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Apresentação...................................................8
Ambiente Jurídico..........................................14
Análise da ordem jurídica brasileira sob a
ótica do desenvolvimento..............................19
Direito e desenvolvimento no século XXI......25
Metodologia................................................... 34

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REALIZAÇÃO
Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial – ABDI
Reginaldo Braga Arcuri
Tânia Arantes
Adriana Diaféria
Marina Oliveira
Marcia Oleskovicz
Simone Zerbinato
Paulo Lacerda
Adriana Torres
Marcos Barros
Mécia Menescal
Paulo Lago

CO–PROMOÇÃO
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – MDIC
Secretaria de Comércio Exterior – CAMEX
Welber Barral
Lytha Spíndola
Carolina Bohrer 7
COMITÊ ORGANIZADOR:
Alexandre Leite (Universidade Católica de Brasília); Alexandre Steil (Confederação
Nacional da Indústria); Amélia Gabriel (CAMEX/MDIC); Ana Carolina Prata (Conselho
Nacional de Justiça); Antenor Madruga (Escritório de Advocacia Privado); Beto
Vasconcelos (Casa Civil); Carlos Américo Pacheco (Unicamp); Carlos Eduardo Caputo
Bastos (Ex-ministro do TSE); Flávia Santinoni (Senado Federal); Daniel Arbix (Ministério
da Justiça); Ivo Gico Jr. (Universidade Católica de Brasília); José Flavio Bianchi (Casa
Civil); Luciana Alves (Conselho Nacional de Justiça); Luciana Gross (Fundação Getúlio
Vargas/SP); Luiz Otávio Pimentel (Universidade Federal de Santa Catarina); Marcos
Valadão (Receita Federal); Maria Coeli (Secretaria Estadual de Desenvolvimento
Regional e Política Urbana/MG); Mario Schapiro (Fundação Getúlio Vargas/SP);
Melissa Mestriner (Ministério da Justiça); Oscar Vilhena (Fundação Getúlio Vargas/
SP); Patricia Audi (Secretaria de Assuntos Estratégicos); Pedro Abramovay (Ministério
da Justiça); Pedro Florêncio (Conselho Nacional de Justiça); Renato Flit (Secretaria
de Assuntos Estratégicos); Roberto Ferreira (Confederação Nacional do Comércio);
Silvia Velho (Centro de Gestão de Estudos Estratégicos); Valéria Salgado (Ministério
do Planejamento); Wagner Antunes (Ministério das Relações Exteriores).
APRESENTAÇÃO
8
Reginaldo Arcuri
A Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI),
instituição ligada ao Ministério do Desenvolvimento, da
Indústria e do Comércio Exterior (MDIC) tem, entre suas
missões, a promoção da Política de Desenvolvimento
Produtivo (PDP), lançada em maio de 2008. Ao longo
do tempo, a Agência vem se deparando com questões
práticas decorrentes das relações entre o Direito e o
Desenvolvimento.

A ABDI, especificamente, atua na questão do ambiente


jurídico como componente sistêmico da PDP, desde
2007, por meio do projeto “Ambiente Jurídico,
Investimento e Inovação”. Tal iniciativa surgiu de duas
constatações básicas: a necessidade de aprimorar o
ambiente jurídico atual; e a de modificar a percepção
internacional sobre esse mesmo ambiente, para que 9
reflita os avanços significativos obtidos pelo Brasil
em mais de 20 anos de um processo contínuo de
consolidação democrática.

O projeto atuou inicialmente voltado para mudanças


de rotinas dos órgãos públicos e para a efetivação de
normas infralegais capazes de aumentar a eficiência
e a eficácia do sistema jurídico do ponto de vista dos
agentes econômicos. Também trabalhou na articulação
de ações governamentais voltadas ao aperfeiçoamento e
à melhoria de coordenação entre os órgãos.

