivos para todos, inclusive
assegurada, ainda que seja necessário ganhá-la com o próprio para eles. Como pode um câncer, mesmo vencendo, ter vida
esforço e frequentemente através da dor. A ideia base é de longa? É assim que deverá passar a moda atual dos jovens con-
evolução, de ascensão, de conquista da felicidade. O método testadores. Eles se desafogam e se satisfazem, cumprindo sua
proposto para realizar tudo isso é um princípio de ordem: a re- função, mas não compreendem que seu destino é a liquidação.
tidão. Por isso temos insistido em tal conceito e é neste senti- Contudo, se compreendessem, não executariam sua função.
do que acreditamos na vida de hoje, dando um passo à frente. Eles acorrem porque se sentem atraídos pela oportunidade,
Antigamente, a retidão era somente uma questão moral, mas que se lhes apresenta, de satisfazer os próprios instintos. Esta é
hoje se tornou biológica. Ela é ligada ao fenômeno da evolu- a sua hora. Mas há períodos nos quais a vida valoriza, prepara e
ção e aparece agora porque se passa a uma nova fase, na qual faz funcionar outro tipo de indivíduo, que antes não se podia
se passa do nível evolutivo do passado a um superior. Este fa- manifestar, devido aos obstáculos colocados pelas condições
to está conexo com uma abertura da inteligência humana, sig- que o mundo atravessa. Enquanto isso não ocorre, pode-se fa-
nificando a adesão à realidade anteriormente não compreendi- lar: “Não estão na moda”. E por que não estão na moda? Por-
da, com um novo estilo de vida, em relação a novos pontos de que não servem. Mas quando servem, ficam na moda.
referência. A mudança já se iniciou e, para quem tem olhos de Assim a atual destruição está na moda hoje, porque serve
ver, já se revela em seus primeiros movimentos. Vamos con- aos fins da vida. Mas ela passará e dará lugar a um trabalho di-
cluir este volume observando em que consiste essa mudança. ferente, para o qual serão chamados indivíduos de outro tipo.
Poderemos vê-la, assim, sob dois aspectos: como fenômeno São as condições do ambiente que atraem ora um, ora outro. E
coletivo e como fenômeno individual. quais são essas condições no início das revoluções? São uma
Há períodos nos quais a evolução caminha tão lentamente, repugnância dos abusos do velho regime e uma vontade decidi-
que parece estática, chegando ao ponto de fazer crer na imobi- da de acabar com eles. Quando o sistema causa danos não mais
lidade dos sistemas de vida. Nestes períodos, ela corre subter- suportáveis e o ambiente está saturado, supera-se o limite da
rânea e invisível, amadurecendo novas transformações. Mas, paciência e explode a reação corretiva do erro, que reorienta pa-
uma vez cumprido esse trabalho preparatório, eis que seu resul- ra o positivo a trajetória lançada em erro para o negativo.
tado explode e se manifesta. Esta é a hora da transposição, em Isto é o que está acontecendo hoje. A atual revolução repre-
que se passa a um nível evolutivo mais alto. Esta passagem é de senta a reação corretiva dos erros do passado. A posição de cada
intenso movimento e de mudanças radicais, tomando aspecto momento da história é um anel de uma cadeia de momentos su-
revolucionário. O mundo se encontra hoje executando um des- cessivos, ligados em desenvolvimento lógico, em função das me-
ses saltos à frente. Estamos então em um movimento de revolu- tas que a vida quer alcançar. Cada salto avante é uma revolução.
ção. Tratemos de compreender o que está sucedendo. Em um regime de superação contínua, isso é inevitável. Cada sis-
A técnica das revoluções é conhecida, o que nos permite tema tem seus defeitos, e a evolução quer eliminá-los. Vivemos
analisar o desenvolvimento do fenômeno em cada uma de suas constantemente perseguindo uma posição mais avançada.
fases. As revoluções nascem como uma reação contra o velho Antigamente, a autoridade era representada por um homem
regime, e a primeira coisa que elas se propõem a fazer é des- com um cetro, sentado em um trono. Hoje, esta figura deve ser
truí-lo. É necessário, portanto, mobilizar a seção dos destruido- substituída por um homem que trabalha a serviço da coletivida-
res. Então o submundo da sociedade, até então amordaçado, de. É necessário retificar. Eis os contestadores globais contra
vem à tona para executar a devida função, segundo sua especia- toda forma de autoridade. Não se trata, de fato, da costumeira
lização, que é destruir. Isso aconteceu na revolução francesa e revolta de grupo ou partido em um determinado país. A revolu-
na russa, como é frequente nestes casos. As revoluções tendem ção hoje é universal, acontecendo em todos os campos. Trata-se
para o novo, e sua primeira operação é limpar o terreno. de uma revolta de filhos contra pais, de estudantes contra pro-
Quais são esses elementos? São aqueles negativos, anár- fessores, de pobres contra ricos, de operários contra patrões, en-
quicos, caóticos, rebeldes, assaltantes etc. Sua trajetória é fim de dependentes contra todo tipo de comando. Uma revolta
descendente. A vida chama, e eles respondem ao apelo, que global contra os princípios do velho regime. Não é a usual re-
concorda com sua própria natureza negativa. Os elementos volta dos famintos, pois empolga também os filhos de boas fa-
positivos, que tem natureza de caráter construtivo, não res- mílias, aqueles a quem nunca falta nada.
pondem a nenhum apelo destruidor. O resultado é que os pri- Aqueles que choram por tudo isso se perguntam qual é a
meiros, os negativos, desejosos de se realizarem, seguindo sua causa remota? De quem é a culpa desta contestação? Se ela é
própria negatividade, executam exatamente a função destrui- global, então constitui crise de sistema de vida. E se a contesta-
dora para a qual foram chamados. ção nasceu, é porque a velha geração, que agora se lamenta,
Terminado esse trabalho, que é feito deles? Eles satisfize- lançou as suas causas. Mas estas, por sua vez, são consequên-
ram seu negativismo, alimentaram-no e aumentaram-no, tor- cias de causas mais longínquas e dos erros de outras gerações,
nando-se ainda mais negativos, o que significa permanecer do- que as precederam. Mas, então, de quem é a culpa?
minados pela negatividade. Então, completada a sua função, Se o progresso é uma série de passos à frente, aquelas gera-
eles são rejeitados pela vida, ou melhor, são liquidados por seu ções também deram o passo que as esperava naquele ponto e
próprio negativismo, que se volta contra eles. Este é de fato o momento, tendo realizado a sua parte da fadiga para percorrer a
fim dos iniciadores das revoluções. estrada da evolução até aqui. O regime do passado não foi inven-
Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 231
tado pelos nossos pais, mas é o produto de todas as gerações que se com os outros. E de fato, como já dissemos, a humanidade se
viveram sobre a Terra. Assim o novo regime, que, a seu tempo, encaminha em direção ao estado orgânico unitário.
nossos pais também queriam, era uma revolução para seus ances- Acontece, então, que a seleção toma outra direção. Chegan-
trais, como o regime que agora querem os jovens é uma revolu- do a outra fase, a evolução se propõe a construir no homem no-
ção para os conservadores de hoje. O princípio seguido pela vida vas qualidades, impulsionando-o para frente, neste novo senti-
ao avançar é sempre o mesmo, ainda que, em tempos mais estáti- do. Com isso, a base da aceitação do indivíduo pela coletivida-
cos como no passado, o impulso à frente e o esforço para realizá- de passa a ser a sua capacidade de se tornar uma célula do or-
lo fossem menores. Os nossos velhos, agora conservadores, fo- ganismo social, condição para a qual são necessárias qualidades
ram tão revolucionários como os jovens de hoje, e estes, por sua benéficas (positivas), que o fazem útil, e não maléficas (negati-
vez, serão conservadores para os jovens de amanhã. vas), que o tornam prejudicial. Isso porque quem é positivo es-
Qual será então a verdadeira razão pela qual os velhos de to- palha positividade, melhorando tudo a seu redor, e quem é ne-
dos os tempos reclamam contra os jovens? É certo que, ao longo gativo espalha negatividade, piorando tudo ao seu redor. Eis
das gerações, as novas perturbem as velhas com suas inovações, por que a retidão representa um princípio de valor fundamental
pois, no fundo, estas consistem na substituição dos velhos, que na nova civilização do Terceiro Milênio.
conquistaram e ocupam e as posições mais elevadas, pelos jo- O fundamento da revolução consiste no fato de que a força e
vens. Assim os jovens são condenados como violadores da or- a astúcia – as armas de ataque e defesa do passado para vencer na
dem. Trata-se de um problema de luta pela sobrevivência. Pro- vida – são substituídas pela retidão. Então o valor está na ordem,
cura-se, então, justificar essa condenação com os métodos do e não na revolta egoísta; está em saber viver segundo a Lei, e não
velho sistema, para que ela fique vestida com os mais nobres contra ela. É lógico que a evolução avance dessa forma e que a
princípios. Será isto hipocrisia? Mas os velhos também têm di- seleção, tão logo o ser maduro esteja, tenda a produzir tal biótipo.
reito de viver sem serem perturbados, portanto não se pode con- A trajetória da vida está agora tomando esta nova direção.
dená-los, se eles, para se defenderem, são obrigados a recorrer à Mudam assim as apreciações. O homem honesto não é mais um
hipocrisia, já que o seu direito não é reconhecido. tolo, pois se torna pioneiro do novo mundo da justiça, embora
Então uma das inovações do novo regime poderia ser a sin- seja um vencido no reino da prepotência. Ele não é mais um fra-
ceridade e a clareza, seguindo, por isso, uma lógica mais inteli- co a ser sobrepujado, como era no velho mundo, ainda involuí-
gente. E os velhos diriam aos jovens: “É justo e reconhecemos do, mas sim um forte, apto ao comando no novo mundo, já evo-
o seu direito de renovar, mas este deve respeitar nos velhos o luído. É assim que o atual modo de viver deverá ser deixado de
direito de viver a sua vida. Vocês estão errados porque não res- lado no submundo da evolução, para ser substituído pelo método
peitam esse direito”. da retidão. Dada a nova unidade de medida para fins coletivis-
Concluindo este argumento, eis que a atual revolução, não tas, o que serve à vida não é a força, mas sim a positividade.
obstante o seu aspecto inicial destrutivo, é construtiva, consti- Em suma, poderemos defender nossa vida com métodos to-
tuindo um produto da positividade da vida. A revolução pressi- talmente diversos daqueles do passado, com uma atuação mais
ona, e os jovens atuais não são todos destruidores. Há também íntima e profunda, dirigindo as nossas ações no sentido positi-
os construtores, que ainda não estão atuando, porque a sua hora, vo e benéfico, em vez de negativo e maléfico. Trata-se de uma
enquanto não estiver completa a destruição do passado, não po- estratégia mais poderosa, porque, sendo mais sutil, penetra e
de chegar. Olhemos a trajetória do fenômeno. Ele aponta para o age sobre as causas. De resto, é lógico que a lei de quem vive
alto. Hoje, os adultos e velhos continuam com os métodos de como elemento componente de um organismo coletivo deva
seu tempo, procurando salvá-los e chorando pelo seu desapare- ser diferente da lei do indivíduo que vive de interesses isola-
cimento. Dos jovens, uma parte está pronta a destruir e a outra dos, limitados a si mesmo.
parte espera para começar a obra de reconstrução. O problema da defesa se torna um problema de estrutura da
◘◘◘ personalidade do indivíduo e de suas qualidades positivas ou
Já vimos a mudança atual em seu aspecto coletivo. Vamos negativas. A nova arma não consistirá em adicionar ao organis-
observá-la agora como fenômeno individual. Também neste mo físico instrumentos exteriores de luta, mas sim em enrique-
caso, encontramo-nos perante uma revolução, porque se trata cê-lo interiormente de qualidades positivas. A vida é natural-
de passar a um método de vida dirigido por uma lógica diver- mente cheia de assaltos e perigos, e não é seu propósito criar pa-
sa da atual. Trata-se de uma mudança de base substancial, ra si um ambiente imunizado. Ela quer construir o indivíduo ca-
que muda a técnica da defesa para a sobrevivência, como paz, por si mesmo, de resistir, seguindo uma nova técnica defen-
consequência da mudança do método de vida. No passado, siva. A solução não pode ser obtida com a esterilização artificial
como já dissemos, o método empregado era do tipo individu- do ambiente, mas apenas purificando, enriquecendo e fortale-
alista egocêntrico. O novo método será do tipo coletivista e cendo o indivíduo com forças positivas, que repelem a negativi-
colaboracionista. Por conseguinte o sistema de defesa para a dade assaltante, ao contrário das negativas, que a atraem, abrin-
sobrevivência não será mais a força e a astúcia, em que se do-lhe as portas. Observemos agora como tudo isso funciona.
emprega uma técnica de assalto e usurpação, adaptada a um Vemos primeiramente que a vida, enquanto deixa à mercê
regime de desordem, mas sim a retidão, cuja utilidade é mui- da reação corretiva da Lei o indivíduo negativo, ajuda o positi-
to maior em um regime de ordem. vo a subir. Porém, na realidade, não encontramos indivíduos to-
Muda, portanto, o modelo que a vida propõe como melhor. talmente negativos ou totalmente positivos. Acontece então que
O clássico tipo do assaltante forte torna-se simplesmente um tais indivíduos são atingidos pela reação corretiva da Lei em
perigo social a ser isolado, enquanto o homem honesto torna-se suas zonas de negatividade, mas ajudados por ela nas de positi-
um elemento de ordem, bem aceito porque enquadrado e útil à vidade. Isso corresponde ao sistema utilitário adotado pela vida
sociedade. No futuro, a vida será baseada num princípio sempre e à sua finalidade salvadora. Assim, não se desperdiça nada,
mais altruísta coletivista e sempre menos egocêntrico separatis- porque são estimulados a se desenvolver para o bem todos os
ta. Assumirá, portanto, extrema importância a sadia estrutura valores utilizáveis para essa finalidade.
moral do indivíduo, porque dela dependerá o seu comportamen- Desse modo, o mesmo indivíduo, segundo suas diferentes
to, que, conforme seja útil ou danoso para a sociedade da qual qualidades, pode encontrar-se submetido a tratamentos diferen-
ele faz parte, determinará a sua aceitação e o respectivo trata- tes, um de reação corretiva, para eliminar o que nele é negativi-
mento por parte dela. O valor do indivíduo não consistirá mais dade, e outro de auxílio protetor, para desenvolver o que nele é
em saber se impor para dominar, mas sim em saber coordenar- positividade. De fato, somente no caso de trajetórias negativas,
232 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi
é necessário o doloroso trabalho de sua correção, o que não Mas o que, exatamente, significam positividade e negativida-
acontece para aquelas positivas. Assim a dor aparece apenas no de? A primeira quer dizer retidão em todas as qualidades consti-
primeiro caso, enquanto, no segundo, acontece o contrário. tuintes da personalidade, e a segunda significa o abuso ou mau
Então a Lei se manifesta de duas formas opostas: como pro- uso daquelas qualidades. Qualquer das forças ou impulsos com-
va dolorosa no caso da negatividade, e de forma contrária no ponentes da personalidade podem ser dirigidos no sentido da Lei
caso oposto. Existindo no indivíduo as qualidades positivas da ou em sentido anti-Lei, e isso para cada tipo de pensamento, mo-
retidão, vemos funcionar a ajuda amiga e encorajadora da Lei. tivação ou atividade. Assim, a condição de estar a favor ou contra
Eis de que modo e dentro de quais limites, a retidão (positivi- Lei corresponde ao conceito de virtude e pecado. Penitência é a
dade) pode ter uma função de defesa. correção no sentido positivo de uma trajetória na direção negati-
Estes conceitos nos fazem compreender qual é o método pa- va. Tal correção é necessária, porque um estado permanente de
ra ter sucesso na vida. Ele consiste em trabalhar no sentido da negatividade constitui também um estado permanente de vulne-
corrente positiva da Lei, porque, neste caso, ela nos impulsiona- rabilidade. Como se vê, trata-se de um conceito básico para a de-
rá (cf. Cap. V). De outro modo, se fizermos o contrário, colo- fesa da vida. Daí a sua importância. Tudo isso corresponde ao tí-
cando-nos na corrente negativa, contra a Lei, ela nos dificultará. tulo desta obra: Como Orientar a Própria Vida.
Observemos agora a estrutura do fenômeno da técnica de- Eis que o conceito de retidão tem um conteúdo complexo,
fensiva. O homem é feito de um organismo físico ligado a um que deve ser analisado qualidade por qualidade, fazendo-se a
organismo espiritual, governado pelas mesmas leis de saúde ou anatomia de nosso organismo espiritual, impulso por impulso
doença. Para o organismo espiritual, a saúde resulta do fato de do subconsciente, em relação ao comportamento do indivíduo
ser ele constituído de forças positivas, assim como, para o or- em todos os seus deveres, tanto no fazer como do não fazer. A
ganismo material, ela resulta do fato de ser ele constituído de negatividade pode corromper qualquer ponto, que se torna en-
material são. Ora, o ataque se verifica em ambos os organis- tão o calcanhar de Aquiles, vulnerável a todos os ataques.
mos, seja ele sadio ou doente, porém somente no primeiro caso Dante, no seu “Inferno”, estudou a ação específica para a
o indivíduo resiste. Se o organismo físico é sadio, o micróbio correção das trajetórias erradas, caso por caso, opondo a elas o
não se desenvolve, assim como, se o organismo espiritual é caminho reverso, para realizar a correção da posição negativa
constituído de forças positivas, as negativas não entram, sendo ocasionada pela culpa. Cada pecado constitui um caso de nega-
a recíproca verdadeira, no caso contrário. Não se resolve o pro- tividade, que é eliminada pela reabsorção na positividade, con-
blema esterilizando o ambiente, mas sim fortificando o orga- quistada por meio da dor. Por isso a dor é um instrumento de
nismo. No caso do físico, se esterilizamos o ambiente, perde- redenção, constituindo o método utilizado pela Lei para fazer o
mos a capacidade de resistência e nos tornamos sempre mais pecador compreender o seu erro, a fim de que ele não o repita.
vulneráveis. O mesmo acontece com o organismo espiritual, Isso é necessário porque o indivíduo, pelo fato de estar na
quando, para salvá-lo dos ataques, isolamo-nos do mundo. posição negativa, não se apercebe disso, pois somente vê com
Eis então que, neste novo regime, a arma de defesa da vida sua forma mental negativa, o que lhe impede uma correta visão
consistirá na própria positividade. Isso porque sermos positi- das coisas. Ele mesmo é o seu próprio ponto de referência. As-
vos significa sermos sadios e fortes, portanto aptos para ven- sim, baseando-se na correspondente visão distorcida, acredita
cer. Ao contrário, sermos negativos significa sermos doentes e estar com a verdade e ter direito a se satisfazer a seu modo, ne-
fracos, portanto destinados a perder. Assim vence-se ou per- gativamente. Então, choca-se contra a Lei, provocando sua rea-
de-se em função das qualidades íntimas, tal como a vida nos ção, cuja finalidade é eliminar a negatividade, operação na qual
mostra na sua defesa contra o assalto das doenças. A defesa se está inserida a dor. Assim, quem é negativo fatalmente provoca,
baseia sobre a saúde celular e na consequente potência de re- por si mesmo, a reação corretiva da sua negatividade, de modo
sistência. Ninguém pensa em apanhar uma faca ou um revól- que o processo de sua redenção funciona automaticamente.
ver para se defender de uma doença. Compreendido esse mecanismo, dentro do qual funciona a
Com a positividade espiritual, mantendo nossa conduta e es- vida do indivíduo, que conduta deverá ele ter para alcançar, com
trutura segundo a Lei, podemos defender-nos contra toda espé- o menor dano e maior vantagem possível, o caminho da evolução
cie de males. A negatividade pode chegar ao ponto de nos ma- redentora, para sua salvação, imposta pela vida? Dado que nin-
tar, porque ela deixa que nos penetrem as forças negativas, das guém pode fugir a esse dever, porquanto é para seu próprio bem,
quais o mundo está cheio. A sua tempestade investe e arrasta os é natural que o indivíduo inteligente procure cumpri-lo pelo mo-
elementos negativos, enquanto não toca e vai-se embora, sem do mais conveniente e lucrativo. Isto é o que queremos explicar.
molestar, no caso da personalidade positiva. Trata-se de saber executar este trabalho, reduzindo ao mí-
Acontece então que, quanto mais involuído é o ser, tanto nimo a dor e aumentando ao máximo a felicidade. A dor cum-
menos ele é purificado da negatividade, ressentindo-se, portanto, pre uma função importantíssima em nossa evolução. Ela é a
dos assaltos, perigos e dores. Por outro lado, quanto mais evolu- campainha de alarme para nos advertir onde está o erro, indi-
ído é o ser, tanto mais ele é saturado de positividade e, portanto, cando-nos assim a negatividade que é necessário corrigir. A
defendido contra o mal. O papel da evolução é nos redimir da dor tem finalidade defensiva, sendo, portanto, salutar, porque
negatividade, eliminando-a pouco a pouco, até transformá-la to- toda negatividade é uma ameaça contra a vida. Mesmo quan-
da em positividade. O longo percurso evolutivo nos leva assim a do nos faz sofrer, ela nos protege, e é para nos proteger que
libertarmo-nos do mal e a conquistarmos o bem. Então, quanto nos faz sofrer. Se o fogo não chamuscasse, não seria evitado,
mais aperfeiçoado é o ser, tanto mais protegida é a sua vida. mesmo quando nos matasse.
É necessário compreender que, quanto mais nos chega o mal, Dessa forma, a vida consegue nos manter na ordem, fixando
mais a causa está em nossa negatividade. Portanto é possível os limites para o gozo que provém do uso das coisas. Quando
eliminar ou impedir que isso aconteça, eliminando ou impedin- nos excedemos, acreditando que, aumentando a dose, obtere-
do que se forme essa negatividade. Dela depende a nossa vulne- mos o aumento de prazer, encontramos, pelo contrário, a sua
rabilidade e, consequentemente, o fato de sermos atingidos. O diminuição, até que ele se torne sofrimento. Com isto, a vida
segredo do bem-estar está em ser constituído de forças positivas. nos avisa do erro e, assim, nos força a corrigi-lo. Então a dor
A superioridade do homem evoluído está em sua positividade. representa um sistema defensivo que a vida usa para nos prote-
Esta é sua arma para vencer na vida. Não se trata de abstrações ger contra o mal, pelo qual somos prejudicados. Ela constitui
ideais ou dissertações moralistas, mas de um método cujas van- mais um aspecto da sabedoria e da bondade da vida, exatamen-
tagens se pode experimentar, quando corretamente usado. te lá onde parece mais difícil vê-las.
Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 233
Este é o rendimento útil da dor. Mas de onde deriva a sen- SEGUNDA PARTE
sação dolorosa? Que fato a produz? Ela decorre do fato de
constituir uma operação cirúrgica, pela qual se faz a necessária ANÁLISE DE CASOS VERÍDICOS
correção de uma trajetória na direção errada, lançada por um
feixe de forças que não tencionam ceder a qualquer desvio. A INTRODUÇÃO – ORIENTAÇÃO
negatividade, lançada como tal, quer permanecer como é, con-
tinuando a se desenvolver, à semelhança de um câncer. A sua O presente volume confirma e desenvolve o precedente:
diminuição ou eliminação é um ataque à sua vitalidade, que pa- Como Orientar a Própria Vida. O objetivo de ambos é mostrar,
ra ela, ainda que negativa, significa andar em direção à morte. racionalmente, sem qualquer premissa gratuita, com base apenas
A dor se origina da asfixia provocada pelo tipo errado de na lógica e nos fatos, a utilidade de se seguir uma conduta moral
vida. De fato, a negatividade busca o prazer no aumento de si reta. A novidade contida nestes livros, a qual poderá parecer re-
mesma, ou seja, do erro e do vício. Mas trata-se de uma vitali- volucionária, está no fato de que eles nos mostram qual deve ser
dade invertida, que leva à morte; de um prazer doentio, que le- o comportamento correto, baseando-se sobre um princípio dire-
va à dor. Então a vida deve corrigir com a dor este prazer doen- tivo completamente diverso daquele vigente no passado.
tio, para salvar o indivíduo, levando-o ao gozo verdadeiro, que Trata-se de uma transformação hoje em ação, de caráter não
somente pode ser positivo, segundo a ordem da Lei. Eis como superficial e formal, como geralmente costumava acontecer no
os dois elementos do dualismo universal se entrelaçam em um passado, mas substancial e de base, porque modifica o tipo bio-
jogo de compensação. lógico, de modo que cobre toda a personalidade humana. A mu-
Em vista disso, vejamos então como o indivíduo deve com- dança é substancial porque não se verifica apoiando-se no mes-
portar-se dentro desse mecanismo, a fim de, tanto quanto possí- mo nível evolutivo, mas transportando-se a um nível superior.
vel, evitar a dor e obter felicidade. Eis como poderemos com- Este fato deriva de uma transformação da forma mental, isto
portar-nos logicamente. O primeiro passo consiste em individu- é, do instrumento psíquico pelo qual o homem concebe seu
alizar, com um severo exame de autopsicanálise, os pontos de mundo. É natural, então, que um ser evolutivamente mais ma-
negatividade da própria personalidade. Isso sem se deixar en- duro possa viver aplicando princípios que, inicialmente, não era
ganar pelo astuto subconsciente, que procura escondê-los. Nes- capaz de conceber e que somente agora pode compreender e
sa operação, é necessário procurar ver e julgar com a visão cor- seguir. Portanto a base do fenômeno ético que estudamos aqui é
reta da positividade, e não com a distorcida da negatividade. In- positiva e biológica. Tal mudança é um fato que se está verifi-
felizmente, fazer esse exame não é coisa fácil, porque pressu- cando e que não pode deixar de ser admitido por qualquer um
põe qualidades introspectivas e certa maturidade psicológica. É que tenha olhos para ver. Procuremos entendê-lo.
assim que, frequentemente, o movimento de correção e salva- Inicialmente havia “a luta pela vida”. Deste ponto de par-
mento não pode ter início. Então a vida, não podendo, por ima- tida, que levava a uma necessidade de contatos, desenvolveu-
turidade do indivíduo, usar o método inteligente da compreen- se, através de distinções e complicações progressivas, a técni-
são, e também não podendo renunciar à salvação do ser, é obri- ca das relações sociais. Originalmente, o modelo daquelas re-
gada a usar, com esta finalidade, o método duro da provação, lações era agressivo-defensivo, com base no tipo guerreiro.
que, por esta a razão, tem sua existência justificada. Disso derivava que o valor individual era dado pela força. As-
O segundo passo consiste em preparar-se para executar es- sim, a ética do primitivo baseava-se no princípio da força,
pontaneamente a operação dolorosa da correção da trajetória sendo este tão fundamental, que ainda sobrevive até hoje.
errada, sem esperar a intervenção forçosa por parte da Lei, Neste sistema, um direito não tem valor, se não se fizer valer
operação tanto mais dolorosa quanto mais forçosamente, de- por uma força. De fato, somente hoje as massas adquiriram
vido à rebeldia do indivíduo, tiver de ser imposta. Trata-se de direitos, porque aprenderam a se fazer valer pela força do nú-
trabalhar de acordo com a Lei, secundando-lhe a ação correti- mero e da inteligência organizadora.
va, em vez de resistir-lhe. É necessário compreender que a Lei Observemos o desenvolvimento do fenômeno. O mais forte
nos protege e que é de nosso interesse segui-la, sendo nosso impunha respeito, uma vez que sabia realizar o difícil trabalho
prejuízo resistir-lhe, porque, neste caso, ela nos constrange a de vencer tudo e todos. A vitória, então, autorizava-o a co-
fazer à força aquilo que poderíamos fazer pacificamente, obe- mandar, pois ela, mesmo realizando-se naquele nível, repre-
decendo-lhe. É necessário compreender que, se não a segui- sentava um valor. Naquele grau de evolução, isso também era
mos, arruinamo-nos. É justamente para não deixar isso acon- justo, porque o mais forte, sendo o mais apto para sobreviver,
tecer que ela nos constringe. representava o melhor e, portanto, tinha o direito de ser chefe,
Nesse processo, uma mente negativa, exatamente por ser arrastando os outros, de menor força e menos capazes, que por
deste tipo, pode ver maldade e vingança. Perguntamos, no en- isto mesmo deviam obedecer-lhe como escravos. É lógico, en-
tanto, se é mau o cirurgião que nos opera para nos salvar, dan- tão, que o chefe fosse egoísta e comandasse apenas para si, po-
do-nos vida e saúde? É exatamente pelo fato de estar doente de rém, mesmo nesta forma tão primitiva, ele já começava a fixar
negatividade que o indivíduo não compreende a bondade da o conceito de autoridade, do qual dependia a manutenção de
ação e, por isso, resiste-lhe. Porém, sabendo que a operação é uma ordem necessária à convivência. Assim, embora à base do
necessária para salvar o doente, o cirurgião o amarra ao leito, desfrute do escravismo, começou-se a trabalhar para a constru-
deixando-o gritar, e o opera à força, para salvá-lo. Se a Lei tem ção do edifício social em todos os seus aspectos, até se atingir
que salvar o ser, mas este não quer se salvar, o que pode fazer a sua complexidade atual.
ela senão salvá-lo à força? Deixando os pormenores, esta foi a estrada pela qual che-
Com o sistema de compreensão do problema e espontânea gamos até ao presente. Hoje, porém, verificam-se fatos novos,
adesão à Lei, consegue-se o resultado de correção com muito que levam a um ponto de ruptura do velho ponto de equilíbrio.
menos trabalho. O esforço evolutivo, assim, dá muito maior A organização coletiva está tomando proporções sempre mais
rendimento. Então não somos mais penitentes encarcerados, gigantescas. A ciência e a técnica colocaram nas mãos do ho-
mas seres livres e conscientes, que colaboram com a Lei. Este mem meios complexos e poderosos demais para que possam
sistema de autodirigir-se com conhecimento, vivendo por si ser usados com a velha forma mental. Dessa forma, se não se
mesmo uma vida planificada segundo a Lei, método pelo qual quiser terminar no caos e na destruição recíproca, é necessário
se percorre com menos fadiga o caminho da evolução, será o atingir um estado de consciência até agora desconhecido. Nes-
sistema inteligente que o homem evoluído do porvir seguirá. te momento não há outra escolha: ou compreender e aprender a
234 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi
comportar-se, ou desorganizar-se e destruir-se. Para não che- assim, frequentemente, sobrepor-se naquele terreno. Como a
gar ao desastre, urge então compreender. O chefe não pode Terra tinha seus reis, imaginou-se um rei dos reis, que fosse su-
mais ser do tipo antigo, que detém o poder como um conquis- perior a eles e, espiritualmente, mais elevado. Assim a autori-
tador, para dominar seus dependentes. Aparece a necessidade dade espiritual enalteceu os reis e dominou os povos, fazendo-
de um novo método de comando, de poder e de autoridade, não se representante de Deus e governando em seu nome.
mais para imposição do domínio por parte do mais forte, que Eis o velho sistema. Naturalmente, este segundo poder tam-
foi o vencedor, mas sim para o cumprimento de funções soci- bém tinha suas armas, que eram somente do tipo psicológico e
ais a serviço da coletividade. Eis porque, hoje, os velhos con- serviram bem por milênios. Hoje, porém, a mudança da forma
ceitos vigentes no passado estão em crise e vão sendo rapida- mental modifica tudo. A potência daquelas armas baseava-se
mente liquidados pelos jovens. em ameaças incontroláveis e no medo que estas incutiam. Elas
Tudo isso não nos autoriza a condenar o passado. Tal método, necessitavam da sugestionabilidade das massas e, portanto, de
em relação ao seu tempo, não foi um erro, mas sim uma fase ne- sua fé, que desmorona tão logo o espírito crítico se desenvolva
cessária para o desenvolvimento, como o é a infância para o ho- e permita, assim, ver as coisas mais profundamente, com outros
mem adulto. A seu tempo, aquele sistema funcionava bem, por- olhos. As novas gerações não conseguem nem ao menos con-
que era proporcional ao estado infantil da humanidade. Hoje, po- ceber como possa existir e ser feito o inferno!
rém, em uma fase mais desenvolvida, não é possível mais ser as- Mas o que desmorona? Na realidade, cai somente o velho
sim, e não há conservadorismo que possa fazer valer aquilo que modo de pensar e de fazer as coisas, porque permanece invari-
não tem mais serventia para a vida. É inútil chorar e resistir. Isto ável o mesmo ponto supremo a ser atingido pela evolução. É
é o que fatalmente deve acontecer e que já está acontecendo. assim que, se hoje tanto se fala da “morte de Deus”, isso signi-
Consideremos como funciona a vida. Com relação à evolu- fica tão-somente a morte do velho conceito comum de Deus,
ção, frequentemente o homem se satisfaz e se limita apenas a para atingir outro tipo, de mais alto valor. Trata-se de um Deus
pensar e falar, em vez de agir. A vida, ao contrário, não se ex- visto de uma posição evolutiva mais avançada, ainda maior e
pressa com palavras, mas sim com fatos. Seu pensamento está mais belo. É a evolução que nos está construindo os novos
escondido, e não podemos vê-lo senão quando este se manifesta olhos para vê-Lo. Então não se trata apenas da morte de um
pela ação. A vida não faz a teoria da revolução, ela faz a revolu- método superado, para continuar a fazer, de outro modo, a
ção. A vida não fala de mudanças, ela as realiza. Para suprimir a mesma coisa e com o mesmo fim, mas sim do nascimento de
ideia, ela suprime a pessoa que a sustém, e assim por diante. Ho- um sistema mais adequado, porque responde melhor às trans-
je, quando a vida se move sobre este caminho de realizações, ela formações realizadas nos tempos novos.
está decidida a levá-las a cabo sem dar explicações. Seu pensa- É para se adequar a esta necessidade que abandonamos nes-
mento, se o quisermos ver, encontrá-lo-emos escrito nos fatos. te livro a velha forma mental e, embora visando o mesmo fim,
Confrontemos agora a velha fase evolutiva com a nova, para usamos outra, melhor compreendida hoje pelos jovens, a qual
vermos em que consiste a passagem de uma para outra. Antes serve para avançar ainda mais em direção aos mesmos nobres
de tudo, podemos dizer que não existe oposição real entre a ve- ideais buscados no passado. Por isso não nos servimos da su-
lha situação e a nova. A vida, em sua evolução, não toma hoje gestionabilidade, medo, credulidade etc., meios adaptados ao
uma direção diversa daquela do passado, apenas mudou a ma- subdesenvolvimento, mas preferimos o método da lógica, da
neira de proceder, tornando-se diferente. A estrada que a vida razão, da compreensão e do conhecimento, que nos avizinha do
percorre é uma só, mas agora atingiu um ponto em que se apre- mesmo Deus das religiões, levando-nos a entender a beleza da
senta mais ampla, diversamente situada, aberta em direção a finalidade e a lógica do Seu trabalho. Falar a linguagem do pas-
outros horizontes. Na atual revolução, não acontece senão uma sado torna-se, a cada momento, sempre mais anacrônico. É inú-
passagem para uma zona mais avançada. til resistir à corrente da vida, que avança. Por isso procuramos
Como era feito o velho sistema diretor da conduta humana? segui-la, seguros de que ela, também sob esta nova forma, ex-
Ele havia tomado as duas formas que a vida possui: a do macho, pressa o pensamento de Deus, assim como a Sua vontade.
