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Limina restituta

As demarcações medievais e a história do território.


Território, partilha, cadastro, ordenamento e tráfego.

Projecto
Introdução

(...) Do itaque ipsi castello de Abrantes terminos et divisiones per Ozezar (...),
et ultra Tagum per lombum de super vinea dos freires do templo et inde sicut vadit
per lombum illum de super ipsa mata Dalcolvra et inde quo modo fert in Arracef in
Almegian ad Pontem de Soor (...) Rui Azevedo, Documentos Medievais Portugueses, Tomo I,
Vol. I, APH, Lisboa, 1940.

Eis um trecho aparentemente insignificante da doação do Castelo de Abrantes


por Dom Afonso Henriques aos hospitalários, em 1173. Nem imaginara o leitor
corrente as preciosas indicações que nele estão emboscadas, se não fora conhecedor
dos tópicos estruturantes da arqueologia e da história antiga do território do Alto
Ribatejo.
Bem, o lombum de super ipsa mata Dalcolvra é a cumeada sobranceira, na
margem esquerda, ao vale da Ribeira de Alcolobra, afluente da margem esquerda do
Tejo, entre as povoações de Crucifixo e Santa Margarida da Coutada. Na margem
direita da ribeira, na planície aluvial junto à foz, ainda vemos a Vinha do Campo, que
era a antiga dos freires do templo. A cerca de oito quilómetros montantes desde a foz
de Alcolobra, na margem esquerda e na borda da planície aluvional, situa-se o famoso
estabelecimento romano de Alcolobra, ou Herdade do Carvalhal, o mais destacado
tópico da arqueologia romana regional, de extensão ainda mal conhecida, mas onde
foi escavado um aristocrático balneário e uma remota sepultura luso-romana, para
utilizar a nomenclatura dos autores da sua escavação, Jorge e Adília Alarcão (1).
Ainda hoje os limites do Concelho de Abrantes se fazem por aí, montantes pela
margem esquerda de Alcolobra.
Este tópico conduzia o circuito da demarcação abrantina ao Arracef, que era
caminho ou via lajeada. O caminho levava o circuto por Almegian até à ponte do Rio
Sor, ou seja até Ponte de Sor. Não podia ser outro, este Arracef, senão a via imperial
Vlissipone Emeritam por Aritivm Praetorivm e Abelterion.
Neste troço vinha a via de Aritivm Praetorivm, na região da Chamusca,
Herdade do Pinheiro Grande, pelo vale de Tamanzim, nomeada como semideiro.
Encontrava a demarcação abrantina cerca de cinco quilómetros a Sudoeste de
Bemposta e com ela ia por Vale da Carreira a transpor o Rio Sor na ponte.
Transpunha a via o rio, mas não a demarcação, que prosseguia montante pelo curso
fluvial, na margem direita.
Se continuasse a acompanhar o circuito da demarcação, ficaria ainda o leitor a
saber, surpreendido porventura, que o território adstricto ao Castelo de Abrantes com
esta doação seguia com o Rio Sor até às suas nascentes, junto de Alagoa, nas
imediações da velha civitas Amaia. Ia depois a Marvão e descia pela Ribeira de Vide
e Sever até ao Tejo, para se confrontar com Aegitania. Um surpreendente alcance
longitudinal a Nascente, cujo significado só se intui porque sabemos que tais serão os
limites orientais onde convergem, cerca de vinte e cinco anos depois, os territórios de
Guidintesta, doados aos hospitalários em 1197 em substituição do domínio de
Abrantes, e o de Açafa, doado aos templários em 1199, quando os hospitalários
ficarem remetidos, na ribeira do Tejo, ao exíguo privilégio de Belver. Para não nos
perdermos, por ora, nos meandros dos sucessivos reajustamentos deste ordenamento,
logo com a criação do território templário de Cardosa. Mas na margem direita do
Tejo ficava-se a alçada do Castelo de Abrantes pela ribeira, ripa, uma pequena faixa
porventura contígua ao talvegue fluvial (2).
Só se intui, porque, em verdade, insinua-se nestas operações de ordenamento a
percepção de um território cujos tópicos remontam muito longe e cuja unidade e
descontinuidade estavam havia muito constituídas, sucessivamente consagradas por
sucessivos reordenamentos, cujo esboço estava delineado e cristalizado pelo menos
desde o período da colonização romana. E só a dinâmica da nacionalidade emergente,
lentamente, na medida em que edifica as suas próprias instituições territoriais, num
complexo processo de colonização, apropriação e partilha, vai rompendo com este
esboço. E a antiga ordem e as antigas instituições territoriais ficaram então cativas
apenas de balbuciantes registos, na enunciação dos limites de uma jurisdição, nos
tópicos que estruturaram a representação do território de um domínio, quando houve
que demarcá-lo e desenhar-lhe a configuração. E, entre a nossa intuição e o horizonte
definitivo da realidade que nos escapou, moram então miríades de linhas e parágrafos
de arrevesada sintaxe, disseminados por incontáveis fólios de documentos e registos,
que acrescem ao pó que os séculos colaram à memória, para erguer uma nuvem de
bruma espessa, através da qual mal conseguimos espreitar.