Desde então, foram eleitos temas prioritários conforme


a relevância para o setor produtivo: Comércio Exterior,
Legalização de Empresas, Inovação, e Poder de Compra
do Estado. Resultados concretos desse trabalho são:
a “Estratégia Nacional de Simplificação do Comércio
Exterior”, realizado em conjunto com a Câmara de
Comércio Exterior (CAMEX), e o apoio aos trabalhos do
Comitê para Gestão da Rede Nacional para a Simplificação
do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios
(CGSIM).

Ao longo desses processos, percebeu-se a necessidade


de um engajamento maior dos diversos setores da
sociedade para a construção de uma visão estratégica de
longo prazo, voltada para o aprimoramento do ambiente
jurídico brasileiro.

Buscou-se, então, a parceria da Secretaria de Comércio


10 Exterior (SECEX/MDIC) para iniciar uma discussão
estruturada sobre o arcabouço legal brasileiro, mais
especificamente sobre a maneira como esse marco
normativo pode impactar o esforço que o país vem
fazendo para consolidar-se em um novo patamar de
competitividade na economia mundial.

Daí a iniciativa de começar os debates sobre a construção


de uma agenda propositiva a partir de amplo consenso
sobre as relações entre Direito e Desenvolvimento. O
objetivo é tornar as relações entre essas duas áreas cada
vez mais positivas para o Brasil. Ao construir essa proposta
de agenda em parceria com atores sociais estratégicos
dos setores público e privado, espera-se criar a inércia
necessária para o seu avanço progressivo.
Ao iniciarmos essa caminhada, surgiram alguns
questionamentos fundamentais para condução
dos debates: a) onde o Direito cria entraves ao
desenvolvimento?; e b) quais os atores culturais e sociais
relevantes para compreender a dinâmica atual entre
Direito e Desenvolvimento?

Num contexto mais amplo, a iniciativa pretende, a partir


de uma base teórica, consolidar a percepção de que as
relações existentes entre Direito e Desenvolvimento são
relevantes objetos de estudo e de políticas públicas. O
produto final da iniciativa poderá ser uma agenda que
seja de interesse de toda a sociedade.

O fato é que a discussão sobre o desenvolvimento e sua


promoção não pode deixar de lado o Direito, que está 11
no centro do discurso e na prática do desenvolvimento.
A idéia de que o sistema jurídico é crucial para o
crescimento econômico passou a fazer parte da teoria
do desenvolvimento.

Isso porque o ordenamento jurídico de um país


tanto pode constituir um dificultador do processo
de desenvolvimento, se não coibir de forma eficaz,
por exemplo, a instabilidade jurídica ou falta de
previsibilidade na aplicação das normas, quanto pode se
constituir num importante instrumento de indução do
desenvolvimento.

Há a percepção de que componentes do ambiente


jurídico nacional representam, em determinadas
situações, gargalos para o desenvolvimento do Brasil. Ao
mesmo tempo, existe a necessidade de aprofundar nossa
estabilidade institucional para garantir a consolidação de
um ambiente jurídico favorável à realização de negócios,
num cenário econômico mundial de alto dinamismo e
volatilidade. Mas, num mercado global cada vez mais
competitivo, é preciso ir além do aprimoramento do
sistema e desenvolver indicadores capazes de medir
o impacto da segurança jurídica dos países sobre a
economia, fazendo com que a percepção sobre cada país
corresponda de fato à sua realidade.

Tais indicadores devem ainda possibilitar traçar linhas


confiáveis de comparação entre nações com os mais
diversos graus de desenvolvimento, em contextos
12 sociais, culturais e históricos diversos. Trata-se de um
esforço considerável de pesquisa e produção de dados
que precisa ser enfrentado o mais rapidamente possível.
O Brasil, pela sua complexidade e diversidade, tem
muito a contribuir na construção desses indicadores
internacionais de segurança jurídica.

Neste contexto teórico e de atividades é que está inserida


a iniciativa de discutir a relação entre o sistema jurídico
brasileiro e a promoção do desenvolvimento. Cumpre
aqui ressaltar mais uma vez que a discussão em tela tem
como base a noção de desenvolvimento econômico,
em função principalmente da área de competência das
instituições organizadoras.

