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Roberto Lobato

Corrêa

Região
e
Organização
Espacial

7ª Edição
Editora Ática
São Paulo
2000
Sumário
1. Introdução
2. As correntes do pensamento geográfico
o determinismo ambiental
o possibilismo
o método regional
A nova geografia
A geografia crítica
3. Região: um conceito complexo
Região natural e determinismo ambiental
Possibilismo e região
Nova geografia, classes e região
Região e geografia crítica
Região, ação e controle
4. Organização espacial
Organização espacial: uma conceituação
Organização espacial: capital e Estado
Organização espacial: reflexo social
Organização espacial e reprodução
Estrutura, processo, função e forma
Espaço e movimentos sociais urbanos
5. Vocabulário crítico
6. Bibliografia comentada
Referencia bibliográfica de rodapé
1
Introdução
O propósito deste estudo é introduzir o estudante de geografia em dois
conceitos fundamentais: o de região e o de organização espacial. Eles também
são considerados por outras ciências sociais como a sociologia e a economia,
mas não têm nestas a relevância adquirida na geografia. Ao longo da história
da geografia, têm se situado no centro da discussão sobre o seu objeto, e
erigidos na prática como os conceitos de maior importância. Outros conceitos
podem ser considerados, a nosso ver, de menor importância, tais como
posição geográfica e sítio.
Os conceitos de região e de organização espacial são básicos para se
compreender o caráter distinto da geografia no âmbito das ciências sociais,
indicando a via geográfica de conhecimento da sociedade, quer dizer, das
relações entre natureza e história. A discussão destes termos, por outro lado,
pressupõe que se tenha uma certa informação da evolução do pensamento
geográfico desde, pelo menos, o final do século XIX, quando a geografia
assume o caráter de disciplina acadêmica, dotada de um processo de mudança
de paradigmas que se insere no bojo da história.
O presente estudo compõe-se de três partes. A primeira delas procura
situar o leitor em termos de como se pensa a geografia nesse espaço de
tempo. Esta parte tem o caráter de introdução às outras duas, procurando
colocar em evidência os modelos geográficos básicos, dentro dos quais se
discutem os conceitos de região e de organização espacial. Assim, não se trata
da apresentação das correntes de pensamento geográfico de per si, pois elas
têm como foco os dois conceitos-chave de que estamos tratando. Para este
assunto de vital importância na formação do geógrafo e do professor de
geografia, sugerimos que se leia o livro de Antonio Carlos Robert Moraes
(1981). A "Bibliografia comentada" cobre, por outro lado, a história do
pensamento geográfico com certa profundidade.
A segunda parte aborda os diversos conceitos de região, enquanto a
terceira apresenta a questão da organização espacial. Constituem o centro
deste estudo. Ao final, muitas questões terão sido levantadas e ficarão sem
respostas. Em parte esta é a nossa intenção. E tem como finalidade o
aprofundamento das discussões sobre os conceitos de região e organização
espacial.
2
As correntes do pensamento geográfico
No nosso entender, as principais correntes de pensamento geográfico
ou paradigmas da geografia são os seguintes: o determinismo ambiental, o
possibilismo, o método regional, a nova geografia e a geografia crítica. Foram
formalmente explicitadas a partir do final do século XIX, constituindo uma
seqüência histórica de incorporações de práticas teóricas, empíricas e políticas
que, não excluindo nenhuma delas, apresenta a cada momento um ou dois
padrões dominantes. Assim, o determinismo ambiental e, menos ainda, o
possibilismo não desapareceram totalmente, mas perderam o destaque,
sobretudo o determinismo ambiental. Por outro lado, a geografia crítica é o
último modelo a ser incorporado, passando a coexistir conflitivamente com os
outros, principalmente a nova geografia.
Estas tendências estão fundamentadas, de um modo, na consideração
da geografia como um saber calcado em uma das três abordagens: o estudo
das relações homem/meio, o de áreas e os locacionais. Adicionalmente, tem
sido adotada uma combinação de duas ou três das abordagens acima
referidas. De outro, as correntes fundamentam-se em diferentes métodos de
apreensão da realidade.
Entre eles, destaca-se o positivismo, quer na sua versão clássica, quer
na do positivismo lógico. O materialismo histórico e a dialética marxista, que
dão base ao segmento mais importante da geografia crítica, são métodos de
incorporação recente à geografia. Subjacente a todos os paradigmas há um
denominador comum: a geografia tem suas raízes na busca e no entendimento
da diferenciação de lugares, regiões, países e continentes, resultante das
relações entre os homens e entre estes' e a natureza. Não houvesse
diferenciação de áreas, para usar uma expressão consagrada, certamente a
geografia não teria surgido. Estamos falando, pois, do cerne da geografia,
ainda que o seu significado não tenha sido sempre o mesmo. Os conceitos de
região e organização espacial estão vinculados a esta idéia básica em
geografia.

o determinismo ambiental

A geografia emerge como uma disciplina acadêmica a partir de 1870.


Até então, e desde a Antigüidade, a geografia compunha um saber totalizante,
não desvinculado da filosofia, das ciências da natureza e da matemática. Com
Varenius no século XVII, Kant no XVIII, e Humboldt e Ritter já na primeira
metade do XIX, a geografia vai gradativamente configurando um conhecimento
específico, sem contudo perder de vez a visão globalizante da realidade.
As últimas décadas do século XIX caracterizam-se por dois processos
que são extremamente importantes para a história do homem e da geografia.
De um lado, o capitalismo passa a apresentar uma progressiva concentração
de capitais, gerando poderosas corporações monopolistas e uma nova
expansão territorial. Inaugura-se a sua fase imperialista. O outro processo, que
se vincula ao primeiro, é o da fragmentação do saber universal em várias
disciplinas. Assim, criam-se departamentos de geografia nas universidades
européias e, mais tarde, nas norte-americanas, conforme aponta, entre outros,
Brian Hudson1.
Foi o determinismo ambiental o primeiro paradigma a caracterizar a
geografia que emerge no final do século XIX, com a passagem do capitalismo
concorrencial para uma fase monopolista e imperialista. Seus defensores
afirmam que as condições naturais, especialmente as climáticas, e dentro delas
a variação da temperatura ao longo das estações do ano, determinam o
comportamento do homem, interferindo na sua capacidade de progredir.
Cresceriam aqueles países ou povos que estivessem localizados em áreas
climáticas mais propícias.
Fundamentando a tese do determinismo ambiental, estavam as teorias
naturalistas de Lamarck sobre a hereditariedade dos caracteres adquiridos e as
de Darwin sobre a sobrevivência e a adaptação dos indivíduos mais bem
dotados em face do meio natural. Estas teorias foram adotadas pelas ciências
sociais, que viam nelas a possibilidade de explicar a sociedade através de
mecanismos que ocorrem na natureza. Foi Herbert Spencer, filósofo inglês do
século XIX, o grande defensor das idéias naturalistas nas ciências sociais.
Na geografia, no entanto, as idéias deterministas tiveram no geógrafo
alemão Frederic Ratzel seu grande organizador e divulgador, ainda que ele não
tivesse sido o expoente máximo. A formação básica de Ratzel passou pela
zoologia, geologia e anatomia comparada; foi aluno de Haeckel, o fundador da
ecologia, que o introduziu no darwinismo. No entanto, seu determinismo
ambiental foi amenizado pela influência humanista de Ritter, Criou, desta
forma, a geografia humana, denominada por ele de antropogeografia e
marcada pelas idéias oriundas das ciências naturais.
Nos Estados Unidos e, em menor escala, na Inglaterra, o determinismo
imprimiu-se profundamente no nascimento da geografia. O primeiro dos países
passava, no final do século passado e início deste, por uma fase de afirmação
nacional, em que se justificava o progresso através das riquezas naturais. Ellen
Semple, discípula de Ratzel, discorre sobre as influências das condições
geográficas (configuração da costa, padrão dos rios, cadeias de montanhas,
climas etc.) na história norte-americana.
A Inglaterra tornara-se, nesse momento, a grande metrópole
imperialista. O determinismo ambiental justificava a expansão territorial através
da criação de colônias de exploração no continente africano, e de povoamento
em regiões temperadas, a serem ocupadas pelo excedente demográfico
britânico e europeu.
Na realidade, o determinismo ambiental configura uma ideologia, a das
classes sociais, países ou povos vencedores, que incorporam as pretensas
virtudes e efetivam as admitidas potencialidades do meio natural onde vivem.
Justificam, assim, o sucesso, o poder, o desenvolvimento, a expansão e o
domínio. Não é de estranhar, pois, que na Grécia da Antigüidade se
atribuíssem às características do clima mediterrâneo o progresso e o poderio
de seu povo em face dos asiáticos que viviam em áreas caracterizadas pela
invariabilidade anual das temperaturas. Muito mais tarde, no final do século
XIX, seriam outras as características climáticas consideradas como favoráveis
ao crescimento intra e extraterritorial. Transformava-se assim em natural,
portanto fora do controle humano, uma situação que é econômica e social,
histórica portanto, denominada imperialismo.
Estabeleceu-se uma relação causal entre o comportamento humano e a
natureza, na qual esta aparece como elemento de determinação. As
expressões fator geográfico e condições geográficas, entendidas como clima,
relevo, vegetação etc., são heranças do discurso ideológico determinista. Outra
delas, particularmente relevante para nós, é a região natural. Voltaremos a ela
em breve.
Ratzel, por sua vez engajado no projeto de expansão alemã, legou-nos o
conceito de espaço vital, quer dizer, o território que representaria o equilíbrio
entre a população ali residente e os recursos disponíveis para as suas
necessidades, definindo e relacionando, deste modo, as possibilidades de
progresso e as demandas territoriais. O espaço vital está implicitamente
contido na organização espacial, delimitando, no campo do capitalismo, parte
da superfície da terra organizada pelo capital e pelo Estado capitalista,
extensão que se tornou necessária à reprodução do mesmo. Em linguagem
organicista, espaço vital equivale à expressão espaço do capital.

o possibilismo

Em reação ao determinismo ambiental surge, na França no final do


século XIX, na Alemanha no começo do XX e nos Estados Unidos na década
de 20, um outro paradigma da geografia, o possibilismo. À semelhança do
determinismo ambiental, a visão possibilista focaliza as relações entre o
homem e o meio natural, mas não o faz considerando a natureza determinante
do comportamento humano.
A reação ao determinismo ambiental, mais forte na França, tem como
motivação externa a situação de confronto entre ela e a Alemanha. O
possibilismo, francês em sua origem, opõe-se ao determinismo ambiental
germânico. Esta oposição fundamenta-se nas diferenças entre os dois países.
Ao contrário da Alemanha, unificada em 1871, a França já era França há
muito tempo. Lá a revolução burguesa tinha se dado de modo mais completo,
extirpando os resquícios feudais, ainda existentes na Alemanha. Esta chega
tardiamente à corrida colonial, enquanto a França dispunha, então, de um
vasto império; os interesses expansionistas alemães voltaram-se, em grande
parte, para a própria Europa. Acrescente-se ao quadro a luta de classes, que
assumia formas mais acirradas na França, a exemplo da Comuna de Paris.
Neste contexto, a geografia francesa teria de cumprir simultaneamente
vários papéis:
a) Desmascarar o expansionismo germânico – criticando o conceito de espaço
vital – sem, no entanto, inviabilizar intelectualmente o colonialismo francês;
b) Abolir qualquer forma de determinação, da natureza ou não, adotando a
idéia de que a ação humana é marcada pela contingência;
c) Enfatizar a fixidez das obras do homem, criadas através de um longo
processo de transformação da natureza; assim os elementos mais estáveis,
solidamente implantados na paisagem, são ressaltados, não se privilegiando os
mais recentes, resultantes de transformações que podem colocar em risco a
estabilidade e o equilíbrio, alcançados anteriormente. Daí a ênfase no estudo
dos sítios predominantemente rurais.
No plano interno à geografia, havia a reação a ela ter sido definida por
uma relação de causa e efeito – a natureza determinando a ação humana - e
não por um objeto empiricamente identificável. Pensou-se, então, na paisagem
como uma criação humana, elaborada ao longo do tempo, sendo a paisagem
natural transformada em cultural ou geográfica.
Na realidade, para Vidal de Ia Blache, o mestre do possibilismo, as
relações entre o homem e a natureza eram bastante complexas. A natureza foi
considerada como fornecedora de possibilidades para que o homem a
modificasse: o homem é o principal agente geográfico. Vidal de Ia Blache
redefine o conceito de gênero de vida herdado do determinismo, conforme
aponta Paul Claval (1974): trata-se não mais de uma conseqüência inevitável
da natureza, mas de

um acervo de técnicas, hábitos, usos e costumes, que lhe permitiram


utilizar os recursos naturais disponíveis

tal como Moraes (1981) a ele se refere. Os gêneros de vida pensados


anteriormente exprimiam uma situação de equilíbrio entre população e os
recursos naturais. Uma paisagem geográfica enquadraria, na verdade, a área
de ocorrência de' uma forma de vida.
A paisagem geográfica tem, ainda, uma extensão territorial e limites
razoavelmente identificáveis. Nestes termos, a região é a expressão espacial
da ocorrência de uma mesma paisagem geográfica. O objeto da geografia
possibilista é, portanto, a região, e a geografia confunde-se, então, com a
geografia regional.
Enquanto formas criadas pelo homem sobre a superfície da Terra, a
paisagem poderia ser considerada sinônimo de organização espacial?
Primeiramente, lembre-se de que este conceito não foi cogitado pela geografia
vidaliana.
Em segundo lugar, no nosso entender, o conceito de paisagem - campos
agrícolas dispostos pelas encostas suaves de um vale, florestas nas íngremes,
caminhos entre os campos e ao longo do rio onde se localizam os núcleos de
povoamento etc. - aproxima-se do de organização espacial que adotamos
neste estudo. No entanto, o conceito de paisagem apresenta uma limitação
dada pela ênfase em um aspecto exterior, derivado de sua apreensão via
método empírico-indutivo.
Por outro lado, o conceito de paisagem, que acaba se confundindo com
o de região, está associado à visão de uni cidade, isto é, de um fenômeno que
ocorre uma única vez, sem se repetir.
O conceito de organização espacial é, para nós, mais abrangente e rico
que o de paisagem.

o método regional

A método regional consiste no terceiro paradigma da geografia, opondo-


se ao determinismo ambiental e ao possibilismo. Nele, a diferenciação de áreas
não é vista a partir das relações entre o homem e a natureza, mas sim da
integração de fenômenos heterogêneos em uma dada porção da superfície da
Terra. O método regional focaliza assim o estudo de áreas, erigindo não uma
relação causal ou a paisagem regional, mas a sua diferenciação de per si como
objeto da geografia.
O método regional tem merecido atenção de geógrafos desde pelo
menos o século XVIII, com Varenius. O filósofo Kant e o geógrafo Carl Ritter,
respectivamente no final do século XVIII e na primeira metade do XIX,
ampliaram as bases dos estudos de área. No final do século passado,
Richthofen estabelece o conceito de corologia (integração de fenômenos
heterogêneos sobre uma dada área), desenvolvido mais tarde por Alfred
Hettner.
Contudo, a geografia do final do século passado e início deste
vivenciava a disputa entre as correntes determinista e possibilista, não se
valorizando o método regional. Apenas a partir dos anos 40, e nos Estados
Unidos sobretudo, a tradição de estudos de área assume expressão. No centro
da valorização do método regional está o geógrafo norte-americano
Hartshorne2. Com ele, o novo paradigma ganha outra dimensão.
No plano externo, o método regional evidencia a necessidade de
produzir uma geografia regional, ou seja, um conhecimento sintético sobre
diferentes áreas da superfície da Terra. Preocupação antiga, derivada da
expansão mercantilista dos séculos XVI e XVII, aparecia, então, como
resultado da demanda das grandes corporações e dos aparelhos de Estado.
No plano interno, registra a procura de uma identidade para a geografia,
que se obteria não a partir de um objeto próprio, mas através de um método
exclusivo. Resumindo, diferenciação de áreas passa a se considerar o
resultado do método geográfico e, simultaneamente, o objeto da geografia.
Para Hartshorne, o cerne da geografia é a regional que, como vimos,
busca a integração entre fenômenos heterogêneos em seções do espaço
terrestre. Estes fenômenos apresentam um significado geográfico, isto é,
contribuem para a diferenciação de áreas. Da integração destes - estudados
sistematicamente pelas outras ciências -, surge a geografia como uma ciência
de síntese.
Em sua proposição, Hartshorne não adota a região Como o objeto da
geografia. Para ele, importante é o método de identificar as diferenciações de
área, que resultam de uma integração única de fenômenos heterogêneos. Diz
ele em seu clássico estudo de 1939:

o objeto da geografia regional é unicamente o caráter variável da


superfície da Terra - uma unidade que só pode ser dividida
arbitrariamente em partes, as quais, em qualquer nível da divisão, são
como as partes temporais da história, únicas em suas características3.