através da força, e a da fêmea, através da astúcia. No sistema de Trata-se de modificações biológicas fundamentais, de natu-
luta do mundo animal, encontramos o germe deste fenômeno. reza evolutiva, que dizem respeito a uma crise não apenas de
Surge assim o poder civil e o religioso, ambos presentes desde o religião, mas de diretrizes éticas universais. É por isto que nes-
início da humanidade. Mas, como já dissemos, um direito não te livro apresentamos um modelo biológico e um tipo de vida
tem valor, se não se fizer valer por uma força, portanto, se um diferentes daqueles seguidos no passado, demonstrando que o
poder não está armado para impor-se, não tem valor. Eis porque homem reto e justo vale mais do que o homem forte e vence-
cada um dos dois devia possuir uma arma. Qual era ela? dor. Como se vê, a substância da velha moral não desaparece,
Conforme dissemos acima, os vencedores submetiam e es- mas adquire bases sólidas, de tipo científico. Apela-se para a
cravizavam os povos, criando e mantendo assim a ordem sob inteligência, que sabe compreender, e não para a obediência e
seu domínio. As relações sociais eram, portanto, do tipo amo- a passividade do ignorante. Utilizam-se as qualidades do ho-
servo. O rei era o chefe, que comandava todos. Este era o mode- mem novo, não mais entendido como um súdito a ser domina-
lo macho de domínio, baseado na força. Mas a vida oferecia do, mas como um interlocutor, com o qual se deve dialogar,
também outro modelo, aquele do tipo feminino, baseado na as- deixando-o livre em sua consciência, mas convencendo-o,
túcia, que já cumpria sua função, porquanto representava os porque hoje, além de haver argumentos para convencê-lo, ele
primeiros degraus do desenvolvimento da inteligência. Formou- tem capacidade para ser convencido. Explicamos que a vida –
se assim, em nome do invisível, do mistério e do além, outro ti- exceto para os subdesenvolvidos, incapazes de compreendê-la
po de chefe, que criava e mantinha a ordem sob seu domínio. – não se baseia na força, mas sim sobre o mérito, que é, segun-
A princípio, as duas funções podiam estar unidas na mesma do a justiça, direito perante a lei de Deus.
pessoa, de modo que o feiticeiro era um chefe e o rei era um Trata-se de um direito sagrado, não só garantido por Deus,
deus. Mas, em cada caso, suas relações com as massas eram do mas também reconhecido pelo homem novo, que adquire neste
tipo amo-servo, por que aquele era o único modelo que conhe- nível consciência do bem e do mal, compreendendo seus deve-
ciam. Foi assim que este, encontrando-se já existente e pronto res e direitos. Finalmente, o conceito de bem e de valores posi-
para o uso, foi facilmente transplantado para o campo espiritu- tivos destaca-se daquele do mais forte – no qual se tem o direito
al. Ora, tal poder também tinha necessidade de uma força para a qualquer abuso – para se tornar princípio de retidão e de justi-
se manter, a qual ele encontrou neste outro campo, conseguindo ça, baseado sobre a realidade do funcionamento das leis da vi-
Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 235
da, deixando de ser apenas uma afirmação teórica. É para apoi- O fenômeno já está se realizando. A vida se lançou nesta
ar nossas afirmações em bases positivas, que nos baseamos direção, e isso, para o homem, significa ter de cumprir um
aqui sobre a observação objetiva do modo pelo qual a lei de imenso trabalho de construção. Se a velha ética cai, é preciso
Deus age naqueles pontos passíveis de controle. encontrar uma nova, porque uma ordem é necessária. A busca
Estes são os objetivos do presente livro. Tratemos de com- de um novo caminho que garanta a manutenção da disciplina
preender-lhe todo o significado. Quis ele nascer em um mo- faz-se urgente, porque, com o crescimento do poder humano,
mento histórico gravíssimo, de cuja importância poucos se dão podem-se cometer erros proporcionalmente maiores, tanto que
conta. Mas o fenômeno já está funcionando, e nós estamos den- hoje se pode chegar a desastres sem precedentes. As regras de
tro dele. Portanto não é mais hora de discutir se a revolução orientação mudam, quando a gente, em vez de uma carroça,
existe ou não, mas de observar como ela está se desenvolvendo. dirige um automóvel em alta velocidade. Antigamente, éra-
Ocorre hoje um fato novo na história. Trata-se da queda do mos protegidos pelas limitações impostas por nossa ignorân-
princípio religioso, e não apenas de uma religião. Tal conflito cia, que não permitia pôr as mãos sobre as grandes forças da
já surgiu em outros tempos, mas em torno dos mesmos concei- vida. Pensemos, porém, quão diferente mentalidade é necessá-
tos básicos, pelos quais as duas partes continuavam a se enten- ria hoje para dirigir-se, quando basta apertar um botão para
der, porque a sua linguagem permanecia a mesma. Hoje a dife- que estoure uma guerra atômica capaz de destruir a humani-
rença no modo de pensar é tão grande, que as duas partes não dade. E o aumento de tal potência humana, atualmente, ocorre
se entendem mais, pois foi mudado o pensamento e a lingua- e difunde-se com um crescimento impressionante e irresistí-
gem que o expressa. O novo simplesmente suprime o velho, vel, de modo que o perigo de arruinar-se por inconsciência
porque não mais o toma em consideração. Então se procede torna-se sempre maior. Pode a ciência, então, tornar-se loucu-
dessa forma, até se chegar ao ponto de uma dessacralização e ra? Devemos sustar seu progresso? Não. Devemos somente
de uma desmistificação global, que fazem desaparecer os ve- desenvolver, paralelamente, uma consciência ética para saber
lhos conceitos, postos fora de uso. Isso é alarmante, porque, fazer bom uso daquele progresso.
sendo o problema ético monopólio das religiões, vêm a faltar, Antigamente, em um regime de inconsciência e de irrespon-
com a queda destas, as diretivas da conduta humana, o que le- sabilidade, era possível sobreviver brincando impunemente,
va à anarquia, mal social gravíssimo. tomando-se algumas liberdades que só uma ética aproximativa,
Vemos cair assim todo o instrumental dos velhos expedien- simplista, formal, preceituada, com base mística e emotiva po-
tes psicológicos coativos, necessários para induzir o homem a dia permitir. Hoje a ciência, mostrando-nos que tudo é regido
se comportar bem, e não se sabe com o que substituí-los, para por leis exatas, acordou-nos de um sonho e colocou-nos perante
não terminar no caos. Não se pode impedir que eles caiam, por- uma dura e complexa realidade, que não perdoa. Pagam-se to-
que não mais aprisionam a mente moderna, saída da menorida- dos os erros com justiça, e paga-se tudo com exatidão matemá-
de. Aumenta a sensação de vácuo diante de nós, apavorante tica, fatalmente, sem possibilidade de fuga, não havendo aquela
porque perigosa. É inútil insistir com o velho sistema. A orien- elasticidade de soluções que o problema elementar, formulado a
tação moral deve agora ser conseguida por outro caminho e grosso modo, permite.
funcionar com métodos diferentes daqueles do passado, que Pelo contrário, com o progresso, os problemas se fazem cada
eram ótimos e funcionavam bem para o homem da época, mas vez mais numerosos e difíceis. Não é mais válido o velho méto-
não servem para o homem moderno. do de legar a sabedoria dos avós de pai para filho. Não cremos
Para compreender o significado deste livro, devemos com- mais nas fábulas infantis, que outrora nos mantinham encanta-
preender o significado da atual revolução espiritual, porque foi dos. Na falta de outras diretrizes, há quem as peça ainda às ve-
em função dela que nasceu o presente volume. Não se trata de lhas mitologias religiosas, como a criança que busca refúgio en-
uma cisão de doutrina, mas de um fenômeno da evolução, por- tre as saias da mamãe. Mas ela está envelhecida e não pode mais
que se tende não a formar um novo grupo dissidente ao lado do ajudar, mesmo porque nos tornamos muito grandes para que ela
velho, permanecendo no mesmo nível, mas sim a deslocar todo o possa fazer. Desejaríamos continuar a brincar e a sonhar, mas
o grupo para outro nível. Na verdade, hoje o antagonismo é en- estamos crescidos, e uma vastidão ilimitada, inexplorada e eri-
tre progressistas e conservadores, ocorrendo dentro de todas as çada de problemas novos, todos a serem resolvidos, assalta-nos
doutrinas. A dissensão não acontece entre dois partidos desti- de golpe a visão. Saberemos construir-nos espiritualmente à al-
nados a sobreviver, fixando a cisão, mas em todos os campos, tura necessária para cumprir este imenso trabalho?
entre a parte que deseja avançar e a parte que, desejando manter Esta é a angústia do homem atual. E nós a tornamos nossa
sua posição, será automaticamente liquidada por velhice. neste livro, colocando-nos frente àquela dura realidade, para
Trata-se de um fenômeno evolutivo, e podemos dizer que procurar cumprir uma primeira tentativa de orientação séria,
ele consiste em uma superação para avizinhar-se sempre mais com razões visíveis, assumindo como base sólida as leis da vi-
de Deus. Neste caso, não temos uma cisão em partes, mas um da. Temos consciência de que nos encontramos na hora crítica
salto avante, o que significa uma continuação no caminho da da passagem de uma era para outra. Devemos então sentir e as-
evolução. O caminho não é no sentido de destruir o velho, sumir a responsabilidade que os novos tempos, cada dia mais,
mas sim de construir o novo. A destruição do velho é apenas impõem a cada um e a todos.
um fato implícito na construção do novo e necessário para a
realização deste. I. DIÁLOGO COM AS LEIS DA VIDA
Basicamente, como já dissemos, trata-se de um fenômeno
de evolução, sadio e vital, segundo a lei de Deus. Por isso o Observando o mundo que nos circunda, é fácil constatar que
seu esquema é diverso daquele dos cismas do passado, que re- não há fenômeno cujo desenvolvimento não seja dirigido por
presentavam uma moléstia do grupo e produziam seu debilita- uma lei própria, como um trilho já feito, sobre o qual ele cami-
mento. Naquelas dissidências, a mudança se dava no sentido nha. Este caminho não se traça ao acaso, mas é orientado em
horizontal, ficando na superfície e levando à divisão. No caso direção a uma dada finalidade, seguindo uma técnica de desen-
atual, a mudança é evolutiva, dando-se no sentido vertical as- volvimento que constitui a lei do fenômeno. Tudo isto é mais
cendente (entre o passado e o futuro), com tendência para uni- evidente no plano físico e dinâmico, domínio da ciência. Assim
ficar-se em um plano mais alto. A tônica é diversa. Hoje não se os fenômenos se movem em um regime de planificação prees-
trata de conquistar espaço vital com proselitismo, mas sim de tabelecida, que os enquadra dentro de uma ordem, necessária
transformar-se por evolução. para que não se desmorone tudo no caos.
236 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi
Ora, a lógica dessa estrutura orgânica nos faz supor que, ao ça. Se ela, além de suas formas, é constituída também de uma
mesmo regime de ordem, estejam sujeitos também os fenôme- inteligente diretriz de funcionamento, é inegável, então, que de-
nos que se processam no plano mental e moral. Tanto mais que ve ser possível comunicar-se com essa inteligência, para se
eles são de natureza biologicamente mais evoluída do que a compreender qual é o seu pensamento e a sua vontade. Ora, co-
dos fenômenos da matéria e da energia, sendo mais importan- municar-se significa estabelecer um diálogo no qual se propõe
tes do que estes, por dizerem respeito à diretriz de nossa con- questões e se obtêm respostas. Isto é exatamente o que procura-
duta e, portanto, à nossa evolução. E, neste caso, trata-se do mos fazer, baseando-nos na lógica indicada, dado que esta era a
elemento humano, que é mais avançado na escala evolutiva. estrutura do fenômeno, onde o diálogo deveria ser possível.
Seria um absurdo, constituindo frontal contradição com tudo Chegando a este ponto, trata-se de resolver o problema de
aquilo que a ciência nos mostra acontecer nos campos de seu como conseguir estabelecer esse diálogo. É certo que a vida
domínio, se a mesma coisa não acontecesse também na zona pensa. E vemos seus efeitos, que nos revelam uma extraordiná-
do ápice da vida, situada à frente na evolução, no ponto de sua ria sabedoria. Mas a vida não formula seu pensamento com pa-
mais intensa atividade de conquista. A razão nos diz que, além lavras, como nós o fazemos. Ela não fala, simplesmente age.
do universo da matéria e da energia, deve haver também um Sua linguagem é concreta, manifestando-se materializada nos
universo do espírito, constituído pelos imponderáveis valores fatos. Então, para entender tal linguagem, é necessário observar
morais e ideais, com base numa outra ordem de fenômenos, os fatos. Trata-se de descobrir neles aquele pensamento subter-
regulados, como acontece com todos os outros, por leis que râneo, que se esconde sepulto no íntimo da realidade. Mas, se
lhes disciplinam o funcionamento. ele foge a nosso exame, como apreendê-lo então?
Até aqui estamos no terreno da lógica, identificando um Há momentos, como o atual, de trabalho febril por parte
campo que, segundo o raciocínio nos indica, deve existir. Ora, das forças da vida. São momentos de revolução, de realizações
esta premissa nos autoriza a admitir, como hipótese de trabalho, urgentes, de explosões decisivas, nos quais a pressa e o ímpeto
a existência de leis que regulam tais fenômenos, permitindo nos das realizações fazem que se rasgue o véu atrás do qual a vida
lançarmos à pesquisa delas, para conhecer a técnica de seu fun- se protege, como costuma fazê-lo, nos pontos mais nevrálgicos
cionamento. Isto é o que neste livro nos propomos fazer. Po- e preciosos de sua organização, principalmente no tocante à
nhamo-nos então num terreno prático, positivo, analítico e ex- sua direção. Na série de fatos que exporemos, anotamos exa-
perimental. Já realizamos o início desta pesquisa e, aqui, ofere- tamente os casos e momentos mais evidentes, nos quais nossa
cemos seus primeiros resultados, para que possam ser utilizados análise pôde colher, mais a descoberto, o pensamento da vida.
e também desenvolvidos posteriormente, após esta fase inicial. Esperamo-lo no caminho, o que possibilitou ver assim a sua
Não procuraremos persuadir o leitor com dissertações teóri- técnica funcional, observando a estrutura e o conteúdo das leis
cas, mas colocaremos sob seus olhos, sobretudo os fatos e os que regem o seu funcionamento.
resultados da análise dos mesmos. Se o leitor quiser, poderá ele No seu plano teórico, este trabalho já foi por nós realizado
mesmo repetir a experiência, com outros fatos tomados para em outros livros. Eis aqui estas leis, que, depois de tê-las visto e
exame, para controlar a validade das conclusões tiradas de nos- mostrado, colocamos a nu, deixando a palavra com elas. Neste
so trabalho. A nova pesquisa é possível e pode tornar-se tanto livro, em vez de expormos as ideias, deixaremos que o leitor es-
mais profunda, quanto mais longamente ela for executada. Nós, cute nos fatos aquilo que a vida diz, para ver com seus próprios
aqui, estamos apenas debruçados sobre os umbrais de um novo olhos qual é o pensamento dela, observando o seu comporta-
mundo, do qual só nos aparece uma primeira revelação. Basta mento em determinados casos. Assim, este livro, em vez de uma
isto, porém, para nos fazer pressentir que a estrada a percorrer dissertação genérica sobre as leis da vida, deseja ser vivo e cons-
neste sentido é longa e vai muito mais longe. Não porque po- tituir um trabalho de aplicação em detalhes, apoiado sobre uma
semos de descobridores, mas porque há fatos que provam a pre- série de casos típicos, tomados para exame. Isso porque o nosso
sença de leis neste campo, podendo ser verificados por todos, objetivo não é dissertar, mas sim mostrar, no plano prático,
em todos lugares e a todo o momento, sempre prontos a revelar quais os danos que nos ameaçam, quando violamos estas leis, e
a qualquer um que os observe como é regulado seu funciona- quais as vantagens que podemos gozar, quando as seguimos.
mento. Tais fatos, nos quais se manifestam aquelas leis, já Como se pode esperar que de premissas negativas derivem
acontecem em todos os lugares, de modo que a descoberta deles resultados positivos? É preciso aprender a se comportar, esco-
pode ser feita por qualquer um. lhendo a solução justa para os nossos problemas. Se colocarmos
Conhecer estas leis para depois se adequar a elas significa uma premissa positiva, podemos contar com tais leis, porque
possuir a arte da conduta certa e, portanto, poder gozar de todas elas “devem” levar-nos a resultados positivos. Em suma, trata-se
as vantagens decorrentes dela, evitando todos os danos que de- de conquistar uma consciência da vida e um senso de responsa-
rivam, como consequência fatal, de qualquer erro cometido bilidade novos, como consequência de um conhecimento anteri-
contra aquelas leis. Estamos fazendo um discurso utilitário, co- ormente não possuído. Trata-se de passar do estado de incerteza
erente com a realidade da vida, que é utilitária, e o fazemos do primitivo imprevidente a um novo modo de viver, regido por
num momento em que o homem passa da fase infantil à de uma planificação inteligente, para possuir, em vez de uma vida
adulto, razão pela qual ele é capaz de compreendê-lo. incerta e perigosa, uma vida garantida e protegida. No entanto,
A vida parece ter aberto um concurso entre aqueles que pro- para atingir tal planificação e gozar as suas vantagens, é indis-
curam oferecer-lhe a ideia da qual ela precisa hoje para cumprir pensável conhecer e, portanto, seguir as leis da vida. Sem isto,
a tarefa de reconstrução, necessária depois da atual tarefa de bate-se a cada passo a cabeça contra estas leis, que reagem a ca-
destruição. É evidente que, presentemente, vive-se em um ritmo da violação, comportando-se conosco do modo como nos com-
de transformismo evolutivo acelerado em todos os campos. portamos com elas. É, portanto, de supremo interesse conhecê-
Procuramos então formular e oferecer uma nova ideia, conven- las, tanto para evitar danos como para ganhar vantagens.
cidos de que a vida, atualmente, vai aceitá-la, porquanto esta Se, em outros livros, tratamos dos problemas espirituais
serve aos seus desígnios. com sentido de fuga do mundo, agora, para acompanhar o es-
A vida sabe o que faz. Quem observa seu funcionamento, forço da vida no momento atual, estamos seguindo a orientação
desde suas primeiras tentativas elementares e formas menos positiva prevalecente, à qual adere a nova cultura da tecnologia
evoluídas até suas construções mais complexas e evoluídas, não contemporânea. Justamente por visarmos resultados reais é que
pode deixar de encontrar nela uma inteligência superior. Ainda deixamos falar a vida com sua linguagem de fatos, controlá-
que contenha males e imperfeições, a vida sempre vence e avan- veis por todos, para concluir com uma ética racional e científica,
Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 237
universal como a ciência e, assim, independente de posições fi- tivo é por ela sufocado e expulso, enquanto o positivo é por ela
deísticas. Mais do que de elucubrações filosóficas, hoje há ne- atraído e, como coisa sua, canalizado em sua corrente.
cessidade de um conhecimento capaz de resolver favoravel- Portanto, para quem quiser saber por que a vida é positiva,
mente os problemas, dando uma resposta adequada à questão, a ou seja, benéfica, construtiva e salvadora, podemos acrescen-
fim de se obter um guia prático sobre como se comportar, para tar – referindo-nos ao nosso livro O Sistema – que o pensa-
evitar o próprio dano. mento contido atrás cada fenômeno em nosso universo é de-
vido à presença nele do aspecto imanente da divindade, para-
II. A NOVA ÉTICA lelamente àquele transcendente. Em outros termos, trata-se
dos princípios remanescentes do Sistema, com funções direti-
Antes de examinar a casuística, devemos orientar este traba- vas no Anti-Sistema, que, embora decaído na forma ou maté-
lho, reassumindo vários conceitos já desenvolvidos, que o leitor ria, ainda assim ficou saturado do pensamento do Sistema.
necessita ter em mente. A nossa vida é composta de uma série De tudo isso pode-se concluir que o método pelo qual ver-
de atos que podemos observar em sua origem, desenvolvimento dadeiramente somos levados à vitória não é, como se costuma
e conclusão. Eles se unem entre si ao longo da linha causa- crer, o da força ou o da astúcia, mas sim o da justiça. Os que
efeito, constituindo ciclos cada vez maiores, até formarem o ci- ousam violá-lo, porque são fortes ou astutos, na realidade traba-
clo de desenvolvimento de uma vida e comporem, todos juntos, lham pela sua própria ruína, agindo não a favor de si mesmo,
o ciclo máximo da ascensão evolutiva. Em cada caso, o movi- mas em seu próprio prejuízo. Quando eles obtêm algumas van-
mento começa com o lançamento de uma trajetória e é constitu- tagens, estas são apenas imediatas e aparentes, que deverão ser
ído pelo percurso estabelecido, que se desenvolve como um ar- pagas depois, às próprias custas. A nova ética que propomos,
co, subindo em uma dada direção e, depois, descendo até um explicando o mal que se pode fazer a si mesmo com tal condu-
ponto no qual, exaurindo-se, aquele movimento se conclui, ini- ta, poderia transformar a nossa psicologia e com isso a diretriz
ciando-se outro. O que estabelece o percurso da trajetória e o do comportamento, evitando-nos imensos danos. É loucura pre-
seu ponto de chegada é a natureza das forças lançadas na parti- tender que, adotando uma conduta feita de negatividade, seja
da. Sabendo escolhê-las e colocá-las em movimento, podemos possível lançar trajetórias de tipo positivo, para concluir numa
estabelecer, nós mesmos, qual será o seu desenvolvimento e a posição do mesmo sinal. Como se pode pretender que o efeito
sua conclusão. Portanto tudo depende de nós, que podemos as- seja diverso da causa que o determinou?
sim atingir os resultados desejados. Isso significa que é possível Pode-se objetar que se encontram casos nos quais o bem é
sermos donos do êxito de nossas ações bem como do nosso des- vencido e o mal triunfa, contradizendo esta nossa afirmação.
tino, que as envolve, se soubermos cumprir o trabalho do lan- Mas como podemos ter certeza de que aqueles casos são con-
çamento correto de sua trajetória ou corrigir-lhe o percurso, cluídos com a morte? Não seria lícito admitir que deve haver
quando esse resulta em erro. uma continuação da vida, na qual o fenômeno se completa?
Ora, se o percurso da trajetória e seu ponto de chegada de- Nada nos autoriza a afirmar que ele em vida tenha atingido a
pendem da natureza das forças lançadas, esta natureza depende sua conclusão. Na morte, ele pode ter permanecido em suspen-
por sua vez da estrutura de nossa personalidade, cujos compo- so, de modo que o cumprimento da Lei é adiado, escondendo-
nentes são aquelas forças. Se esta estrutura é a causa de nosso se no invisível. Esta percepção é corroborada pelo fato de que,
futuro, ela é, por sua vez, a consequência de nosso passado, pe- na Terra, encontramo-nos perante um fenômeno que, como tal,
ríodo no qual a construímos do modo como é no presente. Na não pode ser anulado antes que o percurso de sua trajetória se
sua fase de percurso, o feixe de forças constituintes da persona- acabe completamente, após as forças lançadas terem atingido a
lidade pode sofrer deslocamentos de sua órbita por atração de sua meta e a causa ter-se extinguido no seu efeito. Isso acontece
forças afins, de modo que as boas se somam também às forças com todo e qualquer fenômeno.
boas do indivíduo, reforçando a positividade dele, e as más fa- Uma importante aplicação destes conceitos pode ser feita no
zem o mesmo às negativas, reforçando a negatividade dele. O campo da futurologia. Temos, antes de tudo, uma unidade de
indivíduo, portanto, pode não só modificar sua trajetória, enca- medida para avaliar na partida – o momento inicial do lança-
minhando-se em uma direção ou outra, mas também, com isso, mento da trajetória – que é a dose de positividade ou negativi-
melhorar ou piorar a sua posição. dade contida no fenômeno, dada pelas forças constituintes da
Também aqui, segundo o dualismo universal, o campo é di- personalidade. Sabemos também que as características de posi-
vidido em duas partes: uma positiva e outra negativa, que são o tividade destas forças levam o fenômeno a desembocar na afir-
bem e o mal, ou seja, aquilo que é útil ao indivíduo e aquilo que mação do indivíduo, para o sucesso e a vantagem dele, com o
o prejudica. Eis que a ética, pelo fato de querer o nosso bem, bom êxito de seu plano. Além disso, sabemos que as caracterís-
exige uma conduta do tipo positivo, pois a positividade na ação ticas de negatividade terminam por levá-lo à falência de seu
conclui a nosso favor, enquanto a negatividade resulta em nos- plano, em seu prejuízo. Então, das premissas iniciais, podemos
so dano. Disso deriva a importância da retidão, pois a conclu- deduzir o que delas poderá derivar.
são é que ela coincide com o sucesso do indivíduo, enquanto a Uma vez que o fenômeno entrou em órbita, estabelecendo a
desonestidade coincide com o fracasso dele. Consequentemen- premissa, podemos prever os seus deslocamentos, que, assim
te, tanto quem faz o bem como quem faz o mal o faz antes de como o efeito depende da causa, constituem a consequência.
tudo a si mesmo. De resto, seria absurdo que a vida, com sua Como era de se esperar, quando o campo de forças do fenôme-
sabedoria e inteligência, violasse a lei de causa-efeito, pois so- no é do tipo negativo, ele atrairá as forças de mesmo sinal que
mente se pode colher aquilo que se semeia. encontrar no seu desenvolvimento, absorvendo-as e somando-
Seria absurdo também que a vida, para atender o seu retilíneo as a si mesmo. Isto se aplica igualmente para as forças de tipo
utilitarismo e o seu impulso ascensional, propusesse qualquer positivo. Se, do exame da qualidade da personalidade, conclui-
coisa de negativo. O mal, mais do que uma culpa, é um erro. Se a se que ela, estando em um campo de forças negativas, possui
vida se rebela contra ele, ferindo-nos com a dor, isso acontece também forças de tipo positivo, podemos prever a possibilidade
com uma finalidade educativa e defensiva, a favor de quem co- de que estas funcionem como impulsos corretivos da negativi-
mete aquele erro, porque, assim, ela constringe aquele indivíduo dade do fenômeno, enquanto ele se encontrar na fase de trans-
a voltar à via correta, que o leva ao seu bem. Por outro lado, se a formismo, dada pelo seu desenvolvimento. De forma recípro-
vida rejeita aquilo que é o mal, ela aceita e sustém aquilo que é o ca, também pode acontecer que as forças de tipo negativo en-
bem. Isso porque ela é feita de positividade, de modo que o nega- contradas na personalidade, ao longo do percurso e do relativo
238 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi
transformismo do fenômeno, corrompam as forças de tipo posi- compete à Lei o dever de assegurar. De um lado, trabalha o in-
tivo, deslocando a trajetória para o negativo. divíduo, do outro, responde-lhe a vida com suas normas de jus-
Tal futurologia, neste caso, baseia-se num atento exame psi- tiça. Esta será a nova ética positiva do futuro.
canalítico do sujeito, sobretudo para pôr a nu as zonas do sub- No passado, o homem vivia perdido no caos, isolado por
consciente. Por fenômeno entendemos qualquer acontecimento seu egoísmo, tendo como defesa somente a sua capacidade de
de nossa vida, desde aqueles mínimos, individuais, até aos lutar contra todos para vencê-los. Com a nova ética, ele tem
grandes fenômenos históricos. Ele toma forma concreta em consciência de fazer parte de um organismo com o qual coor-
nossos atos, que constituem somente a aparência exterior, na dena a sua conduta. Então entre o homem e a vida formam-se
qual se esconde este dinamismo interior, revelado pela análise relações de direitos e deveres recíprocos. Para o homem, o de-
do fenômeno. Os resultados dos acontecimentos dependem de ver de viver em disciplina lhe dá o direito aos meios para viver.
nossa conduta, e esta depende de nossos pensamentos, que por Para a vida, o direito de ser obedecida lhe impõe o dever de
sua vez dependem de nossa forma mental, ou seja, de nossas procurá-los. Se o homem não cumpre seu dever, a vida também
qualidades individuais. Percorrendo esta cadeia de derivações, não cumpre o seu para com ele.
podemos seguir o desenvolvimento lógico do acontecimento e Verifica-se um intercâmbio sem enganos. Se o indivíduo
reunir, através do seu desenvolvimento, seus dois extremos: o apresenta à vida uma conduta negativa, recebe tratamento nega-
lançamento da trajetória e a conclusão de seu percurso no resul- tivo, mas, se ele apresenta uma conduta positiva, a vida deve
tado obtido. O trabalho de futurologia se baseia na análise das conceder-lhe um tratamento positivo. É assim que, para quem o
forças que constituem a personalidade, porque elas representam pratica, fazer o bem resulta no bem e fazer o mal resulta no mal.
a natureza e a direção dos impulsos postos em movimento. Como se vê, trata-se de uma ética baseada sobre um princípio
Para poder prever o desenvolvimento de um acontecimento, totalmente diferente daquele vigente no passado, não mais de
é necessário outro conhecimento, que se refere às leis da vida e egocentrismo, mas sim de colaboração; não de força, mas de jus-
de seu modo de funcionar. Quando elas reagem contra o erro, tiça; não de separatismo, mas de reciprocidade, na qual cada um
seu propósito é ensinar, e não se vingar, esmagando. Podemos faz sua parte. Isso se deve ao fato de que esta nova ética, perante
saber assim, com antecedência, de qual tipo, se física ou moral, a antiga, representa a passagem para uma fase mais evoluída e
será a sua intervenção, que é sempre salutar, mesmo sendo do- aperfeiçoada, condição que implica um enquadramento na or-
lorosa. As leis da vida fundamentam-se sobre um princípio de dem, com uma tomada de consciência mais exata e um senso de
justiça, tanto que, perante elas, o mérito constitui um direito. responsabilidade anteriormente desconhecidos. Tudo isso corres-
Elas “devem” compensar aquilo que foi honestamente ganho. ponde a um processo de cerebração, devido à evolução, que ago-
Neste regime, a ideia de alguma coisa abandonada ao acaso é ra quer transportar o homem do plano instintivo emotivo ao pla-
inadmissível, como é também qualquer desordem em um regi- no diretivo, racionalmente controlado. Portanto não se trata da
me de disciplina. Cai assim o conceito de concessão gratuita de destruição do velho, mas sim da sua continuação e ascensão, le-
favores ou graças, bem como o de qualquer ato arbitrário. As vando não à sua substituição, mas sim ao seu aperfeiçoamento.
relações entre o indivíduo e as leis da vida são de direitos e de- Estas duas fases obedecem a dois diferentes princípios: o do
veres entre ambas as partes, pesados a cada momento na balan- caos para o primitivo e o da ordem para o evoluído. No caos, a
ça da justiça. Então o sujeito pode exigir daquelas leis que seja atividade fundamental é a luta, de modo que, se o indivíduo não
recompensado por aquilo que mereceu, e a vida tem o dever de se defende, ninguém mais o defende. Na ordem, a base é a dis-
recompensá-lo. Tudo isto simplesmente para obedecer ao prin- ciplina, de modo que, quando o indivíduo cumpre o seu dever,
cípio de justiça, que é a base destas leis e que, em nenhum caso, isso é o suficiente para colocar em movimento as forças que,
pode ser violado por elas. A vida, assim como deve castigar pa- naquele regime, são encarregadas da proteção dele. Tal condi-
ra corrigir o erro do indivíduo, também não lhe pode negar as ção já começa a se realizar na parte civilizada de nossa huma-
vantagens do que ele tenha merecido. nidade, mais próxima do estado orgânico. No caos, é lícito
As relações do indivíduo com a vida não são aquelas de su- agredir, mas nele sobrevive somente quem sabe lutar e vencer.
jeição entre servo e amo, mas sim de justiça. Por isso podemos Na ordem, não se pode agredir, mas quem faz um trabalho útil
saber como, em cada caso, a vida irá comportar-se com o indi- à coletividade deve ser protegido por ela, para que ele possa
víduo. Isso pode ser previsto, porque o cálculo se baseia sobre continuar trabalhando. Então ele não deve perder seu tempo lu-
o mérito, que é um fator analisável. É esta exatidão na avalia- tando, dado que é mais útil produzir segundo sua especializa-
ção dos valores e esta rigidez de justiça com a qual eles são ção. Somente nesta fase mais avançada isto é possível, quando
pesados e permutados, que nos permitem prever a consequên- já se alcançou o senso social da coletividade, o que falta na fase
cia de nossas ações. Isto é possível porque, assim, cada uma precedente, na qual os indivíduos não sabem o valor da ordem
delas é avaliada exatamente, como acontece somente em um coletiva, porque estão exauridos pelos atritos causados por seu
regime de disciplina exata. separatismo. É tudo uma questão de divisão de trabalho, utili-
Aqui, analisamos o funcionamento da Lei. Ela funciona zando a forma de maior rendimento utilitário, porque assim a
também para mim, enquanto escrevo, e para o leitor, enquanto energia que se gasta na luta é encaminhada para uma maior
ele lê. Segundo aquilo que colocamos em um prato da balança, produção. Hoje já se procura evitar tal desperdício, porque se
encontramos depois o peso correspondente no outro prato. começa a compreender quão contraproducente é o método da
Mostramos aqui como fazer o exame dos elementos presentes luta. Assim, a função do guerreiro, outrora fundamental, desva-
no fenômeno e das leis que dirigem seus movimentos. Com este loriza-se sempre mais diante da função do trabalhador.
material em mãos, podemos seguir o desenvolvimento do fe- Ora, quando sabemos que as premissas de um fato (lança-
nômeno e prever qual será a sua conclusão. mento de trajetória) estão em nossas mãos e que as consequên-
Estamos no plano positivo experimental da ciência. Trata-se cias estão nas mãos das leis da vida, então, se conhecermos a
de leis exatas, como são aquelas da matéria e da energia. Não técnica funcional destas leis, eis que será possível orientarmos
há mais, então, aquisições que não sejam justificada pelo méri- nossa conduta para o nosso bem, ao invés de para o nosso mal.
to, estando superada a psicologia do servo que implora favori- Isso leva a uma grande modificação na própria vida, semeando
tismos. A Lei de um lado e o homem do outro, ambos estão su- as causas dos acontecimentos e colhendo seus efeitos. Porém
jeitos à mesma ordem, de modo que, se o homem cumpriu seu não é a vida que muda, e sim o homem, porque, passando a um
dever para com a Lei, então, com isso, ele adquire perante ela o nível evolutivo mais elevado, ele entende mais e se comporta
correspondente direito a um bom tratamento, cujo cumprimento diferentemente, em seu próprio interesse. A vida tem funciona-
Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 239
do e continua a funcionar sempre com os mesmos princípios. É Nos capítulos seguintes, faremos uma breve casuística, com
o homem que evolui e, assim, vê aquilo que antes não via, evi- a exposição de uma série de fatos observados por nós, enquanto
tando desse modo os erros e as dores que deles derivam. eles aconteciam, seguindo-os desde seu início até a sua conclu-
A conclusão dessa nossa dissertação é que nossa maior pre- são. Faremos esta análise para compreender a técnica de seu
ocupação deve ser o cumprimento de nosso dever, cabendo a funcionamento e para nos apossarmos dela, com a finalidade de
cada um determinar em que ele consiste. Isto é o suficiente para podermos dirigir novos casos que queiramos iniciar, para levá-
pôr uma premissa positiva no movimento que dela deverá de- los a bom êxito, como desejamos.
senvolver-se como consequência. Feito isso, sabemos que seu Para atingir este escopo, consideramos cada ato iniciado
desenvolvimento se dará em sentido favorável a nós, porque as por nós para chegar a um dado fim, ou seja, cada evento em
leis da vida providenciarão para que assim aconteça. Atenção, que tomamos parte ativa, como um fenômeno em movimento,
porém, porque com a vida não se brinca. Se apenas pretende- cuja trajetória se desloca de um ponto de partida a um ponto
mos fingir que fazemos nosso dever, procurando dar a entender de chegada. Observaremos o trajeto deste movimento nos se-
isto aos outros e também a nós mesmos, a vida não se deixará guintes aspectos: 1) As causas que precedem seu lançamento;
enganar e nos pagará com um desastre. 2) Os seus elementos constituintes; 3) O desenvolvimento do
É incrível a que elevação evolutiva, com suas respectivas transformismo pelo qual, ao longo de seu caminho, ele passa,
consequências, pode levar a aplicação de tais princípios. Quan- em função das forças que o determinam e daquelas que encon-
do se sobe até este plano, cai a lei da luta pela seleção do mais tra no ambiente; 4) As conclusões às quais ele, deixado a si
forte, porque, biologicamente, o modelo do melhor, definindo o mesmo, poderá chegar ou às quais, devido à nossa interven-
novo tipo que a evolução quer produzir, é, ao contrário, o mais ção, poderemos fazê-lo chegar. Aplicaremos estes conceitos,
inteligente, o mais poderoso mentalmente, e não fisicamente. penetrando nos detalhes da casuística, para compreender o
Então o maior problema da vida, a sobrevivência, será resolvi- significado recôndito dos fatos.
do com estes meios, que muito melhor saberão ser bem sucedi- A moral que deriva do conhecimento das leis da vida e de
dos. Entramos assim no regime de ordem, próprio de um nível seu funcionamento não é aproximativa e elástica, nem permite
evolutivo mais avançado, regime no qual a retidão atinge o va- acomodações ou escapatória, mas é exata e rígida, não admitin-
lor de técnica aperfeiçoada para a defesa da vida. Tivemos que do ajustes ou evasões. Passa-se de um regime de baixa veloci-
explicar estes princípios diretores porque era necessário antepor dade para outro de alta, que exige uma precisão maior de mo-
esta orientação geral, antes de passarmos à sua aplicação nos vimentos, porque a uma mesma mudança direcional correspon-
casos que examinaremos nos capítulos seguintes. dem efeitos maiores.