Com isso, a ABDI espera, ainda que de maneira limitada,


contribuir para que a sociedade brasileira possa dar um
salto qualitativo em seu ambiente regulatório, resultando
num desenvolvimento econômico cada vez mais acessível
para um número cada vez maior de pessoas.

13
AMBIENTE
14 JURÍDICO
O Projeto Ambiente Jurídico, Investimento e Inovação
visa promover, por um lado, a simplificação dos processos
governamentais em temas considerados chave para
a iniciativa privada e, por outro, a segurança do setor
produtivo na aplicação dos instrumentos jurídicos
existentes de incentivo à inovação.

A promoção de um ambiente jurídico favorável aos


negócios é uma das ações sistêmicas da Política de
Desenvolvimento Produtivo (PDP), lançada pelo Governo
Federal em maio de 2008. Entre as ações apoiadas pelo
projeto está a elaboração de planos anuais de medidas
de simplificação e a redução de prazos de procedimentos
administrativos. Um exemplo desse trabalho é a Estratégia
Nacional de Simplificação do Comércio Exterior, lançada
em abril de 2008. 15

O Projeto atua em algumas áreas temáticas prioritárias,


em consonância com a PDP: comércio exterior; abertura
e fechamento de empresas.

As ações previstas para 2009 são desdobramentos de


processos iniciados em 2008, e procuram reforçar os
processos de simplificação em curso na área do comércio
exterior e da simplificação do processo de legalização
de negócios. O Seminário “Direito e Desenvolvimento:
Debates sobre o impacto do marco jurídico no
desenvolvimento econômico” brasileiro é uma das ações
desenvolvidas pelo Projeto. Entre as outras atividades
estão:
• Apoio ao Grupo Técnico de Facilitação do Comércio
Exterior da Câmara de Comércio Exterior (GTFAC/
Camex) na elaboração e execução da “Estratégia
Nacional de Simplificação do Comércio Exterior”,
resultada de encontro realizado em abril de 2008, e
revisada em workshop promovido em junho de 2009,
em Brasília.

• Apoio ao desenvolvimento de um Operador Econômico


Autorizado no Brasil, por meio de intercâmbio com a
Espanha de experiências bem-sucedidas de gestão de
risco e simplificação do desembaraço aduaneiro. No
âmbito do Projeto de Apoio à Inserção Internacional
de Pequenas e Médias Empresas Brasileiras (PAIIPME),
foi realizado workshop no Brasil com especialistas
16 espanhóis no tema, bem como uma missão de estudo
à Espanha para conhecer o trabalho feito naquele
país.

• Apoio à pesquisa comparativa entre os sistemas


tributários dos chamados países BRIC (Brasil, Rússia,
Índia e China) em parceria com a Universidade Católica
de Brasília (UCB). Teve como objetivo principal
analisar o impacto dos sistemas na competitividade
desses países no comércio internacional. Será lançada
publicação em 2010 com os resultados finais da
pesquisa.

• Contratação de consultoria especializada para a


realização da consolidação das normas de registro
mercantil para que estejam alinhadas com as diretrizes
de simplificação dadas pela REDESIM.

• Acompanhamento dos trabalhos do Comitê para Gestão


da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da
Legalização de Empresas e Negócios (CGSIM).

Conheça também o Manual de Gestão desenvolvido pelo


Projeto Ambiente Jurídico disponível no site da ABDI
(www.abdi.com.br).

17
ANÁLISE DA ORDEM JURÍDICA
18
BRASILEIRA SOB A ÓTICA DO
DESENVOLVIMENTO
Welber Barral
O debate sobre as relações entre Direito e Desenvolvimento
não é novo. Mas foi só em meados do século XX que este
debate alcançou materialização em políticas públicas, por meio
do primeiro Movimento Direito e Desenvolvimento. Naquele
momento, na década de 1960, presumia-se que a ordem
jurídica poderia ser utilizada como mecanismo para mudança,
para fazer os países ditos subdesenvolvidos superarem
sua condição. No entanto, ficou claro que a tentativa de
transplantar leis das nações ricas para promover a mudança
por meio de reformas na educação jurídica dos Estados mais
pobres não era capaz de gerar as transformações pretendidas
e esbarrava numa realidade muito mais complexa.