(...) Item est carta de donatione que dedit Concilium Elborense (...) Cuius
herdeditatis isti sunt termini sicut dividuntur per marchos et divisiones, silicet per
primum Marchum qui est positus in Castello Latronibus et deinde eundo directe ad
allium Marchum qui est positus in buca de furadoiro in via que venit de Elbora
contra peçenas exeunde de Exara (...). Pedro Azevedo, Livro dos Bens de Dom João de
Portel. Cartulário do Século XIII. Lisboa, Arquvo Histórico Português, 1910.
Ou seja: E também há a carta da doação que deu o Concelho de Évora (...)
De cuja herdade estes são os termos, no modo em que são divididos por marcos e
divsões, assim: pelo primeiro marco que se pôs no Castelo dos Ladrões e daí
seguindo directamente a outro marco, que se pôs na boca do furadouro na via que
vem de Évora contra Pecenas partindo de Exara.
Para esclarecer os critérios da tradução, basta registar que alterámos a
pontuação para tornar a leitura mais clara, sem alterar o sentido. A tradução de
Castello Latronibus por Castelo dos Ladrões, presume que a extensão do ablativo, de
castello para latronibus, que dado o nominativo castellum se deveria enunciar no
genitivo latronum como seu determinante possessivo, é regida pela preposição in,
extensão canónica no latim cartulário medieval.