Eis então que é necessário primeiramente pensar no lan-
III. A TÉCNICA DO FENÔMENO çamento da trajetória. É imprescindível que esta não se com-
ponha de forças negativas, porque elas representam um erro
A posição do homem é a seguinte: ele vive no seio do gran- na partida, que é introduzido dentro do desenvolvimento do
de organismo do todo, cujo funcionamento é dirigido pelo pen- fenômeno e que, portanto, nele se manifestará, levando-o a
samento da Lei, que representa a presença de Deus (Sistema) um resultado negativo.
imanente em nosso universo (Anti-Sistema). É esta presença O primeiro ponto de partida é a própria personalidade e as
que, no seio da desordem transitória e superficial, mantém na forças das quais ela se compõe. Eis que, no início de um dado
sua profundidade uma ordem eterna e inviolável. A isto deve- acontecimento, quando começamos a agir para colocá-lo em
mos o fato de que tudo, ao invés de se desmoronar no caos, vai movimento, a fim de que ele se realize, deveremos fazer um
sendo levado, pelo contrário, a uma contínua evolução em dire- exame de consciência ou uma autopsicanálise, para nos aperce-
ção ao melhor. Ora, cada erro contra aquela ordem produz dor. bermos de quais forças dispomos, dadas pelas qualidades que
O homem, porque não conhece a Lei, comete erros contínuos. possuímos e que constituem a nossa personalidade.
Seu maior trabalho consiste na contínua fabricação de suas pró- De como fazer o exame de consciência trataremos a fundo
prias dores. Dessa forma, tudo parece construído de modo a re- no fim deste volume. Aqui somente mencionamos que esta es-
sultar na geração de sofrimento para o próprio homem. trutura da personalidade é um fato estabelecido, o qual preexis-
Mas o fenômeno não se interrompe ao chegar a conclusões te à análise e do qual depende o tipo de força que poremos em
tão tristes. Tal fato é justificado porque, naquela dor, está a sal- órbita no momento do lançamento da trajetória. É evidente que,
vação. A dor é uma escola de aprendizagem, portanto um ins- de uma personalidade com estrutura predominante de tipo ne-
trumento benéfico, pois quem aprendeu não repete o erro e, gativo, não poderá ser obtido senão o lançamento de uma traje-
com isso, elimina a dor. Assim tudo está construído de forma a tória composta de forças negativas. É evidente também a recí-
ser destinado à autorreparação. Não se sofre, portanto, em vão, proca, de modo que, de uma personalidade com estrutura pre-
mas sim para aprender, a fim de não errar e, assim, não sofrer. dominante de tipo positivo, será obtido o lançamento de uma
Eis, em síntese, o mecanismo da existência, o jogo dentro do trajetória feita de forças positivas.
qual existimos e do qual fazemos parte. É esta ordem interna Disto segue-se que, automaticamente, os temperamentos
que buscamos descobrir aqui. honestos são levados a lançar trajetórias positivas e, com isto, a
Orientados por este quadro de fundo, tratemos, então, de obter resultados positivos, valendo também a recíproca. Parece
continuar o nosso trabalho de indagação, que nos leva a desco- ventura ou má sorte, mas trata-se, na verdade, de uma conse-
brir aquela ordem. Fazemos isso porque é o conhecimento que quência do funcionamento da lei que rege o fenômeno. Além
nos salva. Ele é o mais ativo agente destruidor da dor, já que, disso, há também o fato de que o exame de consciência, no qual
uma vez alcançado, ela não tem mais razão de existir, porque se faz o juízo das qualidades boas ou más, é feito pelo próprio
não há mais nada a corrigir e ensinar. Portanto o modo certo pa- indivíduo que inicia o movimento, não lhe restando nada mais a
ra eliminar a dor nós o encontramos. Quem compreendeu evita fazer, senão usar sua forma mental, a única que ele possui.
fazer o mal, porque sabe que o faz em seu prejuízo. É duro so- Ora, o instrumento de ajuizamento pode ser ele mesmo po-
frer, mas a própria vida contém um grande remédio para isso. sitivo ou negativo, ou seja, justo, direito e segundo as leis da
Para destruir a dor, existe uma grande força: a evolução, porque vida, ou arbitrário, errado e distorcido pela negatividade da per-
ela destrói a ignorância. Portanto é sagrado, em cada campo, o sonalidade. Neste segundo caso, o lançamento da trajetória em
trabalho de conquista do conhecimento. Continuemos então, direção errada, contraproducente e tendente a resultados nega-
sobre esta estrada, o nosso trabalho de análise. tivos, é fatal. Mas é necessário reconhecer que isso também é
240 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi
justo, porque se trata de uma consequência direta do fato de ser cer a colocação destas forças em órbita através de um lançamento
aquela personalidade composta de forças negativas. correto da trajetória e, por fim, efetuar posteriormente eventuais
Na execução do exame de consciência, é necessário estar correções da mesma durante o seu percurso, processo este possí-
prevenido também da possibilidade de haver, sobre a função de vel de ser realizado, pois se trata de um fenômeno em movimen-
julgar, a influência do subconsciente, que está sempre pronto, to, no qual é possível assim inserir novos impulsos.
no âmago, a fazer aflorar seus próprios impulsos. Ele é astuto e Isso significa acompanhar todo o desenvolvimento do fe-
aproveita qualquer oportunidade para fazer apreciações distor- nômeno que movimentamos, desde suas primeiras causas até à
cidas a seu modo, a fim de satisfazer sua vontade. Também fa- sua conclusão. Temos falado de positividade e negatividade. O
laremos melhor disto mais adiante (Cap. IX). O subconsciente leitor pode indagar-se que significam na prática estes dois con-
quer sobreviver tal como é, afirmando-se à sua maneira. Assim, ceitos. Positividade significa retidão, honestidade, sinceridade,
luta para se impor e, a fim de conseguir isso, disfarça-se com justiça, responsabilidade etc., qualidades que o indivíduo posi-
argumentos que lhe dão razão, envergando uma auréola de vir- tivo utiliza no lançamento da sua trajetória. Negatividade signi-
tude para esconder suas qualidades negativas. É a besta origi- fica o contrário. Podemos afirmar que os resultados são positi-
nal, ainda não eliminada, que emerge. Então, por meio de um vos no primeiro caso e negativos no segundo, pois temos reali-
exame de consciência assim viciado desde o início, não pode- zado verdadeiros controles experimentais, com os quais obti-
mos obter senão um resultado falsificado. vemos confirmação desta correspondência de fatos. Na casuís-
Que se deve fazer então para obter bons resultados? A con- tica que exporemos nos capítulos seguintes, veremos aplicados
dição imprescindível é ter uma personalidade de tipo positivo. estes conceitos, observando a técnica segundo a qual se desen-
Se, porém, ela é negativa, torna-se necessário procurar antes de volvem os atos que iniciamos para alcançar um dado objetivo.
tudo corrigir a sua negatividade, reduzindo esta ao mínimo, pa- Porém, antes de procedermos à casuística, temos de explicar
ra que na estrutura da personalidade possa prevalecer a positi- como tudo isso acontece. Veremos que cada ato nosso é um fe-
vidade, com tudo aquilo que se segue. Mas o que é necessário nômeno regido por normas definidas do princípio ao fim. Che-
fazer quando, como consequência da estrutura negativa da per- gou a hora de enfrentar com espírito analítico e métodos positi-
sonalidade, já foi completado o lançamento de uma trajetória vos o caso de nossa conduta, até agora deixado inexplorado, à
deste tipo? Neste caso, não há mais nada a fazer senão procurar mercê de normas empíricas. O sistema de construir uma ordem
corrigi-la. Vejamos como. apoiada no comando e na obediência, em vez de se basear na
No caso de trajetórias totalmente negativas, não há nada a compreensão e na convicção, pertence à era infantil da humani-
fazer. O desastre final é fatal. Seria necessário que a personali- dade e desaparece agora, quando ela entra em uma fase mais
dade negativa que realizou o lançamento seguisse a longa esco- madura. A disciplina, porém, continua necessária. Se o homem
la da própria correção, à custa de inúmeras provas, até se tornar novo, que é crítico e racional, não a aceita mais por imposição
positiva. Observemos, porém, o caso mais frequente, represen- de autoridade, não lhe resta senão aceitá-la por livre vontade,
tado pela trajetória mista. A personalidade pode possuir um como fruto do entendimento. Caso ele não queira compreender,
fundo de positividade com zonas de negatividade. Estas, então, aprenderá duramente à própria custa, caindo no caos.
constituem na trajetória o que poderíamos chamar de nós de re- A nova moral irá se impor por si mesma, sendo seguida não
sistência. É preciso descobri-los e desfazê-los, pois eles são er- porque a autoridade mandou, mas porque ela é útil no interesse
ros contra a lei da vida. Trata-se de desvios cuja direção é ne- de quem a aplica. Moral clara, controlável por fatos e vantajosa,
cessário endireitar ao longo do caminho. o que torna aceitáveis os seus princípios de honestidade e justi-
Isso se pode fazer esperando que aqueles impulsos negati- ça. A mente moderna não se sujeita mais passivamente a uma
vos se esgotem, para deixá-los consumirem sua energia inicial. moral somente normativa e preceituada, exigindo em seu lugar
Mas é possível ainda intervir de outra maneira, colocando vo- uma moral livre e consciente, mas responsável, regida por sua
luntariamente em movimento impulsos positivos que se opo- lógica, que lhe justifica as normas, e controlável em seu valor
nham aos negativos em sentido contrário, para neutralizá-los. pelos seus resultados. A mente moderna não aceita uma moral
Com isso, pode-se combater também a tendência dos impulsos coagida, à base de ameaças e condenações. Tal sistema leva à
negativos de atraírem para seu campo outros impulsos negati- evasão, e não à aceitação por convicção, que se atinge quando
vos, a fim de reforçarem-se. A presença da negatividade, ten- se compreende seu funcionamento e vantagens. A nova moral
dendo a desviar do sentido positivo o percurso da trajetória, não está na lei da vida e diz: “Posso pegar aquilo que quiser, con-
nos deve alarmar. O fenômeno se desenvolve como uma luta tanto que eu pague por isto, pois só é verdadeiramente meu o
entre a positividade e a negatividade. Cada erro pode ser corri- que eu tiver merecido. Posso agir livremente, mas as conse-
gido, e aqui explicamos como. Se o erro aparece, ele deve ser quências são minhas. Cumpre a mim compreender o que posso
corrigido, sendo que, ao corrigi-lo, aprende-se a não repeti-lo e o que não posso fazer. A veracidade e a utilidade desta lei eu
mais. Tudo, até mesmo o mal, pode ter uma função construtiva. posso verificar por mim mesmo, convencendo-me desse modo
O problema é neutralizar a negatividade presente no fenôme- que me convém segui-la”. É por isso que mostramos seu funci-
no, porque ela o polui, levando-o a resultados negativos. Estes, onamento. Dele ninguém pode fugir. Passar para outra fé ou
porém, podem ser calculados, porque são proporcionais à dose de tornar-se ateu não muda nada. A lei da vida é igual para todos.
negatividade contida no fenômeno. Daí serem eles previsíveis e Conclui-se que, conhecendo a técnica de seu funcionamen-
evitáveis. É necessário compreender que os resultados finais de- to, podemos dominar os acontecimentos, porque, quando colo-
pendem desta dose e que esta dosagem depende de nós. Somos camos em movimento os elementos exigidos, sabemos quais
donos dos resultados, porque, se preenchermos todas as condi- são os resultados que eles devem atingir. Tudo isso acontece no
ções necessárias para atingi-los, podemos obter aqueles que dese- terreno da positividade e do raciocínio, e não do fideísmo e da
jamos. E agora já sabemos quais são elas. Mas, quando os resul- emotividade, de modo que pode ser apresentado na forma men-
tados não são obtidos, sabemos também a razão pela qual isso tal mais compreensível para o homem moderno e para o do fu-
acontece e o que é necessário fazer para evitar este prejuízo. A turo. Tais conclusões têm, pois, características universais. A
análise do fenômeno nos mostra tudo. Não podemos, portanto, técnica do fenômeno é sempre a mesma e funciona não somen-
culpar ninguém, nem nos embalarmos com esperanças ilusórias. te para o indivíduo, mas também para os grupos, tais como: a
É necessário analisar e saber dirigir os elementos determinantes família, as instituições, os partidos, os povos e a humanidade.
do fenômeno, e isto significa observar a estrutura da personalida- Mesmos nestes casos, trata-se ainda de uma unidade, porém
de, examinar com exatidão as forças que a constituem, estabele- não mais individual, e sim coletiva.
Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 241
O ponto de partida permanece sempre o mesmo, sendo defi- Isso é possível hoje, porque o homem está atingindo uma
nido pelas qualidades constituintes daquele tipo de unidade. De- maturidade psicológica que lhe permite ver a vida com espírito
las depende o gênero de trajetória que eventualmente será lança- crítico adulto, apoiado no método analítico e positivo. Pode-se
da, assim como o seu percurso e a sua conclusão. Eis que a mes- assim enfrentar e resolver problemas que antes permaneciam
ma técnica do exame inicial da consciência, para prever o êxito sepultos no mistério, porque eram vistos somente com uma
de um acontecimento e influir sobre ele, é usada também no caso psicologia infantil, de tipo empírico. Cai a veste legendária e
de unidades coletivas. Nesta dimensão maior pode-se igualmente mitológica, para deixar aparecer a realidade nua, que se torna
prever onde irá terminar o percurso da trajetória. É possível as- assim compreensível, mostrando-nos as normas mais sólidas a
sim realizar uma espécie de futurologia histórica, incumbida do que nos referíamos.
trabalho de fazer previsão neste imenso campo das unidades co- Ao homem novo que se está formando é necessário fornecer
letivas. Também neste caso pode-se intervir no fenômeno, guian- um alimento diferente daquele que o satisfazia no passado, mas
do-o com inteligência em direção à melhor conclusão, seja inici- que não o satisfaz mais agora, um alimento mais nutritivo, feito
ando-o sabiamente, com um lançamento positivo, seja corrigindo de um sistema persuasivo, capaz de levá-lo com clareza à con-
seu caminho, quando ele tende para o negativo. vicção, porque mostra a realidade da vida. Onde encontrar então
Tudo isso é hoje atualidade. No passado, a humanidade, em este material? Só a ciência nos apresenta características de posi-
sua ignorância das consequências, lançou muitos impulsos com tividade, objetividade e imparcialidade, elementos capazes de
base no egoísmo e na injustiça, o que explica a colheita dos re- alcançar uma verdade biológica universal, que não seja só de um
sultados obtidos, segundo a técnica que temos visto. A razão de grupo e não esteja em luta contra a verdade de outros grupos.
tantas dificuldades que afligem a humanidade reside no fato de Até agora, a ciência não entrou no campo da ética do com-
seus lançamentos serem realizados segundo uma trajetória em portamento correto. Mas é exatamente a maturidade evolutiva
grande parte negativa. Assim a história avança, carregando do homem, acima mencionada, o fator que pode permitir a ci-
atrás este peso. Não há outro remédio, então, senão aplicar o ência penetrar neste terreno. Tudo está pronto para que isso se
método da correção das trajetórias erradas. verifique: o grau de evolução alcançado; o desenvolvimento da
Ora, nos grandes fenômenos coletivos, tal como no caso in- ciência; a necessidade de resolver novos e mais complexos pro-
dividual, o ponto de partida também é um exame de consciên- blemas, incluindo os de natureza espiritual, insolúveis pelos ve-
cia, que neste caso, porém, é realizado em massa, processo no lhos métodos; e a necessidade de definir as diversas verdades
qual cada povo deve se autoavaliar honestamente, colocando-se deixadas em suspenso. As contínuas mudanças nas relações so-
diante das leis da vida. Com base nos resultados deste exame, a ciais vão criando situações imprevistas, que exigem uma regu-
coletividade deve lançar novas forças, porém de tipo positivo, lamentação nova, com base em outros princípios, porque os ve-
introduzindo-as na própria trajetória histórica, com a finalidade lhos se tornam inadequados. É assim que se faz sempre mais
de corrigir o desvio precedente ora em ação. Quanto à positivi- necessário desenvolver uma ciência da conduta humana no
dade, temos visto o que ela significa. Somente assim será pos- mesmo nível já alcançado pela ciência em outros campos.
sível corrigir a trajetória anterior, guiando-a em direção a resul- Hoje se corre e, portanto, é necessário ver bem a estrada.
tados benéficos, e não maléficos. Urge entender o significado da vida e as consequências de nos-
Neste trabalho, a própria vida ajudará quem se preparar para sas ações, para nos dirigirmos inteligentemente. Com o aumen-
cumpri-lo, porque isso corresponde ao objetivo dela. O sistema to dos poderes do homem, aumenta a periculosidade de seus
de luta, à base de ação e reação – naturalmente separador – é movimentos errados, e há cada vez menos margem para eles.
involuído, antiorgânico e antiunitário, indo contra a formação Por isso é necessário uma ética de tipo científico, que nos mos-
das grandes unificações sociais, finalidade que a vida quer al- tre a técnica do funcionamento das leis da vida. É preciso fazer
cançar no momento atual e no futuro próximo. o homem compreender que ele não está sozinho na estrada,
Falamos disto porque o momento é grave. Os meios de ação abandonado à mercê da própria sorte e distante de qualquer for-
se tornaram hoje muito mais potentes com a ciência, de modo ça para auxiliá-lo, mostrando-lhe que, pelo contrário, elas estão
que, se não quisermos terminar em um desastre, é imprescindí- próximas e que a sua ajuda funciona realmente, desde que ele o
vel e urgente uma capacidade diretiva mais inteligente. A velha mereça, por ter cumprido com o seu dever.
psicologia agressiva era limitada na proporção dos prejuízos Em um momento de tantas reivindicações sociais, deve-se
que ela podia causar. É urgente um progresso moral, paralelo fazer valer também os direitos do homem justo perante as leis
ao científico, que coordene sabiamente esta hipertrofia de pode- da vida. Em um mundo onde ele é esmagado pelo mais forte,
res em todos os campos. O avanço tecnológico constitui uma torna-se necessário provar, experimentalmente, que este ho-
vitória, mas torna-se também um grave perigo, se não souber- mem é defendido pelas leis da vida, porque ele é útil a ela, que
mos guiá-lo. É igualmente urgente corrigir as velhas trajetórias se mostra sua amiga e o defende, para seus objetivos. Com a fi-
carregadas de negatividade, se não quisermos que elas nos le- nalidade de construir um futuro cada vez mais realizador do es-
vem a resultados do mesmo tipo. Elas estão em movimento e tado orgânico unitário, a vida tem sempre menos necessidade
avançam fatalmente em direção à sua conclusão. Tudo isto é do biótipo prepotente vencedor, cujo valor é adequado em ou-
analisável e evitável. Estamos na encruzilhada. As velhas nor- tras condições, inerentes a outras fases de evolução, e tem sem-
mas estão atualmente superadas. É necessário substituí-las por pre mais necessidade, como modelo para a massa, do homem
normas sólidas, mais adaptadas ao novo homem que se está justo, que saiba ordenadamente funcionar em seu posto na cole-
formando e à sua nova posição na vida. tividade, segundo suas qualidades e especialização de trabalho.
Mas que entendemos por normas mais sólidas? Como é
esse novo homem que se está formando? Que a velha moral IV. PRIMEIRO CASO
se torna cada vez mais inadequada aos novos tempos, prova-
nos o fato de haver sido formado um movimento revolucio- Vamos retomar agora, na análise dos casos que passamos a
nário inovador que não é obra apenas de um grupo particular, examinar, o raciocínio que fizemos como ponto de partida des-
mas sim de uma corrente mundial. Encontramo-nos diante de te livro. Trata-se de uma ideia segundo a qual, se existem leis
um fenômeno novo para nós, dado pelo fim de uma civiliza- que regulam o funcionamento dos fenômenos no plano físico e
ção e o início de outra, de tipo diferente. A velha ordem está dinâmico, devem existir paralelamente leis que regulam o fun-
caindo, porém uma nova e melhor, capaz de substituí-la, de- cionamento dos fenômenos no plano ético e espiritual. Pelo
verá necessariamente nascer. fato de todos os fenômenos se encontrarem no mesmo organis-
242 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi
mo do todo, é lógico que, no funcionamento deste organismo, obter um determinado resultado, podemos dominar o fenôme-
devem tomar parte também os fenômenos do plano ético e es- no, dirigindo-o até à conclusão desejada.
piritual, em paralelo e engrenados com aqueles outros, cujo A cada momento e lugar verificam-se acontecimentos de to-
comportamento a ciência nos demonstra. das as grandezas, mas sem qualquer controle nosso, não haven-
Dessa forma, podemos observar o comportamento dos fe- do, assim, previsão do seus desenvolvimentos nem controle para
nômenos do plano ético e espiritual. Quanto mais nos avizinha- guiá-los. Nesta confusão, não somos na verdade donos da situa-
mos da compreensão de seu funcionamento, mais vemos a sua ção, pois, em vez de fazer uma escolha racional e muito menos
utilidade prática. Faz parte dos princípios diretivos da vida obter prever as consequências da própria conduta, comportamo-nos
o maior rendimento com o mínimo de meios. Então, quando empiricamente, seguindo cada um suas próprias miragens. Exis-
somos utilitários, aderimos a estes princípios. Não é pecado bus- te somente uma vaga intuição da presença de uma lei diretriz, já
car a própria vantagem, quando esta é sabiamente entendida. que se crê em uma divina providência. Admite-se que ela funci-
Com isso, seguimos a vida, que deseja o nosso bem. Mesmo one de fato para os bons, condição correspondente ao lançamen-
quando nos golpeia com a dor, ela ainda assim é benéfica, pois to em órbita de forças do tipo positivo, e que não funcione para
nos quer advertir do erro, a fim de que não o cometamos mais. A os maus, condição correspondente ao lançamento em órbita de
vida é sempre positiva, construtiva e saneadora. Somos nós que forças do tipo negativo. Mas estamos longe de um exame analí-
tomamos o caminho negativo. Ela vem ao nosso encontro para tico do fenômeno e do controle de seu funcionamento.
nos salvar, empurrando-nos do caminho errado para o certo. Para cumprir este trabalho, não estabelecemos aqui discus-
Se observarmos as obras executadas pela vida, não pode- sões com as velhas filosofias, destinadas a resolver o proble-
mos deixar de admitir que ela é muito inteligente. Busquemos ma ético, mas simplesmente constatamos a existência dos fa-
então compreender o seu pensamento. O nosso raciocínio é tos sobre os quais se baseiam as nossas afirmações. Esta fase
simples. Se o mal e a dor não são obra da vida, mas fruto de do conhecimento é a nova fase evolutiva na qual o homem
nosso fracasso, então, aprendendo a não errar, vamos eliminar prepara-se para entrar. No nível animal, as leis da vida funci-
o erro – causa da dor – e os seus tristes efeitos. O caminho jus- onam deterministicamente, de modo que os seres obedecem
to é assinalado pelas leis da vida. Basta segui-lo. Por isto pro- cegamente ao instinto, manifestando com isso o comando da-
curamos conhecer essas leis, para depois segui-las e, assim, li- quelas leis. No nível humano, o ser tem a liberdade de obede-
vrarmo-nos do mal que nos aflige. Basta que funcionemos dis- cer ou desobedecer, mas, devido à sua ignorância da técnica
ciplinadamente na ordem estabelecida, em vez de procurarmos de desenvolvimento do fenômeno, deve aprendê-la à sua cus-
violá-las. Quando nos afastamos do caminho, verifica-se a se- ta, sofrendo as consequências de seus erros. Na fase evolutiva
quência encadeada das seguintes posições: ordem, violação, subsequente, que nos espera, o ser, pelo fato de já conhecer
desordem, erro e dor. Assim, a liberdade é benéfica, mas so- aquela técnica e suas consequências, sabe prever e prover ra-
mente quando é compreendida como disciplina naquela ordem, cionalmente o desenvolvimento fenômeno, dominando-o, para
e não como revolta contra ela. dirigi-lo na direção da conclusão desejada.
A dor é filha do erro. Quando saímos da pista, vamos bater Esta última fase, constitui uma posição de grande vantagem
contra um muro. Mas a pista sobre a qual a vida corre é bem fei- sobre a precedente, porque nos permite avançar não mais ao
ta. Somos nós que não sabemos guiar. E não sabemos guiar por- acaso, ferindo-nos continuamente, por inconsciência, com as do-
que não conhecemos as leis. Estamos precisando então de aulas lorosas consequências dos nossos fracassos, mas sim através de
de direção. O grande erro é acreditar que as coisas acontecem uma orientação inteligente, em direção ao que nos é verdadei-
por acaso. Basta desembaraçar e penetrar além da confusão das ramente útil. Trata-se de uma ciência nova, sobre a qual se pode-
aparências, para nos convencermos do oposto. Sem nem mesmo rá estabelecer, para nossa vantagem, um novo código de vida.
suspeitá-lo, vivemos, pelo contrário, dentro de uma ordem ma- ◘◘◘
ravilhosa. Cremos no acaso porque semeamos desordem e, por Depois destas premissas orientadoras, iniciamos a casuísti-
isso, perdemo-nos no caos, que é a sua consequência. ca. Observemos o primeiro caso. Dois jovens, um rapaz e uma
Tudo isso se explica pelo fato de, neste campo, o homem moça, enamoram-se enquanto frequentam o ginásio. Ele é po-
não ter ainda atingido o conhecimento, encontrando-se, por- bre e não tem meios para frequentar uma universidade. Ela tem
tanto, na fase de aprendizagem, na qual o aluno não pode dei- posses e lhe oferece esta oportunidade, levando-o à sua família,
xar de cometer erros, através dos quais ele aprende. Mas a fa- que provê os recursos necessários, até ele completar o curso su-
se que o espera a seguir não pode ser outra senão a de quem, perior. Nesse período, ela também continua seus estudos e os
por ter aprendido, não erra mais. O resultado de nossa desor- dois se casam pouco depois de se formarem. Nasce uma meni-
dem atual não pode ser mais do que um mundo de dificulda- na, com tudo se passando sempre na casa da esposa. A família
des, aquele no qual vivemos. Mas isso também é lógico e está dela reside numa cidadezinha que oferece poucos recursos de
no seu justo lugar, pois, ainda que através do sofrimento, tra- trabalho para os dois jovens. O desejo deles é então se transferi-
ta-se de uma fase necessária para aprender e, assim, elevar-se rem para a capital vizinha.
em direção a uma condição melhor. Aqui começa a nossa história em suas linhas externas. Ob-
Grandes são as vantagens do conhecimento que buscamos servemos agora quais eram as forças que se moviam atrás des-
alcançar aqui, se o utilizarmos como diretriz de um comporta- te esquema. Quem, em substância, era ele e quem era ela? De
mento sábio de nossa parte. Quando se conhece a técnica funci- que tipo eram as forças constituintes da personalidade de cada
onal do fenômeno, pode-se prever quais serão as consequências um, segundo a natureza da qual elas acabavam de ser lançadas
de nossas ações. Lançando a trajetória de desenvolvimento cor- em órbita por eles, para se tornarem depois a trajetória de seus
retamente, segundo a ordem das leis da vida, podemos garantir- destinos? Qual era, enfim, a direção assumida pelo desenvol-
nos o bom êxito do acontecimento iniciado. Mesmo se errarmos vimento do fenômeno, estabelecida pelas qualidades individu-
o movimento de lançamento, ainda podemos depois corrigi-lo, ais de cada personalidade?
para levá-lo a um bom termo. Trata-se de um trabalho não so- Observemos primeiramente a personalidade dele. Tratava-se
mente de previsão (futurologia), mas também de intervenção, a de um jovem dinâmico, mas no sentido de agitação irrequieta, e
fim de cuidarmos do desenvolvimento do fenômeno, se quiser- não de laboriosidade produtiva. Assim, a sua atividade era em
mos que aconteça o melhor para o nosso bem. Está em nossas grande parte um desperdício de meios e energia, ainda que à cus-
mãos estabelecer a solução mais vantajosa para nós. Então, ta de quantos lhe eram vizinhos. De engenho ágil, mas extrema-
sabendo quais premissas devemos colocar em movimento para mente desordenado, ele representava um alto custo de manuten-
Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 243
ção. Este peso foi suportado pela família dela, até que ele, depois a um prêmio pela astúcia em prejuízo de outros. Ele não entende
de se formar, mudou-se para a capital vizinha, para trabalhar. que, ao contrário, trata-se de um exame para medir sua maturi-
Neste momento, ele começou a colher os frutos daquilo que se- dade, o qual lhe permitirá, se ele souber superá-lo, passar a um
meava, tendo de viver à sua própria custa e pagar ele mesmo o nível evolutivo superior. Neste exame, ele teria que dar prova de
desperdício de sua própria desordem. A partir de então, ele se en- ordem e autodisciplina, não abusando de uma oportunidade fa-
controu sozinho, na dependência de suas qualidades. vorável, mas sim procurando, em vez disso, conquistar aquelas
Mas que qualidades eram estas? O seu instinto fundamental qualidades que são indispensáveis para poder gozar definitiva-
era o do lutador que quer subir a qualquer custo, pisando os ou- mente das vantagens oferecidas por uma posição mais avançada.
tros. E assim ele tinha agido até então. Depois de escolher a Mas, em vez disso, que fez aquele jovem? Adquirindo velo-
moça, o seu movimento constante foi do tipo egoísta, invasor e cidade na via de ascensão gratuita que se lhe abria em frente, a
devorador. Ele tinha como justificativa o fato de estar esfaima- facilidade de percorrê-la, oferecida a ele como um convite a
do, mas isso não o autorizava a se tornar um perigo social. Em aproveitar-se ilimitadamente, levou-o, por insuficiência de au-
primeiro lugar, ele se alojou na casa dela, obtendo assim ali- tocontrole, a uma explosão do instinto de crescimento. No en-
mentação e moradia. A grande pressa de se casar e ter um filho tanto o exame consistia exatamente num teste de autocontrole.
decorria do seu intuito de consolidar sempre mais a sua tomada É assim que este jovem, no momento do maior triunfo, quando
de posse na casa da mulher, conquistando uma posição cada acreditava ter alcançado o ápice, constatou ter falhado na prova
vez mais cômoda. Mas agora, que havia chegado o momento de e, na qualidade de aluno reprovado, foi obrigado a recomeçar
assumir a devida responsabilidade de marido, para prover a desde o início, com um novo exame.
manutenção da própria família (trajetória de forças positivas, Que acontece a ele então a partir deste momento? Vemos
segundo as leis da vida), eis que ele busca evadir-se de seus que a vida lhe retira todos os favores, deixando-o à mercê de
próprios deveres, gastando seus ganhos em amores extraconju- seus próprios instintos. Por que isto? Porque ela não executa o
gais (trajetória de forças negativas, contra as leis da vida). Este trabalho de corrigir as nossas trajetórias erradas, tarefa que cabe
homem egoísta continuava assim a desenvolver suas qualidades a nós, mas somente nos oferece os meios para corrigi-las. Ora,
de egoísmo predador, coroando seu trabalho com a conquista aquele jovem havia recebido estes meios e, em vez de se dar ao
da liberdade conjugal e eximindo-se dos deveres familiares. trabalho de utilizá-los bem, terminou por desperdiçá-los. Esta
Assim, o caminho seguido pelo jovem desde o princípio, era a sua culpa. Todavia ele tinha algumas qualidades, que
segundo suas qualidades, foi-se tornando cada vez mais decisi- constituíam matéria prima para chegar a um melhoramento. En-
vo e evidente, com seu movimento no sentido de desfrutar o es- tão não se podia desprezar aqueles valores, somente porque este
forço dos outros, jogando sobre os ombros da esposa seus pró- jovem, na primeira vez, não passou no exame. Bastava mandá-
prios deveres. Formou-se então uma corrente negativa pronta lo de volta à escola, para que ele se preparasse de novo e, repe-
para se voltar contra ele. Foi assim que os impulsos neste senti- tindo a experiência, aprendesse a lição não compreendida.
