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Ações de requalificação urbana nos Centros Históricos de Belém e São Luis e Manaus

Flávio Sidrim Nassar

São Luis do Maranhão e Belém do Pará estão entre as mais antigas e importantes
cidades brasileiras desde o período colonial, fundadas para consolidar os domínios
portugueses estabelecidos pelo Tratado de Tordesilhas, foram, em épocas distintas,
capital do território que hoje compreende a Amazônia Brasileira.
Ambas guardam expressivos conjuntos arquitetônicos e urbanísticos em seus
centros históricos marcados pela forte presença de construções pertencentes às ordens
religiosas; de edifícios destinados à administração pública; de conjuntos que abrigaram
atividades comerciais e portuária; e de grandes e importantes acervos habitacionais. À
Belém, a arquitetura monumental de Antônio Landi conferiu um traço peculiar.
Antonio José Landi, arquiteto italiano nascido em Bolonha, na Itália, chegou a
Belém em 1753, integrando a Comissão Demarcadora de Limites comandada por
Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão do Marques de Pombal, comissário
plenipotenciário das demarcações e governador geral do Grão-Pará e Maranhão. Landi é
um arquiteto de formação acadêmica, sua obra de característica tardo-barroca e com
marcante influência paladiana o faz precursor do neoclássico no Brasil. Landi confere à
Belém colonial, um toque de modernidade, semelhante ao que se verifica na nova
Lisboa reconstruída, após o terremoto de 1755, com a participação de arquitetos
italianos com formação semelhante a dele.
Depois do apogeu vivido pelas duas cidades, estratégicas para o expansionismo
do século XVIII, ambas passaram por um período de relativa estagnação, até que o
chamado ciclo econômico da borracha revigorou a atividade econômica no sertão
amazônico e propiciou grandes modificações no cenário urbanístico de Belém. São
Luís, fora do espaço econômico da borracha, acaba por manter as características
coloniais de seu centro histórico.
O impulso renovador em Belém, começa sob a influência dos positivistas da
Primeira República e se acentua na administração do intendente Antônio Lemos, que,
mesmo sem destruir o primitivo traçado urbanístico, como aconteceu na mesma época
no Rio de janeiro e em São Paulo, impôs as chamadas reformas sanitárias por meio de
posturas municipais que fizeram desaparecer muitos elementos da linguagem
arquitetônica colonial. Assim, as fachadas de edificações civis, tanto residenciais quanto
destinadas à administração pública, perderam os primitivos beirais que foram
substituídos por platibandas acrescidas de elementos decorativos característicos.
O “crash” da economia da borracha foi uma tragédia. Em Belém a obra de
renovação urbana concebida por Lemos ficou inconclusa, e a economia da cidade em
um equilíbrio letárgico por quase 50 anos.
A partir dos anos 60 do século XX, no período da ditadura militar, um novo
impulso modernizador nas principais capitais amazônicas teve em cada uma desfecho
diferente. Enquanto o centro histórico de São Luis caminhou para um processo de
revitalização, que levou ao seu reconhecimento como “Patrimônio Cultural da
Humanidade”, o de Belém viveu a experiência do abandono, da decadência e da
destruição.