Trata-se da revisão das confrontações entre Dom João Aboim e o Concelho de


Évora, ordenada por Dom Afonso III. O circuito da demarcação parte do Castelo dos
Ladrões, onde é colocado o primeiro marco. O segundo na entrada do furadoiro, na
via que vem de Évora contra Pecenas, à saída do Bosque ou Sobral (enxara).
Furadoiro é um atalho, associado geralmente à ideia de itinerário de fuga ou de
emboscada, caminho de ladrões (de fur, is, ou furator, is, ladrão). Ora aqui estão de
novo dois tópicos indispensáveis para a compreensão do território eborense e da
relação dos colonizadores medievais com a sua indelével vocação.
Este Castelo dos Ladrões, singular torre circular edificada em alvenaria de
pedra miúda com ocupação desde o Bronze Final, situado nas vertentes derradeiras
das faldas meridionais da Serra de Montemuro, sobranceiro ao estabelecimento viário
romano de Nossa Senhora da Tourega, a Sudoeste de Évora, veio a consagrar-se nas
invocações populares regionais sob a pomposa denominação de Castelo de Giraldo,
referido à patriótica gesta da conquista de Évora por Giraldo Giraldes, o Sem Pavor.
Associado ao furadoiro, como marcos de uma demarcação de irrefutável significado
na reordenação medieval do território eborense, congregam em si os apelos às
instituições que regem o território desde tempos imemoriais, o tráfego viário e o
bandoleirismo. O bandoleirismo no Sudoeste hispânico, associado às estratégicas
linhas de tráfego viário, traz referências desde Estrabão. É um tema complexo, que a
poucos interessa porventura, mas que daria um novo alento à compreensão do
processo de conquista e colonização medieval do território ultra tagano, durante os
sèculos XII e XIII. Tema para o futuro, mas que só pode ser compreendido em
referência a indícios destes, subtis, esquivos e astutos (3).
Dom João Pires de Aboim é personalidade mal avaliada ainda. Companheiro
de armas de Dom AfonsoIII, com ele andou nas lides do Porto e foi seu Mordomo
Mor e depois da raínha viúva regente. O último significado da sua intromissão no
território eborense e da constituição do seu vasto domínio entre Évora, Portel,
Monsaraz e Évora Monte, o verdadeiro nó górdio da intricada rede de tráfego viário
no Sudoeste peninsular, obrigando a recuar territórios concelhios e a extinguir
concelhos, nunca foi radicalmente alcançado.
Ora, começa-se o circuito da confrontação no Castelo de Giraldo e logo vai à
boca do furadoiro que está na via que vem de Évora contra pecenas, à saída do
Bosque. Bem, este exeunde de Exara pode significar também à saída do, ou depois de
transposto o rio Enxarrama, que é até ao Século XVIII Enxarra ou Exarra,
exactamente porque vai buscar as suas águas aos bosques das vertentes setentrionais
da Serra de Montemuro, envolvendo depois Évora pelo Nordeste, para despontar a
Sul, na planície a que o Castelo dos Ladrões fica sobranceiro. O Bosque,
propriamente dito, são os montados e matos da Herdade de Montemuro, vasto
domínio concelhio confirmado por Dom Afonso II em 1221 (4).
Tomemos então Exara como o Bosque ou o Sobral. O Castelo dos Ladrões lá
despontava altaneiro, embrenhado no bosque, vigiando as planuras. O furadouro
internava-se pelo bosque, a buscar as cumeadas das serras de Montemuro e
Monfurado, que o levavam às galerias mineiras da Nogueirinha e do Escoural. A via
vinha de Évora a Nossa Senhora da Tourega, onde cruzava, ou tomava a via que
vinha de Alcácer e Torrão e era lanço itinerário Vlissipone Emeritam. Em verdade,
deveria subir por ramal a Évora e daí dirigir-se a Mérida. Pois o seu sentido natural e
imemorial era contra Pecenas, isto é a transpor o Degebe em direcção a Moura e
Sevilha (5). Pecenas é ribeira afluente na margem direita do Rio Degebe, a Norte de
Portel. Não seria o velho caminho tartéssico que ainda invoca Avieno?
Mesmo sobre a via, entre a sede da Herdeade do Tojal e São Marcos da
Abóbada, a torre de Camoeira, poderoso bastião rural com fundamentos romanos.
Bem, a conversa é um cesto de cerejas. Nem se concluiria mais o repertório de
questões a que este exíguo trecho faz invocação.
E sendo então a conversa como as cerejas, ainda a deixamos aqui cativa de
outro tópico. As montanhas onde se ergue o Castelo dos Ladrões ou do Giraldo
trazem, desde o Século XII, a designação de Serra de Montemuro, que, numa
etimologia primária, logo temos tendência para interpretar como serra murada,
coroada de muralhas ou muros. Todavia Mons Murum significaria literalmente, em
Latim, o Monte dos Ratos, pois murum é genitivo plural de mus, rato. Como é óbvio,
a designação de Monte dos Ratos, traz uma luminosa invocação aos restantes tópicos
que temos que associar ao lugar, o Castelo dos Ladrões, o furadouro. Bem, para quem
o conhecer, ainda associaria uma complexa teia de perfurações e sistemas
subterrâneos, as Grutas de Escoural, as Covas de Montemuro, as minas da
Nogueirinha, uma intensa profusão de antas que sugeririam perfurações, como a Cova
da Onça junto de São Briços.
Acrescente-se ainda que as montanhas que transportam para Ocidente, na
direcção de Escoural, a Serra de Montemuro, trazem o nome de Serra de Monfurado,
a ressoar uma vez mais a fur ou furator.
É mesmo provável que as montanhas de Venus, último reduto de Viriato,
correspondessem ao Mons Murum e ao Castelo dos Ladrões ou de Giraldo, como
tentaremos fundamentar em local próprio (Viriato. Um discurso sobre o ignoto.
Edição da FEPPHC, Abrantes, no prelo). Que ânimo renovado emprestaríamos à
épica e à mitografia, se concluíssemos que o último reduto e acantonamento de
Viriato coincidiu com o reduto de onde despontou Giraldo Giraldes o Sem Pavor.