do se acumularam gradativamente, até alcançar o momento crí- Foi assim que terminou a fase de benefícios, e a vida se
tico da explosão. Vejamos como isso aconteceu. preparou para fornecer um curso diferente de ensinamentos,
O jovem avançava triunfante, acreditando que vencia facil- desta vez com outros meios, mais persuasivos, porque se tra-
mente, quando, na verdade, engolfava-se em uma negatividade tava de um aluno “difícil de aprender”. Assim se explica por
sempre maior, aumentando a velocidade de sua descida. A vida que a vida passou a usar o método do constrangimento, e não
é utilitária e evita o desperdício, fazendo de tudo para salvar o mais o da oferta. Ela devia fazê-lo experimentar em primeiro
que há de bom em um indivíduo. Portanto ela o ajuda e o favo- lugar os efeitos dos erros cometidos, para eliminar nele a von-
rece na medida em que haja nele um mérito a compensar ou um tade de repeti-los. Eis por que vemos agora aquele jovem ser
real valor a pôr em funcionamento. Mas, quando o indivíduo atingido por uma série de golpes adversos, que o param na es-
está nos antípodas desta posição, pretendendo usurpar com sua trada dos triunfos fáceis, obrigando-o a refletir e a aprender a
negatividade aquilo que não mereceu, a vida então toma uma lição. Chega-se assim a uma nova fase do desenvolvimento do
das seguintes ações: 1) Se o caso é perdido, ela favorece o indi- fenômeno. Trata-se de um trabalho de outro tipo, não mais li-
víduo na via descendente, para que ele a percorra mais rapida- vre, e sim coativo, não mais oferecido, e sim imposto pela vi-
mente e tudo se resolva com o desastre final; 2) Se há alguma da, a fim de que o sujeito não fuja mais ao dever de se corri-
coisa para salvar, ela submete o indivíduo a uma prova neste gir. Depois de uma vitória não merecida, chega a penitência e,
campo particular, de modo que, pelo menos dentro daqueles li- com ela, a compreensão e a redenção.
mites, ele aprenda, corrija-se e salve-se. No primeiro caso, a vi- A história dele já chegou a este ponto, bastante significati-
da o favorece; no segundo, ela o para. Mas o favorecimento é vo. Enquanto escrevemos, estamos observando seu desenvol-
para acelerar o desmoronamento e a obstrução é para realizar vimento. No outro campo de forças, formado pela família de-
uma experiência. Trata-se em ambos os casos de provas desti- la, que, mesmo não sendo seu dever, tem querido ser útil, não
nadas a salvar. Assim a vida resolve os dois casos. há desapontamento, porque seus cuidados para com ele não
Observemos o fenômeno. Temos dois campos de forças. O foram desperdiçados, ainda que o resultado fosse negativo. Is-
primeiro é o campo do predador, com sua posição negativa con- to aconteceu por culpa dele, que então sofria o dano, e não por
tra a justiça, mas justificada pela pobreza dele e pelo seu legí- culpa da família, que havia querido somente fazer o bem e,
timo desejo de crescer, que representa, ao mesmo tempo, certa por isso, recebia o benefício correspondente. Não importa se a
positividade, porque é efeito de sua inteligência, prova de valor positividade do auxílio acabou neutralizada pela negatividade
e mérito individual. O segundo é o campo da família da esposa, das qualidades do indivíduo que o recebeu. As contas com as
que ajuda um jovem a conseguir uma posição e faz isto por um leis da vida são individuais.
impulso benéfico, fazendo-se instrumento da vida, ao oferecer a A história daquele jovem passou de uma fase que parecia
um indivíduo nascido pobre uma oportunidade de melhorar, afortunada a uma de infortúnio. Isso é o que aconteceu de fato, e
como é seu direito, suas condições de vida. demos aqui a explicação. Assim compreende-se não só o signifi-
O problema surge com o tipo de uso que ele faz desta oferta. cado e o escopo da onda inicialmente favorável, mas também da-
A vida lhe dá essa oportunidade porque aquele jovem possui al- quela posteriormente desfavorável. A vida volta a investir, quan-
gumas qualidades para subir. Mas ele não compreende o signifi- do o indivíduo possui qualidades positivas, que ela não quer dei-
cado dela. Não se trata de gozar a vida sem se importar com os xar inutilizadas e que o tornam educável. A potência usada na
meios, por ter saído de um destino de pobreza, nem de fazer jus ação corretiva por parte da vida é proporcional à quantidade de
244 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi
negatividade que ela deve vencer, para realizar a correção da tra- Assim, ela chegou à pensão do marido, onde, de outro mo-
jetória errada, de modo a poder sempre triunfar, endireitando-a. do, não teria ido, se o seu carro não tivesse quebrado. Este era o
Eis que o reinicio salvador, constituído de novas provas, autori- fato que a obrigava a pedir emprestado o carro dele, para voltar
za-nos a pensar que, no caso agora tomado para exame, assim para casa. O marido chegou logo depois, acompanhado de sua
como em todos os casos nos quais aquele reinício ocorre, o defei- amante. A separação foi então decidida. Mas ele devia acompa-
to é sanável, sendo possível então, depois de um novo período de nhar a mulher até à casa dela, porque ela estava a pé. Chegaram
ensino e do correspondente exame, prever o bom resultado de to- à garagem na periferia, onde ela havia deixado o carro defeituo-
do este trabalho. Mas estas previsões somente são possíveis so. Então ela simplesmente ligou o motor e o carro funcionou!
quando se conhece a técnica funcional do fenômeno. Não havia nenhum defeito. Ela voltou para casa com o seu pró-
◘◘◘ prio carro, que funcionava perfeitamente, enquanto ele voltou à
Depois de termos visto o caso dele, observemos agora quem pensão com o dele. Assim, silenciosamente e fatal como um
era ela e qual era seu comportamento. Inteligente, trabalhadora, destino, com meios mínimos, mas bem coordenados em direção
correta e autossuficiente, ela concebia o matrimônio como uma a um mesmo fim, tudo se encaminhou para realizar a separação.
união com direitos e deveres iguais para ambas as partes. O velho Quem combinou com exatidão cronométrica todos os pequenos
sistema ditatorial, do machão e da mulher sujeita a ele por direi- acontecimentos, para levá-los a este resultado?
to, justamente pela própria inferiorização da mulher, era para ela Uma primeira observação. A Lei funciona por pequenos
inconcebível. Neste ponto, sendo ele, para sua própria comodi- movimentos, exatos e oportunos, sem nenhum desperdício de
dade, seguidor dos velhos métodos de vida, nasceu o dissídio. tempo e trabalho, sempre com o máximo rendimento para atin-
Ele entendia o matrimônio de outro modo. Assim, transferindo-se gir o fim desejado. Por exemplo: para fazer andar um trem de
para a capital, começou a gozar a vida, gastando consigo mesmo Roma para o Norte ou para o Sul, basta estabelecer-se, na esta-
os seus ganhos e deixando a mulher com a família dela, a quem ção de partida, um movimento de poucos centímetros na dire-
ele reservava apenas as sobras de seu tempo. Porém ele não havia ção dos trilhos. Isso é suficiente para definir a rota que o com-
entendido que a capacidade de resignação de uma mulher que boio depois seguirá. Aquele movimento mínimo é decisivo, to-
trabalha e ganha não é a mesma da mulher submissa de outrora. davia, no momento em que ele acontece, ninguém se dá conta.
Mas ela teve paciência. Enquanto o marido, bem seguro de Mas o chefe da estação, tendo sob os olhos o mapa de todas as
si, usava o velho método, decidido a praticá-lo definitivamente, linhas ferroviárias e conhecendo os efeitos daquele movimento,
ela observava e esperava. Avisou-o, acenando com a separação. pode percebê-lo. Assim também faz a Lei, que sabe o que fazer
Ele arrependeu-se, fez promessas e recomeçou tudo de novo. e por que fazer, para realizar seus fins, segundo seus planos.
Ela queria evitar um rompimento e não o aceitaria senão cons- Então ela os desenvolve com movimentos simples, mas não di-
trangida. Por isso evitava provocá-lo. Enquanto isso, ela proje- vergentes, e sim convergentes em direção ao ponto desejado,
tava montar a casa própria para viver em família. O marido fin- sem erros e sem desperdícios, movidos no mesmo sentido, com
gia consentir, mas nada fazia depois. A mulher começou a per- uma direção única e decisiva. Estamos nos antípodas do siste-
ceber o entrave que representaria para a sua sistematização ter ma humano das tentativas, feito de incertezas, com enorme
consigo um indivíduo que se propunha a outros fins. Ele come- desperdício de meios, porque não se sabe usá-los como se deve.
çava a se tornar um empecilho do qual era urgente se livrar. En- Continuemos a analisar o caso aqui em exame. Narramos os
tretanto o tempo passava, perdido nestas tergiversações, em fatos como eles aconteceram. Resta agora compreender por que
prejuízo dela, que queria trabalhar e construir para si uma posi- eles ocorreram assim. A primeira coisa que salta à vista é a esco-
ção. O momento era crítico e impunha-se uma solução. Mas ela lha de elementos de natureza variada, mas cada qual colocado em
desejava ser honesta e não provocá-la. Como resolver o pro- seu devido lugar, com referência ao fim a ser atingido, manifes-
blema? O jovem estava decidido a continuar seu caminho, ilu- tando uma cooperação de movimentos que cumprem cada um a
dindo a mulher com promessas não mantidas. Ela, porém, não sua função no momento devido, tendo sempre em vista aquele
tinha o dever de se sacrificar somente para prolongar um estado fim. Para se realizarem oportunamente, eles acontecem em uma
de fato que, se era cômodo para um, prejudicava o outro. Neste dada ordem e velocidade, razão pela qual somos levados a pensar
momento, a Lei, por seu princípio de ordem, foi obrigada a in- que o seu desenvolvimento seja dirigido por uma mente que quer
tervir, resolvendo o caso. Observemos como ela funcionou. executá-lo segundo um plano preestabelecido. O fenômeno se
Narremos primeiro o fato, para depois explicarmos a técnica. manifesta decisivamente construído deste modo, fato cuja expli-
Por um senso de dever que a levava a não provocar uma se- cação não pode ser atribuída ao acaso. O cálculo das probabilida-
paração, ela adiava sua decisão, procurando evitar uma solução des não permite senão uma possibilidade ínfima de que todos
neste sentido. Mas as leis da vida sabiam que ela não merecia aqueles elementos tão díspares se combinem ao mesmo tempo,
ser sacrificada. Quem havia falhado no exame e tinha necessi- ligando-se como componentes de um mesmo fenômeno, para
dade de experimentar uma prova corretiva não era ela, mas sim convergir em direção à mesma solução. O fim a ser alcançado,
ele. Então era necessário isolar os dois destinos, para que cada em função do qual o fenômeno se move, é tipicamente positivo,
um, obtendo o tratamento merecido, andasse pelo seu caminho, correspondendo aos princípios de lógica, retidão e bondade, so-
os quais eram neste momento diferentes demais um do outro bre os quais se baseia a lei que rege as construções realizadas pe-
para poderem coincidir. A vida seria contraditória, se houvesse la vida. A mente diretriz sabe o que faz e sabe como fazê-lo. Isto
favorecido a negatividade em prejuízo da positividade. não só prova a sua presença, mas também a sua superioridade,
Vejamos o que aconteceu. inteligência e capacidade de realização. Assim, se quisermos ex-
Numa tarde, ela, guiando seu automóvel, ia de sua pequena plicar os fatos que temos constatado, não nos resta alternativa,
cidade à capital vizinha. Chegando a um primeiro subúrbio, o senão admitir tudo isto. Devemos reconhecer então que tais fe-
automóvel parou. Devia haver um defeito. Isso aconteceu exa- nômenos não somente são dirigidos por uma inteligência que sa-
tamente próximo de um posto onde ela costumava reabastecer o be os objetivos antepostos aos fatos, mas também estão submeti-
carro. O carro foi então empurrado e colocado num estaciona- dos a uma vontade que busca atingir estes fins, sendo preparados
mento. Mas, agora, como ela iria à cidade, estando assim dis- para isso segundo uma técnica funcional apropriada.
tante, na periferia? Era noite avançada. Ela pensou: “Táxi é di- A sabedoria desta mente é demonstrada pelo rendimento de
fícil, e onde poderia encontrar um?”. Mas, quando olhou, viu a tal técnica, que permite obter, com os mínimos meios, o máxi-
poucos passos um táxi vazio. O motorista estava no bar vizi- mo resultado, alcançando o produto máximo utilitário do esfor-
nho, e ela o chamou. Tudo ficou pronto e partiram. ço. Isso corresponde a um inteligente princípio de economia, no
Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 245
qual é suprimido o gasto inútil de energias, que, ao invés de se Fechemos o exame deste caso com algumas observações.
dispersarem na desordem, são mantidas dentro da ordem, para Em nossa vida quotidiana, estamos imersos nestas combinações
convergirem em direção ao fim devido. de fatos, porém não os analisamos nem levamos em conta sua
Do exame destas constatações derivam importantes conse- estrutura íntima e seu funcionamento. Paramos na superfície,
quências práticas. Se cada acontecimento ocorre segundo um deixando de ver o pensamento que, escondido no interior, dirige
desenvolvimento lógico, planejado com antecedência, e é orien- estes fatos com uma técnica sutil. Cada elemento é avaliado,
tado em direção a um determinado fim, eis que, conhecendo a controlado e coordenado com os outros elementos do fenômeno,
técnica do fenômeno, é possível prever o seu resultado. O pro- de modo que todos juntos cooperam para alcançar o mesmo fim.
blema é compreender qual é o tipo das forças em movimento e Trata-se de fatos simples, desprovidos de aparato dramáti-
a conclusão para a qual, por conseguinte, a inteligência da vida co e de importância histórica. Tais acontecimentos, por serem
deseja levá-las, dados os antecedentes que esta encontra à sua mais comuns em vez de grandes e excepcionais, estão próxi-
disposição como material de construção do acontecimento. Eis mos de nós, razão pela qual os escolhemos para examinar
que possuímos os elementos para tentar uma futurologia racio- aqui, pois, apesar de corriqueiros e variados, adquirem, se
nal e entender a vida de outra maneira. compreendidos na sua substância, o significado de momentos
Outra consequência está no fato de que, sendo possível pre- do desenvolvimento lógico de um destino. Vemos desse modo
ver os efeitos das próprias ações, pode-se viver um tipo de vida que as grandes leis da vida se manifestam também nas coisas
planificado, e não mais ao acaso. Pode nascer assim um novo mínimas, às quais não damos importância. O que decide o êxi-
modelo de ética, baseado sobre outros princípios. Então o pro- to não é o volume das forças colocadas em movimento, mas
blema da luta pela sobrevivência pode ser enfrentado de três sim a sua qualidade, segundo a qual se forma a corrente posi-
formas: 1) A primeira, a mais antiga e involuída, representada tiva e favorável ou, no caso oposto, negativa e desfavorável.
pela ética da força, com base no direito do vencedor através da As leis da vida são universais e, por isso, permanecem verda-
violência (guerra e assalto – nível material); 2) A segunda, me- deiras e operantes em todas as dimensões.
nos antiga e mais evoluída, é representada pela ética da astúcia, Outra observação. Vimos que, sabendo-se qual o tipo das
com base no direito do vencedor através do logro (força da forças em ação, pode-se conhecer a direção que elas tomam e a
mente – nível intelectual); 3) A terceira, cujo uso ainda não é conclusão à qual devem chegar. Mas isto não basta. Pergunta-
comum, pois é mais evoluída, pertence ao futuro e é represen- mos, agora, quando e como acontece o estabelecimento do im-
tada pela ética da retidão, com base no direito do melhor como pulso resolutivo do acontecimento? Qual é o fato que determina
valor social, enquadrado na ordem coletiva (estado de vida or- o movimento catalisador, encarregado de cumprir a função de
gânico, segundo a Lei – nível espiritual). fechar o percurso da trajetória? Ao longo de seu desenvolvi-
É nesta terceira fase de seu desenvolvimento moral que a mento, nota-se uma tendência de concentração crescente da
humanidade hoje, fatalmente, prepara-se para entrar, levada até convergência dos movimentos das forças em ação, até elas al-
este ponto pela evolução. A violência é o desencadeamento es- cançarem uma posição conclusiva, não mais de causa, e sim de
túpido e cego do ignorante primitivo. A astúcia já é um funcio- efeito. Este ponto de chegada representa o ponto de partida para
namento da inteligência, mas, em sua fase elementar, impregna- o lançamento de uma nova trajetória, e assim por diante. O tra-
da ainda da negatividade do involuído. A retidão significa a jeto de cada acontecimento representa, portanto, apenas uma
compreensão das leis da vida, sendo esta a fase do homem ilu- fase do fenômeno maior, que se percorre por concatenação cau-
minado, em que ele, pelo fato de ter compreendido, colocou-se sa-efeito, dando origem ao desenvolvimento de um destino ou a
na ordem e, funcionando com ela, funde-se na organicidade, pe- uma série deles, que formam a história do mundo.
la qual se torna mais protegido na sua luta pela sobrevivência. É No caso exposto, vimos os elementos em jogo predisporem-
assim que o conhecimento pode produzir consequências hoje in- se na ordem necessária para concluir cada um segundo suas
críveis, pois, induzindo-nos a viver de forma diferente, correta- qualidades, isto é, de negatividade para o jovem e de positivi-
mente orientados em relação ao funcionamento do todo, ele nos dade para a jovem. Mas, enquanto não se verificar uma preva-
permite obter todas as vantagens que tal condição nos oferece. A lência, o tipo do caso não é passível de definição, não sendo
vida nos dará tudo, desde que nós mereçamos, dando garantia de possível saber em que posição ele se resolverá. Certamente, o
sabermos usá-lo para o nosso bem, e não para o nosso mal. fenômeno não pode permanecer para sempre num ponto inter-
É necessário compreender que, nesta nova ordem, a força mediário, no qual a positividade e a negatividade se equilibram
do indivíduo está em coordenar seus movimentos com os de um em medidas iguais. Ele deverá, portanto, chegar a uma preva-
grande organismo, e não em contrariá-los com o seu individua- lência num sentido ou noutro. Neste ponto, o movimento catali-
lismo. Será a força da união que estabelecerá o poder dos novos sador atinge o momento crítico de saturação, resultante da pre-
regimes, pelos quais serão superados os antigos, exaustos pelos valência dos elementos de um tipo ou de outro, como vimos no
atritos oriundos dos contrastes entre aqueles que não sabem co- caso dos dois jovens. Isso significa que o fenômeno, quando se
ordenar-se para cooperar. Então nos moveremos de acordo com forma uma prevalência de elementos positivos, fica saturado de
a Lei e, assim, em vez do dano de sua resistência, teremos a positividade e, então, resolve-se neste sentido, com todas as
vantagem de seu apoio. consequências relativas. Quando, porém, acontece o contrário,
No caso agora observado, a Lei é a favor da esposa, ajudan- o fenômeno fica saturado de negatividade e, então, resolve-se
do-a por esse motivo, mas é contra o esposo, razão pela qual neste outro sentido. Observamos aqui o caso de uma saturação
lhe coloca obstáculos. Aqui podemos assistir à vitória do méto- no sentido negativo, porque o fenômeno se torna mais evidente.
do defensivo com base na retidão sobre aquele apoiado na força Mas como é possível estabelecer mais exatamente o mo-
e na astúcia, que se mostra menos potente, pois, dada a sua in- mento crítico no qual o fenômeno se precipita para a sua con-
volução, é de qualidade inferior. Assim se explica como foi clusão? Quando uma torre, por defeito de fabricação, pende
que, em vez do jovem explorador e provido de astúcia, pôde além de um dado limite, ela, pela lei da gravidade, tomba. As-
vencer a jovem, que era movida pelos princípios da retidão e sim, quando o resultado das forças que compõem um aconteci-
não contava com outro recurso além desta. A revolução hodier- mento é uma impregnação de negatividade além de uma dada
na consiste nesta troca do método de luta pela sobrevivência, medida, então ele, por um princípio de ordem, resolve-se pelo
para alcançar um sistema com base num princípio mais evoluí- negativo. O desequilíbrio somente é tolerado dentro dos limites
do e, portanto, mais vantajoso, que fatalmente prevalecerá. estabelecidos por aquela ordem, levando à ruptura tão logo a
◘◘◘ negatividade, isto é, a posição contrária às leis do equilíbrio,
246 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi
prevaleça. Assim como se pode calcular antecipadamente em A mente diretriz do tecelão (a Lei) deixa que o operário traba-
que momento a torre desmoronará, também é possível, conhe- lhe negativamente, a seu modo, mas reservando-se o direito de
cendo-se os elementos do fenômeno, estabelecer como e quan- destruir o trabalho realizado, para obrigar o indivíduo a refazê-
do o caso se resolverá. Se não estiver impregnado e corroído lo corretamente, tudo de novo. Isso para o bem do aluno que,
pela negatividade, então, assim como a torre não desmorona, o por sua ignorância, foi levado a errar.
acontecimento não se precipita. Mas por que este sistema? Porque aqui se trata de uma esco-
O acúmulo dos impulsos negativos, contrários à estabilidade la onde, conforme a analogia feita, deve-se aprender a tecer ta-
e causadores de desequilíbrio, é lento. Forma-se com o abuso, o peçarias bem feitas, com um desenho correto. É necessário,
assalto, o desfrute e toda forma de injustiça. No caso de nosso portanto, permitir ao aluno a possibilidade de errar, mas para
jovem, o movimento catalisador do fenômeno verificou-se ensiná-lo a não errar mais, deixando-lhe a liberdade de lançar
quando ele, com a sua conduta, saturou-o de negatividade além trajetórias erradas, para ele endireitá-las depois, aprendendo as-
dos limites suportáveis, rompendo o equilíbrio estabelecido pe- sim a corrigi-las e a lançar corretamente as novas trajetórias. Se
las leis da vida. Assim, aquele jovem avançava triunfante à cus- os fios de que o aluno dispõe representam as qualidades de sua
ta da família da esposa, sem compreender que estava contrain- personalidade e se o desenho da tapeçaria, resultado da combi-
do débito com a justiça (lei de equilíbrio) e que, quanto mais nação deles, expressa a construção da sua personalidade, reali-
aquela família o ajudava por bondade dela, tanto mais crescia o zada até aquele momento, eis que o trabalho atual de aprendi-
crédito adquirido por ela perante aquela mesma justiça. Quanto zagem serve para a construção de novas e sempre melhores
mais se estica o elástico no sentido da injustiça, tanto mais ele qualidades, com a técnica realizada pela transmissão ao sub-
tende a voltar atrás no sentido da justiça. Isso porque, quanto consciente ou assimilação das provas.
mais um indivíduo se expande à custa dos outros, tanto mais es- Que acontece, então, quando a iniciativa do operário preva-
tes são lesados em seu direito à vida. lece, levando a uma construção errada, que necessita de corre-
Assim, o desequilíbrio foi aumentado, até ocasionar um ção? A Lei toma aquele feixe de forças indisciplinadas e as re-
acerto de contas, com o retorno à posição de equilíbrio, imposto põe em ordem. Expressando-nos segundo os termos da analogia
pela justiça. A violação do jovem não podia deixar de chegar a aqui apresentada, a vida não deixa mais os fios livres para se
um ponto de ruptura, no qual a Lei restabelecia sua ordem, sen- entrelaçarem a seu modo, mas faz cada um deles passar e avan-
do a injustiça do violador vencida pela justiça da Lei. Isso signi- çar aprisionado entre dois dentes de um pente, segundo o qual
fica que o mal feito devia recair sobre os ombros de quem o ha- deve seguir sem escapatória um percurso obrigatório, corres-
via feito, e não sobre o de terceiros inocentes. Isto prova que pondente ao desenho correto. Assim, seja qual for o caso, o re-
somos livres para praticar o mal, mas somente enquanto a Lei o sultado finalmente obtido é aquele desejado pela Lei.
permite, não nos sendo possível praticá-lo até subverter a ordem, Uma primeira observação se refere a conhecer a realidade
que retoma a superioridade, tão logo sejam superados os seus que há por trás desta imagem de fios espremidos entre os den-
limites de tolerância. Assim, em cada acontecimento, é sempre tes de um pente. Surge o problema de saber como a mente di-
necessário fazer as contas não apenas com a nossa vontade e retriz da vida pode levar o indivíduo a agir do modo que ela
atos mas também com a Lei, que é a força diretriz do fenômeno. deseja. Pode-se pensar em uma influência por parte da mente e
Cabe a ela a última e resolutiva palavra, não sendo possível ja- da vontade da Lei sobre a mente e a vontade do indivíduo, de
mais a vontade de desordem vencer definitivamente, o que ame- modo a induzi-lo a um dado comportamento, realizando de-
açaria o êxito da obra e a consecução dos fins da vida. Portanto terminadas ações, das quais deriva a construção de aconteci-
tem necessariamente de chegar o momento no qual o violador mentos específicos. Mas aqui podemos somente expor o pro-
deve pagar seu débito para com a justiça e a vítima deve receber blema, porque nossas indagações ainda não nos oferecem os
o seu crédito. No caso agora examinado, esta é a razão pela qual elementos para resolvê-lo, de vez que se trata de um campo
isto aconteceu. De fato, no momento resolutivo narrado acima, a novo e imenso, ainda a ser explorado.
vida tornou-se para ele uma série de provas e dificuldades, en- Outra observação se refere ao fato de que, para facilitar a
quanto para ela aconteceu o contrário. Esta mudança de rumo compreensão do caso tomado para exame, imaginamos a Lei
não se explica senão pela intervenção por parte da Lei. numa forma antropomórfica, como um indivíduo que pensa,
Tudo isso nos faz ver quão importante é conhecer a Lei e tê- age e, consequentemente, é capaz de intervir no fenômeno, tudo
la em conta na própria conduta, porque é a sua vontade, e não isso, porém, apenas como uma concepção ideológica. Certa-
somente a nossa, que pesa na solução do acontecimento. O re- mente a Lei afirma, mas somente enquanto estabelece aquilo
sultado depende de ambos os impulsos, que estão ativamente que o homem deve fazer e este a nega, querendo agir a seu mo-
empenhados. Para facilitar a compreensão, explicamos o fenô- do. Quem de fato inicia e realiza o movimento é somente o in-
meno através de uma comparação simples. A vida, para atingir divíduo, uma vez que a Lei não se move, mas apenas mantém o
seus fins, costuma seguir um esquema próprio, assim como o ser ligado às consequências de suas ações. Trata-se, portanto,
desenho feito por um tapeceiro. Mas, para fazê-lo, ela dispõe de uma colaboração entre duas posições contrárias, opostas e
apenas de alguns fios, com formas e cores diferentes, que o in- complementares. O indivíduo lança uma trajetória, e a Lei esta-
divíduo, seu operário, quer trançar a seu modo, para formar o belece os resultados do percurso. O ser, porque é ignorante, de-
desenho. Cada um destes fios representa uma das qualidades do ve aprender, movendo-se por tentativas. A Lei, porque sabe e
sujeito, com as quais ele construirá o acontecimento, assim co- quer fixar as normas segundo as quais o homem deve movi-
mo se constrói uma tapeçaria. O desenvolvimento de cada linha mentar-se, permanece imóvel.
corresponde a uma força que avança no feixe a que pertence, Façamos uma comparação. A Lei é a estrada que estabelece
combinando-se com todos os outros fios, para construir o tecido o percurso, e o homem é o automóvel que a percorre. Este pode
da tapeçaria ou o desenho do acontecimento. lançar-se na direção que desejar, mas, se não seguir o percurso
Também escolhemos o caso apresentado aqui, feito de ne- que a estrada lhe traçou, acabará batendo quem sabe onde. A es-
gatividade e situado em posição de conflito com a Lei, porque trada não se move nem faz nada, somente define o caminho.
este contraste o torna mais evidente e facilmente analisável, Mas, se o carro comete um erro, é a estrada que estabelece qual
quando comparado à condição na qual o indivíduo vive segun- o erro cometido, que, segundo a natureza deste, o carro deve pa-
do as leis da vida e faz sua vontade coincidir com a dela. Qual é gar. Trata-se de duas vontades bem definidas, das quais uma se
então a técnica do fenômeno, quando há oposição entre as duas expressa de forma passiva e a outra de forma ativa. A primeira
vontades, cada uma querendo executar um esquema diferente? não faz nada, mas apenas afirma: “Eu sou a estrada”. O homem
Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 247
move-se nela, encontrando as normas que devem regular seus dos de repouso na paz dos campos. Quando se ausentava, este
movimentos. Vemos o primeiro elemento representado pelos seu amigo o deixava como dono da casa e com meios para vi-
mandamentos de Moisés e o segundo, pelo povo dos crentes. ver, não obstante encontrar-se em um momento de grandes
Ora, quando o indivíduo se move de acordo com a estrada, preocupações financeiras.
seguindo-a, tudo vai bem. Quando, porém, ele faz o contrário, Em uma destas ausências, verificou-se um defeito na insta-
então sai fora dela e se arrebenta. Não é a estrada que o arre- lação hidráulica, coisa facilmente sanável, especialmente para
benta, mas é ele que se arrebenta ao sair fora dela. Não se trata um mecânico como era aquela pessoa. Paremos um momento
de punição ou vingança por parte da Lei, mas sim de uma con- para observar a posição dos vários elementos que constituíam
sequência da própria má conduta. A Lei não julga, ela sim- aquele caso. Havia surgido um problema. Aquele indivíduo de-
plesmente estabelece. Quem a viola fica automaticamente con- via resolvê-lo e, para isto, tinha de escolher entre as duas estra-
denado aos tristes efeitos de sua violação, assim como quem a das possíveis. Por um lado, ele podia se propor a atingir um re-
segue fica ligado aos efeitos benéficos de sua obediência. sultado próximo e com um fim egoístico, preocupando-se so-
Movemo-nos em um mar de leis e, se não as observamos, mente com a sua vantagem imediata. Por outro lado, ele podia
o prejuízo é nosso. Quando perdemos o equilíbrio e caímos, resolver o caso, visando um resultado longínquo, para vanta-
ninguém pensa que isso seja devido a uma punição. No entan- gem não apenas exclusivamente de si mesmo, mas também do
to somos levados a imaginar o fenômeno sob esta forma, por- amigo que o hospedava. Em outras palavras, ele podia sim-
que ela corresponde aos nossos hábitos mentais. Tende-se a plesmente ir embora, deixando o defeito intacto, abandonado a
atribuir à Lei qualidades humanas, semelhantes às nossas pai- si próprio, de modo que o amigo, quando chegasse cansado do
xões e estados emotivos, enquanto ela, em substância, é abs- trabalho, encontraria a bela surpresa de ter de se submeter à fa-
trata e impessoal. Nas páginas precedentes, para facilitar a diga de consertar tudo, ou então, em vez de não se importar
compreensão, usamos a forma humanizada. Mas agora, para com a sorte do amigo, ele mesmo podia fazer este trabalho, que
evitar mal-entendidos, devemos colocar em foco aqueles con- o dever de piedade e também de gratidão lhe impunha, porque
ceitos com mais exatidão. estava descansado e com tempo à disposição, tratando-se, por-
Agora, podemos compreender melhor aquilo que aconteceu tanto, de trabalho pouco penoso.
ao jovem no caso aqui tratado. Ele simplesmente saiu da estra- Esta escolha devia acontecer no momento em que, aconte-
da, tendo sido o resultado uma salutar lição para voltar a ela. O cendo o defeito, surgia o problema de consertá-lo. Porém tal
movimento catalisador do fenômeno foi uma mudança de dire- decisão dependia de um fato precedente a ela, cujos efeitos le-
ção forte demais. Deste momento em diante, ele não permane- vavam a desenvolvê-la em suas consequências. O fato prece-
ceu mais livre, de modo que seus movimentos indisciplinados dente era a forma mental que aquela pessoa possuía, tal qual ela
foram obrigados a se desenvolver ordenadamente, engrenados se tinha construído em seu passado, estabelecendo seu tipo de
na disciplina da Lei. A jovem, pelo contrário, uma vez que personalidade e qualidades relativas. Os efeitos eram conse-
permaneceu na estrada, não foi obrigada a voltar a ela. Eis em quência de seu comportamento, dado por esta forma mental.
que consiste a intervenção da Lei nos acontecimentos humanos. Os dois caminhos andavam em duas direções, levando a
Foi assim que o rapaz usou e abusou da liberdade, subvertendo- dois pontos diversos, que assinalavam o ponto de chegada em
a. Agindo contra a Lei, sua liberdade foi substituída pela força direção ao qual se movia aquele desenvolvimento de forças.
de coação, através do que ele redimiu-se, assumindo os encar- Nesta concatenação de fases no desenvolvimento do fenômeno,
gos da família. Para a jovem, ao contrário, pelo fato de não se as primeiras causas ligavam-se aos últimos resultados.
ter desviado, não lhe foi exigida qualquer correção, tendo ela Que aconteceu então? Aquela pessoa, segundo a sua nature-
permanecido livre, como era desde o início. za egoísta, pensou somente em si mesma e em sua própria van-
tagem imediata, buscando não ter aborrecimentos e desinteres-
V. SEGUNDO CASO sando-se das consequências. Assim a trajetória daquele indiví-
duo, naquele momento decisivo, no qual podia realizar uma
Observamos agora um caso no qual se pode depreender que correção em vantagem própria, iniciou, pelo contrário, um novo
o mal recai sobre quem o faz. Trata-se de um episódio comum impulso negativo na trajetória em que se encontrava, que foi
da vida, tão simples, que pode parecer banal. Porém é exata- lançada avante. Deste momento em diante, as consequências ao
mente esta sua simplicidade a razão pela qual o escolhemos, longo desta linha se desenvolveram fatalmente.
