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Karl Rahner

e a ruptura do Vaticano II

Albert Raffelt
Rahner e a inovação do pensamento teológico
E mais:

Elmar Altvater:
>>
John Milbank O crescimento nos torna
Rahner “comprometeu a comunicação da fé” mais pobres

297
Ano IX
Érico João Hammes
As vantagens e limites de Rahner para o Vaticano II
>>Francisco Salzano:
Darwin revolucionou
nossa visão cósmica
15.06.2009
ISSN 1981-8469

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Karl Rahner e a ruptura do Vaticano II

Desde o Concílio do Vaticano II, realizado há mais de 40 anos, a Igreja traçou novas
perspectivas, renovou-se, marcou sua entrada oficial na modernidade. A construção desse
novo paradigma contou com a participação de um dos teólogos mais importantes do século
XX, Karl Rahner.

Por ocasião do centenário de nascimento de Karl Rahner, em 2004, o Instituto Humanitas


Unisinos — IHU promoveu o Simpósio Internacional sobre Teologia Pública. Agora, quando
se celebra o 25º ano do falecimento do teólogo alemão, a revista IHU On-Line debate o
legado da sua obra teológica, que marcou a trajetória da Igreja.

Contribuem nesta edição Rosino Gibellini, diretor da renomada coleção Biblioteca de


Teologia Contemporânea, editada pela Editora Queriniana, de Brescia, Itália, John
Milbank, professor do Departamento de Teologia e Estudos Religiosos da Universidade
de Nottingham, no Reino Unido, o teólogo Aeron Riches, seu assistente, Albert Raffelt,
professor honorário de Teologia dogmática em Freiburg, Érico João Hammes, professor
de Teologia da Pontifica Universidade Católica do Rio Grande do Sul (UFRGS), João Batista
Libânio, docente na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, Mário de França Miranda,
professor na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), e Heidi Russell,
professora da Loyola University, em Chicago e integrante da Karl Rahner Society.

Completam esta edição as entrevistas com Elmar Altvater, professor de Ciência Política na
Universidade Livre de Berlim, continuando o debate sobre uma ecoeconomia, tema de capa
de uma edição anterior; Elton Ribeiro, doutorando em Filosofia na Gregoriana, analisando
a obra de Charles Taylor, A secular age, a ser editada em português pela Editora Unisinos;
Flávio Lewgoy, professor aposentado do Departamento de Genética da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sobre os danos dos agrotóxicos à saúde humana,
tema de capa da edição anterior da nossa revista; e Francisco Mauro Salzano, pesquisador
da UFRGS, sobre a novidade de Charles Darwin.

Esta edição da IHU On-Line é patrocinada pela Fundação Ética Mundial, cujo escritório
brasileiro funciona no IHU.

A todas e todos uma ótima leitura e uma excelente semana!

IHU On-Line é a revista semanal do Instituto Humanitas Unisinos – IHU – Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos. ISSN 1981-
Expediente

8769. Diretor da Revista IHU On-Line: Inácio Neutzling (inacio@unisinos.br). Editora executiva: Graziela Wolfart MTB 13159 (grazielaw@
unisinos.br). Redação: Márcia Junges MTB 9447 (mjunges@unisinos.br) e Patricia Fachin MTB 13062 (prfachin@unisinos.br). Colaboração:
César Sanson, André Langer e Darli Sampaio, do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT, de Curitiba-PR. Revisão: André
Dick (ahdick@unisinos.br). Projeto gráfico: Bistrô de Design Ltda e Patricia Fachin. Atualização diária do sítio: Inácio Neutzling e Greyce
Vargas (greyceellen@unisinos.br). IHU On-Line pode ser acessada às segundas-feiras, no sítio www.unisinos.br/ihu. Sua versão impressa
circula às terças-feiras, a partir das 8h, na Unisinos. Apoio: Comunidade dos Jesuítas - Residência Conceição. Instituto Humanitas Unisi-
nos - Diretor: Prof. Dr. Inácio Neutzling. Gerente Administrativo: Jacinto Schneider (jacintos@unisinos.br). Endereço: Av. Unisinos, 950
– São Leopoldo, RS. CEP 93022-000 E-mail: ihuonline@unisinos.br. Fone: 51 3591.1122 – ramal 4128. E-mail do IHU: humanitas@unisinos.
br - ramal 4121.

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Leia nesta edição
PÁGINA 02 | Editorial

A. Tema de capa
» Entrevistas
PÁGINA 06 | Albert Raffelt: Rahner e a inovação do pensamento teológico
PÁGINA 10 | Rosino Gibellini: O primeiro teólogo católico moderno
PÁGINA 14 | John Milbank e Aeron Riches: Rahner “comprometeu a comunicação da fé”
PÁGINA 20 | Érico João Hammes: “Cristianismo e Igreja adquiriram feições muito plurais, mas encolhem rapidamente em
vários continentes”
PÁGINA 24 | João Batista Libânio: Rahner e a entrada da Igreja na modernidade
PÁGINA 27 | Mário de França Miranda: Um teólogo da modernidade
PÁGINA 30 | Heidi Russell: A teologia de Rahner como paradigma

B. Destaques da semana
» Terra Habitável
PÁGINA 33 | Elmar Altvater: “O crescimento não nos torna mais ricos, mas sim mais pobres”
» Entrevista da Semana
PÁGINA 35 | Flávio Lewgoy: Técnicas agroecológicas podem substituir uso de agrotóxicos
» Livro da Semana
PÁGINA 37 | Elton Vitoriano Ribeiro: “Em uma era secularizada o perigo de se construir um horizonte fechado é muito
grande”
» Destaques On-Line
PÁGINA 40 | Destaques On-Line

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C. IHU em Revista
ção: » Eventos
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PÁGINA 44| Francisco Mauro Salzano: Darwin revolucionou nossa visão cósmica
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essa » IHU Repórter
nisi-
950 PÁGINA 46| Camila Padilha da Silva
nos.
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Bibliografia - Karl Rahner

Karl Rahner nasceu em Freiburg, na Alemanha, em 5 de março de


1904. Sacerdote católico jesuíta e um dos mais influentes teólogos do
século XX, participou como teólogo do Concílio Vaticano II (1962-1965)
deixando uma contribuição fundamental.

Seu trabalho se caracteriza pela tentativa de reinterpretar a teologia


católica romana tradicional à luz do pensamento filosófico moderno. Ber-
nard Lonergan classificava a obra de Rahner como um “tomismo trans-
cendental”, enquanto outros referem-se à sua antropologia teológica.

Tomismo, kantismo e a fenomenologia contemporânea e o existen-


cialismo são as fontes do seu pensamento. Nos primeiros anos de estu-
dos com os jesuítas, leu a fundo as obras de Immanuel Kant e Joseph
Maréchal, bem como as de Tomás de Aquino.

Em 1969, foi um dos 30 escolhidos pelo Papa Paulo VI para avaliar os


desenvolvimentos teológicos do Concílio.

Estudou filosofia durante o noviciado de Pullach, entre 1924 e 1927.


Foi ordenado sacerdote em 1932. Concluiu os estudos de teologia em
Valkenburg em 1933. Entre 1937 e 1964, lecionou teologia dogmática
em Innsbruck. A seguir, foi professor na Faculdade de Filosofia da Uni-
versidade de Munique.

Um dos criadores da revista Concilium, escreveu mais de 800 artigos


e ensaios.

Faleceu em Innsbruck, em 30 de março de 1984.

Bibliografia

Worte ins Schweigen (1938)


Geist in Welt (1939)
Hörer des Wortes. Zur Grundlegung einer Religionsphilosophie (1941)
Schriften zur Theologie, 16 Volumes (1954-1984)
Sendung und Gnade (1959) — Missão e graça (Petrópolis: Vozes, 1964-
1965. 3 v.)
Grundkurs des Glaubens (1976) — Curso fundamental da fé: introdução
ao conceito de cristianismo (São Paulo: Paulinas, 1989)
Handbuch der Pastoraltheologie, 5 Volumes (1964-1972)
Sacramentum mundi, 4 Volumes (1967-1969)

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Rahner e a inovação do pensamento teológico
Para o teólogo Albert Raffelt, Rahner se destacou no Concílio do Vaticano II por que
seu objetivo não era apenas conseguir maior conhecimento teológico, mas atuar em
prol da fé, da esperança e do amor

Por Moisés Sbardelotto e Patricia Fachin | Tradução Walter O. Schlupp

“P
odemos e devemos continuar na linha da sua resposta: o ser humano como ente da
transcendência, fundado no mistério de Deus e orientado para ele”, propõe o teólogo
Albert Raffelt, ao recordar a participação de Karl Rahner no Concílio do Vaticano II.
Segundo ele, o teólogo alemão se empenhou pela inovação do pensamento teológico.
“Para Rahner, a teologia não era assunto meramente teórico. Por mais que ele conside-
rasse necessário o raciocínio rigoroso e o conhecimento teológico acadêmico tradicional, seu objetivo não
era apenas conseguir maior conhecimento teológico, mas atuar em prol da fé, da esperança e do amor.”
Na entrevista que segue, concedida por e-mail à IHU On-Line, Raffelt aponta que mais importante do que
a influência de Rahner na mudança de rumos da Igreja “é o fato de a grande abertura provocada pelo Concílio
continuar sendo lembrada, que a mentalidade sectária de alguns grupos tradicionalistas não ganhe influência
nem consiga questionar a autoridade do Concílio”.
Raffelt cursou Teologia em Münster, em München e em Mainz, e foi assistente científico junto a Karl Leh-
mann em Freiburg, na Brisgóvia. É doutor em Teologia com a tese Espiritualidade e Filosofia: sobre o proble-
ma da mediação da experiência religioso-espiritual em L’Action de Maruice Blondel. Desde 2000, é professor
honorário de Teologia dogmática em Freiburg. Entre suas diversas publicações, citamos Theologie studieren:
Wissenschaftliches Arbeiten und Medienkunde (Freiburg: Herder, 2003). Rafelt organizou, ao lado do cardeal
Karl Lehmann, a obra Rechenschaft des Glaubens: Karl Rahner-Lesebuch (Zürich: Benziger; Freiburg: Herder,
1979). Juntamente com Hansjürgen Verweyen publicou o livro Leggere Karl Rahner (Ler Karl Rahner), (Brescia:
Queriniana, 2004). Confira a entrevista.

IHU On-Line - Qual foi a principal con- Kant ou Hegel, aliás, precisava fazê- lo. Geist in Welt (1939 = Espíritu en el
tribuição de Karl Rahner para o diálo-  Immanuel Kant (1724-1804): filósofo prus-
mundo. Barcelona 1963) é a tentativa
go entre modernidade e teologia? siano, considerado como o último grande fi- de elaborar uma metafísica que parte da
Albert Raffelt - Para se visualizar o ponto lósofo dos princípios da era moderna, repre- dependência humana da cognição senso-
sentante do Iluminismo, indiscutivelmente
de partida de Rahner, é preciso conside- um dos seus pensadores mais influentes da
rial, porém mostra a transcendência do
rar a situação da teologia e da Igreja na Filosofia. Kant teve um grande impacto no Espírito em cada ato cognitivo.
primeira metade do século XX. A Igreja Romantismo alemão e nas filosofias idealistas
do século XIX, tendo esta faceta idealista sido
Católica tinha elaborado um sistema de um ponto de partida para Hegel. A IHU On-
IHU On-Line - Pode-se dizer que Rah-
ideias baseado na tradição escolástica; Line número 93, de 22-03-2004, disponível em ner colaborou com uma nova visão
este, em si, era muito inteligente, mas http://www.unisinos.br/ihuonline/uploads/ antropológica e cosmológica? Em
edicoes/1161093369.8pdf.pdf, dedicou sua
tinha perdido o contato com a cultura matéria de capa à vida e à obra do pensador.
que ela consistiria? Que estudos e
viva e a filosofia moderna. Rahner não Também sobre Kant foi publicado este ano o da Europa continental no séc. XX. Sobre He-
se desfez do pensamento escolástico, Cadernos IHU em formação número 2, inti- gel, confira a edição especial nº 217 de 30-04-
tulado Emmanuel Kant — Razão, liberdade, 2007, intitulada Fenomenologia do espírito, de
mas mostrou que este era aberto para lógica e ética. Os Cadernos IHU em formação Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1807-2007),
os enfoques da modernidade. Ele tentou estão disponíveis para download na página em comemoração aos 200 anos de lançamen-
mostrar que uma abordagem ����������
“tomista” http://www.unisinos.br/ihu/uploads/publi- to dessa obra. O material está disponível em
cacoes/edicoes/1158328261.83pdf.pdf. (Nota http://www.unisinos.br/ihuonline/uploads/
tinha�����������������������������������
condições de encarar perguntas de da IHU On-Line) edicoes/1177963119.41pdf.pdf. Sobre Hegel,
 Friedrich Hegel (1770-1831): filósofo ale- confira, ainda, a edição 261 da IHU On-Line,
mão idealista. Como Aristóteles e Santo Tomás de 09-06-2008, Carlos Roberto Velho Cirne-
de Aquino, tentou desenvolver um sistema fi- Lima. Um novo modo de ler Hegel, disponível
losófico no qual estivessem integradas todas em http://www.unisinos.br/ihuonline/uploa-
as contribuições de seus principais predeces- ds/edicoes/1213054489.296pdf.pdf. (Nota da
sores. Sua primeira obra, A fenomenologia do IHU On-Line)
espírito, tornou-se a favorita dos hegelianos

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vivências ajudaram-no a dar um sal- teologia do fundador da Companhia de Rahner não é o único garante dis-
to teológico? Jesus, Inácio de Loyola, recebe nova so, mas ele enveredou corajosamen-
Albert Raffelt - O mencionado fun- interpretação. te nessa direção. Na teologia alemã,
damento filosófico do pensamento de Finalmente, deve-se mencionar di- eu lembraria nomes como Hansjürgen
Rahner implica encarar a moderna ferentes diálogos, por exemplo, com Verweyen ou Thomas Pröpper  (os
fundamentação da metafísica no su- cientistas da Paulus-Gesellschaft. quais, em alguns pontos, não deixam
jeito [como ente que] conhece [erken- Neste contexto, Rahner também se de fazer críticas a Rahner), mas princi-
nendes Subjekt, sujeito cognoscitivo]. ocupou de questões cosmológicas, palmente na filosofia eu citaria pensa-
Pensadores como Maurice Blondel como a questão de como o cristianis- dores como Emmanuel Lévinas,10 além
oder Joseph Maréchal criaram pontes mo pode ser concebido numa cosmovi- de Gerold Prauss11 e Norbert Fischer,12
entre a filosofia moderna e o pensa- são evolutiva. Mas estas são aplicações para citar apenas uns poucos.
mento católico. Rahner continuou concretas de uma concepção teológica Passados 25 anos da morte de Rah-
nessa trilha. Ele também acolheu a central, de um universalismo cristão ner, muitas coisas mudaram no mun-
questão teológica fundamental de otimista quanto à salvação, se é que do. Muitas tendências Rahner perce-
conceber o ser humano como ouvinte se pode sintetizá-lo com chavões. beu muito cedo, como, por exemplo,
de uma possível revelação (Hörer des os potenciais da nova biologia, inclusi-
Wortes. 1941 = Oyente de la palabra. IHU On-Line - ���������������������
Em que a proposta de ve a manipulação genética do ser hu-
Barcelona 1967); com este ponto de Rahner ajudaria a superar a chama- mano. Podemos e devemos continuar
partida, ele perguntou pelas premis- da “crise antropológica” atual? Ou o na linha da sua resposta: o ser humano
sas antropológicas para se compreen- tempo de hoje exige uma nova mu- como ente da transcendência, funda-
der a mensagem cristã. dança teológica? do no mistério de Deus e orientado
A relação entre teologia e antro- Albert Raffelt - Não sei bem a que se para ele. Numerosas possibilidades e
pologia, porém, é ainda mais ínti- refere essa crise. Atualmente, o princi- riscos levantados pelo atual nível de
ma. Não se trata apenas da questão pal embate certamente acontece com conhecimento [científico] precisam
das premissas para a compreensão. O o chamado naturalismo, que procura ser sempre reavaliados.
cristianismo é a religião da encarna- contornar toda e qualquer pergunta
ção [Menschwerdung, humanificação] pelo sentido, reduzindo o ser humano IHU On-Line - Quais foram as princi-
de Deus. O ser humano faz parte do a suas funções neurofisiológicas, assim pais contribuições e qual a influência
mistério de Deus. Por isso, a antropo- negando o livre-arbítrio e a decisão, de Rahner no Concílio Vaticano II?
logia, a questão sobre a natureza de em última análise reduzindo também Albert Raffelt - Karl Rahner sempre
um ente que está aberto para a au- a ética ao funcionalismo pragmático. foi muito cauteloso ao se pronunciar
tocomunicação de Deus, está, em sua Continuo acreditando que um pensa- sobre sua influência no Concílio. Ne-
própria essência, ligada à teologia. mento filosófico transcendental apre- ste, o trabalho dos teólogos foi um
Isto também tem a ver com o caráter senta possibilidades de responder a trabalho conjunto. Importantes eu
universalista da proclamação cristã. O essas tentativas. consideraria os seguintes pontos: 1)
cristianismo não é uma seita isolada. Na fase de preparo do Concílio, Rah-
Vaticano II como perito. O Papa João Paulo II
Diversas são as fontes dessa teo- o nomeou cardeal em 1983. Em 1991, Lubac ner providenciou, para o cardeal Kö-
logia. A teologia acadêmica escolás- faleceu. (Nota da IHU On-Line) nig13 (Viena), uma leitura crítica dos
tica é suplementada por estudos dos  Inácio de Loyola: quando tinha 30 anos, Iná- � Hans Jürgen Verweyen (1936): filósofo
cio de Loyola, ao empenhar-se na defesa da alemão. Foi
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professor na Universidade de No-
pais da Igreja. Aí entram as grandes praça de Pamplona, em Loyola, é ferido nas tre Dame, nos Estados Unidos. (Nota da IHU
interpretações de teólogos franceses, pernas por uma bala durante o cerco francês On-Line)
especialmente de Henri de Lubac; a à cidade, em 20 de maio de 1521. Submetido  Thomas Pröpper (1941): dogmático católico
a várias cirurgias, ocupa-se durante o longo (Nota da IHU On-Line)
e teólogo alemão. ���������
 Maurice Blondel (1861-1949): filósofo fran- restabelecimento no castelo de Loyola, com a 10 Emmanuel Lévinas (1906-1995): filósofo
cês. Mestre de conferências na Universidade leitura de história de Santos e “Uma Vida de e comentador talmúdico lituano, naturaliza-
de Lille, 1895-1896. Professor em 1897 na Uni- Cristo”. Este seria para ele o princípio de um do francês. Foi aluno de Husserl e conheceu
versidade de Aix-en-Provence, permanecendo mergulho profundo. Inácio vai aos poucos tro- Heidegger, cuja obra Ser e tempo o influen-
no posto até sua enfermidade em 1927. Co- cando a imaginação dos feitos dos cavalheiros, ciou muito. “A ética precede a ontologia” é
nhecido por sua filosofia da ação, que partia pelas realizações dos santos, assimilando seus uma frase que caracteriza seu pensamento.
de um intuicionismo inicial, irrompendo para propósitos de vida e se identificando cada vez Escreveu, entre outros, Totalidade e infinito
um espiritualismo metafísico antipositivista, mais com eles. Tão logo sentiu-se recuperado (Lisboa: Edições 70, 2000). Sobre o filósofo,
com aparência neoplatônica e tomista, eclé- das cirurgias, Inácio de Loyola foi ao santuário conferir a edição número 277 da IHU On-Line,
tica e misticista, com algumas moderações, e de Nossa Senhora de Monserrate, próximo a de 14-10-2008, intitulada Lévinas e a majes-
que o aproximam ao existencialismo cristão. Barcelona, para depositar suas armas diante tade do Outro, disponível para download em
(Nota da IHU On-Line) do altar e assumir definitivamente a função http://www.unisinos.br/ihuonline/uploads/
 Joseph Maréchal (1878-1944): padre jesuíta de “soldado de Cristo”. Já despojado de todos edicoes/1224014804.3462pdf.pdf. (Nota da
belga, filósofo e psicólogo no Instituto Supe- os seus bens, esmolando e rezando, passou IHU On-Line)
rior de Filosofia da Universidade de Leuven. um ano em um lugarejo chamado Manresa, fa- 11 Gerold Prauss (1936): filósofo alemão.
(Nota da IHU On-Line) zendo penitência, para atingir a purificação. (Nota da IHU On-Line)
 Henri de Lubac (1896-1991): teólogo jesuíta (Nota do IHU On-Line) 12 Norbert Fischer (1957): historiador da cul-
francês. Foi suspenso por Pio XII. No seu exílio  Paulus-Gesellschaft: associação fundada em tura e sociedade alemão. (Nota da IHU On-
intelectual, escreveu um verdadeiro poema de 1955 para promover o diálogo entre as reli- Line)
amor à Igreja que são as suas Méditations sur giões cristãs, o marxismo e cientistas. (Nota 13 Franz König (1905-2004): cardeal católico
l’Eglise. Foi convidado a participar do Concílio da IHU On-Line) austríaco elevado pelo Papa João XXIII, foi ar-

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trabalhos apresentados pelas comis- teológico acadêmico tradicional, seu diálogo com as diferentes religiões,
sões preparatórias; este foi um dos objetivo não era apenas conseguir ma- qual a importância do conceito de
fatores a contribuir para que os bispos ior conhecimento teológico, mas atuar “cristão anônimo”? Como essa ideia
depois rejeitassem essas propostas. 2) em prol da fé, da esperança e do amor. pode ser hoje reinterpretada?
No preparo das constituições dogmáti- Fé vivida somente é viável com base na Albert Raffelt - Talvez não se deva
cas Lumen Gentium e Dei Verbum, ele experiência da proximidade de Deus. Se dar tanta importância à expressão
colaborou estreitamente com teólogos a gente chama isso de “��������������
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mística�������
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, não “�������������������������������
cristão anônimo����������������
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. Não passa de
alemães, criando alternativas e mel- vem ao caso. Por isso já se encontram um chavão, mesmo que adequado
horias, e apresentando com Joseph orações entre os primeiríssimos textos e estimulante, quando se pensa nas
Ratzinger14 (Bento XVI) uma proposta de Rahner. Seu primeiro texto publica- discussões que ele desencadeou. A
esquemática [Schemaentwurf] sobre do em 1925 trata da oração, seu pri- ideia, que é a possibilidade de sal-
a revelação. Embora esta não tenha meiro livro é uma coletânea de orações vação de todas as pessoas15, também
sido aceita, não deixou de influenciar (Worte ins Schweigen. 1938 = Apelos ao foi formulada por teólogos que criti-
a discussão. 3) Com palestras peran- Deus do silêncio. Lisboa 1969, 21974), cam essa expressão, como Hans Urs
te diversas conferências episcopais, aliás também seu último livro: Gebete von Balthasar16 ou Joseph Ratzinger.
Rahner se empenhou pela inovação do des Lebens. 1984 (Oraciones de vida. Ela também foi enunciada no Con-
pensamento teológico. Seu enraiza- Madrid 1986). cílio Vaticano II. Rahner vai mais
mento na teologia acadêmica escolá- O coração da teologia de Rahner é longe, ao tentar formular a maneira
stica permitiu-lhe que o fizesse a par- como essa possibilidade de salvação
tir desse fundamento, assim gerando pode ser concebida no seio da teolo-
compreensão para a teologia nova. 4) gia católica tradicional de modo tal
[Seu] trabalho concreto nas comissões “Rahner não se desfez que continuem preservados o signi-
e na elaboração de propostas de mu- ficado universal de Jesus Cristo e a
dança teria que ser verificado caso a do pensamento Igreja como sacramentum mundi.
caso. Rahner ali foi um dos numerosos Frente a tentativas que hoje são
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carregadores de água���” (Wasserträ- escolástico, mas mostrou formuladas como “��������������������
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teologia pluralista
gern) ������������������������������
do Concílio, que contribuíram da religião��������������������������
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, Rahner sempre insistiu
para que se formasse uma grande ver- que este era aberto para na pretensão absoluta da mensagem
tente. Em suma: Rahner com certeza cristã. Rahner deixou igualmente cla-
foi um dos importantes orientadores os enfoques da ro que essa pretensão não deve levar
teológicos do Concílio e sem dúvi- a um integralismo eclesiástico ou a
da exerceu grande influência sobre modernidade” uma comunhão religiosa obrigatória. A
as conferências episcopais de língua mensagem do cristianismo é uma men-
alemã; mas no Concílio também houve sagem de liberdade. A “���������������
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última palavra
outros teólogos de igual importância, de Deus������������������������������
” não
����������������������������
restringe o ser humano,
inclusive alguns que tiveram mais in- mas o convida para a comunhão com
fluência sobre a elaboração das ver- a experiência da graça. Esta não é um Deus.
sões finais dos textos. sentimento religioso. É uma experiên- 15 Ou seja, “cristão anônimos” seriam os que
cia em que as funcionalidades deixam não se consideram cristãos, mas que, segundo
IHU On-Line - É conhecida a afirma- de ser determinantes, onde se experi- esta ideia, também seriam salvos. (Nota do
tradutor)
ção de Rahner de que o cristão do menta bondade pura sem recompensa, 16 Hans Urs Von Balthasar (1905-1988): teólo-
século XXI é místico ou não é cristão. onde ocorre renúncia sem agradeci- go católico suíço. Estudou Filosofia em Viena,
Em que consiste essa afirmação? mento, onde a transcendência do Es- Berlim e Zurique, onde doutorou-se em 1929,
e em Teologia em Munique e Lyon. Destacou-se
Albert Raffelt - Para Rahner, a teologia pírito não é vista como autoconfirma- como investigador dos santos padres e da Fi-
não era assunto meramente teórico. Por ção ou enfeite do cotidiano, mas como losofia e Literatura modernas, especialmente
mais que ele considerasse necessário o deixar-se cair no mistério maior de a franco-germana. Criou sua própria Teologia,
síntese original do pensamento patrístico e
raciocínio rigoroso e o conhecimento Deus. Rahner descreveu isto também contemporâneo. Entre suas obras, destacam-se
cebispo de Viena de 1956 até 1985 e um dos numa linguagem muito bela (Alltägli- O cristianismo e a angústia (1951), O mistério
principais teólogos do Concílio Vaticano II.
Também foi presidente da Conferência Episco-
che dinge [Coisas do cotidiano]. 1964 das origens (1957), O problema de Deus no ho-
mem atual (1958) e Teologia da história (1959).
pal Austríaca.(Nota da IHU On-Line) = Everyday things. London 1965). Aí A edição 193 da IHU On-Line, de 28-08-2006,
14 Joseph Ratzinger: teólogo alemão, atual- está o dinamismo da sua teologia, que Jorge Luis Borges. A virtude da ironia na sala
mente Papa Bento XVI, foi escolhido pontífi-
ce em 19 de abril de 2005, sucedendo a João
é uma teologia da graça universal. Aí de espera do mistério, publicou uma entrevis-
ta com Ignácio J. Navarro, intitulada Borges e
Paulo II. Anteriormente, era o Cardeal Joseph também se encontra o centro da sua Von Balthasar. Uma leitura teológica, dispo-
Ratzinger. Autor de uma vasta e importante religiosidade pessoal. nível no link http://www.unisinos.br/ihuonli-
obra teológica, um dos seus livros fundamen- ne/uploads/edicoes/1158343116.57pdf.pdf.
tais, Introdução ao cristianismo está sendo re- (Nota da IHU On-Line)
publicado pelas Edições Loyola. (Nota da IHU IHU On-Line - Em um tempo de plu-
On-Line) ralismo religioso e de busca de maior