Num trabalho com alguns anos, em nota a propósito de uma outra importante
área do território eborense e da circulação viária e da sua colonização durante os
séculos XIII e XIV (6), o nó viário de Pontega ou Castelo do Mau Vizinho,
notávamos:

“Entre os séculos XIII e XV, as propriedades do Cabido nesta zona, tinham já,
entre outras, as seguintes confrontações:
A herdade de Pontega, que fora de Afonso Annes, irmão de Pero Anes e filho
de João Pires Aboim, e escambada por uma herdade de Martinhanes de Rodes,
confrontava com Gonçalo Mendes e, no século XV, com Álvaro Pires de Castro.
B.P.E. CEC.3.I e CEC.3.VII a, b, c e d; CEC.3.VIII.
A herdade de Almansor confrontava com várias herdades de Dona Ouruana,
mulher de Pai Gomes Carrinho, Çarrinho ou Charrinho, porventura o trovador. Tanto
o cavaleiro como a mulher deixaram o seu nome amplamente espalhado na toponímia
da região, caso da Herdade da Serranheira ou Çarrinheira e do Poço de Dona
Ouriana, ou da Oruana, na periferia urbana de Évora. Confrontava ainda com Álvaro
Pires de Castro e uma herdade que, segundo informação do Manuel Branco, em 1521
foi comprada por Simão Correia e sua irmã Joana, a prioreza do mosteiro do Paraíso.
B.P.E. CEC.3.I, CEC.3.II e Livro nº 1 do Convento do Paraíso, fol. 26. E
A herdade da Çarrinheira, onde recolhi para o Museu de Montemor o Novo
uma lápide funerária romana de dois irmãos Caecilius Niger e Caecilia Aranta e um
belíssimo sarcófago, foi doada por Dona Ouruana ao Capítulo de Évora.
A herdade do Pigeiro fora de Rui Queimado, trovador, e a de Vale de
Sobrados confinava com Rodrigo Anes da Rigueira, de família trovadoresca, e mais
tarde com Alvaro Pires de Castro. Ainda com um Dom Airas, que presumo ser Airas
Nunes, fidalgo, cónego de Évora e trovador.
Esta herdade, que se chamou a Torre do Daião, em referência à majestosa
mansão romana de aparelho megalítito cujas ruínas ainda se vêem, foi escambada no
século XVI com o Conde de Vimioso D. Francisco de Portugal, por confinar com o
seu morgado da Sempre Noiva. B.P.E CEC.3.I. e 3.VII a.”

Outra ordem de problemas, ou a mesma com os problemas colocados a partir


de outra perspectiva. Ao fim e ao cabo o configurar de uma única disciplina, referida
à mesma relação com as mesmas referências documentais. Desvendar o território,
através dos vestígios das suas sucessivas humanizações, a partir da forma como os
homens e as comunidades o percorreram, o marcaram e o dividiram; dos acidentes, os
naturais e os impressos pela cultura humana, com que marcou a representação que a
comunidade dele fez. Porque essa representação afectou a partilha, a vizinhança, o
cadastro enfim. E consagrou vocações imemoriais.
Uma disciplina que descobre e selecciona no afã quotidiano os seus meios e os
seus critérios, na medida em que configura os seus horizontes, o seu alcance e os seus
limites. Explorar os vastos acervos de documentação medieval procurando identificar
as instituições territoriais, nas formas como se percorre, se partilha e se divide, as
marcas incólumes da sua humanização milenar. Calçar as botifarras e acompanhar o
circuito da demarcação e da confrontação, reapropriando-nos do itinerário e dos seus
tópicos. Do laboratório documental para os espaços abertos do laboratório de campo.
Com a percepção visual do território percorrido, de novo para os cartapácios.

