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a biografia há muito aguardada de

JIM MORRISON
DAQUI NINGUÉM SAI VIVO
JERRY HOPKINS
DANNY SUGERMAN
ASSÍRIO E ALVIM
EM CONFORMIDADE COM AS DISPOSIÇÕES LEGAIS,
INTERDITA A REPRODUÇÃO, POR QUALQUER MEIO TÉCNICO,
DOS TEXTOS INCLUSOS NESTE VOLUME,
SEM ACORDO PRÉVIO COM O AUTOR,
O EDITOR E A SOCIEDADE PORTUGUESA DE AUTORES.
ESTA EDIÇÃO FOI PUBLICADA POR ACORDO
COM WARNER BOOKS, INC. NEW YORK.
TODOS OS DIREITOS PARA A LÍNGUA PORTUGUESA
RESERVADOS POR ASSÍRIO E ALVIM
COOPERATIVA EDITORA E LIVREIRA, CRL,
RUA PASSOS MANUEL. 67-B, 1100 LISBOA
CAPA DE MANUEL ROSA
EDIÇÃO 143, ABRIL DE 1982
TIRAGEM: 5000 EXEMPLARES
JERRY HOPKINS
DANIEL SUGERMAN
DAQUI ninguém sai vivo
Tradução do original inglês
Rita Freudenthal
Revisão do texto
João de Menezes Ferreira
ASSÍRIO E ALVIM
Digitalização: Alberto Mendonça
Revisão:Ana Medeiros
Abril de 2004.
Este livro foi digitalizado
para ser lido por Deficientes Visuais.
Nota:Ao longo do livro aparecem várias fotografias cujas legendas mantivemos.

Erin Nicky & Janie - Jerry


Alex, Ray & Jim
- Danny
ÍNDICE
Prefácio 11
O Arco Está Assestado 15
A Flecha Voa 63
A Flecha Cai 207
Posfácio por Michael McClure 327
Agradecimentos 331
Discografia. Livros. Filmes 333
Digamos que estava a pôr à prova
os limites da realidade.
Estava curioso
em ver o que aconteceria.
Era tudo: apenas curiosidade.
Jim Morrison
Los Angeles, 1969
PREFÁCIO
Jim Morrison estava no bom
caminho para se tornar um herói mítico ainda em vida - ele
era, poucos o contestarão, uma lenda viva. A sua morte, envolta em mistério e numa
especulação contínua, completou a
consagração, assegurando-lhe um lugar no panteão dos artistas
dilacerados e talentosos, que sentiram demasiadamente a vida
para conseguirem vivê-la: Arthur Rimbaud, Charles Baudelaire, Lenny Bruce, Dylan
Thomas, James Dean, Jimi Hendrix e outros.
Este livro não impele nem afasta o mito Morrison. É simplesmente uma recordação de
que Jim Morrison (e os Doors)
não são apenas uma lenda; a lenda está, de facto, fundada.
Algumas vezes o conteúdo deste livro está em nítido conflito
com o mito, algumas vezes é indistinguível dele. Assim era o
homem.
A minha convicção pessoal é de que Jim Morrison foi
um deus. Para alguns de vocês isso pode parecer extravagante;
para outros, pelo menos excêntrico. Naturalmente, Morrison
insistia que éramos todos deuses e que o nosso destino estava
nas nossas mãos. Quis apenas dizer que penso que Jim Morrison foi um deus nos nossos
dias. Bem, pelo menos um senhor.
Até agora tem-nos falhado a compreensão do homem.
O seu trabalho como membro dos Doors continua a chegar
a novos públicos, enquanto o verdadeiro talento e os pontos
de inspiração do homem são ignorados. As histórias das prisões e das proezas circulam
mais larga e isoladamente que
nunca, enquanto a nossa imagem do próprio homem se desvanece.
Morrison alterou a minha vida. Alterou a vida de Jerry
Hopkins. A verdade é que Jim Morrison fez girar muitas vidas,
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não só aquelas que estavam na sua esfera de acção imediata,
mas também as que atingiu como controverso cantor-poeta
dos Doors.
Este livro é a cobertura da vida de Jim, não o seu significado. No entanto,
conseguimos penetrar no homem vendo
apenas donde ele veio e como conseguiu chegar onde chegou.
Em primeiro lugar, aproximar-se alguém de Morrison, em
1967 (quando a maior parte de nós ouviu falar dele pela primeira vez), não fora
tarefa fácil. Envolvia um investimento
mais profundo que a simples procura curiosa; identificar-se
com Jim significava ser-se um marginal mais dado à introspecção. O rock and roll
atraiu sempre muitas pessoas inadaptadas com problemas de identidade, mas Morrison
foi mais
além na marginalidade. De facto, ele disse, «Está bem, gostamos disto aqui. Magoa e é
um inferno, mas é também muito
mais real do que a viagem em que eu os vejo embarcados.»
Apontou o seu dedo acusador aos pais, professores e outros
símbolos de autoridade no país. Não fez referências vagas.
Enfurecido pela fraude, não divagou - acusou barulhenta e
furiosamente. Depois mostrou-nos realmente como era: «As
pessoas são estranhas quando és um estranho / as caras são
feias quando estás sozinho.» Ele mostrou-nos o que poderia
ser: «Podíamos estar tão bem juntos / Falar-te-ei do Mundo
a inventar / um Mundo audacioso sem lamentos / aventuras
/ expedições / atracções e invenções.» Comunicava com emoção, raiva, graça e
sabedoria. Cedeu muito pouco no terreno
do compromisso.
Penetrar nas coisas não era realmente do interesse de
Jim. Passar adiante ou ao lado das coisas não era do interesse
de Jim. A única motivação de Jim era atravessar tudo. Ele
tinha lido acerca dos outros que o tinham feito antes, e acreditou que era possível.
E quis levar-nos com ele. «Estaremos
dentro dos portões ao anoitecer», cantou. Os primeiros e escassos anos mágicos da
vida dos Doors não eram mais do que
visitas abreviadas a outro lugar levadas a cabo por Jim, a sua
banda e o seu público - um território que transcendia o bem
e o mal; uma paisagem sensual, dramática e musical. É claro,
a derradeira investida para o outro lado é a morte.
É possível andar na cerca entre a vida e a morte, entre
«cá» e «lá» por muito tempo. Jim fê-lo, acenando freneticamente o seu braço para que
nos juntássemos a ele. Tristemente, parecia precisar mais de nós do que nós dele.
Seguramente, não estávamos preparados para onde ele nos queria
levar. Quisemos observá-lo e quisemos segui-lo, mas não o
fizemos. Não podíamos. E Jim não podia parar. Assim, seguiu
sozinho, sem nós.
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Jim não queria ajuda. Só queria ajudar. Não acredito que
jim Morrison alguma vez tenha estado na «corrida para a
morte» como muitos escritores o afirmaram. Acredito que a
viagem de Jim estava relacionada com a vida. Não com a vida
temporal, mas com a felicidade eterna. Se tivesse que se suicidar para lá chegar, ou
mesmo para se aproximar ligeiramente do seu destino, então estava bem. Se houve
alguma
tristeza no fim da vida de Jim, era a peso de um apego instintivo e mortal. Mas como
um senhor, como um visionário, ele
estava para além.
A história que vão ler pode parecer uma tragédia mas
para mim é um conto de libertação. Seja qual for a depressão
e frustração que Jim tenha sofrido nos seus últimos dias, acredito que também
conhecesse a alegria, a esperança e o conhecimento tranquilo de que estava quase em
casa.
Não importa como Jim morreu. Nem importa particularmente que ele nos tenha deixado
tão novo. Só é importante
que Jim Morrison viveu e viveu com o objectivo que o nascimento propõe: descobrirmo-
nos a nós próprios e o nosso próprio potencial. Ele fê-lo. A curta vida de Jim
exprime-o bem.
E eu já falei demais.
Nunca mais haverá alguém como ele.
DANIEL SUGERMAN
Beverly Hills, Califórnia
22 de Março de 1979
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CAPÍTULO 1
Um dia, quando a neve se acumulava no alto das montanhas fora de Albuquerque, perto
do Pico de Sandia, Steve e Clare Morrison levaram os seus
filhos a andar de tobogã. Steve estava colocado na contígua
Base Aérea de Kirkland, onde era o oficial executivo e o
segundo homem mais importante naquilo a que se chamava
Armas Especiais da Aeronáutica Naval. Isto significava energia atómica, ainda então
um assunto misterioso que não podia
ser discutido em casa.
Foi no Inverno de 1955 e Jim Morrison tinha feito doze
anos havia poucas semanas. A sua irmã, Anne, que estava a
tornar-se uma espécie de menina traquinas gorda, faria nove
anos menos de um mês depois. O seu irmão, Andy, um pouco
mais robusto que Jim, tinha metade da sua idade.
O quadro era a simplicidade do Inverno: ao fundo, as
montanhas de Sange de Cristo, no Novo México, cobertas de
neve; em primeiro plano, bochechas rosadas, cabelos escuros
ondulantes quase escondidos por gorros quentes -crianças
saudáveis com casacos grossos, subindo em tobogãs de madeira. Não estava a nevar,
sentiam-se apenas as rajadas secas
e ardentes sopradas pelo vento da montanha.
Na extremidade do declive, Jim colocou Andy na parte
da frente do trenó. Anne sentou-se atrás de Andy e Jim comprimiu-se na retaguarda.
Utilizando as mãos enluvadas, impeliram-se para a frente e deslizaram fazendo grande
algazarra.
Iam cada vez mais depressa. No trajecto havia uma cabana, da qual se aproximavam a
grande velocidade.
O tobogã precipitou-se pela montanha abaixo como uma
nave espacial rompendo o frio do espaço exterior. Andy apavorou-se.
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«Saltem!», gritou. «Saltem! Saltem!»
As galochas de Andy estavam presas debaixo da parte da
frente do tobogã onde ele se agitava, balanceando em todas
as direcções. Tentou inclinar-se para trás para se libertar, mas
Anne, que estava atrás dele, não se podia mover. Jim empurrava para a frente pela
retaguarda, segurando-as desamparado.
A cabana aproximou-se rapidamente.
«Saltem! Saltem!»
O tobogã estava a menos de 20 jardas da cabana postada
num trajecto para uma horrível colisão. Anne como que fitava a morte diante de si, a
cara paralisada de terror. Andy
soluçava.
O tobogã passou por baixo de uma grade de amarração e
foi detido pelo pai das crianças a cinco pés da cabana. Logo
que as crianças cairam do trenó, Anne balbuciou histericamente como Jim os tinha
empurrado para a frente e não os
deixara escapar. Andy continuou a chorar. Steve e Clare Morrison tentaram
tranquilizar as crianças mais novas.
Jim permaneceu perto, olhando contente: «Estávamo-nos
só a divertir», disse.
A mãe de Jim, Clare Clarice, ligeiramente lunática, divertida e amorosa, era uma das
cinco crianças de um advogado
desonesto de Wisconsin que uma vez se tinha candidatado a
um cargo público pela lista comunista. A sua mãe morreu
quando Clare era ainda jovem e, em 1941, quando tinha
21 anos e o seu pai tinha mudado para o Alasca para trabalhar como carpinteiro, Clare
foi visitar uma irmã grávida ao
Hawai. Conheceu o pai de Jim, Steve, num baile da Marinha.
Steve tinha crescido numa pequena cidade do centro da
Florida, uma entre três crianças e o único filho varão de um
conservador proprietário de uma lavandaria. Quando criança,
tinham-lhe dado injecções de tiróide para estimular o seu crescimento, e no liceu
chamavam-lhe (o seu primo e melhor
amigo) um cow-boy: algo sentimental - um metodista enérgico mas popular entre as
raparigas.» Steve graduara-se na
Academia Naval dos Estados Unidos quatro meses mais cedo,
em Fevereiro de 1941, depois do curso de instrução ter sido
acelerado para produzir uma nova classe de oficiais para a
eminente Guerra Mundial.
Steve e Clare comprometeram-se na altura em que os
japoneses bombardearam Pearl Harbour. Casaram rapidamente, em Abril de 1942, pouco
tempo antes do navio lança-minas de Steve ter sido tirado da doca seca e ter
regressado
ao serviço no Pacífico Norte.
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No ano seguinte foi mandado para Pensecola, Florida,
para treinos de voo, e exactamente onze meses mais tarde, a
8 de Dezembro de 1943, James Douglas Morrison despontava
para a guerra em Melbourne, Florida, perto do actual Cabo
Canaveral.
O pai de Jim deixou-o quando tinha 6 meses e voltou ao
Pacífico para pilotar Hellcats de um porta-aviões. Clare e o
seu filho viveram com os pais de Steve em Clearwater durante
os três anos seguintes. A casa, precisamente no Golfo do México, era governada de um
modo cuidadosamente preceituado
e os seus residentes foram influenciados por clichés vitorianos: as crianças devem
ser vistas mas não ouvidas... ignora
qualquer coisa desagradável e ela desaparecerá... O asseio
significa quase religiosidade... Os avós paternos de Jim foram
criados na Geórgia. Nenhum deles bebia ou fumava.
O comportamento de Clare durante a ausência de seu
marido foi impecável, mas entre a opressão dos seus parentes
e o aborrecimento de Clearwater, estava ansiosa pelo regresso
de Steve do Pacífico, quase um ano depois da guerra ter acabado no húmido solstício
de Verão de 1946.
A inconstância e separação que caracterizou a família
Morrison durante a guerra continuou através da infância de
Jim: a primeira tarefa de seu pai no pós-guerra foi em Washington D. C, mas apenas
permaneceu lá seis meses até ser enviado - a primeira de duas vezes - para
Albuquerque, onde
foi instrutor durante um ano num dos programas militares de
armas atómicas. Por esta altura, Jim, com quatro anos, teve
uma irmã.
Foi na ida para Albuquerque, enquanto viajava com seus
pais na auto-estrada de Santa Fé, que Jim conheceu o que
mais tarde descreveria dramaticamente como «o momento
mais importante da minha vida». Chegaram até um camião
voltado e viram índios Pueblos feridos e a morrer, jazendo
no asfalto para onde tinham sido atirados.
Jim começou a chorar. Steve parou o carro para ver se
podia ajudar e deu uma saltada a um telefone para chamar
uma ambulância. Jimmy -como os seus pais o chamavam
até aos sete anos- olhou fixamente através da janela do
carro para a cena caótica, ainda chorando.
Steve voltou para o carro e partiram, mas Jimmy não
estava calmo, ficou cada vez mais perturbado, soluçando histericamente.
«Quero ajudar, quero ajudar...»
Steve consolou o rapaz enquanto Clare lhe segurava os
braços. «Está bem, Jimmy, está bem.»
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«Eles estão a morrer! Eles estão a morrer!»
Por fim o seu pai disse, «Foi um sonho, Jimmy, na verdade nada aconteceu, foi um
sonho.»
Jim continuou a soluçar.
Anos mais tarde Jim contou aos seus amigos que, quando
o carro de seu pai deixou o cruzamento, um índio morreu e
a sua alma passou-lhe para o corpo.
Em Fevereiro de 1948, Steve foi mandado para o mar,
como «oficial especial de armas», a bordo de outro porta-aviões. Os Morrison viviam
nesta altura em Los Altas, no
Norte da Califórnia, a quinta casa de Jim em quatro anos.
Foi aqui que Jim começou a escola e que o seu irmão Andy
nasceu.
Com sete anos, Jim foi arrancado de novo quando a carreira de Steve o levou uma vez
mais para Washington. Um
ano mais tarde, em 1952, Steve foi enviado para a Coreia para
coordenar os ataques aéreos a partir dos porta-aviões e o resto
da família Morrison regressou à Califórnia, estabelecendo-se
desta vez em Claremont, perto de Los Angeles.
Há quem diga que os aspectos negativos dos desenraizados
têm sido muito exagerados, que o que uma criança cuja família se movimenta
frequentemente perde em raízes tradicionais, ganha em novas experiências. Seja qual
for a validade
destes e outros argumentos, mantêm-se os problemas especiais.
Em primeiro lugar, uma família militar sabe que não
permanecerá permanentemente num sítio, e raramente tem
grande hipótese de escolher para onde ou quando fará a próxima mudança. Uma família
da marinha sabe que, mesmo
em tempo de paz, o pai passará longos períodos a bordo e, ao
contrário dos militares colocados em terra, não pode levar
consigo os seus dependentes. Os membros da família aprendem a viajar sem malas,
normalmente adquirindo apenas bens
essenciais, como mobília, prata, loiça e roupa branca. Jim, o
seu irmão e a sua irmã tinham brinquedos e livros, mas não
em abundância.
Muitas famílias não estão ansiosas por estabelecer novas
amizades, sabendo que a relação só pode durar um ou dois
anos. Outros tentam loucamente arranjar amigos e, ou se
esgotam emocionalmente, ou forçam tanto que ofendem a
ordem estabelecida.
É claro que a familiaridade das bases militares e a camaradagem que existe entre
todos ajuda a contrabalançar a
estranheza de uma nova comunidade. A família de um oficial
é sempre bem-vinda na messe dos oficiais, por exemplo, onde
se pode juntar a outras nesta sociedade altamente móvel. Isto
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acontece especialmente na marinha, cujos oficiais constituem
um grupo razoavelmente pequeno e íntimo. Ao longo dos anos,
muitos dos grandes amigos de Steve e Clare foram outros
oficiais da marinha e suas mulheres, cujos caminhos atravessaram e tornaram a
atravessar. Por outro lado, as crianças
encontram geralmente os seus amigos na escola, e os da marinha têm que procurar novos
amigos mais frequentemente.
Os psicólogos que têm estudado a sociedade altamente
móvel da marinha têm encontrado uma variedade de desregramentos emocionais, desde o
alcoolismo e discórdias matrimoniais até a manias e a uma propensão para a
«incoerência».
O factor mais significante talvez tenha sido a ausência periódica do pai. O papel da
mãe muda repetidamente, dependendo
do pai estar em casa ou não, e as crianças sentem muitas vezes
esta perturbação e a carência de autoridade. .
Quando Jim era pequeno, Clare e Steve concordaram em
nunca levantar a mão às crianças, e em praticar qualquer
outra espécie de disciplina, raciocinar com elas, tornar tudo
muito claro quando tivessem errado. Algumas vezes esta disciplina tomou a forma de
uma reprimenda, outras vezes de
um silêncio gélido.
«O que acontecia», diz hoje Andy, «foi que eles tentavam
fazer-nos chorar. Diziam-nos que estávamos errados, diziam-nos por que estávamos
errados e diziam-nos por que era
errado estarmos errados. Mantive-me sempre o mais firme que
pude mas eles conseguiam realmente culpabilizar-nos. Jim
acabou por aprender a não chorar, mas eu nunca o consegui.»
Quando Steve chegou à Coreia, no princípio de 1953, Jim
era um rapaz bem parecido ainda que ligeiramente gordo, cuja
inteligência, charme natural e boas maneiras o tornaram um
favorito dos professores e presidente da sua quinta classe. Mas
também podia espantar os mais velhos com uma linguagem
fanfarrona e chocante. Conduzia a sua bicicleta sem mãos e
foi expulso dos escuteiros por ter massacrado a cabeça do
chefe. Perseguia o seu irmão.
Jim partilhou um quarto com Andy na casa de Claremont
e se havia alguma coisa que ele detestava era o barulho da
respiração forte, especialmente quando estava a ler, a ver televisão ou a tentar
dormir. Andy sofria de amigdalite crónica,
o que tornava difícil a sua respiração à noite.
Por vezes, Andy acordava ofegante tentando desesperadamente respirar, e descobria que
tinha a sua boca tapada
com papel de celofane. Na outra cama, Jim fingia dormir ou
sustinha silenciosamente o riso.
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Depois dos Morrison terem regressado a Albuquerque,
Clare arranjou um trabalho de secretária em part-time. Jim
estava matriculado na escola de Albuquerque para os seus
sétimo e oitavo anos, de 1955 a 1957. Segundo uma observação
de um membro da família, foi nesta altura que as três crianças
se tornaram mais unidas numa «acção de defesa contra tanta
movimentação», mas foi também no Novo México que os seus
pais notaram o afastamento de Jim. Foi aqui que ele perdeu
o interesse pelas suas lições de música, recusou participar em
obrigações familiares, começou a sua leitura devoradora e teve
a experiência daquele perigoso passeio de tobogã.
Em Setembro de 1957, ao fim de dois anos no ar fresco
da Montanha do Novo México, os Morrison mudaram-se de
novo, desta vez para Alameda no Norte da Califórnia. Alameda é uma pequena ilha na
baía de São Francisco, notável
pela sua base aeronaval, que é o maior complexo industrial
na área da baía e a maior base aeronaval dos Estados Unidos
em todo o Mundo. Foi esta a nova morada de Jim e aqui passou o seu primeiro ano e
metade do liceu.
O único verdadeiro amigo que fez foi um colega de aula
alto mas gordo, de voz sonolenta. Fud Ford iniciou Jim nas
matizes sociais de High Alameda, dizendo-lhe que não era
bem-visto andar de bicicleta (Jim começou a percorrer a pé
a milha e meia para a escola) e que não era aceitável levar
Levis limpas para a aula.
«A minha mãe lava-as todas as semanas», disse Jim. «Por
vezes duas vezes por semana.»
Fud encolheu os ombros desesperadamente.