pois, despojado de acessórios que complicam e distraem, per- Se aquela pessoa fosse de outro tipo, ela teria consertado o
mite-nos ver com maior evidência não só a sua estrutura e sig- defeito e o amigo não se teria assustado com tal hóspede, que,
nificado, mas também o funcionamento da Lei. vendo as coisas erradas, abandonou a casa sem preocupar-se
A Lei funciona em todos os lugares e dimensões, tanto nas com elas e retornou tranquilamente à cidade, pensando somente
grandes como nas pequenas coisas, desde o campo moral até em si mesmo. Assim, alguns dias depois, o amigo voltou ao
ao físico e dinâmico. E é exatamente esta sua potência de pe- campo, encontrando a casa vazia e com os utensílios de uso do-
netração até nas mínimas coisas que demonstra a sua univer- méstico mais urgente não funcionando. Ele havia chegado com a
salidade. A Lei não nos aparece como um Deus sentado sobre família à tardinha, já anoitecendo, cansado do trabalho de toda a
o trono com cetro e coroa, segundo a representação que se fa- semana. E não havia àquela hora, com facilidade, operários para
zia do poder na Idade Média. Também esta imagem se demo- consertar o defeito, sendo preciso procurá-los. Em vez de cear e
cratizou hoje, despindo-se de seu grandioso aparato, mas mos- repousar, era necessário pôr-se a trabalhar sozinho e naquelas
trando-nos em compensação um Deus intensamente vivo, pre- condições. Pesava assim mais uma fadiga, quando já estava can-
sente e operante também nos mais simples e mínimos detalhes sado de outra tarefa. Além disso, ainda havia o temor de que
de nossa vida. Portanto, ao invés de abandonarmos os peque- houvesse despesas a serem feitas, trazendo assim novas preocu-
nos casos, crendo que eles não possam revelar a Lei, como se pações naquele momento de dificuldades financeiras.
fossem separados do funcionamento do todo, buscamos neles Aquele era o presente que, por fazer da casa do amigo sua
exemplos de sua atuação. própria comodidade, a pessoa generosamente hospedada lhe
Eis o fato. Uma pessoa costumava passar algumas semanas havia deixado, sem nem ao menos pensar, depois de haver pro-
de férias hospedada numa casinha de um seu amigo. Pagava o vocado aquele defeito, em fazer qualquer tentativa de consertá-
favor, executando alguns trabalhos. Para ele, obrigado a viver lo. Assim formou-se fatalmente, no ânimo do amigo benfeitor,
sempre recluso na cidade, eram muito agradáveis estes perío- em relação a esta pessoa, a imagem de um indivíduo perigoso e,
248 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi
com isto, um impulso de legítima defesa, levando a uma neces- xarão cair tantas vezes quantas forem necessárias para ele
sidade urgente de se livrar dele. A ação não podia produzir se- aprender sozinho. Neste caso, inocência significa somente igno-
não uma reação do mesmo tipo. Os efeitos foram da mesma na- rância, com todas as suas consequências.
tureza das causas que os puseram em movimento. Isto significa Assim se explica por que a nossa vida é uma série de pro-
que, se ele tivesse se comportado de maneira oposta, também vas. A razão para isto é que ela é uma série de coisas a apren-
opostos teriam sido os resultados. Assim ele foi rapidamente li- der. O fato de não sabermos é exatamente o que nos leva à ne-
quidado, perdendo a amizade e os descansos campestres. Caí- cessidade de aprender, para chegar a conhecer. E, se não sabe-
ram-lhe sobre os ombros todas as desvantagens. Se este homem mos, deveremos continuar a pagar por nossos erros, até não er-
fosse diferente e tivesse escolhido a outra estrada, teria aconte- rarmos mais. Assim, se alguém faz o mal, é porque não com-
cido o contrário, tudo em sua vantagem. A contração egocêntri- preende que, com isso, está simplesmente atirando sobre si
ca não se teria produzido na mente do benfeitor, se o beneficia- mesmo o mal praticado, que depois o atingirá. Se compreendes-
do não a tivesse provocado com uma correspondente contração se isto, não o faria. A eliminação do mal, então, não se pode
egocêntrica em sua própria mente. Se, em vez de pensar somen- conseguir senão através do conhecimento, cuja conquista cons-
te em si mesmo, ele tivesse pensado também no seu amigo, este titui assim trabalho fundamental da vida.
teria de igual modo pensado nele e não teria sido induzido a se Concluímos aqui, recapitulando a série das fases interiores
tornar egoísta. Assim o impulso retornou intacto ao emitente. do fenômeno em seu desenvolvimento. Aquela pessoa era
Isto é o que acontece tanto no bem como no mal. Então, a um constituída por um tipo próprio de personalidade, que, dadas
mesmo estímulo cada um responde do seu próprio modo e co- as suas qualidades, não podia funcionar senão como de fato
lhe as consequências do seu tipo de resposta. funcionou. Ao aparecer um problema, esta pessoa o resolveu
Se atentarmos somente ao fato, veremos que não há propor- pela única maneira que lhe era possível, segundo sua própria
ções entre aquele incidente tão pouco importante e o efeito re- natureza. Representando esta uma construção não aderente
sultante do seu desfecho. Mas o que vale neste caso não é o fato aos princípios da Lei, os efeitos alcançados então, em vez de
em si mesmo, e sim o mecanismo da Lei, que ele nos faz ver benéficos, foram maléficos, recaindo sobre o autor daquele
funcionar, mostrando-nos como ela realiza os seus princípios mal. A corrente de forças negativas de um indivíduo é canali-
também nas pequenas coisas, fato pelo qual se comprova a sua zada apenas dentro de seus limites, não podendo mudar a cor-
presença universal. O que levou ao rompimento entre os dois rente de forças positivas do outro, que, se não semeou o mal,
não foi o defeito, caso banal e comuníssimo na vida, mas sim o não pode ser prejudicado. Enquanto o defeito é rapidamente
tipo de conduta com a qual aquela pessoa resolveu o problema sanado para um, cabe ao outro, por sua vez, uma reparação
proposto a ela pela vida. Ora, esse tipo de atitude, tão prejudici- definitiva. Assim o incidente encerra-se de duas maneiras
al para quem assim procede, foi justa naquele momento, porque opostas, mas recebendo cada um igualmente aquilo que mere-
se tratava de uma consequência do que aquele indivíduo havia ceu. Eis que o mesmo fato pode produzir efeitos diferentes,
feito no passado, construindo o seu próprio futuro. É necessário segundo o comportamento de cada um diante dele.
ter em mente que a vida é uma escola na qual quem ignora a Esta concatenação de passado, presente e futuro estabelece
Lei deve, à sua custa, aprender como ela funciona. Então a ino- e nos mostra qual é a linha de desenvolvimento de um desti-
cência do ignorante não é uma virtude, e sim um vazio a ser no, entendido como um futuro preestabelecido. As qualidades
preenchido com a experiência, até se alcançar o conhecimento do indivíduo determinam o seu modo de resolver os proble-
de quem aprendeu e finalmente sabe. mas e, portanto, as consequências que receberá disso. No pas-
Ora, aquela pessoa era inocente e havia cometido aquele er- sado estão as causas determinantes do presente, onde pode-
ro porque ignorava os efeitos que decorreriam dele, pois jamais mos ler qual é o futuro que ele nos prepara. Esta é a razão pe-
os havia experimentado contra si mesmo. Portanto não era cul- la qual se pode prever o desenvolvimento de um destino, pois
pado, como também não o é a criança que ainda não sabe. Mas ele nada mais é senão o desenvolvimento da semente que car-
não saber não significa que não se deva aprender. E é isso exa- regamos conosco. Nada nasce do nada. Qualquer fortuna ou
tamente o que se faz, experimentando-se à própria custa. A infortúnio nos vem do exterior, e de cada coisa não saberemos
aprendizagem, mesmo que seja forçosa e penosa, não é uma fazer outro uso senão o estabelecido pela nossa natureza. As-
punição que se aplica contra o aluno por causa de sua ignorân- sim, um destruidor, seja qual for a fortuna que tenha, fatal-
cia, mas sim a necessária fadiga para ele sair desse estado. Por mente a destruirá. Por outro lado, um construtor, seja qual for
isso a vida não nos poupa esta fadiga, ensinando-nos a lição e o infortúnio que tenha, saberá superá-lo. Vimos então, tam-
fazendo-nos repeti-la, quando não conseguimos compreendê-la. bém num caso comuníssimo da vida, como funciona a Lei e
É assim que a inocência é um defeito do qual devemos nos cor- qual a técnica do fenômeno em relação a ela.
rigir, pois ela significa a ignorância do inexperiente, estado que
implica em outros tantos erros e nas respectivas dores correti- VI. TERCEIRO CASO
vas e instrutivas. A ignorância tem seu lugar apenas como qua-
lidade do primitivo, pois a evolução, quanto mais se avança, Observemos agora um caso do mesmo tipo do precedente,
tanto mais exige conhecimento. mas com tintas mais fortes, definido por uma carga de forças
A vida quer que construamos uma consciência. Quem não a mais potentes. Também aqui, os elementos constituintes do fe-
possui avança por tentativas, experimentando nas zonas inex- nômeno são dois, dados por dois tipos de personalidade opos-
ploradas os efeitos de seus erros e, depois, pagando por eles, tos: um construtivo, que não produz senão o bem a seu redor, e
para aprender assim a não mais cometê-los. Esta consciência se outro destrutivo, que não produz senão o mal. Eles são marido
adquire depois de termos recebido o golpe, que representa a li- e mulher, ambos vivendo na mesma casa, sob as mesmas con-
ção para nos ensinar a não mais repetir o erro. Também neste dições. Porém, sendo de naturezas diferentes, cada um segue
campo moral verifica-se aquilo que acontece nas leis da matéria uma conduta diversa, alcançando resultados finais opostos, que
e da energia. Elas simplesmente funcionam para todos. O fato se resumem, para a mulher, numa vida familiar tranquila e, pa-
de ignorá-las não altera o seu funcionamento. Se o indivíduo er- ra ele, na morte. Observemos como se desenvolve este caso, o
ra porque não as conhece, elas continuam a funcionar, indepen- qual tivemos sob os olhos, para ver sempre melhor como fun-
dentemente do que lhe acontece. Ele paga o erro e assim apren- ciona o mecanismo da Lei.
de a se mover a favor daquelas leis, e não contra elas. Se ele O desenvolvimento do fato nos faz pensar que, para cada
não sabe caminhar, nem por isso elas se modificam, mas o dei- um dos dois tipos, já estivesse assinalado na partida um destino
Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 249
com caracteres de fatalidade, ao qual era impossível fugir. Mas, duas filhas para criar e mais um filho doente para manter. O
como já vimos, estes caracteres de fatalidade dependem da es- marido não dava nenhuma ajuda. Aparecia em casa, à noite,
trutura da própria personalidade, que não sabe e não pode mani- bêbado, para gritar e maltratar a mulher.
festar-se senão de acordo com sua natureza, a qual impõe uma Chegaram assim à separação legal. Ele tomou o seu cami-
conduta que, depois, leva àquelas determinadas consequências. nho, para levar a vida a seu modo. Mas, sendo o marido, pre-
A premissa à qual cada um dos dois estava inexoravelmente li- tendia o valor da metade da casa. Isto significava vendê-la, para
gado era a sua própria natureza, que definia a trajetória de sua que ele pudesse desperdiçar em farras metade do dinheiro que
vida, já lançada em uma determinada direção, portanto com fosse obtido, deixando que a família fosse lançada à rua.
tendência fatal a continuar avançando naquele sentido. A fatali- Observemos a linha diferente de conduta das duas partes,
dade de um destino no desenvolvimento de uma vida é estabe- constituindo este o precedente que justifica, segundo a lei de
lecida pelo fato de que o indivíduo, seja qual for o problema a justiça e do mérito, as consequências atingidas depois. A mu-
ser enfrentado por ele, não sabe ver senão com os seus olhos, lher lutou, resistiu e salvou a casa. Nesta fase preparatória e
não pode obedecer senão aos seus impulsos e não sabe compor- determinante da conclusão, que veremos a seguir, cada um
tar-se senão seguindo a sua forma mental. É isso o que aconte- dos dois andava acumulando os respectivos impulsos. Estes,
ce, mesmo quando, tomando a direção errada, porque contra a ao chegarem num determinado ponto de saturação, tornaram-
Lei, o indivíduo é levado a se chocar de encontro à resistência se decisivos e explodiram, resolvendo o caso. Ele, descendo,
dela, que não admite ser violada. percorria decididamente o caminho do mal, que era o de sua
Este é o ponto que desejamos colocar em foco. A vontade perdição. Ela, subindo com fadiga, percorria o caminho do
da Lei é que ajamos a seu modo. Assim, quando o homem sai bem, que era o do seu bem.
da estrada, a Lei o obriga a retornar a ela. Se ele erra, porque O fenômeno caminhou assim, amadurecendo sempre mais
não tem consciência da presença dela, a Lei o obriga, à força na direção própria de cada um dos dois indivíduos, até que a
de provações, a adquirir aquela consciência. As provações que última gota fez transbordar o copo. Isso foi devido a um inci-
se devem superar no processo evolutivo têm exatamente esta dente banal, mas que funcionou exatamente como catalisador
finalidade. A técnica do fenômeno é automática. Quando se resolutivo do caso. Ele, para viver ainda mais a seu modo, ti-
comete a violação, chega a correção. A não verificação deste nha ido morar numa vila vizinha, perto dos pais, e continuava
fato significaria paralisar a evolução, o que seria a falência da a beber, piorando sempre. Andava assim perdendo cada vez
vida diante de seu fim maior. A Lei sustenta quem concorda mais o controle de si mesmo. Uma noite, dominado pelo álco-
com ela, mas resiste a quem pretende seguir uma vontade con- ol, saiu de casa, cometendo loucuras ofensivas à ordem públi-
trária à dela. É inútil procurar impor-se. A quantas leis tiveram ca. Chamaram a polícia, e os pais o entregaram a uma ambu-
que obedecer os astronautas que foram à Lua! E se uma delas lância do pronto-socorro. Então ele foi levado ao hospital e,
não tivesse sido obedecida, isto poderia significar a morte. É depois de duas horas, estava morto. Assim o caso foi resolvi-
por esta mesma razão que o indivíduo, quando quer fazer o do de modo rápido e definitivo.
mal, indo contra a Lei, expõe-se a toda espécie de dificuldades, É certo que ele não queria ir ao encontro da morte, mas sim
não tendo outra saída senão suportá-las. de seus prazeres. Para fazer isto, ele não tinha levado em conta
É esta inexorabilidade e potência da Lei, ao impor sua fér- o mal que fazia aos outros. Então, em um dado momento, en-
rea disciplina, o que mais impressiona quem chega a compre- trou em função a Lei com sua justiça. A culpa deste homem era
endê-la. Tal indivíduo, porém, conforta-se, constatando que se ignorar que, com seu egoísmo, ele arruinava uma família. Tal-
trata de um poder segundo a justiça, razão pela qual, para o vez ele não tivesse consciência de tanto mal. Porém, mesmo
homem justo, ela não representa qualquer ameaça, mas sim, que ele fosse inocente por ignorância, nem por isso a Lei pode-
pelo contrário, o conforto de uma proteção. Em suma, a Lei é ria deixar de funcionar, omitindo-se de ensinar-lhe a lição ne-
uma máquina cheia de engrenagens. Se nós nos colocarmos cessária, para que, com esta experiência, ele eliminasse a sua
no lugar devido, elas nos levarão adiante, para nossa vanta- ignorância e se tornasse, assim, consciente. Exatamente porque
gem, mas, se nos colocarmos em posição contrária ao seu mo- ele ignorava as consequências de suas obras, é que ele devia
vimento, elas nos destruirão. aprender a conhecê-las. Exatamente porque a criança não sabe
Foi isto que aconteceu no caso agora tomado para exame. caminhar, é que ela deve cair, para aprender a andar. E não se
A garantia de segurança nos é dada pelo fato de que, se pu- pode pretender que as leis de equilíbrio cessem de funcionar,
sermos os precedentes no sentido do mal, esse será por nós para impedir que a criança caia. A Lei é justa, respeitando o fa-
colhido, mas, se pusermos aqueles precedentes no sentido do to provocado pelo indivíduo e as consequências que dele deri-
bem, as consequências para nós somente poderão ser boas. vam. Se a ele adveio o mal, isto aconteceu porque ele se pusera
Compreendido o funcionamento da Lei, podemos levá-la a em uma posição errada, na qual deve aprender a não se colocar
nos dar aquilo que desejamos e que nos pertence, por o termos mais. Quando ele vier a escolher o bem em lugar do mal, nada
merecido. Ter conseguido provar experimentalmente a verda- mais lhe poderá advir senão o bem.
de deste fato, entendendo-o racionalmente, é suficiente para Aqui, podemos acrescentar que a Lei, para obrigar a apren-
dar à conduta humana algumas diretrizes novas, com resulta- der, não apenas submete à prova o inocente, que é assim por ser
dos favoráveis sem precedentes. ignorante, mas também quer que o indivíduo seja bom, pelo fa-
Mas voltemos ao caso aqui em exame. Se este difere do to de saber fazer bom uso de sua força, e não porque é um fra-
precedente pelas dimensões do fato, permanece, porém, imu- co. Então a virtude não consiste em não possuir armas, mas em
tável o princípio pelo qual tudo corresponde ao mérito, esta- tê-las e saber operá-las com uma finalidade de bem. Frequen-
belecendo-se consequências proporcionais às causas postas temente se considera bom quem é apenas inócuo, quando se tra-
em movimento pelo indivíduo. Ele, o marido, não era nada de ta de alguém que somente é assim por ser inepto. A Lei quer o
bom. Possuía uma loja que bastava para viver, mas que, devi- homem forte que faz bom uso da sua força. Não vale a bondade
do à negligência e aos erros, ele teve de abandonar. Então se dada pela impotência de ser mau, nem o pacifismo de quem não
meteu a ser barbeiro, enquanto ela trabalhava como emprega- sabe lutar. Não é virtude não fazer o mal somente por falta da
da doméstica. Mas ele era dado ao álcool, desperdiçando o força necessária para fazê-lo.
pouco que ganhava, enquanto ela trabalhava duro e economi- O que é admirável no caso que agora examinamos é ver
zava. Assim, com suas economias, ela conseguiu comprar um como, num átimo e com um só movimento, a Lei desatou defi-
terreno e construir uma casinha. Além disso, tinha a seu cargo nitivamente todos os nós do problema, segundo a justiça. A Lei,
250 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi
sem coagir aquele indivíduo, deixou-o andar por si mesmo em para ele. Isso nos explica como foi exatamente que se deu o
direção à própria liquidação. Guiou assim os dois elementos acontecimento. Em sua idade, era necessário que ele tomasse
opostos – de um lado o marido, de outro lado a mulher e a famí- uma decisão. Permanecer naquelas condições significava piorar
lia dele – cada um em direção à solução que os esperava, segun- cada vez mais, até atingir a velhice sozinho, abandonado e pobre.
do a justiça. Desse modo, a Lei eliminou a presença do indiví- Se a Lei desejava salvá-lo, deveria fazê-lo imediatamente. A mãe
duo negativo e o dano que dele derivava, suprimindo este ho- envelhecia e, nas suas condições de saúde, em vez de ser um au-
mem, que não tinha direito à vida, e libertou daquele mal a parte xílio, tornava-se um peso sempre maior. Os indivíduos de seu
boa, constituída pela mulher e pela família, salvando quem tinha ambiente, aproveitando-se de sua bondade, tornavam-se cada vez
direito à vida. Desse modo, tudo foi sistematizado e a mulher mais audaciosos e maléficos em prejuízo dele, que, assim, encon-
pôde continuar em sua casa, para criar a sua família. Foi assim trava-se continuamente atacado por eles. Havia neste caso, como
que, atingido este seu escopo benéfico, a Lei resolveu o proble- nos outros também, o setor das forças do mal, mas composto de
ma, dando a cada um segundo seu mérito, como quer a justiça. grãos de poeira de elementos negativos, cada um de per si de
Estes exemplos nos mostram um ponto de fundamental im- pouca importância, mas danosos em seu conjunto. Nestas condi-
portância, dado pelo fato de que a Lei funciona obedecendo a ções, o caso se tornava cada vez mais grave para o jovem.
um princípio de justiça. É assim que, embora os casos narrados Observemos agora como funciona a Lei. Ela resolveu o
aqui por nós sejam diferentes, encontramos constantemente este problema no sentido completamente positivo, benéfico para o
fator, tanto na técnica resolutiva do fenômeno, como na espinha jovem, salvando cada coisa e satisfazendo de um golpe todas
dorsal ou fio condutor de seu desenvolvimento. Este fato se ex- as exigências, de forma adequada e em perfeita ligação com a
plica, porque faz parte da lógica da Lei, estando implícito, co- natureza do caso. Aquele indivíduo carecia de uma defesa que
mo um seu momento, no princípio de ordem que tudo rege. o protegesse na luta pela vida. Este era o ponto a ser defendi-
Sem tal princípio, tudo seria caos. É exatamente por causa deste do, e a Lei demonstrou conhecê-lo. Quando moço, ele ficou
princípio de justiça que o indivíduo, quando tiver cumprido noivo de uma moça conterrânea, parente sua, mas depois a
seus deveres perante a Lei, poderá exigir dela os seus próprios coisa, por circunstâncias várias, parou, como se quisesse ficar
direitos, porque sabe que ela é justa e os respeita. guardada para este momento, quando o noivado se reavivou e
Ainda que vagamente, o homem já percebeu a necessidade se concluiu. Então eles se casaram.
de uma justiça verdadeira e completa, que, suprindo as defici- Ela parecia feita sob medida para cumprir a tarefa para a
ências em relação à justiça humana, represente a última e re- qual a Lei a chamava. Inteligente, trabalhadora e honesta, de
solutiva fase de cada vicissitude. A mente sente instintiva- temperamento prático e bastante ativa, juntava-se no sentido do
mente que, se a injustiça devesse triunfar definitivamente, a bem às qualidades dele, enquanto as completava nos seus pon-
vida seria um fruto do mal e, por isso, invoca a mão de Deus. tos fracos. Assim, os dois elementos foram unidos por uma per-
Assim, imagina outros códigos, outras injustiças e outros tri- feita complementação, convergente em cada ponto no sentido
bunais espirituais, apoiando-se na concepção apocalíptica de positivo. Dissemos que o elemento negativo não tinha tomado
um juízo final. Mas ficamos no incerto terreno da fé das reli- um corpo definido em um só indivíduo, mas se encontrava em
giões. Teve-se assim a intuição da presença de outra justiça, estado indefinido, disperso em vários elementos mínimos sepa-
de natureza super-humana, mas não se soube analisá-la positi- rados, condição que facilitou sua liquidação. Eles, de fato, fare-
vamente, nem se descobriu a chave para fazê-la funcionar. A jando o novo ambiente, desapareceram por si mesmos, pouco a
maior revolução de nosso século é que a moral sai do campo pouco. Assim, o procedimento foi automaticamente levado
religioso e da incerteza que a caracteriza, para se tornar uma avante em pequenas doses, o que tornou desnecessário um pro-
técnica racional da ética, na qual a formação do mal é diag- vimento explícito por parte da Lei.
nosticada, prevista e estudada, permitindo evitar suas conse- Permaneceu visível em campo a vitória do bem. Sob a nova
quências, desde que as causas também sejam afastadas. Será direção, entregue à mulher, organizou-se a nova família. Ela
descoberto então que, em nosso mundo, existe igualmente juntou seu salário ao do marido com cuidadosa economia, e
uma justiça verdadeira e completa, devida à presença da lei de ambos conseguiram comprar uma casinha, elevando seu nível
Deus. Mas, para chegar a isto, é necessário ter compreendido social. Tudo mudou do mal para o bem. A Lei havia consegui-
seu funcionamento, colocando cada coisa no seu lugar. do, com uma pequena combinação de elementos preexistentes,
salvar uma posição que ameaçava atingir um final desastroso.
VII. QUARTO CASO Porque a Lei quis salvar a situação com este seu movimento?
Certamente não é possível atribuir ao acaso uma coisa assim
Vejamos agora como funcionou a Lei em outro caso. Des- tão bem feita, segundo a bondade e a sabedoria da Lei.
ta vez, não temos dois elementos opostos, onde um segue o A primeira razão que levou a Lei a operar este salvamento
caminho do bem, conseguindo um resultado para ele positivo, foi o mérito do indivíduo. Se ele tivesse merecido o contrário,
e outro segue o caminho do mal, conseguindo um resultado ela teria feito o oposto. Neste caso, então, vemos a aplicação do
para ele negativo. O caso agora é mais simples, pois temos princípio do mérito. É verdade que aquele indivíduo era fraco e
somente o primeiro elemento, aquele que termina bem, tor- devia ser corrigido neste ponto. Mas a sua fraqueza era só em
nando-se secundário o outro. favor dos outros, por excesso de bondade e altruísmo. Este seu
Trata-se de um jovem de cerca de 35 anos, que vivia só defeito, então, continha o germe de uma grande virtude, muito
com a mãe idosa, a quem era muito afeiçoado. Era trabalha- pouco comum, mas cuja aquisição será indispensável a todos no
dor, fiel e honesto, mas não sabia ser egoísta no sentido de futuro estado de coletividade orgânica, do qual a humanidade
pensar somente em si. Não se pode considerá-lo um fraco, está sempre mais se avizinhando. Então, se este era seu defeito,
apenas porque, em sua generosidade, corria primeiramente a ele já lhe havia sofrido bastante as consequências. Mas, neste
favor dos outros, antes de cuidar de si mesmo. Como resulta- caso, mais do que um defeito a ser eliminado, tratava-se de uma
do disso, qualquer um que se avizinhasse dele aproveitava-se virtude a ser desenvolvida. Foi assim que a Lei, em vez de re-
de sua bondade, utilizando-a em vantagem própria. Ele não primi-la, ajudou-a, procedendo ao salvamento do jovem. Ela fez
fazia mal a ninguém, os outros é que faziam mal a ele. Não todos os seus cálculos na avaliação das forças que se moviam no
fazia vítimas, pois a vítima era ele mesmo. fenômeno e, se funcionou da maneira que o fez, isto significa
Encontrava-se assim perfeitamente colocado perante a Lei, que, neste caso, existiam impulsos positivos, dados por valores
razão pela qual, neste caso, ela devia intervir em sentido benéfico com este sinal, que impunham uma intervenção neste sentido.
Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 251
Neste ponto, vemos na Lei a presença de outro princípio apli- concebê-lo nem compreendê-lo senão ao nível de sua forma
cado por ela em sua economia: o princípio de retidão e justiça, mental emotiva, ligando-o ao prodígio e a construções mitológi-
pelo qual são protegidos e ajudados os valores que devem ser cas, que eram consideradas como realidade. Aqui enfrentamos o
respeitados, para produzirem o seu maior rendimento. O elemen- mesmo problema, mas com outra forma mental, para chegar a
to bom é um valor positivo, feito para frutificar, e não para ser resultados positivos e adquirir uma certeza que a fé, sozinha,
desperdiçado. E a Lei, por coerência, não pode deixar de aplicar não pode dar. Não queremos negar, mas sim aperfeiçoar. Substi-
este seu princípio. Ela não pode contradizer a si mesma e, por is- tuir o sonho por um conhecimento objetivo, apoiado sobre fatos,
so, quando contém uma norma, é a primeira a lhe ficar sujeita. Se é sem dúvida um progresso. Respeita-se o coração, mas contro-
assim não fosse, ela não representaria um princípio de ordem, la-se a mente. Elimina-se a elasticidade que o sistema da fé
mas sim de desordem, que, em vez de manter tudo organizado permite, suprimindo assim a possibilidade de acomodações, que
dentro de uma disciplina, terminaria por desintegrá-lo no caos. já não são mais admissíveis em um regime mental de positivida-
Isto é o que o homem desejaria fazer com seu egocentrismo. Mas de. Isto não significa negar, mas sim acrescentar e aprofundar, a
ele, quando viola a Lei, tem o poder de arruinar somente a si fim de apoiar-se em bases mais sólidas e seguras.
mesmo, e não de interromper o funcionamento dela. A vantagem que se obtém de tudo isso é descobrir algo situ-
A Lei é a primeira serva dos princípios sobre os quais se ba- ado acima de todos os valores humanos. Antigamente, a ques-
seia. Ela é a primeira a pô-los em ação, porque não pratica de tão fundamental era crer, problema que cada um resolvia a seu
modo diferente aquilo que prega. É justamente pelo fato de ser modo, podendo afirmar aquilo que quisesse, porquanto não
lei que ela se sente autorizada a exigir observância dos outros, existia nenhum controle positivo. Este fato explica a diferença
porquanto primeiramente a exige de si mesma. Cai assim com- entre as opiniões, cada uma se proclamando como a única ver-
pletamente o conceito humano de autoridade usada em vanta- dade e condenando como erro as outras. O terreno religioso é
gem de quem comanda para impor-se aos próprios dependentes, um campo minado de exclusivismos e antagonismos. É por isso
sendo substituído por outro método, no qual comandar é fazer que a visão da verdade, quanto mais se tornar objetiva, ligando-
primeiro o que se exige dos outros. Este é o novo conceito de se à realidade como faz a ciência, tanto mais poderá tornar-se
autoridade que a Lei nos ensina. única e igual para todos. Esta realidade é dirigida pelo pensa-
Esta é uma das coisas que nos diz a análise dos casos obser- mento divino, que organiza o funcionamento dela em cada
vados aqui. Estamos desmontando o mecanismo da Lei para ver tempo e lugar. Trata-se, portanto, não de um produto desta ou
como ele é feito. A diversidade dos casos nos mostra a diversi- daquela mente humana, mas sim de uma verdade objetivamente
dade dos modos pelos quais a Lei pode proceder. Porém o leitor verdadeira e universal, porque está escrita nos fatos, nos quais
deve ter notado que seu funcionamento nestas diversas posições ela pode ser lida. É a verdade da qual o homem novo tem ne-
repete-se de acordo com um mesmo princípio, segundo o qual, cessidade e que ele está procurando desesperadamente. O vácuo
o bem é ajudado a vencer, o mal leva à ruína, os valores positi- espiritual no qual ele está sendo lançado pelo desmoronamento
vos se lançam em direção oposta àquela dos negativos etc. É do velho mundo é um abismo que faz medo. Todavia é necessá-
natural que, apesar dos casos serem tantos, os princípios sejam rio ir em frente, porque se torna cada vez mais inaceitável o fa-
poucos e fundidos em unidade, repetindo-se em cada caso. to de ter que viver com a psicologia adotada no passado.
Esta é a razão pela qual, tantas vezes, pode parecer que nos Alcançando-se o conhecimento da Lei, sabe-se que há um
repetimos nesta obra. Estamos fazendo um trabalho de análise em plano e uma meta tanto para a vida individual como para o todo;
que a observação é tanto mais comprovada, quanto mais numero- sabe-se que há uma ordem, uma salvação e meios para atingi-la;
sos são os casos com os quais os princípios são postos em contato sabe-se que se pode contar com a Lei; sabe-se tudo isso não por
e confirmados pelos fatos. Eis a necessidade de repetir a observa- uma fé que oscila sempre na dúvida, mas pela segurança que de-
ção. E a cada uma delas, perguntamo-nos: mas é mesmo verdade? corre da análise do problema e do conhecimento da técnica fun-
A exposição que fazemos aqui não é de teorias filosóficas damental do fenômeno. Trata-se de uma religião que não se pode
ou religiosas, mas sim de princípios que envolvem a realidade. mais acusar de ser o ópio dos povos, pois constitui, ao contrário,
O escopo desta obra é didático, e não literário. Então fazemos o um despertar da consciência, baseado no conhecimento. Não se
leitor assistir ao nosso trabalho de pesquisa, que necessita ser trata então de uma heterodoxia, porque aqui, pelo contrário, pro-
bem controlado antes de poder ser definitivamente afirmado. curamos abrir sempre mais os caminhos do espírito, buscando fa-
Em primeiro lugar, procuramos persuadir a nós mesmos e, co- zê-lo tornar-se a grande força que nos levará a vencer na vida.
nosco, os leitores, porque as conclusões, além de serem graves, Uma demonstração clara é o único meio para evitar a descrença.
também mudam, se forem verdadeiras, o fundamento de tudo. Uma coisa é crer, outra é saber; uma coisa é a dúvida de quem
Por isso, a cada passo, voltamos a olhar sob um ponto de vista não tem certeza, outra é a segurança de quem está convencido
diferente, a fim de nos assegurarmos de sua veracidade. porque observou e compreendeu. Finalmente, uma contabilidade
Esta repetição corresponde a movimentos de sentido único clara com Deus, dotada de uma providência cujo modo de funci-
nos vários casos. Tal fato nos revela a presença de um ponto onar já se conhece e na qual se pode logicamente confiar, permi-
comum, estabelecendo uma “constante” que exprime os princí- tindo-nos provocar resultados com os quais se pode contar, por-
pios diretivos da Lei. A repetição se deve à contínua presença que nos pertencem por direito, segundo a justiça da Lei.
desta “constante”. A observação de uma casuística pode permi- Como dissemos, foi modificada não a realidade dos fatos, a
tir-nos chegar ao conhecimento do pensamento que aparece na- qual é sempre a mesma, mas sim a mente, que a vê e é capaz
quela constante. É assim que, conhecendo aquele pensamento, de compreendê-la. A lei sempre funcionou como agora a ve-
poderemos saber qual será o funcionamento da Lei para nós no mos, porém não se tinha consciência deste seu funcionamento.
futuro, prevendo os acontecimentos que virão ao nosso encon- Sempre estivemos todos imersos na ordem universal, mas nun-
tro, segundo a premissa que propusermos com nossa conduta. ca a analisamos para nos tornarmos conscientes de sua estrutu-
Estes conceitos nos colocam diante da vida em uma posição ra e sabermos nos mover nela. O que mais impressionará o
diferente daquela assumida pelo homem no passado. Isto não homem novo será descobrir esta presença universal de um
significa que a substância da verdade possa ser mudada. Esta pensamento diretivo, tocando com as mãos esta realidade, até
permaneceu a mesma de antes. O que muda hoje é o modo de chegar ao diálogo e obter resposta, para adquirir enfim consci-
vê-la, resultando numa forma diferente de enfrentar e resolver a ência de que não está, como pode parecer, perdido em um uni-
mesma questão. Frente ao problema do funcionamento da vida, verso indiferente a ele, mas que é cidadão dele, estando fundi-
a humanidade do passado, dado o seu estado infantil, não podia do e funcionando em sua organicidade.
252 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi
VIII. QUINTO, SEXTO E SÉTIMO CASO pejo do intelecto, que tende a compreender como Deus desen-
volve Sua obra. Estamos observando aqui o pensamento de
Até aqui temos visto apenas alguns casos escolhidos entre os Deus, o qual se expressa para nós através do funcionamento da
muitos que observamos de perto. Veremos ainda outros. Entre Lei, na medida em que ele nos é acessível, conforme a altura de
estes, o leitor poderá encontrar elementos que se referem a ele, nosso nível mental. Isso implica que o indivíduo mais evoluído
por serem afins com sua posição. Como os casos são muitos, não poderá ler naquele pensamento muito mais coisas. E isso acon-
podemos relatar aqui todos os que examinamos. No entanto veri- tecerá no futuro, sem dúvida.
ficamos que eles também confirmam os princípios aqui expostos As experiências que executamos aqui, analisando vários ca-
na interpretação da Lei. Observamos que, na técnica de seu de- sos, são questões que propomos àquele pensamento, cuja res-
senvolvimento, há algumas características constantes. Cada caso posta nos é dada através dos fatos verificados. O acontecimento
assume um significado determinado, caminhando direto na dire- final nos expressa a conclusão de um raciocínio que, seguindo o
ção de nosso bem ou de nosso mal, segundo as premissas que desenvolvimento do caso, podemos conhecer, observando-o em
propusemos no seu início. Quando se trata de ascensão, ele se suas diversas fases. É assim que, por via experimental, apoia-
conclui com uma experiência completa no final da prova reden- dos na robustez da casuística, podemos estudar o comportamen-
tora, resultando numa conquista espiritual que nos leva mais para to seguido por este pensamento em diversas posições diferen-
o alto. Depois da fadiga, este é o momento radioso da iluminação tes, até descobrir o seu fio condutor, identificando os princípios
e da festa de libertação de uma dose de mal que nos mantinha em e os métodos seguidos por ele. É desta forma que procuramos
baixo. Neste instante, o sofrimento é premiado com alegria. executar aqui o nosso diálogo.