1. Alarcão, Jorge e Adília, Sepultura luso-romana no Concelho de Constância, in Museu, 2ª Série,


Porto, 1966; Carvalho, Rogério, O balneário romano da Quinta do Carvalhal, in Arqueologia nº 15,
Lisboa, 1987.
2. Referências documentais em ANEXO I.
3.A antiga Crónica dos Godos diz expressamente que Évora foi conquistada por Geraldo sine pavor
et latronibus sociis eius. Chronica Gothorum, Portugalliae Monumenta Historica, Scriptores. Para
uma genealogia do texto, sobretudo para a relação entre a versão de Santa Cruz de Coimbra e o
pergaminho que possuíu André de Resende e foi copiado por Frei António Brandão, ver Pierre David,
Annales Portugalenses Veteres, REVISTA PORTUGUESA DE HISTÓRIA, Tomo III, Coimbra,
1947.
Não deixa de ser apelativo o facto de a demarcação do domínio de Dom João Aboim
reproduzir o tema dos bandoleiros que já trazia a antiga crónica, referido precisamente ao tópico que
a tradição atribuíu como morada e esconderijo de Giraldo Giraldes.
O tema do bandoleirismo como instituição que caracteriza vários períodos da história do
território eborense, associado ao tráfego viário, é substancionalmente desenvolvido em Manuel de
Castro Nunes, Évora. Território, edição da Fundação para o Estudo e Preservação do Património
Histórico-Arqueológico, Abrantes, no prelo.
O tema é aí abordado associado à análise do processo de povoamento e colonização do
território eborense no período imediatamente contíguo à conquista, no reconhecimento de que é em
torno das antigas mansões viárias romanas, então abandonadas, como o Castelo do Mau Vizinho ou
de Pontega, o Castelo dos Mouros no Divor, a Torre do Deão em Vale de Sobrados, o Castelo de
Valongo, que se vão constituir os primeiros focos irradiantes da colonização. É para o território
contíguo a estes tópicos que convergirão as primeiras doações.
A este tema interessa ainda o episódio da constituição da Cavalaria de Évora, depois Ordem
de Avis, como instituição de partilha territorial, vocacionada para enquadrar a sociabilidade entre o
reino nascente e os caudilhos militares ultra taganos, soccii eius latrones. Mesmo com todo o
empenho na sonegação deste aspecto do episódio, a historiografia corrente, bem como as fontes
documentais, não conseguem deixar de o insinuar.
Rui de Azevedo, As Origens da Ordem de Évora ou de Aviz, in Revista HISTÓRIA, Volume I da
Série A, nº 4 de 1932.
Idem, Primórdios da Ordem Militar de Évora, in BOLETIM CULTURAL DA JUNTA DISTRITAL
DE ÉVORA, nº 8 de 1967.
Carlos da Silva Tarouca, As Origens da Ordem dos Cavaleiros de Évora segundo as cartas do
Arquivo do Cabido da Sé de Évora, in A CIDADE DE ÉVORA, nº 13 e 14 de 1947.
Miguel de Oliveira, A Milícia de Évora e a Ordem de Calatrava, in LUSITANIA SACRA, Tomo I,
1956.
Maur Cocheril, Recherches sur l’Ordre de Citeaux au Portugal, in BULLETIN DES ÉTUDES
PORTUGUAISES, Nouvelle Série, T. 22, 1959/60.
Fray Jeronimo Roman escreveu um esboço de crónica da Ordem de Aviz, Historia de la Inclita
Cavallaria de Aviz en la Corona de Portugal, Códice nº CXIV/2.24 da Biblioteca Pública de Évora e
em 1516 Herman de Campos, livreiro, publicou em Almeirim o Regimento e Estatutos, reeditados
por Jorge Rodrigues em 1631.
Frei José da Purificação fez sair, no II Tomo da Colecção de Documentos e Memórias da Academia
Real da História, Lisboa 1722, o Catálogo dos Mestres e Administradores da Ilustre e Antiquíssima
Ordem Militar de Aviz, instrumento indispensável para avaliar os problemas ligados ao apuramento
do primeiro mestre da ordem.
Mas o tema do bandoleirismo no Sudoeste peninsular adivinha-se em toda a historiografia
antiga de época clássica e a sua associação aos grandes itinerários de tráfego insinua-se na
maleabilidade das movimentações e correrias dos lusitanos e cinetes.