Após o arrefecimento desta iniciativa, a discussão foi


deixada de lado durante algum tempo, tendo sido retomada
na década de 1990, quando organizações internacionais 19
e acadêmicos da área jurídica e econômica, voltaram-
se novamente para o tema. A evolução na doutrina,
especialmente por meio dos estudos de Amartya Sen (com
seu conceito de desenvolvimento como liberdade) e da nova
economia institucional (autores como Douglass North),
reforçou a percepção das diversas implicações que a ordem
jurídica pode ter para a promoção do desenvolvimento.

Ao mesmo tempo em que se consolidou a idéia de que o


desenvolvimento não é redutível ao crescimento econômico,
e abrange outros valores sociais, o sistema jurídico é
crescentemente percebido como elemento relevante
para esse processo. Primeiro, porque pode constituir um
poderoso impeditivo, se permitir instabilidade ou corrupção;
pode compreender normas pouco claras, que criam custo
para os contratos privados; e, finalmente, porque sistemas
judiciais ineficientes provocam conseqüências econômicas
negativas, derivadas da incerteza e da incapacidade de
garantir o cumprimento das obrigações sociais e privadas.

Para compreender o papel do Direito e do Desenvolvimento, é


necessário entender o papel e os verdadeiros limites da ordem
jurídica numa sociedade. Pode ser formal, como declaração
de um direito; instrumental, como a regulamentação de
um direito; factual, como impacto sócio-econômico da
ordem jurídica; ou institucional, considerando-se então as
consequências da ordem jurídica para as instituições. Diante
deste cenário, o primeiro dever de um jurista é o de humildade,
é o de reconhecer que o sistema judicial pode ter inclusive
efeitos negativos para o desenvolvimento de uma sociedade.
20
Pode-se questionar, então, que características podem ser
apontadas como positivas numa ordem jurídica. Ou seja,
que elementos devem ser implantados ou reforçados, de
forma a permitir que ela não seja um empecilho à promoção
do desenvolvimento. Um primeiro fator é a necessidade de
regras claras e previsíveis, na medida em que um sistema
jurídico confuso pode ter implicações muito negativas para
a promoção do desenvolvimento. Da mesma forma, o
sistema deve garantir o tratamento equitativo aos cidadãos,
contribuindo para a formação e consolidação do capital
social. Outro fator a ser ressaltado é a necessidade de
participação democrática, não apenas no processo de criação
normativa, mas também ao longo de sua implementação e
fiscalização. E não se pode deixar de apontar a importância
de um Judiciário eficiente. A percepção de que esse Poder
não funciona a contento, é corrupto ou tendencioso tem
um efeito nefasto para o processo de desenvolvimento
abrangente – pode, por exemplo, servir como incentivo à
inadimplência e a incerteza nas decisões serve para impedir
o investimento e efetivação de contratos.

Por outro lado, é possível identificar fatores impeditivos


a um papel pró-desenvolvimento da ordem jurídica, ou
ainda, características que constituem entraves à promoção
do desenvolvimento. É preciso levar em conta a ação dos
juristas, que exercem papel importante na aplicação do
arcabouço legal. Quando estes operadores desconhecem os
efeitos macroeconômicos das normas jurídicas, ou quando
há uma crença exagerada no poder das regras – ou seja, na
noção de que basta criar uma lei para mudar uma dada
realidade social -, acabam gerando efeitos negativos. Outro 21
elemento importante diz respeito à estrutura regulatória,
que pode gerar efeitos negativos para a promoção do
desenvolvimento em termos de custos de transação,
insegurança jurídica, comprometimento do planejamento
e falta de transparência e liberdade. É possível, conforme
desenho abaixo, sintetizar esta proposta de modelo de
estudo das relações entre Direito e Desenvolvimento:
- Promoção do desenvolvimento: fatores relevantes
do século XXI – capital humano; liberdade política
e econômica; tecnologia e inovação; diminuição de
custos; capital social; instituições críveis e eficientes.