Jim esclareceu. «Tenho uma ideia. Deixarei um segundo
par na porta ao lado, debaixo da varanda de Rick Slaymaker.
Passo a mudá-las depois de sair de casa.»
Foi uma manobra óbvia para ganhar aceitação. Assim
foram também os seus esforços para chamar a atenção sobre
si próprio. Uma vez, prendeu a extremidade de um pedaço de
fio em volta de uma orelha, colocou a outra extremidade na
sua boca, e sempre que alguém fazia comentários, dizia que
tinha um minúsculo êmbolo pendurado na garganta para juntar saliva para exames
médicos. Lia avidamente as revistas
MAD e adoptou várias das frases apreendidas como sendo
suas. Ele dizia que era «crackers to slip the razzer the dropsy
in snide».
Numa primeira demonstração de indignação contra a
autoridade, algo que se tornaria uma obsessão da sua vida,
quando polícias locais o expulsaram do teatro de Alameda,
numa quinta-feira à noite, entre os barulhentos desordeiros
sentados na primeira fila, vociferou: «Identifiquem-se!» Inventou
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maneiras complicadas de atender o telefone, reflectindo o lado doentio do humor do
MAD ou a decadência do
sotaque étnico: «Agência Funerária Morrison... tu apunhaláste-os, nós enterrámo-los»
e «Está lá, residência Morrison daqui fala Thelma».
Algumas vezes Jim era mais subtil e mais bizarro. Quando
era apanhado a subir uma escadaria que só se podia descer,
era levado perante o «piquete de patrulha» dos estudantes e
lhe perguntavam, «confessas-te culpado ou inocente?» «Inocente», dizia Jim
solenemente, «como vêem, não tenho pernas».
Jim e Fud eram inseparáveis. Tomaram os primeiros
copos juntos, roubando gin da garrafa do comandante e substituindo-o por água.
Imitavam lutas na piscina do clube dos
oficiais que pareciam e soavam a lutas homicidas, e depois
riam todo o caminho para casa.
Partilharam também o tormento do despertar sexual. Jim
encorajou Fud a encontrar-se com ele na casa da Joy Allan,
no estuário, onde secretamente viam Joy e sua mãe vestirem
os fatos de banho. Perto dali, onde existiam casas construídas
em istmos a meio da baía, despiam os seus fatos de banho e
irrompiam repentinamente da água num lado, nadando nus
até ao outro lado e regressando. Jim disse a Fud que tinha
«comido» duas raparigas no seu próprio quarto quando a sua
mãe tinha ido às compras. Fud abanou a cabeça de inveja e
contou uma mentira a condizer.
Muitas das tardes de Jim foram passadas em casa de Fud
a escrever dúzias de programas de rádio selvagens, escatológicos e sexualmente
explícitos sobre os problemas dos «sobejos
e da masturbação».
«A masturbação ocorre normalmente entre os doze e
dezoito anos, embora alguns continuem para além dos
noventa e três. Você nem pode imaginar os perigos da
masturbação. Muitas vezes, uma grave erupção desenvolve-se em volta da pele exterior
do pénis "dei pisto",
que em casos extremos pode levar à amputação. Pode
desenvolver-se a "stridopsis" da glândula "papuntasistula"
ou, em termos leigos, você pode ficar com uma grande
pixa encarnada. Ninguém quer que isto aconteça. Mas
isto acontecerá, a não ser que seja feito um tratamento
imediato. Nós (na sociedade para a Prevenção da Masturbação) estamos equipados com
máquinas especiais de
ensaio e o nosso pessoal de enfermeiras especializadas
está sempre pronto para começar a trabalhar intensamente e a dar uma mão a quem
precisar.»
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Jim criou um complicado desenho a lápis de um homem
contorcendo-se e vomitando: «Rins estragados causaram isto.»
Outro mostrava um homem com uma garrafa de coca-cola
em vez do pénis, um insignificante abre-latas no lugar dos
testículos, com uma mão no ar e a pingar lama e mais lama
a sair do ânus. Um terceiro mostrava um homem com um pénis erecto do tamanho de um
bastão de baseboll, um pequeno
rapaz ajoelhado em frente esperando, e lambendo os dentes
aguçados em antecipação.
Jim fez centenas destes desenhos. Quando a sua disposição era mais alegre, ele e Fud
recortavam caricaturas das
histórias aos quadradinhos de domingo e reajustavam-nas em
tiras de papel, dando-lhes novo diálogo ou legendas. Ainda
aqui os temas eram sexuais ou escatológicos, mas imbuídos de
um humor invulgar para alguém com apenas catorze anos.
Jim sentou-se sozinho no seu quarto à noite. Fechou o
livro que o tinha tornado cativo durante quatro horas, respirando profundamente. Na
manhã seguinte começou de novo
a ler o livro. Desta vez copiou os parágrafos de que gostou
para um caderno de apontamentos que começara a acompanhá-lo.
O livro era o romance de Jack Kerouac sobre a geração
«beat» On The Road, publicado no mesmo mês em que os Morrison chegaram a Alameda, em
Setembro de 1957. Jim descobriu o livro nesse Inverno, na mesma altura em que em
São Francisco um colunista de jornal dava ao Mundo um
novo termo pejorativo: beatnik.
A sede mundial dos beatniks era North Beach, um lugar
vizinho de São Francisco, que estava apenas a quarenta e
cinco minutos de autocarro de Alameda. Aos domingos, Jim
e Fud andavam incansavelmente para cima e para baixo na
Broadway, parando para folhear alguns livros na livraria da
City Lights, onde existia na janela uma tabuleta que dizia
«Livros Proibidos». Uma vez Jim viu um dos donos da loja, o
poeta Lawrence Ferlinghetti. Jim disse olá de um modo nervoso e quando Ferlinghetti
lhe devolveu o olá, Jim fugiu.
Ferlinghetti era um dos favoritos de Jim, assim como
Kenneth Rexroth e AUen Ginsberg. Ginsberg causou o maior
impacto, pois era a versão real de Cario Max (um dos personagens de Kerouac em On The
Road), «o triste e poético homem
de confiança com temperamento sombrio». Foi uma imagem
que se agarrou a Jim como pastilha elástica.
Jim estava também fascinado por Dean Moriarty, O herói semiqueimado do Oeste nevado,
cuja energia deu ao
romance de Kerouac o fulgor da anfetamina. Ele era para
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Kerouac, um dos loucos, daqueles que estão doidos para viver,
doidos para falar, doidos para se salvar, desejosos de tudo ao
mesmo tempo, daqueles que nunca bocejam ou dizem uma
coisa trivial, mas que ardem, ardem, ardem como as fabulosas velas romanas amarelas,
explodindo como aranhas
através das estrelas e no meio vê-se o cesto de luz azul a disparar e toda a gente a
exclamar, Awww!
Jim começou a copiar Moriarty precisamente no seu riso
«hee-hee-hee-hee».
O tempo passou devagar em Alameda. Jim caiu «acidentalmente» na piscina da base
naval, ouviu repetidamente os
discos de Oscar Brand e Tom Lehrer e teve chatices com a
sua mãe.
Clare era uma «berrona» e quando não conseguia o que
queria, ameaçava reter as mesadas. Jim ria-se dela e uma vez,
quando ela se dirigia a ele furiosa, agarrou-a e começou a lutar
com ela no chão, tirando uma caneta de ponta redonda e
rabiscando o seu braço. «Não lutas lealmente», gritava ela.
«Não lutas lealmente!!!» Jim ria-se «Hee-hee-hee-hee, Oh
-hee-hee-hee-hee-hee...»
Jim veio da Califórnia para Alexandria, Virgínia, em
Dezembro de 1958, à frente do resto da família, para ficar
com uns amigos de seus pais, da marinha, que tinham um
filho da sua idade. Jeff Morehouse era o débil e caixa-de-óculos «cérebro» da aula e
apresentou Jim a Tandy Martin.
Tandy vivia somente a umas centenas de jardas da grande
casa que os Morrison alugaram em Janeiro, quando Steve
regressou ao Pentágono.
A casa, em tijolo e pedra, situava-se numa zona montanhosa e arborizada chamada
Beverly Hills, um bairro de
classe média superior, cuja população incluía diplomatas, oficiais militares de alta
patente, membros do governo, médicos,
advogados e senadores. Havia um grosso tapete às flores numa
sala cheia de antiguidades funcionais (um dos irmãos de Clare
era negociante de antiguidades), cadeiras demasiadamente acolchoadas e um grande
aparelho de televisão. As bicicletas ficavam encostadas à varanda exterior.
Jim e Tandy tinham na escola os cacifos perto um do
outro e normalmente percorriam juntos e a pé o caminho
para e do liceu George Washington.
Jim gostava de chocar Tandy: «Acho que vou ali mijar
naquela boca de incêndio», anunciou um dia, agarrando dramaticamente no fecho das
suas calças de chinês.
«Não», gritou Tandy horrorizada.
Num enredo mais laborioso, Jim convidou Tandy para
vê-lo jogar ténis com um primo que era surdo. Durante perto
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de uma hora, Jim «falou» ao seu primo com as mãos, traduzindo para Tandy, que estava
complacentemente ali perto. De
repente a conversa redundou numa discussão. Os dedos de
Jim e os do seu primo voaram como agulhas de tricot e por
fim o primo desapareceu silenciosamente.
Jim encolheu os ombros e disse a Tandy que a levava a
casa. «O que era tudo aquilo?», perguntou ela.
«Oh, nada», disse Jim. «Ele perguntou se podia vir connosco quando te levasse a casa
e eu disse que não.»
Tandy disse a Jim que ele era cruel e começou a chorar.
«Oh, Jim, como é que pudeste...»
«Oh, meu Deus», retorquiu Jim, «ele não é verdadeiramente surdo.»
Tandy parou de chorar e começou a gritar de raiva.
Foi a única namorada de Jim durante dois anos e meio
em Alexandria e sofreu muito. Jim testava-a constantemente.
Um sábado foram de autocarro para a Galeria de Arte
de Corcoran, próximo de Washington. Quando atravessavam
o Potomac, Jim deixou-se cair de joelhos no chão, agarrando
nos pés de Tandy.
«Jim!», disse Tandy num silêncio mortífero. «Que raio
estás a fazer? Pára com isso, pára com isso!»
Prontamente, Jim tirou-lhe um dos seus sapatos de calfe
e começou a puxar pela meia branca.
«Por favor, Jim.» Tandy envolveu as suas mãos no regaço
da sua saia pregueada, cingindo-o até os nós dos seus dedos
estarem brancos. Corou imenso, das bochechas até ao pescoço,
por baixo do seu rabo-de-cavalo.
«Tudo o que quero fazer é beijar os teus preciosos pés»,
disse Jim naquela voz «parva» e melosa que costumava usar
para chatear. Era uma voz encenada propositadamente de
maneira a que ninguém percebesse se ele estava a brincar ou
não. Jim levantou o pé nu entre as suas mãos, deu-lhe um
beijo e depois começou a fungar de riso.
O autocarro estacou numa paragem não muito longe da
galeria, meia hora antes desta abrir, e assim Jim e Tandy
foram para um parque ali perto. Chegaram a uma grande estátua de uma mulher nua
dobrada pela cintura.
Jim murmurou ao ouvido de Tandy, «Aposto que não
consegues beijar o rabo daquela estátua.»
«Jim...»
«Vá lá, estou a apostar.»
«Não.»
«Estás a dizer-me que tens medo de te aproximar das
nádegas de uma simples estátua de mármore?», perguntou
ele, exibindo como de costume o seu vocabulário.
26
«Vamos, Jim.» Tandy olhou de um modo nervoso à sua
volta. Alguns turistas tiravam fotografias à estátua.
«Vai, Tandy, põe o teu músculo globular a trabalhar.
Beija o músculo do glútens maximusl»
Tandy perdeu o controlo- «Não beijarei aquela estátua,
chames-lhe o que quiseres, digas o que disseres!»
O seu grito foi seguido por um silêncio. Tandy olhou em
volta. Toda a gente olhava para ela. Jim estava sentado a
algumas jardas, a olhar como se a não conhecesse, dificilmente
tentando conter-se sem explodir numa gargalhada.
«Perguntei-lhe por que brincava todo o tempo», diz hoje
Tandy. Ele disse, «Nunca ficarias interessada em mim se não
o fizesse.»
Tandy não foi a única submetida aos testes de Jim. Os
seus professores também sofreram - especialmente um ingénuo e observador professor de
biologia, muito para além da
idade da reforma. Jim enganava-o abertamente na sua aula e
uma vez, durante um exame, saltou por cima de uma das
mesas de laboratório, agitando os seus braços descontroladamente, fazendo com que
toda a gente olhasse para ele.
«Sr. Morrison», ouviu-se a voz zangada do professor.
«O que está a fazer?»
«Estava apenas a caçar uma abelha», disse Jim, ainda em
pé sobre a mesa. Os outros na sala começaram a rir.
«A abelha tem todo o direito de ser deixada em paz,
Sr. Morrison. Se faz favor volte para o seu lugar.»
Jim saltou para o chão e escarranchou-se na sua cadeira
em triunfo. A aula ficou em silêncio. Depois Jim pulou para
cima da mesa do laboratório e correu atrás da «abelha» pela
coxia até ela sair da sala.
Quando chegava tarde às aulas, Jim contava histórias
complicadas sobre ter sido assaltado por bandidos ou raptado
por ciganos; quando uma vez saiu de repente de uma aula e o
professor correu atrás dele, explicou que ia ser operado a um
tumor no cérebro nessa tarde. Clare ficou espantada quando o
director telefonou no dia seguinte a saber como tinha corrido
a operação.
Aproximava-se das raparigas bonitas, curvando-se, recitava dez ou mais versos, de um
soneto ou de um romance do
século XVIII que tinha decorado, curvava-se de novo e ia-se
embora. Depois do colégio acompanhava os amigos ao campo
de golfe (embora não jogasse) e andava ao longo da grade com
duas polegadas que contornava os relvados, equilibrando-se
inseguramente a trinta pés sobre os rápidos do Potomac. Nos
27
corredores da escola gritava aos companheiros, «Eh, filho da
mãe!»
Algumas vezes as proezas eram rodeadas de violência e
crueldade. Voltando de Washington no autocarro, apanhou
uma vez uma velhota a olhar para ele. «O que é que você
pensa sobre elefantes?», perguntou-lhe Jim.
Ela deixou rapidamente de o olhar.
«Bom», disse Jim, «o que é que você pensa sobre elefantes?»
Embora a mulher não respondesse, Jim berrou, «o que
se passa com os elefantes?»
Quando o autocarro chegou a Alexandria, a mulher estava a soluçar e vários adultos
diziam a Jim para a deixar
em paz.
«Estava apenas a falar sobre elefantes», disse ele.
Noutra altura, quando ele e Tandy depararam com um
paraplégico numa cadeira de rodas, Jim começou a contorcer-se, a girar e a salivar de
zombaria.
Embora Jim fosse às vezes assim desagradável, não tinha
dificuldade em atrair companheiros. De facto, a maioria daqueles que o rodeavam em
Alexandria pertenciam à elite de
George Washington, incluindo vários soldados notáveis, o director da revista do
colégio (votado como «o mais inteligente»
da aula), e o presidente do corpo de estudantes. Todos competiam pela sua atenção -
imitando inconscientemente a sua
maneira de falar, enquanto adoptavam as suas expressões favoritas: «Esta é forte!» e
«Ummmmhhh... apanhaste-me, precisamente nas golpadas!», incitando-o a duplos
encontros com
eles (sempre recusou); comentando o que passou a ser chamado «as histórias de Jim
Morrison». O magnetismo de Jim
estava a tornar-se óbvio, e até claramente interpretável.
«Nós éramos tão correctos», recorda um dos seus amigos
e colega de aula, «que quando alguém fazia verdadeiramente
estas coisas irritáveis, coisas que nós queríamos fazer, sentiamo-nos gratos de uma
certa maneira, e gravitávamos em volta
de Morrison. Ele foi uma atracção para nós.»
Tandy Martin dá-nos outra visão: «Quando se está no
liceu e se é diferente... por exemplo, eu quis entrar numa
irmandade religiosa porque queria estar na moda, mas sabia
que aquilo era mentira, então não pude fazê-lo. Foi-me oferecido um alto lugar nessa
organização e fui para casa chorar
toda a noite porque sabia que tinha que dizer não. E fiquei
emocionalmente ferida. Quando se pensa que se está no caminho certo, que toda a gente
está a fazer outra coisa e se tem
apenas quinze anos, bem, o que acontece é: o coração parte-se. E forma-se uma
cicatriz. Toda a gente quer pertencer a
28
qualquer coisa, quando tem quinze anos. Perguntaram a Jim
se queria entrar para a AVO - a fraternidade - e ele disse
que não.»
Durante os anos passados na George Washington, Jim
manteve uma média de 88.32, esforçando-se apenas minimamente, sendo designado duas
vezes para o quadro de honra.
O seu Q. I. era de 149. Pelas pautas do colégio, alcançava em
matemática uma média superior à nacional (528, a contrastar
com a nacional de 506) e muito mais alta em gramática (630,
a comparar com a média de 478). Mas as estatísticas significam
pouco. Os livros que Jim lia revelavam muito mais.
Ele devorou Friedrich Nietzsche, o poeta filósofo alemão cujas teorias sobre
estética, moralidade e dualidade apolínea-dionisíaca iriam aparecer frequentemente
nas conversas,
na poesia, nas canções e na vida de Jim. Leu as Vidas dos
Aristocratas Gregos, de Plutarco, ficando enamorado de Alexandre, O Grande, admirando
os seus talentos intelectuais e
físicos, enquanto adoptava parte da sua aparência: «... a inclinação de sua cabeça um
pouco para um lado em direcção ao
seu ombro esquerdo...» Leu o grande poeta simbolista francês
Arthur Rimbaud, cujo estilo influenciaria a composição dos
pequenos poemas em prosa de Jim. Leu tudo de Kerouac,
Ginsberg, Ferlinghetti, Kenneth Patchen, Michael McClure,
Gregory Corso, e todos os outros escritores «beat» editados.
Life Against Death de Norman O. Brown, repousava na sua prateleira ao lado de Studs
Lonigam, de Jones T. Farrel, vizinho
de The Outsider, de Colin Wilson, e ao lado deste, Ulysses (no
último ano o seu professor de inglês sentiu que Jim era o único
da aula que o lia e entendia). Balzac, Cocteau e Molière eram
familiares, junto com a maioria dos filósofos existencialistas
franceses. Jim parecia entender intuitivamente o que estas
mentes provocadoras ofereciam.
Passaram-se vinte anos e o professor de inglês do último
ano de Jim continua a falar sobre os hábitos de leituras de Jim:
«Jim leu muito e provavelmente mais do que qualquer outro
estudante da aula. Mas tudo o que ele dizia ler era tão estranho, que eu tinha outro
professor que ia à Biblioteca do Congresso verificar se os livros que Jim relatava
existiam verdadeiramente. Suspeitei que estivesse a inventá-los, pois eram
livros ingleses sobre demonologia dos séculos XVI e XVII.
Nunca tinha ouvido falar neles. Mas existiam, e estou convencido pelo trabalho que
ele escreveu que os tinha lido, e a
Biblioteca do Congresso teria sido a única fonte.»
Jim estava a tornar-se um escritor. Tinha começado a
guardar diários e cadernos de apontamentos que preenchia
29
com as suas observações e os pensamentos diários; frases de
anúncios de revistas; fragmentos de diálogo; ideias e parágrafos de livros; e cada
vez mais poesia quando entrou para
o seu último ano. A noção romântica da poesia tomava forma:
a «lenda de Rimbaud», a tragédia predestinada, ficaram gravadas na sua consciência; a
homossexualidade de Ginsberg, de
Whitman e do próprio Rimbaud; o alcoolismo de Baudelaire,
Dylan Thomas, Brandan Behan; a loucura e o vício de tantos
mais, nos quais a dor se uniu às visões. As páginas tornaram-se
um espelho no qual Jim via o seu reflexo.
Mas ser poeta requeria mais que escrever poemas. Exigia
um compromisso de viver, e de morrer, com grande estilo e
ainda maior tristeza; de acordar todas as manhãs com a febre
enfurecida e saber que nunca se extinguiria excepto com a
morte, e ainda estar convencido de que este sofrimento trazia
uma única recompensa. «O poeta é o sacerdote do invisível»,
disse Wallace Stevens. «Os poetas são os legisladores não reconhecidos do Mundo»,
escreveu Shelley «... os hierofantes de
uma inspiração incompreendida; os espelhos das sombras gigantescas que o futuro emite
sobre o presente.»
O próprio Rimbaud, numa carta para Paul Demeny, exprime melhor: «Um poeta torna-se um
sonhador através de
um longo, ilimitado e sistemático desregramento de todos os
sentidos. Todas as formas de amor, de sofrimento, de loucura;
investiga-se a si próprio, consome dentro de si todos os venenos
e preserva as suas quintessências. Um tormento indescritível,
onde irá encontrar a maior fé, uma força sobre-humana, com
que se torna, de entre todos os homens, o grande inválido, o
grande maldito - e o Supremo Cientista! Pois alcança o desconhecido! E que interessa
se for destruído no seu voo extático
por coisas inauditas e inomináveis...» O poeta como ladrão
de fogo.
