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110
OUTUBRO 15 1922

klaxon
REDACÇÃO E ADMINISTRAÇÃO:
MENSARIO DE ARTE MODERNA

S. PAULO — Rua Direita, 33 Sala 5


ASSIGNATURAS - Anno 12S000
Numero avuLso — 1$000
REPRESENTAÇÃO:
RIO DE JANEIRO — Sérgio Buarque de Hollanda
(Rua S. Salvador, 72 A.)
FRANÇA — L. Charles Baudouin (Paris).
SUISSA — Albert Ciana (Genebra Rampe de Ia Treille, 3).
BÉLGICA — Roger Avermaete (Antuérpia —
Avenue d'Amèrique, n. lOUj
A Redaeção não se responsabiliza pelas idéias de 'Seus collaboradores. Todos
os artigos devem ser assignados por extenso ou pelas iniciaes. E' permitti-
do o pseudonymo, uma vez que fique registrada a identidade do autor, na
redaeção. Não se devolvem manu«criptos.

SUMMARIO
A ESTRELLA de ABSYNTHO Oswaldo de Andrade
POEMA . . Mario de Andrade
CREPÚSCULO Luiz Aranha
CINEMA DE ARRABALDE Ribeiro Couto
SO Dl UN TRENÓ Claudius Caligaris
SALVAR Carlos A. de Araújo
PAYSAGE Joseph Billiet
RÊVERIE Serge Milliet
ARS LONGA Guilherme de Almeida
XADREZ ., , A. C. Couto de Barro»
CARNAVAL . . . . . Pedro R. de Almeida
CHRONICAS:
MUSICA Mario de Andrade
LIVROS & REVISTAS
CINEMA G. de N.
LUZES & REFRACÇÕES
EXTRA-TEXTO Yan
d Estrella de flbsyntho
^

(FRAGMENTO)
O cadáver nú, de cabellos ata- traz, com retorcimentos fixos,
dos numa toalha, foi levado cau- todas recobertas como imagens
telosamente até a parede do ima- em Semana Santa.
ginário atelier. E havia amphoras e flores.
Elle apanhara-lhe o dorso,
Iam crucifica-la na parede núa
despencado em ligeira curva. O
e branca. Rodin, levantando-a pe-
velho felino, barbudo e de bocca
los inúteis seios, dava ordens im-
furada que conduzia de costas o
passíveis. Mestrovic batia \â o
cortejo, tomando-a pelas axillas,
seu longo prego. E apenas o bra-
era Rodin. E o grande diabo os-
ço que lhe haviam entregue a el-
sudo, Mestrovic, recém-chegado
le, endurecera e resistia, empur-
da Servia, o que levava as pernas
rando-o para longe.
geladas para sempre.
Depuzeram-na no estrado de Rodin esperava. Mestrovic ti-
páu, inerte e dura murcho o ven- nha a cabeça de fúria em ataque
tre acima do triângulo negro e do Sérgio monumental de Kos-
symbolico. Depois, começaram a so vo.
crucifixão. Era preciso dominar a consci-
Para lá, na vastidão respeito- ente resistência do braço. Aos
sa da sala, havia grandes esta- repelões o membro em angulo
tuas, atadas aos punhos para cedeu, acceitou a linha recta da

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cruz, num crac-crac de ossos in- da na parede que ficara como
ternos. uma cruz de mil braços.
EHe tomou o martello e o pre- E Jorge de Alvellos viu que era
go longo, bateu a primeira pan- o cadáver de Alma que tinha cru-
cada inútil na palma cartilagino- cificado para estudar anatomia...
sa. E Rodin dizia que era preci- EHa despregou as grandes pos-
so haver martyres para haver tas rachadas, viva, soluçante, pa-
arte. ra elle!
O esculptor abriu os olhos na
Mestrovic atravessara victo- escuridão de seu quarto. E per-
riosamente a mão que segurava. cebeu a madrugada neutra, num
Rodin baixára-se a perfurar os silencio de vidas estranhas.
dois pés na mesma agulha de
ferro. Onde estava? Escorregára-Ihe
dos braços afflictos. Onde esta-
EHe então bateu. E houve um va? Levantou-se de um salto. El-
tinir repetido de aços, apagado la fugira...
pela repulsa de borracha dos Atirou-se para a porta: perma-
membros ankilosados e murchos. necia fechada na noite. Voltou,
Salpicaram gottas glaciaes co- bateu os ângulos desertos, foi ao
mo remorsos nos braços nus dos leito. Pareceu-lhe vel-a ainda. Le-
crucificadores. vantou os lençóes, o colchão: não
E a cabeça de frango virou, o estava.
corpo suspenso desceu num pe- Estava longe. Onde? Na enfer-
so bruto, alargando as chagas maria? Não. Mais longe. No ne-
nos pregos e pondo em relevo crotério? Não. Mais longe. Na
estrias de músculos, de nervos, cova.
de costellas. Jorge d*Avellos sentou-se. Viu
Então abriu-se a porta e um descer, descer, no escuro, num
esplendido ephebo nu, coroado desequilíbrio, sobre os hombros
de myrrha, appareceu e gritou que tinha aconchegados, um
como um arauto de consciências mundo apagado de formas.
heróicas: E ficou alli, numa concentra-
— Sangue frio. ção musculosa de cariatide.
EHa permanecia, toda estylisa- Oswald de Andrade.

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Poema
m eu gôso profundo ante a manhã Sol
a vida carnaval!
Amigos
Amores
Risadas
E as crianças emigrantes me rodeiam, pedindo
retratinhos de artistas de cinema, desses que
vêm nos maços de cigarros...
Sinto-me a "Assunção" de Murilo!
Libertei-me da dor...
Mas todo vibro da alegria de viver!
Eis porquê minha alma inda é impura.
MARIO DE ANDRADE.