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ja mundial, o Concílio já provocou
IHU On-Line - Qual é a importância de
“Rahner também se uma abertura no sentido de também
se recuperar o pensamento de Rahner teólogos evangélicos poderem parti-
na atual conjuntura da Igreja?
ocupou de questões cipar como observadores, sendo que
Albert Raffelt - Acontece que a teo- mais tarde esses contatos foram in-
logia de Rahner trata do aspecto cen-
cosmológicas, como a stitucionalizados. Mas isto não é mé-
tral: a significação absoluta de Deus rito de Rahner. Nesse aspecto, cabe
e da sua autocomunicação para o ser
questão de como o mencionar o cardeal Bea. A teologia
humano no Espírito e na história (en- ecumênica de Rahner propriamente
carnação).
cristianismo pode ser dita só foi elaborada após o Concílio.
Mas, além disso, existem numero- Seu ponto de partida é que teologia
sos enfoques menores em que os esfor-
concebido numa ecumênica não deve ser teologia da
ços de Rahner continuam servindo de controvérsia, fixada nas diferenças,
modelo. Dele podemos aprender, por
cosmovisão evolutiva” mas deve partir do grande tesouro
exemplo, que a percepção dos pro- conjunto da fé das Igrejas cristãs, o
blemas é a premissa para sua solução. qual deve servir de base para a busca
ney Murray,19 teólogos sistemáticos
Ele tinha um faro apurado para novos de possibilidades de aproximação.
como Henri de Lubac, para mencionar
problemas e questões urgentes: desde As questões ainda mais difíceis do
apenas alguns dos grandes teólogos je-
a ecumene até as questões estruturais diálogo inter-religioso Rahner tentou
suítas. Rahner defendeu a teologia da
do ministério no seio do catolicismo, abordar pouco antes do Concílio, in-
libertação e a “���������������������
����������������������
opção pelos pobres���
”��.
desde a posição do leigo ou da mulher terpretando as religiões e o mundo
Nisso ele não foi pioneiro, mas deu
na Igreja até as questões limítrofes não-cristão em geral sob a ótica da
seu apoio à esforços sérios e procurou
entre teologia e ciências naturais, des- dogmática católica, a qual parte da
mostrar e preservar sua continuidade
de os desafios políticos (na época, por noção da oferta universal de salva-
com a tradição da Igreja. Mais impor-
exemplo, o diálogo com marxistas na ção por parte de Deus e conclui com
tante que a questão da influência de
Paulus-Gesellschaft) até a globaliza- a palavra de São Paulo: �����������
“����������
O que não
Rahner sobre essa evolução é o fato de
ção e as transformações pelas quais a conheceis, mas adorais, isso vos pro-
a grande abertura provocada pelo Con-
Igreja precisa passar no mundo globa- clamo������������������������������
” ����������������������������
(Atos dos Apóstolos17, 23).
cílio continuar sendo lembrada, que a
lizado, se ela quiser entender-se como Rahner parte da declaração de fé
mentalidade sectária de alguns grupos
Igreja mundial. A publicação dos escri- cristã, que visa a salvação de to-
tradicionalistas não ganhe influência
tos tardios de Rahner nas suas obras das as pessoas. Essa declaração de
nem consiga questionar a autoridade
completas mostra como ele se preocu- fé não é açambarcamento da outra
do Concílio.
pa com o fato de problemas não se- pessoa (ser “�����������������������
������������������������
cristão anônimo��������
”�������
não é
rem percebidos e soluções não serem algo que uma pessoa não-cristã diria
IHU On-Line - Quais são os avanços
tentadas. Para ele, esta é uma forma sobre si própria!), mas uma oferta.
no diálogo inter-religioso e no ecu-
errada de se pensar na segurança. Em última análise não se trata de
menismo a partir das ideias defendi-
Contra isso ele exigia o ����������
“���������
tutorismo17 da uma oferta da “��������������������
���������������������
Igreja��������������
”�������������
enquanto co-
das por Rahner no Concílio?
ousadia������������������������������
”, única
���������������������������
forma de manter aber- munhão confessional, mas de Deus.
Albert Raffelt - Os esforços de Rah-
tas as possibilidades do futuro.
ner visando o diálogo ecumênico co-
IHU On-Line - Qual é a concepção de
meçaram bem antes. Já durante a
IHU On-Line - Quais são as caracterís- Deus de Rahner? Em que consiste a
Segunda Guerra Mundial, fundou-se
ticas político-sociais de Igreja a par- ideia da incompreensibilidade de
um grupo de contato entre as Igrejas
tir dessa mudança de rumos a partir Deus e do Mistério, tão presentes na
Evangélica e Católica na Alemanha,
do Concílio, que teve a influência obra do teólogo?
o qual depois se transformou num
marcante de Rahner? Albert Raffelt - Rahner é o teólogo
grupo de trabalho. Inicialmente, as
Albert Raffelt - Rahner com certeza da experiência de Deus, da expe-
possibilidades de trabalho estavam
diria que não importa onde estão as riência da proximidade de Deus.
muito restritas pelos regulamentos
marcas resultantes da sua influência. Esta ele tentou vivenciar como cri-
eclesiásticos. Em termos de Igre-
Muitos prepararam e contribuíram para stão, como integrante de ordem
19 John Courtney Murray (1904-1967): in-
a transformação libertadora da Igreja gressou na Companhia de Jesus em 1920. ����Foi religiosa e como sacerdote, ao lon-
desde o Concílio Vaticano II: éticos so- ordenado padre em 1933 e recebeu o doutora- go de sua vida ao longo do século
ciais como Oswald von Nell-Breuning,18 do em teologia pela Universidade Gregoriana XX, marcado por muitas convulsões
de Roma, em 1937. Posteriormente, assumiu
teólogos da moral como John Court- o teologato jesuíta em Woodstock, Maryland, — guerras, revoluções, reviravol-
17 Estratégia que prioriza a segurança. (Nota onde foi professor de teologia até a morte. tas sociais — no meio eclesiástico
do tradutor) Além disso, Murray editou a revista America e tradicional, no desempenho das
18 Oswald von Nell-Breuning (1890-1993)�����
����������������
: je- a revista acadêmica Theological Studies. (Nota
suíta alemão, um dos grandes teóricos da Dou-
���� da IHU On-Line) formas de vida eclesiais conven-
(Nota da IHU On-Line)
trina Social da Igreja. ��������

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cionais, mas sempre com o olhar
voltado para o mundo, a sociedade
e suas transformações. Ele sempre O primeiro teólogo
resistiu a todo e qualquer estreit-
amento da concepção de Deus bem
como do conceito de Igreja que
católico moderno
questionasse a universalidade da
mesma. Deus, que sempre é maior Para Gibellini, Karl Rahner compreendeu os sentidos dos desa-
— premissa inaciana básica do je- fios da modernidade para a teologia cristã
suíta —, marcou seu pensamento e
sua vida. Isto conduz o pensamento
necessariamente para o mistério. Por Moisés Sbardelotto, Márcia Junges e Patricia Fachin | Tradução Cristina Tagliari
O fato de Deus ser incompreensível

S
[unbegreiflich] constitui tema
central principalmente nas duas e a modernidade é caracterizada pela racionalidade crítica, a partir
últimas décadas da sua vida. Esse de Descartes e Kant, foi com Rahner que o exercício dessa mesma
fato significa que a compreensão racionalidade foi introduzido na teologia católica, em substituição
em si tem seus fundamentos no mi- à racionalidade metafísica da neoescolástica e da prática católica.
stério, na abertura que ultrapassa Para o teólogo italiano Rosino Gibellini, Rahner, especialmente no
toda e qualquer definição concreta momento histórico do Concílio Vaticano II, colocava-se na linha da renovação
[Dingfestmachen]. O mistério de e se ocupava em lançar uma ponte entre tradicionalistas e progressistas. Se-
Deus ser incompreensível está em gundo Gibellini, a teologia de Rahner estava em plena sintonia com o grande
seu amor vir ao nosso encontro. O projeto inovador do Concílio.
amor não é ����������������
“���������������
compreensível��
”�. “Rahner é o protagonista da virada antropológica na teologia católica, que
mantém ‘o ouvinte da Palavra’ sempre presente na proposição da verdade
cristã, e se confronta, portanto, com a cultura moderna. Essa é uma das maio-
res linhas da teologia do século XX, que se diferencia (sem se contrapor) das
teologias da identidade católica, representadas pelas figuras de Von Balthasar
e Ratzinger”, afirma.
Rosino Gibellini é doutor em teologia pela Universidade Gregoriana de Roma
Leia mais... e doutor em filosofia pela Universidade Católica de Milão. Dirige as coleções
>> Albert Raffelt concedeu outra entrevista Giornale di Teologia e Biblioteca de teologia contemporânea da Editora Queri-
à IHU On-Line. Ela está disponível em http://
www.unisinos.br/ihuonline/uploads/edicoes/ niana de Brescia, Itália. O estudioso é autor, entre outros livros, de A teologia
1158261608.85word.doc do século XX (São Paulo: Edições Loyola, 1998). Confira a entrevista.
Entrevista:
* “Deus é o homem e o será eternamente”. Pu-
blicada na edição número 102, de 24-05-2004,
intitulada Deus e a humanidade: algo a ver? Karl IHU On-Line – Quais eram, para ciedade secular e pluralista, em que
Rahner 100 anos. Rahner, os principais desafios e as os enunciados da fé perderam a sua
principais possibilidades da moder- obviedade; b) justamente com o plu-
nidade para a vida de fé? ralismo, é preciso registrar um au-
Rosino Gibellini – Karl Rahner com- mento dos conhecimentos em todas
Baú da IHU On-Line preendeu os sentidos dos desafios da as áreas do saber, o que torna par-
>> Sobre o teólogo alemão Karl Rahner, a IHU modernidade para a teologia cristã, ticularmente difícil fazer sínteses;
On-Line publicou outra edição especial, no ano
de 2004, em ocasião ao Simpósio Internacional assim como, em seu tempo, Schleier- c) a essas dificuldades modernas da
O lugar da teologia na universidade do século XXI. macher as tinha compreendido. Na anunciação cristã e do fazer teolo-
Edição: análise da situação cultural e teoló- gia, deve-se acrescentar uma espé-
* Deus e a humanidade: algo a ver? Karl Rahner 100
anos. Edição número 102, de 24-5-2004, disponível gica — a qual era possível diagnosti- cie de enrijecimento (Fixierung) e
no endereço eletrônico http://www.unisinos.br/ car já nos anos 50 do século XX —, de incrustação (Verkrustung) de con-
ihuonline/uploads/edicoes/1158261608.85word. Rahner identificava três elementos ceitos teológicos que, permanecendo
doc;
• Ainda sobre Rahner, publicamos uma entrevista característicos: a) vivemos numa so- imutáveis no decorrer dos séculos,
com H. Vorgrimler na IHU On-Line número 97, de não correspondem mais à situação
 Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher
19-04-2004, sob o título Karl Rahner: teólogo do
(1768-1834): teólogo, filósofo e pedagogo
transformada da vida e da cultura do
Concílio Vaticano nascido há 100 anos.
>> Confira também nos Cadernos Teologia Pública alemão. Foi corresponsável pela aparição da homem moderno. Daí a sua tentativa
o artigo Conceito e Missão da Teologia em Karl Rah- teologia liberal, negando a historicidade dos de uma reforma metodológica da te-
milagres e a autoridade literal das Escritu-
ner, de autoria do Prof. Dr. Érico João Hammes.
ras. (Nota da IHU On-Line)
ologia católica.

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IHU On-Line – Como avaliar as ideias va de Rahner é mais ousada. IHU On-Line – Por que Rahner teve
de Rahner, claramente em diálogo E o dever do exercício da raciona- tanta importância nos debates do
com a modernidade, quando alguns lidade crítica na teologia permanece Concílio Vaticano II? Quais foram as
pensadores afirmam que já estamos também no tempo da pós-modernida- circunstâncias que possibilitaram
vivendo na pós-modernidade? Rah- de, que é interpretada como “moder- que ele tivesse essa relevância nos
ner estaria superado? nidade tardia” (Habermas) ou como debates?
Rosino Gibellini – Poder-se-ia dizer “nova modernidade” (Robert Schrei- Rosino Gibellini – O Concílio Vaticano
que Rahner é o primeiro teólogo ca- ter): o exercício da racionalidade II (1962-1965) — anunciado de surpre-
tólico moderno. A modernidade é ca- crítica deverá unir-se, no tempo da sa por João XXIII há 50 anos, no dia 25
racterizada pela racionalidade crítica pós-modernidade, à atenção aos te- de janeiro de 1959 — propôs uma “atu-
(Descartes, Kant), e Rahner introdu- mas que foram esquecidos ou desva- alização” da Igreja, para torná-la mais
ziu na teologia católica o exercício da lorizados pelo projeto moderno (David correspondente à sua missão pastoral.
racionalidade crítica, que iria subs- Tracy). A teologia de Rahner estava em sinto-
tituir a racionalidade metafísica da Saint Thomas D’aquin, talvez o mais impor- nia com esse programa. Justamente
tante estudo introdutório sobre a filosofia de
neoescolástica e da prática católica. A Santo Tomás em nosso século, no qual Gilson
em 1959 — ano da proposta do Concílio
grande teologia francesa visava princi- a sua franca preferência pelo pensamento de —, Rahner publicou “Missão e Graça”,
palmente uma reforma do tomismo na Tomás, tanto pela clássica distinção que este que inicia com um significativo ensaio
faz entre essência e existência, como pela sua
linha de Maritain e Gilson. A tentati- colocação de uma filosofia autônoma. Algumas
intitulado “Significado teológico do
 René Descartes (1596-1650): filósofo, físico de suas obras publicadas são A Filosofia Na Ida- cristão no mundo moderno” (de 1954),
e matemático francês. Notabilizou-se sobretu- de Media (Martins Fontes, 2001), O filósofo e a em que ilustra a passagem do regime
do pelo seu trabalho revolucionário da Filoso- teologia (Paulus, 2008), O Espírito da filosofia
fia, tendo também sido famoso por ser o in- medieval (Martins Fontes, 2006) e Introdução
da cristandade para uma situação na
ventor do sistema de coordenadas cartesiano, ao estudo de Santo Agostinho (Paulus, 2007). qual a igreja existe como minoria no
que influenciou o desenvolvimento do cálculo (Nota da IHU On-Line) interior das nações; e no qual sustenta
moderno. Descartes, por vezes chamado o fun-  Jürgen Habermas (1929): filósofo alemão,
dador da filosofia e matemática modernas, ins- principal estudioso da segunda geração da Es-
que tal situação não deve ser supor-
pirou os seus contemporâneos e gerações de cola de Frankfurt. Herdando as discussões da tada, e sim assumida como “imperati-
filósofos. Na opinião de alguns comentadores, Escola de Frankfurt, Habermas aponta a ação vo histórico de salvação” e afrontada
ele iniciou a formação daquilo a que hoje se comunicativa como superação da razão ilumi-
chama de racionalismo continental (suposta- nista transformada num novo mito que enco-
como uma renovação dos métodos da
mente em oposição à escola que predomina- bre a dominação burguesa (razão instrumen- práxis eclesiástica. Nota-se, então,
va nas ilhas britânicas, o empirismo), posição tal). Para ele, o logos deve se construir pela que a teologia de Rahner estava em
filosófica dos séculos XVII e XVIII na Europa. troca de ideias, opiniões e informações entre
(Nota da IHU On-Line) os sujeitos históricos estabelecendo o diálogo.
sintonia com o grande projeto inova-
 Jacques Maritain (1882-1973): filósofo fran- Seus estudos voltam-se para o conhecimento dor do Concílio.
cês. O pensamento tomista de Maritain serviu- e a ética. Confira no sítio do IHU, (www.uni-
lhe de parâmetro para a abordagem e julga- sinos.br/ihu), na editoria Notícias do Dia, o
mento de situações concretas como a política, debate entre Habermas e Joseph Ratzinger, o
IHU On-Line – Como Rahner se po-
a educação, a arte e a religião vigentes. Mas Papa Bento XVI. Habermas, filósofo ateu, in- sicionava nas polarizações concei-
tratou também da base da gnosiologia, deci- voca uma nova aliança entre fé e razão, mas tuais e políticas do Concílio? Frente
dindo-se pelo realismo imediato e intuição do de maneira diversa como Bento XVI propôs na
ser, tal como no aristotelismo e na escolástica conferência que realizou em 12-09-2006 na
a quais ideias e teólogos Rahner se
originária. Diferenciou a filosofia e a ciência Universidade de Regensburg. (Nota da IHU On- posicionou contra ou a favor?
experimental, bem como as diversas ciências Line) Rosino Gibellini – Com o Concílio já
filosóficas. Advertiu para a diferença entre o  Robert Schreiter: teólogo norte-america-
tema da lógica e o da gnosiologia. Foi um dos no, padre dos Missionários do Preciosíssimo
anunciado, Rahner foi atingido por
principais expoentes do tomismo no século XX. Sangue e doutor em Teologia da Universidade uma “censura preventiva” para ex-
Uma de suas obras principais é Por um huma- de Nijmegen, na Holanda. Leciona teologia na cluí-lo completamente do evento. Mas
nismo cristão (São Paulo: Paulus, 1999). Sobre Universidade Católica de Chicago, nos Estados
Maritain, confira o recém-lançado Maritain à Unidos, e na Universidade de Nijmegen. Seus
acabou chegando a Roma como perito
contre-temps: Pour une démocratie vivante livros e artigos sobre reconciliação têm sido pessoal do cardeal König, de Viena,
(Paris: Desclée de Brouwer, 2007), do filósofo publicados em vários idiomas. É Conselheiro
jesuíta Paul Valadier. (Nota da IHU On-Line) Geral dos Missionários do Preciosíssimo Sangue. hermeneutics, religion and hope (com tradu-
 Étienne Gilson (1884-1978): historiador e É detentor da cátedra de “interculturalidade” ção em francês, alemão, espanhol e chinês)
filósofo, nasceu em 1884 em Paris. É conside- instituída em homenagem a Schillebeeckx na (1987) e Dialogue with the other (traduzido
rado o maior medievalista do século XX, tan- Universidade de Nimega, pela publicação de para o chinês) (1990).No próximo mês de se-
to pela quantidade de suas obras, tanto pela seu livro A nova catolicidade (Loyola, 1998). tembro, será publicado simultaneamente em
originalidade das teses que levantou. Gilson (Nota da IHU On-Line) inglês, francês e italiano o livro The side of
começou seu itinerário pela história da filo-  David Tracy: licenciado e doutor em Teolo- God. Tracy esteve na Unisinos, convidado pelo
sofia, sendo um dedicado estudioso da filoso- gia pela Universidade Gregoriana de Roma, e IHU, para fazer a conferência Entre o apoca-
fia moderna. Formou-se em filosofia após ter professor de Teologia Contemporânea e Filo- líptico e o apofático. O fazer teológico na uni-
participado das aulas de Victor Delbos, Lucien sofia da Religião, na University of Chicago Di- versidade, hoje, a partir da pós-modernidade
Levy-Bruhl e Henri Bergson. Em 1946, obteve vinity School, nos Estados Unidos. Entre seus no Simpósio Internacional O Lugar da Teologia
a distinção de ser escolhido como “Imortal” da livros publicados, citamos The achievement na Universidade do século XXI, acontecido
Academia Francesa. Foi professor das universi- of Bernard Lonergan (1970), Blessed rage for em maio de 2004. Ele concedeu entrevista à
dades de Lille, Estrasburgo e Paris, na França, order: the new pluralism in Theology (1975), IHU On-Line nº 103, de 31 de maio de 2004.
assim como em Harvard, nos Estados Unidos. The analogical imagination: Christian Theolo- Confira o artigo “O Deus oculto: o resgate da
Também fundou, em Toronto, no Canadá, o gy and the context of pluralism (1981) (livro apocalíptica” de David Tracy em: NEUTZLING,
Instituto Pontifício de Estudos Medievais. En- que está sendo traduzido e será, proximamen- Inácio (Org.), A teologia na universidade con-
tre os seus principais estudos, encontram-se te, publicado pela Editora Unisinos na coleção temporânea (São Leopoldo: Editora Unisinos.
o Le thomisme. Introduction au siystème de Theologia Publica), Plurality and ambiguity: 2005, p. 85-98). (Nota do IHU On-Line)

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presidente da Conferência Episcopal o bom do cristianismo”, como a mo-
Austríaca. Introduziu-se nas comissões “Rahner também deu sua nografia completa de Doris Ziebritzki
com cautela. Escreverá na “Breve cor- sobre o tema publicada na Coleção
respondência do período do Concílio” contribuição à teologia “Innsbrucker theologische Studien”
publicada em 1986: “Pode ser que reconstruiu.
Alfredo Ottaviani, então prefeito do das religiões com a sua A contribuição de Rahner deve ser
Santo Ofício, tenha notado que sou agora criticamente integrada a uma
um teólogo completamente inofensi- tese dos ‘cristãos grande bibliografia, católica e ecumê-
vo e normal. E, dessa forma, aquele nica, que se desenvolveu nas últimas
decreto romano (da censura preventi- anônimos’, que lhe duas, três décadas. Resumo a passagem
va) foi simplesmente esquecido”. Mas desta forma: “Do cristianismo anônimo
trabalhou com afinco, a ponto de tor- permitia ver as religiões a um cristianismo relacional”.
nar-se um dos teólogos mais célebres
justamente durante o Concílio. Deve- não-cristãs como ‘vias IHU On-Line – Frente aos atuais pro-
se reconhecer, porém, que a verda- blemas de governo da Igreja, Rahner
deira estrela do Concílio era Joseph legítimas de salvação’, ainda oferece respostas? Como Rat-
Ratzinger, na época docente de teolo- zinger vê Rahner?
gia fundamental em Bonn e consultor na dependência de ‘todo Rosino Gibellini – Rahner e Ratzinger
oficial do cardeal Frings de Colônia, são duas grandes figuras da teologia da
presidente da Conferência Episcopal o verdadeiro e o bom do época moderna. O teólogo jesuíta es-
Alemã. Escreveu Rahner (1962): “Com panhol Santiago Madrigal dedicou uma
Ratzinger, me entendo bem. Ele é mui- cristianismo’” recente monografia ao confronto en-
to estimado por Frings”. tre os dois teólogos: duas grandes per-
Rahner colocava-se na linha da re- sonalidades que colaboraram na reali-
mático de 1972. O teólogo Ratzinger
novação e nas polarizações se ocupava zação do Concílio, mas que depois se
estará longe desse programa e insisti-
em lançar uma ponte entre tradicio- diferenciaram na concreta aplicação
rá sempre num retorno aos textos do
nalistas e progressistas. Suas maiores deste, até entrar, sob certos aspectos,
Concílio, dos quais somente resulta o
contribuições são em sede eclesioló- como teólogos, em contraste entre si,
espírito do evento Conciliar. Se Rahner
gica, mas também, e principalmente, mas convergentes sobre a dificuldade
ressalta a descontinuidade operada
sobre a doutrina católica da revelação do dever, assim expresso por Rahner:
pelo Concílio, Ratzinger interpretará o
e sobre uma compreensão mais profun- “Com certeza passará muito tempo
Concílio no sentido da continuidade.
da da vontade de salvação universal. até que a igreja, que recebeu de Deus
Mas é no pós-Concílio que os caminhos a graça do Concílio Vaticano II, seja a
IHU On-Line – Quais foram as contri-
se dividem. Para Rahner, o Concílio é igreja do Concílio Vaticano”.
buições de Rahner para o diálogo in-
o início de um caminho de reforma
ter-religioso e o ecumenismo?
a dar continuidade para uma “trans- IHU On-Line – Como Rahner é vis-
Rosino Gibellini – O maior ecumenis-
formação estrutural da Igreja”, como to hoje na teologia? Quais são seus
ta católico no Concílio era o teólogo
diz o título de um seu volume progra- principais discípulos nos debates te-
francês Congar, mas a solução católica
 Alfredo Ottaviani (1890-1979): cardeal ca- ológicos atuais?
mais avançada para o problema ecu-
tólico italiano, considerado como o “policial Rosino Gibellini – Rahner é o prota-
da fé”, porque foi o mais rigoroso defensor da mênico no pós-Concílio foi dada por
tradição em sua época. Em 1922, foi nome-
gonista da virada antropológica na
Karl Rahner e por Heinrich Fries, que
ado secretário pessoal do novo papa Pio XII. teologia católica, que mantém “o
Em 1928, foi chamado para a Secretaria de Es- assinaram o mediato e corajoso tex-
ouvinte da Palavra“ sempre presen-
tado do Vaticano. Em 1953, Pio XII o nomeou to “União das Igrejas — Possibilidade
pró-secretário da Congregação do Santo Ofício
te na proposição da verdade cristã, e
real” (1984), que aparecia como nº
(atual Congregação para a Doutrina da Fé), se confronta, portanto, com a cultu-
sendo elevado a cardeal. Em 1962, escreveu 100 da célebre Biblioteca Herderiana
ra moderna. Essa é uma das maiores
o documento Crimen sollicitationis, dirigido “Quaestiones Disputatae”. Livro e pro-
a todos os bispos, em que eram instruídas as
linhas da teologia do século XX, que
jeto que o teólogo Ratzinger criticou.
modalidades de gestão dos casos de pedofilia se diferencia (sem se contrapor) das
no interior da Igreja, incluindo a excomunhão. Rahner também deu sua contribui-
teologias da identidade católica, re-
O documento foi aprovado pelo Papa João ção à teologia das religiões com a sua
XXIII. Foi nomeado por João XXIII presidente
presentadas pelas figuras de Von Bal-
tese dos “cristãos anônimos”, que lhe
da Comissão Doutrinal. Em 1968, pediu sua thasar e Ratzinger.
renúncia, escrevendo, no ano seguinte, junto permitia ver as religiões não-cristãs
Rahner fez escola e teve numero-
ao cardeal Antonio Bacci, uma carta ao Papa como “vias legítimas de salvação”, na
Paulo VI, expressando sua oposição à reforma
sos discípulos, dos quais o mais criati-
dependência de “todo o verdadeiro e
litúrgica e ao novo missal romano “Novus Ordo vo, que, partindo de Rahner foi além
Missae”, prestes a entrar em vigor. Foi um  Henrich Fries (1911-1998): teólogo alemão, de Rahner, é Johann Baptist Metz, em
severo opositor de algumas das reformas da professor de teologia em Tübingen e Munique.
Igreja católica, sendo considerado por muitos Dentre suas obras publicadas, encontra-se a
cujo pensamento a racionalidade crí-
também como o “homem das excomunhões”. edição do Dicionário de Teologia (São Paulo: tica se concretiza com a racionalidade
(Nota do IHU On-Line) Loyola, 1973). (Nota do IHU On-Line)

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prática, que desenvolve as implicân- última entrevista ali reproduzida.
cias históricas e sociais do pensamento O entrevistador perguntava: “Como
cristão. se pode transmitir a fé à nova ge-
ração?”. Rahner respondia: “Antes
IHU On-Line – Passados 25 anos de de tudo deve-se pregar bem (grifo
sua morte, qual é a principal herança do texto). Para pregar bem, deve-se
que Rahner deixou para a Igreja? primeiro estudar bem teologia. Mas,
Rosino Gibellini – Vinte e cinco para pregar bem, devem existir ho-
anos após sua morte (30 de março mens vivos, devotos, radicalmente
de 1984), está em fase de avança- cristãos, que possam pregar. Natu-
da realização a edição crítica da ralmente também deve existir uma