Jim tinha escrito uma vez o que descreveu como um
«poema tipo balada», chamado The Pony Express, mas agora
lançava explosões mais pequenas, preenchendo cadernos de
apontamentos que iriam fornecer grande parte do material ou
inspiração para muitas das primeiras músicas dos Doors. Um
poema que sobreviveu foi o House Latitudes. Jim escreveu-o
depois de ter visto a sombria capa de um livro mostrando cavalos a serem lançados ao
mar de um galeão espanhol que estava
paralisado no Mar dos Sargaços:
When the still sea conspires an armour
An Her sullen and aborted
Currents breed tiny monsters
30
True sailing is dead
Awkward instant
And the first animal is jettisoned
Legs furiously pumping
Their stiff green gallop
And heads bob up
Poise
Delicate
Pause
Consent
In mute nostril agony
Carefully refined
And sealed over
Quando o mar tranquilo conspira armaduras / E as suas morosas e
abortadas / Correntes engendram monstrozinhos / A navegação tem
certa a morte /
Horrífico instante / E o primeiro animal vai borda fora / Patas com
toda a fúria / devorando / O próprio galope obstinado e verde / E erguem-se as
cabeças / Equilíbrio / Delicado / Suspensão / Aceitação /
/ Na ânsia das ventas mudas / Depuradas com cuidado / E seladas (*).
Muitos dos poemas de Jim, agora e mais tarde, falavam
sobre a água e a morte. Sendo embora um excelente nadador,
os seus amigos mais íntimos afirmaram que Jim receava profundamente a água.
Jim era estudante quando Tandy Martin foi transferida da George Washington para uma
escola de raparigas,
a St. Agnes School situada na mesma cercania. Jim via-a
frequentemente quando ela passava por sua casa a caminho
de casa dela e seguiu-a muitas vezes para partilharem horas
de esclarecedoras confidências.
«Qual é a tua primeira recordação?», perguntou Tandy.
«Estou num quarto e estão quatro ou cinco adultos à
minha volta e estão todos a dizer, «vem até mim, Jimmy, vem
até mim...» Estou apenas a aprender a andar e todos estão
a dizer, «vem até mim...»
«Como é que sabes que não é uma coisa que a tua mãe
te contou?» disse Tandy.
«É extremamente trivial. Ela não contaria uma história
como essa.»
«Oh! bom, Freud diz que...»
(1) Todas as poesias e fragmentos de poesia de Morrison neste livro são
tradução de Manuel João Gomes, editada no livro Jim Morrison - Uma Oração
Americana e Outros Escritos, Assírio & Alvim, 1981. (N. do T.)
31
Talvez Jim o achasse trivial, mas nos anos subsequentes
haveria de contar recordações semelhantes. A maior parte
delas eram apresentadas como sonhos, e todos retratavam
diversos adultos que estendiam os seus braços para Jim como
se fosse uma criança.
Tandy e Jim falavam sobre o que os assustava, o que
partilhavam e o que esperavam que acontecesse. Ele dizia
que queria ser um escritor, experimentar tudo. Disse, uma
vez ou duas, que queria ser um pintor e deu-lhe duas das
suas pequenas pinturas a óleo. Uma era um retrato de Tandy
em forma de Sol; o segundo era um auto-retrato que mostrava
Jim como um rei.
A pintura de Jim, como a sua poesia, era quase uma
actividade secreta. Como a sua mesada era pequena, roubava
tintas e pincéis, e depois dos seus quadros estarem prontos,
desapareciam tão misteriosamente quanto tinham chegado os
materiais. Os eróticos, claro, eram escondidos, destruídos ou
dados. Foram pintadas cópias dos nus de Kooning e os desenhos de pénis gigantes
parecidos com cobras, bandas desenhadas de fellatio eram colocadas disfarçadamente
nos livros
dos seus companheiros de aula, que Jim sabia irem ser vistos
pelos professores. Como de costume, Jim observava todas as
reacções, anotando o que podia aterrorizar, fascinar e enlouquecer.
Uma vez o irmão de Jim perguntou-lhe porque é que
ele pintava. «Não se pode passar todo o tempo a ler», disse
a Andy. «Os olhos ficam cansados.»
Andy adorava seu irmão mais velho, mesmo quando Jim
estava no estado mais desprezível. Relembra duas ou três
ocasiões em que eles caminhavam através de um campo e Jim
pegou numa pedra e disse, «Vou contar até dez e depois
atiro-te...»
Andy olhou num terror mudo para Jim, depois para a
pedra e de novo para Jim.
Jim disse, «um...»
«Não», gritou Andy, «Não, não...»
«Dois...»
«Vá lá, Jim, por favor Jim, por favor...»
Aos «três», Andy fugia e Jim gritou, «quatro, cinco, seis,
sete, oito, nove, dez», depois fez pontaria e acertou-lhe.
Jim tinha dezasseis anos quando fez isso, dezassete quando
se aproximou malevolamente de Andy com uma toalha na
mão cheia de merda de cão. Perseguiu Andy aos gritos por
toda a casa. Finalmente apanhou-o e esfregou-lhe a bosta na
cara. Era feita de borracha. Andy soluçou com alívio.
32
«Não sei quantas vezes estava a ver televisão e ele vinha
sentar-se à minha frente a dar traques», diz Andy. «Ou depois
de beber leite com chocolate ou sumo de laranja, o que torna
a saliva verdadeiramente pegajosa, ele punha os joelhos nos
meus ombros de maneira a eu não poder mexer-me e pendurava um amendoim por cima da
minha cara, deixando apenas
que a saliva deslizasse da sua boca e descesse, descesse, descesse até ficar
pendurada por cima do meu nariz... e então
chupava-a.»
Quando passeavam juntos nas redondezas e encontravam
alguém mais velho e maior que Andy, Jim dizia, «Eh!... o
meu irmão quer lutar contigo... o meu irmão quer lutar
contigo. O que é que vais fazer?»
No Jardim Zoológico, em Washington, Jim desafiou
Andy para andar na borda estreita ao longo da funda vala
que separava os animais dos espectadores. Outra vez, estimulou Andy a andar numa
borda semelhante que se precipitava a cinquenta pés numa auto-estrada.
«Se eu não o fizesse», diz Andy, «chamava-me "gatinho"
porque não estava a pedir-me para fazer alguma coisa que
ele não fizesse.»
Jim fez muitos desses passeios e mesmo na corrida de
tobogã, não caiu nem colidiu. Jim disse um dia, «Bom, ou
tens fé, homem, ou cais.»
Jim via pouco a sua irmã e os seus pais em Alexandria,
saindo muitas vezes de manhã de casa sem pequeno-almoço,
sem uma palavra. A sua irmã Anne, era apenas outro objecto
da sua troça incessante. Seu pai era o que sempre tinha sido:
mortalmente preocupado ou fisicamente ausente - visitando
o Cabo Canaveral para os lançamentos espaciais da Vanguard,
jogando golfe no Clube da Armada, voando para manter o
seu brevet e decifrando em casa quebra-cabeças matemáticos
em vez de prestar tanta atenção a Jim quanto Jim teria
gostado.
Nesta altura, a mãe de Jim era o parente dominante.
Mesmo quando Steve estava em casa, Clare controlava as
finanças da família. Era a exemplar mulher da marinha,
fazendo tudo bem, desde polir as pratas até organizar festas
de bridge. Ela era o que um familiar chamou «a animação
da festa, aquela que continuaria até à uma hora da manhã,
enquanto Steve ia para a cama às nove horas». Jim considerava-a uma mãe-galinha
demasiadamente protectora. Irritava-o, repisando sempre sobre o comprimento do seu
cabelo
ou o estado da sua camisa.
Jim vestia a mesma camisa durante semanas, até estar
em muito más condições. Numa dada altura, um professor
33
perguntou-lhe se precisava de assistência financeira. Uma vez
Clare deu a Jim 5 dólares para comprar uma camisa nova,
ele comprou uma por vinte e cinco cêntimos no armazém
do exército de salvação e gastou o resto em livros. Finalmente
tentou pedir à mãe de Tandy Martin que pedisse a Tandy
para falar com Jim. É claro que Tandy recusou.
Uma tarde Tandy estava com Jim em casa dele quando
ouviram os seus pais voltar. De repente Jim levou Tandy para
cima para o quarto dos seus pais e atirou-a para a cama,
desordenando a coberta da cama. Tandy protestou, levantou-se
e dirigiu-se para a porta, com Jim atrás dela. A encenação
estava perfeita. Tandy, devido a acção, estava com a blusa
para fora da saia, e Jim desceu a escada aos trambolhões precisamente no momento em
que os Morrison entraram na sala.
«Olá, mãe. Olá, pai.» Sorriu maliciosamente Jim.
Clare preocupada com a «singularidade» de Jim, teve medo
que ele tivesse herdado alguma da excentricidade que ela
acreditou caracterizar os seus irmãos. Não sabia o que fazer
quando Jim se voltava para ela e dizia, «Não se interessa
realmente pelas minhas notas, quer apenas que tenha boas
notas para poder gabar-se no seu clube de bridge.» Noutra
altura, ele chocou toda a gente quando deixou cair petulantemente os seus talheres de
prata no prato e lhe disse: «Parece
um porco quando come.»
Outros se espantavam também com o aspecto singular
de Jim. Quando ele deambulava por Alexandria com os seus
botins de Clarke, calças à chinês e camisa Banlon, a precisar de um corte de cabelo,
parecia cordialmente distante,
idiossincrático na pior das hipóteses. Outras vezes era fortemente minucioso. Raras
vezes com autorização para utilizar
o carro da família, tinha frequentemente boleia de amigos
que o levavam para o centro de Washington, mas de repente
saía e continuava a pé sem qualquer explicação.
Aonde é que ele ia? O que estava a fazer? Alguns acreditavam que ia ver um amigo que
tinha encontrado numa
dessas pequenas e curiosas livrarias que ele frequentava.
Outros dizem que se escapava para os bares pobres no velho
Monte 1, perto de Fort Belvair, para ouvir os cantores negros
de blues. A última hipótese parece mais provável. A música
de que ele gostava, e que tocava a maior parte das vezes
no seu quarto da cave, eram blues e espirituais gravados pela
Biblioteca do Congresso (nessa altura ele dizia que detestava
rock and roll). Também gostava de vaguear pelo porto decadente de Alexandria, e falar
com os negros que pescavam
34
nos pilares. Jim levou algumas vezes Tandy lá à noite, para
conhecer aqueles «amigos».
Estranhas eram as suas visitas ao luar a casa de Tandy,
onde Jim ficava no pátio de Martin, olhando silenciosamente
para a janela do quarto dela no 2º andar. Tandy afirmava que
acordava sempre, mas quando descia as escadas, Jim tinha
desaparecido. E quando depois acusava Jim de a ter acordado,
ele jurava que não tinha saído da cama.
Durante o seu último ano de liceu, os pais pressionaram
Jim a candidatar-se à Universidade, assim como lhe tinham
pedido que tirasse a sua fotografia para o anuário. Quando
Jim se mostrou desinteressado, os Morrison inscreveram-no
na Universidade de St. Petersburg na Florida e decidiram que
viveria com os seus avós, perto de Clearwater, enquanto frequentasse a Universidade.
Jim cedeu com indiferença e anunciou então que não tinha intenção de participar nas
cerimónias de graduação do seu liceu. O pai ficou furioso, mas Jim
manteve-se firme. O diploma foi enviado pelo correio, depois
do nome de Jim ter sido chamado e de ninguém se ter apresentado para o levantar.
O último encontro de Jim com Tandy foi sexta-feira à
noite, quando estacionaram perto do rio Potomac com a amiga
de Tandy, Mary Wilson e o respectivo namorado. Jim tinha
um pacote com seis cerejas e mais tarde, quando foram para
casa de Mary, exibiu um caderno de apontamentos com as
suas poesias. Enquanto Tandy lia o livro, Jim começou a
fazer palhaçadas, gabando-se que tinha consumido metade da
garrafa de whisky de seu pai no princípio da noite.
Tandy estava aborrecida e mostrou-o. «Oh, Jim, porque
precisas de usar uma máscara? Precisas de a usar sempre?»
De repente Jim começou a chorar e caiu no colo de
Tandy soluçando histericamente.
«Não sabes por acaso», disse finalmente, «que fiz tudo
por ti?»
Tandy lembrou-se dos Wilson, a dormir lá em cima, e
sugeriu a Jim que fosse para casa.
«Oh», disse ele. «tens medo que eu acorde os Wilson,
estou a pôr-te nervosa, não estou? Nem saberias o que fazer
se me encontrassem a chorar, não é?»
Tandy controlou-se e respondeu, «Não.»
Jim dirigiu-se à porta, disse boa noite, e saiu, fechando
a porta atrás dele. Tandy suspirou. Depois, a porta abriu-se
e Jim anunciou alto, «mudei de ideias!» E então confessou,
«Amo-te.» Tandy desabafou orgulhosamente, «Com certeza.»
«Oh, és tão convencida», disse Jim, dirigindo-se com
sarcasmo e usando a palavra que sempre desorientava Tandy.
35
Ela mostrou-se indignada. Jim pegou-lhe no braço e torceu-o
atrás das costas dolorosamente. Ela abafou um grito e ouviu
aterrorizada Jim dizer que o que devia fazer era pegar numa
faca afiada e cortar-lhe a cara, deixando uma repelente cicatriz, «de maneira que
ninguém olharia para ti a não ser eu».
Tandy nunca contou este incidente à sua mãe, mas a
Sr.a Martin não estava indiferente à mudança de personalidade de Jim. Nem a própria
Tandy. Ela tinha-o julgado inocente e alegre quando o tinha encontrado a meio do
segundo
ano. Agora, apenas dois anos e meio mais tarde, ele parecia
cruel, cínico, obsessivo, perverso e ela não percebeu a mudança. A sua linguagem
estava também, mais incorrecta e a
ameaça com a faca era aparentemente apenas um dos muitos
incidentes, só ainda mais assustador, que aconteciam em
rápida sucessão. Mrs. Martin disse a Tandy que ele parecia
«sujo como um leproso», e incitou-a a não gastar tempo
nenhum com ele. Talvez uma ideia alarmista, mas que suscitou a Tandy e à sua mãe a
recordação de um incidente passado
dois anos antes, quando Jim estava perto de Alexandria.
Disse Jim que tinha um problema que não podia discutir com os seus pais, e Tandy
(desejando que ele o discutisse
com ela) sugeriu que ele falasse com o jovem clérigo assistente na Igreja
Presbiteriana de Westminster que era o director da associação de jovens e que era
«moderado» com os
garotos. Jim concordou e foi marcada uma entrevista,
«Afinal penso que não irei», disse Jim no dia em que a
mãe de Tandy o foi buscar à George Washington.
«Oh, sim, vais», disse Tandy, que se encontrava ali perto
com uma das suas amigas. Juntas empurraram-no para o
assento traseiro do carro.
Qual era o problema de Jim e o que ele disse ao jovem
pastor são assuntos desconhecidos. Aparentemente Jim nunca
o confiou a ninguém e o clérigo assistente não se lembra da
visita. Agora, próximo da graduação de Jim, Tandy estava
curiosa por saber se o problema de há dois anos era relevante para «a mudança de
personalidade» que ela e sua mãe
tinham testemunhado.
Na noite seguinte, Jim telefonou a pedir desculpa pelo
incidente da faca e pediu para ver Tandy de novo. Ela queria
ver Jim, mas meses atrás tinha prometido a outra pessoa
que iria a um baile de gala e pensou que não era justo desfazer o encontro tão tarde.
«Mas vou-me embora para a Florida», disse ele. «Amanhã
vou-me embora para sempre.»
Tandy estava surpreendida. Era a primeira vez que ouvia
falar da partida. Zangada e ferida, disse que era pena ele não
36
lhe ter dito mais cedo, e mesmo antes de começar a chorar,
desligou o telefone.
Jim correu para casa dela furioso, ficou debaixo de uma
das árvores grandes e copadas no pátio de Martin, e gritou,
((Finalmente, ficarei livre de ti! Ficarei livre de ti! Vou-me
embora e nunca te escreverei... Nem nunca pensarei em ti!»
Depois Jim exigiu que Tandy lhe devolvesse as revistas
que tinha pedido emprestadas. Imediatamente. Tandy apareceu, boca e olhar cerrados
enquanto lhe dava os cadernos de
poesia.
Domingo à noite, Tandy acordou tarde e sabia que ele
estava no jardim das traseiras. Desceu as escadas e ouviu os
passos familiares a desaparecer. Chegou a uma janela e viu
o vulto escuro a entrar no carro dos Morrison.
O carro penetrou na noite em direcção à Florida.
37
CAPÍTULO 2
Jim esperava numa tórrida
paragem da Florida, despindo o casaco do seu fato preto,
abrindo com força o colarinho da sua camisa branca lavada
de fresco, aliviando a gravata encarnada às riscas: o uniforme
do St. Petersburg Júnior College. O «autocarro interno» que
o levava para casa abriu as portas.
Jim atirou-se para um lugar a meio do autocarro e
começou a assobiar, depois deu dois ou três longos arrotos
de barítono, um prelúdio barulhento e consciente para uma
das desconexas e miseráveis anedotas e exageradas histórias
que gostava de contar.
«Tinha um amigo que quis comprar um cão para caçar
patos», anunciou Jim, «então, foi ter com um veterano e
perguntou como poderia ter a certeza de conseguir um bom.
O veterano disse ao meu amigo para olhar para o rabo do
cão, porque precisava de um cão com o rabo apertado, de
maneira a que quando saltasse para a água, a água não
entrasse toda e o fizesse afundar. Então o meu amigo vai ao
canil local onde lhe é mostrado uma série de cães e dizem-lhe
que o preço são setenta e cinco dólares cada. O meu amigo
diz ao proprietário do canil que gostaria de examinar de perto
os cães...»
Quando Jim começou a história, parecia que estava a
falar consigo próprio. Mas logo toda a gente que estava
perto dele se esforçava para ouvir.
«... e dirigiu-se para um grande cão de olhar amigável
e levanta-lhe a cauda. "Oh!, oh!, diz o meu amigo", "grande
rabo", e avança para outro cão. O proprietário do canil aproxima-se, apontando para o
primeiro cão. "Que diabo está
você a fazer ao meu cão?" diz ele, "bem", diz o meu amigo
39
"estou apenas a olhar para o rabo do cão e é bastante grande,
vê, assim, quando eles saltam para dentro de água atrás de
um pato, a água entrará e ele afunda-se!" O proprietário do
canil olha e diz, "sim, o rabo é grande, não é?" E estende-se,
agarra subitamente nos tomates do velho cão, dá-lhe cerca
de meia-volta e o rabo velho fica logo apertado. "Desculpe",
diz o proprietário ao meu amigo, "eu tinha aquele cão adaptado para codornizes!"»
Jim começou com o seu largo riso hee-hee-hee e começou
outra história, ignorando os suspiros e o silêncio frio.
Rapidamente, os outros estudantes do autocarro estavam
de novo a ouvir com atenção.
O autocarro da Universidade largou Jim a três quarteirões donde ele vivia. Era uma
distância pequena mas suficiente para planear alguma maneira de chatear a sua «Avó»
Carolina e o seu «Avô» Paul. Ambos os Morríson mais
velhos eram abstémios e, embora Paul tivesse uma fraqueza
por corridas de cães, as atitudes predominantes naquela casa
confortável na velha parte antiga da cidade eram fundamentalistas; Jim troçava delas.
Ignorou os seus apelos para cortar o cabelo, fazer a
barba, mudar de roupa, ir à missa. Ameaçou levar uma
«rapariga negra» para casa, e deixava garrafas de vinho
vazias no seu quarto. Por vezes não falava durante dias;
entrava e saía do seu programa diário como fumo negro.
«Ele odiava o conformismo, conseguia introduzir sempre
alguma modificação estranha nas coisas», recorda a sua avó.
«Tentava chocar-nos. Adorava fazer isso. Contar-nos coisas
que sabia fazer-nos sentir indispostos. Mas pura e simplesmente não percebíamos,
nenhum de nós. Jimmy tinha muitas
facetas. Via-se uma e, em seguida vislumbrava-se outra.
Nunca se sabia em que é que ele estava a pensar.»
Jim atravessou o seu ano académico na JC anonimamente, ignorando todas as actividades
extra-curriculares. As
notas do seu primeiro semestre foram vulgares: um A, dois B,
um C e um D.
Mais interessante foram as conclusões dos testes de
personalidade, dados a todos os novos alunos. Aqui, Jim foi
considerado impulsivo, despreocupado e extremamente afectuoso, ainda que oposto à
disciplina e autodomínio... mas
paradoxalmente foi também considerado tímido e interessado
em actividades públicas assim como em pensar... extremamente hipercrítico das
instituições sociais... dado à autocompaixão... e surpreendentemente «macho»
considerando as
suas inclinações para a literatura e o seu à-vontade em composição
40
e comunicação como mostram as suas notas de
Alexandria.
Jim era capaz de proezas de virtuosismo intelectual.
Quando os amigos visitavam o seu quarto provocava-os, «vá
peguem num livro, em qualquer livro». A sua voz era orgulhosa, embora desse pontapés
no tapete do seu quarto: tímido
mágico. «Peguem em qualquer livro, abram-no no princípio
de qualquer capítulo e comecem a ler. Deixarei os meus olhos
fechados e dir-vos-ei que livro estão a ler e quem é o autor.»