Crepúsculo
Pantheon de cimento armado
A luz tomba
Refluxo de cores
Mel e âmbar
Ha Iyras de Orpheu em todos os automóveis
Rezes das nuvens em tropel
Céu matadouros da Continental
Todas as mulheres são translúcidas
Ando
Músculos elásticos
Andar com a força de todos os automóveis
Com a força de todas as usinas
Com a força de todas as associações commerciaes e in-
dustriaes
Com a força de todos os bancos
Com a força de todas as empresas agrícolas e as explora-
ções de linhas férreas

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Os capitães amontoados em pilhas electricas
Forças presidencJaes e forças diplomáticas
A força do horizonte vulcânico
As forças violentas as forças tumultuosas de Verhaeren
Sou um trem
Um navio
Um aeroplano
Sou a força centrifuga e centripeda
Todas as forças da terra
Todas as distenções e todas as liberdades
Sinto a vida cantar em mim uma alvorada de metal
O meu corpo é um clarim
Muita luz
Muito ouro
Muito rubro
Meu sangue
Eu sou a tinta que colore a tarde!
LUÍS ARANHA.

Cinema de Arrabalde
Ao sr. presidente da Academia de Letras vem o sr. sub-director da 3.a Repartição

a
este modesto cinema de arrabalde de Águas, com a senhora e os cinco filhos,
vêm famílias burguezas, todas e outras famílias vagarosas da visinhança
as noites, com os chefes pezados * * *
á frente do bando. Trazem me- A sala sempre cheia é estreita e comprida
ninos de eollo que choramingam. Na frente fica uma criançada barulhenta
E- ficam attentas, derramadas que applaude.
nas cadeiras, vendo as tramas da tela, per- Atraz, perdidos pela penumbra dos can-
seguições e turbulências, tos,
vivendo angustiosamente a illusão da- disfaçam-se pares de namorados cochi-
quellas vidas. chantes.
* * * * * *
A este modesto cinema de arrabalde E pelas largas portas lateraes vê-se a rua
vêm as famílias burguezes da visinhança, onde passam a cada momento os bondes
todas &s noites, illuminados,
para ver costumes, para ver terras, para levando famílias enormes em que ha mo-
Arer povos, cinhas vestidas com um orgulhoso mau
para ver esse mundo distante, vago, tele- gosto,
graphico, famílias que só freqüentam os cinemata-
que fica além dos navios de passagens graphos do centro da cidade
caríssimas e se presumem a aristocracia do arra-
* * * balde.
A este modesto cinema de anabalde, todas RIBEIRO COUTO
as noites, "Um Homem na Multidão"

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So di un trenó A EUGÊNIO TREVES.
• o so di un trenó,

1 corre su rotaie infinite in mezzo ad


un buio infinito.
Dietro ha una lâmpada grande che
illumina il mondo.
Fuochisti: due titani. Braccia ferrigne, torso
rosso; sudati. Instancabili!
Nel trenó pochi passegieri.
Ansiosi. Spiano le tenebre. La meta?
No. Ulusione. Ritorno a sedere. Ansiosi.
Un vecchio:
— Io muoio. Guardate lá nella mia valigia.
Ci son perle tolte dagli abissi dei maré.
Prendete.
Un giovane frontealta:
— No.
— Prendete. Hanno luccicori straordinari.
Hanno aggiunto un raggio alia lâmpada
dei mondo.
Un gruppo di giovani.
— Sono arruginite. Le nostre splendono.
Sono soli.
— Ho buttato tanto carbone nella macchina—
— Piu* di te, meglio di te.
— Prendete.
— No.
La vita gli sfugge. Saggrappa ad un
cordone deli© sportello. Si rompe.
U vecchio cadê.
— Alleggerire il trenó. Piu» leggiero,
andrá piu' forte.
Un colpo solo. Uomo e valigia.
Io so di un trenó che corre.
Claudlus Caligaris.

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SALVAR
ais um desejo, amigo!
E' preciso soltar,
pelas florestas frias e adormecidas,
todos os nossos desejos tímidos,
procurando mesmo assombral-os,
para que fujam, para que corram
e se desviem por todos os íados...
Mais um desejo!
E' preciso que a pallida vida,
nos seus longos passeios desoladores,
encontre sempre um desejo perdido
que ella saiba salvar...
CARLOS ALBERTO DE ARAÚJO.

PATSA&E
u ne terre peu vêtue,
qui ondule lentement,
tourne un visage embrasé
vers le soleil pâle.
La campagne au bord du ciei
se rétracte sans un geste
et ne touche plus au ciei
qu'avec des doigts sans désir.

La route osseuse se plie.


Un arbre au bord du chemin
palpe le ciei gris e froid
avec une feuille unique.
D'autres arbres au lointain,
des deux côtés de Ia terre,
encadrent, fixes et noirs,
deux belles joues, couleur de feuilles.

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Comme on voit, passant sur Ia route,
derrière les vitres mates,
entre des mains en oeillères,
un visage qui regarde,
un beau visage anime
deux yeux ouverts d'oü ruisselle,
sans un regard pour le ciei,
toute Ia chaleur du coeur.
JOSEPH BILLIET.

RETERIE
n e plus sentir penser ses yeux caméléons...
Mais tant de pitié me fait mal
Caméléons
Aventurines
Couleur de mer
et traitres
Mais si doux
"J'A1ME SES YEUX COULEUR D'AVENTURINE"
Quel beau sonnet je pourrais faire
si je n'étais un "futuriste"
Quatre par quatre les rimes
et deux tercets
et un salut "Trois Mousquetaires"
Au cinema les d'Artagnan sont ridicules
et j'aime mieux Hayakawa
Ah! le siècle automobile
aéroplane
75
Rapidité surtout RAPIDITE'
Mais moi je suis si ROMANTlQUE
Ses yeux
s e s yeux
s e s yeux caméléons...
C e s t bien le meilleur adjectif
Serge M1LLIET