A região, para Hartshorne, não passa de uma área mostrando a sua


unicidade, resultado de uma integração de natureza única de fenômenos
heterogêneos. O conceito de organização espacial também não é cogitado pelo
método regional. Para tanto, pressupõe-se pensar a priori na existência de uma
lógica em ação, resultante da efetivação de regras ou leis de natureza social.
Ora, a proposição hartshorniana não admite a existência de outras leis além da
unicidade do caráter integrativo dos fenômenos sobre a superfície da Terra.
Deste modo, as contribuições do paradigma do método regional para os
conceitos de região e de organização espacial são, em si mesmas, muito
limitadas. Iriam suscitar, no entanto, enorme crítica, na qual aquilo que nos
interessa é considerado de modo privilegiado.

A nova geografia
Após a 2ª Guerra Mundial, verifica-se uma nova fase de expansão
capitalista. Ela se dá no contexto da recuperação econômica da Europa e da
"guerra fria", envolvendo maior concentração de capital e progresso técnico,
resultando na ampliação das grandes corporações já existentes. Esta
expansão defronta-se, ainda, com o desmantelamento dos impérios coloniais,
sobretudo a partir dos anos 60.
Não se trata mais de uma expansão marcada pela conquista territorial,
como ocorreu no final do século passado; ela se dá de outra maneira e traz
enormes conseqüências, afetando tanto a organização social como as formas
espaciais criadas pelo homem.
Uma nova divisão social e territorial do trabalho é posta em ação,
envolvendo introdução e difusão de novas culturas, industrialização,
urbanização e outras relações espaciais. As regiões elaboradas anteriormente
à guerra são desfeitas, ao mesmo tempo que a ação humana, sob a égide do
grande capital, destrói e constrói novas formas espaciais, reproduzindo outras:
rodovias, ferrovias, represas, novos espaços urbanos, extensos campos
agrícolas despovoados e percorridos por modernos tratores, shopping centers
etc. Trata-se de uma mudança tanto no conteúdo como nos limites regionais,
ou seja, no arranjo espacial criado pelo homem.
Estas transformações inviabilizariam os paradigmas tradicionais da
geografia - o determinismo ambiental, o possibilismo e o método regional -,
suscitando um novo, calcado em uma abordagem locacional: o espaço alterado
resulta de um agregado de decisões locacionais.
A geografia que surge em meados da década de 50, conhecida como
nova geografia, tem um papel ideológico a ser cumprido. É preciso justificar a
expansão capitalista, escamotear as transformações que afetaram os gêneros
de vida e paisagens solidamente estabelecidas, assim como dar esperanças
aos "deserdados da terra", acenando com a perspectiva de desenvolvimento a
curto e médio prazo: o subdesenvolvimento é encarado como uma etapa
necessária, superada em pouco tempo. A teoria dos pólos de desenvolvimento
é um dos melhores exemplos desta ideologia.
A nova geografia nasce simultaneamente na Suécia, na Inglaterra e nos
Estados Unidos, neste último país como uma ferrenha crítica à geografia
hartshorniana. Adota uma postura pragmática que se associa à difusão do
sistema de planejamento do Estado capitalista, e o positivismo lógico como
método de apreensão do real, assumindo assim uma pretensa neutralidade
científica.
Ao contrário do paradigma possibilista e da geografia hartshorniana, a
nova procura leis ou regularidades empíricas sob a forma de padrões
espaciais. O emprego de técnicas estatísticas, dotadas de maior ou menor grau
de sofisticação - média, desvio-padrão, coeficiente de correlação, análise
fatorial, cadeia de Markov etc. -, a utilização da geometria, exemplificada com a
teoria dos grafos, o uso de modelos normativos, a adoção de certas analogias
com as ciências da natureza e o emprego de princípios da economia burguesa
caracterizam o arsenal de regras e princípios adotados por ela. É conhecida
também como geografia teorética ou geografia quantitativa.
A nova geografia considera a região um caso particular de classificação,
tal como se procede nas ciências naturais. E toda discussão sobre região no
seu âmbito corresponde a uma crítica aos conceitos derivados do determinismo
ambiental e do possibilismo. O conceito de organização espacial tem todas as
condições para aparecer na nova geografia. Pois o rápido processo de
mudança locacional que se verifica no pós-guerra, afetando o arranjo sobre a
superfície da Terra das formas criadas pelo homem, e envolvendo vultosos
recursos, suscita a questão da eficiência máxima de cada localização
rearranjada. Eficiência máxima, naturalmente, na ótica do capital.
Desenvolve-se o conceito de organização espacial entendido como
padrão espacial resultante de decisões locacionais, privilegiando as formas e
os movimentos sobre a superfície da Terra (interação espacial)4.
Surge também na França, onde, a nosso ver, estava latente no
pensamento vidaliano. Mas não dentro da nova geografia, tal como era definida
nos países anglo--saxões e na Suécia, e sim numa geografia econômica e
aplicada, em cujo centro situa-se Pierre George e a política de aménagement
du territoire 5.

A geografia crítica

O debate interno à geografia prossegue durante as décadas de 70 e 80.


A nova geografia e os paradigmas tradicionais são submetidos a severa crítica
por parte de uma geografia nascida de novas circunstâncias que passam a
caracterizar o capitalismo. Trata-se da geografia crítica, cujo vetor mais
significativo é aquele calcado no materialismo histórico e na dialética marxista.
As origens de uma geografia crítica, que não só contestasse o
pensamento dominante, mas tivesse também a intenção de participar de um
processo de transformação da sociedade, situam-se no final do século XIX.
Trata-se da geografia proposta pelos anarquistas Élisée Reclus e Piotr
Kropotkin. Ela não fez escola, submergida pela geografia "oficial", vinculada
aos interesses dominantes.
A partir da segunda metade da década de 60, verifica-se nos países de
capitalismo avançado o agravamento de tensões sociais, originado por crise de
desemprego, habitação, envolvendo ainda questões raciais. Simultaneamente,
em vários países do Terceiro Mundo, surgem movimentos nacionalistas e de
libertação. O que se pensava até então em termos de geografia não satisfaz,
isto é, não mascara mais a dramática realidade. Os modelos normativos e as
teorias de desenvolvimento foram reduzidos ao que efetivamente são:
discursos ideológicos, no melhor dos casos empregados por pesquisadores
ingênuos e bem intencionados.
Uma geografia crítica começa a se esboçar, congregando geógrafos de
mentes abertas, que tinham se dedicado à nova geografia, como William
Bunge e David Harvey, ou que tinham uma posição política de esquerda na
geografia herdeira das tradições vidalianas, a exemplo de Yves Lacoste. Esta
visão crítica é aceita sob reservas pelo Estado capitalista, na medida cm que
este não pode desempenhar seu papel de controle, apoiado em informações
provenientes de seu serviço de propaganda. Vários são os periódicos que
focalizam criticamente a geografia: Antipode, Newsletter (Union of Socialist
Geographers), Hérodote, Espace Temps e Espace et Luttes. Adicionalmente,
em numerosos outros periódicos, há contribuições de geógrafos críticos.
No caso do Brasil, a geografia crítica nasce no final da década de 70,
cujo marco foi o 3° Encontro Nacional de Geógrafos, realizado em 'julho de
1978 em Fortaleza, sob os auspícios da Associação dos Geógrafos Brasileiros.
Além das acirradas críticas aos paradigmas que a precederam, as
contribuições da geografia crítica, ainda em curso, são numerosas. Dizem
respeito à reinterpretação, com base na teoria marxista, de aspectos que
tinham sido abordados pela nova geografia. Assim, reexamina-se questão da
Jornada de trabalho, da terra urbana, da habitação, dos transportes regionais e
da localização industrial. A geografia crítica descobre o Estado e os demais
agentes da organização espacial: os proprietários fundiários, os industriais, os
incorporadores imobiliários etc.
A questão das relações entre o homem e a natureza, central no temário
do determinismo ambiental e do possibilismo, é também repensada à luz do
marxismo. O tema da região, questão clássica na história do pensamento
geográfico, é retomado pela geografia crítica. Neste sentido, uma tentativa de
conceituação de região será feita mais adiante procurando entendê-la por uma
visão dialética.
Entre os avanços realizados pela geografia crítica estão aqueles
associados à questão da organização espacial, herdada basicamente da nova
geografia. Trata-se, no caso, de ir além da descrição de padrões espaciais,
procurando-se ver as relações dialéticas entre formas espaciais e os processos
históricos que modelam os grupos sociais.
Na discussão do conceito de organização espacial, a contribuição dos
geógrafos brasileiros tem sido muito importante. Assim, por exemplo,
considera-se a teoria marxista do valor como base para se empreender uma
análise espacial, conforme o fazem Antonio CarIos Robert Maraes e WanderIey
Messias da Costa (1984). Outra contribuição é a de Milton Santos com o
conceito de formação sócio-espacial, onde a organização espacial constitui
parte integrante de uma dada sociedade. Milton Santos (1978) levanta ainda a
polêmica questão da organização espacial como instância da sociedade.
A discussão que empreenderemos sobre este conceito estará
fundamentalmente baseada na geografia crítica.
3
Região: um conceito complexo

O termo região não apenas faz parte do linguajar do homem comum,


como também é dos mais tradicionais em geografia. Tanto num como noutro
caso, o conceito de região está ligado à noção fundamental de diferenciação
de área, quer dizer, à aceitação da idéia de que a superfície da Terra é
constituída por áreas diferentes entre si.
A utilização do termo entre os geógrafos, no entanto, não se faz de
modo harmônico: ele é muito complexo. Queremos dizer que há diferentes
conceituaçães de região. Cada uma delas tem um significado próprio e se
insere dentro de uma das correntes do pensamento geográfico. Isto quer dizer
que, quando falamos em região, implicitamente, mas de preferência de modo
explícito, estamos nos remetendo a uma das correntes já identificadas
anteriormente.
Dois pontos devem ser abordados nesta introdução e ambos se referem
ao nosso posicionamento. Primeiramente, achamos que a região deve ser vista
como um conceito intelectualmente produzido. Partimos da realidade, claro,
mas a submetemos à nossa elaboração crítica, na seqüência, procurando ir
além da sua apreensão em bases puramente sensoriais. Procuramos captar a
gênese, a evolução e o significado do objeto, a região.
Em segundo lugar, queremos deixar claro que todos os conceitos de
região podem ser utilizados pelos geógrafos. Afinal todos eles são meios para
se conhecer a realidade, quer num aspecto espacial específico, quer numa
dimensão totalizante: no entanto, é necessário que explicitemos o que estamos
querendo e tenhamos um quadro territorial adequado aos nossos propósitos.
Nesta parte iremos ver os principais conceitos de região, ou seja, o de
região natural, o de região geográfica de Vidal de Ia Blache e o de região como
classe de área, já tradicionalmente estabelecidos. Tentaremos conceituá-la sob
o ângulo do materialismo histórico, onde, acreditamos, não está solidamente
estabelecida. Finalmente, discutiremos a questão da região como um
instrumento de ação e controle dentro de uma sociedade de classes.

Região natural e determinismo ambiental

No final do século XIX, e durante as duas primeiras décadas deste,


quando a ciência geográfica foi impulsionada pela expansão imperialista, sendo
o determinismo ambiental uma de suas principais correntes de pensamento,
um dos conceitos dominantes foi o de região natural, saído diretamente do
determinismo ambiental. A região natural é entendida como uma parte da
superfície da Terra, dimensionada segundo escalas territoriais diversificadas, e
caracterizadas pela uniformidade resultante da combinação ou integração em
área dos elementos da natureza: o clima, a vegetação, o relevo, a geologia e
outros adicionais que diferenciariam ainda mais cada uma destas partes. Em
outras palavras, uma região natural é um ecossistema onde seus elementos
acham-se integrados e são interagentes.
É preciso deixar claro que a idéia de combinação ou integração em área
de elementos diversos é muito importante para o conceito de região visto sob o
paradigma do determinismo ambiental (e para outros também). Um mapa com
a distribuição espacial dos tipos climáticos de Koppen, por exemplo, não se
refere a uma combinação ou integração abrangendo elementos heterogêneos
da natureza. Trata-se de uma divisão apoiada na temperatura e na
precipitação, com as quais Koppen estabeleceu suas regiões climáticas. A
região natural é mais complexa.
Ao contrário, a divisão regional proposta por Herbertson1 está apoiada
no conceito de região natural. É uma divisão clássica, que ainda hoje exerce
influência no ensino da geografia na escola secundária. Herbertson, com base
no clima e no relevo, e considerando a vegetação, divide a superfície da Terra
em 6 tipos e 15 subtipos, que não apresentam contigüidade espacial, e 57
regiões naturais, distintas dos primeiros por apresentarem esta contigüidade.
Os 6 tipos são os seguintes: polar, temperada fria, temperada quente, tropical,
montanhosa subtropical, e terras baixas e úmidas equatoriais.
Sobre a proposição de Herbertson convém ressaltar três aspectos. Em
primeiro lugar, as regiões naturais propostas constituem uma base para
estudos sistemáticos, como se infere do título de seu artigo. Isto significa, na
realidade, que o referido autor procurava um quadro territorial adequado para
pensar a geografia segundo a concepção ambientalista, isto é, onde se
pudesse estudar e compreender as relações homem/ natureza, admitindo-se
que nas regiões naturais estas seriam mais evidentes, mais perceptíveis: nelas
se poderia ver mais claramente o papel determinante da natureza sobre o
homem. Neste sentido, as regiões naturais configuram, de fato, um ponto de
partida, e não de chegada, ou coroamento, no quadro territorial que engloba o
conhecimento a respeito das diversas áreas diferenciadas da superfície da
Terra. É nestes termos que o geógrafo americano Charles Dryer, em 1915,
aceita a idéia de que as regiões naturais devam ser um meio para se
compreender as relações homem/natureza, que aparecem diretamente,
segundo ele, através da vida econômica, para cada um dos estágios de cultura.
Em segundo lugar, o clima aparece, em Herbertson, Dryer e outros,
como o elemento fundamental da natureza. Não resta dúvida de que a
variação espacial dos tipos de clima é um dado importante para se
compreender a diferenciação da ocupação humana sobre a superfície da Terra,
porém no ambientalismo o clima passa a ser considerado, como já se viu, fator
determinante sobre o homem e, em muitos casos de modo explícito, sobre sua
história. O clima é utilizado como justificativa para o colonialismo em suas
diversas formas (colônias de povoamento e de exploração) e o racismo, duas
das múltiplas e interligadas facetas do imperialismo. Muito sintomático é o fato
de Dryer referir-se às regiões econômicas como sendo determinadas pela
natureza: justifica-se assim, em última instância, a superioridade natural das
regiões e dos países desenvolvidos, que teriam uma natureza mais pródiga. O
trecho a seguir, tirado de Herbertson, elucida os dois aspectos acima
mencionados:

Através da compreensão da história da mesma raça em duas diferentes


regiões, ou de um conjunto de raças na mesma região, seria possível
chegar a algum conhecimento do efeito invariável de um tipo de meio
sobre seus habitantes 2.
Em terceiro lugar, convém lembrar que à época em que o conceito de
região natural desfrutava de prestígio não se podia mais falar em área da
superfície da Terra que, em algum grau, não tivesse sofrido ação humana e
alterado o seu meio natural, a primeira natureza. Muito especialmente na
Inglaterra do tempo de Herbertson. Isto, contudo, não tira a importância do
conceito, principalmente para os interessados no estudo sistemático dos
diferentes ecossistemas ou regiões naturais modificadas pelo homem ao longo
da história, uma abordagem que não foi considerada pelos geógrafos
deterministas quando as estudaram.
Mesmo para um geógrafo francês como Camille Vallaux, de um país
onde o determinismo ambiental não fez carreira, as regiões naturais e as
humanas conciliam-se quando consideradas em termos de grandes regiões da
superfície da Terra, como aquelas da floresta equatorial, das zonas desérticas,
mediterrâneas, temperadas e polares. Nestes amplos quadros naturais,
caracterizados por uma enorme estabilidade quando comparados à história do
homem, o referido autor admite que os efeitos das condições naturais sobre o
ser humano sejam significativos, traduzidos, em cada uma dessas grandes
regiões, por modelos próprios de ação dos que nelas habitam. Daí a
coincidência, nesta escala territorial, entre regiões naturais e humanas.
Estamos frente a uma forma amenizada, filtrada, de determinismo ambiental,
não considerado de modo absoluto. Esta visão é, ainda, marcada pelo
possibilismo: abaixo das grandes regiões definidas pela natureza, vêm as
menores caracterizadas por elementos de ordem humana, marcados pela
instabilidade e capazes de provocar mudanças no conteúdo e nos limites
regIonais.
O conceito de região natural foi introduzido no Brasil, via influência
francesa, por Delgado de Carvalho em 1913. É dentro da ótica acima exposta
que Fábio Guimarães3 admitia a sua utilização no Brasil, visando uma divisão
de caráter prático e duradouro, que possibilitasse a comparação de dados
estatísticos ao longo do tempo. Guimarães, aceitando a identificação das
regiões naturais propostas por Delgado de Carvalho, considera as seguintes
grandes regiões naturais: norte, nordeste, leste, sul e centro-oeste. Estas
unidades regionais maiores foram divididas em regiões, sendo estas, por sua
vez, subdivididas em zonas fisiográficas, caracterizadas por elementos de
ordem humana.