Temos sob observação alguns casos nos quais constatamos Na realidade, ainda que de uma forma tanto mais rudimen-
que o desenvolvimento dos mesmos vai-se verificando na tar, quanto mais se retrocede na evolução, o diálogo sempre
forma prevista. É impressionante ver a confirmação nos fatos, existiu, expressando os inevitáveis contatos com a Lei, que fa-
quando, conhecendo a técnica da Lei, verifica-se de perto que lava com os fatos, mesmo se os homens não os compreendiam.
o desenvolvimento do caso confirma as previsões deduzidas As ações e reações recíprocas eram as ideias trocadas naquele
com antecedência, por um cálculo completo e exato. Mais in- diálogo. Somente quando nos tornamos adultos e adquirimos
teressante ainda para cada um é a observação dos casos que olhos para ver, é que chegamos a perceber que Deus existe de
lhe dizem respeito, em sua vantagem ou em seu prejuízo. verdade e está realmente trabalhando ao nosso lado.
Quando atingimos a maturidade necessária para chegar a Para tornar compreensível este fenômeno, expomos no pre-
isto, sentimos que fazemos parte de uma grande engrenagem, sente livro uma progressão de casos nos quais a percepção des-
dirigida pelo pensamento de Deus; sentimos estar realmente ta presença e a nossa coparticipação em seu trabalho se faz
em suas mãos, mas vendo aquilo que elas fazem e porque o fa- sempre mais evidente. No tipo dos casos observados até aqui, o
zem. O isolamento não está na ordem das coisas, mas no ego- sujeito simplesmente se submete à Lei, pois ele apenas provoca
centrismo humano, que leva ao separatismo. E é belo constatar o funcionamento dela através das causas geradas pela sua pró-
como tudo é útil e justo para cumprir uma função, quando está pria conduta. Então é passiva a atitude do sujeito, que tem de
colocado em seu lugar. Abre-se assim a visão de um caminho aceitar o fato inevitavelmente, sem perceber a razão de tudo is-
imenso, já percorrido e ainda a percorrer. Então Deus não é so. Mas, em um nível mais avançado, o comportamento do in-
mais um mito longínquo, relegado aos céus, mas é a certeza de divíduo pode tornar-se de coparticipação ativa com a Lei, em
quem o sente presente e operante entre nós. proporção à sua capacidade, conforme o grau de evolução atin-
Neste ponto, em que se chega à sensação da Sua presença gido. Podemos assim estabelecer uma graduação ascendente de
e à constatação da Sua atividade, é possível então, como já foi casos, cujos tipos mais simples são representados pelos que ob-
mencionado (Cap. 1), estabelecer um diálogo. Cada um, po- servamos até aqui. Mas, em todos eles, a Lei permanece sempre
rém, somente sabe compreendê-lo a seu nível. O primitivo, a mesma, funcionando tal qual ela é. O que muda é a conquista
através da lenda e da fé; o mais desenvolvido, através do inte- progressiva de consciência por parte do indivíduo, com a qual
lecto. Ninguém pode usar outra linguagem senão a do seu ele conquista autonomia e poder diretivo, uma vez que muda a
plano de evolução. Mas, qualquer que seja a altura na qual o sua posição diante da Lei. Eis a graduação.
ser se encontra, restará sempre uma diferença imensa em rela- Primeiro tipo de casos – A Lei funciona, mas o indivíduo a
ção à altura do outro termo, que é Deus. A linguagem se regu- ignora. Ele se põe no caminho do bem ou do mal e sofre cega-
lará pela altura do interlocutor, permanecendo sempre ele- mente as consequências, dando para isso a explicação que melhor
mentar. Assim o diálogo será aproximativo, mas poderá efetu- lhe agrada imaginar. Ele não assume qualquer direção do fenô-
ar-se, porque em Deus estão todos os níveis de evolução e, meno, que permanece totalmente confiado à Lei. Assim, nas dire-
portanto, a possibilidade de responder na linguagem de cada tivas de sua vida, o indivíduo não alcança nenhuma coparticipa-
um. Se o menos não contém o mais e, por isso, não pode atin- ção consciente no funcionamento da Lei, que lhe é imposta com o
gi-lo em sua plenitude, o mais contém o menos e sabe expres- método da atração-repulsão, baseado em gozo-dor, prêmio-
sar-se e funcionar também nas dimensões deste. punição, paraíso-inferno etc. O conteúdo do fenômeno se reduz,
De um lado, temos o absoluto, onde está a verdade com- então, a uma simples contraposição entre o elemento positivo do
pleta e perfeita. De outro lado, temos a aproximação das infi- bem e o negativo do mal, sendo submetido à intervenção final da
nitas verdades do relativo no caminho da ascensão, em dire- Lei, que conclui com justiça, segundo o que foi merecido.
ção àquele absoluto, sua meta final. O absoluto está imóvel na Esta posição representa a fase mais elementar do fenômeno,
plenitude de todos os seus atributos, enquanto o relativo se aquela que podemos chamar de ignorância e passividade. Os
transforma continuamente, porque está caminhando para che- quatro casos até aqui observados são deste primeiro tipo.
gar àquela plenitude. A verdade humana é relativa e progres- Segundo tipo de casos – A Lei funciona, mas o indivíduo a
siva e, à força de subir, busca alcançar o absoluto, que está à conhece e, por conhecê-la, não se submete mais cegamente, em-
espera de ser por ela atingido. Dado tudo isto, eis que, com bora ainda o faça passivamente. Isto quer dizer que ele a com-
cada um falando de sua posição a linguagem de seu nível, é preende, vê o funcionamento, tem uma explicação para o acon-
possível o diálogo, cujo valor e perfeição dependem, logica- tecimento e pode até mesmo chegar a prever seu desenvolvi-
mente, do plano evolutivo atingido pelo indivíduo. mento, mas ainda não sabe intervir nele. Este indivíduo já tem
Na forma mental explicada aqui, o diálogo não é só mani- consciência da Lei, mas ainda não chegou ao ponto de poder as-
festação de sentimento e prece invocativa, mas também um lam- sumir ao lado dela uma coparticipação na direção do fenômeno.
Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 253
Esta posição representa uma fase superior à precedente, norando o golpe preparado. O plano não fora levado ao conhe-
sendo própria daqueles indivíduos mentalmente mais desenvol- cimento dos dirigentes e, por isso, sua realização seria fatal. En-
vidos. Podemos chamá-la de fase do conhecimento e previsão. tão, como resolver o caso para o bem de todos, se, do lado ne-
Terceiro tipo de casos – Este representa uma posição ainda gativo, estava tudo organizado e pronto para ser cumprido?
mais avançada de compreensão por parte do indivíduo diante da Eis o que aconteceu. O visitante foi introduzido no escritó-
Lei, correspondendo a um grau mais elevado de consciência. O rio do amigo. Enquanto aguardava, seus olhos recaíram sobre
resultado lógico da evolução é, efetivamente, conquistar a ver- uma carta deixada em cima da mesa. Seu olhar fora atraído pelo
dade representada pela Lei. É assim que se avança gradativa- selo postal, que o interessava, porque era colecionador. Mas ao
mente, dando neste caso ainda um passo à frente. tocar aquela carta, observou o cabeçalho do envelope, que mos-
No primeiro tipo de casos, a técnica da Lei existe e funcio- trava a origem da mesma, indicando que ela se originava de um
na, mas o indivíduo não a conhece, e só lhe resta a alternativa dos elementos do grupo.
de segui-la. É a fase da ignorância. Então o visitante, visto que o assunto lhe dizia respeito, leu
No segundo tipo de casos, o funcionamento da Lei é conhe- a carta e encontrou descrito o plano de assalto daquele indiví-
cido e o seu desenvolvimento é previsto, mas não há qualquer duo. A campainha de alarme havia soado. A Lei intervinha no
intervenção do indivíduo na direção daquele desenvolvimento. momento preciso, para fazer tudo convergir em outra direção.
É a fase do conhecimento e previsão. O visitante levou a carta e imediatamente tomou suas providên-
No terceiro tipo de casos o indivíduo, conhece a Lei, prevê cias, interrompendo o desenvolvimento, exatamente na sua ori-
como ela funciona e sabe autodirigir-se dentro deste funcio- gem, daquela posição assumida negativamente.
namento. Então, ele não somente a conhece e prevê o seu de- Para chegar a este resultado, a Lei havia executado somente
senvolvimento, mas também provoca os resultados desejados. alguns movimentos, mas todos eles coordenados. Era necessário
Ele pode intervir no funcionamento da Lei, mas não no senti- que o visitante visse a carta. Esse era o ponto central do jogo,
do de modificá-la, e sim de comportar-se de acordo com ela, razão pela qual a Lei favoreceu uma providencial visita àquela
de modo a atingir, seguindo-lhe os princípios, os resultados casa num dia em que a carta, recém-chegada, ainda estava sobre
que deseja. Assim, estes podem ser determinados pelo próprio a mesa. Era preciso também que o amigo, depois de lê-la, não a
indivíduo, que, já conhecendo os métodos de trabalho da Lei, tivesse tirado dali, deixando-a sem querer à vista, e que o selo
coloca diante dela, com a própria conduta, as premissas cau- chamasse a atenção do visitante. Além disso, era necessário que
sais necessárias para, segundo as regras estabelecidas, aqueles esta pessoa ficasse sozinha no escritório, diante daquela mesa.
efeitos terem de se verificar. Não basta saber como funciona a Todas estas coisas deviam acontecer, cada uma exatamente sin-
Lei, é necessário segui-la passo a passo, fornecendo-lhe todos cronizada com a outra, fato que não se explica com o acaso, mas
os elementos, para alcançar o que se deseja. somente com a presença de uma mente diretriz.
Não se trata, portanto, de assaltar a Lei para curvá-la, mas Neste exemplo, trata-se de uma simples contraposição entre
sim de secundar-lhe a corrente, conduzindo-nos habilmente, ao bem e mal, com a intervenção automática da Lei para salvar o
nos colocarmos nas condições exigidas pela Lei para que sejam primeiro. Aqui, a intervenção que se verifica é totalmente des-
atingidos os resultados desejados por nós. E fazer-se valer, con- conhecida pelos elementos a favor dos quais ela acontecia. Nes-
cordando com ela, é obter o comando através da obediência, por- te caso, como nos quatro anteriormente examinados, o indiví-
que a Lei o concede a quem a obedece e o nega a quem a deso- duo em defesa do qual a Lei se move permanece em estado de
bedece. Trata-se de uma coparticipação consciente e sempre ignorância e passividade.
maior no trabalho da Lei, para o qual é necessário um desenvol- Exemplo do segundo caso. Um indivíduo de idade avançada
vimento mental correspondente, pois tal coparticipação se baseia adoeceu. O prolongamento da doença o enfraqueceu, até pro-
numa compreensão e num espírito de colaboração de que somen- vocar-lhe um colapso cardíaco. O estado de abatimento e seu
te o indivíduo evoluído é capaz. A evolução, de fato, consiste em aspecto cinéreo tornaram necessário um exame de laboratório,
um processo gradual de entrosamento do indivíduo com a Lei. para verificar se havia câncer.
Estes conceitos serão esclarecidos pelos três exemplos que O doente estava na sala de estar, à tarde, com amigos que
apresentaremos agora, um para cada caso. O primeiro nos mos- tinham ido visitá-lo. O exame devia estar pronto dentro em
trará o indivíduo em posição de inconsciência e passividade, o pouco, e um dos seus amigos se prontificara para apanhá-lo no
segundo, em posição mentalmente ativa, mas somente como instituto de análises, próximo da residência. Ele assistia o doen-
previsão do futuro, e o terceiro, em posição de intervenção na te e se interessava por sua sorte. Estava observando e refletin-
direção do desenvolvimento do fenômeno. do. Conhecia a teoria da Lei e seus métodos de trabalho. Entre
Exemplo do primeiro caso. Num trabalho de construção es- os amigos reunidos havia também um médico, que o chamou à
piritual, em sentido positivo, segundo a Lei, havia-se infiltrado parte, para infundir-lhe coragem, prevenindo-o contra o choque
um indivíduo de tipo negativo, com o propósito de desfrutar da que poderia receber ao ler o resultado positivo do exame. Os
situação em sua vantagem, para lucro pessoal. Naturalmente, outros visitantes procuravam esconder suas apreensões.
esta pessoa tinha o cuidado de esconder a sua verdadeira finali- Então o amigo enfermeiro, antes de sair, falou reservada-
dade. Mostrava-se muito ativa no seio do grupo de promotores, mente com o doente, dizendo-lhe: “Eu vou ao laboratório pegar
conquistando a confiança de alguns deles e assumindo, por ini- o resultado do exame, mas lembre-se, seja lá o que estiver es-
ciativa própria, uma diretiva imperiosa. A coisa prosseguia às crito nele, você não morrerá; já fiz meus cálculos”.
escondidas, preparada por ele, sem o conhecimento dos dirigen- E de fato, contra todas as previsões, o doente melhorou, en-
tes, trazendo complicações e prejuízos para os demais. contrando-se vivo até agora. A análise havia dado resultado ne-
Como os outros eram inocentes, a Lei, por seu princípio de gativo. Ora, quais cálculos havia feito o enfermeiro, para che-
mérito e justiça, não podia permitir que o mal vencesse o bem. gar a estas conclusões? Ele raciocinava assim: “A Lei funciona
Portanto, para se manter coerente, deveria intervir, se não qui- seguindo um princípio de mérito e justiça. Como se encontra o
sesse ir contra si mesma. E interveio de fato. Isto se verificou doente sob este ponto de vista? Ao seu destino está ligado o de
com um movimento mínimo, que bastou para inverter o curso sua família, que ficaria ao abandono, se ele morresse. Sabendo
dos acontecimentos. Uma grande tempestade estava se avizi- disto, seria para ele muito triste morrer antes de uma sistemati-
nhando, e a Lei a interrompeu com apenas um sopro. zação que se encontrava em curso. Ele não merecia esta dor, e a
Um dos dirigentes, representante da parte positiva, foi à ca- família também não merecia o dano irreparável de ficar aban-
sa de um amigo que, em sua boa fé, confiava no assaltante, ig- donada. Ora, se a Lei permitisse isso, ela violaria os princípios
254 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi
fundamentais sobre os quais se baseia, porque aquela morte e o de dois modos diversos. Vejamos aonde cada uma delas,
aquele dano não eram merecidos e o caso se encerraria contra a seguindo seu caminho, chegou.
justiça. A Lei, então, se não quisesse renegar-se a si mesma, te- A diferença entre as duas partes estava no fato de colocarem
ria que intervir, para impedir que adviesse o mal”. o mesmo problema sob perspectiva diversa, seguindo métodos
Este foi o raciocínio, que teve como base uma necessidade opostos para resolvê-lo. A primeira parte conhecia a técnica
de coerência por parte da Lei, cuja intervenção em tal sentido se fundamental da Lei, sabendo lançar os precedentes causais do
fazia necessária. Aquela família já havia sofrido bastante, e não próprio triunfo, aos quais ela, por coerência consigo mesma,
havia culpas que justificassem um prolongamento da dor. Em devia corresponder, seguindo-os. A outra parte, ignorando este
razão dos componentes desta lógica, aquela desgraça não pode- mecanismo, debatia-se dentro dele, cometendo erros que lhe re-
ria acontecer sem violar os princípios da Lei, o que não era pos- caiam sobre os ombros, porque é inevitável pagá-los mais tarde.
sível. Assim, dados os elementos do caso, devia haver absoluta Se o primeiro caminho leva ao triunfo, o segundo leva à falên-
obrigatoriedade de uma intervenção favorável por parte da Lei. cia. Cada parte não poderia afastar-se de sua rota, que fora de-
Foi o conhecimento deste fato que havia dado ao enfermeiro finida em função de sua forma mental. Assim, o fenômeno de-
tanta segurança contra todas as prováveis previsões, contrarian- senvolveu-se com exatidão e fatalidade.
do até mesmo a advertência de um médico que, competente na Passaram-se os dias, e cada um continuava a trabalhar a seu
matéria, observava os sintomas anunciadores do mal. Mas o en- modo, avançando na respectiva direção. O primeiro elemento ia
fermeiro, em vez de olhar as aparências exteriores, havia visto regularmente ao trabalho, cumprindo-o honestamente e fazendo
mais profundamente, observando a realidade interior do caso e seu dever com superioridade da quantidade e qualidade da pro-
os princípios da Lei. O seu diagnóstico tinha sido um diagnósti- dução. Estas eram as forças do tipo positivo que ele lançava, os
co espiritual, no qual entram em jogo todas as forças da vida, e valores construtivos que ele punha perante a Lei, constituindo a
não só um diagnóstico clínico, que não vai além do estado do premissa que ela devia responder em sintonia. O segundo ele-
organismo físico. Foi assim que, assumindo uma base diferente mento, pelo contrário, tentava avançar pelas vias oblíquas da as-
de juízo, chegou-se a conclusões opostas. túcia, do engano e da preguiça, procurando desfrutar em vez de
Assim como no exemplo precedente, também neste caso, o produzir, prejudicando a quantidade e a qualidade do produto.
provimento por parte da Lei se torna automático, a favor de um Estas eram as forças de tipo negativo, e a estes valores destruti-
indivíduo passivo. Aqui, porém, o mecanismo da Lei não ficou vos a Lei não poderia dar resposta igual à do primeiro elemento.
oculto. O enfermeiro se apercebeu disto, porque, conhecendo o Passaram-se os dias, e o fenômeno bifronte continuava a
jogo da Lei, sabia como ela trabalha e assim podia prever seu desenvolver-se em ambos os aspectos. Com o próprio compor-
desenvolvimento. Trata-se de um exemplo representativo de tamento, o primeiro elemento continuava a colocar no compu-
uma fase mais completa do que aquela precedente. Neste se- tador eletrônico da Lei seus cartões brancos, enquanto o outro
gundo caso desaparece de fato a ignorância do primeiro, assim fazia o mesmo, mas com seus cartões negros. Estes impulsos
como no terceiro veremos desaparecer a passividade do primei- quotidianos iam-se assim somando, uma série deles em sentido
ro e do segundo caso. positivo e a outra em sentido negativo, aumentando a carga de
Exemplo do terceiro caso. Uma senhora, por cumprir seus cada uma das partes. Chegaria fatalmente o momento do com-
deveres familiares, chegara a uma idade avançada sem ter criado putador disparar, o que aconteceu na forma de desmoronamen-
uma posição que lhe desse meios de subsistência. Havia sempre to da construção feita pelas forças negativas e da consolidação
pensado nos outros em vez de em si mesma, trabalhando de gra- da construção feita de forças positivas. Este foi, de fato, o re-
ça, por senso de dever, sem nenhuma perspectiva econômica. sultado final de toda a operação.
Procedera assim, mas sabia o que fazia e conhecia o princípio de Formara-se um desequilíbrio sempre maior diante do prin-
justiça da Lei. Havendo sido fiel a este princípio e estando segu- cípio de justiça da Lei, de modo que esta, cada vez menos, po-
ra de haver cumprido fielmente seus deveres, tinha certeza de dia tolerá-lo, até chegar ao ponto no qual ela, para retificar o
que a Lei não a desampararia. Porém, segundo o critério co- erro, interveio e a parte negativa foi liquidada como merecia.
mum, isto parecia quase impossível, porque era um problema Quem havia dado devia receber a justa recompensa, mas o
muito difícil encontrar uma posição econômica para uma mulher usurpador devia ser despojado, como realmente o foi. Cada
de 50 anos e não diplomada, em terra estrangeira. Havia, porém, movimento na conduta dos dois elementos era uma frase do
um fato decisivo. Esta mulher tinha colocado, por sua vontade, e diálogo conduzido por eles com a Lei, que o concluiu com a
com plena consciência de seu empenho, os precedentes necessá- sua sentença final e definitiva.
rios para compelir a Lei, por seu princípio de justiça, a corres- A diferença entre os dois elementos consistia no fato de que
ponder a este mérito com os provimentos necessários. o primeiro sabia que era loucura pretender enganar a Lei, por-
Eis o que aconteceu. Contra todas as probabilidades huma- que, cedo ou tarde, as contas são ajustadas e cada um recebe o
nas, apareceu a solução, e na forma mais adequada possível! que mereceu, seja de bem ou de mal. O primeiro elemento se
Surgiu um trabalho que agradava muito à interessada, pois ela manteve sempre no ambiente da Lei. Antes de encontrar traba-
o fazia como se fosse um “hobby”, satisfazendo assim um de- lho, ele tinha-se comportado corretamente, por senso de dever.
sejo que jamais teria alcançado de outra forma. Todas as faci- Depois, na segunda parte de seu caso, quis fazer mais, tomando
lidades que se verificaram neste sentido confirmaram as previ- a direção do fenômeno, para estabelecer causas e provocar as
sões dela, que tinha preparado tudo isto com sua conduta pe- consequências previstas, fazendo isto com o seu conhecimento
rante a Lei. Admitida como aprendiz em um instituto técnico, da técnica funcional da Lei, por meio de um método experi-
em poucos meses aprendeu o ofício que a apaixonava, chegan- mental e racionalmente controlado. Nesta segunda fase não se
do a ser diretora daquela organização. tratava mais, como na primeira, apenas de uma previsão genéri-
Observemos sua atitude no trabalho, enquanto ela aplica- ca, e sim de um cálculo de previsões, para estabelecer as causas
va o seu método, consciente da presença da Lei e de seu fun- específicas de determinadas consequências. É esta segunda par-
cionamento. Faziam parte daquela organização também ou- te que expressa com mais evidência o 3o caso.
tros elementos, que se propunham igualmente a atingir igual O fato cujo significado desejamos focalizar melhor agora,
sucesso, mas utilizando métodos opostos, negativos, ao invés de um modo como ainda não pudemos fazer até aqui, é tão no-
de positivos. As duas partes estavam uma ao lado da outra, vo e extraordinário, que parece inadmissível. Como é possível
no mesmo ambiente, mas comportavam-se diferentemente, não só prever o futuro desenvolvimento de um caso, quando
encontrando-se diante do mesmo problema, mas resolvendo- se lhe conhecem todos os elementos, mas também determinar,
Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 255
ainda com antecedência, a conclusão preestabelecida que este mentos calculáveis. Vive-se de outra maneira, não sendo levado
seu desenvolvimento irá atingir? por impulsos desconhecidos, mas tendo-se em mãos as rédeas
A primeira razão pela qual isto é possível está no fato de do próprio destino e construindo-o com conhecimento, por ter
podermos contar, com absoluta segurança, com a estabilidade calculado e introduzido nos fatos os necessários impulsos de-
da Lei. Esta é feita de ordem, isto é, de disciplina, fato que é terminantes. Se o homem conseguir compreender e utilizar tudo
indispensável em qualquer organismo e que o abrange desde a isto, ele fará uma das maiores revoluções da história, represen-
inviolabilidade de seus princípios diretivos até ao comporta- tada por um golpe antecipado e jamais realizado.
mento de cada um de seus elementos componentes. É com este Trata-se de passar das religiões do passado, do tipo emotivo-
estado de disciplina universal que podemos ter a certeza de es- fideísta, para uma do tipo racional-positivo. É claro que isto
tarmos na direção da Lei. A obrigação de cumprir o nosso de- constitui um crescimento, e não uma supressão, porque a evolu-
ver para com a Lei, obriga também a Lei a cumprir seu dever ção quer avançar, e não destruir. Isso fatalmente deverá levar, no
para conosco. O problema, então, é manter-se nas condições campo do espírito, da religião e da moral, à posse de verdades
desejadas por ela, para que se possa chegar a consequências fe- científicas demonstradas, que tomarão o lugar daquelas baseadas
lizes. Pode-se obter da Lei todo o bem ou o mal que se queira, no mito, substituindo as criações legendárias com as quais o
tudo em nossa vantagem ou em nosso prejuízo, porque sabemos homem, ansioso por saber, imaginou uma explicação para a
quais são as regras que precisamos obedecer para obtê-lo. existência, a fim de tentar suprir sua falta de conhecimento.
Quem conhece como funciona a Lei sabe o efeito correspon- Deverá acontecer aquilo que estamos tentando fazer, ou se-
dente a cada ato de seu comportamento. ja, diante das mesmas verdades, passar de um estado de incer-
Esta fatalidade na relação entre o efeito e a causa se deve ao teza e nebulosidade para um de certeza e exatidão, de modo a
fato de que, entre as leis morais, físicas e dinâmicas, há uma di- nos movermos no seio do fenômeno de nossa vida com plena
ferença apenas de grau (nível evolutivo), e não de ordem (natu- consciência da técnica de seu funcionamento e desenvolvimen-
reza). Elas estão todas em funcionamento determinístico, ao to. Hoje, os conceitos de Deus e de sua Lei são ainda vagos e
qual estão indissoluvelmente ligadas, de modo que se sabe, com distantes, de modo que o homem, porque ainda não sabe, deve
antecedência, quais efeitos devem inevitavelmente correspon- crer neles. Mas, para sua comodidade, procura evadir-se com
der a determinadas condições. Os fenômenos do campo moral uma moral que, por ainda não ser definida analiticamente, é
são determinados com a mesma fatal exatidão que se verifica cheia de escapatórias. Assim ele abusa, mas espera o perdão;
nos movimentos do campo astronômico. Em ambos os casos, comete erros, mas invoca a divina providência, para que ela re-
temos um organismo funcionando. O desastre que aconteceria solva tudo. O homem ainda se move apenas por tentativas, pois
no universo físico, se a disciplina que o rege fosse violada, desconhece a estrutura e o funcionamento da máquina dentro da
aconteceria igualmente no universo moral. qual ele vive, ignorando como fazer os movimentos adequados
para fazê-la funcionar em sua própria vantagem. É fatigante
IX. O NOVO TIPO DE EXAME DE CONSCIÊNCIA andar assim às cegas, com este sistema de erro e pagamento,
tendo de fazer e refazer. Não é possível que não haja outro mo-
O exemplo proposto representa a posição mais avançada do de viver, mais inteligente e mais útil.
que o homem pode tomar diante da Lei, condição na qual o in- Aqui não procuramos abolir os velhos princípios ainda vi-
divíduo conhece a técnica dela e traça, a partir daí, as diretivas gentes, os quais respeitamos, mas nos quais reconhecemos um
da própria vida, para guiar-lhe o desenvolvimento, com plena estado ainda infantil, sendo nossa vontade levá-los mais à
consciência e autonomia. Isto é o que queremos ensinar neste frente, para uma fase mais amadurecida. Deste modo, em vez
livro. Não se trata de elucubrações teóricas, mas sim de alcan- de ser cancelado, o passado clarifica-se, atualiza-se e confir-
çar fins práticos utilitários, no interesse de quem quiser apro- ma-se, tornando-se reforçado por um controle racional e analí-
veitá-los. Acreditamos que planejar inteligentemente a direção tico. Os conceitos básicos permanecem, mas compreendidos
da viagem da própria vida, em vez de andar ao acaso, como fo- em profundidade. Continuamos a falar com Deus, mas em um
lhas à mercê do vento, significa um grande progresso, represen- nível de consciência mais alto, com maior segurança da reali-
tando algo de novo e mais completo, que ainda não foi pratica- dade, mais iluminados na capacidade de prever e mais ativos
do no passado. Quanto mais evolui o homem e mais complexa no trabalho de planificar.
se faz a organização de sua vida individual e social, tanto mais Então chega-se a sentir a presença de Deus. Geralmente
aumenta para ele a necessidade de prever mais longe e planifi- somos levados a vê-la não próxima de nós, nas pequenas vicis-
car tudo com maior exatidão. A imprevidência é uma qualidade situdes de nossa vida cotidiana, mas somente nos grandes fatos
do primitivo. A visão longínqua do próprio futuro é uma quali- heroicos e excepcionais, que não acontecem aos homens co-
dade própria do evoluído. Antigamente, o escopo da vida era muns. Mas o leitor pôde ver que, ao contrário, os exemplos de
viver. Hoje, isto já não satisfaz mais. Deseja-se saber seriamen- casuística aqui relatados são acontecimentos simples e ao al-
te por que se vive e como atingir fins distantes. Chegando a cer- cance de todos. Através deles, pudemos ver a presença de Deus,
to grau de desenvolvimento mental, isto se torna não só uma operando com a sua Lei. Quando vistos com estes novos olhos,
necessidade psicológica da consciência mais desenvolvida, mas os fatos nos mostram como os maiores problemas da vida são
também uma necessidade prática imposta por um modo de vi- resolvidos. Esta nova visão das coisas nos faz ver como tudo é
ver muito mais complexo. Eis porque as pesquisas que efetua- conexo, revelando-nos a complexidade dos fenômenos que se
mos aqui respondem às exigências do momento histórico. escondem num acontecimento de aparência banal. Não levamos
Trata-se de começar a viver em outra dimensão, conscien- em conta tais fatores, porque não os vemos. Sem nos aperce-
tes do significado da vida. Chegando a este nível, observa-se bemos, vivemos a todo instante, mesmo nos menores aconteci-
tudo aquilo que nos sucede em redor, ao longo do caminho, es- mentos, em contato com Deus, que trabalha ao nosso lado em
tudando-se as razões pelas quais determinados fatos ocorrem todos os fenômenos, porquanto a nossa existência se desenvol-
naquele momento e prevendo-se o desenvolvimento deles em ve dentro do funcionamento da Lei. Desejamos transmitir aqui
suas fases sucessivas. Quando se chega a esta nova compreen- ao leitor a sensação desta presença de Deus, percepção esta que
são da realidade, vê-se o quanto ela é diversa daquele enten- não resulta somente da conclusão lógica de um raciocínio.
dimento do velho tipo, tão ineficiente e elástica. Em seu lugar É assim que, neste livro, apoiando-nos sobre teorias maio-
aparece, ao contrário, uma realidade mais profunda, mais exa- res, pudemos com elas ligar os pequenos fatos da experiência
tamente definida, em funcionamento constante e com movi- comum e ver o quanto eles, não obstante sua modesta aparên-
256 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi
cia, eram ricos de conteúdo. Escolhemos alguns exemplos sim- nhecimento do tipo do próprio eu é fundamental para o domínio
ples e comuns, porque mais vizinhos de nós e, assim, mais sus- do desenvolvimento do fenômeno.
cetíveis de análise, para fazer o leitor ver em que imenso mun- A primeira coisa a fazer é perguntar-se: “Quem sou eu?”.
do qualquer um vive a sua vida de cada dia. Só depois de ter tudo bem assegurado, o indivíduo poderá pôr-
Encerramos aqui a casuística. Quem quiser poderá procedê- se em viagem. O problema básico é um severo exame de cons-
la por si mesmo, pois encontrará exemplos em sua própria casa ciência. O desenvolvimento de um evento, assim como de um
no dia a dia, analisando seus casos pessoais, que, por isto mes- destino, baseia-se sobre a relação entre dois elementos: a per-
mo, são mais interessantes para si. Uma vez que se tenha com- sonalidade do sujeito e a Lei. Cada um deles representa um or-
preendido a técnica explicada, pode-se aplicá-la por conta pró- ganismo de forças em ação, dirigido para uma determinada
pria, sendo possível também, depois de se ter aprendido a ver as meta, em direção à qual aquelas forças querem avançar. Quan-
coisas em profundidade, descobrir nelas um significado e valo- do se conhece o indivíduo e a Lei, conhece-se também o con-
res antes desconhecidos, capazes de dar uma orientação total- teúdo destes dois campos de forças. O êxito do desenvolvi-
mente diferente à própria vida. mento das forças da personalidade é condicionado pelas forças
◘◘◘ da Lei. Quanto mais as forças da personalidade estiverem ade-
O sucesso do trabalho de previsão e direção no desenvolvi- ridas às da Lei, porque afins com elas, maior será o êxito. E é
mento dos casos, que nos interessa examinar, depende do co- pelo cálculo desta aderência por afinidade que se pode deduzir
nhecimento e uso da técnica que já mencionamos. Tentemos se o evento terá ou não sucesso.
então aprofundar este conhecimento, focalizando melhor alguns Ora, no caso da intervenção, este bom êxito será tanto mais
pontos fundamentais. fácil, quanto mais a estrutura da personalidade permitir a intro-
No capítulo precedente, orientamos a pesquisa, aplicando-a dução de novos impulsos segundo a Lei. O caso de máximo su-
a três tipos de casos: cesso neste trabalho se dá quando a adesão do sujeito à Lei é
1) O caso de desconhecimento e passividade, no qual o su- completa, tornando-se ele um colaborador dela. O caso de má-
jeito somente sofre a ação da Lei, sem nenhuma consciência do ximo insucesso se dá quando a adesão do sujeito é nula, tornan-
fenômeno. do-se ele inimigo dela. Eis porque é necessário conhecer-se a si
2) O caso consciente e ativo, no qual o raciocínio é usado mesmo, uma vez que a solução do caso, no fenômeno da inter-
somente para a previsão do futuro, que, embora conhecido, é venção, depende da estrutura da personalidade do sujeito. Este
aceito conforme as regras da Lei, sem nenhuma intervenção pa- autoconhecimento é o primeiro fato que se deve ter em conta.
ra determiná-lo. O desenvolvimento completo do fenômeno resulta então de
3) O caso no qual o sujeito não somente sabe e prevê o de- dois momentos: 1) O referido exame de consciência, que consis-
senvolvimento do fenômeno, mas também chega ao ponto de te numa autopsicanálise, através de um ato individual de intros-
intervir e tomar a direção dele. pecção, com o qual se obtém o diagnóstico do próprio caso; 2)
Poderíamos dizer então que a interação entre indivíduo e A intervenção que, segundo os resultados obtidos de tudo isto, é
fenômeno atravessa três fases de aperfeiçoamento progressivo, possível realizar, para dirigir o desenvolvimento do fenômeno.
que leva a uma coparticipação crescente do sujeito no domínio A chave para efetuar esta intervenção tem como premissa
do acontecimento. Estas fases são: 1) Ignorância; 2) Previsão; indispensável o exame de consciência. Aqui estamos no depar-
3) Direção. Com isto, a evolução eleva o indivíduo desde a po- tamento de análises, de cuja exatidão depende o valor do diag-
sição de ignorante e inconsciente da presença da Lei até ao ní- nóstico, como acontece para o médico com os exames de urina,
vel de colaborador consciente do funcionamento dela. Tudo isto sangue etc. É do diagnóstico, portanto, que depende toda a cu-
fica contido na lógica do plano da existência. ra. Uma autopsicanálise errada conduz a profundos erros de
É evidente que, em sua terceira fase, o fenômeno atinge a avaliação, estragando todo o processo e impossibilitando o bom
posição mais avançada e que, portanto, a sua técnica alcança o êxito do caso avaliado. Dessa maneira, em vez de resolver o
mais alto nível de complexidade e exatidão. Além disso, esta problema, submete o sujeito à longa técnica de correção dos er-
terceira posição é aquela que mais nos interessa, porque nos ros, a qual já conhecemos.
ensina a assumirmos realmente a direção do desenvolvimento Portanto, se a avaliação de si mesmo não estiver correta, to-
dos acontecimentos de nossa vida e do nosso próprio destino, mando como unidade de medida a Lei, teremos como base do
permitindo-nos atingir a posição que quisermos. Analisaremos julgamento uma análise errada. Desta premissa não pode derivar
mais de perto a técnica deste tipo de casos do terceiro grau – senão um diagnóstico falso, que representará uma colocação
onde se atinge a fase de intervenção no fenômeno – porque também falsa para a intervenção diretiva no desenvolvimento do
ela representa a arte máxima da ética do comportamento, que fenômeno, comprometendo todo o processo já na partida. As vá-
consiste na sabedoria de nos dirigirmos conscientes dos pla- rias fases são ligadas, porque derivam uma das outras. Da exati-
nos da Lei, colaborando com eles, para atingir seus objetivos, dão e veracidade da psicanálise com que se faz o correspondente
em nosso próprio benefício. diagnóstico depende o valor da atitude psíquica que estabelece
Devemos então começar daquilo que, sendo seu ponto de as normas a serem seguidas para dirigir o fenômeno.
partida e de referência, é a base desta técnica. Antes de observar ◘◘◘
o fenômeno em seu desenvolvimento, devemos conhecê-lo em Resta-nos agora examinar como executar o exame de
seu momento inicial. Isto é fundamental, porque é esta primeira consciência ou autopsicanálise, ponto de partida da técnica da
avaliação que nos indica qual será o tipo dos movimentos suces- intervenção.
sivos, segundo os quais o fenômeno se dirigirá. É esta primeira Trata-se de observar e medir a si mesmo. Isso não se pode
posição que orienta as subsequentes. Se errarmos no momento fazer senão estabelecendo um confronto com o único termo de
do lançamento do míssil, toda sua rota seguirá errada, a menos comparação e unidade de medida que possuímos: a Lei. Trata-
que saibamos corrigi-la, depois de havê-lo posto em órbita. se então de pôr o próprio eu diante dela, analisando-o em rela-
O ponto de partida é o indivíduo. Isso porque o míssil que ção ao pensamento que expressa suas normas, para estabelecer
entra em órbita é o próprio eu com as suas qualidades, constitu- qual deve ser a nossa conduta.