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Ars Longa
a arte é anterior á vida.
Isto e uma convicção minha,
perfeitamente serena. Eu não
tenho escripto os meus versos á
margem da minha vida: eu te-
nho escripto a minha vida á
margem dos meus versos. Minha existência
bôa gente que compra um livro, que compra
um quadro, que compra uma estatua, com-
pra também um pouco a alma do seu autor.
Não é absolutamente negociável uma alma
separada do corpo. A arte é a alma; a vida
é o corpo. Um homem que paga uma mu-
lher paga um só instante da sua alma, com
é um plagio da minha arte. direito, evidentemente, a todos os segredos
A vida de todos os artistas tem sido um do seu corpo.
commentario á sua arte. Um commentario E ; preciso não se ter vergonha do corpo,
explicativo. E isso pela razão muito sim- si não se teve vergonha da alma. Todos os
ples de que um grande, verdadeiro artista corpos parecem-se com as almas.
colloca a sua arte acima da sua vida. Elle Pudor? — Mas o pudor é a virtude dos
não vive um caso para exploral-o depois: imperfeitos.
elle faz arte primeiro, arte que elle incons- • »»
cientemente vae viver mais tarde. Si para Não ha nada de inconfessável a traz de
um homem qualquer o simples contacto uma grande arte.
com uma obra de arte é uma tentação ir- • • •
risistivel de imital-a na vida, o que não Um artista é mais ou menos um Doutor
será para o seu próprio autor? Fausto. Vende a um gênio máo a sua al-
* ** ma, para ter perfeições moças para o seu
corpo.
Assim, a arte é uma prophecia. Um lindo Questão de conforto: uma obra de arte
vaticinio.
vendida produz geralmente uma cbevióte
Realiza se ou não? — Só os artistas o bem cortada num corpo tractado, um ci-
sabem, mas bem intimamente. garro agradável num pedaço de âmbar fino
• • •
e um perfume de grande estylo num Unho
Quando se affirma uma cousa sualquer puro.
6 preciso concluir qualquer cousa. Do que Isto parece querer insinuar que o pu
affirmei concluo isto: estou absolutamente blico é uma espécie de Mefistófeles. Eis um
revoltado contra esse preconceito geral de elogio extraordinário que elle nunca teve.
que só a obra de um artista pertence ao • • »
publico; a sua vida, não. Que bem pouca importância tem para ò
Mentira. A sua vida pertence também ao artista a obra de arte concluída! E' porisso
povo. O povo tem o direito de devassal-a â mesmo que elle a vende.
vontade. O artista é artista apenas emquanto crêa:
Que nenhum artista grite contra isto! Eu tira do nada, è igual a Deus. Para elle, a
pensaria que elle se envergonha da sua obra de arte tem um valor ephemero, que
vida, isto é, do resultado da sua arte. vae do momento da concepção ao momento
Desde que um homem dá publicidade á da conclusão. Depois... ella fica sendo
sua arte, despe-se em publico de certos di- uma pobre cousa desgraçada, bem morta e
reitos. E' o que se entende por "cahir no bem imprestável, na sua vida. Só repre-
domínio publico». Prostitue-se. Vende-se. A senta uma utilidade toda sentimental: a de

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recordar aquelle instante divino e feliz da
procrcação.
9 — «O menino é táo lindo! Elle poderia
ser um bailarino russo!»
• • *
— «O menino é tão feio! Elle poderia
Todo artista dá sempre á luz um filho ficar corcunda!»
morto. E entrega-o bem simplesmente á Não. Elle não é nem poderia ser: elle foi,
terra deste mundo.
Eis tudo.
Elle precisa chorar sósinho, maternal- Ah! os críticos!
mente. Elle dispensa as consolações impos-
síveis das comadres serviçaes da visinhança, Guilherme de Almeida
que vêm clamar assim: Neste domingo, 1.° de Outubro, 1922.

Xadrez
O s poetas comparam as illusões ás
nuvens. Depois dizem de uma al-
ma illudida que é feliz, que traz
o céo comsigo... Analogia enga-
nosa. Basta que se considere que
sas que outros não viram, não sentiram, não
imaginaram... Por isso é que se força o
próximo a vêr o que vimos, a sentir o que
sentimos, a fim de que o próximo se torne
um pouco de nós mesmos... Porque ser
aquella alma vive, para acredi- differente é soffrer; é não multiplicar-se;
tarmos logo que é, de algum modo, desgra- é morrer pouco a pouco..
çada. As illusões não nos impedem de viver; • •*
ao contrario, a custa dellas é que vivemos. A alegria de uma criança, o riso de uma
Ingenuidade suppôr que uma nuvem possa mulher fazem tremer nas estantes sabias os
formar o céo. Nem uma, nem duas, nem to- sombrios volumes de Schopenhauer...
das as nuvens... *• •
• » *
A nossa dor è sempre normal. E' a pinta
O artista quer communicar aos outros a negra que se alterna com a branca, sobre
sua commoção. Quer imprimir a sua ima- o grande fundo verde do tecido da vida...
gem momentânea ao maior numero possível Ella é da própria essência do tecido, parte
de seres, e, assim fazendo, multiplica-se. O integrante delle; nunca uma nódoa. O te n-
artista é o multiplicador de si próprio. E' po, que tudo desbota, transforma, ás vezes,
o instincto de conservação que nelle age de as pintas negras em brancas. Felizmente,
maneira nova, differente. Arte-anthropo- essa reducção chromatica não é extensiva
centrismo. O artista é a realização máxima, senão ás pintas escuras: o fundo verde per-
requintada, dessa tendência commum do es- manece inviolável como o próprio mistério
pirito humano, em virtude da qual se pro- da vida..
• * •
cura unidade entre o objectivo e o subjecti-
vo; entre o subjectivismo próprio e o alheio Os gregos faziam com as suas verdades
A falta de unidade, de identidade redunda o mesmo que com as suas taças de vinho:
em desgosto e soffrimento. O artista soffre, coroavam-nas de rosas. Assim, ninguém se
quando não consegue, pela sua magia, mo- assustava com ellas. E a especulação philo-
delar os homens á sua semelhança. Como a sophica tomava o aspecto de uma orgia si-
criança, elle chama os outros para verem a lenciosa e embriagadora...
estrella que brilha, o pássaro que vôa, o *• •
cortejo que passa... A gente se torna dif- A musa de certos poetas dá-me a impres-
ferente quando viu, sentiu ou imaginou cou- são da moça que põe papelotes para ondular