Tal como surge na fase da conquita cristã, o fenómeno tem que ser compreendido ainda em
referência à instituição islâmica da rasia e às formas específicas de sociabilidade marginal tipificadas
nas gestas de Ibn Marwan, Cid e Giraldo, entre outros, no quadro de clivagens religiosas, sociais e
culturais. Ainda haveria que remeter para este universo, o papel das grandes rotas da transumância
peninsular, que, através de um velho itinerário que descia desde os planaltos de Sória pelo Rodão e
Évora até às campinas e aos prados pacenses, estruturava uma complicada teia de linhas de tráfego. A
associação da transumância aos itinerários do bandoleirismo é intuitiva e nem merece, para já,
desenvolvimento.
4. Esta herdade fora restituída e confirmada ao Concelho em 1221 por Dom Afonso II, que é o
documento mais antigo que sobre ela se guarda e que faz presumir que o Concelho já a tivera e dera
ou trocara com o Rei. Algumas das peças indispensáveis para reconstituir o cadastro medieval e
quinhentista da região, com referências arqueológicas de resto da maior importância, são as
demarcações desta herdade mandadas fazer pelo Concelho.
Demarçam das terras de Montemuro, Códice 81 da Manizola na Biblioteca Pública de
Évora.
Pela Herdade de Montemuro andavam recolhidos, desde época difícil de determinar, os
anacoretas com quem um tal Lopo Pobre fundou o Mosteiro de Santa Catarina de Montemuro, da
regra da Serra d’Ossa, em terras doadas pelo Concelho a pedido do Infante Dom Fernando, irmão de
Dom Afonso V, em 1453.
Esta doação é ainda um magnífico repertório de tópicos da arqueologia regional, registando
a Anta Grande do Zambujeiro e o Castelo de Giraldo.
Livro Verde da Câmara de Évora, Arquivo Distrital de Évora, fls 121, 122 e 123.
5. Manuel de Castro Nunes, Limina Aritivm. O tráfego fluvial e terrestre na área ribeirinha do Tejo.
Ensaio de associação sistemática entre as linhas do tráfego fluvial e terrestre e as do povoamento e
da relação humana com o território, Fundação para o Estudo e Preservação do Património Histórico-
Arqueológico, Abrantes, no prelo.
Daí transcrevemos a nota 1 ao Capítulo I, A definição de um território e de uma temática de
trabalho:
“As mais antigas referências aos caminhos terrestres que ligavam a costa meridional da
Península à costa ocidental atlântica são-nos transmitidas por Avieno, Ora Maritima, que assinala
uma via que ligaria a lendária cidade de Ménaca às bocas do Tejo, passando por Tartessos. (in
FUENTES HISPANIAE ANTIQUAE, I, edição de A. Schulten e P. Bosch Guimpera, Librería
Universitária de A. Bosch, Barcelona, 1922).
As referências de Avieno, autor do Século IV d. C., são extraídas de vários autores gregos
dos séculos IV e V a. C. e, sobretudo, de um périplo elaborado por um massaliota nos fins do Século
VI a. C. Não é possível deduzir com segurança se o autor do périplo viajou por mar a partir de
Tartessos e até aonde. Parece concensual entre os intérpretes do texto que terá chegado às bocas do
Tejo, por terra ou por mar. Os dados que fornece a partir daí são expressamente atribuídos aos
tartessos que navegariam até à Oestrímnia e o conhecimento sobre as navegações no Norte Atlântico,
até à Irlanda, é transmitido pelos oestrímnios aos tartessos.
Ménaca, o último entreposto dos focenses de Massalia (Marselha) a Ocidente, onde os
gregos centralizavam o comércio com Tartessos, desaparece, destruída talvez pelos cartagineses, aos
quais se atribui também a destruição de Tartessos, depois da batalha de Alalia, 537 a. C., que marca o
fim da hegemonia dos focenses de Marselha no comércio com o Atlântico e o Mediterrâneo
Ocidental. Em 509, um tratado com os cartagineses estabelece aos romanos e seus aliados focenses
