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ESTADO, MERCADO E SOCIEDADE CIVIL: O TERCEIRO SETOR

EM EVIDÊNCIA1
Juliana Costa Meinerz Zalamena2

RESUMO: A expressão Terceiro Setor tem sido usada para designar aquelas
instituições privadas, mas sem fins lucrativos, que tenham finalidades públicas, porém
não estatais. O que parece uma iniciativa de participação social e rompimento de
amarras regulatórias do Estado, no sentido de estabelecer uma inocente e
promissora parceria da sociedade civil com o Estado, seria somente mais um
instrumento capitalista em nome da instituição do Estado mínimo e da expansão do
livre mercado também nas esferas estatais?

PALAVRAS-CHAVE: Estado, mercado, sociedade civil, organizações sociais,


terceiro setor.

1. O QUE É E POR QUE SURGIU O TERCEIRO SETOR: UM INSTRUMENTO


CAPITALISTA?

Existem estudiosos e suas respectivas teorias que criticam a transferência de


muitas responsabilidades estatais para a sociedade civil, em forma do chamado
Terceiro Setor. Dizem que esta é uma estratégia do capitalismo para disseminar a
idéia de Estado incapaz de sanar com suas responsabilidades, ultrapassado e
arcaico, que precisa ser superado e substituído por instituições mais dinâmicas,
inovadoras e com aparato moderno para suprir as necessidades que as esferas
estatais não dão conta. Estes estudiosos classificam o fortalecimento do terceiro
setor como um instrumento do capitalismo para introduzir a idéia de Estado mínimo e
de regulação partindo do mercado.

A transferência de responsabilidades para as entidades do terceiro setor, seria


então, nesse ponto de vista nada mais que uma forma de enfraquecer o Estado,

1
Artigo elaborado para fins de avaliação no componente curricular de Estado, Sociedade e Nova Esfera Pública,
Professor Doutor Suimar João Bressan.
2
Acadêmica do 5º semestre do curso de Serviço Social da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul – Unijuí, Campus Santa Rosa.
provando de uma vez que o mesmo é incapaz de dar conta de suas obrigações, e
que precisa ser superado por alternativas mais modernas. Para a ótica neoliberal,
não é o capitalismo que se encontra em crise, e sim, o Estado, e assim, elabora-se
uma estratégia de superação dessa crise com base na diminuição da sua atuação.

Para a teoria neoliberal, o Estado entrou em crise em decorrência de pelo


menos, dois fatores: o excessivo gasto do governo ocasionado pela necessidade de
se legitimar através de políticas sociais que atendam a população, e por conta do
papel regulador do Estado que atrapalhava o livre andamento do mercado. Para
superar essa suposta crise do Estado, os neoliberais colocam como condição a
capacidade do mercado em superar as falhas do primeiro, inclusive emprestando a
lógica mercantil para serem adotadas na gestão das instâncias estatais, como na
esfera social, por exemplo. Assim, as esferas estatais se tornariam mais eficientes e
produtivas, a imagem e semelhança do mercado.

Tendo em vista que a superação de tal crise estava centrada na reforma do


estado, a receita neoliberal era de racionalizar os gastos, suprimindo a questão das
políticas sociais e esvaziando o poder das instituições governamentais, e em vista
disso, o papel do estado quanto as políticas sociais seria completamente alterado.
Com base nessa receita, as ações seriam, basicamente: transferir a responsabilidade
de gestão de políticas sociais para o mercado, através da privatização de setores
estatais estratégicos, e no caso das políticas serem mantidas no controle do Estado,
que seu funcionamento fosse então pensado a partir da lógica de mercado.

