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Educação Popular (EP) serve, por conseguinte, aos mais variados gostos. Dir-se-ia que
há EP feita para o Povo, há EP feita com o Povo, há EP feita apesar do Povo, e há até
EP feita contra o Povo… Nesse sentido, em busca de uma formulação
reconhecidamente abrangente e com alguma chance de relativo consenso hegemônico,
pode-se entender Educação Popular como o processo formativo concernente às camadas
populares, envolvendo diferentes protagonistas, parceiros e aliados e supostos aliados,
animados por diferentes – e às vezes antagônicas – motivações, perspectivas,
procedimentos e posturas ético- políticos e pedagógicos, ainda que comportando
elementos de sintonia no plano estritamente epistemológico.
Com variações de grau, parece ser esse o caráter da grande maioria das
experiências vivenciadas em EP, seja no terreno das relações do Estado, seja também no
âmbito de outras organizações da sociedade civil. Aqui predomina largamente – ainda
que freqüentemente de modo sutil, inclusive sob uma roupagem verbal sedutora – o
sentido assistencialista das experiências de EP, nas quais prevalece o sentido da
preposição “para”. Quando muito, ornadas por ações que parecem, até certo ponto,
dotadas da preposição “com”. Em outras palavras: para essa concepção de EP, o
fundamental da experiência é que ela se destine a favorecer as camadas populares.
Trata-se de implementar projetos e programas educativos – escolares ou não-formais –
destinados às “classes menos favorecidas” ou às “camadas carentes da sociedade”, ainda
que não contem com sua participação decisiva nos distintos momentos do processo.
Não se trata de duvidar das intenções. O que está em questão é o próprio caráter
político-pedagógico do processo, desde sua concepção, passando pelo planejamento,
pela implementação, execução, acompanhamento, avaliação, etc.
Pelo que foi acima assinalado, parece bastante razoável o entendimento de que
não se deve esperar consenso no esforço de definição de conceitos, nas diversas áreas de
saberes, em especial no campo das ciências sociais. É sabida a teia de interesses
conflitantes (de opções político-filosóficas, de classe, etc.), a atravessar e a condicionar
fortemente o olhar de quem se decide por essa ou por aquela concepção. Também, em
Educação Popular não se dá de modo diferente. Sem negar uma diversidade mais ampla,
aqui nos limitamos a focar pelo menos dois olhares acerca do que é entendido por
Educação Popular: um que parece mostrar-se amplamente dominante e um outro que se
reclama alternativo ao conceito hegemônico.
- que seja capaz de trazer para dentro de seus espaços os desafios do dia-a-dia
enfrentados pelos seus protagonistas, dispondo-se estes a ensinar e a aprender, a partir
de e com as pessoas comuns do campo e da cidade;
- uma Educação Popular que, a partir do local, se abra para o mundo, propiciando aos
seus protagonistas sentirem-se e agirem como cidad@os do mundo e parceiros do
mesmo Planeta;
- intimamente ligado ao exercício das artes, tão ao gosto da Educação Popular, importa,
de um lado, fazer um bom uso de múltiplas linguagens (música, poesia, teatro,
desenho, fotos, vídeo…), superando a tendência tão generalizada do monopólio da
oralidade ou da escrita, perpetuando uma das menos felizes heranças ocidentais; e, por
outro lado, fazer uso de uma linguagem compreensível pelos educandos
interlocutores (José Comblin refere-se, com freqüência, a esse cacoete academicista tão
excludente);
- sejam pessoas profundamente amorosas, apaixonadas pelo Povo, não importando que
país ou região habite, e pela nossa Casa Comum, a Mãe-Natureza;
- estejam conscientes de que navegam sobre águas revoltas, e quase sempre navegam à
contra-corrente, o que implica uma postura ao mesmo tempo firme e serena de lutadores
sociais;
Considerações mnemônicas
CALADO, Alder Júlio F. Movimentos Sociais Populares rumo a uma nova Sociedade:
do consenso ideológico ao dissenso alternativo. In: Revista eletrônica. In: Gonçalves,
Moisés A. e CONCEIÇÃO, Geraldo Magela (Orgs.). Outros Olhares – Debates
contemporâneos. Belo Horizonte: Leiditathi, 2008, pp. 13-60.
CHAUVEAU, Gerard. L´École du travail dans la pensée ouvrière. In: Ville École
Intégration, n. 113, Paris, juin 1998.
____________. Ação Cultural para a Liberdade e outros escritos, 3a. ed., Rio de
Janeiro, 1978.
FROM, Erich. Conceito Marxista do Homem, 2a. ed., Rio de Janeiro: 1962.
* Sociólogo e Educador Popular. Desde meados dos anos 60, vem acompanhando a
trajetória dos Movimentos Sociais Populares, no Nordeste. É membro do Centro Paulo
Freire – Estudos e Pesquisas. Autor de, entre outros textos: Gregório Bezerra, um
lutador do Povo. São Paulo: Expressão Popular, 2006.
[1] No período da Ditadura Militar, como é sabido, tudo que aludisse, ainda que de
leve, ao Marxismo, esbarrava na censura, inclusive no âmbito universitário. Hoje,
quando se diz viver “em plena Democracia”, o exercício da pluralidade epistemológica
é, no mínimo, arranhado, pela ideologia do pensamento único que prevalece
amplamente, e graças ao qual pairam como algo bizarro iniciativas (de ensino, pesquisa
ou extensão) que se reclamem inspiradas em paradigma marxiano, ainda que, não raro,
alguns pretensamente novos apresentem elementos claramente nele inspirados…