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IO
os cabellos, estylisal-os. Mas o que me in- lizador. Em geral, todos tomam a sombra
quieta é que ella nunca tira os papelotes... de um objecto como exacta medida delle.
. . .
A vida é como um taboleiro de xadrez,
Si soubéssemos normalizar os «valores» em que os quadrados brancos se alternam
que nós inconscientemente exageramos, ou com os pretos: seria verdadeiramente fas-
que nos foram impostos já exagerados, a tidioso, senão impossível jogar-se em tabo-
nossa vida mudaria de aspecto, seria mais leiro de uma côr só
tranquilla. Poucos têm esse sentido norma- A. C. Couto de Barros.

Carnaval
4p ria primeiramente ao Appol- Clemente passou. Quando encon-
1o. Caminhou por instinto, trou um pedaço de vácuo, parou
1 e, dirigindo-se certo, entrou
na Rua Onze de Junho. Em
frente ao theatro, accu-
e tomou fôlego: tinha entrado. A
primeira cousa que o feriu foi um
rapaz alto, de casaca, com sapa-
mulava-se muita gente. No em- tos polidos e meias muito trans-
purra-empurra, da bilheteria, en- parentes, o chapéo de pello com-
contraram-se gorros bicudos plicado de reflexos; o peito bran-
de palhaços, cocos de caricatura, co da camisa brilhava também.
chapéos de palha, panamás, plu- Entalava ao olho esquerdo um
mas brancas de "travesti'* de monoculo que parecia definitivo
corte antiga. A' entrada, no pas- e eterno naquelle olho. Sobre o
sador acanhado em que a multi- beiço superior, em leve proemi-
dão se esmagava, radiosa e feliz, nencia, um filete de bigode a tinta
o verde triste, empoeirado e es- preta, um fio apenas, quasi im-
curo dos pinheiros allemães, em perceptível na espessura, e longo
meias-barricas pintadas, contras- como um bigode de chim; nas
tava com o colorido intenso, atre- maçãs do rosto liso, um pouco
vido e carnavalesco das flores de de "rouge** — e nada mais. Ria,
papel, encarnadas, verdes, ama- fazia piíheiras, dizia graçolas a
rellas, enlaçadas a fios de arame, todo mundo, executava piruetas
cruzando-se, fazendo festões de e curvaturas; simiesco e irrequie-
apparato, para ornamento e pom- to, distribuía galanteios ás da-
pa das paredes em festa. A fila mas e ensaiava, maneiroso, pas-
passava, lenta e ruidosa, emquan- s o s de valsa e "poses" de tango.
to os porteiros agitavam o s bra- Parecia feliz, parecia á vontade,
ços e esganiçavam a voz. E, no como que sentindo melhor affir-
meio delia, contrafeito e calado, mada, sob o pseudo disfarce, a

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própria personalidade. Clemente
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metaes, de boccas escancaradas,
espantou-se: um homem que não faziam, tocados da febre ambien-
tinha medo de ser conhecido! te, uma luxuría sonora, larga,
De certo a mulher não lhe era halucinada, que se intensificava,
infiel; elle, de certo, não sahira tornava-se estuante e condensa-
para matar. E, interessado, atto- da, na represa abafadiça das pa-
nito, achando-o engraçado e ab- redes e do tecto. E parecia que
surdo, poz-se a olhai-o com uma era o maxixe que sacudia as fitas
curiosidade ingênua de menino. pendentes e equilibrava no espa-
O rapaz deu uma gargalhada, ço a papelada minúscula, recor-
mostrou-lhe a ponta da língua e tada e esvoaçante; que agitava
gritou-lhe, esfusiante: os tricornios, fazia mover os do-
— Nunca viu, bobo alegre! ? minós, desegonçava os Arlequins,
Clemente, mudo, fez, sem sa- dava relevo ás marquezas em-
ber porque, dous passos para poadas, punha tremuras nos tu-
deante. "Bobo alegre..." Na sua fos de renda, intensidade nos
cabeça atordoada passou toda a perfumes e vertigem nas cabe-
synonimia da palavra: bobo, to- ças. Nos corredores, nos cama-
lo, ingênuo, simplório, pateta, rotes, o povo hurrava frenético;
idiota... E que era elle de facto homens e mulheres, esfregan-
sinão, isso, elle, ludibriado assim do-se, no simulacro de uma lucta
sob o seu próprio tecto? E quem de morte, fazendo-se engulir mu-
o visse phantasiado havia de jul- tuamente mãos cheias de con-
gal-o alegre. E uma porção de fetti, cosinhando os olhos com
raciocínios, confusos, atrapalha- esguichos de ether causticante,
dos, paradoxaes, obsedantes so- enrolando os pescoços em rodi-
bre esse pobre thema borbotean- lhas de papel, viviam por um an-
do no seu cérebro cançado: iam no inteiro. Na platéa, o movi-
e vinham, surgiam e apagavam- mento canalha, sacudido, nevro-
se, renasciam e tornavam a mor- tico, unia corpos a corpos, mix-
rer, emquanto elle, vagaroso, turava as animalidades, fundia
deslocava para a frente a exhau- a s vontades com as chammas
rida carcassa. E, quando entrou do sangue, egualava os desejos
no salão movimentado do thea- em grupos de carne; e a totali-
tro, sob punhados de confetti e dade das cores, — das cores co-
por'entre o cipoal das serpenti- nhecidas, das cores combina-
nas, sentia, pensava e agia expe- das, das cores sonhadas, — ves-
rimentando, bem funda, bem tia com uma túnica só essa mas-
amarga, bem cortante, toda a in- sa requebrada e una em que
finita tristeza de ser bobo. todos queriam intermesclar-se,
confundir alma e músculos, co-
A banda grande executava. Os