Acesse outras edições da IHU On-Line


Opera omnia do grande teólogo, certa liberdade no exercício de uma
que representará um seguro ponto atividade apostólica ou pastoral”. A
de referência para o futuro da te- teologia, portanto, é um instrumen-
ologia. Recordo de ter participado, to do anúncio e da missão.
com Gustavo Gutiérrez (que se en- O teólogo evangélico Wolfhart
contrava naquele mês em Roma) dos Pannenberg12 identificou bem o maior
solenes funerais do teólogo alemão legado de Karl Rahner, vendo na teo-
em Innsbruck, onde havia se reti- logia rahneriana uma das tentativas
rado nos últimos anos. Nos funerais mais consistentes do nosso tempo de
também estavam presentes Metz, manter aberta a racionalidade redu-
Lehmann,10 Kasper11 e Schillbeeckx. zida da cultura secular ao mais vas-
Aos participantes, foi distribuído o to horizonte de uma racionalidade
Boletim informativo dos Jesuítas da que reconhece também o mistério

www.unisinos.br/ihu
província da Alemanha meridional de Deus “enquanto ele nos ensinou a
(datado em München, abril 1984/2), ver em cada tema teológico, aquilo
dedicado à figura de Rahner. Sem- que é universalmente humano”, in-
pre o conservei e comentei várias troduzindo-se assim no vasto sulco
vezes com os jovens teólogos a sua da mais autêntica teologia cristã: “A
10 Karl Lehmann: Importante teólogo ale- aliança com a razão pertence desde
mão, atualmente cardeal-arcebispo de Mainz o início a dinâmica missionária do
e presidente da Conferência Episcopal da Ale-
manha, escreveu um artigo sobre Kant que a Evangelho”.
IHU On-Line traduziu e publicou na 93ª edi-
ção, de 22 de março de 2004. O Instituto Hu-
manitas Unisinos também traduziu e publicou
o artigo O cristianismo – uma religião entre
outras? Um subsídio para o diálogo inter-re- Leia mais...
ligioso — na perspectiva católica, de autoria >> Outras entrevistas de Rosino Gibellini podem
de Karl Lehmann. O artigo foi publicado no nº ser conferidas no sítio do IHU.
1 de Multitextos, em outubro de 2003. (Nota
da IHU On-Line) Entrevistas:
11 Walter Kasper (1933): cardeal alemão, pre- • Uma teologia que ajuda a entender o envol-
sidente do Pontifício Conselho para a Promoção vimento de Deus na História do mundo. Edição
da Unidade dos Cristãos. Filósofo formado em número 102, de 24-05-2004, intitulada Deus e a
Tübingen e Mônaco, obteve doutorado em teo- humanidade: algo a ver? Karl Rahner 100 anos.
logia em 1961, em Tübingen. Foi assistente de Acesse em http://www.unisinos.br/ihuonline/
Leo Scheffczyk e de Hans Küng. Foi professor uploads/edicoes/1158261608.85word.doc.
na Universidade de Munique e na Universida- • A controvérsia não é a última palavra. Edição
de Eberhard-Karls, em Tübingen, assim como número 161, de 24-10-2005, intitulada As obras
professor visitante da Universidade Católica coletivas e seus impactos no mundo do trabalho,
da América, em Washington, nos Estados Uni- disponível em http://www.unisinos.br/ihuonline/
dos. Foi nomeado bispo da Diocese de Rotten- uploads/edicoes/1158350187.39word.doc.
burg-Stuttgart em 1989. Em 2001, foi elevado
a cardeal, com o título de Cardeal-diácono da
Basílica de Todos os Santos em Via Apia Nova 12 Wolfhart Pannenberg (1928): teólogo e fi-
(Ognissanti in Via Appia Nuova). Teólogo pro- lósofo, que recupera ferramentas e conceitos
fundo, Kasper escreveu vários livros. Em 1993 filosóficos essenciais em um contexto confes-
e 2001, publicou a terceira edição do léxico sional luterano, alemão. Durante o Simpósio
para a teologia e para a Igreja. Atualmente, é Internacional O Lugar da Teologia na Univer-
membro da Congregação para a Doutrina da Fé sidade do Século XXI, realizado em maio de
e ainda para o “Rito Oriental”, para a “Assina- 2004, foi ministrada uma oficina que tratou
tura Apostólica”, do Pontifício Conselho para a do pensamento de Pannenberg. Sobre ele, fo-
interpretação dos textos legislativo e do Con- ram publicados em 2005 os Cadernos Teologia
selho para a cultura. Foi colega de Joseph Rat- Pública números 19 e 20, disponíveis para do-
zinger, o Papa Bento XVI, em seu período de wnload em www.unisinos.br/ihu. (Nota da IHU
docência universitária. (Nota da IHU On-Line) On-Line)

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Rahner “comprometeu a comunicação da fé”
Para Milbank e Aeron Riches, as teorias de Rahner continuam atuais porque ele é mais
conservador e ao mesmo tempo mais liberal que os teólogos da nouvelle théologie

Por Moisés Sbardelotto, Márcia Junges e Patricia Fachin | Tradução Walter O. Schlupp

“N
o seio da Igreja, Rahner é responsável, por um lado, ao menos em parte, por aquilo
de que os adeptos de Lefebvre são culpados, por outro: a percepção popular de
que o Vaticano II foi uma ‘ruptura’ decisiva.” A opinião é defendida pelo teólogo
anglicano e teórico inglês John Milbank e seu assistente, também teólogo, Aeron
Riches.
Os pesquisadores reconhecem a influência de Rahner após o Concílio Vaticano II, seu esforço em estabe-
lecer um diálogo com a modernidade e suas ideias favoráveis ao secularismo. Entretanto, argumentam que,
“em nenhum momento”, o teólogo alemão “oferece alguma noção real de como a Igreja deveria entrar em
‘diálogo’ com a modernidade”. E reiteram: “Ele apresenta o que pode ser lido como uma resignação um
tanto sectária e pessimista: o cristianismo passou, a cultura da modernidade ‘tem de ser’”.
Conhecido como um dos teólogos cristãos mais proeminentes e controversos do mundo, John Milbank
é professor no Departamento de Teologia e Estudos Religiosos da Universidade de Nottingham, no Reino
Unido. É autor de, entre outros, Teologia e teoria social: Para além da razão secular (São Paulo: Loyola,
1995), um estudo influente da relação entre a teologia cristã e a história da teoria social e política ociden-
tal. Milbank também é autor de The world made strange: Theology language and culture (Blackwell, 1997),
e coautor de Theological perspectives on God and beauty (Trinity Press International, 2003), escrito com
Edith Wyschogrod e Graham Ward, e de Le milieu suspendu. Henri de Lubac et le débat sur le surnaturel
(Paris: Cerf, 2006).
Aeron Riches é teólogo e assistente de Milbank em Nottingham, na Virginia. Confira a entrevista.

IHU On-Line – Após 25 anos de sua ção outrora ocupada por ele. Esse con- Pio XII (os quais ocupam uma posição in-
morte, qual a importância do pensa- tinua em lugar privilegiado em grande termediária entre Lubac e a neoescolás-
mento de Rahner na atual conjuntu- número de seminários e faculdades te- tica plena de Garrigou-Lagrange).
ra da Igreja? ológicas. E, com certeza, não ocupa o em 1508. No Concílio Laterano em 1512-17 de-
John Milbank e Aeron Riches - Mesmo segundo plano. Por quê? fendeu a infalibilidade dos Papas e sua Sobe-
rania e também fez uma primeira proposta de
que sua influência tenha diminuído na A razão, sem dúvida, está em que ele Reforma. Leão X nomeou-o, em 1517, cardeal
última década e meia, Rahner continua é mais conservador e ao mesmo tempo e, em 1518, Arcebispo de Palermo. Em 1519,
exercendo a maior influência sobre a mais liberal que os teólogos da nouvelle foi denominado por Carlos V pertencente ao
Bispado de Gaeta. Notável teólogo, refutou e
mentalidade popular do pensamento théologie. Isto abrange três aspectos: encontrou-se com Martinho Lutero, em torno
católico pós-conciliar. Sua influência 1. Seu pensamento sempre foi mais de 1518, tentando que este renunciasse ao
continua muito mais forte que a de conscientemente congenial com a cisma. Votou favoravelmente pela validade do
casamento de Henrique VIII com Catarina de
[Hans Urs von] Balthasar, por exemplo, neoescolástica. Aragão. Escreveu comentários à Summa Teoló-
embora isto esteja mudando rapida- 2. Sua posição sobre a “a natureza gica de Tomás de Aquino, que o Papa Leão XIII
mente entre teólogos mais jovens. pura” como “conceito residual” sempre ordenou que fossem somados à edição original
para estudo e formação dos clérigos. (Nota da
Nos anos subsequentes ao Concí- pôde ser essencialmente interpretada IHU On-Line)
lio, Rahner gozou de um status quase em termos das doutrinas de Caetano e  Papa Pio XII (1876-1958): nascido Eugenio
hegemônico entre teólogos católicos,  Tommaso de Vio (ou Tomás de Vio Caeta- Maria Giuseppe Giovanni Pacellim, foi eleito
no) (1469-1534): frade e cardeal dominicano, Papa em 2 de março de 1939 até a data da
tanto nos currículos das faculdades de exegeta, filósofo, teólogo e cardeal italiano, sua morte. Foi o primeiro Papa romano desde
teologia quanto na formação teológi- nascido na Cidade de Gaeta. Entrou para a 1724. (Nota da IHU On-Line)
ca de padres. Seria concebível fazer Ordem dos Pregadores em 1484. Tornou-se  Reginald Garrigou-Lagrange (1877-1964):
Mestre em Filosofia e Doutor em Teologia. Le- frade dominicano e teólogo católico conside-
uma graduação em Teologia Sistemá- cionou para os dominicanos em Pádua, Brescia rado um dos maiores tomistas do século XX.
tica católica sem ler outro autor que e Pavia. A partir de 1500, tornou-se Procura- Fez seus estudos teológicos sob a orientação
não fosse Rahner. Em nossos dias, seria dor da Ordem em Roma e também Professor do Padre Ambroise Gardeil, um dos mais in-
de Filosofia e Exegese na Sapientia. Em 1507 signes teólogos da época, célebre pelo ensaio
difícil imaginar algum teólogo na posi- tornou-se Vigário da Ordem, vindo a ser Geral “Le donné révélé et la théoIogie”, além de ser

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3. O aspecto liberal de Rahner tem and Wolff (vide o trabalho de Muralt, necessidades das diferentes culturas.
a ver com seu kantianismo modificado. Honnefelder, Courtine etc.).
Como agora podemos ver mais com- IHU On-Line – Qual foi a influência e
pletamente, o próprio Kant encontra- Assim sendo, o paradoxo crucial a as maiores contribuições de Rahner
se na trajetória do pensamento neoes- ser entendido é que, em comparação para o Concílio Vaticano II e para o
colástico via Scotus, Ockham, Suarez com Rahner, os teólogos da nouvelle diálogo entre a Modernidade e a Te-
aluno de Henri Bergson e Victor Brochard. Em théologie rejeitam mais radicalmente ologia?
1955, foi nomeado consultor do Santo Ofício a neoescolástica “conservadora”, ao John Milbank e Aeron Riches - No seio
(atual Congregação para a Doutrina da Fé). mesmo tempo em que são mais tradi- da Igreja, Rahner é responsável, por um
Lecionou na Pontifícia Universidade Santo To-
más de Aquino (Angelicum), em Roma, tendo cionalistas do que ele. lado, ao menos em parte, por aquilo
sido professor de muitos notáveis intelectuais de que os adeptos de Lefebvre são cul-
católicos deste do século XX, entre eles do IHU On-Line – Quais desafios e possi- pados, por outro: a percepção popular
dominicano Marie-Dominique Chenu, e de Ka-
rol Wojtyla, futuro João Paulo II, de quem foi bilidades Rahner percebeu como ur- de que o Vaticano II foi uma “ruptura”
consultor e supervisor de tese. (Nota da IHU gentes para o cristianismo do século decisiva. Rahner ficava feliz ao falar
On-Line) XXI? do fim da ordem “piana”. A nova Igreja
 Immanuel Kant (1724-1804): filósofo prus-
siano, considerado como o último grande fi- John Milbank e Aeron Riches - Numa pós-piana não exibiria o mesmo antimo-
lósofo dos princípios da era moderna, repre- entrevista dos anos 80, ele disse que dernismo da velha Igreja. Mas toda essa
sentante do Iluminismo, indiscutivelmente pelo ano 2000 a Igreja não poderá con- noção de Igreja pré e pós-Vaticano II é
um dos seus pensadores mais influentes da
Filosofia. Kant teve um grande impacto no tinuar sendo apenas “europeia”; que um tanto problemática, porque o Vatica-
Romantismo alemão e nas filosofias idealis- ela exige “inculturação” multiforme, no II significava várias coisas diferentes
tas do século XIX, tendo esta faceta idealista uma implementação de ecclesia sem- e inteiramente contraditórias: uma nova
sido um ponto de partida para Hegel. A IHU
On-Line número 93, de 22-03-2004, disponível per reformanda e a descentralização adoção (de certa forma adoção excessi-
em http://www.unisinos.br/ihuonline/uplo- da autoridade eclesial; naturalmente va) da modernidade democrática liberal
ads/edicoes/1161093369.8pdf.pdf, dedicou não o desmantelamento da autoridade política; um retorno para os padres da
sua matéria de capa à vida e à obra do pen-
sador. Também sobre Kant foi publicado este papal, mas um aumento da autoridade Igreja e para um Tomás de Aquino10 mais
ano o Cadernos IHU em formação número 2, dos bispos locais e uma atenção para as autêntico; uma reelaboração liberal de
intitulado Emmanuel Kant — Razão, liberdade, certas ênfases neoescolásticas; um ape-
lógica e ética. Os Cadernos IHU em formação por encomenda do papa Paulo V e de outras
estão disponíveis para download na página autoridades religiosas, como De legibus (1612) lo para uma cultura teológica mais po-
http://www.unisinos.br/ihu/uploads/publi- e Defensio fidei catholicae (1613), destinadas ética; uma instrumentalização excessiva
cacoes/edicoes/1158328261.83pdf.pdf. (Nota a elaborar uma teoria jurídica e política base- das formas litúrgicas. Mas enquanto o
da IHU On-Line) ada nos princípios católicos. Negou o direito
 William de Ockham (1285-1350): filósofo divino dos reis e pregou o direito do povo der- “rahnerianismo vulgar”, que floresceu
lógico, teólogo escolástico inglês, frade fran- rubar qualquer monarca que atuasse contra o após o Concílio, se instalou no sentido
ciscano e criador da teoria conhecida como interesse social. Também criticou muitas das de acomodação com a modernidade,
Navalha de Ockham (em inglês, Ockham’s Ra- práticas da colonização espanhola nas Índias.
zor), que dizia que as “pluralidades não devem Lecionou filosofia em Segóvia e teologia em Rahner não tinha uma visão totalmente
ser postas sem necessidade”. Considerado um Valladolid. (Nota da IHU On-Line) positiva da mesma.
dos fundadores do nominalismo, teoria que  Cristiano Wolff (1679-1754): filósofo prussia- Na verdade, em termos de “diálogo”
afirmava a inexistência dos universais, que se- no, nasceu em Breslau e foi professor em Halle
riam apenas nomes dados às coisas, e portanto (1706-1723), na Alemanha, até ser expulso por com a modernidade — caso “modernida-
produto de nossa mente sem uma existência Frederico Guilherme I, sendo reposto em 1740 de” queira dizer secularismo —, Rahner,
prática assegurada. Por causa de suas ideias por Frederico II. em 1679. Dedicou-se aos pro- mesmo ao assimilar premissas filosófi-
foi excomungado pela Igreja. O conceito, bas- blemas morais e religiosos, estudando também
tante revolucionário para a época, defende a matemática. Formou-se em filosofia em Lei- cas modernistas em seu pensamento,
intuição como ponto de partida para o conhe- pzig em 1703. Entrou, desde logo, em relações em nenhum momento, que saibamos,
cimento do universo. Ockham foi discípulo do com Gottfried Leibniz, graças ao qual teve em oferece alguma noção real de como a
filósofo Duns Scotus e precursor do empirismo 1707 uma cátedra de matemática e filosofia
inglês, do cartesianismo, do criticismo kantia- na Universidade de Halle. O seu ensino claro Igreja deveria entrar em “diálogo” com
no e da ciência moderna. (Nota da IHU On- e metódico, racionalista, sistemático, teve um
Line) êxito imenso. No entanto, em 1723, foi demi- 10 Tomás de Aquino (1227-1274): frade domi-
 Francisco Suarez (1548-1619): teólogo jesu- tido sob acusação de ateísmo em religião e nicano e teólogo italiano, considerado santo
íta espanhol nascido em Granada. Estudou la- determinismo em moral. A primeira acusação pela Igreja. Um de seus maiores méritos foi
tim, direito, filosofia e teologia em Salamanca. tem um fundamento na afirmação de Wolff de introduzir o aristotelismo na escolástica ante-
É um dos fundadores do direito internacional e que a moral estaria de pé igualmente, mesmo rior. A partir de São Tomás, a Igreja tem uma
criador da doutrina do suarismo. A partir de prescindindo da existência de Deus. A segunda teologia (fundada na revelação) e uma filosofia
1570, trabalhou como instrutor de teologia em explica-se pela sua adesão ao determinismo (baseada no exercício da razão humana) que
vários centros dos jesuítas, na Espanha e em racionalista de Leibniz, em que a liberdade se fundem numa síntese definitiva: fé e razão.
Roma, até se estabelecer como professor de de Deus e do homem vêm fornecer, porquanto Nascido numa família nobre, estudou filosofia
teologia na Universidade de Coimbra (1597), ambos atuam necessariamente, do modo me- em Nápoles e depois foi para Paris, onde se
Portugal, pertencente então à coroa espanho- lhor. Wolff retirou-se então para a Universida- dedicou ao ensino e ao estudo de questões fi-
la, por indicação do rei Filipe II. Ali firmou de de Marburgo, voltando, em seguida, para losóficas e teológicas. Seus interesses não se
sua conduta erudita e tornou-se o principal a Universidade de Halle, aí ensinando até à restringiam à religião e filosofia, mas também
representante da nova escolástica do século morte (1754). (Nota da IHU On-Line) à alquimia, tendo publicado uma importante
XVI. Sua obra mais influente foi “Disputationes  Jean de Muralt: advogado suíço. (Nota���������
da obra alquímica chamada Aurora Consurgens.
Metaphysicae” (1597), um amplo tratado que IHU On-Line) Sua obra mais famosa e importante é a Suma
articulava todo o saber metafísico, concebido  Ludger Honnefelder (1936): filósofo alemão. Teológica. (Nota da IHU On-Line)
como teologia natural. Escreveu várias obras (Nota da IHU On-Line)

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a modernidade. Em seu ensaio de 1954, “Principalmente em seus Tomás de Aquino e Bonaventura),14
“Theological position of christians in the onde a evolução da doutrina apresen-
modern world” (Posição teológica dos últimos anos, Rahner ta continuidade lógica tanto quanto
cristãos no mundo moderno), ele apre- histórica com a origem apostólica.
senta o que pode ser lido como uma re- teve profunda simpatia Rahner parece ter chegado a isto des-
signação um tanto sectária e pessimista: de um ângulo diferente. Ele tende a
o cristianismo passou, a cultura da mo- com a causa dos pobres basear-se num modelo evolucionário
dernidade “tem de ser”. Ali não consta o transcendentalista, que confere um
menor indício de a cultura cristã reagir e viu corretamente que papel muito menor ao “logos” como
ou a Igreja recuperar seu verve contra- veiculador da continuidade e do desen-
cultural. a missão de caridade da volvimento. Em vez disso, no esquema
Nada disso realmente apresenta sin- evolucionário proposto por Rahner, um
tonia com o novo tempo do século XXI, Igreja exigia uma defesa vitalismo subjetivista sob impacto do
onde o triunfo do secular não parece ambiente tende a substituir a prática
mais tão automático, e novamente so- ativa da justiça em favor reflexiva da exegese e da mistagogia
mos ameaçados por modalidades auto- como veiculador lógico/racional da
ritárias e fundamentalistas de religião. dos seus membros mais continuidade e do desenvolvimento.
Ao mesmo tempo, também somos ame- No esquema evolucionário, o “logos”
açados por uma crítica ateísta muito pobres” é suprimido em favor de um “trans-
mais militante, a qual, no Reino Unido, cendentalismo” subjetivo (vitalista e
agora chega às raias de sugerir que a ambientalista/existencial), o qual, em
religião deveria ser proibida. Ninguém, ner vivem “em dois planetas teológicos última análise, reduz a “revelação” à
nem mesmo Rahner, poderia ter ante- diferentes”, mesmo quando, por algum “história espiritual da humanidade”.
cipado isto. tempo, defenderam as mesmas coisas, Desta forma, Rahner não só deixa de
“mas por razões totalmente diferentes”. superar a dicotomia sujeito-objeto,
IHU On-Line – O senhor considera que Ratzinger descreve Rahner como dema- mas permanece totalmente “fideísta”
as ideias de Rahner foram assimila- siadamente “condicionado pelo escolas- em sua teologia da revelação, porque
das pela teologia em geral? Quais de ticismo de Suarez” e influenciado pelo o teor efetivo desta última somente
suas ideias ainda estão presentes na “idealismo alemão de Heidegger”. ainda preenche um lugar “objetivo” e
Igreja em seu diálogo com a Moder- No Concílio, Ratzinger e Rahner “ilustrativo”. Tudo que é subjetivo e
nidade? trabalharam num esboço-proposta so- espiritual é colocado no bojo de uma
John Milbank e Aeron Riches - A ideia bre a revelação; isto parece ter sido história natural, a qual em si está su-
da “inculturação” tem enorme aceita- a “base comum” dos dois por algum
tempo. Ambos estavam preocupados Commonitorium, no qual deixou para a huma-
ção em universidades católicas nos EUA. nidade o ensinamento sobre como praticar as
Isto se liga às ideias do sobrenatural em desfazer o “positivismo” da neo- lições do Evangelho de Jesus Cristo. O livro foi
existencial e de “cristãos anônimos”. escolástica; pretendiam fazê-lo me- tão famoso em sua época, que era conhecido
diante a nova abordagem da conexão como “um livro todo de ouro”. Em um mo-
Ratzinger, numa crítica à “incultura- mento em que a Igreja promovia um profundo
ção” de Rahner (a qual presume uma entre revelação e avanço da “histó- combate às heresias, optou por refugiar-se no
humanidade genérica, uma cultura sem ria”. Aparentemente Ratzinger estava mosteiro que São Honorato construíra na ilha
interessado, entre outras coisas, em de Lérins, no Mar Mediterrâneo, dedicando o
religião), argumenta, corretamente resto de seus dias à oração e à meditação.
em nosso entender, que somente pode recuperar uma noção de “desenvolvi- Eleito abade, o Mosteiro de Lérins tornou-se
existir interculturação, uma vez que a mento” segundo a formulação de John um lugar de forte formação para santos e bis-
Henry Newman11 (dando continuidade pos da Igreja. (Nota da IHU On-Line)
própria Igreja é uma cultura, e nenhu- 14 Bonaventura Cavalieri (1598-1647): sacer-
ma cultura na qual ela seja introduzida a Irineu de Lyon12, Vicente de Lerino,13 dote jesuíta e matemático italiano, discípulo
é neutra. Isto tende a distanciar-se da 11 John Henry Newman (1801-1890): bispo de Galileu. Estudou astronomia, trigonometria
anglicano inglês, convertido ao catolicismo, esférica e cálculo logarítmico. É considerado
dúbia ideia de que “cultura” é apenas foi posteriormente nomeado cardeal pelo Papa um dos precursores do cálculo integral. Em
um meio exterior, noção esta demasia- Leão XIII, em 1879. Estudou no Trinity College 1629, foi indicado à cadeira de professor em
damente “protestante” e que tem tido de Oxford e no Oriel College. Depois de sua Bolonha, ocupando a função até sua morte em
conversão ao catolicismo, abriu e dirigiu em 1647. Cavalieri publicou, em 1632, o livro Di-
efeito negativo sobre a liturgia. Birmingham um oratório de São Felipe Néri e rectorium Universale Uranometricum (Diretó-
foi reitor da Universidade Católica da Irlanda, rio Universal de Uranometria), sobre a medi-
IHU On-Line – Como o senhor analisa em 1854. (Nota da IHU On-Line) ção de distâncias celestes. Em 1635, publicou
12 Santo Irineu de Lion: nasceu por volta do sua obra mais conhecida, Geometria indivisi-
as teologias de Rahner e Ratzinger? ano 130/135, provavelmente em Esmirna, na bilibus continuorum nova (Nova Geometria dos
Em quais áreas eles convergem e Ásia Menor. Era chamado Zelador do Testamen- Indivisíveis Contínuos), em que desenvolveu a
discordaram entre si? O que ocorreu to de Cristo, tendo vivido na época dilacerada idéia de Kepler sobre quantidades infinitamen-
por heresias que colocavam em risco a unidade te pequenas. Correspondeu-se centenas de ve-
com Rahner após o Concílio? da Igreja na fé. Governou a Igreja de Lião até zes com muitos matemáticos da época como
John Milbank e Aeron Riches - Em suas a morte, em 200. (Nota da IHU On-Line) Galileu, Mersènne, Renieri, Rocca, Torricelli e
memórias, Ratzinger diz que ele e Rah- 13 São Vicente de Lérins (ou Lerino) (?-445): Viviani. Seu mais famoso discípulo foi Stefano
monge e teólogo francês. Escreveu o livro degli Angeli. (Nota da IHU On-Line)

