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JOVENS DIANTE DA HISTÓRIA: o nacional e

o internacional na América Latina

YOUTH IN THE FACE OF HISTORY: national


and international agendas in Latin America
Luis Fernando Cerri∗
Jonathan de Oliveira Molar∗∗

Resumo
O presente artigo tem por objetivo analisar distintos aspectos político-identititários das noções de consciência histó-
rica, cultura política e nação, de alunos com 15 anos de idade de três países vizinhos: Brasil, Argentina e Uruguai.
Este trabalho está inserido em um contexto mais amplo do projeto, denominado “Jovens diante da História”, que
buscou inspiração em uma experiência de pesquisadores europeus chamada “Youth and History”, iniciada em
1994. Com base em um questionário com mais de 40 questões direcionadas a alunos e professores dos países
abarcados no projeto, selecionaram-se algumas situações em que os alunos abordaram assuntos ligados aos
objetivos desse recorte temático. Consideram-se, assim, a partir das assertivas dos respondentes, assuntos que
discutem desde o passado colonial latino americano a dilemas da contemporaneidade como entraves entre nações
e blocos econômicos.
Palavras-chave: Cultura política. Identidades. América Latina. Nacional/Internacional.

Abstract
The present article aims at analyzing different political-identitary aspects of the notions of historical consciousness,
political culture and nation of 15 year old students from three neighboring countries: Brazil, Argentina and Uruguay.
This work is part of the project called “Jovens diante da História”, which sought inspiration in an experience
conducted by European researchers called “Youth and History”, started in 1994. Based on a survey with more
than 40 questions directed to students and teachers of the studied countries, a number of situations were selected
in which the students approached topics related to the goals of the research. Therefore, from the assertions of the
respondents, the present article considers issues that deal with both the colonial past of Latin America and the
contemporary dilemmas, such as hindrances between nations and economic blocs.
Keywords: Political Culture. Identities. Latin America. National/International Agendas.

Introdução consciência histórica. Embora o uso do termo esteja


relativamente generalizado nos meios da pesquisa
O presente artigo visa discutir aspectos políti- em ensino de História, da formação de professores
co-identitários que envolvem noções de consciência e das políticas públicas para o ensino de História,
histórica, cultura política e nação, a partir de uma consciência histórica não tem uma definição unívo-
pesquisa empírica com alunos com 15 anos de ida- ca. Cardoso (2008) lista quatro sentidos possíveis
de, provenientes do Brasil, Argentina e Uruguai, no para o tema na literatura especializada.
contexto do projeto de pesquisa intitulado “Jovens Em estudo anterior, Cerri (2001) indica que há
diante da História”. O questionário utilizado para duas grandes vertentes na abordagem do conceito:
os alunos envolveu mais de 40 questões das quais a primeira (inclusive cronologicamente) estabelece
foram selecionados para este texto os dados que que a consciência histórica é o resultado de con-
abarcavam as noções citadas acima. O questioná- dições de ambiente histórico e cultural e de prepa-
rio dos professores não continha informações sobre ração intelectual do indivíduo, de modo que ele se
esses temas. torna capaz de conceber a condição histórica de to-
O primeiro elemento que se torna necessá- das as coisas e agir de modo consciente sobre elas,
rio considerar é o problema da pesquisa empírica considerando a relatividade de todos os discursos e
da consciência histórica em função do conceito de opiniões.


Professor do PPGE/UEPG. E-mail: lfcronos@yahoo.com.br
∗∗
Mestre em Educação e professor colaborador da Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG. E-mail: jonathanmolar@hotmail.com

Práxis Educativa, Ponta Grossa, v.5, n.2, p. 161-171, jul.-dez. 2010. Disponível em <http://www.periodicos.uepg.br>
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Outra vertente da abordagem do conceito de segmentos em que se divide o mercado político e