- Intervenção do Estado: estabelecimento de limites;


eficiência administrativa; planejamento e incentivos;
combate às falhas de mercado.

- Lições do Movimento Direito e Desenvolvimento:


impossibilidade de transplantar instituições jurídicas;
crescente complexidade das normas; impacto de fatores
culturais e sociais; democracia como primeiro passo;
essencialidade de instituições jurídicas com credibilidade.

22 - Ordem Jurídica desejável: regras claras e previsíveis;


tratamento equitativo aos cidadãos; necessidade de
participação democrática; eficiência do Judiciário.

- Problemas na execução do Direito: senso comum


dos juristas (ignorância do processo econômico;
crença exagerada no poder das normas; retórica dos
direitos humanos) e estrutura regulatória (custos de
transação; insegurança jurídica; comprometimento do
planejamento; falta de transparência e liberdade).

Evidentemente,estemodeloébastantegenéricoeserveapenas
como instrumento teórico inicial, que deve ser temperado
diante dos problemas específicos a serem enfrentados pela
ordem jurídica em cada estrutura sócio-política.
No caso do Brasil, é preciso levar em conta, ainda, no
que tange à elaboração normativa, a necessidade de
compreender que a reforma normativa de caráter positivo
é composta por atos cotidianos, e que, parafraseando
um lugar comum, o preço do desenvolvimento é
a eterna vigilância. Não há soluções mágicas, nem
reformas constitucionais únicas, que poderão consertar
(e concertar) definitivamente a ordem jurídica brasileira.
Há que se refutar o sebastianismo presente nessa crença;
a busca do desenvolvimento vai desde uma formação
jurídica sólida até o acompanhamento e crítica das
decisões judiciárias.

Outra preocupação com a ordem jurídica brasileira é


desenvolver mecanismos de avaliação quanto à eficácia
e eficiência de normas anteriores. Em outras palavras, 23
não são poucas as vezes em que leis “que não pegaram”
são novamente reeditadas no Brasil, ou normas que
se repetem sobre a mesma matéria. Neste sentido,
falta aos juristas brasileiros desenvolver mecanismos
metodológicos de avaliação das regras, os quais deverão
considerar tanto impactos econômicos quanto sociais.
A ausência desses instrumentos condena a sociedade
brasileira a não aprender com os próprios erros.

As reflexões acima buscam demonstrar, assim, como a


iniciativa de discutir de maneira ampla a relação entre
direito e desenvolvimento no Brasil é fundamental para
assegurar que o país possa continuar crescendo de
maneira sustentável.
DIREITO E DESENVOLVIMENTO
24
NO SÉCULO XXI
David M. Trubek
Universidade de Wisconsin-Madison
A idéia de que o sistema jurídico afeta as perspectivas
econômicas e sociais de um país existia já no século XVIII.
E, no século XIX, o discurso sobre a reforma jurídica muitas
vezes levava em consideração o impacto econômico de
leis específicas. No entanto, apenas no século XX foi feito
um esforço para criar uma disciplina acadêmica para
estudar a relação entre direito e desenvolvimento. Na
mesma época, governos e organizações internacionais
começaram a organizar projetos de reforma jurídica.

1) Direito e Desenvolvimento no século XX


A década de 60 marcou o início do apoio a reformas por
parte de agências internacionais e a primeira tentativa
de se criar uma área acadêmica para o estudo da relação
entre direito e desenvolvimento. O apoio às reformas
se intensificou na década de 80 e estudos acadêmicos 25
aumentaram. Na segunda metade do século XX, várias
teorias surgiram, cada uma gerando diferentes tipos de
reforma. Três grandes temas podem ser identificados:

O Direito pode ser um instrumento para promover


o desenvolvimento: O primeiro movimento Direito e
Desenvolvimento ressaltou a necessidade de mudança
nas relações econômicas e sociais e expressou o desejo
de que novas leis pudessem induzir tal mudança.
Essa corrente de pensamento se apoiou na teoria da
modernização e na visão, bastante disseminada por
economistas, de que um Estado forte era necessário para
administrar a economia e transformar a sociedade. O
direito, nesta visão, poderia servir de instrumento positivo
para a mudança, oferecendo incentivos para pessoas e
instituições “modernas” e promotoras de crescimento, e
desincentivos para aqueles que resistiam.