Possibilismo e região

O possibilismo considera de modo diferente a questão da região. Não é


a região natural, e sua influência sobre o homem, que domina o temário dos
geógrafos possibilistas. É, sem dúvida, uma região humana vista na forma da
geografia regional que se torna seu próprio objeto. A região considerada é
concebida como sendo, por excelência, a região geográfica. Assim, os
conceitos de região natural e região geográfica, tal como esta será definida,
são distintos, tanto no que se refere às suas bases empíricas, como aos seus
propósitos.
Reagindo ao determinismo ambiental, o possibilismo considera a
evolução das relações entre o homem e a natureza, que, ao longo da história,
passam de uma adaptação humana a uma ação modeladora, pela qual o
homem com sua cultura cria uma paisagem e um gênero de vida, ambos
próprios e peculiares a cada porção da superfície da Terra.
Com diferenças em maior ou menor grau, estas idéias aparecem na
França no final do século passado com Paul Vidal de Ia Blache, na Alemanha
da primeira década deste século com Otto Schlüter, e nos Estados Unidos, em
1925, com Carl Sauer, que se inspirou nos dois mencionados autores. Em
todos os três casos trata-se da mesma reação ao determinismo ambiental e ao
seu correspondente conceito de região natural.
A região geográfica abrange uma paisagem e sua extensão territorial,
onde se entrelaçam de modo harmonioso componentes humanos e natureza. A
idéia de harmonia, de equilíbrio, evidente analogia organicista que Vidal de Ia
Blache adota, constitui o resultado de um longo processo de evolução, de
maturação da região, onde muitas obras do homem fixaram-se, ao mesmo
tempo com grande força de permanência e incorporadas sem contradições ao
quadro final da ação humana sobre a natureza.
Região e paisagem são conceitos equivalentes ou associados, podendo-
se igualar, na geografia possibilista, geografia regional ao estudo da paisagem.
E esta equivalência tem apoio lingüístico: em francês paysage (paisagem) vem
de pays (pequena região homogênea); em alemão a palavra landschaft tem
dois sentidos: paisagem e extensão de um território que se caracteriza por
apresentar aspecto mais ou menos homogêneo; em inglês landscape designa
paisagem, e Sauer usou o termo como sinônimo de região.
A região geográfica assim concebida é considerada uma entidade
concreta, palpável, um dado com vida, supondo portanto uma evolução e um
estágio de equilíbrio. Neste raciocínio, chegar-se-ia à conclusão de que a
região poderia desaparecer. Sendo assim, o papel do geógrafo é o de
reconhecê-la, descrevê-la e explicá-la, isto é, tornar claros os seus limites, seus
elementos constituintes combinados entre si e os processos de sua formação e
evolução. Neste aspecto, a região geográfica dos possibilistas não se
diferenciava da região natural.
No processo de reconhecimento, descrição e explicação dessa unidade
concreta, o geógrafo evidenciava a individualidade da região, sua
personalidade, sua singularidade, aquela combinação de fenômenos naturais e
humanos que não se repetiria.
A concretude e individualidade de cada região são ainda reconhecidas
pela sua população e as das regiões vizinhas; isto se explica pelo fato de cada
região possuir um nome próprio único, que todos conhecem a partir de uma
vivência plenamente integrada à região: pays de Caux,pays de Ia Brie, Agreste,
Brejo, Campanha Gaúcha etc.
A região geográfica definida por Vidal de Ia Blache e seus discípulos tem
seus limites determinados por diversos componentes: uma fronteira pode ser o
clima, outra o solo, outra ainda a vegetação. O que importa é que na região
haja uma combinação específica da diversidade, uma paisagem que. acabe
conferindo singularidade àquela região. Não se trata de um corte mais ou
menos arbitrário na distribuição desigual de um determinado elemento sobre a
superfície da Terra. Os esquemas a seguir, apoiados em Yves Lacoste (1976),
exemplificam a questão dos limites e da individualidade da região. As figuras
1a a 1d indicam a divisão de um mesmo segmento de terra de acordo com
quatro elementos. Cada um deles apresenta uma diferencialidade espacial,
inerente à sua própria natureza.
Figura 1

Da sua superposição, formam-se 10 regiões, cada uma marcada pela


combinação singular dos 4 elementos considerados: assim, há apenas uma
única região ACEG e uma única outra denominada ACFG conforme aparece na
figura 1e.
O conceito vidaliano de região recebeu inúmeras críticas de Lacoste e
de Claval. O primeiro dos geógrafos franceses comenta que na escolha dos
elementos que se combinam há uma seletividade que considera apenas os
antigos, de longa duração, desprezando os elementos de origem recente. Isto
significa que, implicitamente, concebe-se a região como uma entidade
acabada, concluída. Ademais, a concepção vidaliana impõe um único modo de
se pensar a divisão da superfície da Terra, esquecendo a diferencialidade
espacial de cada elemento (ver figura 1a a 1d), e o fato de que outros
segmentos do espaço podem ser mais úteis. A concepção vidaliana de região
implica uma postura empirista, na medida em que ela é vista como algo dado,
auto-evidente. Finalmente, a idéia de harmonia não é adequada às sociedades
estrutura das em classes sociais.
Claval, por sua vez, lembra o fato de que, por não haver um critério
sistemático para se identificar regiões, os resultados obtidos indicam a sua
diversidade, às vezes constituindo uma realidade natural, mas na maioria dos
casos condicionada histórica e economicamente. Era difícil teorizar sobre o
assunto, especialmente porque não se admitia a aplicação dos procedimentos
de utilização geral. Por outro lado, constatou-se que os elementos humanos
passavam a adquirir maior importância que os naturais no processo de gerar as
regiões geográficas. Atingia-se o paradigma possibilista, fundado nas relações
entre o homem e a natureza e expresso na região geográfica. Na verdade,
estudos regionais focalizados em temas específicos começaram a surgir na
geografia regional francesa.
No Brasil, conforme já se indicou, as zonas fisiográficas, a despeito do
nome, foram fundamentadas no conceito de região geográfica de Vidal de Ia
Blache: sua aplicabilidade se deu na medida em que formaram bases
territoriais agregadas, através das quais foram divulgados os resultados dos
recenseamentos de 1950 e 1960. Já as regiões homogêneas, através das
quais se divulgaram os resultados dos recenseamentos de 1970 e 1980,
constituem uma tentativa de atualização das zonas fisiográficas, adotando-se
implicitamente o essencial das idéias vidalianas, apesar dos casos de exceção
(áreas metropolitanas) e do discurso eminentemente indicador do paradigma
da nova geografia.

Nova geografia, classes e região

A nova geografia, fundamentada no positivismo lógico, tem a sua própria


versão de região, que se opõe àquelas associadas aos paradigmas do
determinismo ambiental e do possibilismo. A região, neste novo contexto, é
definida como um conjunto de lugares onde as diferenças internas entre esses
lugares são menores que as existentes entre eles e qualquer elemento de outro
conjunto de lugares.
As similaridades e diferenças entre lugares são definidas através de uma
mensuração na qual se utilizam técnicas estatísticas descritivas como o desvio-
padrão, o coeficiente de variação e a análise de agrupamento. Em outras
palavras, é a técnica estatística que permite revelar as regiões de uma dada
porção da superfície da Terra. Nesse sentido, definir regiões passa a ser um
problema de aplicação eficiente de estatística: considerando-se os mesmos
território, propósitos e técnica estatística, duas divisões regionais deverão
apresentar os mesmos resultados, independentemente de terem sido feitas por
dois pesquisadores distintos. A divisão regional assim concebida pressupõe
uma objetividade máxima, implicando a ausência de subjetividade por parte do
pesquisador. A figura 2 procura exemplificar uma divisão regional hipotética: o
território foi dividido em três regiões, e em cada uma delas as diferenças
internas são muito pequenas, quando se pensa nelas em comparação às
outras regiões.
Se as regiões são definidas estatisticamente, isto significa que não se atribui a
elas nenhuma base empírica prévia. São os propósitos de cada pesquisador
que norteiam os critérios a serem selecionados para uma divisão regional. Se a
intenção é definir regiões climáticas, utilizam-se então informações pertinentes
ao clima; no caso de elas serem agrícolas, fontes relacionadas seriam usadas.
Ao contrário da região vidaliana, a da nova geografia não é considerada uma
entidade concreta, e sim uma criação intelectual balizada por propósitos
especificados, tal como aponta Grigg6.
Na ampla possibilidade de aparecimento dos propósitos de divisão
regional, há dois enfoques que não se excluem mutuamente. O primeiro
considera as regiões simples, ou então complexas. No caso das regiões
simples, estamos considerando uma divisão regional de acordo com um único
critério ou variável, originando regiões segundo, por exemplo, o nível de renda
da população, da criação de bovinos ou de tipos de solos. No segundo caso,
levamos em conta muitos critérios ou variáveis (usualmente reduzidas a umas
poucas através de uma técnica estatística mais sofisticada, a análise fatorial).
Um exemplo de divisão regional complexa é a divisão de um país em regiões
econômicas, envolvendo, entre outras, variáveis como a densidade
demográfica, a renda da população, a produção agropecuária e industrial e a
urbanização. O segundo enfoque visa as regiões homogêneas, ou então
funcionais. Trata-se de uma visão dicotomizada, que perde aquela
característica de integralidade que a região natural e a vidaliana passavam.
Cada uma dessas duas regiões pode ser focalizada como simples ou
complexa.
Por região homogênea, estamos nos referindo à unidade agregada de áreas,
descrita pela invariabilidade (estatisticamente considerada) de características
analisadas,estáticas, sem movimento no tempo e no espaço: a densidade de
população, a produção agropecuária, os níveis de renda da população, os tipos
de clima e as já mencionadas regiões naturais. Um pays, tal como Vidal de Ia
Blache o define, seria uma região homogênea complexa, quando pensada em
termos da nova geografia. Para este paradigma, a região-síntese seria um dos
muitos possíveis casos de divisão regional.
As regiões funcionais, apesar da inadequação do termo, são definidas
de acordo com o movimento de pessoas, mercadorias, informações, decisões e
idéias sobre a superfície da Terra. Identificam-se, assim, regiões de tráfego
rodoviário, fluxos telefônicos ou matérias-primas industriais, migrações diárias
para o trabalho, influência comercial das cidades etc.
Convém frisar que as regiões homogêneas e funcionais tendem a ser
mutuamente excludentes no mundo capitalista, pois dizem respeito a
fenômenos que se comportam, cada um deles, com espacialidade própria.
Verifica-se, como já vimos, que os propósitos dos pesquisadores, em
termos acadêmicos, ou de vinculação explícita ao sistema de planejamento,
são diretamente proporcionais às possibilidades de se estabelecerem divisões
regionais. Mais ainda, para qualquer fenômeno que necessariamente tenha
uma expressão espacial é possível o estabelecimento de uma divisão regional:
deste modo, pode-se dar conta, no plano descritivo e classificatório, daquela
diferencialidade espacial de que nos fala Yves Lacoste.
Na nova geografia, o conceito de sistema de regiões (já estabelecido
muitos anos atrás por geógrafos "tradicionais" como Unstead) está calcado
explicitamente nos princípios da classificação, tal como se adota nas ciências
da natureza, como a botânica. A analogia com as ciências naturais, uma das
marcas do positivismo lógico, aparece claramente quando a nova geografia
estabelece o conceito de região. Bunge7 estabelece explicitamente a
comparação entre termos regionais e termos classificatórios, termos de duas
linguagens diferentes. Vejamos alguns exemplos:

Termos regionais Termos classificatórios


a) Região uniforme a) Classe de área
b) Sistema regional b) Sistema classificatório
c) Região definida com um c) Classificação com uma única
único aspecto categoria
d) Região definida com aspectos d) Classificação com mais de uma
múltiplos categoria
e) Lugar e) Indivíduo
f) Elementos da geografia f) Características diferenciadoras
g) Geografia regional g) Atenção focalizada em classes de
h) Core da região área
i) Limite regional h) Indivíduos modais e indivíduos
j) Escala similares
i) Intervalo de classe
j) Número de classes de área

Deste modo, a região torna-se uma classe de área constituída por


diversos indivíduos similares entre si. Várias classes de área organizam-se em
um sistema classificatório. Tal sistema pode ser concebido de dois modos:
através da divisão lógica e do agrupamento. Vejamos cada um deles.
A divisão lógica é uma classificação caracterizada pela divisão sucessiva
do todo (superfície da Terra ou de um país, por exemplo) em partes. Dedutiva,
de cima para baixo, pressupõe que o pesquisador já tenha uma visão do todo e
queira, analiticamente, chegar a identificar, através de critérios selecionados,
as partes componentes do todo, os indivíduos (lugares). A figura 3 esquematiza
a divisão lógica. O todo, representado pela letra A, é subdividido em duas
classes (regiões), que têm em comum o fato de apresentarem a característica
A, e de diferenciação entre elas as características x e y. A classe (região) Ax
subdivide-se em outras duas: Axa e Axb.

Convém frisar que a divisão lógica tem sido muito pouco empregada na
nova geografia, porque esta fundamentou o conhecimento da realidade a partir
de uma' trajetória ascendente, do indivíduo para o todo, pelo segundo dos
modos referidos, o agrupamento. Contudo, um exemplo clássico do uso da
divisão lógica é o das regiões naturais de Herbertson.
O agrupamento ou classificação indutiva caracteriza-se pelo fato de
partir-se do indivíduo (lugar, município) e, progressivamente, por agregação,
que implica a perda de detalhes ou generalização crescente, chegar-se ao
todo.
O procedimento por sínteses sucessivas, ao contrário da divisão lógica, não
pressupõe conhecimento prévio do todo, que pode ser obtido
indutivamente,agregando-se, pouco a pouco, o conhecimento sobre as partes.
A figura 4 representa um esquema de agrupamento. Existem, no exemplo, 8
indivíduos que constituem o agrupamento mais inferior, de 1ª ordem.
Possuindo características comuns, são agrupados em 4 classes de áreas ou
agrupamento de 2ª ordem, que por sua vez agrupam-se em 2 classes de 3ª
ordem. No passo seguinte, chega-se ao todo.

Os dois modos de se estabelecer um sistema regional ou uma hierarquia


de regiões apresentam ainda uma diferença fundamental, ressaltada aqui para
que se tenha clareza das condições de um ou de outro modo a ser adotado. A
divisão lógica, na medida em que é um procedimento de trajetória
descendente, procura diferenciações entre os lugares, enquanto o
agrupamento, ascendente, procura regularidades. E diferenciações e
regularidades são meios complementares de se conhecer a realidade.
Do processo de divisão regional emerge a questão de se definir tipos, e
uma tipologia, ou regiões. Os tipos caracterizam-se pelos seus atributos
específicos, não implicando a existência de contigüidade espacial, tal como
Herbertson definiu os quadros naturais: o tipo polar, como se sabe, ocorre tanto
no hemisfério sul como no norte. A região, por outro lado, a par de sua
especificidade, pede seqüência no espaço, A figura 5 procura esclarecer esta
questão. Indica ela 5 tipos dos quais 2 ocorrem, cada um, em 3 áreas distintas
e não contíguas espacialmente: ao total há 9 regiões.