consciência histórica a considera como um conjunto resulta tanto dos processos de socialização, como
de estruturas mentais e processos, típica do pensa- da experiência política concreta dos membros da co-
mento humano, necessária à vida cotidiana, inde- munidade política”. (MOISÉS, 1992, p. 7).
pendentemente do contexto em que se insira. Para Desse modo, no projeto “Jovens diante da
Rüsen (2001, p. 57), a consciência histórica pode História”, busca-se as articulações entre a cultura
ser descrita como “a suma das operações mentais histórica – conceito que delineia “um conjunto de
com as quais os homens interpretam a sua experi- fenômenos histórico-culturais representativos do
ência de evolução temporal de seu mundo e de si modo como uma sociedade ou determinados gru-
mesmos, de tal forma que possam orientar, intencio- pos lidam com a temporalidade (passado-presente-
nalmente, sua vida prática no tempo”. futuro) ou promovem usos do passado” (ABREU;
Ambas as vertentes contém conceitos a par- SOIHET; GONTIJO, 2007, p. 15) – e cultura política.
tir dos quais é possível realizar levantamentos em- Para Flores (2007), expressão cultura histórica ex-
píricos de elementos constituintes da consciência pressa a perspectiva de articulação entre processos
histórica. Para a primeira, entretanto, isso seria de históricos em si e os processos de produção, trans-
pouco interesse, já que as características e com- missão e recepção do conhecimento histórico, o que
ponentes desse fenômeno já são dadas no próprio é perfeitamente compatível com os objetivos que se
conceito. Também para essa vertente, a pesquisa estabeleceu para a investigação.
teria a desvantagem de limitar levantamentos in-
terculturais, pois seriam excluídas as culturas em Metodologia, inspiração e histórico
que a consciência histórica não fosse uma carac-
terística marcante. Pelo mesmo motivo, não seria Antes da incorporação de dados do Uruguai, o
possível uma coleta de dados abrangente dentro projeto se chamava “Jovens brasileiros e argentinos
de uma mesma sociedade, visto que nem todos diante da História” e foi inspirado basicamente na pes-
reuniriam os quesitos educacionais e culturais ne- quisa “Youth and History”, desenvolvida nos países
cessários para serem tomados como portadores de europeus a partir de 1994, com base na rede Europe-
consciência da História. Isso pode ser problemático an Standing Conference of History Teachers Associa-
até mesmo nas sociedades europeias que, após tions (Euroclio). Esse projeto procurou dar respostas
décadas de migrações vindas do Terceiro Mundo, às questões sobre a qualidade, as características e
apresentam-se como sociedades multiétnicas e os resultados do ensino de História, bem como sobre
multiculturais. a configuração geral da consciência histórica e atitu-
des políticas dos jovens europeus, por meio de um le-
A vertente representada por Rüsen, Berg- vantamento comparativo de amplo alcance. A pesqui-
mann, Heller e outros sustenta a possibilidade da sa foi realizada através de um questionário fechado
realização de surveys internacionais e interculturais. respondido por jovens de 15 anos, que versava sobre
Tanto é assim que a investigação “Youth and His- conteúdos, métodos e concepções de História e cida-
tory”, por exemplo, que inspirou a pesquisa cita em dania, com sustentação no conceito de consciência
seu relatório final 11 obras de Jörn Rüsen. (ANGVIK; histórica. Constituiu-se da elaboração, aplicação e
BORRIES, 1997). tabulação dois questionários: um para alunos e outro
para professores, definidos após várias reuniões en-
A pesquisa sobre consciência histórica está
tre as dezenas de pesquisadores de toda a Europa,
intimamente ligada às preocupações quanto às ati-
liderados por Magne Angvik e Bodo von Borries.1
tudes políticas dos respondentes, cidadãos plenos
ou em via de chegarem a essa condição ao comple- As adaptações para um projeto latino-ame-
tar a maioridade legal. Em muitos casos, os alunos ricano referente à juventude e sua consciência his-
respondentes estão prestes a realizar sua primeira tórica, que é o objetivo final desta pesquisa, envol-
participação política como eleitores, uma vez que no veram, além da retradução a partir do português de
Brasil o direito ao voto já está disponível (embora Portugal, a adaptação cultural dos questionários, por
ainda não obrigatório) aos 16 anos de idade. meio de exclusão de algumas questões, inserção de
outras e adaptação de outras ainda.
Para enfrentar esse aspecto da questão geral,
utilizamos o conceito de cultura política, que “refere-
1
se às orientações especificamente políticas, às atitu- Há uma descrição sumária do projeto e seus resultados em
des com respeito ao sistema político, suas diversas http://www.erzwiss.uni-hamburg.de/Projekte/Youth_and_History/
homepage.html. No Brasil, Schmidt e Garcia aplicam o conceito
partes e o papel dos cidadãos na vida pública”, se- de consciência histórica em experiências de sala de aula com
gundo Almond e Verba (1989 apud BORBA, 2005, p. base em materiais de acervo familiar em escolas de Curitiba e
148). De acordo com o cientista político José Álvaro região metropolitana. Outro estudo é a dissertação de mestrado
Moisés, há um consenso quanto a esse conceito, que de Maria Rosa Chaves Künzle, defendida no Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná em
envolve “a generalização de um conjunto de valores, 2003, intitulada “O ensino de história e o conceito de nação: um
orientações e atitudes políticas entre os diferentes instrumento de pesquisa”.