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bordinada a um embasamento trans- das últimas coisas que Rahner fez an- mo entre uma teologia da libertação
cendental. tes de morrer foi enviar uma carta aos “bíblica” e uma “doutrina social ca-
Ratzinger, em contraste, pode ser bispos do Peru em 1983 apoiando Gus- tólica” baseada na lei natural. Ao in-
considerado muito mais “radical” e tavo Gutierrez19 e sua versão da teolo- vés, vemos que a tradição bíblica tem
mais autenticamente pós-moderno, gia da libertação. Principalmente em muito em comum com o pensamento
na medida em que, baseando-se na vi- seus últimos anos, Rahner teve profun- grego (platônico, aristotélico, estoico)
são paleocristã dos Padres da Igreja, da simpatia com a causa dos pobres e sobre política e sociedade, ao mesmo
ele passa a formular uma teologia da viu corretamente que a missão de cari- tempo em que o modifica decisiva-
história que supera a dicotomia sujei- dade da Igreja exigia uma defesa ativa mente, especialmente em termos de
to-objeto mediante a integração de fé da justiça em favor dos seus membros nova noção do ser-pessoa e sobre o va-
e razão, revelação e lógica reflexiva. mais pobres. Pensamos que seria justo lor absoluto de todas as pessoas. Está
Seu antikantianismo (que ele compar- dizer que ele tinha a motivação corre- surgindo uma nova política da virtude,
tilha com Lubac e Balthasar)15 agora ta, genuína, no sentido de ver que a cristã e comunitária, que rejeita tanto
está muito mais sintonizado com o Igreja tinha uma responsabilidade em o estatismo quanto o mercado capita-
estado de espírito da filosofia secular contribuir para a obra da justiça, obra lista, insistindo que a subsidiariedade
(Badiou,16 Meillassoux17, Rorty).18 esta que ela evidentemente deixara somente pode ser sustentada sob o
de realizar em muitos lugares. “santuário” protetor proporcionado
IHU On-Line – Qual foi a influência de Mas Rahner foi demasiadamente pela ecclesia em seu distanciamento
Rahner para a Teologia da Libertação condescendente em relação à embas- apofático da lei coercitiva e da tro-
e outros pontos de vista progressis- bacante prática de absorver Marx20 ca mercantil caracterizada pelo mero
tas na Igreja? como Tomás de Aquino tinha absorvido interesse próprio. As ideias de Saul
John Milbank e Aeron Riches - Uma Aristóteles.21 Faltou-lhe discernimento Alinsky22, Ivan Illich23 e outros estão
15 Hans Urs Von Balthasar (1905-1988): teólo- crítico quanto à falsa “causa comum” sendo amalgamadas com as percep-
go católico suíço. Estudou Filosofia em Viena, de católicos e “marxistas-leninistas”. ções de Gutierrez.
Berlim e Zurique, onde doutorou-se em 1929,
e em Teologia em Munique e Lyon. Destacou-se Ele deveria ter considerado modelos
como investigador dos santos padres e da Fi- socialistas cristãos tradicionais mais IHU On-Line – Em sua opinião, a teo-
losofia e Literatura modernas, especialmente antigos. Hoje em dia, estes estão sen- logia de Rahner é muito otimista com
a franco-germana. Criou sua própria Teologia,
síntese original do pensamento patrístico e do reavivados, superando-se o dualis- relação à Modernidade? Por quê?
contemporâneo. Entre suas obras, destacam- 19 Gustavo Gutiérrez Merino (1928): teólogo John Milbank e Aeron Riches - Parte
se O cristianismo e a angústia (1951), O mis- peruano e sacerdote dominicano, considerado do problema, aqui, é a tendência “an-
tério das origens (1957), O problema de Deus por muitos como o fundador da Teologia da Li-
no homem atual (1958) e Teologia da história bertação. (Nota da IHU On-Line) tioquena” de Rahner em enfatizar uma
(1959). A edição 193 da IHU On-Line, de 28- 20 Karl Heinrich Marx (1818-1883): filósofo, “cristologia a partir de baixo”, contra
08-2006, Jorge Luis Borges. A virtude da ironia cientista social, economista, historiador e re- o monofisitismo prevalente na prática
na sala de espera do mistério publicou uma volucionário alemão, um dos pensadores que
entrevista com Ignácio J. Navarro, intitulada exerceram maior influência sobre o pensamen- do catolicismo pré-conciliar, conforme
Borges e Von Balthasar. Uma leitura teológica. to social e sobre os destinos da humanidade a sua percepção. Na verdade, agora se
(Nota da IHU On-Line) no século XX. Marx foi estudado no Ciclo de pode ver claramente que justamente o
16 Alain Badiou (1937): filósofo, dramaturgo Estudos Repensando os Clássicos da Economia.
e romancista, leciona filosofia na Universida- A edição número 41 dos Cadernos IHU Idéias, contrário sempre foi o caso: a cristolo-
de de Paris-VII Vincennes e no Collège Inter- de autoria de Leda Maria Paulani, tem como gia da neoescolástica é nestoriana, ou
national de Philosophie. É autor, entre muitos título A (anti)filosofia de Karl Marx, disponí- seja, não é “alexandrina” o suficiente.
outros, do livro Saint Paul. La fondation de vel em http://www.unisinos.br/ihu/uploads/
l’universalisme (Paris: PUF, 1997), várias vezes publicacoes/edicoes/1158330314.12pdf.pdf. A “guinada para o sujeito transcen-
reeditado na França e traduzido em diferentes Também sobre o autor, confira a edição núme- dental” por parte de Rahner perpetua
línguas como o inglês e o italiano. (Nota da ro 278 da IHU On-Line, de 20-10-2008, intitu-
IHU On-Line) lada A financeirização do mundo e sua crise. 22 Saul David Alinsky (1909-1972): ativista
17 Quentin Meillassoux (1967): filósofo fran- Uma leitura a partir de Marx, disponível para social e escritor norte-americano, considerado
cês. Filho do antropólogo Claude Meillassoux download em http://www.unisinos.br/ihuon- como o fundador das organizações comunitá-
e ex-aluno do filósofo Alain Badiou, leciona na line/uploads/edicoes/1224527244.6963pdf. rias modernas dos Estados Unidos. Marxista,
École Normale Supérieure. Seu primeiro livro pdf. (Nota da IHU On-Line) sua prática política consistia em organizar
foi Après la finitude (2006), em que critica a 21 Aristóteles de Estagira (384 a C. – 322 a. comunidades para agir pelo autointeresse co-
obra de Kant, rejeitando especialmente a pre- C.): filósofo nascido na Calcídica, Estagira, um mum e conquistar poder público. Dois de seus
sença da “revolução copernicana” de Kant na dos maiores pensadores de todos os tempos. mais notáveis discípulos contemporâneos são
filosofia. (Nota da IHU On-Line) Suas reflexões filosóficas — por um lado, origi- Hillary Clinton e Barack Obama. (Nota da IHU
18 Richard Rorty: filósofo pragmatista es- nais, e, por outro, reformuladoras da tradição On-Line)
tadunidense. �����������������������������
Esteve em pé de guerra com a grega — acabaram por configurar um modo de 23 Ivan Illich (1926-2002): pensador autor de
filosofia toda a sua vida. Defendia-se contra pensar que se estenderia por séculos. Prestou uma série de críticas às instituições da cultura
a pretensão de absoluto do pensamento ana- inigualáveis contribuições para o pensamento moderna , escreveu sobre educação, medici-
lítico e renunciou durante décadas, a modo humano, destacando-se em vários campos éti- na, trabalho, energia,ecologia e gênero. Sobre
de protesto contra as correntes tradicionais ca, política, física, metafísica, lógica, psico- ele, leia a revista IHU On-Line número 46, de
do seu âmbito, a dirigir uma cátedra de filo- logia, poesia, retórica, zoologia, biologia, his- 09-12-2002, intitulada Ivan Illich, pensador ra-
sofia (apenas aceitou até 1982 um lugar na tória natural e outras áreas de conhecimento. dical e inovador, disponível para download no
Universidade de Princeton). �������������������
Sua principal obra É considerado, por muitos, o filósofo que mais link http://www.unisinos.br/ihuonline/uplo-
é Filosofia e o espelho da natureza (Prince- influenciou o pensamento ocidental. (Nota da ads/edicoes/1161290142.3pdf.pdf. (Nota IHU
ton: Princeton University Press, 1979). (Nota IHU On-Line) On-Line)
da IHU On-Line)

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os dualismos modernistas da neoesco- Pickstock28, J.-L. Chrétien29 e vários
lástica. “Rahner tendia a outros. Preocupações obsessivamente
Onde Lubac e agora a ortodoxia mundanas também traem este mundo
radical querem uma antropologia cen- mesclar e na verdade não permitem qualquer
trada cristologicamente, focalizando crítica sócio-política genuína. A teolo-
o “homem celestial”, Rahner parece transcendentalismo gia mais recente tem-se ocupado mais
querer uma cristologia centrada an- com a fenomenologia e a ontologia do
tropologicamente, focalizando o “ho- com fideísmo e, em transcendente. Mas talvez a ortodo-
mem terreno”. Assim sendo, a ênfase xia radical se destaque por suas ten-
do desejo pelo “existencial sobrena- consequência, tativas de aliar essas preocupações a
tural” está sobre uma apreensão pro- questões políticas.
gressiva da “forma” em relação à ati- comprometeu a
vidade da criatura voltar-se para fora, IHU On-Line – Para Rahner, qual é a
contrastando com o Deus-Homem comunicação da fé” ligação entre comunicação da fé, ex-
“descendo de cima”. Ao passo que periência de Deus e teologia?
Rahner privilegia o “existencial sobre- é ou demasiadamente inócua para ser John Milbank e Aeron Riches - Rahner
natural” como a melhor maneira de associada com a proclamação cristã tendia a mesclar transcendentalismo
conceber a relação da pessoa humana do evangelho, ou ela é tão paternalis- com fideísmo e, em consequência, com-
com Deus, a ortodoxia radical prefe- ta a ponto de ser ofensiva, impossibi- prometeu a comunicação da fé: ou a fé já
re privilegiar o “paradoxo” do homem litando a comunicação de “amor” ao existia anonimamente, ou ela era mero
celestial, com base na communicatio genuinamente outro; provavelmente dado positivo, uma espécie de “selo” es-
idiomatum enfatizada por Tomás de ambas as coisas. Para uma alternativa pecífico em cima de algo abstratamente
Aquino, Bérulle24 e Louis Chardon25. positiva, vide nossa resposta à última universal. Faltava-lhe uma percepção
Nesta última visão, há pouco espaço pergunta. plenamente cristã do “concretamente
para o assim chamado “cristianismo universal”: a ideia de que o revelado é
anônimo”, uma vez que ética, cultu- IHU On-Line – Frente aos recentes de- o “humano em si”, que somente pode
ra, política e doxologia cristãs só exis- safios da Igreja em seu diálogo com a ser específico. Também a ideia de que
tem onde houver uma missão eclesial cultura atual, é possível afirmar que o “humano em si” somente pode ser-
claramente formada segundo o padrão a Igreja se tornou mais imanente e nos restaurado por um homem que não
do homem celestial. Ao mesmo tempo, menos transcendente depois do Con- foi pessoa humana, mas divina, trazida
entretanto, a comunicação de idiomas cílio, diante das ideias de Rahner? para este mundo por Maria, a pessoa
e o desejo natural pelo sobrenatural John Milbank e Aeron Riches - Sim, humana perfeita, cuja humanidade per-
significa que em toda a história e cul- Rahner era relativamente indiferen- feita somente lhe foi conferida por seu
tura humana existe um apontar tipo- te em questões de arte, música e li- destino como portadora do Logos. Daí a
lógico para Cristo, que sempre ilumina turgia. Agora existe a necessidade de concepção de que a humanidade é con-
a Cristo de formas novas e singulares. voltar para as perspectivas de gente sumada e restaurada pelo Deus-Homem,
Neste sentido, perspectivas de inter- como Odo Casel26 e Romano Guardini,27 é equilibrada pela noção de que este
culturação de Ratzinger e da orto- reforçadas pelo trabalho de Catherine somente é possível mediante perfeita
doxia radical dão mais oportunidade relação humana de amor entre o Deus-
para um aprendizado substantivo de Homem e sua mãe, o que vem a ser a
diferentes culturas pela teologia. Isto Igreja na (sua) fonte. A reencarnação é
porque este último sempre subordina inseparável da sua continuação eucarís-
o local e o particular a normas huma-
nas puramente naturais supostamente 26 Odo Casel (1886-1948): monge e sacerdote 28 Catherine Pickstock: filósofa e teóloga, le-
beneditino alemão do mosteiro de Maria Laa- ciona no Emmanuel College, da Universidade
apriorísticas. ch, na Renânia alemã, principal expoente da de Cambridge. É considerada uma das princi-
reforma e renovação litúrgica. Grande litur- pais pensadores do movimento da Ortodoxia
IHU On-Line – Como o senhor analisa gista, definia a Liturgia como sendo o Mistério Radical, colaborando no desenvolvimento da
do culto de Cristo e da Igreja. Formou-se em teologia construtivista anglocatólica. É críti-
a importância da ideia de Rahner do filosofia em 1919, em Bonn, e em teologia, em ca da filosofia pós-moderna, reconsiderando a
“cristão anônimo” para o diálogo in- Roma. (Nota da IHU On-Line) tradição platônica na interação com as ques-
ter-religioso e o ecumenismo? 27 Romano Guardini (1885-1968): teólogo, fi- tões de fé da Bíblia, particularmente a ques-
lósofo, pedagogo e literato italiano. Lecionou tão da teurgia e da compreensão da alma.
John Milbank e Aeron Riches - A ideia na Universidade de Bonn e na Universidade Atualmente, está escrevendo o livro Theory,
24 Pierre de Bérulle (1575-1629): cardeal e de Berlim, onde permaneceu até a década de Religion and Idiom in Platonic Philosophy.
(Nota da IHU On-Line)
teólogo francês. ��������� 1930, quando o Terceiro Reich impediu suas (Nota da IHU On-Line)
25 Louis Chardon (1595-1651): frei dominica- atividades docentes. Em 1945, reassumiu na 29 Jean-Louis Chrétien (1952): filósofo e
no e místico francês. Acreditava no sofrimento Universidade de Tübingen, passando, pouco poeta francês nascido em Paris. Foi militan-
como parte intrínseca da vida espiritual, pois depois, à de Munique. Escreveu muitas obras, te da Juventude Comunista Revolucionária,
nos capacitaria a colocar toda a nossa confian- entre elas, De La mélancolie, traduzida por antes de romper com a política para se con-
ça em Deus. Foi influenciado, em parte, pelo Jeanne Ancelet-Hustache (Paris: Points, 1953), verter ao cristianismo. Ensina história da
místico espanhol João da Cruz, do século XVI. e La fin des temps modernes (Paris: Seuil, filosofia na Universidade de Paris-Sorbonne
(Nota IHU On-Line) 1952). (Nota da IHU On-Line) (Paris IV). (Nota da IHU On-Line)

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“É preciso concluir que a perda de conexão entre
razão e fé assim como a perda de sua
participação na razão divina aconteceu por causa
de uma construção demasiadamente racionalista
da razão, a qual de certa forma vinha sendo

Religiões do Mundo | De 10-08-2009 a 08-10-2009


gestada no cristianismo muito antes do desvio
nominalista”

tica na Igreja, o que a “faz” a Igreja. Por Claudel32 e George Macdonald.33 Eles já
meio deste mistério somos apresentados viam que uma razão autêntica que par-
à oculta vida relacional da trindade, a ticipa do mistério divino é inseparável
vida da eternidade. A revelação somen- da paixão direcionada pela verdade, no

Informações em www.unisinos.br/ihu
te é mostrada por meio de uma prática sentido do belo, do exercício de poder
mistagógica que nos inicia na vida ocul- criativo, de um sentimento e cuidado
ta de Deus. Mas Rahner, como Barth,30 pela natureza. Isto também precisa ser
tendia demais a identificar a revelação aplicado à razão prática assim como à
com a autorevelação de Deus vista como esfera política.
a exibição adequada de Deus dentro da
imanência temporal.
Da nossa parte, assim como a ortodoxia Leia mais...
a radical de um modo geral, preferimos o >> Confira outras entrevistas concedidas por Mil-
rompimento da nouvelle théologie com a bank à IHU On-Line.
neoescolástica em ambas as suas formas, Entrevistas:
* A Teologia da Libertação e a história do pen-
a conservadora e a liberal. Isto levanta samento socialista cristão. Edição 214, de 02-04-
muitas perguntas sobre como poderemos 2007, intitulada Teologia da Libertação. Acesse
reelaborar a tradição cristã clássica ante a no link http://www.unisinos.br/ihuonline/index.
php?option=com_tema_capa&Itemid=23;
experiência moderna. Mas, acima de tudo, * A teologia e a teoria social. Para além da ra-
é preciso concluir que a perda de conexão zão pós-moderna. Edição número 102, de 24-05-
entre razão e fé assim como a perda de sua 2004, intitulada Deus e a humanidade: algo a ver?
Karl Rahner 100 anos. Disponível no link http://
participação na razão divina aconteceu por www.unisinos.br/ihuonline/uploads/edicoes/
causa de uma construção demasiadamente 1158261608.85word.doc.
racionalista da razão, a qual de certa forma
vinha sendo gestada no cristianismo mui- 32 Paul Claudel (1864-1955): poeta e diplo-
to antes do desvio nominalista. Não é por mata. Um dos maiores expoentes da literatura
de sua geração. Foi embaixador da França no
acaso que os primeiros a resgatarem um Brasil. (Nota da IHU On-Line).
cristianismo autêntico muitas vezes foram 33 George MacDonald (1824-1905): escritor,
escritores ou artistas, por exemplo Péguy,31 poeta e ministro cristão escocês. Embora es-
quecido pelos leitores atuais, suas obras (es-
pecialmente seus contos-de-fadas e romances
de fantasia) foram uma inspiração para mui-
tos autores notáveis, como W. H. Auden, J. R.
R. Tolkien, Madeleine L’Engle, C. S. Lewis, G.
30 Karl Barth (1886-1968): de 1911 a 1921 foi K. Chesterton e Mark Twain. Graduou-se na
pastor calvinista. Mais tarde foi professor de Universidade de Aberdeen e lecionou na Uni-
Teologia em Bonn, na Alemanha. (Nota do IHU versidade de Londres. Em 1850, foi nomeado
On-Line) pastor da Trinity Congregational Church (Igre-
31 Charles Péguy (1873-1914): poeta, drama- ja Congregacional da Trindade), em Arundel,
turgo e ensaísta francês, considerado um dos Inglaterra. Seus livros mais conhecidos são os
principais escritores católicos modernos. Foi o romances de fantasia: Phantastes (publicado
fundador da revista Cahiers de La Quinzaine em 1858), The Princess and the Goblin (1872)
(1900-1914), na qual colaboraram muitos dos (A princesa e o duende), At the Back of the
principais escritores da época. Grande defen- North Wind (Por trás do vento norte) (1871)
sor da causa da justiça social, foi um firme de- e Lilith (1895); bem como os contos-de-fadas
fensor do oficial francês Alfred Dreyfus. Mor- The Light Princess (1864) (A princesa da luz)
reu na Batalha de Marne, durante a I Guerra e The Golden Key (1867) (A chave dourada).
Mundial. (Nota da IHU On-Line) (Nota da IHU On-Line)

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“Cristianismo e Igreja adquiriram feições muito plurais,
mas encolhem rapidamente em vários continentes”
Para o teólogo Érico João Hammes, tudo que se possa atribuir a Rahner no Concílio
Vaticano II só foi possível porque “havia uma clima geral de repensamento da Igreja e
do Cristianismo”

Por Moisés Sbardelotto, Márcia Junges e Patricia Fachin

E
m entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, o teólogo Érico João Hammes aponta vanta-
gens e limites da participação de Karl Rahner no Concílio do Vaticano II. O que não se perdoa
nele, assinala o pesquisador, “é seu modo honesto de lidar com o ser humano concreto e seu
modo de situar a reflexão da fé como responsabilidade humana frente ao Mistério Divino”. E
dispara: “Sua influência é, por isso, muitas vezes lamentada porque seria uma distorção da total
transcendência e alteridade divina em favor de um Deus demasiadamente humano e condescendente”.
Por outro lado, Hammes destaca que o mérito do teólogo alemão “está no pensamento corajoso e dialo-
gal com a Modernidade”. Além disso, a concepção de ser humano como ouvinte da palavra e da revelação
como autocomunicação divina “foram decisivas para a maneira de leitura bíblica posterior”.
Hammes é graduado em Teologia, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS),
em Filosofia pela Faculdade de Filosofia Nossa Senhora da Imaculada Conceição, e mestre e doutor em
Teologia Sistemática, pela Pontificia Universita Gregoriana. Atualmente, é professor PUCRS, no curso de
graduação e mestrado em Teologia. Integra a Comissão de Diálogo Bilateral Católico-Luterano da CNBB e é
editor da Revista Teocomunicação. Confira a entrevista.

IHU On-Line - Qual foi a principal da sociedade, o papel das ciências po- conferências para os demais, no
contribuição de Karl Rahner para o sitivas, o pluralismo filosófico, religio- estudo meticuloso dos documentos
diálogo entre modernidade e teolo- so e cultural, o valor insubstituível da preparatórios e na sua crítica hones-
gia? Como Rahner compreendeu a experiência e da espiritualidade como ta à luz da realidade pastoral que
modernidade? fatores decisivos na configuração des- vivia. Provavelmente seja, de fato,
Érico João Hammes - A principal con- se “ser humano” e da Igreja. Mostra- essa a sua maior influência. Apesar
tribuição de Karl Rahner para o diá- se especialmente sensível à urgência disso, é certo que sua concepção
logo entre Modernidade e Teologia foi de reelaboração teológica mediante do ser humano como ouvinte da pa-
a formulação e aplicação do método uma adequada hermenêutica da fé em lavra e da revelação como autoco-
transcendental. Consiste em pergun- vista da maioridade humana atual. municação divina, presentes na Dei
tar a respeito das condições de possi- Verbum, foi decisiva para a maneira
bilidade presentes no ser humano para IHU On-Line - Qual foi a influência e de leitura bíblica posterior. O tema
ouvir e responder à presença e palavra as principais contribuições de Rah- da sacramentalidade de Cristo e da
de Deus. A modernidade não parece ner no Concílio Vaticano II? Igreja e as questões relativas à es-
ter merecido uma reflexão especial no Érico João Hammes - Rahner, no trutura interna podem ser encontra-
seu pensamento, mas está presente Concílio, esteve ao lado de muitos das em seus escritos e refletem o
como catalisador. Assim, por exemplo, outros teólogos e tudo o que se lhe Vaticano II.
como Karl Barth, quando discute a Te- possa atribuir só foi possível porque
ologia Trinitária, relativiza o conceito havia um clima geral de repensa- IHU On-Line - Rahner é considerado
de pessoa, ante certa maneira indivi- mento da Igreja e do Cristianismo. o “pai da Igreja do século XX”. Como
dualista de considerá-la na Moderni- Franz König, o Bispo austríaco a o senhor analisa a importância que
dade. Frequentemente, fala do “ser serviço de quem Rahner esteve no a teologia de Rahner conquistou no
humano atual”, da “Igreja no mundo Concílio, testemunha a intensa ati- ambiente eclesial pré e pós-conci-
de hoje” e identifica a secularização vidade do Teólogo de Innsbruck em liar? O que estava em jogo e por que

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Rahner conseguiu oferecer as res- (pró e contra Küng) e diaconado per- teologia da dor humana e do sofri-
postas apropriadas? manente, devoção ao coração de Jesus mento estrutural, que outros, viram
Érico João Hammes - Seria um equívo- e anticoncepcionais, pecado original e melhor do que ele como J. B. Metz,
co imaginar que Rahner tivesse gran- evolução, o “significado permanente J. Moltmann, G. Gutiérrez, J. So-
jeado unidade em torno de seu nome da oração” e questões genéticas. Em- brino, a Teologia Feminista e todas
como teólogo. Ao contrário, hoje cada bora escrevesse muito, quase não tem  Johann Baptist Metz: teólogo alemão. Dele
vez mais aparecem, mesmo no Brasil, obras inteiras; é uma verdadeira teo- publicamos uma entrevista na 13ª edição, de
15 de abril de 2002 e reproduzimos um arti-
críticos ferrenhos de seu pensamento. logia a caminho e em caminho. Pensar go escrito por ocasião do 60º aniversário de
O que não se perdoa nele é seu modo com honestidade e sem medo, com Karl Rahner, publicado como introdução, no
honesto de lidar com o ser humano Deus como amigo (Romano Guardini) e livro Gott in Welt. Festgabe für Karl Rahner,
na edição de nº. 102, de 24 de maio de 2004.
concreto e seu modo de situar a re- os seres humanos como interlocutores, (Nota da IHU On-Line)
flexão da fé como responsabilidade parece ter sido seu grande segredo.  Jürgen Moltmann (1926): professor emérito
humana frente ao Mistério Divino. Sua Foi assim que, já em 1951, pôde en- de Teologia da Faculdade Evangélica da Uni-
versidade de Tübingen. Um dos mais impor-
influência é, por isso, muitas vezes la- frentar o tema crucial das formulações tantes teólogos vivos da atualidade. Foi um
mentada porque seria uma distorção dogmáticas cristológicas apontando-as dos inspiradores da Teologia Política nos anos
da total transcendência e alteridade como um fim, mas mais ainda um co- 1960 e influenciou a Teologia da Libertação. É
autor de, entre outros, Teologia da Esperança
divina em favor de um Deus demasia- meço, uma espécie de envio para uma (São Paulo: Herder, 1971). Confira a entrevista
damente humano e condescendente. recuperação constante em vista das de Jürgen Moltmann, um dos maiores teólogos
De outro lado, e talvez com mais exigências atuais da fé, superando sua vivos, na IHU On-Line número 94, de 29-03-
2004. Desse autor a Editora Unisinos publicou
justiça, seu mérito está no pensamento repetição rotineira. o livro A vinda de Deus. Escatologia cristã (São
corajoso e dialogal com a Modernida- Para além de Rahner, no entanto, Leopoldo, 2003). O professor Susin apresentou
de. Muito cedo, abandona o modo es- é preciso lembrar de uma verdadeira o livro A vinda de Deus: escatologia cristã, de
Jürgen Moltmann, no evento Abrindo o Livro do
colástico de pensar (a Schultheologie,  Hans Küng (1928): teólogo suíço, padre ca- dia 26 de agosto de 2003. Sobre o tema, confi-
como gostava lembrar com fina iro- tólico desde 1954. Foi professor na Universi- ra na IHU On-Line número 72, de 25-08-2003,
nia), sem abandonar a Tradição tomis- dade de Tübingen, onde também dirigiu o a entrevista do Prof. Dr. Frei Luiz Carlos Susin.
Instituto de Pesquisa Ecumênica. Foi consultor A edição 23 dos Cadernos Teologia Pública,
ta. O neotomismo de Joseph Maréchal, teológico do Concílio Vaticano II. Destacou-se de 26-09-2006, tem como título Da possibili-
entre outros, como se diria hoje, um por ter questionado as doutrinas tradicionais dade de morte da Terra à afirmação da vida.
Tomás revisitado com o pensamento e a infabilidade do Papa. O Vaticano proibiu-o A teologia ecológica de Jürgen Moltmann, de
de atuar como teólogo em 1979. Nessa época, autoria de Paulo Sérgio Lopes Gonçalves. Nota
de Kant e Heidegger especialmente, foi nomeado para a cadeira de Teologia Ecu- da IHU On-Line)
e o recurso aos primeiros teólogos da mênica. Atualmente, mantém boas relações  Gustavo Gutiérrez (1928): padre e teólogo
Igreja e a uma simpática assimilação com a Igreja e é presidente da Fundação de peruano, um dos pais da Teologia da Liberta-
Ética Mundial, em Tübingen. Um escritório da ção. Gutiérrez publicou, depois de sua partici-
das pesquisas bíblicas lhe permitiram Fundação de Ética Mundial funciona dentro do pação na Conferência Episcopal de Medellín de
elaborar um conceito (Begriff) do cris- Instituto Humanitas Unisinos desde o segun- 1968, Teologia da Libertação (Petrópolis: Vo-
tianismo com o qual se pode seguir Je- do semestre do ano passado. Küng dedica-se, zes, 1975), traduzido para mais de uma deze-
atualmente, ao estudo das grandes religiões, na de idiomas, e que o converteu num teólogo
sus numa sociedade adulta. sendo autor de obras, como A Igreja Católica, polêmico. Uma década mais tarde participou
Ao não temer as perguntas, levava publicada pela editora Objetiva e Religiões da Conferência Episcopal de Puebla (México,
a sério as respostas. Por isso, foi capaz do mundo: em busca dos pontos comuns, pela 1978), que selou seu compromisso com os des-
editora Verus. De 21 a 26 de outubro de 2007, favorecidos e serviu de motor de mudança na
de discutir sobre anjos e demônios, aconteceu o Ciclo de Conferências com Hans Igreja, especialmente latino-americana. Al-
assim como sobre paz e guerra, revo- Küng — Ciência e fé — por uma ética mundial, guns dos últimos livros de Gustavo Gutiérrez
lução e libertação, infalibilidade papal com a presença de Hans Küng, realizado no são Em busca dos pobres de Jesus Cristo. O
campus da Unisinos e da UFPR, bem como no pensamento de Bartolomeu de Las Casas (São
 Martin Heidegger (1889-1976): filósofo ale- Goethe-Institut Porto Alegre, na Universidade Paulo: Paulus, 1992) e Onde dormirão os po-
mão. Sua obra máxima é O ser e tempo (1927). Católica de Brasília, na Universidade Cândido bres? (São Paulo: Paulus, 2003). (Nota da IHU
A problemática heideggeriana é ampliada em Mendes do Rio de Janeiro e na Universidade On-Line)
Que é metafísica? (1929), Cartas sobre o huma- Federal de Juiz de Fora — UFMG. Um dos ob-  Jon Sobrino: teólogo espanhol, jesuíta,
nismo (1947) e Introdução à metafísica (1953). jetivos do evento foi difundir no Brasil a pro- que em 27-12-1938 entrou para a Companhia
Sobre Heidegger, a IHU On-Line publicou na posta e atuais resultados do “Projeto de éti- de Jesus e em 1956 e foi ordenado sacerdote
edição 139, de 2-05-2005, o artigo O pensa- ca mundial”. Confira, no sítio do IHU (www. em 1969. Desde 1957, pertence à Província da
mento jurídico-político de Heidegger e Carl unisinos.br/ihu), a edição 240 da revista IHU América Central, residindo habitualmente na
Schmitt. A fascinação por noções fundadoras On-Line, de 22-10-2007, intitulada Projeto de cidade de San Salvador, em El Salvador, país
do nazismo. Sobre Heidegger, confira as edi- Ética Mundial. Um debate. (Nota da IHU On-
��������� da América Central, que ele adotou como sua
ções 185, de 19-06-2006, intitulada O século Line) pátria. Licenciado em Filosofia e Letras pela
de Heidegger (http://www.unisinos.br/ihuon-  Romano Guardini (1885-1968): teólogo, fi- Universidade de St. Louis (Estados Unidos), em
line/uploads/edicoes/1158344730.57pdf.pdf), lósofo, pedagogo e literato italiano. Lecionou 1963, Jon Sobrino obteve o master em Enge-
e 187, de 3-07-2006, intitulada Ser e tempo. na Universidade de Bonn e na Universidade nharia na mesma Universidade. Sua formação
A desconstrução da metafísica (http://www. de Berlim, onde permaneceu até a década de teológica ocorreu no contexto do espírito do
unisinos.br/ihuonline/uploads/edicoes/ 1930, quando o Terceiro Reich impediu suas Concílio Vaticano II, a realização e aplicação
1158344314.18pdf.pdf). Confira, ainda, o nº atividades docentes. Em 1945, reassumiu na do Vaticano II e da II Conferência Geral do
12 do Cadernos IHU em formação, intitulado Universidade de Tübingen, passando, pouco Conselho Episcopal Latino-Americano, em Me-
Martin Heidegger. A desconstrução da meta- depois, à de Munique. Escreveu muitas obras, dellín, em 1968. Doutorou-se em Teologia em
física, disponível para download em http:// entre elas De la mélancolie, traduzida por Je- 1975, na Hochschule Sankt Georgen de Frank-
www.unisinos.br/ihu/uploads/publicacoes/ anne Ancelet-Hustache (Paris: Points, 1953), e furt (Alemanha) com a tese Significado de la
edicoes/1175210604.13pdf.pdf. (Nota da IHU La fin des temps modernes (Paris: Seuil, 1952). cruz y resurrección de Jesús en las cristologias
On-Line) (Nota da IHU On-Line) sistemáticas de W.Pannenberg y J. Moltmann.