ídas pelas forças que, ao longo do caminho e segundo sua natu- Esta ideia do exame de consciência não é nova. Para con-
reza, irão atrair e anexar outras forças de tipo semelhante, repe- firmar isso, remetemos o leitor agora para a menção feita no
lindo aquelas de tipo diferente. Uma vez que o estabelecimento princípio do Capítulo III. Vemos que tal ideia já existe nas reli-
da técnica funcional do fenômeno se faz desde a partida, o co- giões. Fala-se então em “colocar a própria alma na presença de
Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 257
Deus”. Mas como cada um dos termos julga, quando os dois se ção das próprias vontades e razões, distorcendo o julgamento
encaram? Quando o julgamento provém da Lei, ele se manifes- segundo o próprio egoístico ponto de vista (v. Cap. III).
ta fazendo o sujeito em questão sofrer as consequências de seus O subconsciente representa então um perigo do qual deve-
atos. Quando, ao contrário, o julgamento é feito pelo sujeito, mos nos resguardar. Vejamos mais exatamente em que consiste
então acontece que o indivíduo julga a seu modo, porque olha este problema. Para fazer isso, devemos basear-nos em afirma-
com seus olhos e está interessado no julgamento. Isto leva a ções já demonstradas, que para nós são problemas resolvidos,
uma distorção do mesmo, o que é perigoso, pois o erro de diag- aos quais não podemos retornar. Quem quiser conhecer as res-
nóstico produz o lançamento da trajetória daquele caso em di- pectivas teorias e suas conclusões, poderá encontrá-las desen-
reção errada, levando-o a colocar-se numa posição contra a Lei, volvidas nos livros: O Sistema, Queda e Salvação e Princípios
erro que deve ser pago depois. de Uma Nova Ética. Aqui bastará o seguinte esquema funda-
No passado, para as massas ainda em estado infantil, incapa- mental, para recapitular tudo.
zes de uma penetração psicanalítica, o problema foi solucionado A psique humana pode se dividir em três zonas: subconsci-
com um código que estabelecia as regras da conduta humana, ente, consciente e superconsciente, que representam seus três
determinando uma lista do que fazer e do que não fazer. Os níveis de evolução. A existência não é estática, mas sim um
Mandamentos de Moisés, com toda a encenação do Sinai, são contínuo tornar-se. Este transformismo percorre o ciclo invo-
um primeiro exemplo. Tudo isso andou bem no passado, quando lução-evolução, o qual, partindo de um ponto que chamamos
bastava uma definição aproximativa, formando uma rede de ma- de Sistema, desce pelo caminho da involução até ao ponto
lhas largas, para impedir os erros mais graves. Porém isso se oposto, que chamamos de Anti-Sistema, para depois, a partir
torna cada vez menos adequado para a formação analítica e crí- deste ponto, elevar-se novamente pelo caminho da evolução,
tica do homem moderno, que tem necessidade de penetrar mais até ao Sistema, retornando assim ao ponto de partida. Temos,
a fundo na substância das coisas, com uma avaliação mais exata. dessa forma, um dualismo de termos opostos: positivo e nega-
Este aprofundamento se faz necessário, sobretudo quando tivo, Sistema e Anti-Sistema. A unidade do todo, porém, não
se quer usar a técnica da intervenção que propomos aqui para fica quebrada por esta estrutura bipolar, que o caminho evolu-
proceder à planificação racional dos próprios casos ou até da tivo, fazendo tudo retornar ao ponto de partida, tende a reunifi-
própria vida. Não se trata de sujeitar-se à Lei, mas sim de ad- car. Basta isso para nos orientar.
quirir uma autonomia diretiva individual no seio de seu funci- Então o subconsciente, que aparece na avaliação efetuada
onamento. Para isto, é necessário um trabalho de autopsicaná- na autopsicanálise, representa a parte mais involuída da psique,
lise exato e profundo, anteposto à ação. Trata-se de um traba- apresentando como maior perigo a sua própria involução, por-
lho executado de modo consciente e responsável, por um indi- que ela significa ignorância e impulsos inferiores, transbordan-
víduo provido de um senso moral mais agudo. Tudo isto prin- tes de animalidade em nível baixo e maléfico. Além disso, esta
cipalmente porque ele, dada sua evolução, deve ser livre e, posição involuída representa uma posição situada mais próxima
portanto, capaz de fazer tudo por si. Em tal caso, o termo de do polo negativo do ser, razão pela qual tende a se realizar na-
comparação, base da análise, não é uma simples lista de atos quela direção, seguindo para o negativo, segundo o modelo de
impostos ou proibidos, mas sim o pensamento que está contido tipo anti-Lei, que representa a queda espiritual, enquanto a re-
na Lei e que dirige o seu funcionamento. denção consiste em seguir a Lei.
Neste caso, o indivíduo não se encontra mais diante da Lei O subconsciente representa não apenas uma contribuição à
na condição de criança, que, sendo ignorante e irresponsável, psicanálise, feita de impulsos involuídos, nocivos e tenebrosos,
deve ser guiada pela mão e tem como único dever a obediência. mas também uma força para nos afastar do caminho reto, traça-
Pelo contrário, o ser assumiu a posição de adulto, que, pelo fato do pela Lei, e nos levar na via oposta, fornecendo-nos análises
de compreender, estar livre para agir e ser responsável por suas e diagnósticos realmente invertidos, que levam ao lançamento
ações, deve saber dirigir-se. Ele tem de estar consciente da Lei, de trajetórias no sentido negativo, anti-Lei. É esta tendência an-
para estabelecer diálogo com ela. É livre para errar, mas conhe- tagônica diante da Lei que constitui o segundo ponto de pericu-
ce as consequências do erro pelo qual é responsável. Sua posi- losidade do subconsciente. Trata-se realmente de um retroces-
ção, portanto, é completamente diversa. Isso não significa que a so, porque, em vez de apontar na direção da Lei, que representa
preceituação geral esteja errada, mas sim que ela consiste ape- o vértice da evolução, o subconsciente aponta para o polo opos-
nas uma fase de aproximação, já superada pelo homem moder- to, pelo qual, justamente devido à proximidade, é mais atraído.
no maduro, condição que o torna capaz de usar a técnica da in- Restam ainda outras considerações. O subconsciente, gravi-
tervenção, manejando conscientemente as forças da vida. tando pela sua qualidade de involuído em direção ao polo nega-
Temos então frente a frente os dois termos: a alma e Deus, tivo, desejaria a vitória deste sobre o polo positivo, fato pelo
ou seja, o eu e a Lei. O exame introspectivo é feito não de mo- qual expressa a sua vontade de, com sua própria lei, substituir-se
do isolado, mas sim confrontando a si mesmo com os princípios à lei de Deus. O subconsciente tem a sua própria psicologia, que
que regem o funcionamento da Lei. O indivíduo põe-se nu pe- nos revela a sua estrutura, quando a observamos. Ela exprime a
rante aquele quadro e nele se espelha. Assim, ele pode ver quais forma mental própria da zona mais involuída do ser, lançada em
são os pontos de coincidência com as linhas da Lei e quais os descida, na direção do Anti-Sistema. Resumindo, trata-se da zo-
pontos de divergência. Positivos para ele serão os pontos de na de retrocesso, onde se busca a substituição do próprio eu ao
acordo, e negativos os de desacordo. Quanto mais exato, obje- Deus-Lei, para, no lugar daquilo que está no polo positivo, colo-
tivo e correspondente à verdade for o exame, tanto maior será o car como senhor o que está no polo negativo, fazendo de um
seu valor para dirigir a técnica da intervenção. elemento que deve funcionar disciplinadamente dentro da Lei,
Observemos agora as dificuldades que devem ser superadas, um centro emborcado, independente e dominador.
para se conseguir um bom exame de consciência. A principal Eis por que o subconsciente representa um obstáculo a ven-
consiste no fato de que o órgão de juízo de si mesmo é o pró- cer, quando se busca compreender a si mesmo diante da Lei. Is-
prio eu. Sendo ele parte envolvida, são fáceis os erros de avali- to não significa que ele procure impedir-nos de vê-la. Em sua
ação na análise. O perigo se deve, sobretudo, ao fato de que a involução, ele simplesmente não a vê e, por isso, não pode in-
introspecção decorrente do exame de consciência representa dicá-la. Assim, coloca-nos perante os olhos aquilo que ele acre-
uma descida no abismo do inconsciente inferior ou subconsci- dita ser a verdade, enquanto não passa de uma ilusão de quem
ente, havendo a partir daí, vindo das suas profundezas, uma ignora o funcionamento da Lei. Esta miragem nos precipita no
emersão dele no consciente, para se fazer valer com a afirma- engano, porque temos depois de ajustar contas com ela e pagar
258 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi
tudo. Trata-se de uma experiência comum a psicologia da ten- 3) Substituição. A atividade apresentada como benéfica cor-
tação que, para induzir ao mal, promete alegrias, mas depois responde a uma planificação do tipo subconsciente, significan-
não dá senão desilusões e dores. Guardemo-nos então do sub- do o uso da ética deste no lugar daquela da Lei.
consciente. Quanto mais o indivíduo cai vítima dele, mais ele é De tudo isso não se pode culpar o sujeito, porque ele, em
involuído, e este fato denota a medida da sua involução. Mas seu nível evolutivo, não pode aperceber-se quão imoral é a sua
cada ser só pode fazer o exame de consciência ao nível ético conduta, se vista de um nível evolutivo superior. Esta fase do
condicionado pelo seu grau de evolução. Pode-se então imagi- subconsciente é uma etapa do desenvolvimento psíquico huma-
nar que tipo de exame, devido à sua ignorância, possam fazer, no, na qual o indivíduo pode cometer graves erros sem se aper-
ainda que de boa fé, o involuído e o subdesenvolvido, que pen- ceber, permanecendo tranquilo e inocente, devido à sua igno-
sam ao nível do subconsciente. rância. Mas este fato não o exime das consequências de seus
Ora, se do tipo de exame de consciência depende o funcio- atos. É fácil imaginar onde irá terminar uma trajetória iniciada a
namento da técnica da intervenção e se esta representa uma partir de um exame de consciência como aquele agora observa-
técnica de alto nível, é lógico que se devam exigir qualidades do. Não se pode impedir que a vida, neste nível, seja uma dura
de evolução proporcionais nos indivíduos que pretendem usá- escola para aquele indivíduo, sempre com o saudável objetivo
la. Isto significa o domínio da parte mais evoluída do eu sobre de ensinar. Enquanto este homem tirava sua vantagem em pre-
o subconsciente, exercendo um firme controle sobre ele, para juízo dos outros, gozando os benefícios que isto lhe trazia, nin-
não deixá-lo dominar. Quem não sabe fazer isto, que permane- guém pôde convencê-lo do contrário. Acreditando que Deus es-
ça no nível preceptivo e não se arrisque na livre iniciativa, tivesse do seu lado, ele Lhe agradecia a ajuda, cheio de convic-
pois, como ainda não sabe usá-la, pode terminar no erro. Trata- ção. Assim, a seu modo e no seu nível, pode ser grato a Deus
se de dois tipos de ética em dois diversos níveis de evolução. quem, tendo sabido roubar, acaba gozando de uma boa vida.
A preceptiva é adaptada tanto ao indivíduo ignorante, que ne- Isso em nosso mundo não é excepcional, fato que nos leva
cessita de orientação, como ao recalcitrante, que precisa ser a considerar qual seja a substância das relações sociais, quando
corrigido à força. Já o método de intervenção pressupõe o in- o órgão de julgamento da conduta é do tipo subconsciente,
divíduo consciente, que sabe não apenas analisar-se a si mes- como observamos aqui. Então não se julga imparcialmente,
mo e se autodirigir sem cometer erros diante da Lei, mas tam- com base na Lei, mas o próprio eu é que faz a lei, como se ele
bém corrigi-los, quando vêm a cometê-los. fosse centro e juiz do universo. Que acontece então? O sujeito,
◘◘◘ ao invés de se referir à lei de Deus, situada acima dos indiví-
Passemos da teoria à prática. Para melhor compreender es- duos, para aceitar-lhe os juízos imparciais, formulados por ela
tes princípios, apliquemo-los a um exemplo concreto. Uma pes- segundo seus princípios, toma o lugar da Lei e substituiu seu
soa observada por nós, tendo conseguido, à custa de operações próprio julgamento ao dela.
realizadas pelo método anti-Lei, uma posição inteiramente sa- É fácil, portanto, imaginar as consequências, quando isso
tisfatória, comunica-nos estar contente com sua obra, estando ocorre em uma multidão de indivíduos deste tipo, com juízos
convencida de ter obtido tão bom êxito pelo fato de haver apli- relativos e pessoais, cada um fazendo-se lei em substituição à
cado as normas aqui expostas, que lhe foram aconselhadas co- grande Lei e julgando com o próprio eu. Então não somente eu
mo método de executar um correto exame de consciência, a fim julgo o outro e o outro me julga, mas também, assim como eu
de atingir bons resultados na direção de sua vida. faço de mim mesmo centro de meu julgamento, o outro também
Aqui nos encontramos diante de um juízo emitido pelo sub- faz de si mesmo centro de seu julgamento. Nasce desse modo
consciente, cujo modo de julgar se revela, de fato, caracterizado um regime de guerra, tornando-se necessários o escudo e a es-
pelas três qualidades já vistas: 1) Involução; 2) Inversão; 3) pada. Isso significa forjar para si próprio um escudo-cobertura,
Substituição. feito de virtudes postas à vista, e valer-se, em relação aos ou-
1) A presença do subconsciente se revela no fato de de- tros, de uma espada para abater-lhes o escudo-cobertura simi-
senvolver-se o caso num baixo nível ético, em posição invo- lar, buscando descobrir seus defeitos.
luída, anti-Lei. Disto o subconsciente naturalmente não se Suponhamos um encontro entre um avarento e um sensual.
apercebe, provando, desse modo, que não conhece a Lei. Seu O avarento tomará a atitude de um santo casto, para esconder
único interesse é satisfazer sua vontade, razão pela qual per- sua avareza, acusando o outro de erotismo. Este, por sua vez,
manece no nível da astúcia, indiferente ao problema da moral fingirá generosidade, para esconder os seus excessos eróticos,
e do conhecimento. acusando o outro de avareza. Assim cada um recebe, recipro-
2) O caso está invertido, pois é vivido às avessas, sendo camente, a lição dada pelo outro. Todos se escondem e enga-
apresentado como virtude, enquanto, perante a Lei, é errado e nam uns aos outros. “Veja de que o outro não o acusa e saberá
defeituoso. Em suma, ele é utilizado como um disfarce para es- qual é o defeito dele”. Por tudo isso vê-se quanto é difícil fazer
conder a realidade diferente que há embaixo, a qual o subcons- um verdadeiro exame de consciência, no qual aos impulsos ins-
ciente procura camuflar, pois sabe que é condenada. Mas ele tintivos do subconsciente se sobreponha a orientação iluminada
não vê a própria imoralidade, que só é percebida pelos que da mente que conhece a Lei.
atingiram um nível ético mais alto. Temos assim um subconsci-
ente anti-Lei, apresentado como vitória da Lei. X. COMO FAZER UM NOVO
3) O subconsciente, com seus métodos invertidos – do tipo an- EXAME DE CONSCIÊNCIA
ti-Lei, mas apresentados como segundo a Lei – substituiu-se à Lei.
Tal caso exprime estes três conceitos: O exame de consciência é uma constatação daquilo que so-
1) Involução. O sujeito declara a sua própria satisfação, na mos de fato, consistindo numa análise inicial, para tomar co-
qual mostra o subconsciente egoísta, que se preocupa em pri- nhecimento das nossas qualidades. A finalidade é prever as
meiro lugar consigo mesmo, não levando em consideração as consequências que derivarão daí, a direção em que lançaremos
dores que o seu bem-estar pode ter custado ao próximo. as forças de um acontecimento, a trajetória que essas forças se-
2) Inversão. O sujeito diz querer tirar deste fenômeno uma guirão e o ponto ao qual elas devem chegar. Trata-se de um
lição, estudando-lhe o mecanismo e corrigindo-lhe os erros. exame preventivo, para tomar conhecimento das causas que,
Neste caso, uma ação que nada tem de correta vem apresenta- segundo sua natureza, o nosso eu nos leva a movimentar na fa-
da como um fenômeno a ser estudado, para se extrair dele se inicial do fenômeno, permitindo a previsão de seu desenvol-
uma lição edificante. vimento como consequência daquelas causas, até ao resultado
Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 259
final com o qual aquele fenômeno se conclui. A finalidade des- caminhos, abstendo-se de se lançar por aquelas rotas, mesmo
te exame, portanto, é saber, dado aquilo que colocamos em ór- que, para aqueles tipos, elas sejam as mais atrativas. Não é ne-
bita, como dirigir e corrigir o fenômeno na fase de desenvolvi- cessário experimentar pessoalmente o desastre no qual elas
mento, para levá-lo a bom termo. terminam, porque se pode constatá-lo nos outros a cada dia, ob-
De forma diferente do exame de consciência comum, neste servando quais são para eles as consequências dos atos positi-
não interessam as apreciações sobre o valor das próprias quali- vos e negativos. Então é necessário, sobretudo, controlar-se,
dades, em que se é levado a estabelecer uma comparação com não se expondo naquele ponto, no qual se é mais vulnerável. É
os outros indivíduos, tomando-se a si mesmo como modelo. Pa- algo semelhante a um calcanhar de Aquiles, que atrai as maio-
ra quem usa a técnica da intervenção, julgar não serve. É neces- res dificuldades. Mas por que exatamente naquele ponto? Por-
sário, ao contrário do que se crê, olhar somente para si mesmo, que é ali que, levados pelo impulso imoderado, o ser se excede
porque é só o próprio eu que entra em órbita durante o desen- e vai contra a Lei, errando e, por isso, devendo pagar. Trata-se
volvimento do caso. O objetivo do exame é estabelecer uma de um desequilíbrio que atrai, como força corretiva, a dor.
trajetória justa, e não vencer o próximo no cômputo de virtudes. Se naquele ponto se localiza o maior perigo, é necessário
Pode-se dizer: “Todavia devemos examinar também as nos- toda a atenção para contê-lo, dominá-lo e, enfim, submetê-lo à
sas qualidades boas”. Sim, porém, com este exame de consci- disciplina da razão. Daí a necessidade do violento se controlar,
ência, não procuramos as virtudes, mas sim os defeitos, porque do sensual se conter, do avarento ser generoso etc., reduzindo
são eles que nos levam a cometer erros, originando o sofrimen- os próprios impulsos aos limites do normal, porque, tão logo
to com o qual devemos pagá-los. E o trabalho que queremos fa- ele se exceda, o golpe corretivo está pronto a cair-lhe em cima.
zer aqui é, sobretudo, explicar como evitar aqueles erros e os O exame de consciência se prolonga por toda a vida, sendo
consequentes sofrimentos. Daí se conclui que julgar os outros necessário observar de frente toda e qualquer circunstância. A
nos leva para fora da estrada. cada ato deve-se perguntar: “Por que agi assim?”, para examinar
Se possuímos boas qualidades, ninguém pode impedir que qual é a verdadeira natureza dos impulsos que nos moveram. É
elas produzam seus bons frutos. Mas não temos de lutar por is- necessário buscar pôr a nu o subconsciente, que se esconde, en-
to, pois acontecerá automaticamente. Nossa luta deve deslocar- ganando-nos para satisfazer-se. Estamos em um campo de for-
se para o lado defeituoso, onde nasce o erro, que é a causa de ças negativas, feitas de traição. É delas que nos devemos defen-
nossas dores. A finalidade da técnica da intervenção é exata- der, e não daquelas positivas. Assim, se alguém não é ladrão, is-
mente evitar estas dores. Este é o problema que nos interessa e so não merece sua atenção, porque ele sabe que não o é, e isso
que estamos examinando aqui. basta. A oportunidade de sê-lo não lhe é perigosa e nem o atin-
Pode-se dizer ainda: “Mas deve haver um julgamento para ge. Pode ser, porém, muito perigoso para ele um defeito que ele
si mesmo, e cada um tem de enfrentá-lo”. Então quem o faz? É tenha. É o vício que nos dá o golpe contrário, não a virtude. Um
a Lei que o faz, e o homem o vê escrito no resultado obtido por homem pode ter mil virtudes, mas, se tiver um só vício, receberá
ele. O exame é o ponto inicial, o julgamento é o ponto final. A o golpe daquele vício. Ele pode triunfar no terreno de suas mil
lei fala com fatos. O julgamento da Lei será a posição boa ou virtudes, mas nada poderá impedir aquele golpe. O ponto do ví-
má na qual o indivíduo se encontrará no final da experiência. cio é o espaço doente. Se dos meus dez dedos só tenho um doen-
Tomemos um exemplo. Os cálculos que os técnicos em as- te, devo ocupar-me deste, e não dos nove sãos.
tronáutica fazem antes de lançar um foguete para a Lua são a fase Por isso é necessário uma auto análise, a fim de corrigir si
inicial, representando o exame de consciência. O que mais im- mesmo, endireitando-se. Procurar esconder-se e arranjar pre-
porta é não cometer erros, porque, depois, eles se transformam textos para justificar-se é um método desastroso, porque au-
em desastre. A fase conclusiva é o julgamento por parte da Lei, menta a culpa e a pena final, da qual não se escapa jamais. To-
que, fazendo um sucesso da experiência, nos diz que os cálculos davia este método maquiavélico foi o mais usado no passado,
ou exame de consciência foram exatos ou, por outro lado, fazen- tendo sido considerado, talvez por quem o inventou, como
do falhar a experiência com um desastre, nos diz que os cálculos uma descoberta útil e engenhosa.
ou exame de consciência estavam errados. O julgamento é evi- É preciso entender que o exame de consciência feito diante
dente e se processa segundo os métodos da Lei, pelos quais cada da lei de Deus é completamente diferente daquele que se faz
erro é pago com o próprio dano. No campo moral, a Lei age do diante das leis humanas. Estas golpeiam o indivíduo, quando
mesmo modo, porque ela é a mesma em todos os campos. ele comete um delito. A Lei também o golpeia, porém o faz
Assim como o técnico da astronáutica deve temer, sobretu- mesmo quando sua ação errada não tenha passado de pensa-
do, os erros de cálculo, que o levam a estabelecer uma órbita mento ou desejo, porque, com isso, ainda que, por ter sido im-
errada, quem se prepara para fazer o exame de consciência pedido pelas circunstâncias, não a tenha realizado, ele se de-
também deve temer, sobretudo, os seus defeitos, que levam ao monstrou capaz de praticá-la.
mesmo resultado, trazendo erros e dores. Poder-se-ia objetar O exame de consciência é um autoexame, ou seja, um exa-
então que o exame de consciência é feito em sentido negativo, me de si mesmo, feito por si mesmo, sozinho e consigo mesmo.
mas isto é lógico, uma vez que o ponto tomado como alvo é Não devemos olhar os defeitos dos outros, mas apenas os nos-
exatamente o erro e o objetivo é evitá-lo. sos, um a um, porque somente estes é que nos cabe corrigir.
Findo o exame de consciência, ponto por ponto, veremos que Podemos, porém, utilizar o julgamento de outros, pelo fato de
entre todos os defeitos há um dominante, o qual define o tipo de ser ele o mais apto a nos mostrar quais são os nossos defeitos, a
cada indivíduo. Ele pode ser o avarento, o sensual, o egoísta, o fim de conhecermos melhor a nós mesmos. Os olhos alheios,
dilapidador, o violento, o hipócrita etc. Cada um destes tipos é sendo feitos de rivalidade, são mais agudos do que os nossos,
exposto aos perigos ligados ao seu defeito. Daí a necessidade de que, pelo contrário, são levados a ver as nossas virtudes e a es-
se pôr em guarda, colocando bem em foco e vigiando seu defeito, conder os nossos defeitos.
para que ele não o leve a cometer os respectivos erros. Dado o O tipo contrário indica o nosso defeito porque ele não o
seu tipo, é natural que cada um tenda a lançar a trajetória de sua tem, de modo que isto não o atinge, pois vive em outra dimen-
vida ao longo de uma rota assinalada por excessos naquela dire- são, não sendo nosso rival. É por isso que, para nós, ele serve
ção, sendo, portanto, natural que cometa erros daquele gênero. como exemplo de um indivíduo íntegro. O tipo similar a nós,
Entende-se assim por que os indivíduos têm necessidade de encontrando-se no mesmo nível de comportamento e cometen-
se controlar, especialmente naqueles pontos fracos, perigosos do os mesmos erros, não nos indica o nosso defeito, porque ele
para eles. Compreende-se a necessidade de não entrar naqueles também o tem e, se nos acusasse, estaria acusando a si mesmo.
260 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi
O termo de comparação com que nos medimos a nós mes- receber dela um tratamento favorável. A inconveniência do sis-
mos no exame de consciência não é dado por uma lista de man- tema oposto salta aos olhos, tão logo se consegue compreender.
damentos ou um código de leis, mas sim pelo resultado de nos- De fato, dado que a Lei não permite a violação da justiça, quem
so comportamento, ou seja, por um fato concreto, que, para tenta evadir-se dela acaba tendo de fazer, não espontaneamente,
quem conhece a técnica funcional da Lei, é previsível ainda an- mas à força de golpes dolorosos, tudo aquilo que o aguarda.
tes do lançamento, conforme o tipo da trajetória que for esco- Com o sistema da honestidade, faz-se o devido trabalho somen-
lhida. Mas este conhecimento, além de ser obtido por um cálcu- te uma vez. Com o sistema do engano, tem-se primeiro a fadiga
lo teórico, pode nos vir, como já foi mencionado, pela observa- de realizar a construção errada, para assistir depois o seu des-
ção de como a Lei, em dadas circunstâncias, tem funcionado moronamento, porque ela não se sustém, tendo-se ao fim de re-
em relação ao comportamento de outros. Muita gente viveu an- fazer tudo de novo, no sentido oposto e à força.
tes de nós, então basta observar como a Lei funcionou para O exame de consciência serve para adquirir conhecimento
eles. Todos nós sabemos mais ou menos como vão terminar dos erros e das futuras consequências. Então, perguntando-nos
certas atitudes. Devemos, então, evitar assumi-las, se não qui- o que estamos fazendo a cada momento, devemos examinar
sermos que a mesma coisa aconteça conosco, porque sabemos ato por ato, verificando, assim, se ele corresponde à retidão. O
que naquelas condições isto acontece. exame nos põe na presença da Lei, permitindo-nos ver se o tri-
Este exame preventivo de consciência não é, portanto, um lho sobre o qual nos colocamos nos leva para o bem ou nos le-
quebra-cabeça inútil. Nós não somos moralistas. Falamos em va para o mal. No passado, vivia-se na ilusão de que, à força
termos utilitários. Quando soubermos, com base em um correto de astúcia, era possível, depois de se ter cometido o erro, esca-
exame de consciência, lançar a trajetória de um caso ou de uma par-se às lições da dor. Acreditava-se que fosse possível esca-
vida, tomando uma rota positiva, ao invés de uma rota negativa, par sem pagar. Isso, sem dúvida, era muito cômodo. Mas,
que nos obrigará a sofrer as consequências danosas, a vantagem quando se conhece a Lei, vê-se que tal injustiça só é possível
será toda nossa. Poderemos então ter uma vida planificada, sem no cérebro de quem não compreende. Isto não significa que
golpes ou dores, porque nos moveremos na direção correta. não se saiba fazer aquele jogo, mas sim que se procura evitá-
Além disso, se as coisas andarem mal ao longo do caminho, lo, porque se vê que ele não convém.
será possível, com o nosso conhecimento do mecanismo da Lei Para melhor nos convencermos disso, condição fundamental
e da técnica da intervenção, fazer a cada passo um exame de para o nosso bem, devemos observar como este problema foi
consciência, o qual nos permitirá perceber os erros cometidos resolvido no passado. Tentou-se fazê-lo de uma forma diferente
no lançamento da trajetória e nos indicará os meios para corri- daquela apresentada aqui, fato que se explica, quando analisa-
gir a mesma. Logicamente, se conseguirmos endireitar assim a mos a razão de sua gênese. Naquela época, o homem estava
rota errada, muitas das dificuldades que lhe são consequentes preso a seus instintos, e o que mais o premia era satisfazê-los.
deverão desaparecer. Tudo isso conduz a um modo de viver Ele não levava em conta as consequências, porque ignorava a
menos doloroso do que aquele do passado. Esta correção da ro- técnica usada pela Lei ao ensinar. Então continuava impassível
ta errada é como uma redenção dos males que nos agravavam. a errar e a pagar, jogo este que, para muitos, ainda continua.
Se aquilo que nos desviava era um defeito, uma vez libertados É certo que o homem tentava resolver o problema, mas, em
dele, ficamos livres também das suas consequências. sua imaturidade, não o conseguia. Desta tentativa falida nasceu
Certamente, este é um modo de viver mais difícil, que per- a filosofia da aceitação resignada. Podemos, dessa forma, ex-
mite menos loucuras. Quando o aluno passa para a universida- plicar a presença de uma psicologia tão antivital, na qual o pro-
de, deve saber estudar por si mesmo, sem a orientação do mes- blema, em vez de ser resolvido, complica-se com um terceiro
tre, encontrando um ambiente mais intelectual. Também acon- termo, que se acrescenta aos outros dois já mencionados, de
tece assim com o exame de consciência, que dá mais liberdade modo que, em vez do binômio erro-dor, chega-se ao trinômio
e mais responsabilidade. Encontrar-se sozinho perante a própria erro-dor-resignação.
consciência é diferente de encontrar-se perante um juiz humano É interessante analisar este processo psicológico. A dor exis-
ou um código de leis. Com isso, passa-se de uma disciplina ex- tia, e não se sabia como eliminá-la. Então, não se sabendo como
terior a outra, mais exata e completa, que penetra fundo até às resolver o problema, procurou-se fugir dele, tomando-se uma via
raízes do fenômeno, alcançando o nível da motivação. Chega- lateral, que é uma tentativa de evasão não bem sucedida, na qual
se assim a uma disciplina que, pelo fato de estar dentro de nós, a dor permanece, mas o indivíduo adapta-se a ela, estabelecendo
ligando-nos ao nosso íntimo, não podemos enganar. um regime de convivência pacífica. No fundo, ela é aceita, do-
Esta interioridade da disciplina, que chega até à substância mesticada e justificada pelas filosofias sobrepostas, que procu-
de nossa conduta, corta pela raiz o sistema de escapatórias, com ram transfigurá-la, em vista da finalidade a ser alcançada por
o qual se procura burlar a Lei. Colocamo-nos então diante dela, meio dela mesma. Chega-se então quase a santificá-la, elevando-
em posição de retidão, e não de fuga, direcionados no sentido a a virtude. Assim, submetendo a dor a um processo de super-
positivo, e não às avessas, no sentido negativo. Isso significa humanização e idealização, procura-se destruir-lhe a virulência.
afinidade para ser ajudado, e não confronto para ser golpeado. O resultado disso é um compromisso, um acordo tácito entre
Vê-se como é loucura seguir este segundo método, tão desvan- o homem e a dor, pelo qual o primeiro diz à segunda: “Aceito-te
tajoso. Por isso explicamos aqui a função do exame de consci- e chego mesmo a te abraçar, porque tu me purificas e me salvas,
ência, através do qual nos podemos mover segundo a Lei. mas enquanto te deixo nascer e crescer como queres, eu conti-
É evidente que a finalidade deste exame é evitar a lição nuo a satisfazer meus desejos. Este acordo é conveniente tanto
dolorosa que se segue ao erro. Trata-se de uma aprendizagem para mim, que quero viver a meu modo, como para a Lei, que
para alunos inteligentes, que sabem raciocinar e entender, e quer ensinar-me a viver de outro”. O resultado deste sistema é
não para alunos que procedem como asnos, aprendendo só à que o homem tende a tornar sempre mais teórica a segunda parte
força de chicotadas. O fato é que todos temos de aprender, e do compromisso, para viver de fato a primeira. Em suma, ele
disto ninguém pode escapar. As evasões de nada adiantam. continua a aplicar seu sistema de astúcia também diante da Lei.