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Foi incluída uma série de questões pertinentes e Espanha a partir do século XV. Contudo, a ideia
para o contexto sul-americano, não contempladas de que a nação é a união entre o ideal de sobera-
satisfatoriamente no questionário europeu: os heróis nia, povo e território, iria se formar durante o século
nacionais (canônicos e subversivos), as ditaduras XVIII com a política do Estado-Nação (de homo-
militares, o papel das mulheres. A questão sobre geneização cultural e fortalecimento das fronteiras
indenizações aos países colonizados foi modificada territoriais e identitárias). Dessa forma, uma nação
para indenizações aos descendentes dos povos ori- surge alheia à vontade de um soberano, concepção
ginários ou africanos, explorados e/ou submetidos a que não seria viável no século XV, destarte que para
políticas de extermínio no processo de construção a construção nacional há uma série de fatores que
das nações latino-americanas. geram sua fundação e, principalmente, manutenção.
(IANNI, 1999).
Os questionários – um para professor e um
para alunos – incluem temas sobre os quais os res- As questões étnicas, religiosas ou linguísticas
pondentes manifestam-se marcando o nível de sua são fatores relevantes, mas não suficientes para a
concordância com as afirmativas através da escala formação de uma nação, que depende também de
de Likert.2 Foram computados 1.472 questionários de sua representação nas três temporalidades, isso é,
alunos, sendo 744 do Brasil, 535 da Argentina e 193 passado, presente e futuro. As lembranças do passa-
do Uruguai, e mais 65 questionários de professores.3 do através da memória e outras formas de resgate,
atreladas ao presente e ao desejo de convivência em
comum e, por último, o futuro e o desejo de desenvol-
Identidade, nação e Mercosul: elos de uma vimento e de manutenção de seu cimento identitário.
mesma cadeia
Segundo Poutignat e Streiff-Fenart (1998), a
O entendimento moderno do conceito de na- nação em seu sentido moderno difere, seja como Es-
ção advém da formação dos Estados Nacionais eu- tado, seja como conjunto de pessoas que aspiram à
ropeus, tendo inicio com a consolidação de Portugal formação de um Estado, das comunidades às quais
as pessoas se identificam tradicionalmente, em ex-
2
tensão, em número e em natureza. Apesar disso, as
A escala de Likert ou escala de atitudes é “uma maneira de medir
como as pessoas vêem alguma coisa, seja um grupo de pessoas,
nações procuram oferecer vínculos com a tradição
uma questão social ou uma experiência de vida […] os pesquisado- e as perspectivas vindouras, conforme explicita o
res elaboram uma escala fazendo aos respondentes certo número hino esparciata: “Nós somos o que vocês foram; nós
de perguntas, todas elas relacionadas com a questão em pauta seremos o que vocês são”. (RENAN, 1882/2006, p.
e que os convida a concordar ou discordar de declarações […].”
(JOHNSON, 1997, p. 87). No caso em questão elaboramos cin-
19). Contudo, a ordem neoliberal global lança uma
co níveis de concordância (variando de péssimo a ótimo, discordo nuvem nebulosa sobre as fronteiras das nações e
totalmente a concordo totalmente e assim por diante), a partir da ao entendimento dos seus componentes básicos,
qual se atribui valores numéricos a cada resposta (de -2 para a dificultando assim, a orientação temporal, função da
resposta mais negativa, passando por zero para as respostas neu-
tras e 2 para a resposta mais positiva), sendo que o tratamento é
consciência histórica.
a produção de médias que permitem aferir a concordância média Agregada à ideia de nação encontra-se o con-
com cada afirmação, e a definição de desvio padrão, que permite
conhecer a média da variação das respostas. As questões para ceito de identidade, o qual permite que um indivíduo
os alunos envolvem opiniões sobre o significado da história, a se localize em um sistema social e seja localizado
importância de seus objetivos, formas de História que mais agra- por esse; e, mais amplamente, realiza a identifica-
dam e em quais mais se confia, importância de religião e política, ção de uma comunidade. A noção de identidade há
as práticas de sala de aula, conhecimentos de cronologia sobre
processos históricos, interesse em períodos e temas de História, muito vem se modificando. Atualmente, têm-se o que
noção de passado e projeções para o futuro (pessoal e coletivo), Stuart Hall (1999) chama de a “crise da identidade”,
tópicos importantes do conteúdo escolar da História (Idade Média, ou seja, um processo amplificado de modificações,
Colonização, Revolução Industrial, Adolf Hitler), grau de importân- em que as estruturas e processos centrais são des-
cia de elementos da vida pessoal e coletiva, sentido da História,
interpretação da riqueza e pobreza, compreensão da historicidade, locados, abalando os quadros que forneciam uma
definições de nação, solidariedade social, próceres, Mercosul, de- referência estável aos indivíduos no mundo social.
mocracia, papel da mulher, governos militares e posicionamento Desses, as ideias de povo e soberania são conside-
quanto a temas polêmicos contemporâneos. radas essenciais, mas, assim como a ideia de terri-
3
As cidades envolvidas incluem Ponta Grossa, Curitiba, Londrina, tório, são recolocadas dentro das formas fluidas da
Cornélio Procópio, Marechal Cândido Rondon, Cascavel e Fran-
cisco Beltrão (todas no Paraná), La Plata, Santa Fe, Malvinas Ar-
contemporaneidade, que envolvem deslocamentos
gentinas, San Miguel, e José C. Paz (na província de Buenos Aires, populacionais expressivos para outros países, entre
Argentina), Montevidéu, Solymar e Florida (no Uruguai). Em todas outros fenômenos.
as cidades foram selecionadas cinco escolas (quando havia todas
as categorias): três públicas (central, de periferia, de excelência) e O século XXI encontra consolidada a ordem
privada (confessional e laica). Não se tratam de amostras estatís- multipolar no sistema mundial (HALL, 1999). Em ou-
ticas, mas de um ensaio de aplicação do instrumento. As conclu- tras palavras, apesar da persistência da divisão di-
sões, portanto, não são dadas em termos de representatividade
nacional, mas de indícios para a continuidade da investigação e da cotômica entre desenvolvidos/ subdesenvolvidos há
reflexão, o que não torna os resultados menos significativos. possibilidades de agrupamentos entre países, seja por

