Professional Documents
Culture Documents
---- r
,
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL
I CONSELHO FEDERAL
ADVOCACIA CRIMINAL
UMA ESCOLA DE CIDADANIA
Brasília, DF - 2003
©Ordem dos Advogados do Brasil
Conselho Federal, 2003
DIRETORIA:
APRESENTAÇÃO
Tiragem: 2.000 exemplares tiça". Para o dia do encerramento dos painéis, 14 de novembro,
a OAB, homenageando os advogados e juristas da Bahia, sede da
Conferência, convidou para proferir a palestra magna um mestre
da área do direito penal, reconhecido internacionalmente por sua
inteligência, capacidade e dotado de profunda sensibilidade, o
FICHA CATALOGRÁFICA
Professor EDSON FREIRE O'DWYER, a quem coube falar so
bre "ADVOCACIA CRIMINAL - Uma Escola de cidadania".
O'Dwyer, Edson Freire
Advocacia criminal- uma escola de cidadania / Edson Freire O'Dwyer,
-BrasIlia: OAB, Conselho Federal, 2003. A exposição do Professor Edson O'Dwyer, a par da pro
24 p.. . fundidade dos conceitos emitidos, foi emocionante. A clareza
dos do Brasil. Conse-
1. Advocacia criminal- Cidadania. I. Ordem dos Advoga
de seus pensamentos, difundidos por uma palavra sensível e apai
Ih Federal. II. Título.
CDD: 341.415 xonada, levou, em diversos momentos, os presentes às lágrimas.
Sentia-se, em cada palavra, o amor à advocacia, ao ser humano.
Não foi uma conferência: foi um hino de louvor à advocacia e,
em especial, à injustiçada advocacia criminal. Como um dos mais
sentimentais advogados criminalistas do país, se lamentou pelas
injustiças de uma sociedade dirigida pelo chamado "clamor po-
11I1I1I1I1I1I1I1I........Ii....iI....�......���..��....��__ ������·�==·� . . .; . . ." . ',. .. .
p
pular", ao relembrar da constante incom reensão do direito de defesa, �eleza de su � �� b�e profissão, e de renovar essa emoção àgueles gue
afirmando: "ao defender os homens maus é difícil que nos entendam". tIveram o pnvIleglO de terem-na escutado na sagrada terra de Salva
dor.
A sua apreciação sobre a "justiça técnica" é primorosa. Brasília, 12 de dezembro de 2002.
em regra, só o viu no dia do interrogatório. Mas os fatos, estes Presidente do Conselho Federal da OAB
7
nia com os quais nós, advogados criminais, estamos permanentemente gem são a escola de cidadania em que se constitui a advocacia criminal.
envolvidos. Quando falo em advocacia criminal estou falando do exercício éti
Não são muitos os que vivenciam as profundas diferenças en co da profissão. Se assim não for, se não houver respeito às regras éticas,
tre cidadania escrita e cidadania vivida. Uma, a escrita, só aparece não haverá garantia, direito, ensino, nem aprendizagem. Constatar-se-á,
na Constituição, expressamente referida com seu nome próprio - ci apenas, com sentimento, que os valores essenciais do direito e da Justiça
dadania - duas vezes: no artigo primeiro, inciso III, quando é aponta estão e estarão sendo conspurcados, porque sem ética não há direito, nem
da como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, e justiça, nem valores.
no art. 22, inciso XIII, quando se fixa a competência exclusiva da Depois de mais de 50 anos de profissão, posso falar de ad
União para sobre ela legislar. É pouco, é muito pouco, para uma Cons vocacia criminal e cidadania.
tituição que se quis Cidadã. A outra, a cidadania vivida, esta nós E para falar em advocacia criminal e cidadania eu resolvi
advogados criminais a conhecemos bem, porque somos principalmen lhes contar uma história. Uma história verdadeira, e essa história
te nós os que a defendemos. que 'lhes quero contar são muitas histórias, todas as histórias de
A importância ao culto da cidadania precisa estar mais em advogados criminais, dos éticos, apenas desses, dos que talvez ain
.
nossas consciências, já que não está definida em leis n em nos textos da sejam um pouco românticos, dos que sacrificam comodidades,
constitucionais. Cuida-se tão pouco de cidadania, cidadania real, a lazeres, não temem distâncias, ameaças ou incompreensões e se
que efetivamente nos interessa, que também os dicionários não a arriscam a perder boa fama ou, mais que isso, às vezes até a liber
definem. Então, cidadania é o que cada um sente que seja, o que LAC HAUD e DE SÉZE, ZOLA, HELENO
dade. Lembro de
deve ser reconhecido por todos para diminuir desigualdades, para que FRAGOSO e EVARISTO DE MORAIS.
ela se constitua, verdadeiramente, no repositório dos direitos mais E essa história que lhes quero contar há de começar como
essenciais do homem. começavam todas as histórias.