Para que essa teoria fosse colocada em prática, além do amplo aparato
ideológico que o capitalismo tece ressaltando a ineficácia e incapacidade do Estado,
como uma instituição arcaica e ultrapassada, foram formadas também teorias que
subsidiassem essas afirmações, centradas especialmente na economia neoclássica,
e mais recentemente na Public-Choice3, cuja idéia central seria adequar as práticas
do Estado a uma racionalidade econômica visivelmente ligada às teorias

3
Corrente teórica que busca aplicar “la aplicación de los instrumentos de análisis de la Teoría Económica neoclásica
al estudio de los fenômenos políticos, entendidos estos em um sentido amplio” (Buchanan, J., 1984).
neoliberalistas. As limitações a implantação dessa lógica deram origem então, a um
quase mercado, como aponta Oliveira e Souza (2003).

Esse quase mercado seria basicamente introduzir as práticas de gestão


privada dentro do aparato estatal, sem alterar a propriedade do mesmo. Ou seja, o
Estado continua pensando que tem o controle, mas o mercado sorrateiramente passa
a enfraquecê-lo, através de entidades e organizações que não se enquadrariam em
nenhum dos dois segmentos, nem no Estado e nem no Mercado.

Então surge o que aqui adotamos como Terceiro Setor, e que muitos autores
convencionam chamar de “Terceira Via”, como batizou Antony Giddens. Segundo ele:

“terceira via se refere a uma estrutura de pensamento e de prática política que


visa adaptar a social-democracia a um mundo que se transformou
fundamentalmente ao longo das últimas duas ou três décadas. É uma terceira
via no sentido de que é uma tentativa de transcender tanto a social democracia
do velho estilo quanto o neoliberalismo”.(Giddens, 2001, p. 36).

Para Giddens, isso representaria a construção de um novo Estado


democrático, adaptados as mudanças na configuração social e econômica mundial,
no sentido da descentralização do poder do Estado, o aumento da eficiência das
ações governamentais como forma de afirmar a competencia do mesmo na
sociedade de mercado, a integração de outras esferas no sentido da transparência
estatal. Sendo assim:

"a reforma do estado e do governo deveria ser um princípio orientador básico


da política da terceira via - um processo de aprofundamento e ampliação da
democracia. O governo pode agir em parceria com instituições da sociedade
civil para fomentar a renovação e o desenvolvimento a comunidade”.(Giddens,
2001, p. 79).

O Terceiro Setor seria uma forma inteligente, como adotou Tony Blair no seu
New Labor4, de não romper de forma alguma com os princípios do neoliberalismo,
preservando os elementos básicos da social democracia, como aponta Antunes
(1999, p. 95). Essa “Terceira Via”, seria uma forma de redesenhar o Estado,
estrategicamente, sem ferir os preceitos do poder público, mas sem abandonar os
objetivos neoliberais. Seria então, a aceitação e a manutenção de novos parceiros na
4
Novo Trabalhismo Inglês, preconizado pelo então ministro Tony Blair.
oferta e na gestão das políticas sociais: esses parceiros, identificados na sociedade
civil, seriam as organizações que compõem o que hoje entendemos como Terceiro
Setor.

Conceituar o terceiro setor ainda não é uma tarefa fácil, em se tratando de algo
recente e que causa polemica e posições opostas em autores estudados até o
momento. No entanto, é possível realizar uma definição aproximada do que significa
essa expressão, na prática. Dentre as definições encontradas, existem as que se
aproximam de uma genérica designação de sociedade civil, outras que denotam um
formato jurídico de instituição privada, e por hora, restringindo-o as instituições de
caráter filantrópico ou assistencial.

Dada a diversidade de compreensões a respeito do que é e o que engloba o


Terceiro Setor, poderia-se afirmar, sinteticamente que se trata de todas as esferas da
sociedade que não se enquadram no formato de mercado e tampouco de Estado.
Entretanto, podemos resgatar Montaño (2002, p. 182), que alerta para a demasiada
redução do conceito de Terceiro Setor: (...) “como se o 'político' pertencesse à esfera
estatal, o 'econômico' ao âmbito do mercado e o social remetesse apenas à
sociedade civil".