Como vimos, no processo de divisão regional pode-se definir uma


tipologia, tal como fizeram Herbertson e Koppen, ou se chegar a uma
segmentação da superfície da Terra em regiões. No primeiro caso, estamos
considerando os fenômenos na visão do que se convencionou denominar de
geografia sistemática; no outro, da geografia regional.
Um último aspecto deve ser considerado. Na nova geografia não existe,
como na hartshorniana, um método regional, e sim estudos nos quais as
regiões formam classificações espadas. Em outras palavras, identificam-se
padrões espaciais de fenômenos vistos estaticamente ou em movimento. Neste
sentido, a região adquire, junto à sua inexistência como entidade concreta, o
sentido de padrão espacial. A geografia regional, por sua vez, não tem o
propósito de reconhecer uma síntese, como em Vidal de Ia Blache, nem de
procurar pela singularidade de cada área, como em Hartshorne.
Os estudos de geografia regional ou de área são realizados dentro de
propósitos preestabelecidos. A partir de uma referência teórica, como a das
localidades centrais ou a do uso agrícola da terra, ou de um suposto problema,
como o do desenvolvimento regional, estuda-se um segmento da superfície da
Terra. Isto quer dizer que a área é vista como laboratório de estudos
sistemáticos, realimentando os referenciais teóricos que estes formulam.
Assim,
na nova geografia, estudos sistemáticos e de área não se distinguem entre si:
mais do que uma complementação, eles são, em última instância, a mesma
coisa.
No Brasil, a nova geografia desenvolveu-se nos Departamentos de
Geografia de Rio Claro e de Estudos Geográficos do IBGE; aí surgiram os
estudos de tipologia e divisão regional dentro da concepção em pauta. Sobre o
assunto consultem-se os periódicos Boletim de geografia teorética e Geografia,
editados em Rio Claro, e a Revista brasileira de geografia, editada pelo IBGE,
especialmente os números referentes à década de 70.

Região e geografia crítica

Dentro do questionamento à geografia tradicional e à nova geografia,


aparece durante a década de 70 uma geografia crítica, que traz consigo a
necessidade de se repensar o conceito de região. Assim, discute-se a postura
empirista que caracteriza as definições vidaliana e da nova geografia. Lacoste,
por exemplo, refere-se à concepção vidaliana de região como sendo um
"conceito-obstáculo", que nega outras possibilidades de se dividir a superfície
da Terra; por outro lado, as classes de área da nova geografia podem acabar
constituindo-se em um exercício acadêmico sofisticado.
Deste posicionamento crítico fazem parte também geógrafos brasileiros.
Assim, entre outros, Aluízio Duarte8 comenta que, a partir do materialismo
histórico e da dialética marxista, diversos pesquisadores introduziram, na
década de 70, novos conceitos visando uma definição de região. Assim,
consideram-se o conceito de região e o tema regional sob uma articulação dos
modos de produção, como faz Lipietz; através das conexões entre classes
sociais e acumulação capitalista, conforme é o caso de VilIeneuve; por meio
das relações entre o Estado e a sociedade local, mostradas por Dulong; ou
então, introduzindo a dimensão política, conexão de Chico de Oliveira ao fazer
a elegia do Nordeste brasileiro.
Duarte tem suas proposições sobre a região: para ele, é
uma dimensão espacial das especificidades sociais em uma totalidade
espaço-social,

capaz de opor

resistência à homogeneização da sociedade e do espaço pelo capital


monopolístico e hegemônico ....

Para ele, se não há uma elite regional capaz de opor a aludida resistência,
então não existe região.

Regiões são espaços em que existe uma sociedade que realmente


dirige e organiza aquele espaço.

Esta conceituação tem, a nosso ver, o defeito de considerar região uma


situação que no capitalismo monopolista de hoje é cada vez mais inexistente.
As regiões tenderiam, assim, a desaparecer. Ou seja, não haveria mais
diferenciação de áreas. Acreditamos que, adotando-se esta visão, perder-se-ia
um conceito que tem a vantagem de permitir que nos localizemos nos
diferentes níveis em que a superfície da Terra pode ser dividida. E, sobretudo,
achamos que qualquer conceito pode ser repensado. No caso, sem que se
perca sua aplicabilidade universal.
O que segue é uma tentativa de inserir o conceito de região dentro de
um quadro teórico amplo, que permita dar conta da diversidade da superfície
da Terra sob a ação humana ao longo do tempo. Este quadro consiste na lei
do desenvolvimento desigual e combinado proposto por Trotsky.
A lei do desenvolvimento desigual e combinado expressa
particularmente uma das leis da dialética, a da interpenetração dos contrários.
Refere-se ao fato de ser cada aspecto da realidade constituído de dois
processos que se acham relacionados e interpenetrados, apesar de serem
diferentes e opostos. A contradição que daí decorre é característica imanente à
realidade e o elemento motor de sua transformação. Na lei que nos interessa,
os dois processos são, primeiro o da desigualdade e, depois, o da combinação.
Permite que se considere as diferenciações resultantes da presença de
fenômenos originados em tempos históricos diferentes coexistindo no tempo
presente. . .e no espaço.
Esta lei tem uma dimensão espacial, que se verifica através do processo
de regionalização, ou seja, de diferenciação de áreas. Dois aspectos devem
ser considerados, tendo em vista a compreensão das conexões entre a lei em
pauta e o conceito de região que dela surge. O primeiro deles se refere à
gênese e à difusão do processo de regionalização, e o segundo aos
mecanismos nos quais o processo realiza-se. Ambos estão interligados.
Em relação ao primeiro aspecto, é conveniente notar que a diferenciação
de áreas vincula-se à história do homem, não se verificando de uma vez e para
sempre. Tem uma gênese encontrada nas comunidades primitivas
indiferenciadas, que implicava uma semelhança do espaço enquanto resultado
da ação humana. Estas sociedades originárias tiveram, ao longo do tempo e do
espaço, um desenvolvimento diferenciado, isto é, os processos internos de
diferenciação e a difusão dos processos de mudança deram-se de modo
desigual9. Assim, o aparecimento da divisão social do trabalho, da propriedade
da terra, dos meios e das técnicas de produção, das classes sociais e suas
lutas, tudo isto se deu com enorme distância em termos espaço-temporais,
levando a uma diferenciação intra e intergrupos. Do mesmo modo, a difusão
dos processos de mudança fez-se desigualmente, reforçando a diferenciação
de áreas.
As desigualdades que aparecem caracterizam-se pela combinação de
aspectos distintos dos diversos momentos da história do homem. Isto resulta
no aparecimento de grupos também distintos ocupando específicas parcelas da
superfície da Terra, e aí imprimindo suas próprias marcas, a paisagem, que
nada mais é que uma expressão de seus modos de vida.
Uma vez iniciada a difusão do processo de regionalização, de
diferenciação de áreas, via contatos comerciais, migrações e conquistas, esta
assume ritmos distintos, isto é, duração e intensidade que variam. Em
determinados momentos e áreas, a regionalização dá-se com maior rapidez e
profundidade: a diferenciação de áreas é aí mais notável. Simultaneamente,
em outras áreas não ocorre este processo ou ele é extremamente lento.
Tomemos um exemplo para esclarecer este ponto: a partir da década de 30, o
Paraná vê-se sob um intenso processo de regionalização, que prossegue nas
décadas subseqüentes, originando o aparecimento, entre outras regiões,
daquelas que se convencionou denominar de norte velho, norte novo e norte
novíssimo.
Na década de 80, esta distinção não tem a mesma expressão que tinha,
pois os mecanismos que geraram a diferenciação regional foram alterados em
sua concretude, e uma nova regionalização põe-se em marcha. Ao mesmo
tempo, na década de 30 e seguintes, a vastíssima área da Amazônia brasileira
apresentava-se pouco diferenciada: a diversificação interna começa a se tornar
sensível a partir de 1970, quando, impulsionada do exterior, verifica-se a
penetração desigual do capital e de correntes migratórias.
Este processo de diferenciação estende-se pela década de 80 e
certamente prosseguirá pelos próximos decênios. Em relação ao segundo
aspecto, vinculado aos mecanismos utilizados pelo processo de regionalização,
vale lembrar que, na medida em que a história do homem acontece, marcada
pelo desenvolvimento das forças produtivas, pela dinâmica da sociedade de
classes e de suas lutas, o processo de regionalização torna-se mais complexo.
Por complexidade entendemos o fato de o processo de regionalização retalhar
ainda mais o espaço ocupado pelo homem em numerosas regiões e,
concomitantemente, integrá-las.
É no modo de produção capitalista que o processo de regionalização se
acentua, marcado pela simultaneidade dos processos de diferenciação e
integração, verificada dentro da progressiva mundialização da economia a
partir do século XV. Sob a égide do capital, os mecanismos de diferenciação de
áreas tornam-se mais nítidos, quais sejam:
a) a divisão territorial do trabalho, que define o que será produzido aqui e ali;
b) o desenvolvimento dos meios e a combinação das relações e técnicas de
produção de produção originadas em momentos distintos da história, que
definem o como se realizará a produção;
c) a ação do Estado e da ideologia que se especializa desigualmente,
garantindo novos modos de vida e a pretensa perpetuação deles;
d) a ampla articulação, através dos progressivamente mais rápidos e eficientes
meios de comunicação, entre as regiões criadas ou transformadas pelo e para
o capital.

A lei do desenvolvimento desigual e combinado traduz-se, assim, no


processo de regionalização que diferencia não só países entre si como, em
cada um deles, suas partes componentes, originando regiões desigualmente
desenvolvidas mas articuladas. Sob o capitalismo queremos crer que a noção
de combinação deve ser explicitamente referida não apenas à coexistência no
mesmo território de diferentes modos de vida, mas também à articulação
espacial destes territórios.
A região pode ser vista como um resultado da lei do desenvolvimento
desigual e combinado, caracterizada pela sua inserção na divisão nacional e
internacional do trabalho e pela associação de relações de produção distintas.
Estes dois aspectos vão traduzir-se tanto em uma paisagem como em uma
problemática, ambas específicas de cada região, problemática que tem como
pano de fundo a natureza específica dos embates que se estabelecem entre as
elites regionais e o capital externo à região e dos conflitos entre as diferentes
classes que compõem a região. Os conflitos oriundos dos embates entre
interesses internos, bem como entre interesses internos e externos, podem
gerar uma desintegração da região, que se exprimirá na sua paisagem.
Tendo isto em vista, pode-se dizer que a região é considerada uma
entidade concreta, resultado de múltiplas determinações, ou seja, da efetivação
dos mecanismos de regionalização sobre um quadro territorial já previamente
ocupado, caracterizado por uma natureza já transformada, heranças culturais e
materiais e determinada estrutura social e seus conflitos. A região assim
definida assemelha-se em vários aspectos à vidaliana, podendo em muitos
casos ser idêntica nos seus limites. Conceitualmente, no entanto, não é a
mesma região, pois as diferenças vistas são numerosas. Ela não tem nada da
preconizada harmonia, não é única no sentido vidaliano ou hartshorniano, mas
particular, ou seja, é a especificação de uma totalidade da qual faz parte
através de uma articulação que é ao mesmo tempo funcional e espacial. Ou,
em outras palavras, é a realização de um processo geral, universal, em um
quadro territorial menor, onde se combinam o geral - o modo dominante de
produção, o capitalismo, elemento uniformizador - e o particular - as
determinações já efetivadas, elemento de diferenciação. Neste sentido,
concordamos com Duarte quando afirma que a região é

uma dimensão espacial das especificidades sociais em


uma totalidade espaço-social.

Uma observação considerando o futuro impõe-se: se o processo de


regionalização está em marcha, assim como a história do homem, como
pensar na existência de regiões sob o socialismo? Acreditamos, com base na
lei do desenvolvimento desigual e combinado, que, neste caso, o processo de
regionalização terá seu curso, refazendo regiões ou áreas diferenciadas. Por
quê? Os recursos naturais e os socialmente produzidos, como estradas,
fábricas e redes urbanas, estão desigualmente desenvolvidos sobre a
superfície da Terra, sendo difícil conceber-se, no modo de pensar influenciado
pelas práticas capitalistas, que no socialismo a questão da escassez e da
localização seletiva desses recursos tenha sido resolvida. Sob ação de que
mecanismos?
Certamente, e nos limites do nosso raciocínio, sob a influência de uma
nova divisão do trabalho, motivada por razões técnicas. Não é mais admissível
esta região – que poderá ter até outra denominação - exercer um meio de
controle sobre o homem que, na história, seguiu um caminho que o conduziu a
uma sociedade sem classes, sem dominação.

Região, ação e controle

O conceito de região tem sido largamente empregado para fins de ação


e controle. Mais precisamente, no decorrer da prática política e econômica de
uma sociedade de classes, que por sua própria natureza implica a existência
de formas diversas de controle exercido pela classe dominante, utilizam-se o
conceito de diferenciação de área e as subseqüentes divisões regionais,
visando ação e controle sobre territórios militarmente conquistados ou sob a
dependência político-administrativa e econômica de uma classe dominante.
Ao se definir uma região para fins de ação e controle, considera-se,
alternativamente: o conceito de região natural, tal como foi definido
anteriormente; o de região geográfica nos termos propostos, entre outros, por
Vidal de Ia Blache; e uma área vista por um aspecto ao qual se atribui
relevância, como uma determinada produção, um suposto problema social, a
gravitação em torno de uma cidade dotada de funções regionais, ou pertinente
a uma mesma bacia hidrográfica. Pode ainda, na realidade, abranger uma
combinação das alternativas mencionadas. Assim, as diferentes conceituações
de região estão presentes na prática territorial das classes dominantes. Como
os demais conceitos geográficos, o conceito de região não está desvinculado
de uma ação que é a um tempo social e espacial.
A ação e controle sobre uma determinada área quer garantir, em última
análise, a reprodução da sociedade de classes, com uma dominante, que se
localiza fora ou no interior da área submetida à divisão regional ou, como se
refere a literatura, à regionalização. Esta distinção parte da aceitação explícita
ou implícita da diferenciação de áreas ao longo da história. A sua ratificação ou
retificação se dá a cada momento, conforme os interesses e os conflitos
dominantes de cada época. São eles que, por outro lado, levam as unidades
territoriais de ação e controle, as regiões, a serem organizadas de modos
diferentes: de um lado, a partir de um governo de nível hierárquico inferior ao
do núcleo de dominação; de outro, de um mais ou menos complexo sistema de
planejamento especializado. Ambos cumprindo o papel de ação e controle.
Neste exemplo, o Estado, surgido dentro do modo de produção
dominante, é o agente da regionalização. A Antigüidade fornece-nos exemplos
da criação de regiões em um contexto de conquista territorial. Tanto o império
romano como o persa, estavam divididos em regiões ou unidades territoriais de
ação e controle. Regia e satrápia são denominações que designam essas
unidades.
As satrápias do império persa eram governadas pelos sátrapas, os
"olhos e ouvidos do rei"; a palavra região vem do latim regia, que por sua vez
deriva do verbo regere, isto é, governar, reinar. No feudalismo, a
regionalização, vista como forma de ação e controle, tinha sua expressão nas
marcas, nos ducados e nos condados, governados, respectivamente, por
marqueses, duques e condes. No capitalismo, as regiões de planejamento são
unidades territoriais através das quais um discurso da recuperação e
desenvolvimento é aplicado. Trata-se, na verdade, do emprego, em um dado
território, de uma ideologia que tenta restabelecer o equilíbrio rompido com o
processo de desenvolvimento. Este discurso esquece, ou a ele não interessa
ver, que no capitalismo as desigualdades regionais constituem, mais do que
em outros modos de produção, um elemento fundamental de organização
social.
Em muitos casos, a ação decorrente do planejamento regional
proporcionou um relativo progresso e uma maior integração da região ao modo
de produção capitalista, quer dizer, a região sob intervenção planejadora passa
a ficar sob maior controle do capital e de seus proprietários.
Um exemplo famoso encontra-se na bacia do rio Tennessee, onde atuou
o TVA (Tennessee Valley Authority), um organismo federal que visava a
recuperação daquela área social e economicamente deprimida do território
norte- americano. Inspirou outros que se apoiaram na concepção da bacia
hidrográfica como região de planejamento: o caso da Comissão do Vale do São
Francisco no nordeste brasileiro é exemplar. O da Sudene (Superintendência
do Desenvolvimento do Nordeste) é outro exemplo de região de planejamento
bastante conhecido. Aqui, trata-se de um território definido sobretudo por
limites político--administrativos, os quais encerram problemas sociais e
econômicos comuns. Já no caso da Amazônia, a ação da SPVEA
(Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia),
antecessora da Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia),
faz-se territorialmente em uma região natural.
Contudo, é notório que no sistema de planejamento desenvolveu-se a
concepção de existência da cidade, sobretudo do centro metropolitano, o foco
irradiador do desenvolvimento: ali se concentravam as forças motrizes do
progresso - a indústria e as elites, além -dos necessários serviços de apoio.
Logo após a l.a Guerra Mundial, na Inglaterra, na área de planejamento urbano
e regional (Town Planning Act), sugeriu-se a revisão das províncias com base
na influência das grandes cidades: Bristol, Birmingham, Leeds, Manchester etc.
A concepção em pauta iria ganhar maior expressão a partir da década
de 50, quando o capitalismo entra em nova fase de expansão e as teorias de
desenvolvimento regional são criadas. É o caso dos pólos de desenvolvimento
de François Perroux, do crescimento polarizado de lohn Friedmann, além da
teoria das localidades centrais de Walter Christaller, que, na verdade, é
retomada. Ao mesmo tempo, são revistos ou criados conjuntos de modelos e
noções associados: da regra ordem e tamanho de cidades, dos centros
dinamizadores, das cidades de porte médio e da difusão de inovações.
A região de planejamento, isto é, um território de ação e controle, tem
seu apogeu nas décadas de 60 e 70. Este é o caso brasileiro: entre 1964 e
1977/78, sobretudo, numerosos estudos almejando a definição de regiões de
planejamento foram realizados, seja a nível federal e macrorregional, seja a
nível estadual.
É muito significativo que a força aparente que teve este conceito fosse
concomitante ao estado de autoritarismo que caracterizou a vida brasileira e ao
relativamente forte poder da tecnocracia em detrimento do Congresso. A pouca
eficiência das regiões de planejamento enquanto via de redenção para as
condições de vida da maioria da população ali residente (afinal de contas, elas
eram sobretudo um discurso ideológico que servia para encobrir os interesses
das classes dominantes regionais e do capital externo) e a retomada da vida
democrática, com maior participação de vários segmentos da sociedade,
geraram um esvaziamento da sua própria aplicabilidade. A história dirá até
quando a região de planejamento capitalista será um meio de se exercer ação
e controle sobre a maioria da população.