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as demais correntes que partem da centro é a encarnação, plenitude do boas bases para uma compreensão e
negatividade da história e do seu re- ser humano. Nas reflexões sobre Deus uma superação dos atuais desafios da
verso passando pela cruz do Mistério em si mesmo (Trindade imanente), Igreja e de uma sociedade considera-
Divino. Seu mérito consistiu em, en- adere decididamente à forma litúrgica da pós-moderna? Em que sentido?
tre outros, devolver à Teologia seu e oriental de compreender a unidade a Érico João Hammes - A primeira
lugar de ser palavra humana sobre a partir do Pai. O Deus é o Pai, que gera contribuição de Rahner para com-
palavra divina. E embora, como ele o Filho na autocomunicação, do amor preender a sociedade atual é seu
mesmo reconhecia, não fosse até o ao qual procede o Espírito. método, mais precisamente, sua
fim, deixou as categorias fundamen- O ser humano é sujeito da ofer- maneira de fazer Teologia. Ouvir,
tais para que outros seguissem. A ta divina como “existencial sobrena- dialogar, pensar e dizer. Ouvir o que
dívida que permanece é a da serie- tural”, à qual corresponde em Jesus os interlocutores têm a dizer, levar a
dade rigorosa com que é preciso ir Cristo. Teologicamente, o ser humano sério sua perspectiva e aceitar suas
adiante. é de tal estrutura que se orienta para perguntas. Aproximar-se de seu pen-
samento a fim de aprender a pensar
IHU On-Line - Qual a concepção de de novo as implicações da própria fé
Deus em Rahner? Como o homem e trazê-las ao conceito. De um modo
pode chegar ao Mistério?
“A principal contribuição especial, valorizar a experiência do
Érico João Hammes - A concepção crer, o ser místico, o testemunho de
central de Deus em Rahner é a de Mis-
de Karl Rahner para o uma ética da responsabilidade por
tério Último que se comunica a nós em todos os setores da sociedade e dos
Jesus Cristo e nos une a si pela graça
diálogo entre sujeitos pessoais, reconhecendo a
(Espírito Santo). Do ponto de vista da provisoriedade das fórmulas em fa-
Teologia, essa maneira de entender a
Modernidade e Teologia vor de sua incessante reelaboração
Deus exige uma retomada profunda da ou releitura.
Teologia Trinitária. O ponto de partida
foi a formulação e Quanto à Igreja, é o lugar do
é a revelação, no seu famoso axioma, exercício do amor ao próximo e a
segundo o qual “a Trindade econômica
aplicação do método Deus como serviço ao mundo e teste-
é a Trindade imanente e vice-versa”. munho do irrevogável e irreversível
Quer dizer: para falar de maneira me-
transcendental. Consiste autoempenho e autocomunicação
nos inadequada a respeito do mistério divina ao mundo em Jesus Cristo,
divino, não se deve tomar qualquer
em perguntar a respeito “portador absoluto da salvação”.
reflexão humana sobre um Deus pre- Em sua condição de sacramento ori-
sumidamente alcançável pela razão,
das condições de ginal, traz em si a capacidade para
mas aquele que se revela na história da mudar suas próprias estruturas dian-
salvação (Trindade Econômica). Com
possibilidade te das transformações da sociedade,
isso, de maneira alguma se despre- pode responder de maneira plural
zam os recursos do pensamento. Pelo
presentes no ser e local aos anseios e às expressões
contrário, há que pensar com todo o mais diversas geográfica, religiosa e
rigor o que é o pressuposto, o Mistério
humano para ouvir culturalmente. Cada vez menos dona
revelado e a partir da revelação, cujo do mundo e das consciências, é cha-
e responder à presença mada a ser um sinal de acolhida das
É doutor honoris causa pela Universidade de
dores e sofrimentos, das incertezas
Lovain, na Bélgica (1989), e pela Universida-
de de Santa Clara, na Califórnia (1989). Atu- e palavra de Deus” e buscas do mundo, revisando-se
almente, divide seu tempo entre as ativida-
des de professor de Teologia da Universidade constantemente em suas estruturas
Centroamericana, de responsável pelo Centro e relações com as demais confissões
de Pastoral Dom Oscar Romero, de diretor da cristãs, as outras religiões e cosmo-
Revista Latinoamericana de Teologia e do In-
formativo Cartas a las Iglesias, além de ser autotranscendência, cuja plenitude é visões.
membro do comitê editorial da Revista In- o Filho encarnado. A familiaridade as-
ternacional de Teólogia Concilium. A respeito sim criada se concretiza no encontro IHU On-Line - Quais eram os desafios
de Sobrino, confira a ampla repercussão dada
pelo site do IHU em suas Notícias do Dia, bem com o Mistério unificador. Esse encon- teológicos que Rahner buscou res-
como o artigo A hermenêutica da ressurreição tro é descrito como um “deixar-se cair ponder? Em quais fontes do pensa-
em Jon Sobrino, publicada na editoria Teolo- para dentro do mistério que chamamos mento Rahner foi buscar respostas a
gia Pública, escrita pela teóloga uruguaia Ana
Formoso na edição 213 da IHU On-Line, de Deus”, esse “indefinível, inefável mis- essas perguntas?
28-03-2007. A IHU On-Line também produziu tério divino”, pelo qual nós mesmos so- Érico João Hammes - Rahner veio
uma edição especial, intitulada Teologia da mos divinizados (Grundkurs, p. 413). da tradição escolástica, mas passou
Libertação, no dia 02-04-2007. A edição 214
está disponível no sítio do IHU (www.unisinos. por duas guerras mundiais, sendo
br/ihu). (Nota da IHU On-Line) IHU On-Line - Rahner ainda oferece que seus estudos se deram no perí-

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odo entreguerras, na fase inicial do agindo nele por meio do Espírito San- se recuperar o pensamento de Rahner
nazismo, em plena vigência do ateís- to. Com isso não se abdica da tarefa na atual conjuntura da Igreja?
mo filosófico e do regime comunista do cristianismo de anunciar e teste- Érico João Hammes - Em primeiro
russo. As certezas e seguranças da munhar o Evangelho, mas se lhe im- lugar, é inevitável dar razão a certos
teologia manualística viraram cinzas põe, ao contrário, fazê-lo de maneira de seus prognósticos: o Cristianismo
durante as guerras, mas deixaram um gratuita e diaconal. e a Igreja adquiriram feições muito
vazio de sentido e montanhas de ru- De certo modo, é inevitável que plurais, mas encolhem rapidamen-
ínas. Ao mesmo tempo, o século XX as gramáticas religiosas sejam dis- te em vários continentes. Uma boa
iniciara com uma revisão da Teologia pensadas no diálogo inter-religioso. Teologia da diáspora pode ajudar
liberal protestante, das convicções No entanto, seria um erro imaginar a viver nas pequenas comunidades
filosóficas e de uma irrupção cientí- que daí seguisse necessariamente que sobrevivem no “inverno” ecle-
fica sem igual nos séculos anteriores. uma assimetria. Para o cristianismo sial, reassumindo a força mística de
Assim, Rahner se debruça sobre esse a unidade humano-divina, na visão disponibilidade ao Mistério Divino,
ser humano, impregnado de morte, rahneriana, é o grande conteúdo da repensando suas estruturas e assu-
orgulhoso de seu pensamento e reves- salvação. É a visão de Duns Scotus mindo com coragem a diversidade e
tido de mundanidade, mas, ao mesmo de uma encarnação por amor e não pluralidade teológica e ministerial.
tempo, inseguro e angustiado. Reto- Em segundo lugar, levar a sério as
ma o melhor de Santo Tomás e formu- perguntas e interpelações dirigidas à
la a tese do “espírito-no-mundo” para comunidade cristã, seja das ciências,
descrever o ser humano; em Kant e na “Mostra-se da política, ou da filosofia.
tradição filosófica moderna, descobre Em terceiro lugar, deixar a Deus
ser necessário situar o ser humano especialmente sensível ser Deus, também na Igreja e não
de maneira adulta no mundo e dian- substituí-lo por nossas represen-
te do mistério divino; com Heidegger à urgência de tações, por mais tradicionais que
aprende a pensar a temporalidade, a sejam. Por ser Mistério, é sempre
morte e a orientação quase ontológi- reelaboração teológica maior e menor do que nossas cate-
ca (existencial sobrenatural) do ser gorias.
humano para a transcendência como mediante uma adequada Por fim, ir para além de Rahner.
autotranscendência. Na raiz dessa Desde sua morte, em 1984, o mundo
capacidade está o conhecimento pro- hermenêutica da fé em mudou muito e a Teologia andou por
fundo da Tradição teológica, desde a diversos caminhos. Seria anti-rahne-
patrística, a exegese bíblica, as dife- vista da maioridade riano fixar-se nele para dar conta da
rentes escolas teológicas e a interlo- tarefa atual. A globalização se radi-
cução com a boa teologia do século humana atual” calizou, as ciências avançaram mui-
XX. to, o pluralismo se instalou em nos-
sas casas, os movimentos religiosos
IHU On-Line - Como Rahner pode se multiplicaram, muros caíram e
contribuir para o debate acerca do por causa do pecado. Ora, nesse sen- outros foram edificados, crises eco-
pluralismo religioso e do diálogo com tido, o diálogo não é discriminador, nômicas se sucederam e teologias
as diferentes religiões? Qual a impor- mas discernidor. Visa discernir o que foram perseguidas, o Concílio sofre
tância do conceito de “cristão anôni- é fundamental para a convivência e corrosões e teólogas e teólogos fo-
mo” hoje? realização humana. As próprias fór- ram perseguidos e mortos de todas
Érico João Hammes - O conceito de mulas religiosas regionais, sempre as formas.
cristão anônimo sofreu inúmeras crí- poderão ser aprofundadas à luz des-
ticas, mas deve ser relido em sua po- sa exigência.
tencialidade. Em última instância diz
que o desígnio salvífico divino está IHU On-Line - Qual é a importância de
para além das suas formas concretas  Duns Scotus (1265-1308): pertenceu à Or- Leia mais...
dem dos Franciscanos. Estudou nas Universi-
e históricas. O termo “cristão anôni- dades de Oxford e Paris. Foi mestre em teolo-
>> Érico Hammes é autor do Cadernos Teolo-
gia Pública número 05, de 01-5-2004, intitulado
mo” designa, então, geralmente uma gia nessas duas universidades, assim como em Conceito e Missão da Teologia em Karl Rahner.
consciência de salvação. Ou seja: a Cambridge e Colônia. Diverge das doutrinas O material está disponível no link http://www.
platônica e aristotélica, no que se refere à va-
mensagem cristã afirma a salvação da lorização do indivíduo, tanto do ponto de vista
unisinos.br/ihu/uploads/publicacoes/edicoes/
1217875543.6837pdf.pdf.
humanidade e essa salvação é de tal metafísico, ao estabelecer a inteligibilidade >> Jon Sobrino e a Notificação do Vaticano. Depoi-
ordem que, mesmo quando alguém como uma propriedade do singular, quanto do mentos de Luís Carlos Susin e Érico Hammes. Notí-
ponto de vista ético, ao defender o livre-arbí-
não pertence ao cristianismo e vive trio. Suas principais obras são a Opus parisien-
cias do Dia 15-03-2007, disponível no link http://
www.unisinos.br/ihu/index.php?option=com_noti
em outra tradição, pode supor-se a sis e a Opus oxoniensis, também conhecida cias&Itemid=18&task=detalhe&id=5783.
presença salvífica do mistério divino como Ordinatio. (Nota da IHU On-line)

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Rahner e a entrada da Igreja na modernidade
O teólogo alemão Karl Rahner, através do Concílio do Vaticano II, tentou intensificar o
diálogo entre Igreja e seres humanos, assinala João Batista Libânio

Por Moisés Sbardelotto, Márcia Junges e Patricia Fachin

“R
ahner pensa uma Igreja aberta e dialogável. Ele espera que ela se aproxime da-
queles que estão fora, dos ateus e que assuma corajosamente o confronto com os
problemas da atualidade”, aponta o teólogo João Batista Libânio. Em entrevista
concedida por e-mail à IHU On-Line, ele diz que Rahner, com respaldo institucional
e forte personalidade, “exerceu enorme influência em todo o conjunto do Concílio”.
Libânio destaca ainda o desejo de Rahner em “compreender o ser humano no segredo de Deus, tanto na
sua estrutura real criatural como nas condições históricas de cada momento”. A paixão por Deus e pelo
ser humano, na visão do teólogo alemão, devia servir de modelo para a Igreja.
Para Libânio, “os que precederam o Concílio influenciaram em sua redação e os que seguiram a ele
estão ainda a contribuir para a configuração do novo paradigma de Igreja”. Como não se trata de um
processo linear, assegura, “os escritos de Rahner continuam referência para manter viva a chama da
eclesiologia do Concílio”.
João Batista Libânio é padre jesuíta, escritor, filósofo e teólogo. É também mestre e doutor em Teolo-
gia, pela Pontifícia Universidade Gregoriana (PUG), de Roma. Atualmente, leciona na Faculdade Jesuíta de
Filosofia e Teologia e é membro do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais.
É autor de diversos livros, dentre os quais Teologia da revelação a partir da Modernidade (5. ed. Rio de
Janeiro: Loyola, 2005), Qual o caminho entre o crer e o amar? (2. ed. São Paulo: Paulus, 2005) e Qual o
futuro do cristianismo (2. ed. São Paulo: Paulus, 2008). Confira a entrevista.

IHU On-Line - Qual foi o significado defendendo em seus escritos. Perito preceder o estudo da hierarquia e dos
do Concílio Vaticano II para a Igreja conciliar desde a preparação e duran- leigos mostrou a base comum da Igre-
e dentro dessa mudança, qual foi a te todo o Concílio, gozava de enorme ja por força do batismo. A hierarquia
atuação de Karl Rahner? respeitabilidade diante dos bispos e, se entende na perspectiva da diaconia
João Batista Libânio - O Concílio Va- sobretudo, de cardeais alemães de e não do poder autoritativo. A cole-
ticano II significou a entrada oficial da grande peso, como o cardeal König e gialidade foi outro ponto nodal. Seria
Igreja na modernidade com todas as outros. Com tal respaldo institucional longo detalhar os aspectos da eclesio-
riquezas e problemas que isso supõe. e com sua forte personalidade, aliada logia do Vaticano II que receberam dos
Modernidade significa nova imagem à profunda e sólida teologia, exerceu escritos de Rahner substanciosa con-
científica do mundo, valorização da enorme influência em todo o conjunto tribuição. Basta lançar rápida mirada
subjetividade e da hermenêutica, diá- do Concílio. Difícil indicar os pontos sobre as suas obras para ver a quan-
logo aberto com mundo industrializado em concretos. Praticamente, Rahner tidade enorme de temas relativos à
capitalista, proximidade e valorização trabalhou teologicamente todas as Igreja. Os que precederam o Concílio
das realidades terrestres, seculariza- grandes questões da modernidade, in- influenciaram em sua redação e os que
ção de muitas estruturas internas da dicadas acima. seguiram a ele estão ainda a contribuir
Igreja, maior sensibilidade para com para a configuração do novo paradig-
as igrejas evangélicas, com as outras IHU On-Line - Na sua opinião, as pro- ma de Igreja. Não se trata de processo
religiões e com os ateus, liberdade postas sugeridas por Rahner no Con- linear, mas com avanços e retrocessos.
religiosa, abertura inicial para o mun- cílio do Vaticano II ajudaram a cons- Os escritos de Rahner continuam refe-
do dos pobres, valorização do leigo, truir que modelo de Igreja? rência para manter viva a chama da
novo zelo missionário com respeito João Batista Libânio - A categoria eclesiologia do Concílio.
às culturas autóctones em espírito Povo de Deus foi decisiva. Deixou-se a
de diálogo e inculturação etc. Esse visão abstrata e jurídica para assumir IHU On-Line - É possível caracterizar
enorme programa recebeu influência uma posição antes pastoral. O fato de Rahner como um teólogo que tentou
de muitas ideias que Rahner já vinha o capítulo dedicado ao povo de Deus aproximar tradicionais e progressis-
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tas? reinterpretado hoje, especialmente concreto tratou de muitas questões da
João Batista Libânio - Rahner tinha a quando se reflete sobre o pluralismo relação entre teologia e ciência. Haja
vantagem de conhecer profundamente religioso? vista os artigos sobre a hominização,
a teologia tradicional na qual foi for- João Batista Libânio - A intuição rah- a manipulação genética, o ser huma-
mado. Dominava a patrística, a grande neriana do “cristão anônimo” nasce de no como experimentação científica,
Escolástica e também a neoescolásti- sua concepção da graça numa perspec- o monogenismo, a relação entre cris-
ca. De dentro dela, era capaz de avan- tiva antropológica. Vê o ser humano tologia e concepção evolucionista do
çar para as novas intuições da teologia numa nova e radical orientação de sua mundo etc.
moderna. Com isso, conseguia lançar existência animada pela graça (anô-
ponte para os padres conciliares, for- nima) de Deus. E tal graça atravessa IHU On-Line - Quais ideias defendidas
mados na neoescolástica, entenderem todos os seres humanos, e, portanto, por Rahner prosperam ainda hoje e
e depois votarem proposições con- está presente em todas as religiões. estão presentes na Igreja em seu di-
soantes com a teologia moderna ou Para ele, a experiência da graça de álogo com as ciências?
como se dizia então com la nouvelle Cristo é a realidade fundamental do João Batista Libânio - Mais do que
théologie, iniciada, aliás, na França. cristianismo, a base importante para reflexões para questões científicas
um diálogo positivo com as religiões, que surgem a cada momento, Rahner
IHU On-Line – Como podemos classi- ao saber que Deus age em todas elas nos oferece um modo de diálogo. Não
ficar os pensamentos de Rahner para e que seus fundadores e membros re- teme a razão, nem os conflitos, por
a Igreja de hoje? Eles permanecem fletem do atuar de Deus e podem ma- que tem posição extremamente es-
atuais ou ainda configuram um desa- nifestar-nos facetas de Deus que nos perançosa sobre o ser humano e suas
fio para a Igreja e ajudam sua atua- escapam. No diálogo com elas, temos possibilidades. Todo ser humano vive
lização? a originalidade de Jesus a oferecer e já num âmbito de existência concreta
João Batista Libânio - Rahner con- facetas de Deus a aprender delas. No [Daseinsraum] ao qual pertence a rea-
tinua um teólogo desafiante. Pôs os final do diálogo, tanto nós como os ou- lidade de Jesus Cristo; está integrado
fundamentos para os avanços ulte- tros saímos enriquecidos a respeito do no espaço da história do qual faz parte
riores, inclusive para a Teologia da mistério de Deus. Jesus Cristo. Essa irradiação da graça
Libertação. Considero suas reflexões vitoriosa de Cristo possibilita dialogar
sobre a graça a partir da categoria do IHU On-Line - Qual foi a principal com qualquer realidade humana, filo-
existencial sobrenatural extremamen- contribuição de Karl Rahner para o sófica ou científica. No fundo, está a
te inovadoras. Relativizam bastante o diálogo entre ciência e teologia na visão de Paulo de que tudo foi cria-
poder institucional, ao valorizar a di- sociedade? Como Rahner lidou com do através de Cristo e para ele. “Ele
mensão existencial do fiel. Além disso, as questões antropológicas e cosmo- existe antes de todas as coisas e nele
ele insiste em dar ao homem moderno lógicas do seu tempo? todas as coisas têm consistência (Cl 1,
a confiança de que ele pode crer com João Batista Libânio - Rahner não
 Paulo de Tarso (3 – 66 d. C.): nascido em
honradez intelectual, e isto desde o refugou nenhuma questão moderna. Tarso, na Cilícia, hoje Turquia, era originaria-
conteúdo do dogma cristão. Crer não Enfrentou todas as que se lhe apresen- mente chamado de Saulo. Entretanto, é mais
implica nenhuma violência contra a tavam. Daí a amplitude da temática conhecido como São Paulo, o Apóstolo. É con-
siderado por muitos cristãos como o mais im-
inteligência. As pessoas hoje rejeitam abordada em seus artigos. Mas sempre portante discípulo de Jesus e, depois de Jesus,
imposições. Rahner pensa uma Igreja a partir das intuições básicas teológi- a figura mais importante no desenvolvimento
aberta e dialogável. Ele espera que ela cas, cujo núcleo consiste na relação de do Cristianismo nascente. Paulo de Tarso é
um apóstolo diferente dos demais. Primeiro
se aproxime daqueles que estão fora, graça entre o Mistério insondável de porque, ao contrário dos outros, Paulo não
dos ateus e que assuma corajosamente Deus e o ser humano, existencialmen- conheceu Jesus pessoalmente. Era um homem
o confronto com os problemas da atu- te voltado para ele pela força dessa culto, frequentou uma escola em Jerusalém,
fez carreira no Tempo (era fariseu), onde foi
alidade. Rejeita a atitude eclesiástica graça. A graça não desce diretamente sacerdote. Educado em duas culturas (grega e
de avestruz. A tônica fundamental de do céu, casualmente, de um Deus per- judaica), Paulo fez muito pela difusão do Cris-
Rahner visa a compreender o ser hu- dido na sua Transcendência, mas está tianismo entre os gentios e é considerado uma
das principais fontes da doutrina da Igreja. As
mano no segredo de Deus, tanto na já inserida, de modo permanente, suas Epístolas formam uma seção fundamen-
sua estrutura real criatural como nas no mundo e aparece como realidade tal do Novo Testamento. Afirma-se que ele foi
condições históricas de cada momen- historicamente palpável, fundada na quem verdadeiramente transformou o cristia-
nismo numa nova religião, e não mais numa
to. Ele une a paixão por Deus e pelo carne de Cristo. Com tal concepção seita do Judaísmo. Sobre Paulo de Tarso, a IHU
ser humano. E pensa uma Igreja desta de graça, aproxima-se para dialogar On-Line 175, de 10-04-2006, dedicou o tema
maneira. Toda teologia para ele é pas- com todo tipo de pessoas e posições, de capa Paulo de Tarso e a contemporaneida-
de. A versão encontra-se disponível para do-
toral. E a Igreja só tem sentido prop- procurando discernir nelas a presença wnload no sítio do IHU (www.unisinos.br/ihu).
ter homines e não para ela mesma. desse mistério de Deus. Não as julga A edição número 286, de 22-12-2008, intitu-
de fora nem as condena, mas discerne lada Paulo de Tarso: a sua relevância atual,
está disponível no link http://www.unisinos.
IHU On-Line - Como o trabalho cris- nelas o jogo da graça e dos limites hu- br/ihuonline/index.php?option=com_tema_
tão anônimo de Rahner pode ser manos. Aí está a fonte do diálogo. Em capa&Itemid=23. (Nota da IHU On-Line)