Fernandes (1984) tenta ser mais ponderado ao imaginar um “público não


estatal”, ou seja, a iniciativa de particulares em prol de um objetivo público (p.127).
Em outras palavras, Szazi define como o “conjunto de agentes privados com fins
públicos, cujos programas visavam atender direitos sociais básicos e combater a
exclusão social e, mais recentemente, proteger o patrimônio ecológico brasileiro”
(Szazi, 2003, p.22).

Montaño ressalta que dentre os muitos autores que trabalham com o tema,
alguns trazem a ideia de atividades públicas desenvolvidas por particulares, outros
como função social em resposta as necessidades sociais, e ainda, aqueles que
apresentam conceitos voltados para valores como solidariedade e ajuda mútua.
Embora o conceito de Terceiro Setor não se encontre pronto e acabado, existe
um certo consenso quanto a transferência da responsabilidade do Estado em relação
a oferta de políticas sociais para instâncias de natureza privada, sejam elas
fundações, associações, organizações não governamentais. Assim, a
responsabilidade do Estado em atender as demandas sociais é passada aos próprios
indivíduos, ou seja, a sociedade civil, que busca atendê-las através da ajuda,
solidariedade, voluntariado, etc.

E ao mesmo tempo em que isso acontece, as políticas sociais de


responsabilidade do Estado são descentralizadas, passadas para os níveis locais das
esferas governamentais, em outras palavras, os municípios, descaracterizando o
caráter universalista (Montaño, 2002). Sob este ponto de vista, o desenvolvimento do
Terceiro Setor parece indicar que o “que na realidade está em jogo não é o âmbito
das organizações, mas a modalidade, fundamentos e responsabilidades inerentes à
intervenção e respostas para questão social” (Montaño, 2002, p. 185).

Isso tudo implica, generalizando o impasse, em transferência de recursos


públicos para instâncias privadas, já que o Terceiro Setor não tem condições de auto
sustentabilidade. Essa transferência é entendida ideologicamente como uma parceria
entre a esfera pública e as entidades da sociedade civil, como se o Estado estivesse
contribuindo financeiramente e também legalmente para a própria participação da
sociedade civil, como entende Montaño (2002).

Essa parceria, na legislação atual brasileira (Lei nº 9.790/99, regulamentada


pelo Decreto nº 3100), é feita através de um contrato de gestão, ou ainda, o Termo de
Parceria, no qual a organização deve apresentar um plano de trabalho a ser avaliado
para concessão dos recursos, desde que essa organização social já esteja,
preliminarmente, qualificada como Organização da Sociedade Civil de Interesse
Público – OSCIP, nos termos da lei federal supracitada.

Essa qualificação, observe-se, é restrita as organizações sociais que se


dediquem a garantia de direitos sociais, se encaixando em pelo menos uma das
prerrogativas dispostas no Art. 3º da Lei nº 9.790/99:
I - promoção da assistência social;
II - promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e
artístico;
III - promoção gratuita da educação, observando-se a forma complementar de
participação das organizações de que trata esta Lei;
IV - promoção gratuita da saúde, observando-se a forma complementar de
participação das organizações de que trata esta Lei;
V - promoção da segurança alimentar e nutricional;
VI - defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do
desenvolvimento sustentável;
VII - promoção do voluntariado;
VIII - promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza;
IX - experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de
sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito;
X - promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e
assessoria jurídica gratuita de Interesse suplementar;
XI - promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da
democracia e de outros valores universais;
XII - estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas,
produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos
que digam respeito às atividades mencionadas neste artigo.

Essa lei institui e regulamenta então a emergência e inserção do “quase


mercado” na gestão pública, através das pautas compostas pelas teorias neoliberais
de reforma do Estado. O Terceiro Setor então, se torna co-responsável pelo
atendimento das demandas sociais.