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ração e banhas, espirito e pei-
13 procura dos Pierrots. Não esta-
tos, para formar um mesmo cor- vam alli. Elle tinha andado, dilui-
rupta de delírio, uma mesma pal- ra-se na multidão dos corredo-
pitação de dynamismo animal, res, roçara nos que dançavam...
um único e immenso novello de Não estavam alli. E um ódio ven-
loucura. cido contra aquella gente toda o
A musica parou e uma tempes- impelliu para a rua e, emquanto
tade de palmas ensurdeceu a sa- cortava o soalho coalhado de
la; depois, o vozerio cresceu e gente, deslumbrado pelo kalei-
reboou como o barulho de uma doscopio colossal da dança, em
cachoeira. que lhe iam perdidos e arrasta-
Clemente, quebrado de triste- dos, como num supplicio, olhos
za, moido, ignorado e ridículo, e ouvidos, sentindo cahirem os
bobo triste e só, não parava de confetti na saraivada da cor, pa-
perscrutar a assistência, os pa- recia-lhe que tudo gritava: os
res, os que entravam, os que sa- trombones e os clarinetes, os
hiam. pannos revoltos e os braços le-
Três pancadas fortes cortaram vantados.
o theatro — e a banda bisou o Um frescor o reanimou. Olhou
maxixe. para cima: o céo era uma pellu-
Qual! Não estavam alIL As cia negra de joalheiro coberta de
aberturas pequeninas da masca- pedras.
ra operavam prodígios: eram co-
mo vidros de augmento, óculos Pedro Rodrigues de Almeida.
de alcance — faziam crescer tudo Do livro "Carnaval", a appare-
e penneiravam a mascarada, á cer brevemente.

Chronicas:
MUSICA lar ;e me é grato afirmar, como amigo e como
artista, a boa impressão que senti.
Certamente seria o cúmulo da má vontade exi-
F. MIGNONE gir dum músico que apenas inicia sua carreira
dotes de originalidade Já francamente determi-

d
eve gosar férias em São Paulo o com- nada, bem como especialização de modernismo
positor Francisco Mlgnone que a- em quem ainda é estudante e caminha sob as
ctualmente aperfeiçoa seus estu- vistas dum professor. Existe porém nos trechos
dos na Europa. Trouxe consigo u- que ouvi aquela chama benéfica, reveladora dos
ma opera: "O Contractador de Dia- bons artistas de amanhã. Mlgnone desde suas
mantes". Tive ensejo de ouvir al- primeiras obras, ainda compostas aqui, reve-
guns trechos dela na "Sociedade lara uma acentuada predileção pela sinfonia. E
de Concertos Sinfônicos" e em audição particu- essa predileção se acentua agora, tornando-se

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sim que o que mais mfe prendeu nos trechos ou- ço; é preciso olhar de perto, muito de perto. O
vidos foi a parte puramente sinfônica. Nos diá- principal no romance, não tem importância; o
logos de amor, nos monólogos de Felisberto Cal- enredo. O que importa, então? Os detalhes. Ahi
deira, embora imperfeitamente ouvidos pela é que Oswaldo se revela prodigioso. Seu gesto
transposição ao piano, sem partitura que me de milagre faz surgir, como nos contos de fa-
guiasse, desconfio que o joven músico se dei- das, — castellos, luzes, apotheoses, através dos
xou um pouco levar pela expontaneidade, pela quaes passam os seus penso na gene de caout-
facilidade melódica que possui e que em todos chouc, impermeáveis â alegria de viver, incha-
os tempos foi a glória e a infelicidade da escola dos de miséria e de fatalidade. Com espantosa
italiana. Gloria em Monteverdi, Scarlatti, Bos- economia de traços, Olwald arma um ambiente,
sini, Verdi e tantos outros. Mas infelicidade por- articula seres, derrama vida vermelha sobre a
que foi uma das razões da decadência da escola realidade chlorotica, de g e l a t i n a . . .
napolitana, decadência essa que perdura, entre O livro inaugura em nosso meio technica
mil mudanças, apesar das investidas de Verdi, absolutamente nova, imprevista, clnematogra-
dos sinfonistas do fim do século passado, e dos phica. Ao leitor é deixado adivinhar o que o
modernos, com Plzzetti e Malipiero á frente. romancista não diz, ou não devia dizer.
Julguei descobrir, mal encoberto, na obra vocal O romance conta a tragédia de seres actí-
de Mlgnone o lirismo fácil e bastante vulgar dal- vos, que querem agir, precisam agir, mas que
guns compositores veristas. Satisfez-me porém eatão presos, não por correntes, mas por elás-
e entusiasmou-me o quadro sinfônico das dansas ticos, — força centrifuga que os faz desequili-
do 2.o acto. Essas dansas tão caracteristica- brados, dando-nos a sensação physica de um
mente brasileiras, pelo ritmo enervante, pela esforço sempre contrariado. E os elásticos, ás
melodia melosa e sensual são uma tela forte, vezes, pela propriedade que os caracteriza, os
viva ao mesmo tempo que equilibrada. E' ex- empurram além do limite que aqnelles se-
traordinário como Mignone está firme ao traçar res desejariam attingir. Dahi o suicídio do te-
essa página trepida, envolvente, entusiástica e legraphista. Dahi, a mórbida paixão de Alma.
brutal. Desaparece Inteiramente a eloqüência Oswald também sabe vibrar a nota humo-
enfática doe trechos dramáticos: é eloqüência rística. Ella caça o ridículo das situações, no
rida, é sumo de fruta nacional e sensualidade momento em que a rede das attitudes vae se
de negros escravos. E' admirável. Quem ainda desfazer. Assim, mais propriamente, pode-se
tão moço e estudante ainda pinta sinfonicamen- dizer que Oswald não caça o cômico da vida:
te um ambiente com a firmeza com que F. Mi- o cômico da vida é que se entrega a Oswald,
gnone pintou essa parte do seu "Contractador" no momento em que pode escapar, sem que nin-
será sem dúvida, quando encontrar Inteiramente guém p e r c e b a . . .
sua personalidade, coisa que só se completa com
os anos, um músico possante e feliz. Digo feliz, O animatographo d'"Os Condemnados" não
porquê sinto uma tristeza universal pelos mi- apresenta a tragédia de seres reflexivos, prôoc-
lhares de compositores musicais que escrevem cupados com problemas metaphysicos mais ou
sons sem nunca poderem traduzir num acorde menos insoluvels. Os sonhos, as ancias dos con-
ou numa melodia uma parcela minima de beleza demnados são humildes, instintivos. A alma
e ideal. Mignone será feliz. desses seres é uma planície irremediavelmente
verde, onde os maiores accidentes são montinhos
Mario de Andrade de cupins cinzentos, em que, de vez em quando,
pousam corpos mornos e enigmáticos de coru-
j a s . E Oswald, com elles, conseguiu uma pe-
LIVROS quena obra de arte. Obra de a r t e ? ! Sim, ape-
zar dos defeitos. Felizmente, o livro tem defei-
& REVISTAS tos. Nunca soube de artista que fosse pruden-
te, que não errasse. O que ha de divino nos
"Os Condemnados". — Oswald de An- artistas é justamente esse "élan" estouvado,
drade, edição Monteiro Lobato. esse eterno caminhar, que os impedem de pa-