O direito pode ser uma barreira ao desenvolvimento


econômico: Desde o início, mesmo aqueles que tinham
uma visão positiva do direito entendiam que as leis às
vezes podiam reduzir os investimentos e impedir a
inovação. A preocupação com o impacto negativo do
direito aumentou ao final do século, na medida em
que as agências de desenvolvimento perderam fé na
intervenção estatal e começaram a enfatizar o papel dos
mercados e a necessidade de desregulação.

O direito deve ser uma estrutura para facilitar


26 decisões privadas: Na medida em que a economia do
desenvolvimento se afastou da crença em iniciativas
tomadas pelo Estado, mais e mais ênfase foi colocada no
papel do direito como um estrutura para facilitar decisões
econômicas de atores privados. Acadêmicos ressaltavam
que, para funcionar, os mercados exigem uma complexa
infra-estrutura de instituições e regras, incluindo regras
jurídicas como leis de propriedade e de contratos. Os
mercados também dependem da habilidade de operadores
do direito e juízes capazes de assegurar a efetividade das
leis. Os mercados também podem precisar de regulação,
como leis antitruste. Grande parte do interesse em
transplantes de leis e reformas do Judiciário para o
desenvolvimento, o qual gerou a maior parte do suporte
internacional para reformas jurídicas no final do século XX,
baseou-se na importância de se criar tal estrutura neutra.
O legado do século XX é complexo. Primeiro, o interesse
acadêmico aumentou, especialmente entre economistas,
mas nenhuma disciplina autônoma foi criada. Segundo,
alguns projetos falharam e algumas leis transplantadas
não “pegaram”. Terceiro, havia conflitos entre as
várias idéias que predominavam no período. Existem
tensões entre a idéia do uso do direito por um Estado
desenvolvimentista por um lado, e desregulação por
outro; entre o direito como um instrumento de mudança
de comportamentos e o direito como uma estrutura
neutra; entre a desregulação e a necessidade de se criar
novas instituições. Todas estas questões continuam a ser
debatidas na academia e na prática, sem que nenhum
consenso tenha surgido.

2) Direito e Desenvolvimento hoje 27


Portanto, na medida em que entramos no século XXI, nos
deparamos com questões não resolvidas e missões não
cumpridas. Ainda é preciso reconciliar as tensões entre
as idéias do século XX e criar um corpo sistemático de
conhecimento que possa servir como um guia confiável
para reforma. Nos devemos enfrentar novas idéias:

O Direito deve facilitar a experimentação e a inovação:


Os especialistas em direito e desenvolvimento do século
XX achavam que o caminho para o desenvolvimento era
bem conhecido e que o desafio era o de criar instrumentos
necessários. Para aqueles que viam o direito como um
instrumento de controle estatal, o conhecimento sobre
o caminho a ser seguido seria proporcionado pelos
planos nacionais, cabendo ao direito implementar este
planejamento. Aqueles contrários ao planejamento
acreditavam que mercados sem restrições produziriam
as melhores escolhas econômicas, de modo que a forma
correta de promover o desenvolvimento seria criar
mercados sem restrições. No entanto, no século XXI, muitos
estão começando a acreditar que nem os responsáveis
pelos planejamentos nem os mercados independentes
podem encontrar o melhor caminho. Ao contrário, as
estratégias devem evoluir e escolhas de investimentos
devem ser feitas por meio de parcerias público privadas e
processos de experimentação iterativos. Estes processos
requerem novas formas de governança e direito. O direito
não pode ser uma simples ferramenta para a intervenção
direta do Estado nem meramente uma estrutura neutra
para a tomada de decisões privadas. De preferência, o
28 direito deveria buscar estabelecer parcerias entre os
setores público e privado e institucionalizar um processo
de busca mútua por soluções inovadoras e ótimos
caminhos de desenvolvimento.