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16s). Texto, que, por sinal, fascinava “O Concílio Vaticano II mais entende de Rahner entre nós.
a Teilhard de Chardin. Essa postura Na PUC-Rio, está o padre Mário de
teilhardiana e rahneriana favorece o significou a entrada França Miranda, que fez sua tese
diálogo com as ciências, venham os doutoral sobre Rahner. Todo teólogo
problemas que vierem. oficial da Igreja na que assimilou as questões modernas
deve, sem dúvida, muito a Rahner. A
IHU On-Line - Como se pode situar a modernidade com todas própria teologia da libertação avan-
atuação de Rahner e de Ratzinger no ça sobre a antropologia rahneriana,
Concílio Vaticano II? Como suas teo- as riquezas e problemas mas não a salta. Supõe-na como
logias foram se encaminhando a par- base imprescindível. Sua compre-
tir desse momento histórico? que isso supõe” ensão aberta em relação ao mundo
João Batista Libânio - Na biografia de moderno permitiu que a Teologia da
Rahner, Vorgrimler alude ao fato de Libertação lhe ampliasse o campo
que M. Schmaus rejeitara o escrito de nova redação do que será mais tarde em direção aos pobres, também eles
habilitação de Ratzinger. Apesar disso, a Dei Verbum. Apesar dessa proximi- em profunda relação com a situa-
houve uma primeira aproximação de dade inicial, Rahner trilhou uma tra- ção atual. Só que estão na condição
Rahner a ele, pois ficara muito satisfei- jetória em que o mistério de Deus de vítimas desse sistema. Nisso, a
to com artigos que o jovem Ratzinger, se espelhava na realidade humana, Teologia da Libertação trouxe um
especialista em dogmática, escrevera enquanto Ratzinger se inclinava para avanço sobre a antropologia rahne-
para o dicionário Lexikon für Theolo- uma leitura antes dogmática. O pró- riana. Foi além desse sujeito moder-
gie und Kirche. Ambos trabalharam na prio Ratzinger reconhece que ambos no, pensado predominantemente a
época da primeira sessão do Concílio, moravam em dois planetas teológicos partir da modernidade eurocêntrica,
em 1962, como peritos conciliares, na diferentes. Via em Rahner uma influ- em direção ao pobre, excluído do
ência do idealismo alemão e de Hei- sistema. Uma visão demasiadamente
 Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955): degger, enquanto ele se julgava mais otimista sobre o mundo moderno re-
paleontólogo, teólogo, filósofo e jesuíta, que ligado aos Padres da Igreja e à Escritu-
rompeu fronteiras entre a ciência e a fé com cebe corretivos a partir da situação
sua teoria evolucionista. O cinquentenário ra. Talvez não seja exato a respeito de dos marginalizados e deserdados dos
de sua morte foi lembrado no Simpósio In- Rahner dizer que para ele a Escritura e países pobres.
ternacional Terra Habitável: um desafio para os Padres não desempenhavam função
a humanidade, promovido pelo Instituto Hu-
manitas Unisinos de 16 a 19-05-2005. Sobre importante. Ratzinger aproximou-se
Chardin, confira o artigo de Carlos Heitor mais tarde de Hans von Balthasar, que
Cony, publicado nas Notícias do Dia do sítio prima por uma teologia estética do Leia mais...
do IHU (www.unisinos.br/ihu), de 16-06-2006,
Teilhard: o fenômeno humano. O jesuíta foi Deus transcendente. De uma maneira >> Confira outras entrevistas concedida por Libâ-
nio à IHU On-Line.
precursor do que foi chamado de evolucionis- bem simplista, Rahner cultivou uma
mo cristão. A edição 140 da IHU On-Line, de “teologia de baixo” e Ratzinger “de • “Aparecida significou quase uma surpresa”. Edi-
09-05-2005, dedicou-lhe o tema de capa sob o
título Teilhard de Chardin: cientista e místico, cima”. Naturalmente não se pode exa- ção 224, de 20-06-2007, intitulada Os rumos da
Igreja na América Latina a partir de Aparecida.
disponível em http://www.unisinos.br/ihuon- gerar tal distinção. Serve apenas como Uma análise do Documento Final da V Conferência,
line/uploads/edicoes/1158268345.05pdf. tendência, já que só existe teologia na disponível em http://www.unisinos.br/ihuonline/
pdf. Confira, ainda, as entrevistas Chardin
revela a cumplicidade entre o espírito e a articulação entre ambas. index.php?option=com_tema_capa&Itemid=23;
• “A Teologia não se dá mal com o discurso não
matéria (http://www.unisinos.br/ihuonline/
metafísico, por isso ela pode falar muito bem na
uploads/edicoes/1158267341.59pdf.pdf), pu- IHU On-Line - Quais foram os teólo- pós-modernidade”, publicada no sítio do IHU, em
blicada na edição 135, de 05-05-2005 e Tei-
lhard de Chardin, Saint-Exupéry, publicada gos que tinham afinidade com Rah- 16-08-2008. Disponível no endereço http://www.
unisinos.br/ihu/index.php?option=com_noticias&I
na edição 142, de 23-05-2005, (http://www. ner, com seu pensamento mais avan- temid=18&task=detalhe&id=15937;
unisinos.br/ihuonline/uploads/edicoes/ çado? E na Teologia da Libertação? • “A morte não deve ser o critério de leitura dos
1158266847.13pdf.pdf), ambas com Waldecy
Tenório. Na edição 143, de 30-05-2005, Geor- João Batista Libânio - Na nossa acontecimentos”, publicada no sítio do IHU, em
10-04-2009. Acesse em http://www.unisinos.br/
ge Coyne concedeu a entrevista Teilhard e a Faculdade de Teologia de Belo Ho- ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&t
teoria da evolução, disponível para download rizonte, FAJE, praticamente todos ask=detalhe&id=21273;
em http://www.unisinos.br/ihuonline/uploa-
ds/edicoes/1158266098.47pdf.pdf. (Nota da recebemos forte influência de Rah-
IHU On-Line) ner. Padre Taborda o conhece mais
 Herbert Vorgrimler (1929): foi um dos co- profunda e detidamente. Ele é o que  Mário de França Miranda (1936): padre jesu-
laboradores mais íntimos de Rahner, a quem íta brasileiro. Ingressou na Companhia de Je-
sucedeu como catedrático de Dogmática e His-  Francisco Taborda: filósofo graduado pela sus em 1955, foi ordenado presbítero em 1967.
tória dos Dogmas na Universidade de Münster. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Cristo Autor de vários livros de Teologia, atualmente
Publicamos uma entrevista com H. Vorgrimler Rei, de São Leopoldo, licenciado em Teologia, é professor na Pontifícia Universidade Católica
na IHU On-Line número 97, de 19-04-2004, sob pela Philosophisch-Theologische Hochschule do Rio de Janeiro. (Nota da IHU On-Line)
o título Karl Rahner: teólogo do Concílio Vati- St. Georgen, Frankfurt-am-Main, Alemanha e  Sobre o tema, confira a edição número 214,
cano nascido há 100 anos. Ela está disponível doutor em Teologia, pela Westfälische Wilhel- da revista IHU On-Line, intitulada Teologia da
no endereço http://www.unisinos.br/ihuonli- ms-Universität, Münster, Alemanha. É profes- Libertação, publicada em 2/4/2007. O mate-
ne/uploads/edicoes/1158260371.36word.doc. sor de Teologia da Faculdade de Teologia do rial está disponível em http://www.unisinos.
(Nota da IHU On-Line) Centro de Estudos Superiores da Companhia de br/ihuonline/index.php?option=com_tema_
Jesus, Belo Horizonte. (Nota da IHU On-Line) capa&Itemid=23. (Nota da IHU On-Line)

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Um teólogo da modernidade
Para Mário de França Miranda, a reflexão de Rahner sobre a graça de Deus é decisiva
para a teologia atual

Por Moisés Sbardelotto, Márcia Junges e Patricia Fachin

“A
concepção unitária de natureza e graça propugnada por Rahner, por H. de Lubac e
por outros possibilitou o direcionamento da reflexão teológica para as realidades
deste mundo e, portanto, contribuiu para o nascimento das teologias da libertação,
como testemunha explicitamente Gustavo Gutierrez em sua obra fundamental”, con-
sidera Mário de França Miranda, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.
Para ele, Rahner, “percebeu a distância entre a cultura moderna laicizada e os enunciados doutrinais,
procurando então cobrir este vazio”.
Segundo França Miranda, a maior ameaça sofrida pela Igreja é a fé crista de seus membros, “agravada
pela oferta múltipla de interpretações da realidade e pela velocidade das mudanças socioculturais”. De
acordo com o teólogo, esse cenário foi previsto por Rahner, daí recorre sua “insistência na dimensão expe-
riencial ou mística da fé para o indivíduo”.
Mário de França Miranda possui graduação em Filosofia, pela Faculdade de Filosofia Nossa Senhora Me-
dianeira, mestrado em Teologia, pela Faculdade de Teologia da Universidade de Innsbruck e doutorado em
Teologia, pela Universidade Gregoriana. Atualmente, é professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro (PUC-Rio). Ele é autor de várias obras, entre elas A existência cristã hoje (São Paulo: Edições
Loyola, 2005), A Igreja numa sociedade fragmentada. Escritos Eclesiológicos (São Paulo: Edições Loyola,
2006) e Aparecida: a hora da América Latina (São Paulo: Edições Paulinas, 2006). Confira a entrevista.

IHU On-Line - Qual o legado de Karl IHU On-Line - Que influência teve o sacramentologia, e em sua eclesiolo-
Rahner no Concílio Vaticano II? pensamento de Karl Rahner para a gia. No fundo, ele percebeu a distân-
Mário de França Miranda - É difícil teologia pós-conciliar? cia entre a cultura moderna laicizada
estabelecer concretamente a con- Mário de França Miranda - Creio que e os enunciados doutrinais, procuran-
tribuição de Rahner neste Concílio decisiva mesmo para a teologia atual do então cobrir este vazio. Daí buscar
porque os trabalhos eram realizados foi a reflexão deste teólogo sobre a apresentar um nexo que facilitasse a
em comum por grupos de teólogos. graça de Deus. Podemos mesmo afir- seus contemporâneos o acolhimento
O texto final remetia assim a um la- mar que aqui encontramos o núcleo dos dogmas cristãos. Esta preocupação
bor coletivo, fruto de muitas cabeças. de todo o seu sistema. Partindo da continua na teologia atual, sobretudo
Mas podemos, sem dúvida, apontar vontade salvífica universal, Rahner re- na eclesiologia como nos comprovam
algumas ideias de Rahner, algumas já pensa temas centrais como a relação os estudos de Hermann-Josef Pott-
defendidas por ele antes mesmo do entre natureza e graça ou entre graça meyer e Medard Kehl na Alemanha,
Concílio, que influenciaram diversos santificante e inabitação trinitária, a de Severino Dianich na Itália ou de Jo-
textos conciliares. Assim, temas como experiência da ação salvífica de Deus seph Komonchak nos Estados Unidos.
a colegialidade episcopal, o diaconato no ser humano, a fundamentação an- Não esqueçamos ainda que a concep-
permanente, a mariologia, a revela- tropológica para o fato da revelação, ção unitária de natureza e graça pro-
ção, a relação da Igreja com a socie- do profetismo, da inspiração, da ética pugnada por Rahner, por H. de Lubac
dade, a atividade missionária da Igre- existencial, do discernimento inacia- e por outros possibilitou o direciona-
ja, denunciam a reflexão profunda e no, da salvação dos não cristãos, da mento da reflexão teológica para as
crítica deste teólogo. Talvez também teologia das religiões, para citar alguns realidades deste mundo e, portanto,
seja importante mencionar sua pessoa temas teológicos que muito devem à  Hermann-Josef Pottmeyer (1934): teólogo
e seu modo de pensar a teologia que, sua pessoa. Mas gostaríamos de enfa- (Nota da IHU On-Line)
alemão. ���������
partindo de uma sólida tradição, sabia tizar sua preocupação por estabelecer  Medard Kehl (1942): téologo jesuíta alemão.
(Nota da IHU On-Line)
renová-la para o momento presente e, uma base antropológica para as ver-  Severino Dianich: teólogo italiano. ���������
(Nota da
ainda mais, num latim que encantava dades da fé, presente em sua teologia IHU On-Line)
a todos os participantes. trinitária, em sua cristologia, em sua  Joseph Komonchak: teólogo norte-america-
(Nota da IHU On-Line)
no. ���������

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contribuiu para o nascimento das te- modernidade, deixando outras dimen-
ologias da libertação, como testemu- “Nem todos os que sões da realidade humana em silêncio,
nha explicitamente Gustavo Gutierrez na minha opinião não atinge a teologia
em sua obra fundamental. estudam sua teologia rahneriana. Pois a preocupação deste
teólogo com a experiência da graça,
IHU On-Line - Por que em anos mais conseguem alcançar o desde seus primeiros escritos, o levou
recentes se observou uma tentativa a Santo Agostinho, a São Boaventura e
de levar ao esquecimento a teologia equilíbrio que aparece a Santo Inácio de Loyola, que acaba-
de Karl Rahner, seja com ataques a ram por fornecer um viés mais exis-
seu pensamento, seja simplesmente em suas páginas tencial e concreto a seu pensamento,
por marginalizá-lo do ensino, sobre- liberando-o de um racionalismo frio e
tudo nos seminários? conciliando mística e rígido. Confesso, contudo, que nem
Mário de França Miranda - Poderíamos todos os que estudam sua teologia
elencar várias razões, sem pretender razão, amor à Igreja e conseguem alcançar o equilíbrio que
hierarquizá-las em ordem de impor- aparece em suas páginas conciliando
tância. Primeiramente devido ao fato crítica à instituição, mística e razão, amor à Igreja e crítica
que Rahner dominou no sentido mais à instituição, afirmação do sacramen-
forte do termo o campo teológico du- afirmação do sacramento to e ênfase na graça, rigor teológico e
rante muitos anos, em conseqüência preocupação pastoral.
de seu intenso labor teológico com- e ênfase na graça, rigor
provado em inúmeras publicações, in- IHU On-Line - Qual a importância
clusive em dicionários teológicos e em teológico e preocupação deste teólogo para a atual conjuntu-
manuais de pastoral orientados por ra da Igreja?
ele. Outras excelentes teologias não pastoral” Mário de França Miranda - A resposta
tiveram nesta época o reconhecimento a esta pergunta depende da carac-
que mereciam. Depois do falecimento terização da atual situação eclesial.
de Rahner elas puderam emergir com da patrologia, de seus artigos e livros Dizer o que realmente afeta a ins-
mais força. Outra razão foi a descon- sobre espiritualidade e pastoral, for- tituição eclesial em nossos dias não
fiança do magistério eclesiástico com mação presbiteral e maioridade laical, poderá ser expresso no singular. E,
relação às últimas publicações de Rah- para só citar algumas. mesmo oferecendo vários elementos
ner. Pois, vendo os obstáculos postos que compõem o quadro, teríamos de
pela Santa Sé à implantação das con- IHU On-Line - Ainda se pode consi- valorizar diferentemente os fatores
clusões conciliares, o nosso teólogo derar Karl Rahner um teólogo que em questão. Não farei isto, embora
pleiteia com mais vigor em favor do realmente ajude à fé cristã em seu reconheça ser o método mais objeti-
Concílio com textos que preocupavam diálogo com a atual sociedade? vo. Darei a palavra à minha intuição
as autoridades eclesiásticas, sobre- Mário de França Miranda – Karl Rah- pessoal com o risco de ser demasia-
tudo por tratarem de temas eclesio- ner foi sempre considerado, junta- do subjetivo. A ameaça maior sofri-
lógicos que iam em direção contrária mente com outros como H. de Lubac. da hoje pela Igreja é a fé cristã de
à tendência centralizadora do Vatica- Urs von Balthasar, W.Pannenberg, um seus membros. Vivemos hoje numa
no. Poderíamos também mencionar a teólogo que refletiu sempre nas co- cultura cujo imaginário é secular e
base filosófica do sistema rahneriano, ordenadas culturais da modernidade. cujo humanismo é imanente (Charles
de cunho transcendental embora bem Neste ponto, não há a menor dúvida e Taylor) agravada pela oferta múlti-
mitigado, que para muitos aprisiona- seus escritos não escondem este qua-  Charles Taylor: filósofo canadense, autor
va, limitava e mesmo deformava a dro referencial. Porém, vivemos hoje de vários livros como Sources of the Self. The
revelação divina em categorias filo- a crise da modernidade, caracteriza- Making of the Modern Identy, editado em 1989
sóficas, sujeitas a questionamentos e traduzido para o português sob o título As
da como o advento da pós-moderni- fontes do self. A construção da identidade
e dúvidas. Entretanto quem tem co- dade descrita diversamente segundo moderna (São Paulo: Loyola, 1997). Também
nhecimento da vasta produção teoló- os estudiosos. Neste novo horizonte é o autor do livro The malaise of modernity,
gica de Karl Rahner, mesmo que não publicado em 1991 e traduzido para várias
de compreensão estaria o pensamen- línguas. Em português podem ser conferidos,
exaustivamente, sabe muito bem que to de Karl Rahner superado? Natural- ainda, Argumentos filosóficos (São Paulo:
sua reflexão sobre o que ele chamava mente, nosso teólogo jamais poderia Loyola, 2000) e Multiculturalismo: Exami-
de “teologia formal e fundamental”, nando a política de reconhecimento (Lisboa:
ser considerado pós-moderno pela Instituto Piaget, 1998). Confira, nesta edição
expressa sistematicamente no Curso importância que sempre deu a uma da IHU On-Line, a entrevista “Em uma era
Fundamental da Fé (São Paulo: Paulus, reflexão filosófica crítica e séria que secularizada o perigo de se construir um ho-
1989), representa somente uma parte rizonte fechado é muito grande”, concedida
buscava se fundamentar na filosofia pelo filósofo Elton Vitoriano Ribeiro. Nas No-
de sua teologia diante de suas pesqui- aristotélico-tomista e heidggeriana. A tícias do Dia 09-06-2009, do sítio do Instituto
sas na área da história dos dogmas e crítica atual feita ao racionalismo da Humanitas Unisinos — IHU, leia o artigo Nem
todas as reformas vêm para prejudicar, escrito

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pla de interpretações da realidade e concretas, dotada de autêntica espi-
pela velocidade das mudanças socio- ritualidade, ecumênica, com a par-
culturais. O cristão, por estar despre- ticipação de todos e crítica diante
parado para enfrentar este entorno, da sociedade. São páginas escritas
tende a duvidar de sua fé, ou a se com o coração de quem muito amou
afastar da instituição eclesial vivendo esta Igreja e sempre a serviu com fi-
sua religião particular com os com- delidade, mesmo que possamos dis-
ponentes escolhidos por ele. Rahner cordar de alguns trechos.

Participe do IHU Ideias | Quinta-feira às 17h30min


previu esta situação como aparece
claramente em seus escritos. Daí sua IHU On-Line - São ainda atuais os escri-
insistência na dimensão experiencial tos deste teólogo sobre o ecumenismo
ou mística da fé para o indivíduo. Sua e sobre as religiões não cristãs?
afirmação se tornou famosa: “O cris- Mário de França Miranda - Uma bre-
tão do futuro ou será um místico, ou ve palavra sobre os escritos ecumê-
não será mais cristão”. Na experiên- nicos deste teólogo. Rahner sempre
cia pessoal da ação salvífica de Deus, demonstrou conhecer os principais
ele via o fundamento sólido para uma teólogos luteranos ou calvinistas,
vida cristã em meio à turbulência dos embora não costumava citá-los, seja
nossos dias. E a firmeza da fé encon- porque seu modo de fazer teologia

Informações em www.unisinos.br/ihu
trada no povo simples comprova sua era muito pessoal, seja porque pro-
afirmação. curava então dar uma “versão cató-
Outra característica de sua teolo- lica” às afirmações dos teólogos da
gia, muito significativa para a atual Reforma. Embora reconhecendo que
conjuntura eclesial, diz respeito a a caminhada ecumênica era longa e
suas reflexões sobre a própria di- difícil, ele constatava certa falta de
mensão institucional da comunidade vontade política por parte dos di-
dos fiéis. São, sobretudo, escritos rigentes com relação à questão do
tardios, posteriores a sua experiên- ecumenismo, fato este que perdura
cia conciliar e provocados pelo re- até nossos dias. Daí sua inquietação
trocesso autoritário da Igreja com calorosa traduzida em seus últimos
relação às conquistas do Vaticano escritos, que conservam grande atu-
II. Em nossos dias os católicos mais alidade.
conscientes sentem, mesmo que não Também não vejo como se possa
saibam exprimi-lo corretamente, oferecer uma base teológica para
uma defasagem entre a sociedade respaldar o respeito devido às re-
atual, pluralista, participativa, de ligiões não cristãs prescindindo-se
liberdade de expressão, e de diálo- da teologia da graça deste teólogo,
go e a configuração institucional da bem como de suas primeiras intui-
Igreja de cunho monárquico, autori- ções a respeito das outras religiões
tário, centralizador moldado em pa- como grandezas históricas. Mesmo o
drões sociais do passado. Rahner lu- diálogo inter-religioso depende em
tou sempre pela necessidade de um boa parte das sendas abertas por
espaço de opinião pública na Igreja, Rahner, embora devam ser comple-
pela maioridade do leigo cristão, tadas por novos fatores surgidos no
pela fidelidade ao Espírito, pela res- próprio exercício deste diálogo.
peito à Igreja Local, pela liberdade Como pode concluir o leitor, a re-
da reflexão teológica séria. Mas, em flexão teológica de Karl Rahner, sem
seus últimos anos de vida, sua preo- dúvida difícil pela sua profundidade
cupação maior foi com as estruturas e pela amplidão da problemática,
institucionais da Igreja. Seu pequeno conserva ainda em nossos dias uma
livro Mudança estrutural da Igreja grande atualidade, desde que não
como tarefa e como chance advoga nos limitemos a apenas repeti-lo,
uma Igreja não clerical, não moralis- mas avancemos nas trilhas abertas
ta, serviçal, aberta, de orientações por ele conforme ele próprio fez
por Charles Taylor. O material está disponível com os mestres que o guiaram na
para download no link http://www.unisinos.
br/ihu/index.php?option=com_noticias&Item
aventura teológica.
id=18&task=detalhe&id=22963. (Nota da IHU
On-Line)

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A teologia de Rahner como paradigma
Para Heidi Russell, os teólogos de hoje precisam colocar a teologia de Rahner em diá-
logo com o mundo pós-moderno

Por Moisés Sbardelotto e Patricia Fachin | Tradução Walter O. Schlupp

S
egundo a teóloga americana Heidi Russell, a influência primordial de Karl Rahner sobre o Con-
cílio Vaticano II se deu na “maneira como sua resolução da dicotomia entre natureza e graça
fez possível ver Deus presente e ativo no mundo”. Para ela, “o ateísmo e a apatia e desconexão
cada vez maior das pessoas em relação ao cristianismo” foi um dos maiores desafios percebidos
pelo teólogo, no século XX. “Rahner tentou enfrentar esse desafio mediante a superação do
dualismo entre natureza e graça, que passara a prevalecer na neoescolástica, ajudando as pessoas a en-
xergar formas em que Deus sempre já está operando no mundo e na vida dos seres humanos (independen-
temente do fato de a pessoa ser explicitamente cristã ou não).” Heidi destaca ainda que “a compreensão
de Rahner de que a graça de Deus está presente, ao menos como oferta para todas as pessoas, levou a
uma abertura na compreensão de como Deus poderia estar presente e operando em outras tradições”.
Heidi Russell é mestre em Teologia Sistemática, pela Washington Theological Union e doutora em Teo-
logia Sistemática, pela Marquette University, em Milwaukee, Wisconsin, nos Estados Unidos. Atualmente,
é professora da Loyola University, em Chicago, e integrante da Karl Rahner Society, fundada em 1991, nos
Estados Unidos. Confira a entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.

IHU On-Line - Qual a principal contri- incentivou os agentes pastorais (espe- aproximou-se de nós na encarnação de
buição de Karl Rahner para o diálogo cialmente seus colegas jesuítas) a se Cristo e na graça, e no fato de o Espí-
entre a modernidade e teologia? engajar num ministério de mistagogia rito Santo habitar [em nós]. O Deus do
Heidi Russell - Penso que a principal que facilitasse uma experiência pesso- mistério incompreensível é também o
contribuição de Karl Rahner foi colocar al de transcendência ou de mística na Deus do amor que se autocomunica,
a teologia e a neoescolástica tradicio- vida da pessoa. um Deus que revela e concede si mes-
nal da sua época em diálogo com a fi- mo a nós, em Cristo e no Espírito.
losofia moderna via Heidegger e Kant. IHU On-Line - Qual é a concepção de
O desafio para os teólogos de hoje é Deus em Rahner? Em que consiste IHU On-Line - Qual a influência e
colocar a teologia de Rahner em diálo- sua ideia da incompreensibilidade e quais as principais contribuições de
go com o mundo pós-moderno. do mistério de Deus, tão presente Rahner para o Concílio Vaticano II?
em seu mundo? Heidi Russell - Uma influência pri-
IHU On-Line - Quais desafios Rahner Heidi Russell - Para Rahner, Deus é mordial que ele teve sobre o Concílio
percebeu como urgentes para o cris- transcendente, está além do nosso al- foi a maneira como sua resolução da
tianismo do século XX? cance ou compreensão, porque Ele é dicotomia entre natureza e graça fez
Heidi Russell - Um dos maiores desa- um mistério incompreensível. Rahner possível ver Deus presente e ativo no
fios que Rahner percebeu no século XX usa a imagem do horizonte: avança- mundo. Acredito que sua perspectiva
foi o do ateísmo e a apatia e desco- mos sem jamais alcançá-lo; ou a ana- teológica fica muito evidente em Gau-
nexão cada vez maior das pessoas em logia de uma assíntota, que é uma cur- dium et Spes, mas também numa nova
relação ao cristianismo. Rahner tentou va geométrica que se aproxima cada concepção de missiologia, evidente
enfrentar esse desafio mediante a su- vez mais de outra linha, sem jamais em Ad Gentes. Outro resultado dessa
peração do dualismo entre natureza tocá-la (porque você pode continuar teologia foi a expansão da maneira
e graça, que passara a prevalecer na dividindo infinitamente o espaço entre como entendemos a possibilidade de
neoescolástica, ajudando as pessoas a as duas linhas). Como Deus é extrema- salvação para os nãocristãos, além da
enxergar formas em que Deus sempre mente transcendente, jamais pode- percepção ainda mais abrangente de
já está operando no mundo e na vida mos alcançar Deus, mas para Rahner que Deus pode operar dentro e por
dos seres humanos (independentemen- a boa notícia é que não precisamos meio de outras religiões, de que ne-
te do fato de a pessoa ser explicita- fazê-lo, porque Deus já nos alcançou. las há, na verdade, elementos que são
mente cristã ou não); além disso, ele Esse Deus infinitamente transcendente “verdadeiros e santos”, conforme se

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“Em vez de ver a Igreja como monopólio da verdade
e mediadora única e exclusiva da graça por meio dos
sacramentos, uma abertura maior para aquilo que a
Igreja Católica poderia receber de outras
perspectivas permitiu diálogo autêntico com
outras tradições religiosas”

Confira o Cadernos Teologia Pública


vê em Nostra Aetate. nica, feminista etc.) em muitos casos
repousam sobre o fundamento rahne-
IHU On-Line - De que maneira as riano. Teólogos como Elizabeth John-
ideias de Rahner defendidas no con- son e Gustavo Gutierrez têm origem
cílio contribuem para o diálogo inter- rahneriana e conseguiram desenvolver
religioso e o ecumenismo? o âmago da teologia de Rahner de for-
Heidi Russell - A compreensão de mas novas, contextualizadas.
Rahner de que a graça de Deus está

Confira www.unisinos.br/ihu
presente, ao menos como oferta para IHU On-Line - Passados 25 anos da
todas as pessoas, levou a uma aber- sua morte, qual é importância de se
tura na compreensão de como Deus resgatar o pensamento de Rahner na
poderia estar presente e operando em atual conjuntura da Igreja?
outras tradições. Em vez de ver a Igre- Heidi Russell - Rahner escreveu tanto,
ja como monopólio da verdade e me- que muitos teólogos só conhecem uma
diadora única e exclusiva da graça por fração mínima do seu pensamento.
meio dos sacramentos, uma abertura Não faz muito tempo que apresentei
maior para aquilo que a Igreja Católi- um trabalho numa conferência, o qual
ca poderia receber de outras perspec- tratava da importância da concepção
tivas permitiu diálogo autêntico com de Rahner sobre a unidade entre es-
outras tradições religiosas. pírito e matéria para o diálogo entre
ciência e religião; em seguida, algu-
IHU On-Line - A senhora acredita que mas pessoas vieram conversar comigo
as ideias teológicas de Rahner foram e disseram que não sabiam que Rahner
assimiladas pela teologia em geral? havia escrito sobre este assunto. Pen-
Como ele é encarado na teologia de so que há muitas áreas da teologia de
hoje? Rahner que precisam ser mais explora-
Heidi Russell - A teologia de Rahner das; atualmente, existe a necessidade
foi assimilada a tal ponto que muitos de revelar suas ideias teológicas num
nem se dão conta de que ela é o para- contexto pós-moderno. Acredito que
digma a partir do qual agora operam. com isto ganharemos intuições teoló-
Enquanto alguns setores da Igreja Ca- gicas que nos ajudarão nos próximos
tólica continuam críticos em relação à 25 anos e mais além!
teologia de Rahner, por vezes devido
a uma interpretação errônea de sua  Elizabeth Johnson: teóloga feminista, atua
teologia, não se pode negar o pro- como docente da Fordham Universitsy. ��� De
sua bibliografia, destacamos o livro She who
fundo impacto dessa teologia sobre a is: the mystery of God in feminist theologi-
Igreja Católica de hoje. Avanços atu- cal discourse (New York: Crossroad, 1992). ����
Ela
ais na teologia e no método teológico concedeu uma entrevista à IHU On-Line, in-
titulada Jesus e as imagens sobre Deus: para
foram mais longe do que Rahner, mas além do masculino e do feminino, publicada
até certo ponto não deixam de estar na edição número 248, de 17-12-2007, Jesus
calcados em suas intuições teológicas e o abraço universal. Acesse no link http://
www.audiovisual.unisinos.br/ihuonline/index.
centrais. A teologia política e as teolo- php?option=com_tema_capa&Itemid=23&task
gias da libertação (por exemplo hispâ- =detalhe&id=882. (Nota da IHU On-Line)

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Terra Habitável
“O crescimento não nos torna mais ricos,
mas sim mais pobres”
O economista e cientista político alemão Elmar Altvater teme que na crise se-
jam escolhidas pelos governos, mas também por movimentos sociais, estratégias
de salvação do capitalismo

Por Graziela Wolfart | Tradução Benno Dischinger

A
inda repercutindo o debate levantado na IHU On-Line número 295, sobre a neces-
sidade de pensarmos em uma economia mais compatível com a sustentabilidade do
planeta, entrevistamos nesta semana, por e-mail, o economista alemão Elmar Altvater.
Para ele, “na mais grave crise econômica da forma de produção capitalista desde sua
origem, coloca-se de maneira dramática a alternativa entre a salvação do capitalismo
e a passagem a uma forma de economia ecológica, ou seja, sustentável”. Ele aponta que “a sus-
tentabilidade ecológica só é possível numa sociedade democrática e de distribuição equitativa
de recursos”. No entanto, continua ele, esta sociedade “também é minada pela crise financeira
e econômica”.
Elmar Altvater é professor de Ciência Política na Universidade Livre de Berlim. É autor de diver-
sos livros e artigos nos quais estuda a evolução do capitalismo, a teoria do Estado, a política de de-
senvolvimento, a crise do endividamento e as relações entre economia e ecologia. Entre suas obras
publicadas em português, citamos O preço da riqueza. Pilhagem ambiental e a nova (des)ordem
mundial (São Paulo: Unesp, 1995). Confira a entrevista.