a
rar e reflectir si o caminho que seguem é certo,
contece com "Os Condemnados" o in- bom, firme e valioso, como uma escrlptnra
verso do que acontece com as pin- publica...
turas impressionistas. Nestas é ne- Entretanto, ha temperamentos, para os
cessário a distancia, para ver cla- quaes o que importa é o defeito, a cinca, a can-
ro e bem, para se poder comprehen- tradicçâo. Esses homens são como os "tourls-
der a sua geometria e o seu colori- tes" que, ao se approximarem de Niagára ou
do, que directamente estão relacio- de Paulo Affonso, se preoocupam demasiado
nados com o espaço entre espectador e objecto com as gottas d'agua, que, fugindo á vertigem
contemplado. Ao contrario, no livro de Oswaldo da caudal que ee despenha, lhes salpicam ae fa-
de Andrade prescinde-ee perfeitamente do espa- ces, os ternos bambos de xadrez, e perturbam

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14
com insolencia a visão tranquilla daquelles phe- O cinema realiza a vida no que esta apresen-
ta de movimento e simultaneldade visual. Di-
nomenos lamentáveis. Elles têm a opinião va-
liosissima de que a torrente perdeu um pouco ferença-se pois multo do teatro em cuja base
do «eu volume, com a falta daquellas g ô t t a s . . . está a observação subjectiva e a palavra. O ci-
Esses homens conta-gôttas são os críticos. Para nema é mudo; e quanto mais prescindir da Da-
elles não ha remédio. Não ha cura. Para elles lavra escrita mais se confinará ao seu napel e
o que serve, o que vae a calhaT, o que é abso- aos seus meios de construção artística. Segue-se
lutamente indispensável, é, não ha duvida, um d'ahi que tanto mais cinemática será a obra de
bom guarda-chuva... arte cinematográfica quanto mais se livrar da pa-
lavra que é grafia imóvel. As scenas. por si, de-
A. COUTO DE BARROS. vem possuir a clareza demonstrativa da acção:
S. Paulo, 20 — 9 1922. e esta, por si, revelar todas as minúcias dos
"Suave Convívio" — Andrade Murky. — caracteres e o dinamismo trágico do facto sem
Edição Annnario do Brasil. — Rio. — que o artista criador se sirva de palavras que
1922. esclareçam o espectador. A fita que além da
Andrade Muricy reúne criticas exparsas no indicação inicial das personagens, não tivesse
"Suave Convívio". Nesta visão de conjuncto po- mais dizer elucidativo nenhum, seria eminente-
de-se com mais nitidez observar sua personali- mente artística e, ao menos nesse sentido, uma
dade de critico. Com efficacia, no conjun- obra-prima. B' evidente também que um sem
cto mais ou menos disparatado de figuras e número de qualidades, derivantes dessa quali-
idéas que observou, appareceu no "Suave Con- dade primeira nobilitariam a obra que imagino.
vívio" a erudição firme e larga do autor. Mui- Conseguir-se-hia mesmo a simplicidade dentro
ta serenidade. Muito amor. Demasiado mes- da simultaneidade — o que daria a obra de
mo, quando se trata de observar escriptores pa- arte cinematográfica um valor expressivo ex-
ranaenses. Apezar disso o estudo sobre Emi- cepcionai. O que falta em geral ás fitas ameri-
Jiano Pernetta é a melhor cousa do livro. A canas é a simplicidade de acção, vital e suges-
língua de que faz uso Andrade Muricy é fa- tiva, que nos eleva á grandeza serena e azul
miliar, sincera, agradável. Um bom livro. do classicismo. (Exceptuo naturalmente as fitas
cômicas, especialmente as de Chaplin e de Cly-
M. de A. de Cook. As de Lloyd também). O que lhes so-
Becebemos: bra é a complicação, que imprime a quasi todas
"La Nouvelle Revue Frauçaise", numero um caracter vaudevWesco muito pouco ou ra-
de agosto, com collaboração de William ramente vital.
Blake, Paul Fierens, Charles du Bos.
611 Robin, Jacques de I/acretelle. Como E os americanos só têm decaído a esse respei-
sempre, magnificas reflexões sobre a to. As últimas fitas importantes aparecidas' es-
Ktteratura, por Thibaudet. Chronicas, tão cheias de dizeres, muitas vezes pretencio-
etc. saomente líricos ou cômicos. B" Já um vício. Quem
"La vie des lettres", revista moderna observar com atenção qualquer fita, logo reco-
franceza, publicada sob a direcção de nhecerá a inutilidade de muitos desses cartazes
Nicolas Bauduin. Optimos trabalhos do explicativos, cujo maior mal é cortar bruscamen-
DIrector de Max-Jacob, Fernand Divoire te a acção, seccionando a visão e consequente-
e Mlle. Claire Goll. mente a sensação estética.
"La Criée", numero de agosto da interes- E não se diga que tirar a palavra escrita do
sante revista marselheza. A destacar, cinema seja priva-lo dum meio de expressão.
como sempre, as coUaboraçôes de Mar- Primeiramente: quanto mais uma arte se con-
eei Milliet, Léon Franc, etc. servar dentro dos meios que lhe são próprios,
tanto mais se tornará pura. Além disso: tantos
são os meios de expressão propriamentes seus
CINEMA de que pouco ainda se utiliza a cinematografia!
A cinematografia é uma arte. Ninguém mais,