Jim estendeu um braço em volta do quarto para as centenas de livros em cima da
mobília e empilhados por todo o
lado contra as paredes.
E nunca falhava!
Mais generoso mas não menos memorável foi uma altura
em que ele ajudou uma amiga no seu exame final, analisando
imediata e habilmente um grande livro de poesia. Escreveu
para outro amigo uma composição de trinta páginas sobre
Lord Essex, um dos amantes da Rainha Isabel, desenrascando
uma extensa biografia toda inventada.
«Tive que escrever e fazer um discurso sobre a "Integridade Moral: Imperativo para a
Nossa Sobrevivência", diz
Andy, o irmão de Jim. "Nem sabia que diabo isso significava.
Os meus pais não me deixariam sair de casa para as férias
da Páscoa enquanto não terminasse, e Jim queria que eu
saísse com ele. Trabalhei alguns dias e Jim pegou finalmente
nele e tornou a escrevê-lo para mim, adicionando no final
muita da sua própria substância. O discurso estava muito bom,
e acabava: "Estamos a flutuar em órbitas cegas, abandonados,
solitários." Havia três ou quatro frases como estas em série,
e embora não fosse muito o meu estilo, tive um A no discurso.»
Jim travou amizade com um pequeno grupo de graduados
do Liceu de Clearwater, com quem bebia uns copos. Embebedava-se em bailes e ficava a
um canto fingindo ser uma
árvore; embebedava-se noutros lugares e uma vez fez um corte
profundo, mas foi tão agressivo e insultuoso que o médico
do hospital local se recusou a tratá-lo.
Jim não bebia ainda em grande quantidade nem constantemente como um dos colegas de
aula observou, «Era como
se ele bebesse só para ficar bêbedo; de outra maneira não
bebia nada.» Para Jim, ficar intoxicado era uma ocasião
especial. Mas já era uma forma aparente de alívio.
Surgiu uma ocasião importante no aniversário dos seus
dezoito anos, em Dezembro, quando se alistou na tropa. Jim
odiava a vida militar com uma fúria desesperada, temendo o
terrível ascendente da autoridade. Não havia, em 1961, qualquer movimento popular
antiguerra. Jim nunca tinha ouvido
41
as palavras «objector de consciência». Por isso se alistou,
saiu e embebedou-se. Membros da família dizem que um tio
que vivia em Clearwater o livrou de uma desastrosa situação
nessa noite, que poderia ter resultado num escândalo infamante. Aparentemente, foi
tão embaraçoso para eles, que
nunca revelaram o que aconteceu.
Nessa mesma altura, Jim encontrou um refúgio; um
velho hotel no despovoado palmeiral entre Clearwater e St. Petersburg, a galeria
Renaissance e o café, uma toca com estúdios, palcos e pátios que estavam na lista não
oficial do
colégio como «fora dos limites». Foi isto que provavelmente
atraiu Jim, mas foram as leituras de poesia, os concursos de
canto folk e a boémia predominante que o prenderam.
O Renaissance era dirigido por um tagarela homossexual
trintão chamado AUen Rhodez. Meia hora depois de o ter
conhecido, foi Jim inundado com o equivalente verbal de um
romance épico, um manancial de informações que incluía
histórias de antepassados que tinham projectado St. Petersburg
no século XIX, aventuras largamente exageradas da conquista
sexual por altura dos cortes de luz em Londres durante a
guerra, contos do tempo de Rhodez com a companhia de
dança All-Male de Red Shawn, a origem da família e a
tendência sexual de todos os gajos que rondavam o labirinto
da galeria, referências ao campo de nudistas Garden of Éden,
a Norte de Tampa - todas as declarações introduzidas com
a expressão «Não vais acreditar nisto, cais já aí morto».
Allen lembrou-se de dizer a Jim que achava que ele
tinha «aquele» fascínio precisamente como Elvis. E recorda-se
de lhe dizer, que quando estava em Londres durante a guerra
e ia para o engate, qualquer que fosse a sua atracção nas ruas,
nunca usava qualquer roupa interior.
«Mostra a tua carne é o que eu digo a toda a gente.
Nunca me apercebi que falhasse.»
Jim visitou a sua família, que vivia agora num subúrbio
de San Diego, no final do ano escolar. Quando regressou
a Clearwater em Julho, encontrou finalmente alguém que
assumisse o papel de Tandy Martin como namorada e confidente.
Mary Francês Werbelow tinha quase dezasseis anos, mais
de cinco pés de altura (1), cabelo castanho comprido e tinha sido
a segunda classificada no Concurso Sun'n Fun Beauty daquele
Verão. Tinha acabado há pouco o ano de entrada no College
de Clearwater quando Jim a conheceu numa festa.
(1) Aproximadamente 1,5 m. (N. do T.)
42
«Hey, hey, olhem todos para ali!» advertiu uma vez.
Jim estava equilibrado com um pé no parapeito da varanda
de um apartamento, balançando a vinte pés de altura.
«Hey, estiveste a beber, rapaz?»
Gargalhadas.
Jim colocou o pé direito no parapeito e levantou o esquerdo, escorregou e começou a
agitar os braços. Estava a
cair. O rapaz e a rapariga que estavam mais perto dele agarraram-no e arrastaram-no
para a porta.
«Não devias ter feito aquilo», disse Jim à rapariga. «Mas
porque foste tu, está bem.» E abriu-se num sorriso irresistivelmente infantil.
Mary era católica e nunca tinha pensado em tornar-se
freira. Era sossegada, como Jim, o que lhe dava um ar de
maturidade. Disse a Jim que ensinava dança em part-time
no Estúdio local de Dança Fred Astaire, e que um dia queria
ser dançarina de cinema. Entusiasmou-se imediatamente com
Jim quando ele confessou que queria escrever e dirigir filmes.
«Escreves poesia?» Perguntou Jim.
«Algumas vezes. Mas não mostro a ninguém.»
«Tenho alguns poemas...»
«Tens?»
Na última semana das férias de Verão Jim tornou-se
influente na vida de Mary Francês. A seu pedido, ela começou
a usar óculos escuros, como provocação à convenção local.
Experimentou álcool pela primeira vez. Depois disse a seus
pais que iria visitar Jim aos fins de semana quando ele começasse as aulas em
Setembro na Universidade de Estado da
Florida, em Tallahassee.
Todas as noites Jim ficava de roupa interior no meio
do pequeno quarto, e esticava-se tentando chegar ao tecto na
ponta dos pés. Disse ao seu companheiro de quarto que o
fazia para ficar mais alto e parecia acreditar nisso. Jim
pesava 132 libras e media 5,8 pés (1), quando deixou Alexandria e dizia que tinha
crescido mais do que uma polegada desde
então partilhava uma moderna casa com três quartos a uma
milha da cidade universitária com outros cinco estudantes. Só tinha conhecido dois
deles anteriormente; os outros
eram companheiros de casa por conveniência. Como era seu
costume, começou imediatamente a «testar» os seus companheiros
(1) Aproximadamente 60 kg e 1,77 m. (N. do T.)
i (2) Aproximadamente 2,5 cm. (N. do T.) x
43
de quarto. Tinha-se tornado obcecado por Elvis Presley
e exigia o silêncio de todos sempre que os discos de Presley
eram tocados na rádio, pondo o volume no máximo, e sentando-se defronte dela,
hipnotizado. Quando os seus avós lhe
mandaram um cobertor eléctrico, recusou-se a pagar a sua
parte da conta de electricidade. Em Halloween, Jim embaraçou toda a gente saudando as
miúdas apenas vestido com
uma grande capa que ele abria logo que elas entravam em
casa atraídas pelos doces que lhes oferecia.
Jim também causou problemas nos autocarros que ele
e os seus companheiros de casa apanhavam para a aula. Uma
vez deu ao condutor uma nota de vinte dólares e discutiu
agressivamente quando o condutor lhe disse que não tinha
troco. Outra vez, foi para a parte de trás do autocarro e
insistiu barulhentamente que todos os negros mudassem para
a frente. Outro dia, ainda, sentou-se atrás do condutor ao lado
de uma rapariga de dez anos e sorriu para ela.
«Olá», disse.
A rapariga estava sentada firmemente no seu lugar, lançando nervosamente os seus
olhos para Jim.
«Tu és mesmo bonita», disse Jim, soltando a sua voz
labrega.
A rapariga estava embaraçada.
«Tens mesmo umas pernas bonitas», disse Jim.
O condutor olhou pelo espelho retrovisor a tempo de
ver Jim inclinar-se sobre a rapariga e pôr a mão no joelho
dela.
O autocarro estacou na paragem seguinte e o condutor
voltou-se. «Fora, jovem, sai!»
«Oh, se faz favor, amável senhor», lamentou Jim. «Foi
um elogio oferecido com inocência. Ela faz-me lembrar a
minha irmã mais nova que está em casa. De repente tive
saudades de casa, senhor.»
Finalmente o condutor cedeu, dizendo a Jim que poderia
ficar no autocarro se ficasse quieto com as mãos.
Todos os seus companheiros de quarto estavam no autocarro e fingiam não o conhecer.
Mas ele foi o primeiro a
apear-se logo que o autocarro chegou aos campus e voltou-se,
chamando, «Hey companheiros!» e acenando.
Automaticamente todos eles responderam ao aceno.
Então Jim gozou, «vão-se foder», curvou-se, riu-se e começou
a andar de modo empertigado.
Pediu emprestado um Thunderbird que pertencia a um
dos seus companheiros de casa e embateu num poste telefónico. Bebia as cervejas,
devorava a comida, e vestia as roupas
de todos sem pedir. Guardou registos exactos de todas as
44
acções e das reacções deles, escrevendo nos seus diários como
se fosse um antropólogo e os seus companheiros de casa a
sua matéria de investigação.
Em menos de três meses, Jim tinha posto a casa desvairada. Todos viviam num constante
estado de ansiedade só de
pensar no que iria acontecer a seguir. Tudo rebentou uma
noite, em Dezembro, perto do fim do trimestre, quando Jim
estava a ouvir discos muito alto. Eles disseram-lhe que teria
que se pôr em ordem ou sair. Jim endireitou-se. Disse que
o problema era deles, que não estava a fazer nada que eles
não pudessem suportar, que eles não estavam a fazer nenhum
esforço e quis saber a razão porque lhe pediam para ele
mudar quanto ele não lhes estava a pedir que mudassem. Eles
terminaram exigindo-lhe que saísse. Jim disse que estava bem,
mudou calmamente as suas coisas nessa noite e no dia seguinte
tinha desaparecido.
Mudou-se para metade de um reboque situado atrás de
um internato de raparigas, a três quarteirões do «Campus».
Pagava por isto 50 dólares por mês, metade do montante
que os seus avós lhe mandavam. Os seus pais também lhe
mandavam dinheiro, sempre que ele lhes escrevia uma carta.
«Ele tinha que escrever uma carta todos os meses para
conseguir um cheque», diz o seu irmão Andy. «Não escrevia
sobre encontros ou outra coisa qualquer. Contava uma história. Estava num cinema
quando se declarou um incêndio,
toda a gente entrou em pânico, violentando as portas; ele foi
o único que se manteve calmo. Subiu para o palco, sentou-se
ao piano e cantando uma canção, acalmou a audiência para
que saísse do cinema com segurança. Outra carta estava
cheia de detalhes acerca de como viu um sujeito a afogar-se
num pântano.»
Jim tirou dois cursos influentes no segundo trimestre.
Um sobre as filosofias do protesto, considerando aqueles pensadores que foram
críticos, cépticos ou revolucionados contra
a tradição filosófica: Montaigne, Rousseau, Hume, Sartre,
Heidegger, e o favorito de Jim, Nietzsche. O segundo curso
tratava do comportamento colectivo, a psicologia das massas.
O Professor James Geschwender era um homem baixo
e gordo, de cabelo escuro, e Jim foi um dos seus melhores
alunos. «Ele conseguia arrastar o professor para espantosas
discussões», diz Bryan Gates, um colega de aula, «e nós todos
lá ficávamos, sentados e emudecidos.» Jim parecia conhecer
tanto a natureza humana. Atravessava sem esforço todas as
aulas. Eu estudei bastante pelos livros, mas poder-se-ia pensar
que Jim os escrevera. O professor submetia-se a ele nas aulas,
45
e disse-nos que a tese final de Jim era a melhor que ele jamais
tinha visto de um estudante com a sua preparação educacional
limitada. Efectivamente, ele até acrescentou que essa tese
bastaria para qualquer candidato a doutor.
Ainda durante o liceu, Jim tinha lido a interpretação
freudiana da história, Life Against Death, (A vida contra
a Morte), de Norman O. Brown, e a sua teoria de que a humanidade deve ser observada
como estando inconsciente dos seus
próprios desejos, hostil à vida e involuntariamente inclinada
para a própria destruição, atraiu-o muito. A repressão não
só tinha causado neuroses individuais, escreveu Brown, mas
também uma patologia social. Jim concluiu que as massas
podiam ter neuroses sexuais muito parecidas com as dos indivíduos, e que estas
perturbações podiam ser rápida e efectivamente diagnosticadas e depois «tratadas».
O professor estava cativado! «As últimas aulas foram
dedicadas à discussão da tese», diz Bryan, «com Geschwender
e Jim a falar. Deixaram-nos para trás. Não sabíamos de que
estavam a falar.»
Ávido por provar certa teoria, Jim incitou três dos seus
conhecidos a juntarem-se a ele para despedaçar um orador
da Universidade.
«Posso olhar para uma multidão», disse para seus amigos.
«Posso simplesmente olhar para ela. É tudo, uh, muito científico, e consigo
diagnosticar psicologicamente a multidão.
Apenas quatro de nós, correctamente localizados, podem
converter a multidão. Podem curá-la. Podem fazer amor com
ela. Podemos agitá-la.»
Os amigos de Jim olharam para ele inexpressivamente.
«Hey», disse Jim, «vocês nem querem tentar?»
Os amigos foram-se embora.
Durante os fins de semana, Jim percorria muitas vezes
à boleia as duzentas milhas até Clearwater para ver Mary.
Permanecia fascinado pela sua inocência, em admiração à
sua virgindade psicológica e física. Ela cantava e dançava.
Gostava de andar descalça à chuva.
Além de Mary, o único amigo íntimo de Jim durante
o segundo trimestre foi Bryan Gates, que se parecia um pouco
com o Basil Rathbone em novo e, como Jim, tinha um pai
que passou pelo menos metade da sua vida no exército.
Quando Jim molestava Bryan por estudar para uma
carreira de comerciante, Bryan achava que ele era superficial
e estúpido. A sua recusa bonacheirona em deixar Jim perturbá-lo consolidou a relação
que tinham. Não foi pois de
surpreender quando Jim perguntou a Bryan se ele queria
46
acompanhá-lo numa viagem à boleia através dos Estados
Unidos quando o trimestre acabasse e Bryan se graduasse
em Abril.
Jim já tinha estabelecido uma considerável reputação
como o «homem das boleias». Muitas vezes durante as suas
viagens entre Tallahassee e Clearwater, recusava boleias
- uma vez, depois de estar uma hora à chuva - somente
porque o condutor parecia «desinteressante». Bryan pensou
nisso e disse que era agradável.
Jim e Bryan pernoitaram em Clearwater duas semanas,
tempo durante o qual Jim fez planos para Mary se juntar a
ele na Califórnia depois de acabar o liceu em Junho. E uma
vez juntos em Los Angeles, planearam arranjar um apartamento, empregos e inscreverem-
se na Universidade da Califórnia. Disse a Mary que então iria realizar o sonho da sua
vida: inscrever-se na escola de cinematografia para aprender
a maneira de transpor as suas ideias e fantasias num filme.
Em seguida Jim e Bryan seguiram para Oeste, gastando seis
dias na estrada, o que teria tornado orgulhoso Jack Kerouac.
Foram provocados pela polícia de Mobile, Alabama, às
quatro horas da manhã e no dia seguinte, em Nova Orleães,
Jim foi divertir-se para o que ele chamou «as franjas»; começou por meter-se com
alguém que ele pensava ser hermafrodita, depois tentou sacar uma lésbica cujo amante
puxou de
uma faca e ameaçou trinchá-lo. No Leste do Texas, tiveram
uma boleia do primo do Vice-Presidente Lyndon Johnson,
foram levados para a terra de naturalidade de L. B. J. e depois
para o seu rancho, onde comeram carne grelhada e foram
apresentados à tia de Johnson. Entraram no México por
Juarez à meia-noite e Jim falou toda a noite no seu espanhol
aprendido no liceu com uma prostituta mexicana numa cantina nativa a trezandar a
álcool. Em Phoenix, apanharam
uma boleia às seis horas da manhã de uma rapariga que
imediatamente lhes disse, «Posso também igualar-me a vocês,
preciso de um homem, de um homem a valer» fazendo com
que Bryan agarrasse no volante e atirasse o carro para a
berma, numa curva.
«Vá, homem, vamos segui-la», disse Jim.
«Ela quer levar-nos para o seu apartamento às seis horas
da manhã? De maneira nenhuma. Vai tu, eu piro-me daqui.»
Com relutância, Jim seguiu o seu amigo.
Quando chegaram a Coronado na tarde seguinte, a recepção foi severa. Em primeiro
lugar, a mãe de Jim disse-lhe
que não podia entrar em casa sem cortar o cabelo. Disse-lhe
também que estava estarrecida com as suas boleias depois de
lhe ter mandado o bilhete de avião.
47
Mais tarde, desaprovou vociferante as suas viagens regulares a San Diego onde ele e
Bryan exploravam as salas de
poker e os turbulentos bares da marinha. Mas o que realmente a espantou foi a
participação de Jim de que ia para
Los Angeles matricular-se na UCLA.
«Espera apenas que o teu pai chegue a casa», disse ela,
«espera só. Ele estará em casa daqui a menos de um mês e...»
Mas nessa altura já Jim se tinha ido embora.
Durante três semanas Jim e Bryan procuraram empregos
e viveram com as primas de Bryan em East Los Angeles,
partilhando um estúdio. Mas não havia empregos e acabou
por não haver mais dinheiro para partilhar; a aventura e a
fantasia desintegravam-se. Foi então que a mãe de Jim telefonou a dizer que o seu pai
desembarcaria dentro de poucos
dias em Long Beach. «Espero que estejas na doca», disse-lhe ela.
Jim desligou sem lhe ter prometido, mas lá foi. Disse
a seus pais que queria permanecer em Los Angeles mas eles
proibiram-no. Jim apresentou uma dúzia de alternativas. Foram todas registadas, e
duas semanas mais tarde foi escoltado
para um avião com destino à Florida, a tempo de se inscrever
num curso acelerado de Verão.
Jim decidiu mudar-se para o seu estúdio repleto de livros
na College Avenue e, a 18 de Junho, inscreveu-se no número
de cursos estritamente indispensável para passar. Foi um
Verão calmo excepto quanto ao curso de História Medieval
Europeia. Jim disse ao seu professor que queria escrever um
longo trabalho de investigação em vez dos dois pequenos
ensaios obrigatórios, e que queria escolher o seu próprio tema.
«Era inaudito, mas estava intrigado, de maneira que
concordei», recorda o professor.
Jim escreveu sobre Hieronymus Bosch, o pintor holandês
que viu o Mundo como um inferno, no qual passamos através
do sistema digestivo do diabo, e de quem quase nada se sabe
ao certo. A teoria de Jim era que o artista era um membro
da seita de Adão, um grupo de heréticos medievais.
«Não fiquei convencido», diz o professor, «mas fiquei
excitado com o que Jim escreveu.»
Jim acabou as aulas a 27 de Agosto, completou o seu
último exame três dias mais tarde e depois apanhou uma vez
mais uma boleia para Clearwater onde participou em festas
na praia, bailes e copos. A 5 de Setembro, estava de volta a
Tallachassee, inscrevendo-se numa aula de história de arte da
última Renascença, que incluía um estudo adicional de Bosch,
e vários cursos no Departamento de Língua: introdução ao
48
teatro, história do teatro, Elementos fundamentais de representação, e os Princípios
de «design» de cenário.
O plano de Jim era preparar uma base para as aulas de
cinematografia que estava determinado a tirar na UCLA, a
começar em Janeiro. Com esse objectivo, Jim requereu oficialmente a transferência,
alguns dias depois de se ter inscrito
na FSU, pedindo ao seu antigo liceu de Virgínia que mandasse as suas notas para a
secção de matrículas da UCLA.
Para isso, Jim mudou-se para o quarto 206 do Hotel
Cherokee durante o seu quarto e último trimestre na FSU,
uma estalagem deprimente no centro da cidade onde anos
atrás tinham passado como hóspedes congressistas do Estado
em visita às prostitutas residentes. «Nessa altura o Cherokee
não era uma casa de putas», diz Bryan Gates, «mas a reputação manteve-se e, para Jim,
era como se estivesse em casa.
Sentia-se lá verdadeiramente confortável.»
Jim começou a andar com um pequeno grupo de estudantes mais velhos e com alguns
instrutores e professores,
sendo a maior parte deles grandes amigos de beber e interessados no departamento de
arte. Algumas semanas depois mudou-se do Cherokee para uma casa de quatro andares com
dois
deles. Agora o ênfase estava nos divertimentos.