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fatores econômicos, políticos ou sociais. Nesse con- livro “Geopolítica do Brasil”, do mentor da ditadura
texto, os grandes blocos como a União Europeia, Mer- militar, Golbery do Couto e Silva).
cosul, Nafta, e outros ganham um novo significado.
Percebe-se isso quando uma língua comum,
O Mercosul deu início a um processo de in- uma cultura comum e um extenso tempo de convi-
tegração entre seus membros e vem se ampliando vência tendem a não ser suficientes, para os respon-
com a perspectiva em curto prazo de ingresso de de- dentes, para que um território e um povo pertençam
mais países como Chile e Venezuela. Para além da a uma nação e sejam anexados por ela. Ao mes-
importância econômica para seus membros, o bloco mo tempo, é perceptível uma grande credibilidade
é também um instrumento de política internacional. e apelo para as soluções negociadas para conflitos
O significado internacional do Mercado Co- internacionais.
mum depende, por um lado, de uma política comum Um dos dados mais significativos é a vontade
satisfatória e integradora e, por outro, das alternativas dos habitantes, que aparece em média como o fator
expostas pelos jogos de interesses da ordem mun- mais importante para que um território faça parte de
dial. Dentre os principais pontos que compõem os uma nação. Diante desses dados, fica caracterizada
objetivos do Mercosul, a integração comercial é a que a predominância de uma concepção política de na-
se encontra mais avançada, vislumbrando-se a curto ção, que a entende como o resultado de um contra-
prazo a integração aduaneira e a livre circulação de to, de uma adesão a um projeto coletivo, em vez de
bens, serviços, capital e mão de obra. São previsíveis
uma decorrência natural da terra, da etnia ou da lín-
os conflitos por medidas protecionistas; essas, contu-
gua, que dispensasse a decisão voluntária dos seus
do, podem ser consideradas mínimas frente ao todo.
integrantes. Outro dado importante é que, embora
Em suma, o Mercosul tornou-se uma impor- os estudantes brasileiros acompanhem todas essas
tante ferramenta para lidar com a globalização e o perspectivas, suas médias são ligeiramente mais
sistema multipolar, intensificando a competitividade baixas que as dos colegas uruguaios e argentinos.
de seus membros no mercado internacional, viabi-
Pode-se perguntar se o resultado seria igual
lizando não só o desenvolvimento econômico, mas
social de forma geral. Porém, cresce a percepção caso nos referíssemos a conflitos reais, como no
de que a integração econômica não é estável nem caso emblemático das Malvinas, por exemplo, para
duradoura se não for acompanhada de uma cres- os argentinos. Ou, ainda, sobre os efeitos do Brasil
cente integração cultural e educacional resultante de não ter demandas territoriais com outros países des-
esforços crescentes por parte dos governos e qua- de o início do século passado.
dros da ciência e da cultura dos países membros. É Dentre as opções para solucionar o impasse,
nesse contexto que se encontra essa pesquisa. os alunos que participaram da pesquisa escolheram
a arbitragem como alternativa mais apropriada, se-
Jovens diante da História: política, nação e guida de perto pela ideia de que a escolha da Terra-
nova deveria ficar a cargo dos habitantes da citada
consciência histórica
região, apontando para o viés da soberania popular,
inspirado na vertente iluminista e na perspectiva do
A questão de número 32 do questionário en-
contrato social de Rousseau. Com menor intensida-
volvia uma disputa hipotética entre a nossa nação
de, o fator cultural também foi apontado como critério
(A) e outra (B) sobre a região de “Terranova”; situa-
para solucionar a questão, mas com um nível mais
ção essa, aliás, encontrada com grande frequência
baixo de concordância, próximo do fator histórico, o
na atualidade. Essa questão foi traduzida diretamen-
te do questionário europeu. Nas alternativas, além tempo de permanência de nossos colonos ou nosso
de permitir entrever que tipo de solução os respon- controle político do território. De forma mínima, os
dentes imaginam para o conflito, se evidenciam al- alunos apontaram a força militar como solução.
gumas das representações que constituem a noção Destaca-se nessa questão a escolha dos alu-
de nação: na verdade, as alternativas postas para nos por meios pacíficos e democráticos para a de-
os alunos referem-se a modos de definir a nação. cisão do citado conflito territorial, seja por acordos
Assim, ao responder, os sujeitos aplicam o conceito internacionais ou pela soberania popular dos habi-
que têm, além de demonstrá-lo. tantes de Terranova. Enfatiza-se também, a opção
A concepção predominante na amostra tra- pelos caracteres culturais e geográfico-históricos,
balhada distancia-se de uma concepção tradicional, denotando assim, o interesse pelo conceito moder-
que defende a nação como resultado natural da cul- no de nação – soberania, território e povo. Em um
tura de um povo, ou seja, as nações já estariam da- mundo fragmentado (BAUMAN, 2005) e sacudido
das por forças culturais e mesmo étnicas e telúricas, por ondas violentas (tanto a nível micro quanto ma-
antes mesmo de sua efetiva existência histórica (a cro), essa rejeição por parte dos alunos é como um
título de exemplo, essa concepção está presente no farol em um oceano escuro.