h
sensato, discute isso. As empresas produtoras
A certos problemas, referentes ao ci- de fitas é que não se incomodam em produzir
nema, que aparentemente pouco obras de arte, mas objectos de prazer mais ou
nos interessam, pois não ha por aqui menos discutível que atraiam o maior número
artistas e fábricas que se dediquem de basbaques possível.
especializadamente a produzir fitas
de ficção. Essa desimportáncia po- A cinematografia é uma arte que possui multo
rém é apenas aparente; tais proble- poucas obras de arte.
mas, quando não tenham artistas para preocu-
par, têm sempre público para educar e orientar. O. de N.

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LUZES
15 sympathia humana com que os críticos allemães
estudam e acolhem os artistas estrangeiros. E*
& REFRACÇÕES que os allemães tem a curiosidade cheia de amor
que faz as grandes comprehensões e as influen-

a
cias efflcazes. Walter von Bathenan affirmou
sem covardia que os allemães não são propria-
Influencia do modernismo theratho- mente creadores. mas que não ha talvez nenhum
logico dos klaxlstas é tão grande povo como o allemão para aprender e desenvol-
que já attingiu o "Estado de S. ver as creaçôes alheias. Exemplo: Wagner.
Paulo" jornal. Começaram a brotar
nessas fecundisslmas terras flores Imaginemos porém a representação contada
de estranho e varlegado aspecto por um noticiarista indígena. E* preciso agora
que contrastam beneficamente com distinguir. Se os autores do Martyrio viessem
os junquilhos, as margaridas e os não-me-deixes ao Brasil, visitassem as redacçôes, distribuíssem
familiares, que sempre foram tão abundantes convites e retratos dedicatoriados teríamos
nos desertos relvados desse popular jardim. As- " . . . collaboraram o genial Debussy. D'Annun-
sim é que num artigo sobre Granam Bell. o so- zio, o sublime, o genial poeta e o maravilhoso
noro órgão de 200 rs. relembra num dado mo- gênio de Bakst. Os coros foram genialmente di-
mento o encontro de D. Pedro H com o inventor rigidos pelo maestro X. V. e todos os demais
do telephonio que até então só encontrara na vi- artistas até o mais Ínfimo corista foram geniaes
da homens que eram verdadeiros telephonistas. na execução da obra estupenda. Até os bilhe-
D. Pedro, porém ligou. E o jornalista comanovi- teiros foram genialmente delicados na presteza
do exclama: com que serviram os pretendentes de logares.
"Audácia feliz do engenheiro, instlncto divi- A sala de espectaculo estava litteralmente cheia.
natório do monarcha affeito a descobrir soffri- O serviço de buffet e buvette... etc." Mas, se
mentos subterrâneos, seja o que for, o facto é como de facto se dá, os creadores do Martyrio
que o imperador... " Estes "soffrimentos subter- forem desconhecidos... é certo que os qualifi-
râneos" cheiram fortemente aos "cavallos so- cativos de nestas, cabotinos e ignaros, entra-
brehnmanos", ás mulheres torriformes de alguns riam na dansa e mais a repetida historia do
collaboradores nossos. E' possível que a redae- caso therathologico. E seria razoável. Como qua-
ção proteste contra o termo. E com effeito, s t e lificar os artistas que não procuraram compre-
"subterrâneo" é tão aéreo, tão vago, que muito hender os críticos!...
pouco se coaduna com os epithetos officiaes do
bem pensante diário. KLAXON que gosta das
cousas no seu logar, substitue pois a catleia alba
por uma humilde violeta e restabelece a expres-
são racionaA, o qualificativo exacto — único que Ha gente que grita contra as modas de hoje,
poderia sahir de um bem pensante jardineiro das contra o quasi nti. Terá razão? Vejamos:
vastas e clássicas áleas daquelle jardim. Assim, Adão e Eva viviam nús no paraizo terrestre
em vez de soffrimentos subterrâneos, leia-se e não tinham o sentimento da vergonha. Um
"soffrimentos subeutaneos". KLAXON gastará dia, (fora melhor que um anjo lhes tivesse pre-
até seu ultimo sangue, em restabelecer a honra gado as boceas com um prego deste tamanho!)
das viuvas, das creanças e dos macrobios. comeram aqoella maçã e lpgo, sentindo-se en-
vergonhados, começaram a vestir-se... Os ef-
feitos da maçã eram simples: constrangiam-os
Duma nota do numero de Abril da NouveUe a vestir-se...
Revne Française; "A OPEBA" montou o Marty- Agora, entretanto, a vergonha diminue. Os
rio de S. Sebastião, no qual collaboraram um effeitos da maçã attenuaram-se, desapparece-
musico de gênio, Cláudio Debussy, um prestigioso ram. Nós começamos a ser como os nossos pães
creador de imagens varbaes, Gabriel D'Annunzio, antes do famosissimo acontecimento. Por Isso,
um pintor no qual a Imaginação exhuberante a gente que berra contra a nudez deve ter co-
mas regrada se allia uma perícia infallivel, Leão mido outras maçãs, ás escondidas de todos. Não
Bakst, etc". Se a noticia sahisse numa revista ha outra explicação...
italiana teríamos sem duvida: no qual colla-
boraram um prestigioso creador de imagens sono-
ras Cláudio Debussy, II pia gran poeta vivo dei
mondo, Gabriele D'Annunzio, e um pintor assai Por uma folha-da-noite de 25 de agosto, em
curioso, Leon Bakst. Si a noticia fosse dada por letras redactoriaes o recente livro de Oswald de
um altemão teríamos talvez maior independên- Andrade foi condemnado. (Perdão!). O articu-
cia. E* curioso de observar-se a fria razão e a lista pesquisou e achou o que grammaticalmente