Um domingo, Jim encheu-se de vinho, e enquanto se
envolvia numa simulada batalha de chapéus de chuva a caminho de um jogo de football,
roubou o capacete de um
polícia de um carro de patrulha. Foi preso e algemado, e na
confusão que se seguiu a uma tentativa de fuga, o capacete
desapareceu e Jim foi acusado de pequeno furto, assim como
de distúrbios, resistência à prisão e bebedeira pública.
No dia a seguir Jim apareceu na casa de Ralph Turner,
o professor de história, para quem tinha escrito o ensaio
sobre Bosch. Disse que tinha passado a noite no calabouço
e que tinha medo que tivesse que voltar para o «campus»,
quando na Universidade se soubesse. O professor, que hospedava muita gente, concordou
rapidamente em o ajudar.
Na segunda-feira, Turner acompanhou Jim ao barbeiro,
ajudou-o a pedir um fato emprestado, foi a tribunal com ele
e, mais tarde, chamou o reitor a depor em seu favor. Jim
foi multado em 50 dólares (uma soma que ele tinha mas de
que não desejava desfazer-se, tendo então pedido à sua mãe
que lha enviasse, não explicando porquê) e ficou em liberdade condicional na
Universidade.
A intercessão de Ralph Turner e as repetidas notas altas
de Jim, assim como o respeito de vários outros professores,
livraram-no das restrições mais severas do «campus». Continuou a fascinar os seus
colegas de aulas e professores.
49
Para a aula de História do Teatro, Jim escreveu um ensaio
impressionante, interpretando À Espera de Godot (1) como
uma história de guerra civil, porque existia no elenco um
Grant, um Lee e um Escravo. O seu professor de Cenografia relembra uma das cenas
propostas por Jim em que
aparecia um homem nu suspenso sobre o palco como se
estivesse crucificado. Noutro cenário, para a Gata em Telhado de Zinco Quente (*) Cat
on a Hot Tin Roof, indicou
uma pequena ponta de luz na parede de fundo no começo
da peça, a qual deveria crescer até cobrir a cena e que, no
final, se percebia ser a superfície de uma célula de câncer
(o principal personagem da peça morre de cancro).
Depois, sem qualquer experiência, Jim conseguiu um de
dois papéis numa produção da universidade da peça de teatro
do absurdo, O Criado de Harold Pinter. Jim ostentava no
programa o nome artístico de Stanilas Boleslanski inventado
a partir dos nomes do grande actor e produtor russo Stanislavski, pai do método
homónimo, e do moderno encenador
polaco Richard Boleslanski, que tinha estado com o Teatro
de Arte de Moscovo de Stanislavski antes de emigrar para
os Estados Unidos para fazer filmes.
O director de Jim, Sam Kilman, introduziu-o na obra de
Antonin Artaud, que escreveu o seu grito para a revolução no
teatro a partir de asilos de doidos durante os anos trinta e
quarenta: «Devemos reconhecer que o teatro, como a peste,
é um delírio e é comunicativo; isto é o segredo do seu fascínio.» Jim adorava-o.
«Foi interessante trabalhar com Jim», diz Keith Carlson, o
actor que contracenava consigo em O Criado. Todas as noites,
ao esperar que o pano subisse, não tinha qualquer ideia do
que ele ia fazer. Foi difícil ajustar-me a ele, porque tendia
a representar o papel sempre de maneira diferente. Ele não
se ajustou, nem a mim, nem ao diálogo, nem a qualquer
destas coisas tradicionais. Preparava cenas e declamava versos
com uma inflexão que parecia totalmente desmotivada ou,
pelo menos, inesperada. Existiu sempre um constante substracto de apreensão, uma
sensação de que as coisas estavam
próximas da perda de controlo.
«Nessa altura (em 1963), toda a gente se opunha a qualquer obscenidade no palco mas
tivemos alguns esplêndidos
ensaios das cenas. Não houve obscenidade durante as representações, mas com Jim,
nunca sabíamos.»
(1) Peça de Samuel Beckett. (N. do T.)
(2) Peça de Tenessee Williams. (N. do T.)
50
«O teu pai agora é capitão, Jim», disse a sua mãe, «o
capitão de um dos maiores porta-aviões do Mundo (o Bon
Homme Richard). Há três mil homens naquele barco e todos
respeitam o teu pai, e ele tem esse respeito porque é um
excelente disciplinador. O que é que seria se o seu filho, o seu
próprio filho, aparecesse como um beatnikl
A 8 de Janeiro de 1964, pouco tempo antes de deixar
a sua família em Coronado para começar as aulas na UCLA,
Jim participou com o seu pai em manobras no Pacífico - com
o seu cabelo cortado rente. Infelizmente, não estava suficientemente cortado para
agradar, e quando Jim chegou
ao Moby Dick, como era chamado o porta-aviões, foi empurrado para o barbeiro do navio
para outro corte, este exactamente igual ao do próprio capitão: tosquiado, curto
atrás e
dos lados, apenas suficientemente grande em cima para fazer
o risco. Jim estava furioso, mas silencioso.
O capitão estava orgulhoso mas atento. Levou Jim à
ponte de comando; apresentou-o aos oficiais. Jim apertou as
mãos e agradeceu graciosamente as apresentações, sem sorrir.
Um fotógrafo oficial da marinha tirou algumas fotografias.
Mais tarde, foram lançados ao mar alvos parecidos com
figuras humanas, puseram nas mãos de Jim uma metralhadora
e deram-lhe a oportunidade para atirar aos objectos que se
agitavam no oceano.
Quando Jim contou a história desta tarde, fê-lo com
amargura. Disse que quando o seu pai regressou a casa depois
de ter comandado três mil homens com tanta autoridade,
sentiu que, em casa, a sua mãe comandava.
«Ela disse-lhe para pôr o lixo na rua», disse Jim «gritou-lhe. E o meu pai fê-lo. Pôs
o lixo na rua.»
Uma semana mais tarde, com dinheiro suficiente para
um pequeno apartamento a cerca de meia milha da Universidade, Jim tratou da papelada
para a inscrição a meio do ano,
juntando-se a outros vinte mil estudantes num dos maiores
campus da Califórnia. Ao contrário da Universidade sua irmã
mais velha de Berkeley, a UCLA era ritualmente apolítica.
Os estudantes estavam queimados pelo Sol, tinham um porte
atlético e era agradável olhar para eles. As roupas que vestiam
eram vulgares, simples.
Em 1964, quando Jim chegou, a Escola de Cinema estava
a entrar no que os professores chamam agora «A Idade do
Ouro». A faculdade incluía alguns dos principais realizadores Stanley Kramer, Jean
Renoir e Josef Von Sternberg, entre
outros. Os estudantes contavam entre eles um certo número
de brilhantes e voláteis personalidades, incluindo o jovem
Francij Ford Coppola. Talvez mais importante, que isso,
a secção tinha uma filosofia divertida, quase anárquica, o que
pode ter inspirado Jim a escrever mais tarde, «A coisa boa
acerca dos filmes é que não existem especialistas. Não existe
autoridade nos filmes. Qualquer pessoa pode assimilar, compreender e encerrar em si
própria toda a história do cinema,
o que não pode acontecer noutras artes. Não existem especialistas; assim,
teoricamente, qualquer estudante sabe quase
tanto como qualquer professor.»
Os primeiros seis meses de Jim na UCLA não foram
notáveis, excepto nas férias da Páscoa, quando ele e dois dos
seus colegas de cinematografia -um intelectual melancólico
e barbudo de Nova Iorque e uma rapariga irlandesa mais
velha - passaram três dias de bebedeira em Tijuana.
Durante o resto do semestre da Primavera, Jim agarrou-se
à sua rotina vagarosa - aulas em edifícios dispersos no vasto
campus de árvores alinhadas; largas horas de leitura, sozinho
nas bibliotecas da universidade ou no seu pequeno apartamento; e, aos domingos,
telefonemas para Mary na Florida,
utilizando um telefone público e apenas pagando os primeiros
três minutos, mas falando normalmente durante uma hora ou
mais, não assinalando quando acabava.
Às vezes Jim ia de tarde e de noite ao Lucky 4, um restaurante e bar mexicano a cerca
de uma milha do campus,
não longe de Veterans Hospital. Gostava do lugar. Havia mulheres ao bar e homens
cegos a puxar amigos sem pernas
em cadeiras de rodas que orientavam a direcção. Algumas
vezes os aleijados ficavam e lutavam, batendo-se com as muletas. Faziam lembrar a Jim
uma história de Nelson Algrem;
dizia que era um «lugar asseado» para beber.
Aos fins de semana, Jim ia para a praia de Venice;
Venice tinha sido a meça da geração beat e da tradição boémia
a ela ligada nos anos cinquenta. Poetas, pintores e estudantes
viviam a baixo preço em grandes quartos de casas vitorianas
outrora elegantes, ou em quartos pequenos ao lado dos canais
desafectados.
Quando o Verão chegou, Jim voltou para Coronado.
Estava magro após uns meses de refeições pobres ou falhadas,
mas depressa recuperou a sua redondez característica. Depois
partiu de novo para o México, desta vez com o seu irmão
e o seu padrinho, um oficial da marinha reformado que fez
o serviço militar com Steve, no Pacífico. Andy recorda-a como
uma viagem dada à bebedeira. «Andámos cerca de cem milhas para Sul, para Ensenada.
Jim mostrou-me a vida. Eu
bebia cervejas e ele levava-me de bar em bar, discutindo com
os mexicanos em espanhol quando tentavam aldrabar-nos,
falando com as prostitutas, correndo através de ruelas a
fugir dos cães. Foi fantástico.»
De volta à zona de San Diego, Jim e Andy iam frequentemente ao cinema dos correios e
algumas vezes Jim roubava
vinho e embebedava-se. Nas bases militares, mostravam habitualmente a imagem de uma
bebedeira depois do filme e
tocavam o hino nacional. Uma vez Jim encheu o cinema com
a sua voz: «Ohhhh seyyyy cannn youuu seee...!!» Era o único
que cantava.
Jim não tinha muito que fazer em Coronado e foi crescendo aborrecido e impaciente.
Depressa começou a apelar
para ser autorizado a voltar à escola mais cedo, de modo a
poder completar o curso inacabado de História. Partiu logo
em Agosto, prometendo procurar trabalho em part-time. No
fim do Verão, Jim era estudante assistente na Theater Arts
Library, arrumando os livros nas prateleiras e afixando informações atrasadas a $1.25
a hora. Era um trabalho simples
mas ele não conseguiu mantê-lo. Chegou um novo bibliotecário e despediu Jim em
Outubro, quando se tornou visível
que este não estava interessado em comparecer ao trabalho
a horas.
Depois Mary apareceu. Encontrou rapidamente um trabalho no Centro Médico da UCLA e,
para grande espanto
de Jim, arranjou um apartamento. Ela disse que ia procurar
um agente e trabalho em que dançasse - talvez um dia pudessem fazer um filme juntos.
Os amigos dizem que Jim
estava contente como nunca o tinham visto naquele Outono
na UCLA. Mesmo que as coisas não corressem precisamente
como ele as tinha planeado, ele e a sua adorada Mary estavam
finalmente juntos na Califórnia.
Jim começou a reunir um pequeno círculo de amigos de
entre os estudantes mais enigmáticos e explosivos da escola
de cinema. Os quatro mais íntimos eram individualmente um
pouco ingénuos ou inocentes, mas juntos, eram sinistros, ou
no mínimo, ligeiramente tortos.
O mais excêntrico era Dennis Jakob, um estudante graduado ainda tímido e muitas vezes
agressivo, de sólida inteligência, que, em privado, tinha alcunha de «O Rato» ou
«A Doninha» devido à sua maneira de correr e às costas
tortas de tantas horas debruçado sobre uma máquina impressora. Dennis era um homem
dotado, a verdadeira reincarnação do realizador soviético Sergei Eisenstein.
Trabalharia mais tarde como assistente comercial de Francis Coppola
em Apocalypse Now.
Uma das razões pela qual Jim ficou atraído por Dennis
foi o facto de ele ter lido tantos ou mais livros que ele. Eram
52
53
os trabalhos de Nietzsche que mais discutiam. Na altura em
que se conheceram, Jim tinha lido a maior parte das obras
do filósofo alemão. A Genealogia da Moral e Para Além
do Bem e do Mal foram lidos ainda no liceu. Tinha descoberto mais recentemente O
Nascimento da Tragédia para
o Espírito da Música um pequeno volume que se iria juntar
à Vida contra a Morte (Life Against Death) de Norman
O. Brown como uma forte influência. O livro, o primeiro
de Nietzsche, é ainda verdadeiramente revolucionário e uma
das mais importantes declarações jamais feitas sobre a tragédia. Trata do clássico
conflito entre a arte apolínea da
escultura e a arte dionisíaca da música. Como Nietzsche, Jim
identificou-se com o grande sofredor Dionísio, que era «sem
quaisquer imagens, ele próprio a dor pura primordial e a sua
primordial ressonância». Mas para o sofrimento havia uma
grande recompensa. A solução não estava porém na transcendência da consciência
individual de cada um, mas antes
numa dissolução e extática da consciência pessoal na «primitiva natureza do universo»
- o que Jim, e outros, vieram a
chamar a Mente Universal (Universal Mind).
Dennis e Jim debatiam Nietzsche durante horas, discutindo ocasionalmente mas
geralmente concordando ardentemente, e liam em voz alta, um para o outro, largas
passagens
dos trabalhos do filósofo. Um dia, ao falarem sobre Dionísio,
e lembrando-se da frase de William Blake, «Se as portas de
percepção estivessem purificadas, tudo surgiria ao homem
como realmente é, infinito», o que deu a Aldous Huxley o
título para o seu livro, «As portas da percepção» (The Doors
of Perception), Jim e Dennis decidiram formar um grupo.
Disseram a um amigo que iriam chamar-se As Portas Abertas
e Fechadas (The Doors: open and closed).
O segundo estudante do grupo de Jim é John DeBella,
o vaidoso e robusto filho de um polícia de Brooklin que se
orgulhava tanto dos duzentos livros que lia todos os anos,
como de seu corpo bem musculado de seis pés e duas polegadas (1). Dizem as lendas do
campus que durante a semana
visitava as livrarias vestido de uma grande gabardina preta
com dúzias de bolsos cosidos na parte de dentro para roubar
os livros que cobiçava. Ao fim de semana ia a Muscle Beach
para o engate.
A estatura física e a mundanidade exagerada mas genuína
de John tornavam-no o oposto de Dennis Jakob, mas existiam semelhanças. Uma, é claro,
era o amor pelos livros, e
pelos filósofos doutrinários. Outra era a idade; como Dennis,
(1) Aproximadamente 1,87 m de altura. (N. do T.)
54
era mais velho que Jim, tinha 25 anos. Uma terceira era a
sua facilidade de expressão. E ambos eram católicos. Quando
Dennis ou John começavam a elaborar uma trama intelectual,
Jim ficava fascinado.
«Xamanismo», diz John. «Envolvamo-nos com o xamã:
o poeta visionário.»
«Envolvamo-nos todos. Parte da indefinida filosofia dos
filmes dos estudantes de UCLA era o esbater da distinção
entre sonho e realidade. Uma das minhas frases favoritas
era «Os sonhos criam a realidade!» Phil Olano tinha entrado
profundamente na psicologia Jungiana e nós íamos adquirindo
dele uma série de conhecimentos.
«Tínhamos uma teoria do Verdadeiro Rumor (True Rumor), segundo a qual a vida não é
tão excitante e romântica
como deveria ser, então dizem-se coisas que são falsas porque
é melhor que sejam criadas imagens. Não importa que não
sejam verdadeiras, desde que acreditemos nelas.»
Quando estavam aborrecidos Jim e John inventavam divertimentos. Diz-se que uma vez
Jim e Phil Olano, um amigo
íntimo de ambos, desafiaram John para uma competição de
livros roubados na livraria da universidade: aquele que escapasse com o valor mais
alto de venda a retalho numa hora,
era o vencedor.
Noutra altura, Jim e John decidiram convidar uma desconhecida, drogar-se e ir até à
biblioteca de música onde se
revezariam a ouvir seus discos favoritos. Assim, convenceram
uma rapariga, ouviram os discos, começaram a fumar erva
e depressa John começou a representar para ela. Ela deve
ter pensado que Jim era mais prometedor e foi para casa com
ele, contando-lhe como o seu namorado a tinha engravidado
e como depois contraiu uma doença venérea, seguida de uma
operação uterina que a tinha tornado estéril e... Os detalhes
da sua vida começaram a correr em catadupas, acompanhadas
de lágrimas sufocantes. Jim lembrou-se da história de Dylan
Thomas Os Seguidores (The followers), em que dois rapazes
se encontram casualmente e descobrem que ambos conheciam
o horror nas suas vidas.
Outra vez, Jim e John ficaram bêbedos no Lucky 4 e
Jim insistiu em visitar a biblioteca pública que não ficava
longe. John foi com ele relutantemente e seguiu-o até às estantes com um passo
vagaroso, verificando o comprimento
das saias e as meias de vidro da sala de leitura. Quando alcançou Jim, este estava a
urinar no chão entre duas prateleiras
de livros. John agarrou-o subitamente e começou a puxá-lo
dali. Uma mulher aproximou-se, «Hey, senhora», chamou
Jim, «hey, senhora...»
55
Com o seu cabelo escuro ondulado, cara larga e simpática e peito largo, Phil Olano, o
terceiro amigo, parecia
uma versão ligeiramente maior de Jim. Tinha vinte e três
anos, dois anos mais velho que Jim, e era o único do círculo
que vivia em casa, facto que lhe causava uma perseguição
por parte de Jim e de John.
Phil tinha lido praticamente tudo escrito por ou acerca
de Cari Jung; todos os livros estavam numa prateleira no
seu quarto em casa, fortemente sublinhados com um lápis
preto grosso. Jung não era o psicanalista preferido de Jim,
e ele e Phil adoravam discutir depois dos filmes sobre o simbolismo do autor tal como
podia ser interpretado segundo a
teoria de Jung ou, no caso de Jim, de Ferenczi.
Como Jung, Sandor Ferenczi foi um companheiro de
Freud que se afastou tornando-se um Freudiano dissidente,
mais no método que na teoria. Enquanto Freud recomendou
abstinência sexual aos seus pacientes, argumentando que iria
concentrar o libido em experiências emocionais passadas,
Ferenczi levou a rejeição mais longe, tentando convencer os
pacientes a abandonarem grande parte da comida, da bebida,
a defecção e também a micção. Depois virou em direcção
oposta, para o amor e a permissividade, acreditando que os
neuróticos eram pessoas que nunca tinham sido amadas ou
aceites pelos seus pais e que o que realmente precisavam era
de afeição, calor e carinho.
Como acontece normalmente, quando se fala sobre psicanálise, as conversas eram cheias
de referência sobre sexo,
muitas vezes abrangendo uma grande variedade de neuroses,
fetichismos e anormalidades - desde o hermafroditismo e a
necrofilia até ao masoquismo, sadismo e homossexualidade.
Assim, quando Jim e Phil fizeram um filme juntos, o assunto
não foi de surpreender.
Tinham falado em fazer vários filmes: um, segundo uma
ideia de Phil, tentava captar algo da vida de Rimbaud e, este
pediu a Jim para representar o papel principal. Outro, sugerido por Jim, tinha como
ideia mostrar a famosa cena da vida
de Nietzsche, na qual este chega ao pé de um homem que
está a bater num cavalo e energicamente consegue pará-lo.
A banda sonora para este pequeno filme, disse Jim, seriam
aplausos. Nenhum destes filmes foi feito. O que eles fizeram
não tinha pretensões intelectuais, era uma brincadeira.
Jim e Phil tiraram apenas cursos de iniciação sobre fotografia, luz, som, e
impressão, mas era suposto que mesmo os
principiantes na Escola de Cinema utilizassem toda a educação
e imaginação que tivessem para produzir um filme. Não tinha
que ser longo, ou complicado, ou mesmo bom; o objectivo
56
era familiarizar o estudante com os «utensílios». Na realidade,
Phil não fez um filme mas satisfez as exigências, conseguindo
ele próprio ter acesso a alguns estudantes graduados do departamento de psicologia,
que estavam a fazer um filme em condições ultra-secretas, o qual ficava guardado no
cofre do departamento. Era sobre um homem e uma mulher, ambos nus,
que simulavam as posições e os movimentos do acto de fazer
amor. Com o auxílio de Phil, Jim obteve fotogramas do filme,
uniu-os numa sequência climática, e utilizou o final do Bolero
de Ravel como banda sonora. Durante a projecção, os estudantes divertiram-se à farta
e a maior parte dos instrutores
e professores ficaram encolerizados. Disseram a Jim que
merecia a pior nota possível e assinalaram-no como causador
de distúrbios, designação que lhe iria causar a transferência
no semestre seguinte para uma classe especial, para «estudantes com problemas».
As projecções dos estudantes tinham lugar duas vezes
por ano, no final das sessões de trabalho de cada semestre.
Outras projecções tinham lugar mais regularmente, normalmente às sextas-feiras à
noite. Profissionais convidados dos
estúdios de cinema próximos mostravam um dos seus filmes
e depois ficavam abertos - ou assim o pensavam - a uma
sessão amigável de perguntas e respostas. O programa foi
cancelado quando os estudantes persistiram em hostilizar os
conferencistas.