Assim, se não aprendermos de um modo, aprenderemos de Mas, como pode ele agir de outra maneira, se, naquele nível
outro, o que se torna tanto mais inaceitável, quanto mais o evolutivo, este é o seu tipo de vida? Deste modo, tudo se explica
homem evolui e compreende. e tem sua razão de ser. Justifica-se, assim, a razão pela qual, na
O exame de consciência se torna o passo inicial e decisivo Terra, o elevado ideal serve frequentemente de cobertura para
na aplicação do sistema positivo da retidão, segundo a Lei, para esconder outra realidade, que é a realmente vivida.
Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 261
Construiu-se assim toda uma filosofia religiosa, que che- rente às raízes das coisas, que se esconde e foge às pesquisas.
gou ao ponto de considerar a vida terrena como uma pena a Silenciosa e invisível, ela penetra tudo e dirige tudo de dentro,
suportar, em vista da vida verdadeira no além. A primeira não estabelecendo nosso êxito ou nossos fracassos. Tê-la a nosso fa-
seria então mais do que uma prova temporária, um teste para vor significa ser o mais poderoso entre os poderosos da Terra.
decidir a segunda, eterna e definitiva. Agora, porém, devemos Quem a tem contra si, mesmo que seja o rei do mundo, está per-
admitir que, se Deus criou a vida terrena, ela deve ter uma fun- dido. Quem compreendeu a Lei, descobriu e adquiriu uma po-
ção e um desenvolvimento próprios, não sendo razoável en- tência nova, que o mundo não conhece. É no funcionamento da
tendê-la somente como condicionamento para uma única vida Lei que se encontra a explicação e a justificação de todos even-
real depois da morte. Sua função é ser uma escola, portanto tos humanos. Quantos colossos desmoronaram, cegados pelo
aqueles que se retiravam para o deserto eram alunos que fugi- próprio orgulho, porque acreditavam saber e poder tudo! E
am da escola e perdiam a ocasião de aprender. quantos, em sua inconsciência, ainda brincam com estas forças
Trata-se, todavia, de distorções mentais que não podem ser tremendas, sem compreender para onde elas os arrastarão!
condenadas, quando se pensa que foram geradas num estado Estamos chegando ao término deste livro, e o leitor poderá
de desesperação, ao qual estava reduzida a vida na Idade Mé- nos perguntar qual a finalidade que tínhamos prefixado para ele.
dia. E não se pode culpar as religiões de terem criado esta psi- Nós não imitamos aquelas potências que, para seu próprio ex-
cologia, porque elas apenas a secundaram, para servir de con- pansionismo, tentam impor a sua ordem, tornando-se o centro
forto. É necessário também distinguir os tipos de dor. Para dela e preparando-se para colidir com outros centros, a fim de
aquela dor merecida e recebida, tratando-se, portanto, de um vencê-los. Se assim fosse, seria necessário estar armado, porque
mal agora inevitável, a filosofia da aceitação e da dor-virtude se trata de egocentrismos rivais, cada um dos quais quer domi-
é ótima coisa. Então a dor é aceita porque é benéfica, consis- nar os outros. Na Terra, ainda se vive num regime de luta, e o
tindo num pagamento de débitos já contraídos, fazendo o pa- método aí vigente para estabelecer uma ordem é o do vencedor.
pel do hospital para os doentes. Mas tal sistema se torna ab- Nossa posição é completamente diversa. Não queremos im-
surdo para os masoquistas saudáveis, que devem trabalhar. É por coisa alguma, nem conquistar ninguém. Fazemos apenas
antivital procurar a dor sem uma razão, é loucura sustentar uma constatação e a apresentamos ao leitor, de onde se conclui
que o sofrimento, assim compreendido, seja virtude. que as qualidades atuantes em nosso caso divergem profunda-
Em outros livros temos sustentado o valor da dor e a sua po- mente das citadas acima. Nós simplesmente constatamos que há
tência para libertar do mal. Embora, aqui, pareça que dizemos o uma ordem divina universal, à qual ninguém pode escapar.
contrário, podemos confirmar que a dor é um meio de reden- Descrevemos seus princípios diretivos, seu funcionamento e
ção, porque ela é a chibata que nos ensina a não cometer mais o sua férrea disciplina, explicando que eles não violentam aquelas
erro. É certo que, neste caso, a dor é benéfica e positiva, porque ordens humanas, respeitando e deixando o homem livre para
nos salva. Mas, na escola da vida, ela representa o método duro desobedecer conforme desejar.
e o caminho longo. Ora, queremos ressaltar que há também o Afirmamos, porém, que os fatos nos autorizam a crer que
caminho curto, através do método da compreensão, no qual se hoje estamos nos aproximando de um momento crítico de satu-
aprende sem chicotadas. Então, em vez de sofrer, chega-se à ração, no qual seremos obrigados a fazer uma opção, de modo
compreensão refletindo, o que é muito mais conveniente. que ou o homem compreende esta ordem e consegue enqua-
Vamos insistir, agora, nesta senda. No caso do método duro drar-se nela, ou ele acabará se matando com suas próprias
e do caminho longo, a filosofia da resignação pode ser útil, mãos. É isto o que vemos escrito somente na lógica dos fatos.
porque então o mal já está feito e a dor é inevitável. Tal filoso-
fia é sempre um conforto e uma esperança. Isso significa que é CONCLUSÃO
muito mais fácil ter de suportar a dor, quando sabemos que nós
lhe semeamos as causas. Esta é a tese que o presente livro de- O problema com o qual nos defrontamos neste livro foi o de
seja demonstrar. De outra maneira, continuaremos a nos con- provar a importância de sabermos dirigir-nos dentro do funcio-
fortar com a esperança de outra vida e a sofrer as consequên- namento da Lei, sem bater a cada passo a cabeça contra ela, pro-
cias do mal realizado, justificando-as com o argumento de que longando o sofrimento. Não há razão para que o problema da
a vida é feita para sofrer. dor, quando se detectam as causas e se compreende a técnica das
Hoje a febre de criação motivada pelo momento histórico suas origens, seja insolúvel. Agora sabemos que há uma ordem,
não tolera mais aquelas posições de resignação preguiçosa, pos- à qual chamamos Lei, e que, quando a violamos, geramos com
síveis apenas em períodos de inércia. Vive-se atualmente na isso a dor. Então basta não violarmos aquela ordem, para que a
expectativa do trabalho da evolução. A humanidade deve cons- dor não surja. A civilização e a ciência vão eliminando cada vez
truir agora um mundo novo, e as virtudes do passado se fazem mais as causas próximas, mas ainda não penetraram até às cau-
cada vez mais anacrônicas. Estão surgindo novas virtudes, de sas profundas, que permanecem. E vemos de fato que o homem,
outro tipo. Hoje não se permanece na periferia dos problemas, com seus loucos métodos de vida, é ativíssimo em semeá-las.
mas procura-se resolvê-los. Compreende-se quanto custa fazer Ora, tudo isso está claro, e qualquer um poderá utilizar este
o mal e que loucura é fazê-lo. Entendemos quão sutis e podero- conhecimento. O problema que nos propomos aqui é outro, e con-
sas são as forças que colocamos em movimento com nossa siste em encontrar o homem psicologicamente maduro para saber
conduta, e quão necessário é saber manejá-las de acordo com a autodirigir-se como aqui explicamos. Este livro seria uma vã dis-
Lei. Por isso explicamos as vantagens do método da retidão e sertação filosófica, se não fosse feito para ser vivido. Mas viver
os danos do método do engano. Dissemos acima que aceitar essa nova proposta pressupõe uma consciência e um senso de res-
uma disciplina segundo a Lei é menos fatigante do que pagar ponsabilidade não comum à massa. Assim foi no passado. Porém
depois à Lei a desordem efetuada contra ela. É questão de con- já vislumbramos hoje um fato novo, que se faz cada dia mais evi-
veniência, tratando-se de um cálculo utilitário. Para quem co- dente. Tudo está transformando-se rapidamente, com um progres-
nhece a Lei e, portanto, as consequências da sua conduta, dá so sem precedentes em todos os campos. O atual momento histó-
medo ser desonesto. É preciso uma boa dose de inconsciência rico representa um salto à frente ao longo da linha da evolução,
para se fazer o mal e permanecer tranquilo. transformando a nossa vida, que é elevada a um nível biológico
Em suas vicissitudes, o homem intuiu a presença da Lei, mais avançado. Com isso, o homem está rapidamente amadure-
mas, não sabendo decifrá-la, chamou-a de imponderável, dei- cendo para chegar a compreender e se preparar para assumir uma
xando-a no estado de incógnita. Trata-se de uma força sutil, ade- nova forma mental, a fim de conceber e agir diferentemente.
262 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi
Estamos convictos de que, em 1971, estaremos entrando rentes à própria posição de violador da ordem. E vimos como
num período febril de três décadas, que desembocará no Tercei- isto acontece. Tal sistema é um dano, e não uma vantagem,
ro Milênio, tendo amadurecido e fazendo entrar nele um ho- consistindo num método de tolos, que se autoflagelam com
mem diferente. Certamente existe e existirá ainda uma parte uma fábrica de sofrimentos, para cuja produção trabalham sem
atrasada, que não pode compreender, mas torna-se cada vez descanso. É difícil imaginar tamanha loucura!
maior a parte que o pode. E é a esta parte, formada sobretudo A transformação que se verifica hoje se deve ao fato de se
pela nova geração, que nos dirigimos. Pelo modo como ela en- ter compreendido que se comportar de tal modo é loucura. An-
frenta os novos problemas, já se vê que os quer resolver. Ela tes não se era maduro para se ver isto, nem para se reagir. Uma
representa uma corrente da vida, e nós nos inserimos nela. Nes- inteligência e sensibilidade menos desenvolvidas nos permitiam
te momento, é claro que o velho passado não satisfaz. Há uma jazer em um estado de inércia e resignação. Hoje, porém, che-
necessidade de renovação e uma procura de orientação, e aqui gamos num ponto em que o peso das consequências dos erros
está uma oferta. Os dois termos não podem deixar de se encon- tornou-se maior, e não só a paciência, mas também a margem
trar. Se a vida faz nascer neste momento esta ideia, isso signifi- para suportá-lo, tornaram-se menores. Chegamos assim a um
ca que ela deverá servir para alguma coisa. grau de saturação tal, que o sistema do passado não é mais tole-
Como se realiza este amadurecimento? O universo é dirigi- rável, fazendo o copo transbordar. O mundo está cansado de so-
do por muitas leis. O homem vê apenas aquilo que seus olhos, frer e busca um sistema mais inteligente, no qual a dor possa
definidos por um determinado grau de evolução, são capazes de ser evitada, procurando qualquer coisa de claro, de limpo, que
ver. Ora, os olhos do homem do passado não estavam bastante não o leve a tantas dificuldades. O homem começa a se aperce-
desenvolvidos para ver a ordem com a qual aquelas leis regem ber que, se os seus resultados dos velhos métodos são assim tão
tudo. Imaginaram-na, intuíram-na, mas não a viram e não a desastrosos, deve haver neles algo de errado. Ele quer descobrir
analisaram. Então a verdadeira convicção que dirigia a conduta o erro e corrigi-lo. Trata-se então de localizá-los, para encontrar
daquele homem era de que se vivia no caos. Ele acreditava que o modo de não mais cometê-los e, assim, não ter de arcar com o
não havia ordem alguma, a não ser aquela imposta ao indivíduo pagamento dos prejuízos correspondentes.
com as próprias forças, em um mundo feito de lutas. Que esta Ora, para não cometer erros, é necessário permanecer na or-
era a verdadeira convicção provava-o seu modo de comportar- dem, e isto exige disciplina. Hoje, no entanto, arrisca-se pelo
se. As solenes afirmações morais das filosofias e das teologias contrário cometer um erro ainda mais grave, entendendo que a
eram postas bem à mostra, no posto de honra, mas não eram libertação do passado significa ficar livre de qualquer disciplina.
aplicadas à realidade cotidiana. A filosofia verdadeiramente vi- Busca-se assim uma liberdade que leva ao caos. Mas uma liber-
vida era a da força para dominar e da astúcia para enganar. Isto, dade entendida no sentido de poder fazer aquilo que eu quiser,
de fato, era o que realmente acontecia. Com as aparências, pro- até mesmo cometer abusos em prejuízo de outros, significa em
curava-se esconder esta realidade, na qual verdadeiramente se contrapartida uma liberdade na qual todos podem fazer aquilo
acreditava. E era natural que assim fosse, pois aquela era a rea- que quiserem, até mesmo cometerem abusos em meu prejuízo.
lidade que o homem via com seus próprios olhos. Então se acaba toda a garantia de segurança e a vida torna-se um
Acontece, porém, pelas leis da vida, que ele, chegando a um estado de guerra contínua, de todos contra todos. É certo que a
determinado grau de evolução, constrói outro tipo de olhos, que disciplina me pesa, mas, se eu me liberto deste peso, libertam-se
veem mais profundamente. Isto significa que se desenvolve no dele também os outros, pois, se me permito todas as liberdades
homem um grau de inteligência mais avançado, capaz de en- em minha vantagem e dano para os outros, todos procedem de
tender aquilo que ele não compreendia antes. É assim que lhe igual modo em meu prejuízo. A disciplina que parece sufocar a
aparece na mente a visão da ordem estabelecida pela Lei, a qual minha expansão vital é justamente minha única defesa contra o
certamente já existia e funcionava, mas não era percebida, por- assalto da expansão vital dos outros. A disciplina me tolhe dian-
que no homem ainda não se havia formado a visão intelectual te dos outros, mas também tolhe os outros diante de mim.
necessária para enxergá-la. Na Lei, o princípio de disciplina é tão rígido, que chega ao
Hoje isto começa a ser possível, e os sintomas são evidentes. ponto de não poder perdoar a minha culpa em relação aos ou-
É difícil fazer-se uma ideia da grandeza de tal revolução em fun- tros, porque, se o fizesse, ela, por justiça, deveria perdoar tam-
ção de suas consequências. Há uma total mudança dos funda- bém a culpa dos outros em relação a mim. Isso formaria um re-
mentos, com uma nova filosofia diretora da própria conduta. Eis gime de desordem sem qualquer segurança, no qual o abuso não
então o que acontece. O homem passa a ver a realidade mais pro- seria corrigido e a impunidade tornaria a vida uma escola do
funda, que antes lhe escapava, e assim compreende que vive em mal. A Lei nos mostra que a desordem é o maior mal possível.
um regime de ordem, e não de caos. Então este homem compre- Conclui-se então que, na compreensão deste fenômeno, está o
ende o que é errado e não comete mais o erro, porque faz o se- ponto para o qual deve tender a atual experiência de liberdade,
guinte raciocínio: “Se vivemos em um regime de ordem, e não de como se fosse o remédio do passado e o novo método a seguir.
caos, e se quem dirige os eventos não sou eu, impondo-me à for- É certo, porém, que a evolução quer avançar em direção à
ça, mas sim uma Lei inteligente e justa, então o meu sistema de liberdade, mas isso em outro sentido. Tal liberdade deve signi-
querer eu mesmo dominar serve para violar esta ordem, e não pa- ficar a abolição da servidão à autoridade, que os interessados
ra me fazer vencer, de modo que, sendo ela é muito mais podero- em sua própria vantagem impões sobre seus respectivos depen-
sa do que eu, em vez de vencê-la, sou vencido por ela. Então o dentes. Mas, paralelamente, deve significar também a formação
único resultado que atingirei será ter de suportar em forma de dor de um senso de responsabilidade, pelo qual o homem se sujeita
os efeitos das ofensas que provoquei naquela ordem”. livremente a uma disciplina interior própria, que ele impões a si
Olhando-se bem, este raciocínio não é infundado, porque a mesmo, fazendo-se, assim, o construtor e o senhor daquela or-
permanência da dor na vida é um fato de fácil constatação, que dem que, antes, ele devia acatar pela vontade de outros. Só as-
não se pode explicar racionalmente, senão como o efeito de sim é possível obter a tão cobiçada liberdade em nossos dias,
uma contínua repetição de erros, que representam sua causa. Se sem cair no caos, sendo este o maior perigo que ameaça quem
não se admitisse isso, seria necessário admitir um Deus malva- impensadamente procura hoje a liberdade de abusar, em vez de
do, que criou os seres para fazê-los sofrer. uma liberdade feita de disciplina e responsabilidade.
E o raciocínio continua. Vencer quando se é forte e astuto, Infelizmente, porém, ainda domina hoje o velho conceito de
indo contra a Lei, que por sua vez é justiça, não é vencer, mas liberdade, entendida como libertação de um estado de servidão,
sim perder, porque significa atrair sobre si as dificuldades ine- não estando consolidado ainda o novo conceito, de liberdade
Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 263
como autodisciplina segundo a Lei. Isso se deve ao fato de que os efeitos que devemos suportar hoje, como consequência do
o primeiro modo de entender a vida é próprio do nível evoluti- passado. A eles explicamos neste livro o problema, porque es-
vo inferior, no qual vigora o princípio da luta pela vida, sendo tão em condição de compreender. Trata-se de implantar a vida
este o nível em que o homem ainda está em parte situado, en- sobre um regime novo. Em relação ao passado, o que foi feito,
quanto o segundo modo é próprio do nível evolutivo mais alto, está feito. Aqui se trata do futuro. Se os jovens souberem plan-
no qual vigora o princípio da ordem da Lei, sendo este o nível tar uma boa árvore, a humanidade futura não se encontrará do-
que somente hoje o homem está prestes a atingir. Não se pode minada por ervas daninhas como a atual. Porém, se eles come-
realmente chegar à liberdade senão quando o indivíduo, em terem novos erros, terão de pagá-los. A seu tempo, a velha ge-
substituição à disciplina que lhe é imposta por um amo, conse- ração fez o seu trabalho, pertencendo agora à nova a oportuni-
gue seguir a disciplina que lhe é imposta por si mesmo. Quem dade de construir um mundo novo.
não sabe fazer isto cai fatalmente no caos, condição suficiente Cabe à geração atual dar o salto à frente. Trata-se de um
para atrair outro senhor que o domine e, assim, restabeleça a momento crítico, de grande importância, mas perigoso. Até
ordem. A liberdade em demasia leva à perda da mesma, conse- agora, a disciplina tem sido imposta por uma autoridade, e te-
quência de uma lei fatal da vida. mos visto o quanto procuramos desvencilhar-nos de ambos.
A humanidade já tende a se constituir em um estado orgâni- Ver-se-á que há uma disciplina férrea em todas as coisas, por-
co de cooperação. Em tal regime social, que se dirige cada vez que elas estão contidas na Lei, que dirige o movimento de tudo.
mais para a coletivização das funções, o separatismo e a falta de Antigamente, para persuadir, bastavam as lendas. As afirma-
disciplina se tornam contraproducentes, devendo-se eliminá-los ções não comprovadas eram aceitas por sugestão. Hoje o jogo
como um mal social. Hoje a evolução pressiona, forçando o psicológico do subconsciente, ao qual se obedecia, foi desmon-
homem a entrar neste novo regime de vida. Então a psicologia tado. Tudo é submetido a controle racional, distinguindo-se o
de luta, com base no individualismo egoísta, é substituída pela que se conhece do que se desconhece, pois, quando se sabe, sa-
psicologia de disciplina, para viver segundo a Lei. Tal trans- be-se de verdade, sem ficar mais no mundo da fantasia.
formação atinge as raízes do problema biológico fundamental: O amadurecimento é vertiginoso, e o salto é arriscado. Tra-
a sobrevivência. E este é de fato o problema mais importante a ta-se de uma mudança evolutiva para uma civilização mais ele-
resolver, sendo que, para atingir essa finalidade, é preciso pos- vada. Porém somos otimistas. O movimento é revolucionário,
suir uma arma de defesa. Como já dissemos, estas armas eram mas, se a vida o lança, isso é porque ele é destinado a se reali-
no passado a força e a astúcia. O homem tem medo de abando- zar. Se ela propôs este trabalho hoje, e não antes, isso significa
ná-las, sentindo-se inseguro em fazê-lo, pois sabe que vive em que ele lhe serve e que é possível executá-lo. A vida é uma sé-
um regime de luta, razão pela qual ele também demora em ado- rie de provas, feitas para serem superadas. Isso é demonstrado
tar o método da retidão. Os dois termos do problema, relativos pelo nível de evolução já atingido. É certo que o homem deverá
às duas posições, estão frente a frente: ou assumir como base a sofrer a sua fadiga, mas a vida colabora com ele, como em um
própria força para impor-se e dominar no caos, ou basear-se, trabalho de equipe, porque ela quer sobretudo vencer, realizan-
pelo contrário, na retidão, vivendo na ordem, segundo a Lei. O do seus planos por meio dele. Uma vez, porém, que a vida é
homem tarda em compreender que a segunda arma é mais po- econômica e utilitária, ela orienta o processo, para que não haja
tente e segura. Mas trata-se de uma técnica muito diferente da desperdício inútil do trabalho. E há neste caso uma fadiga ainda
outra, para que possa ser compreendida e aplicada de súbito. maior, que não pode ser desperdiçada. Trata-se do esforço rea-
Não mais força e astúcia, mas retidão. Tudo muda então. A lizado pelo homem para chegar a produzir o precioso fruto que
própria posição de segurança não é mais encontrada no poder é o seu atual nível evolutivo. Ora, ainda que a experiência atual
individual, mas sim na Lei. Eis aí o fato novo. Parece incrível pareça colocar em perigo uma tão grande construção, se hoje a
que a retidão possa ser uma força defensiva que assegura a so- vida propôs esta experiência, isso quer dizer que o momento é
brevivência. É assim que o homem justo se torna invulnerável apropriado e que há uma boa probabilidade de sucesso. Tais
aos ataques inimigos, porque não pode ser ferido, se não o me- movimentos não são obra do acaso, nem uma improvisação,
recer. Vive-se então uma vida baseada sobre outros princípios. mas sim movimentos preparados há séculos, através do amadu-
Compreende-se quanto era errado o método do passado. Mas recimento de todos os elementos necessários, com um trabalho
como poderia compreender isso quem estava naquele nível e proporcional à importância do acontecimento.
não tinha olhos para ver mais além? Arruinava-se, mas não via. Com este livro, aproximamo-nos de um mundo novo, que
Procedeu-se sempre assim, e a dor permaneceu fiel companhei- está à nossa espera. Olhando esse mundo, temos a impressão de
ra do homem, até que ele terminou por considerá-la um mal ne- avançar sobre um continente inexplorado, descobrindo vales,
cessário, desenvolvendo a virtude da resignação, para se adap- rios e montes. Ainda estamos apenas na costa. Que haverá mais
tar a ela, em vez de descobrir-lhe a causa, para suprimi-la. longe, no seu interior? Temos percorrido muitos caminhos atra-
Hoje o mundo se acha carregado de dificuldades, sendo es- vés de outras terras, a fim de podermos empreender agora a ex-
tas a consequência daquilo que, com tais métodos, foi semea- ploração desta nova terra, que se apresenta tão vasta. Não pre-
do no passado. A realidade é dura, por causa dos efeitos dolo- tendemos ter visto senão uma pequena orla, buscando mostrá-la
rosos, mas é fatal, pois, quando semeamos as causas, a Lei a quem ainda queira avançar por caminhos inexplorados, sob
não admite escapatória orientação da Lei, para aprofundar seu conhecimento.
Então, se falamos tudo isso aqui, é porque nos dirigimos à
nova geração, para que ela, observando os fatos e compreen-
dendo a lição, não caia no mesmo erro. Os jovens se encontram FIM
em fase de semeadura, estando, portanto, em condições de evi-
tar os precedentes com os quais nós, os mais velhos, geramos
O MISSIONÁRIO
Vida e Obra de Na primeira semana de setembro de 1931, depois da grande decisão fran-
ciscana, Cristo novamente lhe apareceu e, desta vez, acompanhado de São

Pietro Ubaldi Francisco de Assis. Um à direita e outro à esquerda, fizeram companhia a Pie-
tro Ubaldi durante vinte minutos, em sua caminhada matinal, na estrada de
Colle Umberto. Estava, portanto, confirmada sua posição.
Em 25 de dezembro de 1931, chegou-lhe de improviso a primeira mensa-
(Sinopse) gem, a Mensagem de Natal. Por intuição ele sentiu: estava aí o início de sua
missão. Outras Mensagens surgiram em novas oportunidades. Todas com a
mesma linguagem e conteúdo divino.
O HOMEM No verão de 1932, começou a escrever A Grande Síntese, a qual só termi-
nou em 23 de agosto de 1935, às 23h00min horas (local). Esse livro, com cem
Pietro Ubaldi, filho de Sante Ubaldi e Lavínia Alleori Ubaldi, nasceu em capítulos, escrito em quatro verões sucessivos, foi traduzido para vários idio-
18 de agosto de 1886, às 20:30 horas (local). Ele escolheu os pais e a cidade mas. Somente no Brasil, já alcançou quinze edições. Grandes escritores do
onde iria nascer, Foligno, Província de Perúgia (capital da Úmbria). Foligno fi- mundo inteiro opinaram favoravelmente sobre A Grande Síntese. Ainda outros
ca situada a 18 km de Assis, cidade natal de São Francisco de Assis. Até hoje, compêndios, verdadeiros mananciais de sabedoria cristã, surgiram nos anos se-
as cidades franciscanas guardam o mesmo misticismo legado à Terra pelo guintes, completando os dez volumes escritos na Itália:
grande poverelo de Assis, que viveu para Cristo, renunciando os bens materiais 01) Grandes Mensagens
e os prazeres deste mundo. 02) A Grande Síntese - Síntese e Solução dos Problemas da Ciência e do Espírito
Pietro Ubaldi sentiu desde a sua infância uma poderosa inclinação pelo
03) As Noúres - Técnica e Recepção das Correntes de Pensamento
franciscanismo e pela Boa Nova de Cristo. Não foi compreendido, nem poderia
sê-lo, porque seus pais viviam felizes com a riqueza e com o conforto proporci- 04) Ascese Mística
onado por ela. A Sra. Lavínia era descendente da nobreza italiana, única herdei- 05) História de Um Homem
ra do título e de uma enorme fortuna, inclusive do Palácio Alleori Ubaldi. As- 06) Fragmentos de Pensamento e de Paixão
sim, Pietro Alleori Ubaldi foi educado com os rigores de uma vida palaciana. 07) A Nova Civilização do Terceiro Milênio
Não pode ser fácil a um legítimo franciscano viver num palácio. Naturalmen- 08) Problemas do Futuro
te, ele sentiu-se deslocado naquele ambiente, expatriado de seu mundo espiritual. 09) Ascensões Humanas
A disciplina no palácio, ele aceitou-a facilmente. Todos deveriam seguir a orien- 10) Deus e Universo
tação dos pais e obedecer-lhes em tudo, até na religião. Tinham de ser católicos
Com este último livro, Pietro Ubaldi completou sua visão teológica, além
praticantes dos atos religiosos, realizados na capela da Imaculada Conceição, no
de profundos ensinamentos no campo da ciência e da filosofia. A Grande Sínte-
interior do palácio. Pietro Ubaldi foi sempre obediente aos pais, aos professores, à
se e Deus e Universo formam um tratado teológico completo, que se encontra
família e, em sua vida missionária, a Cristo. Nem todas as obrigações palacianas
ampliado, esclarecido mais pormenorizadamente, em outros volumes escritos
lhe agradavam, mas ele as cumpriu até à sua total libertação. A primeira liberdade
na Itália e no Brasil, a segunda pátria de Ubaldi.
se deu aos cinco anos, quando solicitou de sua mãe que o mandasse à escola, e
O Brasil é a terra escolhida para ser o berço espiritual da nova civiliza-
aquela bondosa senhora atendeu o pedido do filho. A segunda liberdade, verdadei-
ção do Terceiro Milênio. Aqui vivem diferentes povos, irmanados, indepen-
ro desabrochamento espiritual, aconteceu no ginásio, ao ouvir do professor de ci-
dentes de raças ou religiões que professem. Ora, Pietro Ubaldi exerceu um
ência a palavra “evolução”. Outra grande liberdade para o seu espírito foi com a
ministério imparcial e universal, e nenhum país seria tão adaptado à sua mis-
leitura de livros sobre a imortalidade da alma e reencarnação, tornando-se reen-
são quanto a nossa pátria. Por isso o destino quis trazê-lo para cá e aqui com-
carnacionista aos vinte e seis anos. Daí por diante, os dois mundos, material e es-
pletar sua tarefa missionária.
piritual, começaram a fundir-se num só. A vida na Terra não poderia ter outra fi-
Nesta terra do Cruzeiro do Sul, ele esteve em 1951 e realizou dezenas de
nalidade, além daquelas de servir a Cristo e ser útil aos homens.
conferências de Norte a Sul, de Leste a Oeste. Em oito de dezembro do ano se-
Pietro Ubaldi formou-se em Direito (profissão escolhida pelos pais, mas ja-
guinte, desembarcaram, no porto de Santos, Pietro Ubaldi acompanhado da es-
mais exercida por ele) e Música (oferecimento, também, de seus genitores), fez-se
posa, filha e duas netas (Maria Antonieta e Maria Adelaide), atendendo a um
poliglota, autodidata, falando fluentemente inglês, francês, alemão, espanhol, por-
convite de amigos de São Paulo para vir morar neste imenso país. É oportuno
tuguês e conhecendo bem o latim; mergulhou nas diferentes correntes filosóficas e
lembrar que Ubaldi renunciou aos bens materiais, mas não aos deveres para
religiosas, destacando-se como um grande pensador cristão em pleno Século XX.
com a família, que se tornou pobre porque o administrador, primo de sua espo-
Ele era um homem de uma cultura invejável, o que muito lhe facilitou o cumpri-
sa, dilapidou toda a riqueza entregue a ele para gerencia-la.
mento da missão. A sua tese de formatura na Universidade de Roma foi sobre A
Em 1953, Pietro Ubaldi retornou à sua missão apostolar, continuou a re-
Emigração Transatlântica, Especialmente para o Brasil, muito elogiada pela ban-
cepção dos livros e recebeu a última Mensagem, Mensagem da Nova Era, em
ca examinadora e publicada num volume de 266 páginas pela Editora Ermano
São Vicente, no edifício “Iguaçu”, na Av. Manoel de Nóbrega, 686 – apto. 92.
Loescher Cia. Logo após a defesa dessa tese, o Sr. Sante Ubaldi lhe deu como
Dois anos depois, transferiu-se com a família para o Edifício “Nova Era” (coin-
prêmio uma viagem aos Estados Unidos, durante seis meses.
cidência, nada tem haver com a Mensagem escrita no edifício anterior), Praça
Pietro Ubaldi casou-se com vinte e cinco anos, a conselho dos pais, que es-
22 de janeiro, 531 – apto. 90. Em seu quarto, naquele apartamento, ele comple-
colheram para ele uma jovem rica e bonita, possuidora de muitas virtudes e fina
tou a sua missão. Escreveu em São Vicente a segunda parte da Obra, chamada
educação. Como recompensa pela aceitação da escolha, seu pai transferiu para
brasileira, porque escrita no Brasil, composta por:
o casal um patrimônio igual àquele trazido pela Senhora Maria Antonieta Sol-
11) Profecias
fanelli Ubaldi. Este era, agora, o nome da jovem esposa. O casamento não esta-
va nos planos de Ubaldi, somente justificável porque fazia parte de seu destino. 12) Comentários
Ele girava em torno de outros objetivos: o Evangelho e os ideais franciscanos. 13) Problemas Atuais
Mesmo assim, do casal Maria Antonieta e Pietro Ubaldi nasceram três filhos: 14) O Sistema - Gênese e Estrutura do Universo
Vicenzina (desencarnada aos dois anos de idade, em 1919), Franco (morto em 15) A Grande Batalha
1942, na Segunda Guerra Mundial) e Agnese (falecida em S. Paulo - 1975). 16 ) Evolução e Evangelho
Aos poucos, Pietro Ubaldi foi abandonando a riqueza, deixando-a por con- 17) A Lei de Deus
ta do administrador de confiança da família. Após dezesseis anos de enlace ma- 18) A Técnica Funcional da Lei de Deus
trimonial, em 1927, por ocasião da desencarnação de seu pai, ele fez o voto de
19) Queda e Salvação
pobreza, transferindo à família a parte dos bens que lhe pertencia. Aprovando
aquele gesto de amor ao Evangelho, Cristo lhe apareceu. Isso para ele foi a 20) Princípios de Uma Nova Ética
maior confirmação à atitude tão acertada. Em 1931, com 45 anos, Pietro Ubaldi 21) A Descida dos Ideais
assumiu uma nova postura, estarrecedora para seus familiares: a renúncia fran- 22) Um Destino Seguindo Cristo
ciscana. Daquele ano em diante, iria viver com o suor do seu rosto e renunciava 23) Pensamentos
todo o conforto proporcionado pela família e pela riqueza material existente. 24) Cristo
Fez concurso para professor de inglês, foi aprovado e nomeado para o Liceu São Vicente (SP), célula mater. do Brasil, foi a terceira cidade natal de Pie-
Tomaso Campailla, em Módica, Sicilia – região situada no extremo sul da Itália tro Ubaldi. Aquela cidade praiana tem um longo passado na história de nossa
– onde trabalhou somente um ano letivo. Em 1932 fez outro concurso e foi pátria, desde José de Anchieta e Manoel da Nóbrega até o autor de A Grande
transferido para a Escola Média Estadual Otaviano Nelli, em Gúbio, ao norte da Síntese, que viveu ali o seu último período de vinte anos. Pietro Ubaldi, o Men-
Itália, mais próximo da família. Nessa urbe, também franciscana, ele trabalhou sageiro de Cristo, previu o dia e o ano do término de sua Obra, Natal de 1971,
durante vinte anos e fez dela a sua segunda cidade natal, vivendo num quarto com dezesseis anos de antecedência. Ainda profetizou que sua morte acontece-
humilde de uma casa pequena e pobre (pensão do casal Norina-Alfredo Pagani ria logo depois dessa data. Tudo confirmado. Ele desencarnou no hospital São
– Rua del Flurne, 4), situada na encosta da montanha. José, quarto No 5, às 00h30min horas, em 29 de fevereiro de 1972. Saber quan-
A vida de Pietro teve quatro períodos distintos (v. livro Profecias – “Gêne- do vai morrer e esperar com alegria a chegada da irmã morte, é privilégio de
se da II Obra”): dos 5 aos 25 anos  formação; 25 aos 45 anos  maturação in- poucos... O arauto da nova civilização do espírito foi um homem privilegiado.
terior, espiritual, na dor; dos 45 aos 65 anos  Obra Italiana (produção concep- A leitura das obras de Pietro Ubaldi descortina outros horizontes para uma
tual); dos 65 aos 85 anos  Obra Brasileira (realização concreta da missão). nova concepção de vida.

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