São Luis patrimônio da humanidade


Em 1997 a Unesco concedeu à cidade o título de Patrimônio Cultural da
Humanidade. Reconheceu a “importância de um dos maiores conjuntos de arquitetura
civil de origem européia no mundo”.
O plano de recuperação do centro histórico começou a ser executado na década
de 70, quando foi construída uma barragem sobre o rio Bacanga e uma ponte sobre o rio
Anil. Tais construções permitiram que a cidade se expandisse para o outro lado do rio e
evitaram a descaracterização das construções antigas nas tentativas de “modernizar” o
centro de São Luís. Ao tempo em que o governo local criou, em 1973, "Departamento
de Patrimônio Histórico, Artístico e Paisagístico do Maranhão" grupos de pesquisadores
locais, de outros estados brasileiros e até do exterior começaram a estudar a cidade.
Depois por meio do "Programa Integrado de Reconstrução das Cidades
Históricas do Nordeste" foi restaurado o sobrado revestido de azulejo azuis na Praia
Grande, hoje sede da Fundação Cultural do Maranhão e do Centro de Cultura Popular
Domingos Vieira Filho.
Em 1979 é instalada uma Comissão de Coordenação de projetos para o centro
histórico, e em 1980 tem inicio o "Programa de Obras do Largo do Comércio"
(orçamento inicialmente em um milhão de dólares) e concluído por 2,5 milhões de
dólares.
Depois de semi-paralisadas, por falta de recursos, as ações tomam um decisivo
impulso durante a presidência de José Sarney (1985-1990) quando é instituído o Projeto
Reviver, que contou com recursos da ordem de 25 milhões de dólares, utilizados para
revitalizar o bairro da Praia Grande. Foram realizadas obras de recuperação da infra-
estrutura urbana, como a total renovação das redes de água, esgoto. Construíram-se
novas redes subterrâneas de energia elétrica e de telefone para que se retirassem todos
os postes elétricos, transformadores e fiação que descaracterizavam as ruas e foi
instalado um novo sistema de iluminação.
Praças e jardins foram reconstruídos e as calçadas que haviam sido estreitadas
para dar circulação aos veículos retomaram as dimensões primitivas. Criaram-se vias
para pedestres, com estacionamentos periféricos perto do anel viário, eliminando assim
o tráfego de veículos.
Desde 1990, o Projeto Piloto de Habitação vem permitindo a adaptação de
sobrados do Centro Histórico para abrigar múltiplas famílias, por considerar que
“somente consolidando a vocação residencial do Centro é que se pode esperar sua
constante revitalização”.
O esforço incluiu também a captação de recursos do Banco Interamericano de
Desenvolvimento – BID por meio do Programa de Ação para o Desenvolvimento
Turístico do Nordeste - PRODETUR.
Em dezembro de 1997, durante a 22ª reunião do Comitê do Patrimônio Mundial,
realizada na cidade de Nápoles na Itália, uma área com 60 hectares, envolvendo cerca
de 1.200 edificações do Centro histórico de São Luis foi declarado Patrimônio Cultural
da Humanidade.