O chefe de grupo nessas sessões -que os estudantes
consideravam ser o mais ameaçador, o mais barulhento e o
mais cínico - era outro dos amigos íntimos de Jim, o quarto
desvairado da Idade do Ouro, um tagarela e loiro Mefistófeles
chamado Félix Venable. O amor de Félix pelos copos, pelas
pílulas e por sessões de histórias durante toda a noite fazia
lembrar a Jim o herói de Na Estrada (On The Road), Dean
Moriarty. Félix era, aos trinta e quatro anos, o estudante
mais velho da Escola de Cinema. Tinha vindo para a UCLA
depois de trinta anos de trabalhos ocasionais, incluindo um
longo período como condutor de autocarros e outro como
construtor de barcos. A maior parte dos seus trabalhos tinham
sido na área de São Francisco, onde frequentou a Universidade
da Califórnia, em Berkeley, de 1948 a 1952, embora não se
tivesse graduado. Em todo o caso foi prontamente aceite na
UCLA como estudante graduado, ou porque as suas notas em
Berkeley, metade As e metade Fs mostravam um registo
intrigante, ou talvez porque se pensou que se um homem tem
trinta e quatro anos e quer uma graduação, dever-lhe-á ser
dada essa oportunidade.
57
Como John DeBella, Félix gostava de falar de si próprio,
mas as suas histórias eram geralmente menos presumidas
e engraçadas. Félix não era tão intelectual como os outros
amigos íntimos de Jim na Escola de Cinema, mas a ligação
não era menos forte. Stanton Kaye, que utilizou Félix como
personagem principal num dos seus filmes, acreditava que o
relacionamento fosse, em parte, baseado em semelhanças psicológicas. «Senti que Félix
estava a desagregar-se como
homem, não tendo qualquer definição ou identidade, tornando-se mais velho e, por
causa disso, sentindo muito mais as
pressões coercivas da sociedade. Estava desamparado quase
até ao ponto da impotência. Estava numa ansiedade constante.
E assim, claro, estava Jim. Vi este nihilismo profundo, uma
sensação de desespero que era mais forte que a minha própria
sensação. Talvez fosse cólera, talvez fosse daí que vinha o
desespero.»
«O basbaque (voyeur)» O, rabiscou Jim num dos seus cadernos de apontamentos, «é um
comediante misterioso. É repulsivo no seu anonimato obscuro, na sua invasão secreta.»
Continuou a descrever a ameaça e o poder da companhia
silenciosa, aliados ao insuspeitado.
Existiam centenas de notas como esta. Algumas delas
seriam publicadas quatro anos mais tarde, primeiro particularmente, depois por Simon
& Schuster em The Lords: Notes
on Visions. Enquanto Jim esteve na UCLA, elas surgiram
como um estudo sobre estética cinematográfica. Ele ainda
não era capaz de fazer filmes, assim, passava e escrevia sobre
o filme como arte. «A atracção ao cinema reside no medo
da morte.» Páginas dos seus cadernos de apontamentos eram
preenchidas com a ciência do filme, sendo a maior parte
aprendida através de John DeBella.
Noutras páginas Jim lutava pela identificação. Imagens
de magia, violência, sexo e morte corriam através dos seus
cadernos de apontamentos como um rio sombrio. Kennedy
era morto com a «injuriosa visão» do atirador e Oswald encontrou refúgio «devorado no
estômago quente, escuro e
silencioso do teatro físico». Édipo fez uma aparição: «Podem
olhar-se as coisas mas não prová-las. Só com o olhar se pode
acariciar a mãe.» Parecia que quanto mais ele via, mais ele
experimentava, mais ele escrevia - e quanto mais escrevia,
mais parecia compreender.
Jim descobriu-se a si próprio nos seus cadernos de apontamentos
(1) Em francês no original. (N. do T.)
58
ao abrir violentamente o seu espírito para exame.
«Eu não sairei», escreveu, «tu tens que vir a mim. Ao meu
jardim interior onde surgi. Onde posso construir um universo
no interior do crânio para competir com o real.»
Final de 1964. Depois de um cruzeiro histórico ao Oceano
Índico numa demonstração de força e de participação no
incidente no Golfo de Tonkin ao largo do Vietname, o capitão
Morrison ganhou o concurso final de promoção no Bon
Homme Richard (ganhava sempre), transferiu o porta-aviões
para outro homem, e começou a preparar-se para nova mudança, esta para Londres, onde
serviria sob as ordens do
comandante supremo das Forças Navais dos Estados Unidos na
Europa. Mas primeiro viajaria para a costa Oeste para umas
breves férias com a sua família. Jim passou o Natal em casa
e depois a sua família partiu para uma excursão à Florida
para visitar alguns parentes. Foi a última vez que Jim viu os
seus pais.
As chuvas de Janeiro desapareceram e os estudantes da
Escola de Cinema começaram a expor no Gypsy Wagon, um
pequeno snack-bar sobre rodas, perto dos bungalows cinematográficos. Ali, misturando-
se com estudantes, músicos e artistas, Jim e muitos dos seus colegas de aula exibiram
o que
um dos companheiros de Jim, Bill Kerby, veio a chamar
«A escola de cinema aldrabado e estonteante» - passando
gradativamente na escola, dispendendo o menor esforço possível, enquanto encobriam
esta actividade com uma dose cómoda de gabarolice e conversa. Jim andava ao longo das
cercas a gritar e a berrar a caminho das aulas, enchia as
paredes da casa de banho dos homens com pungentes graffiti,
e lançara garrafas de vinho vazias pelas coxias do teatro onde
as projecções eram feitas. Depois as histórias clássicas começaram, a maior parte
delas tendo como foco as drogas, o
nudismo ou as aventuras ousadas. Uma vez juntaram-se todos
os três, embebedaram Jim e fizeram-no subir a uma das
torres do campus à meia-noite, despir-se e atirar as suas roupas
para o chão.
«Com uma imagem», escreveu no seu caderno de apontamentos, «não existe qualquer
perigo que se aproxime.»
Alguns dos professores estimavam Jim, faziam concessões ao que chamavam o seu
«diletantismo», e o próprio
Jim gostava de muitos professores. O seu favorito foi Ed
Brokaw, que contava nas suas aulas mentiras ultrajantes para
ver se alguém estava a ouvir. Jim gostava especialmente do
facto de Brokaw ter ocasionalmente desaparecido por alguns
59
dias - como Jim faria anos mais tarde. «Brokaw terá sido
arrastado para a destrutibilidade de Jim», diz Colin Young,
chefe da divisão cinematográfica. «Ele tê-lo-á pressentido e
aqueceu as suas mãos em volta daquele fogo, devido à quantidade diminuta de vezes que
se relacionava com o verdadeiro
talento.» Brokaw foi o consultor de Jim na Universidade e
foi a ele que Jim disse que estava para sair. Depois foi ter
com Colin Young e disse a mesma coisa.
A decisão de Jim de desistir surgiu apenas uma ou duas
semanas antes do final das aulas, seguindo-se dois dias à projecção de filmes dos
estudantes. Este era o principal acontecimento do ano do estudante, aquilo que a
escola oferecia e
que mais se podia aproximar do exame final.
Embora a graduação não dependesse do filme do estudante ser aceite para uma
subsequente exibição pública no
Royce Hall da UCLA, a competição para aprovação era
grande.
A maior parte de cerca de quarenta filmes exibidos
naquele mês de Maio tinham sido feitos nas aulas de trabalho
do Projecto 170 em que eram feitos pequenos filmes mudos
com «voz dobrada» ou «som dobrado». A filmagem era normalmente feita aos sábados e a
norma era que todo o estudante desempenhasse todos os papéis - servindo uma semana
como operador de câmara, na outra como autor, numa terceira como técnico de som, e
assim por diante, até em certo
momento dirigir o seu próprio filme.
Jim não escreveu argumento para o seu filme, dizendo
a John DeBella, que escolheu para seu operador: «Explicarei
as coisas pelo caminho.» O que Jim tinha em mente, como
explicaria mais tarde, era «um filme que interrogasse o próprio processo do filme...
um filme sobre um filme.» Não teve
título e tomou a forma de uma montagem ou sequência de
acontecimentos, abstractos e vagos, relacionados com o que
DeBella chamou na altura «uma mistura difusa de imagens
sobre o autor do filme e o olhar do autor do filme». Este
começava com Jim a inspirar fortemente de um cachimbo
com erva e a atirar a cabeça para trás. Depois a imagem
encadeava num padrão ondulante utilizado como logotipo no
título do programa de televisão Outer Limits. Seguia-se a
cena de uma mulher (a alta namorada alemã de DeBella)
apenas de soutien, cuecas e um cinto, com a câmara a descer
lentamente pela cara até mostrar os seus sapatos de salto com
pregos a dançar em cima de uma televisão que tinha sido
ligada e que mostrava soldados nazis a marchar em parada.
Depois havia uma cena num apartamento (no de Jim) cujas
paredes estavam cobertas com nus da Playboy que tinham
60
sido usados como alvos de flechas. Muitos homens drogavam-se e depois sentavam-se a
ver filmes mudos; às tantas o filme
partiu-se e os homens puseram-se de pé e começaram a fazer
sombras chinesas com os dedos contra a luz branca da tela.
Depois disso, havia um close-up de uma rapariga a lamber o
olho de DeBella (purificando-o das obscenidades induzidas
pelas imagens que tinha visto). O último registo era de uma
televisão a ser desligada, com a imagem a extinguir-se até se
tornar uma linha branca, depois um ponto e finalmente o
escuro.
A projecção foi tão caótica como o filme. Primeiro as
pontas partiram-se e o filme não passava através do projector.
Disseram a Jim para o recolar para um posterior visionamento
nessa noite. Quando o fez, a reacção foi desde confusão, a
divertimento e descontentamento. Alguns dos estudantes pensaram que Jim tinha
enlouquecido e poucos tiveram quaisquer
comentários a fazer, embora a maior parte gritasse com
prazer ao ver a namorada de DeBella em roupa interior.
Mesmo Ed Brokaw, que ficava geralmente intrigado com os
pensamentos de Jim, agitava os dedos como se jogasse uma
bola de basket imaginária, batendo a mão esquerda contra
a direita e dizendo, «Jim... Estou terrivelmente desapontado
contigo.» O filme não foi incluído na formação da Royce Hall
e deram a Jim um D lisonjeador.
Jim ficou magoado com a rejeição. Alguns dizem que
foi para a rua chorar. Quer isto seja verdade ou não, o certo
é que ficou claramente amargurado. Primeiro tornou-se defensivo, depois petulante e
por fim anunciou a sua partida
eminente da UCLA. Colin Young tentou convencê-lo do contrário, mas em Junho, quando
era altura de receber o seu
diploma, Jim caminhava em Venice Beach, fumando droga.
Nesta altura, Jim e Mary estavam prestes a separar-se.
Ela continuou a insistir em incluir o estrelato no seu destino - uma convicção que
Jim primeiramente não tinha
contrariado e que depois tentou desencorajar. Um dia disse-lhe
que talvez pudesse demonstrar a sua capacidade como dançarina «go-go» no Whiskey a
Go-Go, um clube que tinha
aberto no Sunset StripQ), em Janeiro. Jim disse-lhe que não
a queria ver de saia de franja curta numa gaiola de vidro,
a abanar o rabo para bêbedos de meia idade. Zangaram-se de
novo quando ela arranjou um agente que lhe disse para não
aparecer no filme que Jim queria fazer porque o facto de
aparecer num filme de estudantes iria prejudicar a sua carreira.
Zangaram-se uma terceira vez quando Mary apareceu inesperadamente
(1) Célebre rua do centro de Los Angeles. (N. do T.)
61
no apartamento de Jim e o apanhou com outra
rapariga. Jim disse a Mary que não tinha o direito de ir a
sua casa a não ser quando fosse convidada. Além das zangas,
apareceram delicadas mas aborrecidas advertências de que, na
sua opinião, ele estava a tomar demasiadas drogas.
Jim viu Ray Manzarek a atravessar o campus. Ray era
amigo de John DeBella. Jim admirava Ray e tinha aplaudido
secretamente a sua recusa em montar uma cena de nus no
duche, tirada de um filme que tinha feito da sua namorada.
Jim foi adicionalmente atraído pela música de Ray e tinha
estado a ouvi-lo e à sua banda, Nick and the Ravens, no
Turkeys Joint West, de Santa Mónica, uma praia próxima.
Uma vez Ray tinha convidado Jim para o teatro com muitos
outros da Escola de Cinema, e todos, cheios de cerveja, cantaram em coro Louie,
Louie. Agora, em Junho, a banda de Ray
tinha sido contratada para acompanhar Sonny & Cher no
baile de graduação do liceu. Mas quando um dos membros
do grupo desistiu e Ray contactou a escola para dizer que
seriam cinco músicos em vez de seis, disseram-lhe que se não
arranjasse seis músicos, como tinha sido previsto no contrato,
não seriam pagos.
«Eh, pá» disse Ray, descobrindo Jim, «queres tocar connosco?»
«Eu não toco nada, Ray.»
«Não faz mal, tudo o que tens a fazer é estar lá e pegares
numa guitarra eléctrica, nós estenderemos o fio eléctrico por
detrás de um dos amplificadores. Nem mesmo o ligaremos à
tomada.»
Jim disse depois que tinha sido o dinheiro mais facilmente ganho de sempre.
62
[Fotografias]
Pamela e Jim em Santa Mónica
Foto publicitária para o primeiro álbum
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67
Foto publicitária para o primeiro álbum
Numa sessão de fotos, 1968.
Jim vestido de couro e com o cabelo cortado
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Contra-Almirante George S. Morrison
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Jim em Bronson Caves, Hollywood hills, Califórnia
71
Jim com um novo casaco de couro em casa de Glória Stavers
72
CAPÍTULO 3
«Sabes o que deves fazer?»
Jim estava estendido na cama, a olhar para o tecto.
Usava a voz que os seus amigos conheciam bem - uma perplexa amálgama de graças
grosseiras e sarcasmos indefinidos
que deixavam o ouvinte a pensar se ele falava a sério ou a
brincar. Algumas vezes Jim utilizava esta voz para disfarçar
algum gracejo vicioso. Noutras alturas, como agora com
o seu amigo da Universidade do Estado da Florida, Sam
Kilman, que tinha aparecido em L. A. logo a seguir às aulas
terem terminado, ele utilizou-a para cobrir as suas dúvidas
sobre uma sugestão que ia fazer. Diminuía-lhe o factor risco.
«Não», disse Sam, «o quê?»
«Formar um grupo de rock», disse Jim, ainda a olhar
para o tecto.
«Merda, homem, não toco bateria há sete anos... e o
que é que tu vais fazer?»
Jim safou-se. «Vou cantar.» Quase que cantarolou as
palavras, «Vvvvou... caaannntar.»
Sam olhou para Jim incredulamente. «Sabes cantar?»
perguntou.
«Vai-te lixar! Não sei cantar!» vociferou Jim.
«Bom. Então está bom, Jim, supõe que formámos esse
grupo de rock e digamos que sabes cantar - o que não acontece - como é que o vamos
chamar?»
«Os Doors. Há o conhecido. E há o desconhecido. E o que
separa os dois é a porta, e é isso que eu quero ser. Euuuu
queeeero seeer essa poorrrta...»
John DeBella e Phil Oleno tinham ido para o México,
Dennis Jakob e Félix Venable ficaram em Venice; Jim pensou
73
em mudar para Nova Iorque, mas ficou em West Los Angeles
algumas semanas, a procurar emprego com Sam, e depois,
mudou-se, também, para Venice. Fuga pode ser uma palavra
mais adequada pois a mudança foi precedida por uma crise
que o deixou surpreendido. Compareceu no exame médico
do exército a 14 de Julho e soube dois dias mais tarde que
tinha sido aprovado, querendo isto dizer que tinha perdido
o adiamento para estudante e estava agora classificado como
1-A.
Jim pensou depressa. Tinha mentido ao Governo, dizendo
que estava inscrito na UCLA, mas eles deviam ter descoberto.
No dia seguinte foi à repartição das inscrições e colocou o
seu nome em vários cursos que nunca tencionou tirar.
Venice foi ideal para Jim. A pequena comunidade artística atraía todos os dias cada
vez mais cabeludos, fugitivos
e artistas. Corpos cobriam a praia; tamborins ressoavam alegremente em dúzias de
rádios de transistor; cães perseguiam
frísbees; grupos em blue-jeans, de pernas cruzadas, fumavam
erva; vendia-se LSD ao balcão na loja principal do sítio.
São Francisco tinha Haight, e Los Angeles tinha Venice.
A época dos Hippies estava no começo.
Jim era um dos vagabundos de cabelos compridos, T-shirt
e jeans. Viveu durante um tempo com Dennis Jakob, num
barracão a bordo de um canal poluído, e depois mudou-se
para um armazém vazio de águas furtadas. Lá tinha uma
vela como luz, um bico de Bumsen para aquecer as suas
episódicas refeições enlatadas, e um cobertor para o aquecer.
Raramente dormia ou comia, excepto para ingerir o bom
ácido que circulava na comunidade da praia, e começou a
escrever, criando numa singular explosão de inspiração mais
material em menos tempo que nunca.
«Sabes», disse ele, «o nascimento do rock and roll coincidiu com a minha
adolescência, com a minha tomada de
consciência. Foi um verdadeiro flash, embora nessa altura
não pudesse admitir a mim mesmo a hipótese racional de
o fazer alguma vez. Penso que durante todo esse tempo
acumulei inconscientemente inclinação e ousadia. O meu subconsciente tinha preparado
tudo. Nunca meditei sobre o assunto. Eram apenas divagações. Ouvia a situação de todo
um
concerto, com uma banda e canto, e um público, um grande
público. Quando daquelas primeiras cinco ou seis canções que
escrevi, estava apenas a tirar notas para um fantástico concerto de rock que
desfilava na minha cabeça.»
Embora o que estava para acontecer a Jim não fosse de
maneira nenhuma preconcebido, ele estava consciente da música a tocar no seu ouvido
interno, ansiando por libertar-se.
74
«Na verdade, penso que a música me surgia em primeiro
lugar à memória e depois compunha as palavras que se ligassem à melodia, provocando
um certo som. Podia ouvi-la, e já
que não tinha hipótese de a escrever musicalmente, a única
maneira de a poder lembrar era tentar arranjar palavras
que a completassem. E muitas vezes acabei apenas com as
palavras, sem conseguir lembrar-me da melodia.»
Hello, I love you
Won't you tell me your name?
Hello, I love you
Let me jump in your game
Olá, eu amo-te, como é que tu te chamas /
Olá, eu amo-te, deixa-me lá entrar no teu jogo /
Estava-se em 1965, três anos antes de o Mundo ouvir
Hello, I Love You, e Jim estava sentado em Venice, na
praia, a olhar para uma jovem negra, alta, magra que se lhe
insinuava.
Sidewalk crouches at her feet
Like a dog that begs for something sweet.
Do you hope to make her see, you fool?
Do you hope to pluck this dusky Jewel?
Todo o passeio se presta aos seus pés / Como cachorro a mendigar um
doce / Esperas conseguir um olhar dela, ó tolo? / Esperas colher
aquela jóia negra? /
Para End of the Night, inspirou-se num romance de
um francês apologista do fascismo e inflexível pessimista,
Louis-Ferdinand Céline, Journey to the End of the Night (*):
Toma a auto-estrada desde o fim da noite... Uma terceira
canção, Soul Kitchen foi dedicada ao Olivia's, um pequeno
e simpático restaurante perto da arcada de Venice onde Jim
podia arranjar um grande prato de costeletas, feijões e broa
por 85 cêntimos e um bife por $1.25. Ainda outra, My Eyes
Have Seen You, incluía uma descrição de todas as antenas
de televisão que Jim via do telhado: «Fitando uma cidade de
baixo dos céus de televisão...»
Não obstante a inspiração óbvia destas canções, não
eram vulgares. Mesmo a mais simples de todas tinha uma
característica enigmática e visionária, um ritmo, um verso ou
uma imagem que davam ao poema uma força especial. Como
quando inseriu a frase «As caras parecem feias quando estás
(*) No original «Voyage au bout de la Nuit». (N. do T.)
75
sozinho» em People Are St range. E na canção sobre o
Olivia's, havia este verso: «Teus dedos tecem minaretes vividos / Exprimem-se em
secretos alfabetos / Acendo só mais
um cigarro / Aprendo a esquecer / Aprendo a esquecer,
aprendo a esquecer.»
Estes primeiros poemas-canções foram realizados na obscuridade que tanto atraiu Jim,
de que tanto se sentiu parte.
Visões de morte e insanidade foram expressas de maneira
assustadora, em compulsão. Num que mais tarde fez parte
de um trabalho mais longo, The celebration of the Lizord,
Jim escreveu, «Brinquei em tempos a um jogo / Gostava de
regressar rastejando mentalmente / Deves saber de que jogo
se trata / E o jogo chamado "fazer de maluco".» Em Moonlight Drive, uma canção de
amor de resto agradável, com
imagens tão fortes que actuava nas sensações mais como uma
pintura do que como um poema, Jim escreveu este fim surpreendente: «Vá, querida,
vamos dar uma volta / Até ao
Oceano / Se formos vamos bem juntos / Querida, vamos afogar-nos hoje à noite / Vamos
ao fundo, ao fundo, ao fundo...»
Uma vez escritas as canções, disse Jim, «Tive que as
cantar.» Em Agosto, teve uma oportunidade quando encontrou Ray Manzarek a passear em
Venice Beach.