os limites para a navegação no Mediterrâneo no cabo Pulcrum (actualmente Farina), encerrando-lhes
definitivamente a passagem do estreito. Este estado de coisas perdurará até à conclusão da segunda
Guerra Púnica e à conquista de Gadir
Ménaca situar-se-ia muito próximo do lugar onde os cartagineses fundaram depois Malaka
(Málaga).
Uma interessante referência de Estrabão indica uma cidade Eboura no caminho dos que
subiam o Rio Baetis, antigo Tartessos (Guadalquivir), junto à qual se situaria um santuário dedicado
a Phosphoros, ou Lux Divina. A tradição iniciada por Garcia y Bellido (España y los españoles hace
dos mil años según la Geografía de Strábon, ESPASA CALPE, Madrid, 1945) tenta repor este tópico
junto de Sanlúcar de Barrameda, muito próximo do estuário do Guadalquivir, junto a Sevilha. Mas
esta referência parece insinuar mais uma das confusões de Estrabão, que recolhe dados de várias
fontes muitas vezes contraditórias. É bem possível que, para quem se dirigia do estuário do Baetis ao
Tejo, por terra, Eboura aparecesse após a transposição do Ana (Guadiana), num passo muito próximo
do santuário de Endovélico, junto do Alandroal, um dos mais importantes do Sudoeste da Península
em período romano, dedicado a uma divindade que tem gerado muitas polémicas e especulações, mas
que muitos têm associado a Phosphoros. Junto do local onde se situava o santuário romano, corre a
Ribeira de Lucefécite. O próprio Estrabão denuncia ainda informações muito precárias acerca do
curso dos dois rios, Ana e Baetis, a que atribui fontes contíguas. Por mais malabarismos que se
tentem fazer para encontrar vestígios etimológicos e arqueológicos, a única cidade com relevo e
antiguidade que justifiquem a referência de Estrabão é a Liberalitas Augusta.
Estrabão, que, quando faz esta referência, está descrevendo esquematicamente a linha da
costa entre o Estreito e a desembocadura do Ana, interpola claramente este tópico, saindo do assunto
e referindo, expressamente, a propóssito de referências a outros santuários costeiros, que Eboura se
encontra no interior para quem sobe o curso do rio, não indicando distâncias. Logo a seguir passa a
retomar a linha de costa e, no capítulo seguinte, descreve a Baetica e as margens do Baetis,
nomeando as cidades ribeirinhas e aquelas que se distribuem pelo território entre o Baetis e o Ana,
não voltando a referir Eboura.
A reposição do antigo caminho tartéssico que se dirigia às bocas do Tejo deve ter em conta,
em minha opinião, esta referência.
Seria de esperar que esta via constituisse o lanço final de um itinerário que permitia viajar
desde Massalia, atravessando o Pyrene (Pirinéus) e dirigindo-se por Tarraco, Saguntum, Castúlum e
Malaka ou Corduba, até Tartessos ou Gades, que mais tarde serviria as movimentações de romanos e
cartagineses nas suas confrontações durante a III Guerra Púnica e dos romanos durante as guerras de
conquista, nomeada por Estrabão como Via Exterior. De acordo com o que rigorosamente as fontes
nos ensinam, não nos é lícito supor que os romanos utilizassem a via marítima para movimentações
de grandes contingentes durante as guerras de conquista, quer na Lusitânia, ou na Galécia. É expressa
a referência de Estrabão ao facto de Júlio César, quando veio buscar as tropas de Pompeio para o
embate de Munda, junto de Cordoba, ter percorrido esta via desde Roma, cumprindo o percurso em
vinte e sete dias. Denomina o percurso de César como Via Augusta, notando que fazia um pequeno
desvio nas imediações de Cartagena, para evitar os campos de esparto, divergindo por isso da Via
Antiga. Esta alusão faz pressupor que a via romana se sobreporia a uma outra muito antiga.”
6. Manuel de Castro Nunes, Évora. Teritório., citado.