4
Organização espacial
Na discussão sobre a natureza da geografia, a questão mais central,
persistente e polêmica é a de seu objeto. Está presente em Ratzel, Vidal de Ia
Blache, Hartshorne, na nova geografia e na geografia crítica. O objeto é a
paisagem, a região, o espaço? Ou será outra coisa? Acreditamos que para se
responder a esta pergunta há que se discutir antes o que é uma ciência social,
pelo menos no que diz respeito ao seu objeto.
A história, a antropologia, a economia, a geografia e a sociologia, entre
outras ciências sociais, estudam a sociedade. Esta é muito complexa,
multifacetada, sendo constituída por elementos como as classes sociais, as
artes, a cidade, o campo, o Estado, os partidos políticos, as religiões etc. Os
numerosos componentes da sociedade estão articulados, imbricados de tal
modo, que se fala de uma totalidade social, cuja complexidade abarca as
contradições internas e o movimento de transformação. Assim, torna-se difícil a
compreensão da sociedade a partir de uma única ciência social concreta,
capaz de analisar detalhadamente todos os seus elementos, bem como as
suas possíveis articulações.
Dada a dificuldade de se estudar a totalidade social em sua
abrangência, verifica-se uma divisão do saber, originando diferentes ramos. É
preciso, no entanto, deixar claro que não estamos falando de uma
compartimentação positivista, onde cada ciência tem seu próprio objeto,
achando-se separada das outras. No caso, as ramificações têm um objeto
comum, a sociedade, analisada à luz de uma mesma teoria, fundamentada no
materialismo histórico. O objeto da geografia é a sociedade, e não a paisagem,
a região, o espaço ou outra coisa qualquer.
A análise da sociedade, no entanto, é feita a partir de diversos ângulos.
A história, a antropologia, a economia, a geografia e a sociologia estudam-na
nesta perspectiva: o mesmo objeto é estudado, ou seja, objetivado,
diferentemente. É esta objetivação que as distingue entre si.
Como a geografia objetiva o estudo da sociedade? Ou seja, qual é a
objetivação da geografia que, sem deixar de ser uma ciência social, distingue-
se da história, antropologia, economia e sociologia, todas elas também ciências
sociais?
O longo processo de organização e reorganização da sociedade deu-se
concomitantemente à transformação da natureza primitiva em campos,
cidades, estradas de ferro, minas, voçorocas, parques nacionais, shopping
centers etc. Estas obras do homem são as suas marcas apresentando um
determinado padrão de localização que é próprio a cada sociedade.
Organizadas espacialmente, constituem o espaço do homem, a organização
espacial da sociedade ou, simplesmente, o espaço geográfico. A objetivação
do estudo da sociedade pela geografia faz-se através de sua organização
espacial, enquanto as outras ciências sociais concretas estudam-na através de
outras objetivações.
Resumindo, o objeto da geografia é, portanto, a sociedade, e a geografia
viabiliza o seu estudo pela sua organização espacial. Em outras palavras, a
geografia representa um modo particular de se estudar a sociedade.
Mas a organização espacial configura apenas uma objetivação, o modo
geográfico de se ver a totalidade social? É isto mas, ao mesmo tempo,
expressa um fenômeno da sociedade. Neste sentido, a organização espacial é
também um objeto, uma materialidade social.
Como materialidade, a organização espacial é uma dimensão da
totalidade social construída pelo homem ao fazer a sua própria história. Ela é,
no processo de transformação da sociedade, modificada ou congelada e, por
sua vez, também modifica e congela. A organização espacial é a própria
sociedade espacializada.
A organização espacial, enquanto objetivação e materialidade social, só
muito recentemente tem merecido uma atenção explícita, a nível teórico, por
parte dos geógrafos. A nossa intenção é resgatar o que é importante neste
conceito-chave para a geografia e a sociedade. Estamos, evidentemente, longe
de esgotar o assunto. Consideraremos, em termos de organização espacial, os
seguintes tópicos: uma proposição conceitual; suas ligações com o capital e o
Estado; vista como reflexo social; sua condição para o futuro; estrutura,
processo, função e forma, ou seja, suas categorias de análise e suas relações
com os movimentos sociais urbanos. Estes temas não são mutuamente
excludentes. Ao contrário, complementam-se. Organização espacial e
percepção, organização e comportamento espacial, espaço, sentimento e
simbolismo não serão abordados no presente trabalho.

Organização espacial: uma conceituação

A partir das necessidades do homem em termos de fome, sede e frio,


verifica-se uma ação de intervenção na natureza. De caráter social, envolvendo
um trabalho organizado coletivamente, implica uma certa divisão do trabalho e
a definição do quê, quanto e como será a produção. E ainda de que jeito
reparti-Ia. Surgem então relações sociais que têm sua essência na produção. É
no trabalho social que os homens estabelecem relações entre si e, a partir
destas, com a natureza.
A intervenção na natureza foi, em um primeiro momento, marcada pelo
extrativismo, passando em seguida por um progressivo processo de
transformação, incorporando a natureza ao cotidiano do homem como meios
de subsistência e de produção, ou seja, alimentos, tecidos, móveis, cerâmica e
ferramentas. Fala-se, assim, da natureza primitiva transformada em segunda
natureza, para empregar uma expressão de Marx.
Os campos cultivados, os caminhos, os moinhos e as casas, entre
outros, são exemplos de segunda natureza. Estes objetos fixos ou formas
dispostas espacialmente (formas espaciais) estão distribuídos e/ou
organizados sobre a superfície da Terra de acordo com alguma lógica. O
conjunto de todas essas formas configura a organização espacial da
sociedade. A organização espacial é a segunda natureza, ou seja, a natureza
primitiva transformada pelo trabalho social.
É conveniente esclarecer que a expressão organização espacial possui,
a nosso ver, vários sinônimos: estrutura territorial, configuração espacial,
formação espacial, arranjo espacial, espaço geográfico, espaço social, espaço
socialmente produzido ou, simplesmente, espaço. Dizer que cada uma delas
corresponde a uma específica visão de mundo e, ainda, que uma é melhor que
a outra constitui, a nosso ver, falsas assertivas, de natureza formal e
maniqueísta.
Vejamos agora dois pontos fundamentais para que se possa prosseguir.
Primeiramente, convém considerar que, se durante o processo de produção
não se pensar na sua continuidade, sua própria reprodução, este cessará
quando se finalizar a operação iniciada. É necessário que se criem no próprio
processo de produção as condições de sua reprodução; sendo assim, o
processo de produção é também de reprodução. Um grupo social tem a
mesma necessidade; caso contrário, teríamos o absurdo do mesmo durar
apenas o período de uma geração.
A reprodução dos grupos sociais faz-se através de muitos meios. A
transmissão do saber, formalizada ou não, constitui um. Outro, e dos mais
importantes, é a organização espacial. Ao fixar no solo os seus objetos, frutos
do trabalho social e vinculados às suas necessidades, um grupo possibilita que
as atividades desempenhadas por estes alcancem um período de tempo mais
ou menos longo, repetindo, reproduzindo as mesmas. Nestas condições, o
grupo social se reproduz, porque a reprodução das atividades ligadas às suas
necessidades viabiliza o próprio. A organização espacial, ou seja, o conjunto de
objetos criados pelo homem e dispostos sobre a superfície da Terra, é assim
um meio de vida no presente (produção), mas também uma condição para o
futuro (reprodução).
Em segundo lugar, a organização espacial é, como já vimos, expressão
da produção material do homem, resultado de seu trabalho social. Como tal,
refletirá as características do grupo que a criou. Em uma sociedade de classes,
a organização espacial refletirá tanto a natureza classista da produção e do
consumo de bens materiais, como o controle exercido sobre as relações entre
as classes sociais que emergiram das relações sociais ligadas à produção.
Coraggio10 fornece-nos um conjunto de reflexões sobre a organização
espacial no capitalismo.
Segundo Coraggio, o caráter repetitivo das operações de produção,
circulação, consumo, controle e decisão implicam que se tenha:
a) uma localização fixa no espaço dos meios de produção, circulação,
consumo, controle e decisão;
b) fluxos de força de trabalho e matérias-primas para o local em que cada
operação se realiza, de bens para as áreas de consumo, e de realimentação
destas para as áreas de direção e controle.
As localizações fixas e os fluxos resultam cristalizações constituídas por:
c) localizações pontuais ou em áreas dos meios necessários às operações de
produção, como fábricas, minas e campos;
d) localizações pontuais ou lineares dos meios de circulação como rodovias,
dutos, fios telegráficos, terminais e armazéns;
e) localizações pontuais ou áreas dos meios de vida consumidos individual ou
coletivamente, como habitação;
f) localizações pontuais dos elementos do sistema de controle e decisão, de
natureza financeira, política e ideológica.

Aparecem então padrões locacionais relativos às operações econômicas


e ao sistema de controle e decisão. Tais padrões, como se pode notar na
linguagem de pontos, linhas e áreas, referem-se à representação da
organização espacial através de mapas de escalas médias ou pequenas - por
exemplo, 1:100.000, 1:500.000, 1:1.000.000 ou mesmo 1:5.000.000, se
pensarmos em termos de Brasil. Os padrões espaciais resultantes dizem
respeito:
a) à dispersão ou concentração espacial da indústria;
b) às áreas rurais especializadas;
c) aos centros de transportes;
d) aos centros administrativos, universitários, religiosos etc.;
e) às localidades centrais;
f) às áreas residenciais intra-urbanas socialmente diferenciadas (isto implica
uma mudança para uma escala maior, por exemplo, 1:50.000 ou 1:25.000);
g) aos parques nacionais (reconstituição da natureza primitiva) etc.

A organização espacial é assim constituída pelo conjunto das inúmeras


cristalizações criadas pelo trabalho social. A sociedade concreta cria seu
espaço geográfico para nele se realizar e reproduzir, para ela própria se repetir.
Para isto, cria formas duradouras que se cristalizam sobre a superfície da
Terra. Caso contrário, insistimos, a sociedade se extinguiria.
O quadro a seguir, baseado em Coraggio e em M.Buch-Hanson e B.
Nielsen 2, procura sistematizar a cadeia de relações entre objetos, atividades,
elementos materiais, cristalizações e organizações espaciais específicas, que
originam a global, capitalista.

A organização espacial global resulta da superposição de diferentes


organizações espaciais específicas, como o quadro procura mostrar. Para cada
uma delas existe pelo menos uma proposição teórica, via de regra acrítica, que
procura dar conta da espacialização de um dos aspectos da totalidade social.
Assim, entre outras, foram elaboradas teorias: a da localização industrial, a do
uso agrícola, a do uso urbano, a das localidades centrais ou a da evolução da
rede de transportes. Mas esta é uma outra história, além dos propósitos deste
trabalho.
As relações entre as organizações espaciais específicas e a globalidade
destas podem ser vistas a partir de uma metáfora sugerida por Ruy Moreira,
apud Milton Santos (1982).
Imagine um ginásio esportivo polivalente. A quadra está organizada para
ali realizarem-se jogos de vôlei, basquete e futebol de salão. Para cada esporte
(atividade), a quadra (superfície da Terra) tem um zoneamento específico
(regiões), áreas limitadas por linhas onde há certas restrições ou penalidades.
Para cada jogo, há regras (leis, códigos morais) e um juiz (aparelho repressor).
Cada jogador (agente realizador de uma atividade) tem uma posição dentro da
quadra (localização da atividade) e há caminhos a serem percorridos pelo
jogador e a bola (fluxos, materiais ou não). Em outras palavras, para cada
esporte existe uma organização espacial específica.
Na quadra polivalente, no entanto, cada modalidade é praticada de uma
vez, não sendo possível a sua prática simultânea. A organização espacial
global, ao contrário, consiste na simultaneidade das específicas. Como se na
quadra polivalente estivessem sendo praticados ao mesmo tempo os três
mencionados esportes. Para que esta globalidade da organização espacial se
verifique torna-se necessário um certo nível de compatibilidade entre os
agentes modeladores da organização espacial. Isto acontece quer através da
ação coordenadora e repressora do Estado via planejamento territorial, quer
através da aliança de interesses das grandes corporações capitalistas, que são
capazes de organizar o espaço, ao menos parcialmente, segundo seus
interesses. Quando estes se concretizam, induzem outros agentes a utilizarem
as suas mesmas formas espaciais.
Assim, exemplificando, um corredor de exportação aberto ou melhorado
em função dos poderosos interesses vinculados à soja, como ocorre no sul do
Brasil, também é utilizado para outros fins e por outros agentes. Uma outra
forma espacial, a cidade, criada para cumprir determinadas atividades, pode
também servir a outras. Há, na realidade, no processo de ajuste entre agentes
e atividades, o aparecimento de um mecanismo de natureza econômica que é
denominado de economias de aglomeração: várias atividades juntas
beneficiam-se mutuamente umas das outras pela escala que criam, ao se
utilizarem das mesmas formas espaciais. Neste sentido, podemos afirmar que
as economias de aglomeração, na medida em que viabilizam o sucesso das
atividades, são economias locacionais para a reprodução. Os fenômenos de
concentração espacial que decorrem deste mecanismo têm a vantagem de
minimizar a complexidade da organização' espacial global. Não fossem as
economias de aglomeração, a dispersão, e não a concordância locacional,
caracterizaria sobremodo a organização espacial, pois em princípio cada
atividade tem suas próprias regras locacionais, a sua organização espacial
específica.