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Figura 1. Questão 32 do Questionário


Fonte: Dados do Projeto “Jovens diante da História” – 2009

A análise particular de cada país não destoa Na Argentina, atenta-se para a elevada ên-
sobremaneira da média geral, mas podemos encon- fase a arbitragem internacional com e pela escolha
trar algumas particularidades, como o apoio mais in- popular dos “terranovenhos”. Além disso, verifica-se
tenso entre os alunos brasileiros à utilização de vias que a questão cultural é aceita de modo mais ex-
militares, que obtiveram índice superior às alternati- pressivo como critério de nação vista de forma in-
vas cultural e histórica; ainda assim, prevaleceram os tensa, encontrando-se acima do geral; confirmando
meios pacíficos com base no diálogo internacional. a tendência de solucionar conflitos por meios pací-
Dessa forma, apesar dos três países par- ficos, a opção militarista aparece com -0,5. No caso
ticipantes apresentarem um passado colonial, os uruguaio, visualiza-se tendência similar ao argenti-
dados fornecidos pelos alunos brasileiros inferem no dentre as opções de cunho pacífico, obtendo os
menor apego às questões culturais e geográficas, o maiores valores de concordância com a soberania
que pode resultar de marcas mais dolorosas de um popular como critério pelos alunos. Singularmente,
pacto colonial com forte peso escravista, que pouco encontra-se pequena ênfase à questão cultural, a
agregou a uma visão de nação como soberania po- menor média entre os três países, porém com os
pular e identificação com o território. maiores índices de repúdio pelas vias militares.

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Figura 2. Questão 34 do Questionário


Fonte: Dados do projeto “Jovens diante da História” – 2009

A questão 34 não usou a escala de Likert, Com 47% na estimativa geral, os colonizado-
mas a escolha de uma opção entre as oferecidas. res europeus, segundo os alunos, deveriam arcar
Essa pergunta colabora com o esboço da definição com a indenização. Dessa forma, prevalece a ques-
de nação que os estudantes assumem, porque aju- tão histórica de um passado colonial latino-america-
da a caracterizar as relações internas que se ima- no. Passado doloroso, aliás, não só para negros e
gina na comunidade nacional, diante da noção de indígenas, mas também, conforme aponta a pesqui-
uma “dívida histórica” a solucionar para conciliar ou sa para os colonizados de forma geral.
mitigar as diferenças sociais e seus efeitos danosos
nas relações. A segunda opção mais votada refere-se ao
Estado como o responsável para o pagamento da
Esse extenso grupo ao qual pertencemos é indenização, através dos impostos (29%). Infere-se,
estruturado por diferenças sociais e econômicas
com isso, a visão do Estado enquanto ente hege-
que são vinculadas ao passado comum que, por sua
mônico, organizador da sociedade, que tem como
vez, também nos identifica, e coloca a identidade
dever amenizar as injustiças históricas.
em crise: se participamos da nação para que todos
se beneficiem, e a própria História da construção Outra interpretação possível, diante do escla-
da nação prejudicou alguns através da exploração, recimento de que o Estado age “com os impostos
então o pacto se fragiliza: se a desigualdade que pagos por todos” é a perspectiva do assumir cole-
causamos não é ao menos combatida, a comunida- tivo de responsabilidade, postura consequente com
de perde sua credibilidade e meu benefício pessoal a solidariedade interna das comunidades nacionais.
ao participar dela também está ameaçado. Com a Em outras palavras, é o conjunto da sociedade cujo
formulação que demos à questão, introduzimos um passado comum se sustenta na desigualdade que
dado substancialmente novo em relação à pergunta deve se responsabilizar por atitudes que promovam
do questionário europeu, porque ela não pressupõe igualdade. A consequência política na base dessa
necessariamente uma divisão interna e uma crise de posição é uma visão não liberal e tendencialmente
identidade nacional a resolver. socialista (no sentido amplo), presente em quase um