Cidadania, na prática e juridicamente, é, assim, o conjunto de Todas as histórias, no meu tempo, naqueles tempos, "velhos
regramentos e direitos nominados de garantias: as do devido proces tempos, belos dias", começavam assim: era uma vez ... Fossem estó
so legal, as da tutela jurisdicional do Estado, e todas as demais ínsitas rias da carochinha, fossem reais ou inventadas, começavam sempre
no art. 5° da Constituição ou daí decorrentes. E quando se fala em aSSIm: era uma vez . . .
cidadania e garantias, sobrelevam as que, com todas as limitações, Eu resolvi lhes contar u m a história. Uma história d e vida.
sustentam a liberdade. Não será propriamente a história de minha vida. É a história de um
Falando em advocacia criminal e liberdade, lembro ter ouvido advogado, um advogado criminal, qualquer advogado criminal. Não
do saudoso J. B. Viana de Morais, em bela oração, que o advogado somos iguais, não temos as mesmas lembranças nem vivemos os
criminal se distingue dos outros, porque ele não fala em liberdade mesmos episódios, mas somos parecidos. E como vou lhes contar
sem se emocionar. uma história, façam de conta que todas as nossas histórias são iguais.
E sob o domínio de suas emoções o advogado ensina e apren- Era uma vez ... um jovem igual aos outros. Entrou para a
de. Faculdade de Direito aos 18 anos.
ROGÉRIO LAURIO T UCCI, com suporte em RUY BAR Naquele tempo a Faculdade tinha um nome bonito: era a
BOSA, vincula, muito bem, direitos e garantias, e na medida em que FACUL DADE UVRE DE DIREITO DA BAHIA.
o advogado pleiteia garantias em favor de seu cliente e sua causa O primeiro ano era de matérias básicas, mais ou menos pre
Ê I
está ele pleiteando reconhecimento de direitos, direitos que em seu paratórias para o resto do curso: I NTRO D UÇÃ O À CI NC A D O
conjunto são direitos de cidadania. E esse ensino e essa aprendiza- DIREITO, TEORIA GERAL DO ESTJillO, DIREITO ROMA NO e ECO-
8 9
pais, irmãos, esposos, filhos, amigos, desafetos, adversários. São protago
NOMIA POLÍTICA.
nistas· de dramas e comédias. A todos, o advogado, vê e ouve, a todos
C hegavà-se ao segundo ano e lá estavam as primeiras maté
conhece, muito ou pouco. Com todos dialoga, a muitos apenas aconselha
rias que integrariam a fase profissionalizante: DIREITO CONSTITU
e a outros patrocina.
CI aNAL, FINANÇAS, DIREITO CIVIL e DIREITO PENAL. E um dia
Entre clientes e advoga dos há uma estreita relação de
o jovem estudante recebeu as primeiras lições de Direito Penal.
MANOEL BANDEIRA é um de meus poetas preferidos. confiabilidade, entrega, esperança e às vezes decepção.
E ele diz assim num trecho de seu belo poema EVOCAÇÃO De muitos clientes nós, advogados criminais, recebemos ho
O Direito Penal é na Faculdade o primeiro alumbramento. O Direito Penal foi também, qual o jovem da história, o meu
São mais de 50 anos de vida profissional. Aquele jovem se primeiro alumbramento. E quando ainda jovens estudantes, nos
tornou advogado. E já são 50 anos ininter ruptos de advocacia cri deixávamos por ele seduzir, quando ainda não sabíamos nada da
minal. Envelheceu advogando, vai morrer advogado: são 50 anos advocacia, nada do direito, nada da vida, a defesa criminal já se
de compromisso com a liberdade e a cidadania. transformava no ideal de futuro, no que deveria vir a ser definitivo.