Organização espacial: capital e Estado

A organização espacial é o resultado do trabalho humano acumulado ao


longo do tempo. No capitalismo, este trabalho realiza-se sob o comando do
capital, quer dizer, dos diferentes proprietários dos diversos tipos de capital.
Também é realizado através da ação do Estado capitalista. Isto quer dizer que
o capital e seu Estado são os agentes da organização do espaço. Daí falar-se
em espaço do capital.
A ação do capital não se verifica de modo uniforme, quer em termos
temporais ou espaciais. Há uma diferenciação espaço-temporal nos
investimentos de capital. A seqüência de idéias a seguir relaciona-se a esta
distinção:
a) A própria dinâmica contraditória da acumulação capitalista que, em função
dos conflitos entre capital e trabalho e da concorrência dos capitalistas, gerou,
a partir das últimas décadas do século XIX, um processo de centralização e
concentração do mesmo envolvendo inicialmente as empresas industriais e
depois os bancos, surgindo daí o capital financeiro, conforme mostra Lênin12.
Este processo origina-se a partir de um determinado momento, sendo,
portanto, de natureza histórica.
b) A centralização e a concentração do capital têm uma expressão espacial
que é a sua internacionalização, o que Lênin denominou imperialismo. Este
não se dá, contudo, por igual: a superfície da Terra apresenta uma natureza
primitiva e uma segunda natureza que oferecem atrativos diferenciados para o
capital, que procura os lugares onde a sua remuneração é maior. E note-se
que o valor de um lugar para o capital pode mudar com o tempo.
c) O Estado capitalista tem progressivamente investido mais e mais,
contribuindo para a organização do espaço. Este crescente papel do Estado na
organização espacial está ligado às necessidades de socialização dos custos
necessários à acumulação do grande capital. A este não compensa mais
investir em ferrovias, sistemas de energia, habitação popular etc., ou seja, em
atividades pouco remuneradoras. Por outro lado, o investimento feito pelo
Estado nestes setores pouco rentáveis barateia os custos dos investimentos do
capital nos lucrativos. O Estado, em muitos casos, torna-se empresário,
diversificando seus investimentos. Esta função que passa a desempenhar
interessa ao grande capital, inserindo-se na dinâmica de acumulação
capitalista, apesar do discurso de alguns economistas burgueses, segundo o
qual, desta maneira, o Estado desvirtua o seu papel. Como se este fosse uma
instituição neutra, a-histórica, acima das classes sociais e dos interesses
dominantes.
d) Ao lado do grande capital, existe ainda aquele que não se ampliou, não se
diversificou, nem foi absorvido pelo primeiro. Está presente em todos os
setores, e muitas vezes vive à sua sombra, sob a sua dependência, efetivada
por subcontratos ou fornecendo matérias-primas e bens intermediários, ou
ainda viabilizando o grande capital, no papel de distribuidor varejista. Insere-se,
portanto, no processo de acumulação capitalista. Aí encaixa-se também o
denominado setor informal.
O grande capital, o Estado e o pequeno capital, cada um destes agentes
da organização espacial possui uma estratégia de ação que lhe é
aparentemente específica, e que inclui uma dimensão espacial.
A grande corporação capitalista pode, primeiramente, tomar decisões de
investimento em um ou outro setor e/ou lugar a partir de estudos de viabilidade
técnica que o pequeno capitalista não está capacitado a fazer. Por outro lado, a
grande corporação possui uma escala interna de operações de ordem tal que
prescinde da presença de outras atividades. As restrições locacionais que a
afetam são mínimas. Podem criar ou induzir à criação de uma série de
vantagens na sua própria escala ou investir no poder de pressão junto ao
Estado: quantos prefeitos, deputados, senadores e ministros não estão, nos
países capitalistas, direta ou indiretamente vinculados a uma ou mais
corporações?
Sendo assim, a grande corporação pode implantar um estabelecimento
fabril de porte considerável em uma pequena cidade, fechando ou não um
outro localizado em área metropolitana. Pode ainda criar um enclave em
localidades despovoadas ou desprovidas de infra-estrutura, fixando, além da
fábrica, um núcleo urbano onde tudo está sob seu controle: as habitações, os
serviços de educação e saúde, a polícia etc. São os casos de João Monlevade,
criada pela Companhia Siderúrgica Belga-Mineira, em Minas Gerais, de
Carajás, pelo "projeto" Carajás ou de Monte Dourado, pelo Jarí, as duas no
Pará. Nestas cidades, a grande corporação disporá de uma força de trabalho
cativa e sob controle.
Ela pode, ainda, dispersar a fabricação das partes componentes de um
produto final em vários países, de modo a minimizar possíveis problemas de
nacionalização. A grande corporação espalha a sua força de trabalho em
cidades próximas ao parque fabril. Neste caso, a intenção é dificultar possíveis
conflitos trabalhistas. Induz o Estado a instalar toda a infra-estrutura técnica,
bem como os conjuntos habitacionais necessários, criando, respectivamente,
distritos industriais e áreas residenciais.
Ao introduzirem um novo produto agrícola e a modernização tecnológica em
uma área rural, as grandes corporações podem, direta ou indiretamente, alterar
sua estrutura agrária: concentração fundiária, mudança nas relações de
produção com uma nova força de trabalho constituída por bóias-frias,
emigração do excedente demográfico etc. Aceleram, ainda, o processo de
exaustão dos solos e, em relação às cidades da área, alteram as suas funções,
pela diminuição da população de sua área de influência e pelo novo modelo de
demanda rural.
As grandes corpo rações criam, desse modo, não apenas uma
organização espacial própria, como inserem-se em uma prévia, alterando-a
parcial ou totalmente, de acordo com seus interesses. Fala-se, assim, repita-
se, do espaço do capital.
Vejamos alguns exemplos concretos. Um deles é dado pela corporação
multinacional Bunge y Bom. No Brasil, atua nos setores de óleos vegetais,
farinha de trigo, rações, adubos, produtos químicos, tecidos, cimento, seguros
etc., através de empresas como Sanbra (Sociedade Algodoeira do Nordeste
Brasileiro S.A.), Samrig (S.A. Moinho Rio Grandense), Moinho Fluminense S.A.
Indústrias Gerais, S.A. Moinho Santista Indústrias Gerais, Quimbrasil (Química
Industrial Brasileira S.A.), Serrana S.A. de Mineração, Tintas Coral S.A.,
Fábrica de Tecidos Tatuapé S.A., Santista Indústria Têxtil do Nordeste S.A.,
Cimbage (Cimento, Mineração Bagé S.A.) e Vera Cruz Seguradora S.A., entre
outras, em um total de aproximadamente 20 empresas, algumas das quais,
como a Sanbra, possuindo numerosos estabelecimentos filiais. A corporação
emprega milhares de pessoas e manipula anualmente outras tantas toneladas
de matérias-primas e produtos acabados.
Atuando em todo o território nacional, a Bunge y Bom atribui a cada uma
de suas áreas ou pontos um papel diferenciado, segundo suas possibilidades e
os interesses da corporação. A divisão territorial do trabalho é assim
influenciada por ela, que tem, por sua vez, a sua própria organização espacial:
escritórios nacionais, regionais e locais, usinas de beneficiamento, depósitos,
minas e fábricas.
É o caso, também, da Companhia de Cigarros Souza Cruz, do grupo
British American Tobacco, que possui fábricas em Porto Alegre, São Paulo, Rio
de Janeiro, Uberlândia, Salvador, Recife e Belém. Cada uma controla um certo
número de depósitos atacadistas localizados em centros de expressão
regional. Dos numerosos centros atacadistas faz-se a distribuição de cigarros
pelas cidades, vilas e povoa:dos da região de influência do centro atacadista.
Assim, cobrindo todo o território nacional, existe uma rede urbana da Souza
Cruz. Como ela também participa indiretamente na produção de fumo no sul do
Brasil, acaba interferindo na organização das áreas produtoras daquele
produto.
Considere-se agora o grupo Bradesco, que possui mais de 1.500
agências bancárias em todo o país. Tem também a sua própria rede urbana,
que é, na verdade, uma rede de drenagem, de acumulação de capital a ser
investido desigualmente pelo território nacional, como, por exemplo, em
dezenas de milhares de hectares de terra na Amazônia.
Ao lado da grande corporação ou mesmo da empresa moderna, de
menor ou maior porte, atua ainda, particularmente nos países
subdesenvolvidos, um enorme conjunto de atividades, muitas vezes de
natureza familiar, que não se utilizam do crédito nem -movimentam recursos
vultosos. Em vários casos, empregam como matéria-prima produtos usados e
não cumprem ou não têm nenhuma formalidade, quer administrativa, quer
vinculada ao mercado (atividades informais). Santos13 as denomina circuito
inferior da economia, em oposição às formais, pertencentes ao superior, ou
seja, o circuito moderno.
Estas atividades do circuito inferior não são independentes das outras,
mas um meio através do qual o processo de acumulação capitalista pode
incluir um setor que não é atrativo para a grande empresa. Além do mais,
garante determinado nível de subsistência para uma população aparentemente
marginalizada que não teria emprego fixo nas atividades modernas. Os
biscateiros, os ambulantes, as diversas oficinas de reparação semi-
clandestinas e as pequenas unidades de produção de sucedâneos de produtos
conhecidos são formas do circuito inferior.
Santos argumenta que, em áreas rurais pobres, a esfera de influência
dos pequenos centros urbanos é constituída sobretudo pela atuação das
atividades do circuito inferior: o poder aquisitivo desta população não permite o
consumo de produtos do circuito superior. As feiras do nordeste, forma de
mercado periódico, são exemplos típicos das atividades informais.
Por ter a sua ação vinculada sobretudo às necessidades de acumulação
do capital e à conseqüente reprodução social, o Estado age espacialmente de
modo desigual, à semelhança da grande corporação. Beneficia certas frações
do capital: faz-se presente através de empreiteiras, algumas delas
transformadas em grandes empresas. A abertura de estradas, o seu
asfaltamento, a cobrança e a transferência espacialmente desigual de
impostos, as leis de uso do solo geradoras do zoneamento urbano são, entre
outros exemplos, o modo de o Estado capitalista interferir. A par desta
performance, o Estado possui uma organização espacial de seus aparelhos
repressivo e ideológico: as comarcas, a organização espacial do aparato militar
e policial, os distritos educacionais e suas jurisdições e a localização periférica
das universidades federais fazem parte dela. Por outro lado, os monumentos
aos vencedores das lutas sociais, ao lado do esquecimento total dos vencidos,
constituem marcas da ação do Estado na organização espacial.
Temos, portanto, dentro dela, uma dimensão econômica extremamente
complexa, uma jurídico-política e uma ideológica. Estas três dimensões entre
cruzam-se e completam-se. Isto porque a organização espacial é um reflexo e
uma condição da sociedade.

Organização espacial: reflexo social

Produto da ação humana ao longo do tempo, a organização espacial é


um reflexo social, "conseqüência do trabalho e da divisão do trabalho",
conforme aponta Lefebvre14. É o resultado do trabalho social que transforma
diferencialmente a natureza primitiva, criando formas espaciais diversas sobre
a superfície da Terra.
Como o trabalho social e a sua divisão dão-se em um determinado tipo
de sociedade com certo nível de desenvolvimento das forças produtivas e um
modo dominante de suas relações, a organização espacial resultante refletirá
estas características básicas da sociedade. Refletirá o desenvolvimento das
forças produtivas e as relações de produção. E como estas últimas vão
traduzir-se em classes sociais e seus conflitos, a organização espacial as
espelhará.
Assim, a existência de estabelecimentos industriais, constituídos de
edifícios onde se produz, depósitos, pátios de carga e descarga e áreas para
futuras expansões, configura uma organização espacial em escala micro que
só aparece a partir do capitalismo. Do mesmo modo que um conjunto dos
mesmos, uns ao lado dos outros, separados por vias de tráfego pesado e ruas
de uso exclusivo das fábricas que ali se situam, tendo ainda nas proximidades
bairros operários. Considerando-se outra escala territorial, o mesmo se pode
dizer de um conjunto de cidades industriais próximas umas das outras, como
ocorre na área de Campinas, no Estado de São Paulo, ou no vale do Ruhr, na
Alemanha.
Semelhantemente, a organização espacial de uma propriedade rural no
meio-oeste americano do início do século XX difere daquela dos dias de hoje.
Um certo grau de autarcia e um menor nível tecnológico implicavam a
existência de mais variedade nos cultivos e na criação de animais, bem como
em usos distintos das suas edificações.
José Lins do Rego, ao romancear a história da organização sócio-
espacial da zona da mata paraibana nos romances Menino de engenho,
Bangüê, Fogo morto e Usina, entre outros, mostra muito bem como se deram
as mudanças de organização espacial a partir das relações de produção - do
escravo ao "morador de condição" e ao assalariado - e do desenvolvimento
tecnológico - do engenho bangüê à pequena e à grande usina. A cada
momento, refletia os dois aspectos. O bangüê, a casa-grande, a senzala, os
"partidos" de cana, os cultivos de subsistência e a própria dimensão espacial
do estabelecimento produtor de açúcar refletem um estágio da organização da
sociedade local. Os amplos canaviais, a imponente usina com sua alta
chaminé,
as linhas férreas cortando o canavial, a ausência de cultivos de subsistência e
a presença de antigos bangüês, agora de fogo morto, caracterizam outro
estágio.
Fosse José Lins do Rego vivo, certamente prosseguiria o "ciclo da cana"
reportando-se, entre outros aspectos, à ocupação canavieira nos tabuleiros,
áreas de solos arenosos porém planos, que somente após a década de 60, à
custa de enorme investimento tecnológico compensado pelos altos preços do
açúcar no mercado internacional, foram incorporados à organização espacial
canavieira. Reportar-se-ia ainda às dificuldades, devido aos tratores e à
maquinaria pesada, de se utilizar as até então ricas e valorizadas várzeas
constituídas de solos argilosos – o massapê -, solos pesados que se
transformam em impiedosos lamaçais durante a época das chuvas, o "inverno".
Buch-Hanson e Nielsen apresentam, por outro lado, três modelos que
descrevem sucintamente a organização de três sociedades. A figura 6a refere-
se à sociedade feudal posterior ao século X, quando se verifica um
renascimento do fenômeno urbano. Trata-se de uma organização espacial
constituída de células fechadas, pouco articuladas entre si. Cada uma delas
apresenta condições de satisfazer à quase totalidade das necessidades de vida
da grande maioria da população. No centro localiza-se um burgo, que tem em
torno de si um território com aldeias rurais. A economia aldeã era praticamente
autárcica, de subsistência, com um mínimo de excedentes, comercializados no
burgo com a produção dos artesãos. As ligações entre os burgos, por sua vez,
eram extremamente limitadas: não há trocas entre centros semelhantes. Esse
padrão celular deve-se ao pequeno desenvolvimento das forças produtivas e à
pequena divisão social e territorial do trabalho, tornando os horizontes
espaciais extremamente reduzidos.
A figura 6b, por sua vez, refere-se à organização espacial da sociedade
colonial. Surgida a partir do século XV com a expansão mercantilista européia,
caracteriza-se, entre outros aspectos, pela primazia de uma cidade portuária,
ponto de escoamento de produtos valorizados na Europa e nos Estados Unidos
e de importação de produtos industrializados e sua redistribuição para a
hinterlândia. É, também, o centro de controle político e militar da colônia. A
rede de cidades e as vias de circulação assumem um padrão dendrítico, à
semelhança de um sistema fluvial, em cuja extremidade encontra-se a cidade
portuária.

Vários países da Ásia, África e América Latina apresentam uma organização


espacial semelhante a essa descrita pelo modelo.
Finalmente, a figura 6c reporta-se à sociedade capitalista avançada.
Como se pode ver, sua organização espacial é mais complexa. Complexidade
que se refere aos numerosos centros urbanos e suas hinterlândias e à densa
rede que os articula entre si. Esta organização espacial reflete a intrincada
divisão social e territorial do trabalho e a conseqüente natureza complementar
das atividades de cada lugar. Ao contrário da sociedade colonial, a capitalista
avançada está organizada para si mesma, dotada de um poderoso mercado
que implica sólidas relações internas e externas.
Deste modo, como dizem Buch-Hanson e Nielsen, cada sociedade tem a
sua própria geografia, a sua própria organização espacial.
Mas o seu caráter de reflexo social não diz respeito apenas ao presente.
A organização espacial acumula formas herdadas do passado. Elas tiveram
uma gênese vinculada a outros propósitos e permaneceram no presente,
porque puderam ser adaptadas às necessidades atuais, que não mudaram
substancialmente ao longo do tempo. As formas espaciais herdadas do
passado e presentes na organização atual apresentam uma funcionalidade
efetiva em termos econômicos ou um valor simbólico que justifica a sua
permanência.
A estas Milton Santos (1978) denomina rugosidades, um termo da
geomorfologia que designa as marcas do passado fixadas no espaço. Sua
presença acaba condicionando o nosso cotidiano. Ao se projetar este raciocínio
no tempo, pode-se afirmar que o presente condiciona o futuro, ou seja, as
formas espaciais presentes têm um importante papel no futuro da sociedade.