IHU On-Line - Nesse momento de crise ca é prorrogada em direção ao futuro, economia capitalista destruirá suas
global da economia capitalista, quais quando, já devido ao “Peakoil” (pico próprias bases. Isto já está acontecen-
são as possibilidades e os limites de do petróleo) e ao ameaçador colapso do, porque o rasto ecológico é muito
se pensar uma economia que leve em climático, ela não tem mais futuro e maior do que deveria ser, em vista dos
conta a sustentabilidade da terra? deve ser abandonada. Em outras na- limitados recursos e da capacidade
Elmar Altvater - Na mais grave crise ções podem ser encontrados exemplos produtiva do Planeta Terra. O princí-
econômica da forma de produção capi- semelhantes, que explicitam uma só pio ecológico da sustentabilidade deve
talista desde sua origem, coloca-se de coisa: precisamente na situação de orientar-se segundo o fluxo de energia
maneira dramática a alternativa entre crise é difícil forjar coalizões políticas e a capacidade de absorção das esfe-
a salvação do capitalismo e a passagem para uma alternativa duradoura. ras terrestres para materiais nocivos.
a uma forma de economia ecológica, Expresso fisicamente, o aumento de
ou seja, sustentável. É de se temer IHU On-Line - Pensando em uma eco- entropia deve ser mantido em zero.
que na crise sejam escolhidas pelos nomia mais ecológica, quais seriam
governos, mas também por movimen- seus princípios e qual seria sua fun- IHU On-Line - É possível calcular o
tos sociais, estratégias de salvação do ção na sociedade? custo dos desgastes ambientais pro-
capitalismo. Na Alemanha, com uma Elmar Altvater - A longo prazo, a eco- vocados pela economia clássica?
absurda subvenção ao sucateamento nomia deve ser ecológica, ou seja, Elmar Altvater - Há muitos esforços
de automóveis (“Prêmio pelo desman- deve levar em conta as condições na- para calcular os custos dos prejuízos
telamento” [Abwrackprämie]), a ma- turais de todas as transformações de ambientais. O resultado é geralmente
nutenção da sociedade automobilísti- matéria e energia. Caso contrário, a assustador. Entrementes, se pode par-

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tir do fato de que os custos do acrésci- de uma superação do capitalismo e
mo do produto social são 100 mais do
“Na situação de crise, para uma revolução social e ecológica.
que 100. Em outras palavras: o cresci- Uma revolução política pode — como
mento não nos torna mais ricos, mas
é difícil forjar coalizões já muitas vezes na história (também
sim mais pobres. Esta é possivelmente são exemplos a revolução francesa e
a razão para o aumento da pobreza
políticas para uma a russa) — ocorrer muito rapidamen-
no mundo, embora, nos objetivos de te como assunção do poder, mas uma
desenvolvimento do milênio, este-
alternativa duradoura” revolução social e ecológica necessita
ja planejada uma redução da pobre- muito tempo. Porque o sistema ener-
za em 50%. Em todo o caso, cálculos modificado se for estabelecido outro gético e uma forma de produção não
monetários dos prejuízos ambientais conceito não-fóssil de mobilidade. podem ser modificados de hoje para
são mais do que problemáticos. Por- amanhã, porém somente em décadas.
que se pressupõe que a natureza possa IHU On-Line - Como o senhor relacio- Não obstante isso, trata-se de uma
ser expressa em valores monetários. na a questão da criação de necessi- revolução e ela deve iniciar agora, se
Isso, por sua vez, exige propriamen- dades, o consumo, o desperdício e o quisermos evitar o colapso climático.
te um mercado no qual são constitu- caos climático, considerando a con-
ídos preços, e no mercado só podem trariedade e o paradoxo disso com o IHU On-Line - O senhor acredita que a
ser negociadas mercadorias, nas quais momento de crise em que vivemos? sociedade está hoje mais consciente
existem direitos de propriedade. Uma Elmar Altvater - Por causa da crise em relação ao caos climático, a pon-
condição para o cálculo monetário é, econômica, muitas pessoas são ou se- to de mudar seus hábitos e provocar
por conseguinte: a natureza deve ser rão compelidas à condição de pobreza mudanças nas grandes corporações?
transformada em valor, para poder ser e já nem tem mais muitas possibilida- Não é o capital que ainda tem mais
calculada monetariamente. Porém, des para um consumo intensivo de re- poder?
qual é o valor de um peixe-boi, qual é cursos. Por outro lado, o consumo de Elmar Altvater - A consciência da ne-
a perda em valores monetários quando baixo custo do supermercado é muito cessidade de frear a mudança climá-
uma espécie é extinta? Quem calcula- intensivo de recursos, pelo menos nas tica está amplamente difundida. Mas
ria os custos da perda do Dodô, uma nações industrializadas. Por isso, a po- os interesses econômicos no modo
ave de locomoção terrestre que, por breza não irá reduzir duradouramente capitalista da agricultura e da indús-
ter sido tão lenta, foi abatida no sécu- o consumo de recursos. Isto aponta tria são muito fortes. Os consórcios
lo 18 até seu último exemplar? A ava- para o fato de que a sustentabilidade transnacionais subscreveram em parte
liação monetária de danos ecológicos ecológica só é possível numa socieda- o compacto global do secretário geral
não tem nenhum sentido; no melhor de democrática e de distribuição equi- da ONU, se obrigam voluntariamen-
dos casos, ela teria um valor pedagó- tativa de recursos. Mas esta também te à “corporate social responsiblity”,
gico, de alarme. é minada pela crise financeira e eco- porém buscam apenas o princípio do
nômica. As medidas econômicas para lucro. Eles só podem realizá-lo se a
IHU On-Line - Que relações podemos o estado de necessidade foram todas economia cresce e para isso eles ne-
estabelecer entre o modo de vida ur- tomadas, nas nações industrializadas, cessitam de apoio político. É tarefa
bano e o consumo desenfreado e não ao largo dos legítimos órgãos de uma dos movimentos sociais defenderem-
sustentável? sociedade democrática. se contra a dominação dos consórcios
Elmar Altvater - Cidades já existem multinacionais, formularem seus pró-
desde a revolução neolítica na histó- IHU On-Line - Pensando numa socie- prios projetos, intervirem em favor de
ria da humanidade. Elas são os luga- dade ideal, quais poderiam ser apon- energias renováveis e formas solidá-
res da comunicação, da formação, da tadas como “justas” e “reais” neces- rias de promoção da economia. A crise
ciência, mas também da dominação sidades humanas, que favorecessem atual do capitalismo também é, por
concentrada e da exploração da terra. a qualidade de vida e as condições isso, uma possibilidade de dar passos
Na modernidade, as cidades são ex- ambientais? Uma mudança na econo- em frente nessa direção.
pressão do deslocamento da vida eco- mia seria aqui necessária?
nômica da sociedade e da natureza. Elmar Altvater - A pergunta sobre a
Pressuposto para isto é a mobilidade Leia mais...
“vida boa” já foi levantada por Aris-
moderna com o automóvel, cujo com- tóteles. Sua resposta foi: uma vida >> Confira outra entrevista concedida por Elmar
Altvater:
bustível é extraído de portadores fós- sem aspirar por aquisição de capital,
seis de energia. As cidades modernas portanto, sem lucro e juros. Esta res- * “A crise atual certamente representa o fim
são construídas para os automóveis, posta também hoje ainda é correta do neoliberalismo, mas não necessariamente
com autoestradas urbanas e parques e ela aponta, de maneira diversa do o fim do capitalismo”, publicada na IHU On-
de estacionamento, shoppings, os ar- que na época de Aristóteles, por que Line número 285, de 08-12-2008, disponível no
link http://www.unisinos.br/ihuonline/index.
tefatos da superação de distâncias en- então, na velha Grécia do 4º século php?option=com_tema_capa&Itemid=23&task=det
tre locais de moradia, trabalho, recre- antes de Cristo, ainda não existia ne- alhe&id=1498&id_edicao=313
ação, tempo livre etc. Isto só pode ser nhum capitalismo, para a necessidade
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Entrevista da Semana
Técnicas agroecológicas podem substituir
uso de agrotóxicos
Segundo Flávio Lewgoy, crianças são mais suscetíveis a contaminação
por agrotóxicos

Por Patricia Fachin

D
ando continuidade ao debate sobre os danos dos agrotóxicos à saúde humana, tema de
capa da IHU On-Line da semana passada, publicamos a entrevista a seguir, concedida
por e-mail, pelo professor aposentado do Departamento de Genética da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Flávio Lewgoy. Segundo ele, os números divul-
gados sobre a mortalidade e letalidade causadas pelos venenos agrícolas no Brasil “são
obviamente muito inferiores”.
Lewgoy destaca a possível contaminação pelos domissanitários utilizados para matar insetos.
De acordo com o pesquisador, três piretroides, ingredientes básicos desses produtos, e cartões de
aparelhos de aquecimento elétrico para volatilização durante a noite “são avaliados como possíveis
cancerígenos humanos: bifentrina, cipermetrina e permetrina”. Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual é o índice de in- de 60.000 casos anuais, o número de mento de risco de anomalias reprodu-
fectados por agrotóxicos no país? intoxicações crônicas superaria facil- tivas: espermatozóides com anomalias
Flávio Lewgoy - Milhões de pessoas, mente esta cifra. morfológicas, nascimento de crianças
no campo, são expostas anualmente a com palato fendido e anomalias nos
pulverizações com agrotóxicos. A mor- IHU On-Line – Que impactos à saúde sistemas músculo-esquelético e nervo-
bidade e a letalidade causadas pelos humana podem advir da exposição so, além de abortos e infertilidade.
venenos agrícolas no Brasil em 2003, aos agrotóxicos? As crianças são mais sensíveis aos
conforme o Sistema Nacional de Infor- Flávio Lewgoy - Agricultores e outros efeitos dos agrotóxicos do que os adul-
mações Agrícolas (Sinitox), são obvia- trabalhadores rurais, que trabalham tos, conforme a EPA (Agência de Pro-
mente muito inferiores às reais. Por com organofosforados, têm comumen- teção Ambiental Americana), porque
exemplo, o número notificado de ca- te distúrbios agudos como náusea, ton- seu organismo ainda está se desenvol-
sos de intoxicação por agrotóxicos em turas, vômitos, dores de cabeça, dor vendo; em relação ao seu peso corpo-
todo o Brasil, nesse ano, foi de 5.945. abdominal, problemas dermatológicos ral, elas comem e ingerem líquidos em
O total de mortes registrado foi de 164. e da visão. A contaminação com esses bem maior proporção que os adultos,
Note-se que somente as intoxicações produtos está associada com proble- aumentando a sua exposição aos agro-
agudas e (quando notificadas) suas se- mas e/ou sintomas crônicos, tais como tóxicos, inclusive aos denominados
quelas letais foram registradas. O nú- doenças respiratórias, distúrbios da domissanitários usados em casa para
mero de centros regionais do sistema é memória, afecções dermatológicas, matar mosquitos e baratas. Por exem-
insuficiente para abranger todo o país depressão, déficits de função cogniti- plo, vemos e ouvimos em um conheci-
e, mais ainda, a notificação (para eles va, insônia, dificuldade na respiração, do anúncio de televisão de um “spray”
e deles para o Centro Nacional) não é fraqueza e dor no peito. A exposição a (borrifador): “Terrível para os insetos.
obrigatória. Além disto, os efeitos crô- herbicidas e inseticidas, afirma o Insti- Só para os insetos”. Infelizmente, não
nicos podem surgir depois de semanas, tuto Nacional do Câncer (USA), é causa é bem assim. Três piretroides, ingre-
meses, anos ou até mesmo gerações provável de linfoma de Hodgkin, leu- dientes básicos de “sprays” (como o
após a exposição aos agrotóxicos. Se o cemias, câncer de próstata, mieloma do anúncio), e cartões de aparelhos de
total de intoxicações agudas, numa es- múltiplo e sarcomas. Outras pesqui- aquecimento elétrico para volatiliza-
timativa conservadora, for dez vezes sas indicam a exposição ocupacional ção durante o período noturno, em re-
superior ao divulgado, ou seja, cerca a agrotóxicos como causadora de au- cente artigo (EPA, 2008) são avaliados

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“Há todas as condições para alimentar o mundo
com técnicas agroecológicas, que não utilizam
agrotóxicos”

Participe do Colóquio Internacional A ética da psicanálise: Lacan estaria


como possíveis cancerígenos humanos: nesta questão?
bifentrina, cipermetrina e permetri- Flávio Lewgoy - A nosso ver, não há pa-

“não cedas de teu desejo”? [ne cède pas sur ton


na. Apesar da linguagem cautelosa, radoxo na situação apontada. O aper-
o significado é inequívoco em termos feiçoamento das ferramentas produti-
de risco, principalmente a crianças e vas não está relacionado com a ética e
adolescentes. sim com a maximização do lucro.

désir]? Inscrições abertas no site www.unisinos.br/ihu.


IHU On-Line - O senhor alerta para IHU On-Line – Que agrotóxicos o se-
o uso de agrotóxicos mutagênicos e nhor aponta como sendo os mais pre-
cancerígenos nos alimentos. Pode judiciais à fauna e flora?
explicar que agrotóxicos são esses e Flávio Lewgoy – Essas substâncias
a relação deles com a incidência de são altamente danosas a muitas espé-
câncer? cies não-alvo dos mesmos, tais como
Flávio Lewgoy - Resíduos de agrotó- plantas, anfíbios, insetos, pássaros e
xicos foram detectados em grãos, fo- peixes. Os inseticidas piretroides ci-
lhosas, frutas e tubérculos, em análi- permetrina, deltametrina e permetri-
ses da Anvisa, muitos em teores acima na são muito tóxicos a peixes de água
dos permitidos, outros não autorizados doce, marinhos e invertebrados. O in-
para a cultura e, mais ainda, princípios seticida fipronil, muito usado em cana-
ativos já banidos em muitos países, em de-açúcar, é altamente tóxico a pássa-
todas as culturas analisadas, todos ros, peixes de água doce e marinhos. O
eles mutagênicos e/ou cancerígenos. malation é muito tóxico à vida aquáti-
No relatório, são citados, entre muitos ca em rios e lagos. As abelhas têm de-
outros: acefato, carbaril, cipermetri- saparecido de regiões inteiras devido à
na, deltametrina, dimetoato, endos- ação de herbicidas e inseticidas.
sulfan, folpete, metamidofós, paratio-
na metílica etc. IHU On-Line - É possível hoje, de
Segundo a EPA, (“Porque as crian- acordo com o modelo de produção
ças podem ser especialmente sensíveis agrícola predominante e com o cres-
aos agrotóxicos” — 2008), elas conso- cimento da transgenia, não utilizar
mem duas e meia vezes mais calorias, agrotóxicos?
Flávio Lewgoy - Sim, de acordo com
justificado em dizer

inalam o dobro de ar e bebem muito


maior volume de sucos e refrigerantes, o órgão das Nações Unidas para a agri-
por massa corporal, do que os adultos. cultura, a FAO, há todas as condições
Os agrotóxicos bloqueiam a absorção para alimentar o mundo com técnicas
de importantes nutrientes, necessários agroecológicas, que não utilizam agro-
ao crescimento; se o sistema excretor tóxicos.
não estiver totalmente desenvolvido o
organismo não eliminará totalmente os
agrotóxicos, agravando seus efeitos, Leia mais...
entre eles o câncer.
>> Lewgoy concedeu outra entrevista à IHU On-
Line. Acesse no sítio do IHU.
IHU On-Line - Como compreender
Entrevista:
que as indústrias fumageiras, por
• O pampa gaúcho entregue às multinacio-
exemplo, são apontadas como mode- nais, publicada em 12-4-2008, disponível no
lo de tecnologia, e ao mesmo tempo endereço http://www.unisinos.br/ihu/index.
php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalh
deixam seus funcionários expostos a
e&id=13154.
substâncias tóxicas? Há um paradoxo

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Livro da Semana
A secular age (Cambridge: Harvard University Press, 2007)

“Em uma era secularizada o perigo de se construir


um horizonte fechado é muito grande”
Segundo o filósofo Elton Ribeiro, para Taylor a modernidade não implica a
ausência da religião, e sim o desenvolvimento de novos impulsos espirituais

Por Márcia Junges e Patricia Fachin

“P
orque era praticamente impossível não crer em Deus, por exemplo, na so-
ciedade ocidental de 1500, e hoje muitos sustentam que não apenas é fácil,
mas mesmo inevitável?” Esse questionamento é feito por Charles Taylor, ao
“interpretar nossa era como uma era da secularização”, explica Elton Ribeiro,
em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Segundo o pesquisador, a
partir dessa questão, Taylor faz uma releitura da história da secularização, apontando “primeiro
para o enfraquecimento do papel e do poder da religião na vida pública. Segundo para uma queda
na fé e nas práticas religiosas institucionais. O terceiro significado, vinculado intrinsecamente aos
dois primeiros, apresenta a sociedade contemporânea como uma sociedade onde a fé em Deus
deixou de ser algo comum, partilhado por todos”, assinala.
Elton Ribeiro é graduado em Filosofia, pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE),
em Belo Horizonte. Atualmente, cursa doutorado em Filosofia na Gregoriana, onde estuda Filosofia
Contemporânea, especialmente Ética em Charles Taylor e Alasdair Macintyre. Também é professor
assistente do curso de graduação em Filosofia, na Gregoriana. A secular age está sendo traduzido
para o português pela Editora Unisinos, prevista para ser lançada em 2010. Confira a entrevista.

IHU On- Line - Em que consiste, exa- apresenta a sociedade contemporâ- como a partir deste imaginário os indi-
tamente, a tese da “era da seculari- nea como uma sociedade onde a fé víduos estruturam suas relações sociais,
zação” de Charles Taylor? em Deus deixou de ser algo comum, suas expectativas, suas capacidades de
Elton Ribeiro - Para interpretar nossa partilhado por todos, onde aquele que agirem no mundo e de interpretarem a si
era como uma era da secularização (A crê vive em uma sociedade com outras mesmos. Propriamente, a secularização
secular age), Taylor parte da seguinte pessoas que vivem moralmente suas produz neste imaginário a desconfiança
questão: por que era praticamente im- vidas sem nenhuma referência a Deus quanto à possibilidade de uma visão uni-
possível não crer em Deus, por exem- ou a uma realidade transcendente. tária da religião, a ideia de que o plura-
plo, na sociedade ocidental de 1500, lismo é um dado de fato, de que a secu-
e hoje muitos sustentam que não ape- IHU On-Line - Quais são os reflexos des- larização é uma via sem retorno.
nas é fácil, mas mesmo inevitável? A sa secularização na pós-modernidade?
partir desta questão-chave, ele faz Elton Ribeiro - O principal reflexo é a IHU On-Line - A sociedade de indiví-
uma releitura da história da seculari- mudança daquilo que Taylor chama de duos, escondida por trás da fachada
zação apontando alguns significados. “imaginário social”, argumento que ele de autonomia, seria uma expressão
Primeiro para o enfraquecimento do já tinha trabalhado em Modern social dessa secularização? Por quê?
papel e do poder da religião na vida imaginaries (2004). Por imaginário so- Elton Ribeiro - Na medida em que,
pública. Segundo para uma queda na cial, Taylor entende o modo pelo qual os para Taylor, a secularização nasce ao
fé e nas práticas religiosas institucio- indivíduos imaginam a própria existência interno do ocidente cristão, sobretu-
nais. O terceiro significado, vinculado social e de como a própria existência do como obra da Reforma, ela afirma
intrinsecamente aos dois primeiros, está vinculada a de outros indivíduos, a dimensão antropocêntrica da reli-

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gião, avessa a tudo aquilo que pode ouro: respeita e defende a ordem moral de Deus”, nem a questão da neutralida-
parecer mágico e se torna mais aten- como queres que a sociedade defenda e de ou não da ciência. A questão princi-
ta, por exemplo, ao discurso sobre os respeite tua autonomia. pal é que, em uma era secularizada, o
direitos humanos. Sem dúvida, este perigo de se construir um horizonte fe-
é um terreno fértil para a seculari- IHU On-Line - Como compreender, chado é muito grande. Horizonte que,
zação. Porém, mais do que criticar o por outro lado, que vivemos uma re- muitas vezes acolhido acriticamente,
individualismo contemporâneo como descoberta do espírito? O mesmo ho- reduz-se à busca de realização e feli-
Taylor fez em The ethics of authen- mem que “matou Deus” agora quer cidade meramente humanas, e não ex-
ticity (1991), trata-se de interpretar fazê-lo reviver? plica e justifica o anseio humano por
também as possibilidades que a secu- Elton Ribeiro - A tese sobre a “morte justiça universal, por exemplo. Portan-
larização porta para a sociedade e os de Deus” sempre foi um argumento to, para Taylor, a modernidade não im-
indivíduos, especialmente uma maior muito debatido e contestado. Acredito plica a ausência da religião ou fim das
abertura ao diálogo com o diferente, que Taylor nos ajuda a perceber que, exigências espirituais do ser humano.
uma maior compreensão do valor de mesmo nesta imensa profusão de argu- Ao contrário, a modernidade implica o
cada indivíduos, e a humildade em re- mentações, a crença em Deus sempre desenvolvimento de novos impulsos es-
conhecer que a nossa maneira de ser continuou a existir e a guiar a vida de pirituais, religiosos ou não, mas muito
não é a única porque ela representa mais fracionados com relação ao passa-
uma dentre várias formas possíveis. do. Impulsos que segundo Taylor podem
“Em um mundo ser encontrados, por exemplo, na arte,
IHU On-Line - De que forma a ética na música e nos mais diversos aspectos
do reconhecimento pode nos ajudar fragmentado e pautado da vida cotidiana.
a entender esse mundo fragmenta-
do, pautado pela incerteza? por incertezas, IHU On-Line - Taylor está a quase
Elton Ribeiro - O discurso sobre o reco- meio século defendendo que proble-
nhecimento de Taylor ele o desenvolve reconhecer o outro em mas com a violência ou a intolerân-
principalmente em The ethics of au- cia só podem ser resolvidos consi-
thenticity (1991) e The politics of recog- sua particularidade, derando tanto sua dimensão secular
nition (1992). Nestes trabalhos, Taylor como espiritual. Como esse processo
desenvolve a tese de que nossa identi- reconhecer as seria possível frente aos fundamen-
dade individual, especialmente em uma talismos religiosos e a radicalização
sociedade multicultural e secularizada diferenças da secularização?
como a nossa, não é algo que realizamos Elton Ribeiro - Os extremos da vio-
sozinhos. Nós definimos nossa identidade fundamentais entre lência e da intolerância que se ma-
sempre em diálogo com os outros, espe- nifestam nos fundamentalismos e nas
cialmente aqueles outros que são signifi- as culturas, nos ajuda radicalizações são sempre difíceis de
cativos para nós. Para Taylor, o diálogo é serem abordados. A busca incessante
uma característica importante, definitó- a perceber que não do justo meio entre os extremos tam-
ria, dos seres humanos. Dialogar é cen- bém não é uma tarefa fácil porque
tral para compreender a realidade que existe uma única exige um discernimento constante e
nos circunda, mas antes de tudo, para uma abertura ao diálogo muitas vezes
compreender a nós mesmos. Porém, a forma de interpretar fatigosa. A busca do justo meio para
dimensão dialógica da existência huma- Taylor vem de uma atenta interpre-
na implica que os dialogantes sejam re- o ser humano” tação das referências valorativas que
conhecidos no espaço público onde cada tornam possíveis as ações humanas
um de nós forma e vive a própria identi- como ações que, guiadas por um con-
dade ético-cultural. Ora, em um mundo junto articulado de sentimentos e de
fragmentado e pautado por incertezas, muitas pessoas. Daí a tese de Taylor de discernimentos, se direcionam para a
reconhecer o outro em sua particulari- que a modernidade não pode ser en- realização dos bens considerados mais
dade, reconhecer as diferenças funda- tendida simplesmente como irreligiosa. elevados e que Taylor classifica como
mentais entre as culturas, nos ajuda a A verdade é que, na medida em que hiperbens. Estes hiperbens dão o ca-
perceber que não existe uma única for- antigas formas de religiosidade foram ráter moral às nossas ações concretas.
ma de interpretar o ser humano. Apenas enfraquecendo, outras novas foram sur- Porém, diante da questão e buscando
a vivência comunitária nos capacita a re- gindo e ganhando força, como os novos interpretar a partir de uma aproxima-
conhecer nossas fontes morais e o nosso movimentos leigos na Igreja Católica ção mais religiosa à problemática dos
horizonte moral de referência. E, como ou as novas igrejas pentecostais, por extremismos, penso que Taylor seria
para Taylor o ser humano é constituti- exemplo. Taylor parece estar convenci- cauteloso em apontar alguma solu-
vamente moral, segue então a regra de do de que o problema não é a “morte ção fácil. Em uma entrevista à Rádio

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“A crença em Deus
sempre continuou a
existir e a guiar a vida
de muitas pessoas. Daí a
tese de Taylor de que a Discutir Deus em
nossos dias. Esse é o
modernidade não pode
ser entendida
simplesmente como tema do X Simpósio
irreligiosa”
Internacional
IHU: Narrar Deus
Vaticana em 2007, ele falou sobre a
importância dos líderes religiosos que
se empenharam decisivamente pela
paz buscando superar a violência e
procurando soluções pacificas para os
problemas. Em A secular age, fazen- numa sociedade
do referimento à teologia de Santo
Irineu, comenta que existe um con-
tramovimento, que ele define como pós-metafísica.
pedagogia de Deus, onde “Deus está
educando lentamente a humanidade
convertendo-a lentamente e transfor-
mando-a de dentro” (A secular age,
Possibilidades e
impossibilidades.
668).