Todos os que envelhecem advogando no foro criminal jun É nessa fase que o estudante de direito já se antevê na tribuna do
tam de sua experiência e de suas vivências as lições que receberam júri, principalmente nela, a fazer o auditório e os jurados se emoci
da vida, da vida profissional. Lições que alguns não aprenderam, onarem e a se emocionar também, e a tentar, às vezes sem sucesso,
mas que são lições de ética e cidadania. que uma lágrima mais afoita, incontida, incontrolável, não lhe salte
Foram 50 anos de delegacias, juízos, tribunais, estradas, cár dos olhos na peroração.
ceres, quartéis, tensões, dúvidas, medos, alegrias, decepções, rai Passado aquele instante de beleza do espetáculo judiciário
vas, surpresas. Foram dias e noites de trabalho incessante, foram do júri, as togas, as becas, os debates, a oratória, a tensão da vota
histórias contadas e ouvidas, Joram relatos emocionados, foram rai ção, para a maioria a realidade vai ser outra . E os bacharéis se
vas incontidas, ambições incontroláveis, justificativas inaceitáveis, albergam no Direito Civil, Comercial, Tributário, Trabalhista, etc ...
mentiras deslavadas, arrependimentos irreversíveis. Foram paixões, São poucos os que ficam. E esses poucos sabem que não
ira, ímpetos, desespero. Foram defesas e acusações. estão indo ao encontro da glória, do poder e da riqueza. O seu
horizonte é a liberdade.
Durante os anos em que se desdobra a vida do advogado
A figura do advogado criminal é sempre a mais admirada.
criminal desfilam ante seu olhos e ouvidos todos os sentimentos,
humores, paixões, dúvidas e esperanças de um número tão grande Lendas, histórias, casos, exemplos, defesas brilhantes, gestos de
de pessoas que não será possivel estimar ou calcular. São pessoas coragem e desprendimento, tudo nos faz diferentes dos demais
de todas as espécies. São pessoas comuns e especiais. São pessoas profissionais do direito aos olhos alheios. A fama dos bens sucedi
letradas e ignorantes. São ricos e pobres. São culpados e inocentes. dos seduz.
São verdadeiros e mentirosos. São vítimas e autores. E são também O que nem todos sabem é que há um espaço muito grande ocupa-
10 11
do por horas insones, por dúvidas atrozes, por expectativas bem vam em julgamento, e que os fatos e o crime não seriam condena
diferentes daqueles momentos fugazes de alegria, euforia, emoção, dos, como não seriam absolvidos. A condenação ou a absolvição
às vezes de aplausos. volta-se para o homem, o homem acusado, aquele que tem alma e
Nesse espaço de ansiedade e tensão, o advogado é mais ci sentimentos. E a este ele, o Juiz, não conhece, não conheceu, não
dadão do que nunca e por isso o ânimo do cumprimento do de lembra sequer sua fisionomia. Não lembra que era um ser huma
ver não se deve tornar menor. E é então que se pode distinguir o n o, um cidadão, aquele a quem ele julgou sem conhecer.
advogado, aquele que faz de sua atividade um exercício de cidada A Justiça do júri é diferente. O acusado ali está, os jurados
nia, daquele que simplesmente advoga. Enquanto um norteia seu ouviram de viva voz sua história, sentiram seu olhar, talvez te
trabalho para os resultados que não interessam apenas a seu patro nham identificado seu arrependimento ou sua arrogância, sua hu
cinado, mas se refletem no todo social, o outro dá-se por satisfeito mildade, seu discernimento, suas origens e valores. E podem julgá
quando escreve a última palavra de sua petição ou quando pronun lo melhor, porque ele, o réu, é um homem de sua comunidade. É
cia a última frase da defesa oral. um homem igual a eles.