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terço da amostra brasileira e argentina e em pouco Ainda nesse campo, pode expressar uma fór-
menos de um quinto da amostra uruguaia. mula muito comum nos países latino-americanos, que
atribui à exploração estrangeira e/ou ao imperialismo
A alternativa de que “ninguém” deveria pagar o conjunto das desgraças nacionais, adiando a reden-
a indenização obteve 15% do total, assim, parte-se ção do país para o incerto futuro em que essa explo-
de uma noção que se desvincula do passado e rejei- ração acabe. Trata-se de uma manobra populista, pois
ta a demanda de reparação dos grupos prejudicados inclui e legitima a demanda dos pobres, mas sem exigir
nos processos iniciais de construção da riqueza na- dos ricos a partilha da sua riqueza. Ambas as posturas
cional; em 10% dos casos, os alunos atribuíram aos podem ou não estar embasadas em uma deficiente
ricos o dever de arcar com a indenização, um índice aprendizagem da História, pois o ensino dos períodos
baixo e que indica a dissolução do elo entre classe coloniais pode ter levado à noção de que apenas os
social e questões históricas. estrangeiros se beneficiavam da relação econômica
desfavorável com a metrópole, não havendo espaço
A escolha do Estado como responsável deno-
na fórmula para o papel das elites locais.
ta uma visão legalista e soberana do ente público, ou
seja, o gestor que deverá suportar a sociedade em Quanto à análise particular de cada país en-
seus diversos níveis, até mesmo, pelo Estado atual volvido na pesquisa, não se verificam distinções
ter se dado por desdobramentos de um passado co- acentuadas nessa questão.
lonial. A tendência predominante, entretanto, é a de Ao serem indagados na questão 36 sobre a
“exportar” a dívida histórica. Nesse caso, embora se noção do que seria um país/nação, os alunos reve-
assuma o pleito da reparação, a responsabilidade por laram uma visão paradigmática reduzida: 0,56 de
saldá-la é exportada para os países colonizadores, índice médio dos participantes afirmaram que se de-
o que pode significar, novamente, uma operação da veriam defender com todos os meios possíveis os
cultura política que visa reconhecer a demanda para interesses de um país. Embora não seja explícito,
não colocar a comunidade nacional num impasse, apreende-se que, inserido nessa alternativa, há o
mas protelando-a de modo que não seja resolvida envolvimento de ferramentas militares e perspecti-
ou que sua resolução não implique qualquer altera- vas de agressão, mas o esclarecimento completo
ção, ainda que mínima, do status quo. disso demandaria uma pesquisa qualitativa.

Figura 3. Questão 36 do Questionário


Fonte: Dados do Projeto “Jovens diante da História” – 2009

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No que se refere à descrição do conceito É possível perceber ainda certo sucesso do


propriamente dito, os alunos entendem um país en- discurso nacionalista, que procura projetar a nação
quanto união natural de indivíduos ou grupos liga- como atemporal, na tendência à rejeição do item a,
dos pela língua e a cultura. Desse modo, apesar das que indica a nação como fenômeno com início, meio
questões linguística e cultural serem de extrema im- e fim. Por fim, os itens “d” e “e” são complementares e
portância para o laço identitário, a formação de um indicam que os respondentes tendem a valorizar a so-
país em sua gênese histórica, política e econômica berania nacional e os interesses do próprio país. Em
dá-se também por mecanismos mais amplos que resumo, é uma tarefa complexa analisar os números
não só as naturais pelo caráter linguístico-cultural. O coletados no Brasil e na Argentina, pois as escolhas
país enquanto desejo de futuro e de reconhecimento dos alunos podem ser lidas como uma série de apa-
do passado obteve 0,39 de média, com isso, essa rentes contradições. Seja nas opções de cunho tradi-
alternativa está relacionada a um entendimento his- cional ou nas de ordem democrático-liberal houve um
tórico de país/nação ao conectá-lo com as distintas ir e vir de escolhas que não fornecem um só caminho
temporalidades e que agrega passado/presente e a ser seguido, mas alguns caminhos.
futuro em uma mesma opção. A noção do país como
cessão de soberania dos indivíduos para o Estado e Na questão 37, pediu-se para que os alunos
que leva novamente a vertentes com origem rousse- abordassem a formação e a implementação do Mer-
auniana, obteve baixo índice nessa questão – dife- cosul, conectando-o não só com a América Latina,
rentemente na de número 32, o que talvez possa ser mas com o mundo neoliberal.
explicado pela formulação do item e de como ele foi A opção recorrente escolhida pelos alunos é
decodificado pelos respondentes. a que concebe o Mercosul como associação entre
Das várias vertentes possíveis, fica claro que países (0,69), ou seja, visto por seu conceito estru-
a da nação concebida como um fenômeno natural, tural. O item não é excludente, e por isso não tem
intemporal, derivado do próprio tempo e com poucas um caráter opinativo, mas sim de uma espécie de re-
chances de ser outra coisa além do que é, vertente conhecimento neutro. Apesar de relativamente alto,
essa de origem Romântica, equivalente, diante da o índice pode indicar que o conhecimento do que
amostra, à vertente que engloba as definições de na- venha a ser o Mercosul não seja um dado garantido
ção como resultado de um acordo político constan- definitivamente entre os estudantes.
te e continuamente refeito entre os cidadãos. Essa O segundo item de maior destaque é a ten-
última ideia, por sua vez, é de origem Iluminista e dência de concordância com a afirmação de que
pode ser descrita como tendo por centro a noção de o Mercosul é a melhor opção frente às imposições
política, enquanto a outra vertente está centralizada da contemporaneidade e perante os outros blocos
na noção de cultura.4 econômicos. Novamente, prioriza-se a questão eco-
As vertentes culturais estão associadas ao item nômica, contudo, em uma análise mais ampla por
“b”, enquanto as vertentes de predominância política contemplar na resposta a ordem global.
estão associadas ao item “c”. Para o Brasil, há uma A noção de Mercosul como tendo sua origem
leve tendência à predominância da “nação política”, o na integração histórica dos países que o compõem
oposto do que ocorre na Argentina, em que há uma forneceu índices negativos, ou seja, com uma leve
leve tendência a favor da “nação cultura”, que são tendência a discordar da assertiva, o que indica que
praticamente iguais na amostra uruguaia. o foco pelo qual provavelmente esses países estão
Um dado interessante a notar é que, dos três pensados é o foco da História nacional, e não da
países, a Argentina é o que mais coloca em discus- região que envolve o bloco. Nada mais natural, na
são seu passado recente na esfera pública, além de medida em que são escassas as iniciativas nesse
ser aquele em que mais parece haver adesão a uma sentido no campo do ensino de História nas escolas,
perspectiva cultural de nação; o que pode parecer bem como no campo das trocas culturais entre os
contraditório, mas certamente merece um aprofun- países em questão.
damento em novas pesquisas, tanto para consolidar O Mercosul como desvantajoso foi uma con-
esse dado quanto para esclarecer essa aparente sideração em média rechaçada pelos respondentes.
contradição. Nessa mesma linha, também não acreditam que o
bloco latino-americano seja pior para seu país e me-
4
lhor para os outros. Desse modo, nota-se que o indi-
Guyon et al. (1993) diferenciam essas vertentes associando-
as ao modelo de nação da Alemanha (romântico e culturalista)
vidualismo se dá quanto ao passado dos países que
e ao modelo de nação francês (iluminista e político). Optamos, compõe tal bloco, pois, quando a pergunta volta-se
entretanto por não usar essa categorização, pois se origina em para o presente surge a ideia de que é vantajoso aos
um contexto de embate entre os dois países e não tem neces- seus membros, ainda que esse vantajoso seja abor-
sariamente uma correspondência na realidade atual. Ambas as
vertentes, em múltiplas variações, são encontradiças em ambos
dado, primordialmente, pelo aporte econômico. Essa
os países e nas demais nações do globo. consideração permite arriscar que, para o futuro, há