«Olá, pá!»
«Olá, Ray, como é que estás?»
«Bom. Pensei que tivesses ido para Nova Iorque.»
«Não, fiquei aqui. Vivendo de vez em quando com Dennis. Escrevendo.»
«Escrevendo? O que é que estás a escrever?»
«Oh, pouca coisa», disse Jim, «apenas algumas canções.»
«Canções?» perguntou Ray. «Vamos ouvi-las.»
Jim agachou-se na areia, Ray ajoelhou-se em frente dele.
Jim balançou com a mão para ambos os lados, fazendo passar
a areia entre os seus dedos, de olhos fechados com força.
Escolheu o primeiro verso de Moonligth Drive. As palavras
foram ditas devagar e cuidadosamente.
*Let’s swim to me moon / uh huh
Lefs climb through the tide
Penetrate the evenin' that the
City sleeps to hide ...
Vamos nadar até à Lua / vamos içados na maré / penetremos na noite
em que a cidade para ocultar-se dorme /
Quando acabou, Ray disse, «são as melhores letras que
jamais ouvi. Vamos formar uma banda de rock and róll e
fazer milhões de dólares».
«Exactamente» retorquiu Jim. «Foi o que eu sempre
tive em mente.»
Havia uma angularidade em Ray, aquilo que é geralmente chamado «o magro parecer».
Media seis pés e meia
polegada e era magro, pesando cerca de 160 libras (*). Mas os
ombros eram invulgarmente largos, o queixo era forte e rectangular, de óculos sem
aros, de aspecto frio, intelectual.
Se tivesse acreditado em clichés de lançamento de Hollywood,
talvez se pudesse ter lançado como actor no papel que tinha
sido o seu recentemente, um estudante graduado que se toma
a sério ou talvez um severo jovem professor numa cidade
fronteira do Kansas. Mas existia também uma certa brandura.
A linha recta do queixo tinha uma covinha e a sua voz era
sempre controlada, graciosa, tranquilizadora. Ray gostava de
se considerar como o potencial irmão mais velho de toda a
gente: organizado, inteligente, maduro, sensato, capaz de
grande compaixão e de aceitar grande responsabilidade.
Tinha mais quatro anos que Jim, nasceu em Chicago
em 1939, filho de pais da classe trabalhadora. Depois de
ter estudado música clássica para piano no conservatório
local e de ter adquirido um grau de bacharelato em economia
na Universidade DePaul, Ray inscreveu-se na Faculdade de
Direito da UCLA. Duas semanas mais tarde desistiu para
aceitar um lugar como estagiário em management numa
filial do Westwood Bank of America, emprego que manteve
durante três meses antes de regressar à UCLA, desta vez como
estudante graduado no departamento cinematográfico. Um romance falhado pôs fim a tudo
isto em Dezembro de 1961,
quando Ray se alistou no exército. Embora a sua missão
fosse leve -tocar piano numa banda em Okinawa e na Tailândia (onde se habituou a
fumar erva)- Ray quis sair, e
então disse ao psiquiatra de serviço que pensava estar a tornar-se maricas. Foi
licenciado um ano mais cedo e regressou
à Escola de Cinema da UCLA ao mesmo tempo que Jim
chegou.
Ray começou a produzir filmes de excepcional qualidade,
todos eles autobiográficos, todos em louvor da sua namorada
japonesa-americana, Dorothy Fuji Kawa. Num destes, chamado Evergreen, havia uma cena
que parecia inspirada pelas
repetidas cenas em corte de um rapaz e de uma rapariga a
correr em câmara lenta em direcção um do outro, do filme
Hiroshima Mon Amour de Alain Resnais, e havia o encontro
final de Ray e Dorothy, nus, num duche. A Escola quis
(*) Cerca de 1,85 m de altura e cerca de 72 kg de peso. (N. do T.)
76
77
que Ray montasse essa cena e ele concordou, mas quando
muitos estudantes o acusaram de facilidade, desdisse o acordo
e distribuiu um panfleto na projecção dos estudantes em Dezembro, explicando por que
razão o filme não ia ser projectado, (Na verdade, esse filme e todos os outros
produzidos por
Ray, seriam depois exibidos e aplaudidos). Em Junho, quando
recebeu o seu diploma de licenciatura, Colin Young, o chefe
da divisão, disse que Ray era um dos poucos estudantes desse
ano que estavam preparados para continuar com filmes de
longa metragem. Até a Newsweek Magazine reconheceu as
realizações iniciais de Ray.
Ray conheceu Jim através de John DeBella, e em pouco
tempo tornaram-se razoavelmente bons amigos, nunca verdadeiramente íntimos mas
partilhando um intelectualismo e uma
ingénua filosofia nietzscheana. Eram diferentes em muitos
aspectos. Ray nunca se esqueceria de fazer a barba e as pregas
das suas calças chinesas estavam sempre vincadas. Jim andava
deliberadamente desmazelado, T-shirts «sujas de areia» e jeans,
e quando estava frio à noite, vestia um casaco gasto que tinha
arranjado nuns saldos. Ray tinha-se familiarizado com o pensamento oriental e, em
1965, começou a estudar meditação
transcendental do Maharishi Mahash Yogi, enquanto Jim voltou as costas a tudo isso,
acreditando que o caminho assentava
em drogas e shamanismo. Ray foi um esteta praticante, enquanto Jim se revelou -
algumas vezes com prazer animal um dionisíaco nato. Mas ainda assim se sentiam
mutuamente atraídos, e quando se conheceram em Venice Beach,
Ray perguntou a Jim se queria ir viver com ele - podia dormir no sofá-cama da sala, e
podiam trabalhar nas canções
durante o dia enquanto Dorothy estava no trabalho. Jim mudou-se imediatamente e os
dois começaram.
A voz de Jim era fraca, mas ele e Ray concordaram
que isso era, em grande parte, uma questão de confiança,
e que esta surgiria com a prática. Trabalharam nas canções
durante duas semanas ininterruptas, Ray ao piano no seu apartamento pequeno e
discreto, Jim escondendo nervosamente
as letras por uma questão de segurança (embora as conhecesse todas), firme e imóvel,
desejando que a traça que ele
tinha a certeza estar presa na sua garganta, se fosse embora.
Depois Ray levou Jim a casa dos seus pais onde Rick e os
Ravens ensaiavam.
As letras de Jim passaram ao largo das cabeças dos
irmãos de Ray. Obviamente, Rick e Jim Macarek nem entendiam Jim nem as suas letras,
embora concordassem em tentar
trabalhar com ele. Outras pessoas também não entendiam Jim.
78
Quando Ray encontrou inesperadamente dois dos seus colegas
da antiga escola cinematográfica e lhes anunciou que tinha
começado uma banda com Jim, ficaram surpreendidos. «Estás numa banda com Morrison!
Por amor de Deus, Ray,
porque farias uma coisa dessas?» Jim era ainda visto como
pessoa extravagante, embora com rasgos inteligentes. Muitos
colegas da aula não davam a uma banda em que Jim estivesse
metido, uma hipótese num milhão de vencer.
Ray manteve-se leal, vendo em Jim algo que poucos viam,
algo que o próprio Jim estava apenas a começar a reconhecer. A mudança mais evidente
foi física. Jim tinha passado
de 165 para 130 libras (1) e tinha perdido a sua gordura característica- agora era
magro e sinuoso. Juntamente com o
novo aspecto físico, tinha cabelos mais compridos, crescidos,
sobre as orelhas e encaracolados depois do colarinho, constituindo uma cara que tinha
perdido todo o inchaço e se tinha
tornado mesmo graciosa. A transformação foi radical.
Mas a diferença mais importante foi naquilo que Jim sentia ser uma confiança
delirante e poderosa, um magnetismo
alheio ao Mundo que parecia puxar para si tudo quanto precisava.
Pouco tempo depois de Jim ter conhecido a família de
Ray, os irmãos Manzarek e ele mudaram os seus ensaios
para uma casa nas traseiras da estação de autocarros da Greyhound, em Santa Mónica,
onde juntaram um novo baterista,
John Densmore, que Ray tinha encontrado na sua aula de
meditação.
John tinha muito em comum com Jim. Ambos tinham
sólidos antecedentes de classe média; o pai de John era arquitecto. Ambos tinham um
irmão e uma irmã. No liceu, ambos
tinham mostrado aptidão para o desporto, para John foi o
ténis; Jim tinha-se distinguido em natação. John partilhava com
Ray o entusiasmo pelo Jazz, juntamente com a avidez e a
dedicação de novas conversas às disciplinas Yogi do Maharishi.
John disse a Ray e a Jim que tinha um temperamento
ardente e que esperava que a meditação o ajudasse a aprender
a controlá-lo. Tinha vinte anos e ainda vivia em casa (o que
o tornou um alvo imediato da troça de Jim), embora desejasse ansiosamente separar-se
dos seus pais, esperando a libertação que um grupo a funcionar pudesse trazer. Nos
anos
que se seguiriam, Jim e John trabalharam juntos nos Doors,
mas nunca se tornaram amigos íntimos.
John tocava bateria desde os doze anos. Tinha tocado
(1) De 70 kg para 60 kg, aproximadamente. (N. do T.)
79
percussão na University High School, em West Los Angeles,
depois mudou para o jazz durante a Universidade, que tinha
começado a frequentar na cidade de Santa Mónica, que continuou na cidade de Los
Angeles, e que finalmente abandonou
no Estado de San Fernando Valley.
Depois de duas semanas de ensaios, Ray e os seus irmãos
dirigiram-se com o novo cantor, o novo baterista e um contrabaixista contratado (uma
rapariga cujo nome toda a gente
esqueceu), para o estúdio de gravação de World Pacific, na
Third Street de Los Angeles. Rick e os Ravens tinham contrato com a Aura Records e
tinham gravado um par de canções
com Ray a cantar sob o nome de Ray Daniels. Depois de
editado, o single afundou-se no anonimato e a Aura decidiu
dar aos rapazes algum tempo grátis de estúdio em vez de gravar mais músicas. Em três
horas gravaram seis músicas.
«O que conseguimos» disse Jim anos mais tarde, «foi um
demo» (x) em acetato de que tirámos três cópias.»
Estes foram os discos que Jim, Ray, John e algumas vezes Dorothy Fujikawa, levaram de
companhia discográfica
em companhia discográfica, músicas escritas por Jim em
Venice, nesse Verão, incluindo Moonlight Drive, My Eyes
Have Seen You (uma música então chamada Go Insone),
End of the Night, e uma pequena melodia inofensiva com
um tema contínuo, Summer's Almost Gone. As músicas e o
grupo foram rejeitados por todas as companhias discográficas.
Nesta altura, Jim conheceu Pamela Courson.
Pamela era uma ruiva com apenas dezoito anos. Tinha
sardas nas costas das mãos, que se espalhavam na sua cara
pálida e delicada, e salpicavam como canela um corpo delgado como uma corda. Usava o
cabelo com risca ao meio,
liso e comprido. Os seus olhos eram dum alfazema translúcido, maiores que o normal,
dando-lhe o aspecto de uma pintura de Walter ou Margaret Keane: vulnerável,
dependente,
adorável.
Nasceu a 22 de Dezembro de 1946, em Weed, Califórnia,
a algumas milhas de Mount Shasta, considerada pelos índios
como montanha sagrada. Seu pai, como o de Jim, tinha sido
aviador na marinha -mas bombardeiro, e não piloto- e
era então comandante na Reserva Naval dos E.U. e director
de um liceu em Orange, a cidade que deu ao Condado de
(*) «Demo», exemplar de demonstração de banda sonora geralmente gravada
por processos amadores e utilizada pelos candidatos a gravações comerciais para
demonstrar os seus méritos às editoras. (N. do T.)
80
Orange o seu nome. Ela disse a Jim que tinha desistido das
suas aulas de arte no colégio de Los Angeles City e que estava
à procura de qualquer coisa interessante para fazer.
Anos mais tarde, Pamela diria que tinha sido Jim o primeiro a falar-lhe da vida. Ela
considerou-se a si própria «criação de Jim». Ele falava-lhe acerca dos filósofos,
escrevendo um
parágrafo acerca de cada um deles, de Platão a Nietzsche,
introduzindo-a nas grandes ideias do pensamento ocidental.
Jim deu-lhe os seus diários a ler, e imediatamente ela se considerou a custódia da
sua poesia.
Jim estava a ler de novo The Doors of Perception (As
Portas da Percepção) de Aldous Huxley: «A maior parte destes modificadores de
consciência não podem agora ser tomados
excepto sob prescrição médica, ou então ilegalmente e com
um risco considerável. Com uso ilimitado, o Ocidente tem
apenas permitido álcool e tabaco. Todas as outras "portas"
químicas na "parede" são classificadas como droga, e os seus
compradores ilícitos como viciados.» Jim estava divertido
com a imagem e começou a aumentar tanto a variedade como
a quantidade.
Nessa altura Jim estava a fazer tudo o que podia para
rebentar o cérebro. Abrir as portas da percepção... passar para
o outro lado... tomar a auto-estrada até ao fim da noite...
Visitar estranhas cenas dentro da mina de ouro... montar
a cobra... as frases impressionantes que ele mais tarde iria
espalhar pela sua música, iam sendo escritas em cadernos
de apontamentos no calor outonal da praia. Estava na fúria
da descoberta da sua própria visão e vocabulário.
Devorou comprimidos de ácido como se fossem pãezinhos
ou aspirina, pois é isso que então pareciam: o primitivo
Owsley de San Francisco, o «raio branco» original, puro e
barato e... clunk. E erva, claro, sacas e sacas vindas do
México. Até que vieram os cubos de açúcar.
Atravessar para o outro lado
Atravessar para o outro lado
Atravessar para o outro lado
Jim decidiu que era altura de contar à sua família em
Londres os seus planos. Escreveu a dizer que tinha tentado
arranjar trabalho depois da formatura, mas as pessoas tinham-se rido dele e do seu
diploma cinematográfico, de maneira que
agora estava num grupo e cantava - e que é que eles pensavam disso?
O pai de Jim ficou espantado e escreveu uma carta de
grande objecção. Lembrou a Jim o abandono das lições de
81
piano e a sua recusa infantil de se juntar à família para a
celebração de Natal... e agora tinha começado uma banda?
Depois de seu pai ter pago as contas da Universidade durante
quatro anos?
«Bem», disse o oficial da marinha, animando-se rapidamente, «Penso que estás doente.»
Jim nunca aceitou de ânimo leve as críticas e nunca
mais escreveu a seus pais.
Num dia de Outubro, apareceu uma fotografia de Billy
James na revista de arte que Jim e Ray liam semanalmente.
Billy, que tinha trinta e três anos e já fora actor, tinha estado
a fazer a publicidade de Bob Dylan em Nova Iorque depois de
ter feito um contrato com a Columbia; em 1963 tinha-se
mudado para a Califórnia para fazer publicidade. Foi bem
sucedido durante um tempo, o que quer dizer que satisfez
todos os pedidos habituais da empresa, mas depois começou
a adoptar o estilo de vida dos músicos, mudando de maneira
tão radical que não conseguia comunicar mais com os amigos
da costa Leste nem com a maior parte dos seus superiores na
Columbia. Deram então a Billy um novo título - director
de aquisição de talentos e desenvolvimento - suficientemente
vago para cortar com uma carreira convencional na companhia. Tanto quanto lhe dizia
respeito, o título era a autorização de acesso ao material que o atraía.
Ray e Jim olharam para a fotografia. Billy tinha barba.
«Talvez ele seja um gajo porreiro», disse Ray.
Quando Billy voltou do almoço, encontrou Jim, Ray,
Dorothy e John no corredor perto do frigorífico, fora do
escritório. Acenando distraidamente com a cabeça, disse aos
rapazes para entrarem, aceitou o seu acetato graciosamente
e ouviu a batida, que logo percebeu ter sido repetida muitas
vezes. Prometeu-lhes que telefonaria, provavelmente dentro
de alguns dias. Dois dias mais tarde a secretária de Billy ligou
a Jim. Disse que Billy os queria ver no seu escritório logo
que fosse oportuno.
«Disse-lhes que podia produzir os discos deles se quisesse,
mas que, embora eu sentisse que o talento estava lá, não estava
de maneira nenhuma seguro que o conseguiria fazer ressaltar
num estúdio», recorda Billy. «Soube desde logo que teria que
interessar neles outro produtor da Columbia. E por ter antecipado que talvez pudessem
surgir problemas, o contrato que
ofereci foi de cinco anos e meio, com seis meses de prazo
inicial, durante o qual a companhia se comprometia a produzir
um mínimo de quatro títulos e a lançar um mínimo de dois.
82
Não os queria ver vinculados a nós por contrato para além
de seis meses, sem que nada acontecesse.»
Jim não quis acreditar. Columbia. A etiqueta de Dylan.
Apesar deste encorajamento, o grupo começou a desmoronar-se, pois um dos irmãos de
Ray desistiu e o outro foi
substituído. O substituto foi Robby Krieger, um guitarrista
que estava na aula de meditação de John e Ray.
Com dezanove anos, Robby era o mais novo dos quatro.
Era também o menos imponente. Tinha cabelos castanhos-escuros e olhos verdes
desmaiados, e um ar desorientado, que
alguns pensavam ser devido a drogas ou a lentes de contacto
mal ajustadas, A excêntrica imagem era protegida pela maneira como falava -
hesitantemente, como se estivesse a adormecer, os finais das suas frases redundavam
numa interrogação ou desapareciam num murmúrio. Mas as aparências
podem ser ilusórias. Por detrás daquele olhar desorientado e
infantil existia uma vivacidade de espírito e um subtil sentido
de humor, ambos herança de seu pai, homem razoavelmente
abastado que aconselhava agências governamentais e empresas
sobre planeamento e finanças.
Como John, Robby era nativo da Califórnia - nascido
a 8 de Janeiro de 1946, em Los Angeles, um de dois falsos
gémeos - e tinha andado na Universidade.
Mas Robby tinha também frequentado liceus em Pacific
Palisades, um rico subúrbio de Los Angeles, e em Menlo
Park, também elegante subúrbio de San Francisco. Tinha
passado um ano na Universidade da Califórnia, em Santa
Bárbara, e depois um período na UCLA, onde tinha mudado
de especialização pela terceira vez. Estava a estudar física
quando John lhe pediu para conhecer alguns rapazes que se
chamavam Doors.
«Os Doors?» disse Robby, sorrindo vagamente. «É extraordinário!»
Robby e John tinham tocado juntos num grupo chamado
«Psychedelic Rangers». Até então pensava ele ser esse um
nome invulgar.
Robby disse a Jim que tinha começado a tocar guitarra
aos quinze anos e aos dezoito ambicionava ser um Montoya
ou um Segovia. Mas mudou tantas vezes de estilos musicais
como de colégios, passando rapidamente do flamenco, ao folk,
aos blues, ao rock. Gostava em particular dos cantores de
folk, disse a Jim, lembrando-se do tempo em que foi ver
Joan Baez na Universidade de Stanford. Jim, claro, começou
a falar de Dylan. Então Robby ligou a sua guitarra bottleneck
e tocou um pouco. Jim tinha ouvido tocar bottleneck em
83
discos, mas era a primeira vez que o via fazer. Durante um
tempo, quis que Robby tocasse bottleneck em todas as músicas.
As conversas sobre assuntos profissionais e os ensaios
continuaram e os quatro tornaram-se mais íntimos, encontrando-se todos os dias - em
casa de Ray, em casa de Robby
onde os seus pais tinham um piano num quarto lateral, ou
na casa de um amigo, em Venice. Ensaiavam cinco dias por
semana, lado a lado. Trabalhavam em espectáculos ocasionais
aos fins de semana - a maior parte das vezes em bares
mitzvahs, casamentos, e festas de fraternidade - recorrendo
sem vergonha a algumas músicas facilmente reconhecíveis,
tais como o Louie, Louie e Gloria, tocando ocasionalmente
uma das suas composições. Jim, ainda demasiado envergonhado e inseguro para enfrentar
uma audiência, fosse de que
tamanho fosse, virava as suas costas para a plateia ou, quando
a enfrentava, fechava os olhos e mantinha-se firme ao microfone como se fosse a única
coisa que o impedia de se enfiar
pelo palco abaixo. De facto, na maior parte dos primeiros
concertos dos Doors, foi Ray que cantou a maior parte das
músicas, com Jim a acentuar os versos tocando uma harmónica ou grunhindo Yeah! e
Drive on!
Phil Oleno tinha um emprego como gerente nocturno de
um supermercado, e nas raras tardes em que Jim não estava
a ensaiar, passavam muitas vezes o tempo a fumar droga e
a passear no «campus» de UCLA, falando com raparigas no
departamento das Artes. Uma chamava-se Katie Miller, era
um ano ou dois mais nova que Jim e parecia-se um pouco
com Tuesday Weld quando jovem: inocente, loira, volátil.
Katie era uma rapariga sensível, insegura das suas capacidades, precedendo sempre as
suas observações com desculpas.