No Brasil, a primeira e maior iniciativa de reforma estatal com base nas


prerrogativas neoliberalistas esteve centrado no Plano Diretor da Reforma do
Aparelho de Estado, durante o primeiro mandato do, coincidentemente ou não,
sociólogo Fernando Henrique Cardoso, sob a coordenação do então Ministro Bresser
Pereira. Neste plano diretor, o cidadão “cliente” do Estado seria aquele contemplado
pelo núcleo estratégico, pressupondo a adoção de atividades extremamente
exclusivas. As políticas sociais assumiriam outra conotação, não seriam mais,
conforme o Plano Diretor, exclusividades do Estado, sendo de propriedade e de
responsabilidade pública não-estatal ou mesmo privada.

As estratégias desse plano seriam baseadas em três eixos: a privatização, a


terceirização e publicização dos serviços prestados pelo Estado. Por privatização, se
entende a transferência direta da propriedade de determinado setor para a iniciativa
privada, a terceirização como a transferência de serviços considerados de apoio às
atividades desenvolvidas pelo Estado, e a publicização, o tema que mais nos
interessa nessa discussão, seria nas palavras de Bresser Pereira (1997, p. 7), “a
transferência para o setor público não-estatal dos serviços sociais e científicos que
hoje o Estado presta”.

Essa definição seria, mais expressamente, que publicização significa a


metamorfose de “uma organização estatal em uma organização de direito privado,
pública, mas não estatal” (BRESSER PEREIRA, 1997, p. 8). Se entenderia então
como uma forma intermediária de propriedade, nem estatal e nem privada.

Essas atividades, no entender de Bresser Pereira, por receberem um grande


aporte financeiro do Estado, poderiam adquirir um caráter competitivo entre si, tendo
a necessidade assim de observar a administração e o controle rigoroso dos
resultados, constituindo-se mais fortemente no “Quase Mercado”. A concepção
passada naquele Plano Diretor andaria de mãos dadas com as teorias do Public-
Choice e da Terceira Via, apontando para uma necessidade de se construir uma nova
forma de funcionamento do Estado, ou seja, a transformação em termo de “Estado
Social Liberal”.

Bresser Pereira (1996) chama de Estado Social Liberal um arranjo


políticoadministrativo no qual o Estado continua responsável pelos direitos básicos de
saúde e educação da população, mas que “de forma crescente os executa por
intermédio de organizações públicas não- estatais competitivas”. Portanto, esse
Estado “é uma espécie de síntese ou de compromisso entre os direitos individuais,
assegurados pelo Estado, mas viabilizados pelo mercado” (Bresser Pereira, 1996).

O Estado Social-Liberal, que é social porque mantém suas responsabilidades


pela área social, mas é liberal porque acredita no mercado e contrata a
realização dos serviços sociais de educação, saúde, cultura e pesquisa
científica de organizações públicas não-estatais é que financia a fundo perdido
com orçamento público (Bresser Pereira, 1996, p.14).

Esse modelo pressupõe a maior eficiência na oferta das políticas sociais, na


medida em que as organizações seriam mais flexíveis e competitivas, atendendo
melhor as necessidades e os direitos sociais. E com isso, o Estado não perderia
totalmente o terreno, pois continuaria sustentando financeiramente este atendimento,
não deixando totalmente de responder pela sua obrigação e responsabilidade
enquanto Estado.

2. A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA ACERCA DO TERCEIRO SETOR

A chamada nova lei do terceiro setor, já não é tão nova assim, pois a Lei nº
9.790 data de 1999, ou seja, completa nesse ano 10 anos de vigência. Entretanto,
considerando em aspectos jurídicos, já que cada lei sancionada depende de um
tempo de tolerância até ser efetivamente materializada, pode-se dizer que a Lei nº
9.790 ainda é bastante recente, passível de muita adaptação das organizações da
sociedade civil e do próprio estado.