I
Itinerário. Antecedentes.

O tipo de abordagem que propomos para os problemas que temos vindo a


recensear não é corrente. Despontou no contexto de uma prática que se foi
consolidando, orientada mais pela intuição do que pela intenção, e só tomou
consciência de que se estava a constituir numa disciplina, que ordenava os seus
próprios meios e critérios, quando pôde concluir que já não poderia mais decidir até
que ponto era ela própria prévia aos problemas, a sua raiz, ou a sua matriz.
A própria consciência de território, da sua força e da sua emergência na
história, adveio-nos da leitura de centenas de documentos que nos transportaram para
a ilharga do demarcador, para o acompanhar nos seus itinerários, passo a passo,
tentando descortinar o que ele via e registava e o que passava em claro e porquê, de
que vontade e de que meios dispunha para o comunicar. Repousar na paisagem de
olhos cerrados e imaginar o que o olhar alcança. E, do que alcançou, o que cativou
para marcar e demarcar o território, que não era já meramente físico, mas objecto de
apropriação humana. Ou sujeito de apropriação do homem.
Muito tivemos ainda que penar até podermos concluir que o demarcador não
era o sujeito único e exclusivo da demarcação. Emboscadas, pairavam sobre o acto
múltiplas entidades, presentes e ausentes, substanciais e não substanciais, coevas e
antepassadas. E até futuras, que nele intervinham na imensidão, tão exígua afinal, da
distância que mediava entre o seu tempo e espaço e o nosso, próprio e actual, porque
o território que nele se percorria e demarcava, também nós o percorremos, também
nós o marcámos.
O nosso interesse por um vasto universo de documentação que se envolvia,
por múltiplas razões, em descrições do território teve como ponto de partida a
arqueologia. Tratava-se da mera constatação de que os estragos que o tempo
provocara durante os últimos oito séculos sobre os vestígios materiais poderiam ser
ultrapassados através da aquisição de registos incontestáveis sobre o território e a
forma como ele se apresentava no início do povoamento e colonização contíguos à
conquista cristã dos Séculos XII e XIII, presumindo-se que então se iniciara um
período específico na sua sistemática degradação. Tratava-se, no fundamental, de um
interesse quase meramente cumulativo. Afinal, tornara-se interessante notar que, por
exemplo, face ao precário universo de manifestações da cultura megalítica de feição
não funerária, cromeleques e menires, que hoje se nos apresentam, contrastava o
panorama emergente das demarcações e confrontações medievais, pejadas de tesos e
pedras fitas, com tal significado territorial que apareciam aí a lindar domínios e
herdades. Estradas, marcos miliários, padões ou pedrões, paredenarios, castelos, aos
poucos um novo universo de vestígios e indícios despontava dos fólios dos
cartapácios, a repovoar um território que a contínua erosão desertificara.
E foi na medida em que os vestígios e indícios foram sistematicamente
repovoando o território, que a relevância dos vestígios se foi dissipando e despontou
como entidade estruturadora o território e a ordem que lhes impunha. A própria
relevância da tipificação dos vestígios, cronológica ou funcional, se dissipava face à
tipificação do território, ou dos territórios, porque aí os vestígios conviviam num caos
aparente a que subjazia a ordem emboscada que só o território lhes conferia. A
contiguidade de uma estrada, de uma anta, de uma ermida, de uma mansão romana
não tolerava outra abordagem que não fosse territorial. Depois, subitamente, surgiu
ou acresceu ainda o significado da contiguidade do acto de repovoamento e
recolonização, consagrada no registo da demarcação e na enunciação dos seus
tópicos. Então, os horizontes de uma disciplina estavam delineados. O território
constituíra-se no eixo estruturador da diacronia.
A partir de então, era necessário recomeçar de novo. De uma nova
perspectiva, com novas estratégias de leitura e novos critérios de abordagem,
definindo previamente objectos bem delimitados, quer através da constituição dos
itinerários documentais, quer através da prévia delimitação de territórios e da prévia
enunciação dos seus tópicos.. Até agora, os universos documentais que tínhamos
perfilado não tinham outra ordem senão a do interesse circinstancial em que
intervinham múltiplos factores contingentes. Havia algumas incidências mais
coerentes, nomeadamente sobre áreas e tópicos específicos respeitantes ao território
eborense e depois ao teritório abrantino.
Afinal, tratava-se de esboçar o horizonte para uma nova fase de
experimentação, que se traduzisse na aquisição de resultados sistemáticos, quer no
que respeita à aferição de meios, metodologia e critérios, quer aos próprios fins da
investigação.

III
Itinerário. Um novo horizonte.

Ora, com estes dois objectivos no horizonte, o da aferição de meios e critérios


e o de aquisição de resultados relevantes para a investigação, o território de Évora
continuava a oferecer-nos significativas e estimulantes perspectivas.
Por um lado, tratava-se de um território já apercebido nos seus tópicos
estruturantes, bem e minuciosamente esquadrinhado em diversificados contextos de
visita. Por outro, um diversificado universo de fontes documentais, constituído por
repertórios com grande coesão, como é o caso do arquivo capitular ou dos

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