O júri é o instante mágico da defesa. Ele nos ensina, mais do Ali no júri talvez seja onde se tem a certeza de que é mais
que possamos aprender em outros momentos profissionais, o quan importante ter bons juízes do que boas leis.
to é complexa e diversificada a alma humana. Ali se erra e se acerta, como em todos os tribunais. já vi o
É no júri que a Justiça está mais próxima de Deus. E Deus é, júri errar levado pela oratória da defesa ou pelas influências polí
também, coração e emoção. ticas ou financeiras, alheias ao direito e à Justiça. Mas já vi pre
Quando RUY afirmou que não há justiça sem Deus, ele cer sentes as mesmas influências em outros Tribunais, os mesmos er
tamente estava querendo dizer que não há justiça sem emoção, sem ros em outros Tribunais. Nunca vi o Júri errar, propositalmente,
coração. Que não há Justiça quando o Juiz só vê à sua frente a Lei, contra o acusado: mas já vi em outros Tribunais.
quando sua preocupação ao sentenciar está voltada, apenas, para Em minha vida profissional já houve dezenas, muitas de
os fatos, as provas, os testemunhos, as perícias, as contradições, as zenas de júris. Já defendi culpados e inocentes, já vi condenações
verdades e mentiras dos autos. RUY sabia que a justiça criminal e absolvições, já vi, repito, erros e acertos. Todos os que advoga
técnica esquece o homem, o homem na sua complexidade, na sua mos no Júri já os vimos. No julgamento popular todos já ensina
cultura, nos seus condicionamentos, no seu passado, na sua educa mos e aprendemos cidadania.
ção, nos seus vínculos familiares, em sua for mação advinda dos Tenho, ainda, paixão pelo Júri. O espetáculo judiciário que
exemplos, bons ou maus, que recebeu. Esquece que
. o homem acu- ali se desenvolve continua a ter o mesmo encantamento do pri
sado tem alma e sentimentos. meiro a que assisti, recém ingressado na Faculdade. Lembro que
A justiça técnica, o julgamento técnico, esquece sempre o naquele momento, como se dissesse a mim mesmo, senti que era
homem. Os autos não o retratam, nem sua fisionomia é lembrada aquilo que eu queria p'ra minha profissão, p'ra minha vida, des
porque o julgador, em regra, só o viu no dia do interrogatório. Mas lumbrado que estava com tudo que via. Mal sabia eu que a vida
os fatos, estes são de importância extraordinária. O Juiz os conhe dos advogados criminais é também feita, e muito, de insegurança
ce, os estudou, é capaz de narrá-los bem na parte expositiva da e de solidão. É bom que os jovens não saibam disso para não se
sentença. E se julga habilitado a sentenciar. E quando condena faz intimidar. Mas se a alguns fizermos confissão nesse sentido deve
um cálculo matemático, sempre técnico, considerando os quantita mos lhes dizer, também, que dúvidas, medos, inseguranças, soli
tivos mínimo e máximo do tipo, e dorme tranqüilo, certo de que dão, tudo isso faz parte da vida.
cumpriu seu dever. Esquece ele que os fatos e o crime, não esta- Não sei de instante maior de cidadania do que quando o
12 13
homem comum, o servidor público, o operário, o comerc
iante, o jornalis dos em 88 e é o mesmo que está agasalhado pelos tratados e convenções
ta, o engenheiro, o balconista, o vendedor, é feito Juiz,
julgador de um seu pertinentes a direitos humanos recepcionados pela nossa Lei Maior e a ela
igual. Ele, o jurado, está ali por ser respeitável, respeita
do, confiável. Só integrados na condição de cláusulas pétreas. É o cidadão que precisa do
por isso. Sem títulos nem pompas.
advogado, o que está lutando por ter seus direitos reconhecidos e assegu
Para usar uma expressão bem nordestina, bem provinc
iana, rados.
fico matutando comigo mesmo se não era no jurado,
no Júri popu Direitos humanos e cidadania não são exclusividade de nin
lar, no juiz leigo, que ELLERO estava pensando
quando afirmou guém. Brancos e negros, ricos e pobres, doutores e analfabetos,
que
homens e mulheres, adultos e crianças, todos os têm. Mas há uma
diferença: em regra, os brancos, os ricos, os doutores e os homens
"julgar é uma função q ue o homem usurpou a pensam ter mais ... e lutam por ter mais.