Belém: abandono, decadência e destruição


Os primeiros anos do regime militar no Brasil foram caracterizados como
modernizadores, portanto não deve causar espanto o fato de que esta “modernização”
atingisse também o conjunto urbanístico das cidades com patrimônio a preservar. Belém
teve as suas principais ruas asfaltadas e, em poucos anos, os bairros históricos perderam
muitos de seus importantes construções. No bairro da Campina hoje conhecido por
Comércio, desapareceram a Caixa d’água de ferro, antigo cartão postal e marco visual
da cidade; a Fábrica Palmeira na rua Manuel Barata, obra emblemática do arquiteto José
Sidrim; e a antiga cadeia pública na rua João Alfredo foi demolida. Em Nazaré, as
últimas rocinhas do bairro, construções típicas notabilizadas nos relatos de viajantes
desde o século XIX, também desapareceram. Do cenário da Praça da República se
extingue o Grande Hotel, ícone da vida mundana e cultural dos anos 40 e 50.
Constitui-se um ato de profundo significado simbólico e de catastróficas
conseqüências para o patrimônio arquitetônico do mais antigo bairro de Belém, a
Cidade Velha, a demolição de um conjunto de sobrados para permitir o alargamento da
rua Padre. Champagnat, antes Pedro Rayol e primitivamente Calçada do Colégio. Tal
demolição, justificada para facilitar a circulação de ônibus na Cidade Velha, quebrou a
harmoniosa composição do largo da Sé e estimulou que outras demolições fossem
feitas, sobretudo ao longo da rua Dr. Assis, transformada em corredor viário depois do
referido alargamento.
Esse conjunto do Largo da Sé merecera, anos antes, de Mário de Andrade em o
“Turista Aprendiz”, o seguinte comentário: “....e há um lugar sublime, que é preciso
preservar de qualquer modificação: o largo da Sé. Só mesmo a praça de São Francisco,
em São João Del Rei, é tão bela como o largo da Sé, daqui. Nem na Bahia se encontra
um conjunto tão harmonioso, tão equilibrado e sereno. É uma preciosidade.”
Como ação positiva do período militar destaca-se o restauro do Palácio dos
Governadores e do Convento das Mercês, depois que este foi destruído por um
incêndio.
Nesse tempo foi fechada à visitação pública, por estar em precárias condições, a
igreja Jesuítica de Santo Alexandre, cujo restauro se arrastaria por mais de uma década
até ser definitivamente retomado a partir de 1995.
Ao restauro da Igreja de Santo Alexandre e do paço arquiepiscopal,
primitivamente igreja e colégio dos padres da Companhia de Jesus, transformados em
museu de arte sacra, seguiu-se o restauro do Forte do Presépio, marco da fundação da
cidade e do Hospital Real, então abrigando um quartel do exército. Este conjunto de
restaurações integrou o projeto Feliz Lusitânia do governo do estado.
No mesmo período a prefeitura de Belém, que anos antes restaurou a sede da
municipalidade, o Palácio Antonio Lemos, deu início à recuperação do Mercado do
Ver-o-peso e ao projeto Via dos Mercadores que pretendia revitalizar a Rua João
Alfredo, a principal rua do antigo bairro comercial já em franca decadência.
As duas ações ocorreram totalmente desarticuladas, quando não em ostensivo
confronto, os governos estadual e municipal, adversários políticos e partidários,
disputavam a hegemonia nas ações de revitalização do centro histórico de Belém.
Tais projetos resultaram em equívocos alguns irrecuperáveis como a derrubada
do muro do forte do Castelo, em meio a um conflito judicial e a implantação de uma
linha de bonde que nunca entrou em operação.
O fracasso das ações no centro histórico de Belém até o presente momento,
deve-se a conjugação de causas com determinações diversas. O mencionado confronto
partidário. As diretrizes de ação calcadas em visões ideológicas extremas: ou populista
ou elitista. E por um erro comum nas intervenções, quer do governo estadual como
municipal: nunca apresentaram uma visão de futuro para a região metropolitana de
Belém, na qual se incluísse a revitalização do centro histórico como estratégica, logo
geradora de processos sustentáveis e capazes de se auto multiplicar.
Se este quadro não se reverter o centro histórico de Belém seguirá se
deteriorando e assim privando não apenas os habitantes de Belém, mas a humanidade de
conhecer os testemunhos da primeira experiência urbana vivida na Amazônia ocidental.

Manaus Belle Epoque


O Governo do Estado do Amazonas, com recursos próprios e através da
Secretaria de Estado da Cultura, iniciou em 1997 o projeto Manaus Belle Epoque, que
abrange o entorno de prédios tombados considerados ícones e situados no Centro
Histórico da cidade: Teatro Amazonas, Largo de São Sebastião, Catedral Nossa Senhora
da Conceição e Centro Cultural Palácio Rio Negro (antiga sede do Governo do Estado).
O projeto prevê a revitalização arquitetônica de imóveis históricos com o
objetivo de restabelecer a harmonia estética e ambiental do conjunto tendo como diretriz
a permanência do uso atual dos imóveis seja residencial ou comercial. Foram realizadas
obras de recomposição e adequação dos equipamentos urbanos de área: calçadas, meios-
fios, sarjetas, arborização, equipamentos de prestação de serviços e substituição da rede
pública de energia elétrica aérea por subterrânea além da retirada de ambulantes.
Para o futuro estão previstas ampliação da área beneficiada e novas intervenções
como a instalação do Bonde Elétrico no Largo de São Sebastião (Entorno do Teatro
Amazonas), construção da Estação e do Museu do Bonde.

Outras intervenções

Alem das ações desenvolvidas nos centros históricos das principais capitais
amazônicas, nos últimos anos realizaram-se em muitas cidades ribeirinhas obras de
valorização das orlas fluviais, dentre as quais se destacam as orlas de Santarém e
Marabá.

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