A expressão “Terceiro Setor” designa o lugar ocupado pelas organizações da


sociedade civil na sociedade como um todo, já que por Primeiro Setor entende-se o
Estado, e por Segundo Setor entende-se o Mercado. O Terceiro Setor, tem um
caráter público, mas não é estatal, e também tem um caráter privado, mas não tendo
fins lucrativos. Mas, como nas ciências econômicas essa designação é utilizada para
diferenciar os setores produtivos, muitos são os estudiosos das ciências sociais que
não adotam essa expressão, considerando-a inadequada.

Até por que, o conceito de terceiro setor ainda é muito confuso, estando longe
de haver uma unanimidade dentre os estudiosos da área. Conforme a cartilha da
OAB/SP:

“No Brasil, a denominação Terceiro Setor é utilizada para identificar as


atividades da sociedade civil que não se enquadram na categoria das atividades
estatais. Primeiro Setor, representado por entes da Administração Pública ou
das atividades de mercado e Segundo Setor, representado pelas empresas com
finalidade lucrativa. Em linhas gerais, o Terceiro Setor é o espaço ocupado
especialmente pelo conjunto de entidades privadas sem fins lucrativos que
realizam atividades complementares às públicas, visando contribuir com a
solução de problemas sociais e em prol do bem comum.”

Poderíamos resumir dizendo que o terceiro setor representa a junção das


iniciativas privadas de utilidade pública, organizações estas não governamentais e
sem fins lucrativos, com origem restritamente na sociedade civil. A expressão é
importada dos Estados Unidos, pois é a tradução literal de Third Sector, vocábulo
usado por lá para designar as organizações que não tem vínculo com o Primeiro e
Segundo Setor, ou seja, o estado e o mercado.

Freqüentemente se confunde a expressão Terceiro Setor com a expressão


ONG, muito em voga no momento. As Organizações não Governamentais,
denominação da qual deriva a sigla ONG, são uma das formas de organização da
sociedade civil que fazem parte do Terceiro Setor, mas nele também se inserem
outras, como as associações, fundações, entidades de classe, etc.

Esse terceiro setor tem crescido muito no Brasil, especialmente em forma de


organizações não governamentais, que movimentam bilhões em dinheiro, oriundos
de doações, da prestação de serviços e mesmo da comercialização de produtos.

O Terceiro Setor no Brasil compreende diferentes formas de organização.


Podem ser citadas as fundações, que em geral financiam as ações de outras
entidades beneficentes, e nesse item se enquadram as fundações mixtas, que ao
mesmo tempo que doam recursos para terceiros tambem executam projetos próprios.

As entidades beneficentes, que tem uma gama muito variada de


denominações, são aquelas que realmente realizam o trabalho, cuidando de crianças,
adolescentes, idosos, populações em vulnerabilidade social, prestam serviços de
educação e saúde, ajudam na preservação e defesa do meio ambiente, doam bens
materiais principalmente alimentos, cuidam dos filhos de mães que trabalham,
ensinam esportes, combatem a violência, promovem direitos humanos, cidadania,
emancipação humana, cuidam de pessoas portadoras de deficiência, enfim, fazem de
tudo um pouco.

Nos Estados Unidos existe um Fundo Comunitário, ou seja, em vez das


empresas doarem diretamente para as entidades, elas doam para o Fundo, que
define as prioridades e repassa os recursos distribuindo naquelas situações
consideradas mais urgentes. No Brasil, esse tipo de fundo unificado na existe em
nível nacional, e a única iniciativa semelhante é a FEAC, de Campinas/SP.
Muitas entidades sem fins lucrativos (clubes esportivos, universidades,
hospitais) eram e são na verdade lucrativas, ou ainda, atendem apenas o interesse
de grupos restritos de pessoas ou apenas de seus associados.

O Terceiro Setor, serviria para suprir as necessidades das pessoas sanando


as falhas do estado e do próprio mercado no atendimento dessas necessidades
humanas, em uma ação conjunta envolvendo uma iniciativa da sociedade civil. Em
termos ideológicos, essa iniciativa poderia ser enquadrada na social-democracia, no
sentido de tornar o capitalismo mais “humano”.