Deus". Nossa escola de cidadania é feita, em maior parcela, na de
fesa daqueles que não são considerados homens bons: os que de
Não há, não deve haver, advogado que já tenha participado fendemos, nós advogados criminais, estes são os tidos como ho
de um Júri, criminalista ou não, que não haja verificado que o mens maus! E esta é uma das imensas dificuldades e incompreensões
julgamento por homens do povo é um exercício de cidadania, uma contra as quais lutamos para exercer nossos misteres e cumpnr
escola de cidadania. E quando Se fala em cidadania é necessário nossos deveres, o que não nos intimida ou desestimula, ou pelo
que nos conscientizemos de que ela traz em si toda a carga de menos, não nos deve intimidar ou desestimula r. Ao contrário, é
imperfeição do homem, mas mesmo imperfeitos, como somos, tem nessas defesas que o advogado se realiza, é nesses instantes que
de ser cada vez mais exercitada, mais consciente, mais integrada ele é mais do que um advogado, ele é um protetor, é um amigo, é
nos bens e nos males da Justiça. mais que isso, é um irmão.
Estamos falando de cidadania.
Ao defender os homens maus é difícil que nos entendam.
É preciso destacar aqui que a cidadania de que
falamos não Mais fácil é que nos julguem e a eles nos nivelem ou comparem.
é aquela que tradicionalmente identificava os
que podiam ou não Mais fácil é que nos condenem.
votar, ou os que adquiriam ou perdiam a nacion
alidade. Também Mas pouco nos importa como nos vejam ou nos julguem.
não é o mesmo conceito clássico e antigo, quand
o cidadão era o VIEIRA dizia que não nos causa mal algum o que falam de nós
que podia participar da vida política do local
onde vivia. mentindo. Não é bem assim. Muito do que dizem de nós, mentin
O cidadão de quem lhes falo é aquele para
quem se voltou do, nos causa incômodo, raiva, decepção, e a alguns, marca indelé
a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, de 1789, ainda vel e negativamente. Que fazer? Desistir? Não! Conscientizar-se de
que mais preocupada ela com o homem do
que com o cidadão. O uma verdade contida em aconselhamento de RUY a EVARISTO DE
cidadão de quem lhes falo é o que se conse
guiu definir ou identifi MORAIS, sobre críticas e incompreensões para com o advogado e
car nas regras da Declaração Universal de 1948
e na Conferência de sua missão, como EVARISTO julgava sofrer.
Viena de 1993.
RUY nos ensinou que apesar de tudo,
Mas o cidadão que nos importa não é o dos textos legais
nem dos discursos, o que nos importa é o cidadão que eu conheço, " ... nem por isso o papel do advogado é de menos
que é igual a mim, que é meu vizinho, meu patrão e meu emprega necessidade ou menos nobre".
do, meu irmão e meu colega, meu cliente e meu amigo. Este cida
dão é o que está protegido pelos regramentos constitucionais edita- E se preferirmos lembrar, outra vez, MANOEL BANDEIRA,
14 IS
quando assim for, quando nada mais puder ser feito para explicar o que é um homem!
r a cidadania. Ou o
somos e o que fazemos, quando, à semelhança do tísico nada mais puder Fazer isso é, tamb ém, defender e exalta
definitiva, não é um cida
ser tentado, sequer um pneumo-tórax, versejamos com ele: acusado, mormente antes da condenação
mesmo depois de conde
dão? Não tem ele direitos? E não os terá
" ... a única coisa a fazer é tocar um tango argenti- nado?
ado criminal não
no ... " assim e por isso que as tarefas do advog
É
cliente. Elas transcendem
se dirigem unicamente à proteção de seu
indiretamente, a todos. O
Estou a lhes falar de nós, advogados, advogados cnmtnats. E à individualidade e alcançam, direta ou
to de seus deveres, os cus
destes, os que, a meu juízo, merecem nossas atenções, nossos des exercício de suas funções, o cumprimen
labuta são um exercício de
taques, nossos louvores, são os advogados que todos deveriam ser, toS de seu trabalho, as canseiras de sua
sional, não só a seu patr�
os sérios, os éticos, os que se entregam às causas, os que estudam, cidadania respeitante não só a ele profis
em civilizadamente, ext
os que trabalham, os que vibram, os que se emocionam. cinado, mas a tantos quantos, para viver
utamente respeitadora de di
Não dou o mesmo tratamento à queles que se escravizam gem uma prestação jurisdicional absol
aos honorários, aos inescrupulosos, aos anti-éticos, aos que subor reitos.