O Direito é cada vez mais afetado por forças globais:


Existem três forças principais em andamento. A primeira
é a disponibilidade de modelos globais de direito e
desenvolvimento promovidos pelo Banco Mundial, os
quais exercem influência sobre o pensamento nacional.
Segundo, o direito desempenha um importante papel na
competitividade nacional. Quanto mais a estratégia de
desenvolvimento de um país depende de investimento
estrangeiro, mais suas leis estarão sujeitas ao escrutínio
de investidores estrangeiros. Hoje, os investidores têm
muitas opções e o direito torna-se um fator importante
nos esforços para atrair capital. A terceira força global é
o crescimento do direito transnacional. Cada vez mais o
ordenamento jurídico de um país é afetado por normas
originadas fora de suas fronteiras. Sejam normas de
organizações regionais, como o NAFTA ou o MERCOSUL,
ou instituições globais, como a OMC, os ordenamentos
jurídicos nacionais estão sujeitos a restrições oriundas de
outros níveis de governança.

O próprio Direito faz parte do desenvolvimento: Todas


as principais idéias sobre direito e desenvolvimento no
século XX encaravam o direito como meio para outro
fim, fosse ele crescimento econômico ou proteção social.
Mas, recentemente, acadêmicos têm argumentado
que a existência do “Estado de Direito” é um fim em si
mesmo, isto é, uma parte necessária do processo para 29
aumentar o poder e a capacidade do indivíduo, o que
constitui “desenvolvimento”. Isso significa que a proteção
jurídica para valores constitucionais e direitos humanos,
incluindo direitos econômicos e sociais, deve fazer parte
da agenda de direito e desenvolvimento junto ao direito
econômico e a reforma judicial.

Políticas de Direito e Desenvolvimento devem ser


baseadas em evidências: É preciso ir além dos debates
abstratos e desenvolver evidências empíricas. Existe
pouco trabalho empírico de qualquer tipo sobre o papel
do direito em países em desenvolvimento. Os países em
desenvolvimento precisam investir em pesquisa sócio-
jurídica. Isso deve incluir ferramentas para diagnosticar
problemas e medir resultados de reformas. Indicadores
jurídicos podem ser úteis, mas é preciso ter cuidado ao
criar e usar esses indicadores.

Por reconhecer que o direito é um importante recurso ao


desenvolvimento, muitos países atualmente encorajam
pesquisas sistematizadas sobre o papel do direito no
desenvolvimento levando em consideração as lições do
século XX e os desafios do XXI. Governos, acadêmicos,
juízes e líders das ordens dos advogados de países como
Brasil, China e Índia tem assumido o desafio de construir um
conjunto de conhecimento sobre direito e desenvolvimento
apropriado aos nossos tempos. Novas faculdades de
direito, como a FGV no Brasil e similares na China e na
Índia, estão desenvolvendo pesquisas e programas de
treinamento sobre direito e desenvolvimento. O sucesso
30 na construção de um conhecimento mais abrangente e de
reformas mais robustas exigirá estreita cooperação entre
governos, ordens dos advogados, o setor privado, agências
internacionais e universidades no Norte e no Sul.
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David M. Trubek, O Novo Direito e Desinvolvimento:


Presente, Passado e Futuro (Saravia 2008)
33
METODOLOGIA: CONSTRUINDO
34
UMA AGENDA DO DIREITO PARA O
DESENVOLVIMENTO
A metodologia apresentada visa ordenar as atividades
da iniciativa: “Direito e Desenvolvimento: Debates
sobre o Impacto do Marco Jurídico no Desenvolvimento
Econômico Brasileiro”, ao longo de 2010. Serão três
eixos de trabalho distintos, com agendas integradas,
porém paralelas. Os dois primeiros eixos – “Indicadores”
e “Fomento à Pesquisa e Divulgação” – produzirão
os subsídios técnicos que embasarão a construção
das agendas temáticas do eixo denominado “Ações
Específicas”.