 Confira a entrevista no endereço http://www.


radiovaticana.org/it1/Articolo.asp?c=123082.
(Nota do entrevistado)

Leia mais...
Charles Taylor é um filósofo canadense, Inscreva-se e participe:
www.unisinos.br/ihu.
autor de vários livros entre os quais se destaca:
Sources of the self. The making of the modern
identy, editado em 1989 e traduzido para o por-
tuguês sob o título As fontes do self. A construção
da identidade moderna (São Paulo: Loyola, 1997).
Também é o autor do livro The malaise of moder-
nity, publicado em 1991 e traduzido para várias
línguas. Em espanhol o livro se intitula La ética
de la autenticidad (Barcelona: Ediciones Paidós,
1994). Em português podem ser conferidos, ainda,
Argumentos filosóficos (São Paulo: Loyola, 2000) e
Multiculturalismo: Examinando a política de reco-
nhecimento (Lisboa: Instituto Piaget, 1998). Taylor
recebeu, em 2007, o Prêmio Templeton para o Pro-
gresso da Religião, um reconhecimento atribuído,
anualmente, a personalidades que se destacam
pela originalidade no progresso da compreensão
do mundo de Deus ou da espiritualidade. Há quase
meio século, Taylor afirma que problemas como
violência e intolerância só podem ser resolvidos
considerando a dimensão secular ou espiritual.

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Destaques On-Line
Essa editoria veicula entrevistas que foram destaques nas Notícias do Dia do sítio do IHU.
Apresentamos um resumo delas, que podem ser conferidas, na íntegra, na data correspondente.

Entrevistas especiais feitas pela IHU On-Line e disponí- ANGRA 2: medo e insegurança
veis nas Notícias do Dia do sítio do IHU (www.unisinos. Entrevista com Rafael Ribeiro
br/ihu) de 09-06-2009 a 14-06-2009. Confira nas Notícias do Dia 12-06-2009
Onze dias depois do acidente que ocorreu em Angra 2, a
“Os rios da Amazônia são os corredores da biodiversi- Eletronuclear resolveu lançar uma nota explicando o fato.
dade da floresta” A grande questão levantada por Ribeiro, nessa entrevista,
Entrevista com Glenn Switkes é que, não fosse o fato de haver pressão de movimentos
Confira nas Notícias do Dia 09-06-2009 sociais e da imprensa, nada teria sido divulgado. E isso, se-
Ao analisar os projetos de construção de hidrelétricas na gundo ele, gera insegurança na população.
Amazônia e os impactos ambientais e sociais desses pro-
jetos, o estadunidense, representante da Ong Internation- Venezuela: problemas estruturais aprofundados pela
al Rivers na América Latina, diz que o governo brasileiro crise, mas uma melhoria de vida para a população
é cúmplice das empresas que visam apenas os lucros que Entrevista com Gilberto Maringoni
obterão com a construção de barragens para o funciona- Confira nas Notícias do Dia 13-06-2009
mento desse modelo de energia para o país. Embora a revolução na Venezuela esteja acontecendo, e
de maneira boa para seu povo, conforme repercute o jor-
Fertilizadora em Anitápolis: uma onda de silêncio e nalista e doutor em História Social, o país ainda vive di-
muito a ser discutido ficuldades estruturais muito profundas.
Entrevista com Eduardo Bastos e Jorge Albuquerque
Confira nas Notícias do Dia 10-06-2009 Conferência Nacional de Comunicação: a construção
Está prevista, para a cidade de Anitápolis/SC, a construção de de um processo de baixo para cima
uma empresa de fertilização, comandada pela Bunge e Yara Entrevista com Adilson Cabral Neto
Brasil, causará muitos impactos ambientais, estruturais e so- Confira nas Notícias do Dia 14-06-2009
ciais. No entanto, uma onda de silêncio ronda a questão e pou- Segundo o doutor em Comunicação Social, “a Conferência
cos ousam falar e colocar o tema em debate. (Nacional de Comunicação) é uma forma de construir o que
a sociedade ainda demanda”.
Que conta é essa?
Entrevista com Telma Monteiro
Confira nas Notícias do Dia 11-06-2009
A pesquisadora questiona, nesta entrevista, as contas que o Análise da Conjuntura
governo tem divulgado para explicar que as hidrelétricas na A Conjuntura da Semana está no ar. Confira no sítio do
Amazônia, e em outros países da América Latina, precisam IHU - www.unisinos.br/ihu, publicada em 10-06-2008.
ser construídas para suprir as necessidades de energia do
Brasil. No entanto, segundo ela, o país não irá utilizar nem A análise é elaborada, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores
- CEPAT - com sede em Curitiba, PR, em fina sintonia com o IHU
metade dessa energia que será usada.

Leia as Notícias
do Dia em
www.unisinos.br/ihu

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Eventos da Semana
Repensando Max Weber A subjetividade Escola de Formação Fé,
do trabalhador Política e Trabalho 2009
em debate
No próximo final de semana, dias 20
18 de junho, quinta-feira, é dia de e 21 de junho, será realizado mais um
IHU Ideias, evento semanal promovi- encontro da Escola de Formação Fé,
do pelo Instituto Humanitas Unisinos Política e Trabalho 2009. Será a quar-
— IHU. Desta vez, o tema em questão ta, das dez etapas desta sexta edição.
será “Trabalho e subjetividade: da So- Na ocasião, o Centro Diocesano de For-
ciedade Industrial à Sociedade Pós-in- mação Pastoral, localizado em Caxias
dustrial”, e estará sob a responsabili- do Sul, será palco da palestra com o
dade de Cesar Sanson, pesquisador do Prof. MS Lucas Henrique da Luz, sobre
Centro de Pesquisa e Apoio aos Traba- o “contexto cultural na pós-moderni-
lhadores — CEPAT, com sede em Curiti- dade na sociedade capitalista. A crise
ba. O assunto foi abordado pelo pales- civilizacional e os novos valores”, no
trante em sua tese de doutorado em sábado, e com a Profa. Dra. Marilene
Ciências Sociais, recentemente defen- Maia, sobre o tema “Democracia par-
Estudar economia para compreen- ticipativa: políticas públicas e sociais,
dida na UFPR. Cesar Sanson já abordou
der o cenário que caracteriza a crise espaços de participação e controle
o tema deste evento na edição nº 60
atual é uma prática de extrema im- social”, no domingo. Ambos os profes-
dos Cadernos IHU Ideias, intitulada
portância em nossos dias. E refletir so- sores são colaboradores do Instituto
A emergência da nova subjetividade
bre os grandes clássicos, que sempre Humanitas Unisinos — IHU.
operária: a sociabilidade invertida,
trazem respostas nesses momentos, O objetivo geral da Escola de For-
e que está disponível no sítio do IHU
pode ser um bom caminho. Ainda mais mação Fé, Política e Trabalho, que na
(www.unisinos.br/ihu). Ele também
se este estudo for por EAD, a modali- edição deste ano de 2009 vai até de-
concedeu uma entrevista sobre o as-
dade de Ensino a Distância. Esta é a zembro, é contribuir para a formação
sunto na IHU On-Line número 291, de
proposta do Ciclo de Estudos em EAD e articulação de lideranças nos vários
04-05-2009, onde afirmou que, “na so-
— Repensando os Clássicos da Econo- âmbitos de atuação da realidade, ges-
ciedade pós-industrial/pós-fordista, se
mia, promovido pelo Instituto Huma- tando a criação de uma mentalidade
pede ao trabalhador que se disponha a
nitas Unisinos — IHU. O quarto tópico nova, mais de acordo com o Ensino So-
inventar e a produzir novos procedi-
do evento inicia hoje, segunda-feira, cial da Igreja, que permita um sentir e
mentos cooperativos, que colabore,
dia 15 de junho, e estende-se até o dia agir cristão comprometido e responsá-
que se explicite, apresente ideias”. E
4 de julho, período em que os partici- vel pela construção de uma sociedade
que “a forma de trabalhar associada
pantes terão uma visão das principais solidária. Acesse www.unisinos.br/
ao pós-fordismo é vista como
ideias de Max Weber e as implicações ihu para obter mais informa-
a passagem de uma lógi-
de seu clássico A ética protestante e o ções.
ca da reprodução para
espírito do capitalismo.
uma lógica da inova-
Para saber mais sobre Weber e a
ção, de um regime
obra em questão, basta acessar o sítio
de repetição a
do IHU (www.unisinos.br/ihu) e fazer
um regime de
download do Cadernos IHU em forma-
invenção”.
ção número 3, de 2005. Lá, podemos
O IHU Ideias
ler que “a obra de Weber, complexa
é um evento
e profunda, constitui um monumento
gratuito e aber-
da compreensão dos fenômenos histó-
to à comunida-
ricos e sociais e, ao mesmo tempo, da
de em geral, que
reflexão sobre o método das ciências
acontece na sala
histórico-sociais”. Acesse a página do
1G119 do IHU, das
IHU e obtenha mais informações.
17h30min às 19h.

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Darwin revolucionou nossa visão cósmica
Poucas pessoas na história da humanidade revolucionaram nossa visão cósmica.
“Darwin foi uma delas”, assegura o pesquisador Francisco Mauro Salzano. A partir do
pensamento do cientista britânico, nos demos conta de que não somos espécie única

Por Márcia Junges

“A
o invés de sermos uma espécie única, somos apenas uma entre milhões de outras.”
A afirmação é de Francisco Mauro Salzano, professor da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), na entrevista exclusiva que concedeu, por e-mail, à IHU On-
Line. De acordo com ele, “a visão do mundo na Idade Média não podia ser mais mo-
nótona. O mundo teria sido criado por uma entidade divina em uma versão fixa, e as
condições atuais seriam exatamente as mesmas do início. Com Darwin, ficou claro que a natureza não foi
criada para nos servir, e que somos apenas um elo na grande irmandade do mundo biológico”. E completa:
“Na história da humanidade, são poucas as pessoas cujo pensamento revolucionou nossa visão cósmica.
Darwin foi uma delas”. Salzano é palestrante em 16-06-2009, no Pré-Evento ao Simpósio Internacional
Ecos de Darwin, com o tema A evolução como uma visão revolucionária do mundo. A atividade inicia às
17h30min, na Sala 1G119 do Instituto Humanitas Unisinos — IHU. O Simpósio Internacional Ecos de Darwin
está marcado de 9 a 12 de setembro de 2009. A programação completa pode ser conferida no sítio do IHU:
http://www.unisinos.br/_ihu/index.php?option=com_eventos&Itemid=19&task=detalhe&id=127.
Graduado em História Natural pela UFRGS, é especialista em Genética pela Universidade de São Paulo
(USP) e em Genética e Biologia Molecular, pela UFRGS. Doutorou-se em Biologia Genética, pela USP, com a
tese O problema das espécies crípticas — Estudos no subgrupo Bocainensis (Drosophila). É pós-doutor pela
Universidade de Michigan, nos Estados Unidos e livre-docente pela UFRGS. Autor de mais de 200 artigos
científicos, escreveu as obras Biologia, cultura e evolução (2. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1993),
Evolução do mundo e do homem: liberdade ou organização? (Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1995) e DNA,
e eu com isso? (São Paulo: Oficina de Textos, 2005). Confira a entrevista.

IHU On-Line - Qual foi a principal no- nico) quanto do centro dos organismos Francisco Mauro Salzano – O fator
vidade trazida por Darwin em A ori- vivos (Darwin). Ao invés de sermos uma principal que orquestra todo o pro-
gem das espécies? espécie única, somos apenas uma entre cesso de evolução orgânica continua
Francisco Mauro Salzano – Foi o livro de milhões de outras. reconhecido como sendo a seleção
Darwin que colocou em firmes bases cien- natural. Outros aspectos, como o alvo
tíficas o estudo da evolução, dando ênfa- IHU On-Line - Por que a evolução principal de sua ação [se é o orga-
se à seleção natural como seu principal pode ser compreendida como uma nismo, como postulou Darwin, se é a
fator determinante. As obras anteriores visão revolucionária de mundo? unidade da herança (o gene), ou toda
sobre evolução não eram satisfatórias Francisco Mauro Salzano – A visão do uma população], é um problema ainda
porque se limitavam a análises gerais, mundo na Idade Média não podia ser em discussão. Darwin também supu-
sem embasamento experimental. mais monótona. O mundo teria sido nha que as mudanças evolucionárias
criado por uma entidade divina em eram geralmente pequenas e gradu-
IHU On-Line - Sob quais aspectos essa uma versão fixa, e as condições atu- ais, enquanto alguns pesquisadores
obra lança um novo paradigma de ci- ais seriam exatamente as mesmas do atualmente questionam esta visão, su-
ência? início. Com Darwin, ficou claro que a gerindo mudanças drásticas em alguns
Francisco Mauro Salzano – Tem-se dito natureza não foi criada para nos servir, casos de alterações fundamentais de
que o mundo nunca mais seria o mes- e que somos apenas um elo na grande estrutura.
mo após a publicação de A origem das irmandade do mundo biológico.
espécies. O livro possibilitou completar IHU On-Line - O neodarwinismo cap-
o trabalho de Nicolau Copérnico (1473- IHU On-Line - Que aspectos de A ori- ta a originariedade do darwinismo?
1543) de deslocamento de nossa espé- gem continuam atuais e quais já fo- Por quê?
cie tanto do centro do universo (Copér- ram superados? Francisco Mauro Salzano – A essência
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do darwinismo, a evolução através
principalmente da seleção natural,
continua onipresente.

IHU On-Line - Qual é a relação entre


Darwin e a revolução molecular?
Francisco Mauro Salzano – A revolu-
ção molecular possibilitou o estudo
da evolução em níveis até bem pou-
co tempo inimagináveis. Sugestões da
década de 1970 do século passado,
desenvolvidas principalmente pelo
geneticista japonês Motoo Kimura, de
que em nível molecular o processo se-
ria governado basicamente pelo aca-
so não foram confirmadas por estudos
desenvolvidos desde aquela época.

IHU On-Line - E qual é a importância do


legado darwiniano dentro da sua pes-
quisa acadêmica, como pesquisador?
Francisco Mauro Salzano – Toda a mi-
nha pesquisa acadêmica tem se desen-
volvido sob a égide do darwinismo.
Estão abertas as
IHU On-Line - Qual é o significado de
se comemorar o bicentenário do nas- inscrições para
IX Simpósio
cimento de Darwin?
Francisco Mauro Salzano – Tendo em
vista o que já foi mencionado, tornava-
se indispensável comemorar de maneira
o
apropriada o seu nascimento. Na histó-
ria da humanidade, são poucas as pesso-
as cujo pensamento revolucionou nossa
Internacional IHU:
Ecos de Darwin, que
visão cósmica. Darwin foi uma delas.

Leia mais...

acontece de 9 a 12
>> Confira a programação completa do IX
Simpósio Internacional IHU: Ecos de Darwin no link
http://www.unisinos.br/eventos/ecos_darwin/, no
site do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

Baú da IHU On-Line


* “Somos melhores depois de Darwin”
de setembro. Faça
sua inscrição agora:
Entrevista especial com Anna Carolina Regner,
Notícias do Dia, de 17-03-2009, disponível no link
http://www.unisinos.br/ihu/index.php?option=com_
noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=20440

www.unisinos.br/
* A ciência antes e depois de Darwin
Entrevista especial com Lilian Al-Chueyr Pereira Mar-
tins e Roberto de Andrade Martins, Notícias do Dia,
de 15-12-2008, disponível no link
http://www.unisinos.br/ihu/index.php?option=com_

ihu.
noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=18895
* A questão das espécies antes de Darwin
Notícias do Dia, de 03-06-2009, disponível no link
http://www.unisinos.br/ihu/index.php?option=com_
noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=22805
* Darwin matou Deus? Notícias do Dia, de 17-05-
2009, disponível no link http://www.unisinos.
br/ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&
task=detalhe&id=22330

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IHU Repórter

Camila Padilha da Silva


Por Graziela Wolfart | Fotos Arquivo Pessoal

A
os 29 anos, a estudante de Direito e secretária responsável pela
recepção do Instituto Humanitas Unisinos, Camila Padilha da Sil-
va, conta na edição desta semana a sua história de vida para a
IHU On-Line. Conheça um pouco mais desta moça alegre, que
gosta de estar na companhia da família e dos amigos, adora sair
para dançar e tem facilidade para fazer amizades. Além disso, Camila tem
muitos sonhos e busca a felicidade ao renascer todos os dias. “Tenho muita
fé nas pessoas e acredito que o mundo pode ser melhor do que é hoje”,
afirma ela. Confira:

Origens – Nasci em Porto Alegre, 20% da visão normal. Nunca pode sair sem fazer diferença, tratando a todos
mas fui registrada em São Leopoldo e sozinha, precisa sempre de um acom- com educação.
sempre morei aqui. Portanto, me consi- panhante, por isso vou seguidamente
dero uma cidadã leopoldense. Nós mo- com ela ao Hospital de Clínicas, em Formação – Minha primeira lem-
rávamos com meus avós paternos em Porto Alegre. Mas ela trata bem disso, brança escolar foi quando cursei o
São Leopoldo, até eu completar dois com medicação toda a semana. Apesar Jardim na Escola Jesus Menino, aqui
anos de idade. Daí meus pais se sepa- de estar controlada, a gente convive em São Leopoldo. Foi uma parte muito
raram, e eu e minha mãe fomos morar permanentemente com uma angústia, boa da minha infância. Eu tinha aulas
com meus avós maternos, sempre aqui porque é uma doença degenerativa e de judô, comia as comidinhas e era
na cidade. Vivemos assim até hoje. que pode atingir outras partes do cor- meu avô quem me levava. Da primeira
po. Minha mãe é um exemplo de vida, à quinta série do ensino fundamental,
Infância – Minha infância foi muito de muita garra, de força, porque ela estudei na Escola Maria Gusmão Bri-
boa. Mesmo meus pais estando sepa- tem de lutar todos os dias contra essa to, e da sexta à oitava série fui para
rados, nós sempre tivemos uma boa doença. o Visconde de São Leopoldo. Cursei o
relação com a família dele, sempre ensino médio no Instituto Rio Branco,
mantivemos contato. Tenho uma irmã Um amor de neta – Eu sempre digo aqui na cidade, onde fiz técnico em
mais nova apenas por parte de pai. que tenho duas mães e dois pais, pois processamento de dados. E, em 2001,
Não temos muito contato, mas nos cresci ao lado dos meus avós. Eu tenho entrei na faculdade de Direito, aqui
falamos de vez em quando, pois meu meu pai, mas, como ele sempre mo- na Unisinos. Pretendo concluir o curso
pai mora em Franca, São Paulo, com a rou longe, quem me deu a base para a dentro de dois anos e penso em fazer
atual família, há mais de 15 anos. vida, quem me ensinou os valores que um mestrado, para quem sabe até dar
me regem, e o que tenho de melhor aulas ou participar de pesquisas aqui
Apoio de filha – Minha mãe traba- em mim até hoje foi o meu avô. Minha na universidade.
lhava na indústria calçadista, como re- ligação com ele era muito forte. Esta
cepcionista de uma fábrica. No entan- semana fez dois anos que ele faleceu. Trajetória profissional – Meu pri-
to, ela teve de parar de trabalhar cedo Meus avós ajudaram a minha mãe no meiro emprego foi como estagiária em
e se aposentou por invalidez, porque momento em que ela mais precisou um escritório de contabilidade. Mais
descobriu, aos 32 anos, ser portadora e estamos juntos até hoje, sempre tarde, trabalhei em uma loja de fo-
de esclerose múltipla no nervo óptico. unidos, uns ajudando os outros. Eles tocópias. Depois, por um bom tempo,
Isso faz com que ela tenha a visão debi- sempre me ensinaram a ser humilde e trabalhei na área administrativa de
litada. Ela enxerga aproximadamente a lidar com todos da mesma maneira, corretoras de seguros. Durante quatro
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JUNHO DE 2009
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da crença espíri-
ta de vida após a
morte. Acredito
que não viemos
a este mundo por
acaso e que to-
dos temos nosso
tempo aqui de-
terminado.

Política – No
momento, estou
muito decep-
cionada com a
>> Camila aproveitando as férias
política brasilei-
e a Psicologia são áreas que cami- ra. Mas não anu-
anos, mandei o meu currículo para
nham juntas. Sonho em trabalhar lo meu voto, porque acho que é
a Unisinos, pois era meu sonho tra-
na minha área não pensando apenas um direito que devemos exercer
balhar aqui, não só por entender
no retorno financeiro, mas na sa- como cidadãos. Se votando temos
que era interessante trabalhar em
tisfação pessoal também. Também esse cenário aí, não votando é
uma universidade, mas porque eu
quero casar, ser mãe, construir uma pior. A esperança é a última que
sabia que os funcionários recebem
família. morre. Mas hoje me sinto traída
bolsa para fazer a faculdade. E eu
pelas pessoas em quem depositei
queria muito ter um curso supe-
Momento feliz e triste – Entre a confiança de me representar.
rior. Depois de muita insistência,
fui chamada para uma vaga tem- os momentos mais felizes da mi-
nha vida, gosto de lembrar o dia Unisinos – É uma grande fon-
porária, para cobrir a licença ma-
em que fui efetivada como funcio- te de conhecimento, de aprendi-
ternidade de uma das secretárias
nária da Unisinos e quando desfi- zagem. Aqui as pessoas vêm bus-
do Instituto Humanitas Unisinos.
lei na Sapucaí, no Carnaval de car seus sonhos e os alcançam. O
Eu aceitei, pois sabia que era uma
2007, realizando um sonho antigo. espaço do câmpus é maravilhoso
oportunidade de mostrar o meu
Quando coloquei meu pé na ave- e favorece o convívio. Aqui se
trabalho. Eu não pude mesmo con-
nida e senti o som da batucada, aprende não apenas na sala de
tinuar no IHU depois desse perío-
foi inexplicável. Também realizei aula, mas em todos os lugares, até
do. Então, consegui ser efetivada
de quebra o sonho de conhecer o no momento do cafezinho ou do
como funcionária da Unisinos em
Rio de Janeiro. Foi muito bom. E exercício físico.
uma vaga que surgiu nesse perío-
do, mas no setor da Proenpe, que o momento mais triste da minha
vida foi quando meu avô faleceu. Instituto Humanitas Unisinos
na época era a pró-reitoria de en-
– Trabalhar no IHU é um desafio,
sino e pesquisa. No entanto, nunca
Literatura – Quando não estou pois aprendemos todos os dias,
desisti de voltar para o IHU. Con-
lendo para a faculdade, busco a lite- temos de estar sempre atentos
tinuei mantendo o contato com
ratura espírita e de autoajuda. Gosto às novas tendências. O Instituto é
as pessoas daqui e consegui voltar
dos livros da Zibia Gasparetto. um lugar de muita sabedoria, de
quando abriu uma vaga para a re-
troca de ideias, onde está sem-
cepção do Instituto, onde estou
Vivência de fé – Tenho muita pre se discutindo coisas novas e
até hoje, cumprindo também fun-
fé em Deus. Acredito que Ele está sempre correndo na frente. Temos
ções da secretaria do IHU.
presente em tudo o que acontece permanentemente a sensação de
na nossa vida. Meu avô era católi- que é preciso estar sempre na
Nas horas livres – Gosto de es-
co, me levava no Santuário do Sa- frente. Quem chega ao IHU me vê
tar com a minha família, de tomar
grado Coração de Jesus, onde está primeiro. Então, acabo traçando
chimarrão, de sair para dançar, de
o túmulo do Pe. Reus, aqui em São um perfil da visão inicial que as
conversar com meus amigos, escu-
Leopoldo. Sou batizada e fiz a pri- pessoas têm do Instituto. E pos-
tar música, ir ao cinema, de ler e de
meira comunhão na Igreja Católi- so afirmar que a grande maioria
curtir minha cachorrinha, a Kity.
ca. Mas hoje minha crença é mais se aproxima do IHU por causa da
voltada para a doutrina espírita, o revista IHU On-Line. Muitos vêm
Sonhos – Meu grande sonho é me
que herdo da família do meu pai. também pelas outras publicações,
realizar profissionalmente, atuando
Os encontros da doutrina espírita pelos eventos ou pelo atendimen-
no Direito associado à questão so-
sempre me acrescentaram mais to espiritual. Mas a primeira ima-
cial. Quero poder ajudar as pessoas
do que as missas. Gosto das ora- gem é de que o IHU faz a revista.
com meu trabalho. Quem sabe não
ções católicas, vejo muita espiri- Essa seria a “cara” do Instituto,
posso ser uma defensora pública?
tualidade nelas. Mas compartilho pelo que percebo aqui.
Acho que o Direito, o Serviço Social
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Destaques

A evolução e a revolução em Darwin


Francisco Mauro Salzano é o palestrante do Pré-Evento ao Simpósio Internacional
Ecos de Darwin, com o tema A evolução como uma visão revolucionária do mundo.
A atividade acontece das 17h30min às 19h do dia 16-06-2009, na Sala 1G119 do IHU.
O Simpósio Internacional Ecos de Darwin será de 9 a 12 de setembro de 2009. A
programação completa pode ser conferida no sítio do IHU (www.unisinos.br/ihu).
Confira uma entrevista com o professor Salzano nesta edição.

Religiões do Mundo
De 10-08-2009 e 08-10-2009, será exibida uma série de sete documentários organizados e apre-
sentados pelo teólogo alemão Hans Küng, intitulada Religiões do Mundo. O projeto contempla as
três maiores correntes religiosas presentes no Planeta: as religiões da sabedoria de origem chi-
nesa (Confucionismo e Taoísmo), as religiões da mística de origem indiana (Hinduísmo e Budismo)
e as religiões da profecia de origem no Oriente Médio (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo). Os
vídeos serão exibidos no IHU e na Casa de Cultura Mario Quintana, em Porto Alegre, com sessões
comentadas. A TV Unisinos (Canal 32 da Net ou 30 em UHF) exibirá os documentários de 10-08-
2009 a 21-09-2009, sempre às segundas-feiras, às 18h. O evento é uma parceria do IHU com o
Escritório da Fundação Ética Mundial no Brasil. Mais informações em www.unisinos.br/ihu.

Repensando Max Weber


O Ciclo de Estudos em EAD — Repensando os Clássicos da Economia, pro-
movido pelo IHU, inicia hoje seu quarto tópico, em que os participantes terão
uma visão das principais ideias de Max Weber e as implicações de seu clássico
A ética protestante e o espírito do capitalismo. Para saber mais sobre Weber e
a obra em questão, basta acessar o sítio do IHU (www.unisinos.br/ihu) e fazer
download da edição nº 3 dos Cadernos IHU em formação, de 2005. Acesse a
página do IHU e obtenha mais informações sobre o evento.

Apoio:

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