comunitária, uma ora
nam ou tentam subornar, aos que se acumpliciam com bandidos e Assisti, faz pouco tempo, numa missa
suas invocações, o sacerdote
se fazem bandidos também, aos que vivem e sobrevivem às custas ção que até então não conhecia. Em
ão, sua tolerância, sua Jus
do crime organizado, aos que usam diploma, titulação, identifica pedia a proteção de Deus, sua compreens
, os réprobos, o s assalta�
ção profissional, para vantagens apenas financeiras e pessoais, o tiça, para com os bandidos, os criminosos .
maus. Eles prectsam maiS.
que não lhes dá, nunca, respeito, admiração, dignidade, nem cida tes e assassinos, enfim, para os homens
or, são tamb ém detentores
dania profissional. Mas lhes dá, e a eles oferecemos, o repúdio e a Bons ou maus, além de criaturas do Senh
o que limitada, e é impe-
execração a que têm direito. de direitos, detentores de cidadania mesm
Os que ensinam e aprendem cidadania com a advocacia rioso que a respeitemos. . .
criminal são aqueles que defendem, com o mesmo denodo, humil s depo sitári os da obrig ação de lutar por taIS garantlas,
Somo
nalistas. Às vezes não é fá
des e poderosos. nós advogados, principalmente os crimi
s vidas, mas é preciso lem
Se é dever defender liberdade, cidadania, ética, às vezes cil fazê-lo. Pouca coisa é fácil em nossa
te, a cada dificuldade, a
também se o faz na acusação. E na acusação também se aprende brar sempre, a cada instante, a cada emba
muito. Se na defesa os dotes oratórios, a literatura, a escolha das lição de GOR KI:
provas a serem destacadas e as teses jurídicas são estratégias lícitas,
já na acusação entendemos que só a verdade, a mais pura verdade, "só são homens os que se atrevem a encarar o sol
a verdade dos autos, pode sustentar a atuação do advogado. de frente".
Nesse lado da causa também se aprende muito, às vezes até
mais do que defendendo. Basta ver que é preciso aprender a con Vejam, meus colegas, que a cada instante, com dificuldades,
trolar os arroubos, a não exagerar na argumentação, a tratar com ensinamos e aprendemos, e devemos fazê-lo encarando o sol de
respeito o acusado, a entender seu lado humano, a não partilhar dos senti frente.
mentos e emoções das vítimas. O defensor pode ser público, escolhido ou nomeado.
É preciso não esquecer que, apesar de tudo, ele, o acusado, A vida é sempre mais difícil para os mais necessitados e não
16 17
m marcas físicas, que se ajuntam
há necessidade maior, em certos instantes, do que a de defesa nos tribu advogados criminais poucos, ainda traze
e do medo. Ainda bem que são pou
�
n s. Mas as defesas são onerosas, são caras, os advogados são profissio às psíquicas, decorrentes das torturas
defesa de políticos, presos ou não,
naIS que, como todos, com trabalho garantem seu sustento. E os que não cos. Mas muitos dos que atuaram em
entar-se em algumas delegacias e
podem pagar têm tanto direito à defesa quanto os que a pagam. Mas todos não esquecem de como era difícil apres
o
gado, como era difícil defender. Com
têm direito a uma boa defesa. E nem sempre é uma boa defesa a exercita em quartéis, como era difícil ser advo
s
ania. Mas o fizemos. Não queriamo
�
d por algumas defensorias públicas criminais, que têm sob sua responsa era difícil lutar por liberdade e cidad
. s, nem valentes. O que querí amos era
blltdade, dezenas, centenas de processos. Certamente não. Dai porque não ser, nem o fomos, heróis, nem bravo
que queriamos era defender direitos,
basta lutar pela criação e ampliação de defensorias públicas, é preciso ser advogados, apenas advogados. O
. O que queríamos era pleitear jus
lutar por boas defensorias, sobretudo as criminais, para que elas realmente cidadania, pouco importando de quem
nos era permitido fazer. Em cada
exercitem a defesa na sua amplitude; que não se limitem ao cumprimento tiça. E o fizemos na medida em que
verso de THIAGO DE MELLO,
de �guns prazos e à elaboração de alguns recursos. Que não entreguem a defesa como que repetíamos o belo
malDr parte d e seu trabalho a estagiários ainda inexperientes e que era um grito de esperança:
20 "11