3. UM POUCO DA HISTÓRIA DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Segundo FERNANDES ( 1994, p.21), um estudioso do tema, o conceito


denota:

...um conjunto de organizações e iniciativas privadas que visam à produção de


bens e serviços públicos. Este é o sentido positivo da expressão. “Bens e
serviços públicos”, nesse caso implicam uma dupla qualificação: não geram
lucros e respondem a necessidades coletivas.

Para ROTHGIESSER (2002, p.2), Terceiro Setor seriam iniciativas “... privadas
que não visão lucros, iniciativas na esfera pública que não são feitas pelo Estado.
São cidadãos participando de modo espontâneo e voluntário, em ações que visão ao
interesse comum.” O conceito mais aceito atualmente, segundo GONÇALVES (1999,
p.2), é o de que se trata de uma esfera de atuação pública, não estatal, formada a
partir de iniciativas voluntárias, sem fins lucrativos, no sentido comum.

Originaram-se da participação das entidades sem fins lucrativos no Brasil, que


é datada no final do século XIX. Pode-se até mesmo citar o exemplo das Santas
Casas que remontam mais atrás, na segunda metade do século XVI, e trás consigo
uma tradição da presença das igrejas cristãs que direta ou indiretamente atuavam
prestando assistência à comunidade. Toma-se como destaque a Igreja Católica, que
com suporte do Estado, era responsável pela maior parte das entidades que
prestavam algum tipo de assistência às comunidades mais necessitadas, que ficavam
às margens das políticas sociais básicas de saúde e educação. A atuação das
Igrejas, concomitante com o Estado, durou todo o período colonial, até início do
século XIX. (RELATÓRIO GESET, 2001; p.6-7)

Já no século XX, surgem outras religiões, que juntamente com a Igreja


Católica, passam a atuar no campo da caridade com fins filantrópicos associadas ao
Estado. Mas, no período republicano, a relação Igreja e Estado mudou, uma vez que
antes esses dois objetivavam o atendimento e a assistência das questões sociais.
Nessa nova fase, passam a atuar outras religiões, utilizando-se das mesmas práticas
da Igreja Católica, beneficiando-se também, de parcerias com fins filantrópicos junto
ao Estado. (RELATÓRIO GESET, 2001; p. 6).

Além da introdução de novas instituições atuando em setores que até então


tinham a atuação de atores tradicionais, um outro fator que colaborou para essa
mudança de relacionamento entre a Igreja e o Estado foi a modernização natural da
própria sociedade, fruto da industrialização e urbanização da época, fazendo com
que aumentasse a complexidade dos problemas sociais. Dentro desse contexto,
começam a aparecer na década de 30 várias entidades da sociedade civil, na maioria
também atreladas ao Estado. O Estado Novo deu continuidade ao processo de
criação de organizações de finalidade pública. Ainda nesse período, cresce o número
de entidades atuando no Terceiro Setor, cuja representatividade já não era tão
definida, ou seja, não se tratava mais só de Igrejas e Estado, mas também, de
entidades não governamentais, sem fins lucrativos e de finalidade pública.
(RELATÓRIO GESET, 2001)

Uma sociedade tradicionalmente hierarquizada e desigual se acentua nas


décadas de 70 e 80. Começam a surgir movimentos sociais, opondo-se
especialmente às práticas autoritárias do regime militar desse período, assim como
reivindicando direitos sociais.