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Jovens diante da história: o nacional e o internacional na América Latina 169
alguma abertura, em termos de concepções, para esses benefícios não são associados aos demais
uma concepção de país que envolva seus parceiros prismas de vantagens que advêm da integração, tal-
mais próximos. vez pela questão comercial ser a mais desenvolvida
até agora entre os países membros.
Em todas essas considerações, a opinião dos
jovens uruguaios é consistente e mais marcada ou Outro questionamento é o quanto os alunos co-
intensa. Argentina e Brasil, por sua vez, apresenta- nhecem da História dos países vizinhos, para avaliar
ram índices próximos entre si; a rejeição da integra- o papel do passado na integração presente. O Uru-
ção pelos motivos históricos registrou na Argentina guai apresenta ponderações similares de modo geral,
a maior discordância. Assim, Brasil e Argentina (se- diferenciando-se pelos valores mais expressivos nas
gundo os alunos) são beneficiados pelo Mercosul no concordâncias e discordâncias, o que parece indicar
que tange ao desenvolvimento econômico, contudo, concepções mais nítidas em relação ao bloco.

Figura 4. Questão 37 do Questionário


Fonte: Dados do Projeto Jovens diante da História – 2009

Considerações Finais tornaram, em alguns momentos, paradoxais. Enfa-


tizar que o conflito em Terranova deveria ser solu-
Os objetivos iniciais, ou seja, as questões de cionado por uma reunião internacional em nada se
consciência histórica que envolvem passado, pre- aproxima da defesa de seu país por todos os meios
sente e futuro e atreladas às noções de identidade possíveis (formulação pela qual se admite qualquer
foram nitidamente observadas tanto nos enunciados meio, inclusive o militar). Em outras palavras, quan-
quanto nas opções dos alunos pesquisados. A am- do a questão era direcionada a um país em geral,
plitude da pesquisa, isto é, Brasil, Argentina e Uru- ocorreram tendências pacifistas, porém, quando o
guai (ainda que as amostras sejam pequenas), cola- assunto envolvia seu país de origem provocava ou-
borou para a visualização de aspectos congruentes tra forma de entendimento, de viés tradicional.
e divergentes entre esses países, explicitando que a Dentro do princípio de que há “contradição”,
ordem mundial tem suas nuances, diante das carac- nesse sentido, é algo que ainda não se consegue
terísticas próprias de cada nação, evidenciadas com entender direito, pode-se estar diante de efeitos
intensidade nas opções escolhidas. concomitantes do ensino de valores com consequ-
Atenta-se para o fato de que ao mudar o foco ências, no limite, divergentes (o nacionalismo e o
de questionamento nos enunciados as respostas se pacifismo), ou as fórmulas quantitativas – tal qual