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observado seria mais ou menos uma ambigüi-
16 Uma refracção zinha só. Ouvimos contar que
dade. A grammatica está para o critico acima a Akademia Brasileira de Lettras, a dlrectora
da naturalidade de expressão. E' homem que de do Grupo Escolar da nossa literatura, mandou p
certo raciocina assim: "Pedro matou Paulo. Foi snr. Gilberto Amado para o canto, de joelhos
p r e s o . . . Quem foi preso Paulo que está mais sobre milhos de uso quotidiano e alimentar, com
próximo. E' preciso corrigir: Pedro matou Paulo. a obrigação de copiar 50 vezes as-armas-e-os-
Aquelle foi preso. . " Salvou-se a grammatica. barões.
O Brasil sabe respeitar as gloriosas usanças avi-
tas, em que com mão diurna e nocturna, os cul-
tores do bem fallar, nos clássicos antigos, a lusa
linguagem, tersa e numerosa, isenta ainda da E' interessante observar a Ignorância dos crí-
poluição dos francelhos, daquelles que, no dizer ticos, cujos vaticinios cream ou destroem repu-
sempre isento de Cândido de Figueiredo, diccio- tações. Ignorância crassa. Ignorância revoltan-
narista insigne, no dizer do nosso Ruy Barbo-
sa, aprenderam. te acompanhada sempre de uma impertinencia
Depois disso ainda o critico faz umas graças. cômica e de uma erudição de almanach. Então
Mas nada disso nos divertiu. quando falam dos modernos, esses senhores de
DIvertidissima no artigo era a citação fran- óculos prudentes e calvicies affirmativas per-
ceza. Citou o homem:
dem completamente o pé. Assim é que, critican-
"La critique est facile do o romance de Oswaldo de Andrade, um ho-
Mais l'art est difficile" mem muito acatado, após haver passado varias
rasteiras na lógica e embrulhado emphrases ca-
Até onde vae a tortura da rima. Certamente belludas um punhado de idéias contradictorias,
o critico da folha-da-noite é um Banville ou um
novo Martins Fontes que desabrocha. Pois não diz que o nosso collaborador só se salva pelas
chega elle ao ponto de bipartir o alexandrino só qualidades das velhas escolas que ainda se per-
pelo prazer de intrometter no verso de Boileau cebem nelle: simultaneidade, synthese etc.!!!
uma rima no primeiro hemistichio. E' costume Que pândego!
que "Banville e Martins gloriosos" não descobri-
ram. E* o que em linguagem portugueza se cha- O snr. Hermes Fontes também é desses. Pelo
mará uma "trouvaille". Mas, nós Klaxistas, "Imparcial", uma vez, affirmou que um livro
guardadores convictos de muitas tradições aqui éra m o d e r n o . . . porque? P o r q u e . . . era "bou-
repomos para gáudio dos nossos leitores, o he-
mistichio no seu logar destruindo a innovação l e v a r d i e r " . . . — leso até parece d'DLLE...
do articulista. Pois não sabe o snr. Hermes Fontes que o gê-
"La critique est aisée, et l'art est difficile". nero "boulervardier" é velho como Victor Hugo?
Ah! querido critico, Ia critique est aussi três Hoje ninguém acredita em "boulevards", como
difficile! ninguém cré, tão pouco, em symbolismo. São
coisas essas que, mesmo ei existissem, deveriam
ser negadas.
Eis um trecho de ouro do sr. Gilberto Amado,
do seu recente livro "Apparenclas e Realidades". Em musica acontece o mesmo. Has pessoas
Vai sem refracções. KLAXON ás vezes se com- que incommodoam seus vizinhos, aplaudindo ou
praz em mostrar unicamente a luz. E ê mesmo vaiando compositores, que elles não comprehen-
do que mais precisa a arte no Brasil. Ao fallar dem. Num dos últimos concertos realisados no
sobre literatura brasileira diz o sensato ensaísta:
"O que nos calharia no momento actual se- "Municipal", um homem comprido, de intelli-
ria, por assim dizer, uma agitação romântica no gencia magra, uivava bravos ridiculamente
sentido que essa expressão pudesse comportar peremptórios. Ao meu lado, um amigo esphituo-
de exaltação febril da imaginação creadora, do so perguntou-me: quem é aquelle homem bra-
desprezo ostensivo das formas consagradas, de
arrancada gloriosa para o novo, o nunca dito, o vo?
interessante. A nossa literatura está ainda toda Todos esses homens teêm, no emtanto, uma
por fazer. . (o que, para KLAXON não é pro- razão de ser. São mesmo Indispensáveis. Fazem
priamente a verdade n u a ) . . . é evidente que rir. Desengorgitam o fígado. São homens medi-
não pode ser com academicismo, linguismos e
bobagismos que havemos de constituil-a com a cinaes e, portanto, recomendáveis como a Gua-
vida, isto é, com as concepções, com o calor rani. Espumante, o Lacta Nutritivo e o Elixir de
fecundo do sentimento." Nogueira.

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De Mario de Andrade De Oswaldo de Andrade

Paulicéa
Desvairada

Em t o d a s as Em t o d a s as
livrarias livrarias

De Guilherme de Almeida De Vin. Ragognetti

8REIÍMEHIE
Natalika edição KLAXON

Gazarra
Messidor, traducçao
Citíadina
frailçeza de Serge MILLIET






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