Vale destacar a Constituição de 1988, que num amplo processo de


mobilização social, promoveu melhorias no que diz respeito ao aumento dos direitos
de cidadania política e princípios da descentralização na promoção de políticas
sociais. Adicionalmente, houve muitas pressões dos movimentos populares, através
dos chamados “lobbies populares” no congresso, a fim de que emendas populares
fossem aprovadas. É inegável que a Nova Constituição representou um avanço no
que diz respeito a política social no Brasil. (TEIXEIRA, 2000)

Em virtude da atuação ineficiente do Estado, em especial na área social, o


Terceiro Setor vem crescendo e se expandindo em várias áreas, objetivando atender
a demanda por serviços sociais, requisitados por uma quantidade expressiva da
população menos favorecida, em vários sentidos, de que o Estado e os agentes
econômicos não têm interesses ou não são capazes de provê-la. Seu crescimento
vem em virtude, também, de práticas cada vez mais efetivas de políticas neoliberal do
capitalismo global, produzindo instabilidade econômica, política e social,
principalmente nos países do terceiro mundo. (GONÇALVES, 2002)

Adicionalmente, esse setor tem como premissa básica, a eqüidade e a justiça


social com as instituições democráticas. A Campanha “Ação Contra a Fome, a
Miséria e pela Vida”, foi um marco pela sua abrangência e poder de mobilização,
dirigida pelo sociólogo Herbert de Sousa, o Betinho, citado por BAVA (2000), que
coloca nos seguintes termos:

“Vamos sonhar, pensar e praticar a democracia, cada um fazendo a sua parte,


tomando iniciativa, pondo a sua própria capacidade a serviço de todos e,
tomando a iniciativa, pondo a sua própria capacidade a serviço de todos e, com
isso, exercendo o direito e o dever de cidadania.”

Até mesmo o Segundo Setor, que funciona com uma lógica diferente, na qual
visa o lucro, já a partir da década de 90, encabeça e dirige recursos para programas
e projetos sociais, especialmente, através de suas fundações e institutos, sendo
assim mais uma opção de recursos para a área do Terceiro Setor.

Dado que, tanto o Estado quanto o mercado não conseguem responder aos
desafios do desenvolvimento com eqüidade, Oliveira citado por FERNANDES (1994,
p.12), coloca que: “A participação dos cidadãos é essencial para consolidar a
democracia e uma sociedade civil dinâmica é o melhor instrumento de que dispomos
para reverter o quadro de pobreza, violência e exclusão social que ameaça os
fundamentos de nossa vida em comum.”

Em função do crescimento do Terceiro Setor na década de 90, houve a


premente necessidade de leis adequadas, tamanha a sua importância e expansão na
nossa sociedade. A lei até então vigente, Código Civil de 1917, já estava antiquada.

O termo ONG (Organização Não Governamental), apesar de ser largamente


utilizado pela sociedade, não significa uma expressão juridicamente correta. De
acordo com a conceituação de entidade do Terceiro Setor, apresentada pela OAB/SP
na Cartilha do Terceiro Setor, é possível afirmar que:

“As entidades do Terceiro Setor são regidas pelo Código Civil (Lei nº 10.402/02)
e juridicamente constituídas sob a forma de associações ou fundações. Apesar
de serem comumente utilizadas as expressões “entidade”, “ONG” (Organização
Não Governamental), “instituição”, “instituto” etc., essas denominações servem
apenas para designar uma associação ou fundação, as quais possuem
importantes diferenças jurídicas entre si. Associação é uma pessoa jurídica de
direito privado, sem fins econômicos ou lucrativos, que se forma pela reunião de
pessoas em prol de um objetivo comum, sem interesse de dividir resultado
financeiro entre elas. Fundação é uma pessoa jurídica de direito privado, sem
fins econômicos ou lucrativos, que se forma a partir da existência de um
patrimônio destacado pelo seu instituidor para servir a um objetivo específico,
voltado a causas de interesse público”.

Em geral as organizações do Terceiro Setor não utilizam a prática do


financiamento bancário. As entidades buscam recursos junto a programas
governamentais e instituições privadas que apóiam iniciativas da sociedade civil. No
governo federal existem vários programas que são executados com apoio das
organizações não governamentais, destacando-se os dos Ministérios do
Desenvolvimento Social, Desenvolvimento Agrário, Cultura e Meio Ambiente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Aplicada – IPEA, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, Estudos e
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