Eixo 1 - Indicadores
O principal produto deste eixo será o mapeamento
dos indicadores existentes no País que tratam da
relação entre Direito e Desenvolvimento. A partir deste
material, pretende-se construir um conjunto sucinto de 35
indicadores de ambiente jurídico capazes de mobilizar os
atores estratégicos para uma competição saudável pela
eficiência e eficácia.

Também é objeto deste eixo a produção de subsídios


metodologicamente consistentes que permitam ao
Brasil dialogar com instituições responsáveis por
rankings internacionais nessa área, tais como o relatório
(Doing Business), do Banco Mundial (Bird). O Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) e o Ministério da Justiça
(MJ), bem como outras instituições com destacadas
funções institucionais no tema da reforma do Judiciário
coordenarão as atividades pertinentes a este eixo.
Eixo 2 - Fomento à Pesquisa e Divulgação
Este eixo fará a articulação entre a presente iniciativa
e outras correlatas, já em curso. As instituições de
ensino e pesquisa constituem os principais atores desta
vertente do trabalho que tem como objetivo aumentar
o volume de pesquisas multidisciplinares sobre o tema.
Outro ponto de interesse é a formação dos profissionais
do Direito e da Economia, aproximando estas duas
áreas fundamentais para o debate. A Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
que tem por missão promover a constante melhoria da
pós-graduação no país será importante parceira nesse
eixo específico.

A Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), bem


36 como outras instituições com forte engajamento no
movimento do “Direito e Desenvolvimento” assumirão
essa coordenação. A questão da integração produtiva com
os países do Mercosul e o impacto do ambiente jurídico
dessas nações nesse processo são outras áreas específicas
de interesse. A intenção é engajar pesquisadores e
instituições dos países membros do bloco econômico
e outros vizinhos da América Latina nesse debate e na
iniciativa.

Eixo 3 - Ações Específicas


O resultado deste eixo são as agendas de trabalho
específicas. Alguns temas foram discutidos em caráter
preliminar nas reuniões preparatórias ocorridas entre
agosto e outubro de 2009. Durante o evento de lançamento
da iniciativa, esse debate será aprofundado para permitir a
definição de temas orientadores para tais agendas.

A coordenação deste eixo caberá à ABDI e à Secretaria


de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior (SECEX/MDIC).

Expectativas e Participação
Devido à abrangência dos objetivos propostos, faz-se
necessário o envolvimento não apenas das instituições
com competência direta nas questões do Direito e
Desenvolvimento econômico, mas fundamentalmente
do setor privado. A intenção é disseminar a percepção de
que o ambiente jurídico pode representar um elemento
estratégico para o processo de desenvolvimento econômico
do Brasil.
37
No entanto, o êxito da iniciativa requer uma definição
sobre o foco da agenda de trabalho a ser proposta, em
especial no eixo “Ações Específicas”. É preciso diagnosticar,
de imediato, se existem problemas devido a falta de um
marco normativo, ou em razão da dificuldade de aplicação
do marco existente ou de gestão e funcionamento das
instituições responsáveis pela efetivação das normas.

Sobre o lançamento da iniciativa


O Seminário “Direito e Desenvolvimento: Debates
sobre o Impacto do Marco Jurídico no Desenvolvimento
Econômico Brasileiro” pretende ser o início de uma
caminhada em busca de consenso entre o governo
e a sociedade civil, capaz de produzir uma agenda
nacional de ações sobre os temas. Representa, ainda,
uma oportunidade de mobilizar os diversos setores
da sociedade brasileira para o alcance dos resultados
esperados.

É válido ressaltar que a iniciativa não tem a pretensão de


esgotar as discussões propostas. O objetivo é colocá-las
em pauta como temas relevantes para o desenvolvimento
econômico do País.

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