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170 Luis Fernando Cerri; Jonathan de Oliveira Molar

aplicadas – não estão sendo suficientes para a de direitos humanos, deixadas pela ditadura. Os
compreensão do tema. Outra perspectiva possível ideais democráticos e a politização estão mais di-
na perseguição das hipóteses para esse tema é a luídas nas respostas dos alunos brasileiros, o que
dissociação entre a aprendizagem dos conceitos e pode ser reflexo de um processo tardio – e ainda
a sua efetiva aplicação na vida cotidiana. Os alunos em curso – de escolarização maciça da popula-
apreendem os conceitos de democracia e blocos ção, que no Uruguai e na Argentina aconteceu já
político-econômicos, por exemplo, mas é escasso o no século XIX.
transporte para a prática ou a concepção das diver-
O repúdio a noções mecanicistas e estreitas
sas faces e contexto em que se inserem.
demonstra o quanto provavelmente se modificaram
O Mercosul, apesar da grande veiculação a consciência histórica e a cultura política, ainda
pelos meios midiáticos, parece ser ainda mal co- mais em comparação a países tidos como de Primei-
nhecido e definido. A tendência é compreendê-lo ro Mundo pela ordem econômica global, nos quais o
pelo seu aspecto mais “burocrático”, como simples militarismo e as tendências belicistas muito se asse-
associação entre países derivada do pragmatismo melham ao panorama do século XIX imperialista.
frente aos obstáculos da contemporaneidade. A
perspectiva histórica e cultural que defende que o As marcas da colonização também se fazem
cerne do bloco, ou seja, a integração decorrente de presentes, principalmente nas áreas sociocultural e
um passado em comum ainda é um mito para os econômica. As feridas mal cicatrizadas podem ser
alunos. Questionamos até que ponto essa opinião notadas em escolhas que atribuem ao passado à fal-
é fundada no suficientemente conhecimento da His- ta de integração ou classes sociais estigmatizadas.
tória dos países vizinhos. Esse dado indica a reto- Em contrapartida, tem-se também já uma noção de
mada de uma discussão sobre o ensino de História Estado enquanto ente gestor, responsável pelas
dos demais países da América, obviamente por um temporalidades históricas e com maior independên-
viés diferente daquele dos acordos dos anos 1930 cia, além de uma visão global quando se pensa em
ou 1950 (esses motivados pelo pan-americanismo reuniões e tratados internacionais.
do contexto da Guerra Fria). Desse modo, evidenciam-se alunos em for-
A noção histórica de passado tende a ser mação, porém, que refletem todo um passado co-
deslocada do todo para o particular: os pesquisa- lonial e marcas recentes do pensamento neoliberal,
dos denotaram com grande objetividade que o fator sem saber ao certo o que esperar do futuro. O con-
“passado” associa-se primordialmente ao seu país. junto contextual e as diretrizes colocadas pela con-
A América Latina aglutinadora só vem a existir de temporaneidade fornecem um ir e vir incessante de
um presente para um possível futuro, ainda assim, afirmações e representações, variando conforme a
preponderantemente pelo viés econômico. Esse pergunta e os valores que ela agrega.
dado indica um provável resultado da marca de
O posicionamento da América Latina enquan-
nascença que é a educação histórica provida pela
to região em crescimento e a recente História po-
escola, ou seja, a sua nacionalidade, em contrapo-
lítica de cunho autoritário dos países, em grande
sição à “História Geral”. As duas esferas continu-
medida, colaboram para o ir e vir de pensamentos
am demonstrando dificuldades de concatenação, e
e respostas – e é exatamente nesse ponto que esse
essas dificuldades se intensificam para a História
artigo e o projeto “Jovens e História” vêm a atuar,
regional do subcontinente, que não é nem nacional,
na articulação entre passado/presente/futuro, suas
nem geral.
lacunas, dilemas e paradigmas.
As peculiaridades de cada país se evidencia-
ram. Por exemplo, Argentina e Uruguai ressaltam
mais fortemente os caracteres identitários e cultu-
Referências
rais que formaram sua nacionalidade e, ainda assim,
ABREU, M.; SOIHET, R.; GONTIJO, R. (Orgs.). Cultura
os uruguaios apresentam respostas mais calorosas,
política e leituras do passado: historiografia e ensino
decididas, pois as médias registradas apontam ge- de história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira/FAPERJ,
ralmente para valores maiores que os de estudantes 2007.
argentinos e brasileiros, seja nos resultados negati-
ANGVIK, M; BORRIES, B. Youth and history: a compa-
vos, seja nos positivos.
rative european survey on historical consciousness and
O caso brasileiro demonstra menor rejeição political attitudes among adolescents. Hamburg: Körber-
frente às opções militaristas, o que não significa Stiftung; Heinrich-Heine-Buchh, 1997.
apoiá-las, mas, talvez, maior superação das mar- BAUMAN, Z. Identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
cas das ditaduras militares que assolaram por dé- BORBA, J. Cultura política, ideologia e comportamento
cadas a América Latina. Evidentemente que essa eleitoral: alguns apontamentos teóricos sobre o caso bra-
superação pode estar ocorrendo pela amnésia, sileiro. Opinião Pública, Campinas, v. 11, n. 1, p. 147-
em vez da resolução das pendências em termos 168, mar. 2005.

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Recebido em 01/06/2010
Aceito em 06/08/2010

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