Organização espacial e reprodução

A organização espacial não é somente um reflexo da sociedade. Como


vimos, ao ser um reflexo, passa a ser simultaneamente uma condição para o
futuro da sociedade, isto é, a reprodução social. Este papel assume enorme
importância devido à crescente acumulação de formas espaciais que o
capitalismo contemporâneo cria, exemplificada com a progressiva urbanização
da humanidade. Na verdade, segundo Lefebvre, é o papel mais importante da
organização espacial:

a totalidade do espaço se converte no lugar da reprodução


das relações de produção,

relações estas que estão no centro da sociedade estruturada em classes


sociais.
Já vimos anteriormente por que a organização espacial é condição de
reprodução. Vejamos agora a questão mais detalhadamente, através de alguns
exemplos.
A concentração de atividades localizadas em um ponto do território,
maximizando a acumulação de capital para as mesmas, condiciona a
continuidade deste processo: os complexos industriais e as áreas
metropolitanas são exemplos típicos. O mesmo se pode dizer, mudando a
escala, das ruas caracterizadas por um único tipo de atividade - comércio de
móveis, confecções ou peças e acessórios de veículos. As vantagens advindas
da aglomeração induzem à reprodução do padrão espacial preexistente.
Os efeitos da ampliação do capital das empresas localizadas no centro
da cidade, somados às deseconomias de aglomeração, quer dizer, o
congestionamento do tráfego, a ausência de áreas para expansão ou o alto
preço da terra, traduzem-se na recriação de novas concentrações de atividades
em áreas distantes do centro da cidade e dotadas de algumas vantagens
locacionais como uma posição geográfica favorável. Reproduzem-se então
concentrações similares às do centro da cidade, através dos subcentros
comerciais, como Copacabana, Tijuca e Madureira, na cidade do Rio de
Janeiro.
Existe, de um lado, um processo de reprodução simples do espaço e, de
outro, ampliada. No primeiro caso, um local de concentração de atividades,
como o centro da cidade, expande-se vertical ou horizontalmente. Isto se dá
pelo aparecimento de novas empresas que são agregadas ao espaço já
constituído. No segundo caso, uma nova organização espacial é criada ou
alterada pelo aparecimento de subcentros comerciais, cuja forma mais
moderna é o shopping center, tais como Barra Shopping, Rio Sul, Ibirapuera,
Eldorado, BH Shopping, Iguatemi etc. O shopping center é, na verdade, o
resultado da fusão de capitais vinculados primordialmente ao setor financeiro,
imobiliário e comercial.
Esta reprodução ampliada do espaço é uma expressão espacializada do
processo de reprodução ampliada do capital, que se verifica simultaneamente à
sua centralização e concentração: os subcentros comerciais cresceram a partir
da instalação de filiais de empresas tradicionalmente localizadas no centro da
cidade, como as lojas de eletrodomésticos, e a expensas das pequenas
empresas comerciais dos bairros; nos shopping centers, só se arrenda o
espaço de uma loja para uma empresa que já possua uma cadeia delas.
Assim, reprodução ampliada do capital significa, no plano das empresas, uma
centralização, mas no plano espacial representa uma descentralização
recriadora. O papel da organização espacial como condição para a reprodução
social é mais evidente quando se consideram as diferentes classes sociais e
suas frações em um meio urbano. É, em grande parte, através da segregação
residencial que estas se reproduzem.
A origem da segregação residencial remonta ao próprio aparecimento
das classes sociais e da cidade, as quais se verificaram ao mesmo tempo,
sendo anteriores à emergência do capitalismo. A cidade asteca de Tenochtitlán
e a cidade kmer de Angkor Thom, no atual território cambojano, apresentavam
uma organização espacial caracterizada pela presença da elite junto ao centro
cerimonial e da população pobre na periferia.
É no capitalismo, contudo, que a segregação residencial torna-se mais
complexa, à medida que se amplia o processo de estruturação das classes
sociais e seu fracionamento. Novos modelos espaciais de segregação
aparecem impulsionados pelos diferentes agentes da organização espacial
urbana: proprietários fundiários, incorporadores imobiliários, industriais,
articulados em maior ou menor grau aos bancos, e o Estado.
São criadas, assim, periferias de autoconstrução, favelas em áreas
alagadiças ou de morros, cortiços, bairros dos diferentes segmentos da classe
média e as habitações suntuosas e seletivas dos capitalistas e executivos do
capital: os condomínios exclusivos, cercados e sob vigilância de uma polícia
particular, são a expressão acabada de uma elite que se impõe.
Como a segregação residencial viabiliza a reprodução das classes
sociais e suas frações? Pelo fato de as diversas áreas residenciais,
diferenciadas entre si, mas razoavelmente homogêneas quando consideradas
internamente, configurarem meios distintos para a interação social, da qual os
indivíduos derivam seus valores, expectativas, hábitos de consumo e estado de
consciência. A partir do bairro enxerga-se a cidade e o mundo. Um bairro e seu
sistema de valores estável possibilita maior reprodução do grupo social que ali
vive. Afinal de contas, espera-se que nas localidades onde hoje residem os
capitalistas esteja sendo forjada a próxima geração dos mesmos, Do mesmo
modo, de um bairro de empregados do comércio, de bancos e escritórios,
espera-se que saiam os futuros empregados destes setores. Para isto,
contribui a localização diferenciada dos serviços de uso coletivo: melhores
escolas, hospitais, policiamento, infra-estrutura básica, parques e jardins
localizam-se nas áreas residenciais mais nobres, minimizando os custos de
reprodução de seus já privilegiados habitantes.
E o que falar da periferia das grandes cidades brasileiras, habitada por
uma enorme e crescente força de trabalho não-qualificada, que tem parte de
seu tempo cotidiano desperdiçado com horas de viagens entre locais de
residência e de trabalho? A respeito da reprodução dos moradores da periferia,
Chico Buarque de Holanda tem enorme sensibilidade quando em "Pedro
pedreiro" escreve:
Pedro pedreiro, penseiro
Esperando o trem
. .......
E a mulher de Pedro
esperando um filho
Pra esperar também
.. ... .. .. . ..
Assim, a organização espacial do presente impacta sobre o futuro,
adquirindo aquilo que Milton Santos denomina de inércia dinâmica.

Estrutura, processo, função e forma

Segundo Milton Santos (1985), para se compreender a organização espacial e


sua evolução - quer dizer, a evolução da totalidade social espacializada -,
torna-se necessário que se interprete a relação dialética entre estrutura,
processo, função e forma. Estas são as categorias analíticas que permitem a
compreensão da totalidade social em sua espacialização,

como os homens organizam sua sociedade no espaço, e como a


concepção e o uso que o homem faz do espaço sofrem mudanças.
(MILTON SANTOS, 1985, p. 53.)

Segundo Santos, forma é o aspecto visível, exterior, de um objeto,


referindo-se ainda ao arranjo deles, que passam a constituir um padrão
espacial. Uma casa, um bairro, uma cidade e uma rede urbana são formas,
formas espaciais de diferentes escalas.Ê conveniente deixar claro que não se
pode considerar a forma de per si. Se assim o fizéssemos, cairíamos em uma
análise da forma pela forma, atribuindo a ela uma autonomia que não tem.
Estaríamos, ainda, deslocando a forma para o âmbito da geometria, a
linguagem da forma, caindo em um espacialismo estéril para a compreensão
da organização espacial.
Por outro lado, se considerássemos que a partir da forma seria possível
apreender a realidade em sua essência, incorreríamos em um grave erro.
Tratar-se-ia da apreensão de um aspecto da realidade, a sua aparência,
incapaz de permitir vê-Ia em sua concretização, porque sua essência aparece
nos processos e funções que emanam da estrutura, como se verá. Seria uma
pseudoêoncretização, conforme Kosik15.
Por sua vez, .a noção de função implica uma tarefa, atividade ou papel a
ser desempenhado pelo objeto criado. Assim, este tem um aspecto exterior,
visível – a forma - e desempenha uma atividade - a função. Habitar, viver o
cotidiano, a vida em suas variadas facetas - trabalho, compras, lazer -, visitar
parentes e consumir em outras cidades são algumas das funções associadas,
respectivamente, à casa, ao bairro, à cidade e à rede urbana.
A relação entre forma e função é, em princípio, direta: uma determinada
forma é criada paia desempenhar uma ou várias funções. E não existe função
sem a sua forma correspondente. Daí não se poder dissociar forma e função
no estudo da organização espacial. Contudo, apenas a consideração da forma
e da função não é suficiente para compreendê-la: estaríamos retirando da
realidade social a sua natureza histórica, isto é, as características sociais e
econômicas e suas transformações. Cairíamos em uma análise espacial de
cunho funcionalista.
Segundo Santos, o termo estrutura, relativo ao modo como os objetos
estão organizados, refere-se não a um padrão espacial, mas à maneira como
estão inter-relacionados entre si. Diferentemente da forma, a estrutura não
constitui algo que tenha uma exterioridade imediata. Ela é invisível, estando
subjacente à forma, uma espécie de matriz onde a forma é gerada. Estrutura é
a natureza social e econômica de uma sociedade em um dado momento do
tempo.
Por sua vez, processo é definido como uma ação que se realiza
continuamente, visando um resultado qualquer, implicando tempo e mudança.
Os processos acontecem dentro de uma dada estrutura social e econômica e
resultam das contradições internas da mesma. Com isto, estamos dizendo que
processo é uma estrutura em seu movimento de transformação. Se
considerarmos, portanto, apenas as categorias de estrutura e processo,
estaremos fazendo uma análise a-espacial, não-geográfica, absolutamente
incapaz de captar a organização espacial de uma dada sociedade em um dado
momento do tempo ou suas mudanças no mesmo. Considerando apenas a
estrutura e 'a forma, desprezando o papel do processo e da função,
deixaríamos de lado a mediação (processo e função) entre o que é subjacente
(a estrutura social e econômica) e o exteriorizado (a forma espacial). Perde-se
a história, os elementos dinâmicos de transformação, que põem a estrutura em
marcha, culminando na mudança ou permanência das formas espaciais.
Reafirmando, diríamos com Santos:

Forma, função, estrutura e processo são quatro termos disjuntivos


associados, a empregar segundo um contexto do mundo de todo dia.
Tomados individualmente, representam apenas realidades parciais,
limitadas, do mundo. Considerados em conjunto, porém, e relacionados
entre si, eles constroem uma base teórica e metodológica a partir da
qual podemos discutir os fenômenos espaciais em totalidade.
(MILTON SANTOS, 1985, p. 52.)

A partir da estrutura social e econômica, podemos considerar as inter-


relações entre estrutura, processo, função e forma. Uma dada estrutura social
e econômica possui seus processos intrínsecos que demandam funções a
serem cristalizadas em formas espaciais. Cessadas as razões que deram
origem a elas, podem desaparecer, dando origem a outras. A famosa
expressão destruição criadora refere-se à intensidade desta substituição no
capitalismo. Contudo, na sociedade capitalista, a força de permanência das
formas espaciais tem sido crescente.
O fato de muitas das formas construídas transformarem-se em capitais
fixos, apresentando ainda determinado nível de remuneração do capital
investido, ou então um certo valor para a sociedade, explica a força de inércia
que possuem. Ademais, muitas destas formas são dotadas de certa
flexibilidade que permite uma adaptação às exigências das novas funções
criadas em momentos posteriores à sua criação. Assim, o moderno, a função, e
o antigo, a forma, podem estar juntos, ao lado de funções e formas
contemporâneas, tornando complexa a organização espacial.
Vejamos um exemplo. É comum encontrarem-se áreas caracterizadas
por residências deterioradas, os cortiços, próximas ao centro das grandes
cidades capitalistas. São residências do século XVIII, XIX ou do início deste,
que foram habitadas no passado por famílias de alto status. A partir de um
determinado momento, abandonaram a proximidade do centro e foram habitar
novas residências construídas em bairros mais distantes do centro da cidade.
As antigas residências foram parcialmente substituídas por altos
edifícios, transformadas em escritórios ou lojas, ou ainda em cortiços habitados
por famílias de baixa renda: cada residência abriga várias famílias, cada uma
ocupando uma única peça e tendo em comum o banheiro e a cozinha. A velha
forma espacial ganha, com seu novo conteúdo, funções diferenciadas: fornecer
residência barata para parte da classe trabalhadora, via de regra constituída de
imigrantes, que tem seu mercado de trabalho junto ao centro, e permitir a
extração de uma renda para uma parcela dos proprietários dos imóveis
deteriorados. Estas funções, por sua vez, resultam de um processo que está no
centro da estrutura sócio-econômica capitalista, o de acumulação de capital
que, no caso em tela, implica a criação de novos bairros, a extração de uma
renda fundiária e o barateamento do custo da força de trabalho e de sua
reprodução, através de residências precárias e baratas próximas ao local de
trabalho.
Na análise da organização espacial, deve-se ter o cuidado de não se
iludir pela semelhança das formas espaciais. Formas semelhantes podem ser
oriundas de processos distintos, e realizarem funções diferentes. Isto significa
que, ao se transpor, por analogia, o conhecimento adquirido sobre uma forma
para outra, corre-se o risco de se cometer uma inferência errada. Não resta
dúvida de que podemos deduzir, com alguma precisão, as formas que podem
emergir de um determinado processo e sua função correspondente. No
entanto, o inverso não é verdadeiro. Formas semelhantes oriundas de
processos diferentes podem ser criadas em duas estruturas sociais e
econômicas distintas, visando, por exemplo, escamotear a realidade. A
flexibilidade das formas quanto ao seu uso assim o permite. Mas admitimos
que esta questão não está de todo resolvida.
A partir da compreensão das relações entre estrutura, processo, função
e forma, as categorias analíticas que dão conta da totalidade social em sua
espacialização, podem-se, sem receio de cair no empirismo, iniciar o estudo da
organização espacial de uma sociedade em um dado momento de sua história
pelas suas formas.

Espaço e movimentos sociais urbanos

A cidade tem-se constituído, ao longo da história, no principal local das


lutas sociais. As barricadas de Paris e as greves por toda parte são exemplos
destas lutas sociais que se verificam no espaço urbano capitalista, onde estão
as fábricas, os proprietários dos meios de produção, os operários, os diferentes
setores de classe média e os grupos marginalizados. Elas são a expressão dos
conflitos entre capital e trabalho.
A consciência da existência de uma organização espacial urbana
desigual, caracterizada por uma complexa divisão técnica e social do espaço,
associada a uma enorme diferença nas condições de vida dos diversos grupos
sociais da cidade, têm gerado, a partir da década de 60, um novo modo de
manifestação das lutas sociais. São os denominados movimentos sociais
urbanos.
A diferenciação na organização espacial da grande cidade latino-
americana é notável. Em relação às áreas residenciais, há bairros aprazíveis e
faraônicos, habitados por uma população de alto nível de renda – proprietários
dos meios de produção e assalariados regulares e bem-remunerados -, que a
par das belas e luxuosas residências, dispõem de uma boa infra-estrutura e
serviços adequados: água, esgoto, luz, calçamento, praças, parques, clubes,
policiamento, comércio de luxo, os melhores consultórios e clínicas médicas, e
excelentes escolas. Estes bairros localizam-se, normalmente, nos setores de
amenidades da cidade, em áreas de alto preço da terra.
Em oposição a estes bairros, há outros habitados por uma população de
baixo nível de renda, constituída por operários não-qualificados, humildes
empregados do setor terciário, subempregados e desempregados, que vivem
em favelas dispersas pelo espaço urbano, em conjuntos habitacionais
construídos pelo Estado, ou em precárias casas autoconstruídas pela própria
população em suas horas de repouso e lazer - caracterizando, portanto, um
sobretrabalho. Tanto os conjuntos habitacionais como as casas
autoconstruídas localizam-se na periferia do espaço urbano, em áreas
precariamente dotadas de infra-estrutura e serviços, e de baixo preço da terra.
Além destas áreas dispersas ou distantes do centro da cidade, os cortiços
existentes nas proximidades do centro abrigam uma determinada parcela da
população de baixo nível de renda.
Entre uma área e outra, localizam-se os bairros das diferentes frações
da classe média. Caracterizam-se por apresentarem aspectos que ora os
aproximam dos bairros populares, ora dos ricos.
A diferenciação do espaço urbano em termos residenciais tem, como já
se viu, o papel de viabilizar a reprodução das diferentes classes e suas frações.
Ela é percebida no trajeto para o trabalho, nos locais de residência e de
trabalho, nas viagens de compra, visitas e lazer, e nas informações
provenientes da enorme profusão dos meios de comunicação. A consciência
das diferenciações sócio-espaciais faz com que cada um destes espaços
residenciais seja também de reivindicações, específicas ao grupo social que ali
reside. Reivindicações que dizem respeito às condições de reprodução de cada
grupo social.
As exigências assumem uma expressão espacial através dos
movimentos sociais urbanos que se manifestam, não nos locais de trabalho,
com as greves, mas nos bairros, nos locais de reprodução das classes sociais
e suas frações. As reivindicações dizem respeito ao direito a uma habitação
decente, ao acesso aos vários equipamentos de consumo coletivo como água
e esgoto, ao direito de permanecer no local da residência e não ser transferido
compulsoriamente, ou seja, reivindicações pelo "direito à cidade". As
associações de moradores são os agentes através dos quais a mobilização
reivindicatória é processada.
Os movimentos sociais urbanos têm como origem as contradições
específicas da problemática urbana, que são, de um lado, aquelas entre as
necessidades coletivas de equipamentos como habitação, transporte, saúde e
cultura, e, ainda pensando em espaço, as contradições aparecem não apenas
no suporte da habitação, mas também na localização relativa face ao mercado
de trabalho, e, de outro lado, a lógica capitalista, que torna pouco rentável a
produção destes equipamentos pelo capital privado. A contradição entre o
modo individual de apropriação das condições de vida e o coletivo. de gestão
é, por sua vez, dificultada pela natureza privada e pulverizada dos agentes
econômicos, cujos interesses não se referem a todo o conjunto do espaço
urbano.
No contexto das contradições acima referidas, o Estado encarrega-se de
prover os equipamentos de consumo coletivo para todo o espaço urbano. No
entanto, como o Estado é também o elemento de legitimação da classe
dominante, sua atuação enquanto provedor tende, por um lado, a reforçar as
áreas residenciais nobres, e por outro, a viabilizar o sucesso de novas
implantações produtivas do grande capital, através, por exemplo, da criação de
distritos industriais. Isto significa que a sua atuação não se realiza de modo
uniforme no espaço urbano, atuação que se traduziria nos investimentos em
água e esgoto, na criação de uma completa infra-estrutura para implantações
industriais, na produção de novos espaços urbanizáveis, na abertura de vias de
grande densidade de tráfego, na instalação de áreas de lazer, na renovação
urbana, na construção de conjuntos habitacionais, mas também na expulsão de
moradores e permissividade na proliferação de loteamentos populares sem
infra-estrutura.
Aos olhos da população de baixo nível de renda, o Estado representa
uma instituição que não cumpre seus deveres, não atende às crescentes
necessidades coletivas de certas áreas da cidade, visto até como um
adversário que procura romper modos de vida enraizados em certos locais. Os
movimentos sociais urbanos têm como alvo o Estado e não os proprietários
dos meios de produção.
Acreditamos com Lojkine16 que os movimentos sociais urbanos possam
assumir um papel significativo nas transformações da sociedade e de sua
organização espacial, quando duas questões, ambas associadas ao espaço
geográfico, forem esclarecidas e resolvidas. Primeiramente, quando for
desmoronada a barreira ideológica que isola o mundo da produção do da
reprodução. Quando ficar claro que as questões que emergem nos locais de
trabalho e nos de residência são, no fundo, uma única questão, desdobrada em
termos espaciais pelo capitalismo e sua organização. Afinal de contas o efeito
das horas de trabalho não-remunerado, centro da mais-valia e da acumulação
de capital, é sentido mesmo nos locais de residência, esquecidos dos
investimentos em equip,amentos de consumo coletivo por um Estado a serviço
de interesses que não são os dos habitantes das periferias de autoconstrução,
dos distantes e precários conjuntos habitacionais, das favelas e dos cortiços.
Em segundo lugar, quando os movimentos sociais urbanos
ultrapassarem a escala local, do bairro e da cidade, e se inserirem em uma
escala nacional, que abranja as questões da fábrica e do bairro. Ou seja,
quando ficar clara a idéia de unidade da totalidade sócio-espacial. Caso
contrário, os movimentos sociais urbanos, expressão da espacialização da
organização social, estarão destinados a se esvaziarem, na medida em que as
reivindicações feitas forem atendidas no todo ou em parte. Não é com
"remendos" (água, calçamento, posto de saúde etc.) na organização espacial
que se resolverá a questão das desigualdades sociais. É preciso que a
organização social mude para que, em seus aspectos mais essenciais, a
organização espacial possa também mudar. Mudar a partir da prática daquele
que assumirá o papel de agente de seu próprio destino e modelador de seu
espaço: o homem novo, de uma sociedade sem classes sociais.
5
Vocabulário crítico
Complexo industrial: trata-se de um conjunto de indústrias espacialmente
concentradas e interligadas por fluxos de matérias-primas e bens
intermediários (peças e componentes que serão incorporados a um produto
final). Em muitos casos, a ligação entre as indústrias dá-se também pela co-
participação acionária das empresas industriais. Em um complexo industrial,
exemplo de economias de aglomeração, há indústrias de bens de capital, como
a metalurgia e a química pesada, de consumo durável, como os
eletrodomésticos, e não-durável, como os tecidos sintéticos. A área
metropolitana de São Paulo e o vale do Ruhr são exemplos de complexos
industriais.

Difusão de inovações: trata-se do espraiamento de idéias ou artefatos novos.


Em geografia, fala-se da difusão espacial de inovações, ou seja, consideram-se
os caminhos percorridos e a rapidez do percurso, conduzidos por agentes
inovadores. O conceito de modernização está associado à idéia de difusão de
inovações. O conceito em pauta aparece em Ratzel, é largamente adotado
pelos geógrafos culturais e, mais tarde, pela nova geografia. A teoria da difusão
espacial de inovações considera a difusão por contágio, à semelhança de uma
mancha de óleo espalhando-se, a difusão hierárquica, através da rede de
cidades, e a difusão espacialmente salteada, que passa por cima de áreas que
não são afetadas pela inovação.

Hinterlândia: significa área subordinada economicamente a um centro urbano.


Emprega-se a palavra referindo-se a áreas de influência de uma cidade como
Belo Horizonte, Montes Claros ou Januária, e também no sentido de um amplo
território colonial sob o domínio de uma metrópole ultramarina.

Ideologia: a acepção adotada é a de ocultação da realidade ou falsa


consciência, e não a comum, de um conjunto de idéias políticas, econômicas
ou sociais: para isto deve-se empregar a palavra ideário. Um ideário, contudo,
pode ser visto como sendo uma ideologia. A noção de ideologia adotada é
proveniente de Marx e Engels e tem como pano de fundo a existência de
classes sociais antagônicas e a dominação de uma classe sobre as demais: a
sustentação da classe dominante faz-se pela ideologia, através dos aparelhos
ideológicos de Estado (escola, família etc.), e pela repressão, através dos
aparelhos repressivos de Estado (polícia, leis etc.). Ver sobre o assunto o livro
de Marilena Chauí, O que é ideologia.

Localidade central: expressão criada em 1933 pelo geógrafo alemão Walter


Christaller para designar um lugar de venda de produtos industrializados e de
prestação de serviços educacionais, de saúde, bancários etc. Uma cidade
comercial servindo a uma zona rural e a cidades menores (ver Hinterlândia) é
uma localidade central. A teoria das localidades centrais aborda a organização
espacial desses lugares, organização que inclui a hierarquia entre eles.

Paradigma: entendido como visão de mundo adotada e compartilhada por uma


determinada comunidade científica. Tem sentido mais amplo que teoria porque
representa um conjunto de crenças e valores. Ou seja, as lentes através das
quais uma comunidade científica enxerga o mundo real e, explícita ou
implicitamente, antevê o futuro. Thomas S. Kuhn dá esta acepção ao termo, em
seu livro The Structure of Scientific Revolution. Mais tarde, ele próprio
redenominou-o de matriz disciplinária.

Posição geográfica: refere-se à localização relativa de uma forma espacial


criada pelo homem, fábrica, mina ou cidade, face ao acesso aos recursos
naturais e/ou ao mercado consumidor. Uma posição geográfica favorável é
aquela que tem efeitos positivos, segundo o que se espera do desempenho
das funções que a forma espacial realiza: para cada forma espacial - hospital,
usina siderúrgica ou cidade comercial - há uma posição geográfica favorável. É
conveniente notar que o valor atribuído a uma posição geográfica de
determinada forma espacial pode ser alterado a partir de mudanças
tecnológicas ou nas relações de produção. Um conceito complementar ao de
posição geográfica é o de sítio, que se refere à localização absoluta de uma
forma geográfica: em um terraço fluvial, em terrenos coluviais etc. A posição
geográfica implica, geralmente, considerar uma forma espacial à luz de uma
pequena escala (1:500.000, por exemplo), enquanto o sítio em uma grande
(1:2.000, por exemplo).

Regra da ordem e tamanho de cidades: modelo desenvolvido por G. K. Zipf


onde se considera que existe uma relação entre o tamanho de uma cidade e a
sua posição ou ordem no âmbito das cidades de um país. Para Zipf, a maior
cidade teria tamanho 1, a segunda 1/2, a terceira 1/3, a quarta 1/4 e a cidade n
o tamanho l/n. Este padrão indicaria um estado de equilíbrio no processo de
desenvolvimento social e espacial, não sendo a maior cidade várias vezes
maior que a segunda do país, caso este que originaria uma cidade primaz.

6
Bibliografia comentada
CHRISTOFOLETTAI,ntonio, org. Perspectivas da geografia.São Paulo, DIFEL,
1982.
Coletânea de artigos relativos às várias correntes do pensamento geográfico,
incluindo a geografia humanística e a visão idealista em geografia, correntes
recentes, posteriores à nova geografia, e que neste trabalho não foram
consideradas. Inclui um artigo clássico de Paul Vidal de Ia Blache sobre a
natureza da geografia.
CLAVAL,Paul. Evolución de Ia geografia humana. Barcelona, Oikos-Tau, 1974.
Esse livro trata da história do pensamento geográfico desde o aparecimento do
determinismo ambiental até à nova geografia, constituindo-se em obra de
referência básica.
HARTSHORNER, Richard. Propósitos e natureza da geografia. (Trad. Thomaz
Newlands Neto). São Paulo, HUCITEC, 1978.
Trata-se da segunda grande obra de Hartshorne, constituindo-se em uma
réplica aos críticos de sua grande obra The Nature of Geography de 1939.
Neste livro, Hartshorne ratifica a defesa da geografia e do método regional, do
caráter único dos lugares, e da impossibilidade de elaboração de leis em
geografia.
HARVEY,David. Explanation in Geography. London, Edward Arnold, 1969.
É o mais importante livro sobre a nova geografia, fornecendo suas bases
filosóficas e metodológicas. É de fundamental importância para quem quiser
aprofundar-se na questão da transposição do positivismo lógico e da teoria dos
sistemas para a geografia.
JAMES,Preston E. A Possible Worlds; a History of Geographic Ideas. New
York, The Odyssey Press, 1972.
Uma das maisabrangentes obras, ainda que descritiva, sobre a história do
pensamento geográfico, sendo fonte de consulta obrigatória a respeito de
períodos, autores e "escolas nacionais" de geografia. Estende-se da
Antigüidade Clássica ao início da década de 70. Inclui vastíssima bibliografia e
um útil índice comentado de geógrafos de todo o mundo.
LACOSTE,Yves. A geografia serve antes de mais nada para fazer a guerra.
Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1976.
Este livro tece uma crítica à geografia dos professores e ao caráter ideológico,
de um modo geral, da geografia. Trata-se de uma das mais profundas críticas à
escola vidaliana de geografia, pondo em questão, entre outros aspectos, o
conceito de região.
MEGALE,Januário Francisco, org. Max. Sorre. São Paulo, Ática, 1984. (Col.
Grandes Cientistas Sociais, 46.)
Coletânea de artigos e capítulos de livros do geógrafo francês Maximilien
Sorre. Faz parte da Coleção Grandes Cientistas Sociais que incluirá, entre
outras, aquelas relativas a Humboldt, Ritter, Ratzel, Vidal de Ia Blache e Sauer.
É indispensável a sua leitura, pois trata-se de uma ida às fontes, de se ler o
que os grandes nomes da geografia escreveram.
MORAES,Antonio Carlos Robert. Geografia – pequena história critica. São
Paulo, HUCITEC, 1981.
Trabalho de natureza crítica sobre a história do pensamento geográfico;
estende-se de Humboldt e Ritter à geografia crítica. Extremamente útil para
aqueles que queiram situar a geografia histórica e geograficamente.
------ & COSTA,Wanderley Messias da. Geografia crítica: a valorização do
espaço. São Paulo, HUCITEC, 1984.
Este livro é extremamente importante porque procura repensar o "temário
geográfico à luz do materialismo histórico e dialético". A questão do espaço,
vista a partir da teoria do valor, é o tema central do livro: os autores
apresentam e discutem os conceitos de valor no e do espaço.
MOREIRA,Ruy. O que é geografia. São Paulo, Brasiliense, 1981.
Pequeno e rico trabalho sobre a geografia vista de um ângulo crítico. Contém
uma história da geografia, discutindo ainda a questão do espaço.
------, org. Geografia, teoria e critica: o saber posto em questão. Petrópolis,
Vozes, 1982.
Coletânea de artigos de geógrafos brasileiros abordando a geografia a partir de
uma visão crítica. O livro está dividido em duas partes, a primeira fazendo a
crítica teórica, e a segunda a releitura da sociedade. Contém o artigo de Ruy
Moreira "A geografia serve para desvendar máscaras sociais", contribuição
básica para se pensar a organização espacial.
------,o movimento operário e a questão cidade-campo no Brasil; estudo sobre
sociedade e espaço. Petrópolis, Vozes, 1985.
Estudo sobre as relações entre a organização espacial e a sociedade
brasileira. O primeiro capítulo é particularmente relevante para uma iniciação
crítica sobre o conceito de organização espacial.
QUAINI,Massimo. Marxismo e geografia. Trad. Liliana Laganá Fernandes. Rio
de Janeiro, Paz e Terra, 1979.
Este livro aborda as relações entre o marxismo e a geografia, sendo uma fonte
de reflexão centrada no eixo natureza-história.
SANTOS,Milton. Por uma geografia nova; da crítica da geografia a uma
geografia crítica. São Paulo, HUCITEC, 1978.
Trata-se de obra fundamental para a "renovação crítica" da geografia. A
primeira parte aborda criticamente a história da geografia, e a segunda discute
a questão do espaço, que para o autor constitui uma instância da sociedade. A
terceira parte é uma proposta de geografia crítica.
------, Espaço e sociedade. Petrópolis, Vozes, 1979.
Conjunto de ensaios em que o autor aborda as relações entre espaço e
sociedade, privilegiando, de certo modo, os países subdesenvolvidos. Contém,
entre outros, o artigo "Sociedade e espaço: a formação social como teoria e
como método", de fundamental importância para se compreender a natureza
da organização espacial.
------, org. Novos rumos da geografia brasileira. São Paulo, HUCITEC, 1982.
Coletânea de artigos de geógrafos brasileiros tratando criticamente questões
geográficas, tanto no plano teórico como considerando o espaço brasileiro.
Contém, entre outros, os artigos de Manuel Correia de Andrade, "O
pensamento geográfico e a realidade brasileira", e o de Ruy Moreira,
"Repensando a geografia", outro artigo importante para a compreensão da
organização espacial.
------. Espaço e método. São Paulo, Nobel, 1985.
Conjunto de ensaios escritos em sua quase totalidade na década de 80,
abordando a natureza e o conceito de espaço. Os elementos do espaço, suas
categorias de análise, a dimensão temporal e os sistemas espaciais no
Terceiro Mundo, e as relações entre espaço e capital, são alguns dos temas
abordados.
SODRÉ,Nelson Werneck. Introdução à geografia: geografia e ideologia.
Petrópolis, Vozes, 1976.
Estudo crítico sobre a história da geografia desde a Antigüidade até a
geopolítica dos anos 30.

Referência Bibliográfica de Rodapé


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Geography. Geograpllical fOI/mal, march, 1905.
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3
Divisão regional do Brasil. Revista brasileira de geografia, 3(2), 1941.
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ABLER, R.; ADAMS, 1. S. e GOULD, P. Spatial Organization; The
Geographer's View of the World. Englewood Cliffs, Prentice-Hall, 1971.
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LABASSE,Jean. L'organization de 1'espace; éléments de géographie
volontaire. Paris, Rermann, 1966.
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GRIGG, David. Regiões, modelos e classes. Boletim geográfico.234, 1973.
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BUNGE, WiJliam. Gerrymandering, Geography and Grouping. The
Geographical Review, 56 (2), 1966.
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Regionalização; considerações metodológicas. Boletim de geografia teorética,
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CORAGGIO,José Luís. Considerações teórico-metodológicas sobre as
formas sociais da organização do espaço e suas tendências na América Latina.
Planejamento, Salvador, 7 (1), 1979.
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BUCH-HANSON, M. e NIELSEN, B. Marxist Geography ando the Concept of
Territorial Structure. Antipode, 9 (2), 1977.
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LENIN, V. I. U. Imperialismo; fase superior do capitalismo, São Paulo, Global,
1979.
13
SANTOS,Milton. O espaço dividido. Rio de Janeiro, Francisco Alves. 1978.
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LEFEBVRE, Henri. Espada y Palitica. Barcelona, Península, 1976.
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KOSIK,Karel. Dia/ética do concreto. Rio de Janeiro, Paz e Terra,1969.
16
LOJKINE, Jean. O Estado capitalista e a questão urbana. São Paulo, Martins
Fontes, 1981.

http://geografialinks.com/textos-e-livros-download/, ACESSADO NO DIA


30/12/09

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