Mas foi a sua generosidade que lhe deu a maior aflição. Era
como se tentasse ser mãe das pessoas perdidas que encontrava
na escola. Convidou Jim para ficar no seu apartamento sempre que quisesse e cozinhou
faustosas refeições, insistindo que
levasse o seu carro quando precisasse de transporte. Algumas
vezes Jim desaparecera com o seu carro durante dias, deixando
Katie à deriva. Outras vezes ficou no seu apartamento durante
dias, virando tudo do avesso e abusando dela viciosamente,
castigando-a com uma linguagem diabólica, vangloriando-se
com modos de bêbedo das outras mulheres da sua vida, ameaçando esfaquear os quadros
enormes que ela tinha pintado
na escola e pendurado nas paredes do apartamento. Também
a tranquilizou: ela era encantadora, ela era bonita.
«Tens realmente que conhecer Jim», disse ela à sua amiga
Rosanna White, outra estudante de arte. Rosanna tinha ouvido
algumas das histórias de Katie e estava um pouco enojada,
84
mas quando finalmente conheceu Jim, ele fascinou-a. Muitas
vezes aparecia de tronco nu, e o seu cabelo crescido bem como
o modo como virava a cabeça para os lados realçando os
músculos do pescoço, fazia Rosanna pensar que ele se parecia
com uma estátua grega com vida. Estava igualmente dominada pela sua voz, que durante
os seis meses em que o viu
de vez em quando, nunca se ergueu para além de um murmúrio. Rosanna admitiu ter tido
medo de Jim, mas ainda lhe
ofereceu o sofá-cama preto do seu apartamento, dando-lhe
um lugar para se estirar quando não conseguia voltar à praia.
O apartamento de Rosanna era tão sóbrio como o de
Katie era luxuriante. Vivia à base de comidas naturais, de
modo que nunca havia muito para comer, e como também
não fumava marijuana não tinha daquela comida repelente
de que os fumadores de erva gostavam. Como raras vezes
bebia vinho, Jim tinha que trazer o seu. Contudo, tinha um
«shampoo» orgânico de que ele gostava, e muitas vezes quando
Rosanna voltava das aulas, encontrava-o na casa de banho de
jeans e camisa maltrapilha de pijama, pousado em frente
do espelho, sugando as bochechas com os modelos enigmáticos e famintos da revista
Vogue, alisando o seu cabelo ainda
húmido e desalinhado.
«Jim», disse ela, «porque não penteias o cabelo?»
Jim deu ao seu cabelo uma carícia final e olhou para
Rosanna num esgar assexuado. «Porque quero que se pareça
com a asa de um pássaro.» Depois acariciou-se, cruzando os
braços à volta do peito e esfregando sensualmente os biceps
através da flanela fina que o cobria, enquanto olhava para
ela com ar irritado.
Uma noite, não muito depois de o ter conhecido, Jim
apareceu no seu apartamento com John Densmore e Katie,
que saíram pouco tempo depois e os deixaram sozinhos.
Rosanna, que se irritava cada vez mais com a vaidade e os
murmúrios de Jim, decidiu acabar com aquilo tudo. «O que
é esta aldrabice!», disse quando Jim começou a murmurar
para ela. «Tu não falas realmente dessa maneira. Agora pára
com isso.»
Jim passou do murmúrio a uma afirmação porca, e disse
a Rosanna que o que ela realmente queria era ir para a cama
com ele. «Está calado, Jim», disse ela desgostosa. «Não sejas
tão mentiroso. Estás sempre drogado, não consigo estabelecer
uma relação contigo. Nem sequer consigo falar contigo agora
porque penso que estás drogado e soas a falso. Jim, estás a
representar.»
Jim correu para a cozinha e, segundos depois voltou com
a faca curva em aço de trinchar. Postando-se em frente dela,
85
agarrou subitamente o seu pulso direito e dobrou o braço
para trás como se tivesse algemas. A blusa dela desabotoou-se
com o movimento, e Jim encostou a lâmina à carne do seu
estômago suave.
«Não me podes dizer isso», murmurou. «Vou-te cortar
e ver se sangras.» Parecia sério.
Alguém entrou no apartamento. Jim deu uma volta e viu
John Densmore que tinha voltado inesperadamente. Olhou
de novo para Rosanna e depois para a faca que segurava.
Riu. «Hey, o que é isto? Uma faca? Donde é que isso veio?»
Mais tarde Rosanna pediu desculpa e também Jim pediu
desculpa, perguntando se podia dormir no sofá-cama nessa
noite. Ela disse que sim.
Um dia, em Novembro, Jim telefonou a Ray. Eram
8 horas da manhã e Jim estava a tripar em ácido. Queria
ensaiar. Ray respondeu-lhe que era muito cedo. Jim insistiu,
e disse que se Ray não fosse imediatamente, mandaria os
Doors para o diabo, deixava-os. Ray prometeu a Jim que o
veria mais tarde.
Passaram algumas horas e Jim estava em casa de Phil
Oleno com Félix Venable, a descer da «viagem». Estavam a
falar sobre algumas fotografias que tinham visto de teias de
aranha sob a influência da LSD e mescalina. Oleno mostrou
o livro - que tinha tirado da biblioteca da UCLA - e abriu-o
no sítio das fotografias. O fiado das teias das aranhas às quais
tinha sido dado ácido eram geométricas, e as teias de mescalina eram arbitrárias,
caóticas, ilógicas, talvez (disse Jim) loucas. Decidiram que deviam experimentar
alguma mescalina
na sua forma mais pura, o cacto peyote. Isso significava irem
até ao deserto, ao Arizona.
Dirigiram-se os três para Leste no descapotável e desconjuntado Chevrolet encarnado
de Phil, que não tinha a primeira
nem a marcha atrás. Enquanto guiavam através de Hawthorne,
um pouco fora de Los Angeles, Jim mandou parar o carro
numa paragem barulhenta, saltou para fora, correu a beijar
uma rapariga, precipitando-se de novo para o carro precisamente no momento em que um
radiopatrulha da polícia
se metia em frente do automóvel. O fantástico voo de Jim
não tinha passado despercebido. A polícia pediu-lhe a identidade, falou com a
rapariga e soube que ela tinha apenas
catorze anos.
«Vá», chamou Jim, «por que não disparas contra mim?
Vá, filho da mãe, estúpido de merda, dispara.»
Misteriosamente, a polícia deixou-os ir com um aviso.
A viagem para Leste prosseguiu.
86
Dois dias mais tarde quando Jim e Félix voltaram sem
Phil, cobertos de feridas e cortes, as histórias começaram.
Jim contou a algumas pessoas que tinham guiado até ao Arizona, encontrado alguns
índios, e ido para o deserto com eles
atirar flechas em volta dos cactos peyote, porque se se conseguir puxar o arco e
atirar a flecha (explicou Jim), isso significa
que se é suficientemente forte para ter uma boa viagem.
Depois tinham mastigado o peyote e a seguir Phil tinha
decidido partir para o México.
Outra versão tinha sido contada a outras pessoas e essa
explicava as feridas. Nesta, Jim, Phil e Félix não tinham
encontrado quaisquer índios, nem peyote, mas, em vez disso,
alguns cavaleiros mexicanos de mau aspecto que viviam perto
do Rio Colorado e que gostavam de «comer homens de
cabelos compridos.
Nada estava a acontecer na Columbia. O contrato tinha
sido assinado e tinha havido um jantar de celebração em casa
de Robby, mas depois disso, nada. Billy Jones começava a
achar impossível conseguir a atenção dos produtores da Columbia. Os Doors continuavam
a ensaiar, tocavam em festas
ocasionais e exibiam-se onde podiam.
Em Dezembro, durante uma projecção de filmes na
UCLA que incluía um dos exercícios escolares de Ray do
ano anterior, os Doors surgiram no palco - no seu primeiro
verdadeiro aparecimento em público - improvisando uma
banda sonora com instrumentos acústicos. Depois exibiram-se
num clube em Westchester, o ponto de partida dos Turtles,
uma banda então popular em Los Angeles, e foram rejeitados.
De modo semelhante, foram também afastados do Bido Lito's,
um clube pequeno mas muito na moda, em Hollywood, onde os
Love tinham sido o grupo da casa durante muito tempo.
O problema, disseram-lhes, era a falta de um som baixo
suficiente.
Começaram a convidar instrumentistas de baixo para
tocar nos ensaios, mas o som era demasiado cheio, como o
dos «Rolling Stones» (tocaram muitas músicas em comum)
ou como o de qualquer banda eléctrica de blues. Estavam
ainda a tentar decidir se queriam mudar assim tanto o seu
som, e tocavam ainda em clubes sem o baixo, quando, em
Janeiro seguinte, lhes foi oferecido um trabalho como banda
da casa no London Fog, um pequeno clube no Sunset Strip
a menos de cinquenta jardas do Whiskey a Go-Go, cujo proprietário ostentava o
distinto nome de Jesse James. Os Doors
viram a insígnia a levantar-se lá fora: «Doors - banda de
Venice», e extasiaram-se. Na primeira noite em que tocaram,
não entrou no clube nem uma única pessoa.
87
As condições do proprietário eram tão miseráveis que
parecia que só estava interessado nelas para encher a casa
com amigos da UCLA na noite em que se exibiam. Como
o Fog era um clube não sindicalizado, como o Bido Lito's, os
músicos contratados não tinham que pertencer ao sindicato
dos músicos, e o clube não tinha que pagar o mínimo do sindicato. Os Doors tocavam
das nove às duas horas, cinco séries
por noite, com quinze minutos de intervalo em cada hora,
seis noites por semana. Por isto cada um recebia $5 nas noites
de semana e $10 aos sábados e domingos. Em cash, no fim da
noite - se o proprietário o tivesse.
A proximidade do Whiskey nada fez para o tamanho
ou caracterização das primeiras audiências dos Doors. Apesar
do seu nome sugestivo, o «London Fog» era sobretudo frequentado por marinheiros,
transviados, chulos, drogados e mafiosos
de fato preto, fito no turista. Todos procuravam acção que
manifestamente estava noutro sítio.
Entre as séries de música, os Doors iam por turnos até
ao Whiskey, onde podiam ficar à entrada e olhar para os
cabeças de cartaz, esperando ser um dia, como Jim disse mais
tarde, «tão grande como os Love», a banda underground mais
popular de então em Los Angeles.
Entretanto, o trabalho encorajou-os e deu-lhes a oportunidade de adquirirem confiança
enquanto poliam o seu material original. Ao princípio, Jim dedicava-se aos efeitos
instrumentais de harmónica, ou atirava-se aos teclados, enquanto
Ray tocava flauta. Mas, quando começou a concentrar-se
mais na sua actuação visual, desistiu de tentar tocar um
instrumento. Ray descobriu o piano baixo «Fender», um instrumento que podia tocar com
a mão esquerda enquanto continuava a tocar acordes e solos com a mão direita no órgão
«Vox» que a Columbia Records tinha comprado para ele.
O dilema do baixo ficou resolvido.
Em Fevereiro, a banda não tinha menos de quarenta
músicas no seu repertório, vinte e cinco das quais eram originais, incluindo The End,
que no princípio de 1966 não era
mais que uma música agradável sobre o amor desvanecido:
This is the end, beautiful friend.
This is the end, my only friend. The end
of our elaborate plans. The end,
of everything that stands, the end.
No safety or surprise, the end.
PU never look into your eyes again.
É o fim, amigo querido / É o fim, amigo único, o fim / dos planos
que forjámos, o fim / de tudo o que era firme, o fim / sem apelo ou
surpresa, o fim / Nunca mais te olharei nos olhos /
A excepção do Alabama Song, tirada de uma composição
de Brecht-Weill (*) sobre a glória e a degradação da Alemanha
Nazi antes da guerra, (A Ascensão e Queda de Mohagonny),
as músicas que a banda tocava eram clássicas antigas de blues
ou êxitos de rock reconhecíveis tais como Money, Back
Door Man, Glória e Louie, Louie. Jim cantava agora quase
todas elas.
À medida que as semanas iam passando, Jim ganhava
confiança em si próprio. Não pensava que tinha grande voz
- «Não canto, grito», disse - mas sabia que estava muito
melhor. Enquanto a banda se soltava, ele fazia uma volta
dramática com um lenço preto, envolvendo-o no microfone
e fazendo-o passar sensualmente à volta da cara.
O mais importante nos Doors era a sua crescente sensação de «unidade». Depois de
ensaiarem todos os dias, e agora
tocando juntos em público, os três músicos e o cantor conheciam intimamente a música
de cada um e evoluíam muito
bem. O afirmativo e vagamente eclesiástico órgão Flash Gordon de Ray; o matraquear
jazzy de John, pontuando perfeitamente as letras de Jim; o dedilhar subtil e
aparentemente
espontâneo de blues e de flamenco de Robby, a voz tenor-barítono ligeiramente rouca,
irregular mas sensual de Jim todos juntos num estilo que só se pressentia no disco
demo.
Jim ficava de costas para a audiência a maior parte do tempo,
olhando de frente para os outros assumindo a posição que
tomava nos ensaios quando, de acordo com Ray, se voltavam
para dentro para «dirigir as nossas energias em direcção uns
dos outros». Com a ajuda do LSD, diz Ray, os Doors desenvolveram a sua «mente
comunal». A maior parte dos músicos
que tocam juntos durante uns tempos, e que respeitam o
sentido musical de cada um dos outros, sentem uma aproximação que os que não são
músicos nem cantores não podem
compreender. «Sim», diz Ray, «existia isso. Mas havia também uma intensidade
invulgar.»
Havia um invulgar acordo de sociedade pelo qual tudo
era dividido igualmente. Jim escrevia quase todas as músicas,
mas quando gravassem, disse, os Doors seriam registados como
compositores, e os direitos de autor e todos os outros rendimentos seriam divididos
em quatro partes iguais. Todas as
decisões criativas não eram tomadas por maioria mas por
unanimidade.
Jim começou a levar drogas para o palco, algumas vezes
ingeridas: os olhos dilatados, percepção sensorial alternadamente
(*) Berthold Brecht e Kurt Weill. (N. do T.)
89
deformada e intensificada, o «ego» fragmentado; outras
vezes nos bolsos, tirando um amy (*) no momento em que Ray
estava a começar um solo de órgão e metendo-o no nariz.
Uma vez distribuiu «amies» a todos para inspirarem, no
começo de Little Red Rooster e quando chegaram à frase
«The dogs began bark, the hounds began to howl» («Os cães
puseram-se a ladrar, os mastins puseram-se a uivar») Ray
começou a ladrar, John começou a uivar e Jim caiu no palco.
Outra noite, completamente embriagado, Jim regressou a uma
estranha espécie de grosseria infantil, improvisando novas
letras para a Gloria, juntando, «and then she come on my
floor / she come on my bed / she come in my mouth...» («e
então veio ao meu andar / veio à minha cama / veio-se na
minha boca»).
Jim ainda não tinha morada, mudando de sofá-cama, em
sofá-cama. Pamela era a sua namorada número um, mas ele
não era monogâmico. Falavam em arranjar um apartamento
em Laurel Canyon, mas nessa altura passava as noites em
West Los Angeles. Ainda não tinha carro e dependia do antigo
Volkswagen amarelo de Ray ou do Singer Gazdle de John.
Quando tinham fome, os Doors iam todos para casa de John;
a mãe de John era a mais comunicativa de todas as três mães
dos Doors.
Em Abril os Doors estavam assustados. Continuavam
falidos. Quarenta dólares por cabeça não era suficiente para
viver, e muitas vezes não faziam tanto. Tinha sido oferecido
a John um lugar noutra banda. John e Robby foram presos
por posse de marijuana e Jim, que tinha no Verão anterior
conseguido ilegalmente um adiamento militar como estudante,
foi reclassificado com 1-A e disseram-lhe para se apresentar
a uma nova inspecção médica em Maio. Finalmente, a Columbia pô-los na «lista negra».
Um dos produtores do corpo directivo de Columbia
Larry Marks, foi uma noite ao London Fog e apresentou-se
como produtor deles, mas nunca mais o tinham visto outra
vez. Nem tinham sabido nada de Billy James. Foi John que
reparou no nome dos Doors na «lista negra», na secretária
de Billy. Apelaram para uma libertação imediata.
«Aguentem», disse Billy. «Vocês conseguem uns milhares
de dólares se acabarem os seis meses e não vos tiverem cortado
as músicas.» Abanaram negativamente as cabeças. Billy suspirou e chamou alguém do
departamento legal. Os Doors estavam legalmente livres.
(*) «Amy», droga estimulante. (N. do T.)
90
Alguns dias mais tarde, o proprietário do London Fog
libertou completamente os Doors. Despediu-os.
A sorte do grupo mudou em Maio.
Primeiro, Jim forçou a sua tensão arterial, o açúcar no
sangue, o coração, a respiração, a visão e a voz com uma vasta
e abundante selecção de drogas, «marchou» para o Centro de
Admissão do Exército, para o exame médico, disse aos
médicos que era homossexual e que se eles o aprovassem,
seriam os filhos da mãe mais arrependidos à face da Terra.
Foi recusado para o serviço. Depois, na última noite da banda
no London Fog, o caçador de talentos para o Whiskey a Go-Go
apareceu para lhes perguntar se estavam livres para preencher
a noite de segunda-feira. Apenas uma noite, disse uma bonita
morena chamada Ronnie Haran, mas os donos estariam
a ver.
«Realmente já ouvi falar de ti», disse a Jim, «e andamos
à procura de um grupo para a casa». Se se transformasse num
trabalho regular, disse ela, significaria duas séries por noite
- comparadas com as quatro e cinco no Fog - à tabela do
sindicato, $499,50 para os quatro. Jim e os outros foram
casuais na sua resposta, mas interiormente explodiam de alívio.
«Sim», disse Jim. «Penso que estamos disponíveis. Segunda-feira, humh? Mas é amanhã.
Não avisa com muita
antecedência, sabe.» O homem que tomava as decisões e que
era co-proprietário do PJ (um cabaré de dançarinas fora do
Strip) e do Whiskey a Go-Go era um ex-poMcia trintão de
Chicago, que respondia pelo estranho nome de Elmer Valentine. Ronnie Haran, que tinha
conhecido Elmer quando era
uma estrela que se expunha todas as noites do PJ, assegurava a publicidade para ambos
os clubes e procurava espectáculos novos. Também fez publicidade para o cantor
escocês
Donavon, em 1966, e quando estava à procura de um fotógrafo,
alguém tinha sugerido Paul Ferrara, que tinha ido para a
UCLA com Jim e disse a Ronnie que podia encontrar o grupo
no Fog. Não era o primeiro nem o último a falar-lhe sobre
os Doors, e como confiava muito mais naquilo que ouvia
na rua - do que em ouvir managers - visitou finalmente o
Fog.
Elmer admite que Ronnie Haran lhe pediu para contratar
os Doors uma segunda vez porque, na primeira vez, ele pura
e simplesmente detestou-os. Disse a ela que pensava que Jim
era um amador sem potencial que simulava uma pose fantástica para cobrir a sua falta
de talento. Achava também
que Jim tinha uma boca obscena. Mas Elmer gostava de
91
Ronnie, de maneira que concordou em contratar de novo os
Doors para mais duas noites.
Os Doors permaneceram no Whiskey de meio de Maio
até meio de Julho, tempo durante o qual foram despedidos
pelo menos uma vez por semana por enfurecerem os proprietários. Embora os Doors
quisessem impressionar favoravelmente os «cabeças de cartaz» do clube - os Rascais, a
Paul Butterfield Blues Band, os Animals, os Beau Brummels,
os Them, os Buffalo Springfield, Captain Beefheart - quiseram também «rebentá-los
para fora do palco», fazendo com
que o sócio do Elmer, Phil Tanzini, gritasse para eles, «Alto
demais! Alto demais! Vou pôr-vos na rua em frente de toda
a gente. Mais baixo, mais baixo.» Por vingança, sempre que
a banda tocava Unhappy Girl, Ray fixava-se na nota mais
alta até que o órgão, e Tanzini, guinchassem. As excentricidades de Jim agravaram a
situação. Às vezes afundava-se
tanto em bebidas alcoólicas ou drogas que não aparecia. Pior
ainda, algumas vezes dava saltos no palco entre cada set a
gritar, «Que se foda o Elmer! Que se foda o Whiskey! Que
se foda o Phil!»
Sempre que os Doors eram despedidos, Ronnie Haran
chamava uma rapariga de catorze anos de Beverly Hills, que
já nessa altura era uma das maiores fans dos Doors (deixavam-na ficar perto da
bilheteira mas não a deixavam entrar)
e esta telefonava a todas as suas amigas, as quais por sua vez
ligavam para o Whiskey a perguntar quando é que os Doors
voltavam. Elmer tinha o hábito de atender muitas chamadas
no clube, utilizando-as como Ronnie utilizava a conversa de
rua, para se manter em contacto.
«Era sempre a mesma coisa», diz Elmer, que ainda não
sabe que foi, pelo menos parcialmente, enganado. «As miúdas,
as miúdas, as miúdas, todas a perguntar.» Está aí hoje à noite
aquele filho da mãe cornudo de calças pretas? Bem, mas a
minha mãe também não criou miúdos idiotas, de maneira que
continuei a pô-los como segundo grupo.»
Na rua a palavra de ordem era: «Tens que ir ver os
Doors ao Whiskey, o cantor é doido.»
A imagem dos Doors era violentamente sexual - um
cantor escanzelado a esfregar as ancas contra o descanso do
microfone - mas era também intelectual. A galeria de grotescos nas letras de Jim
fascinava os admiradores da banda,
a meio daquela década de sessenta. Canções como When the
Music's Over, eram sucessivamente melancólicas, ultrajantes,
consoladoras, exigentes, suplicantes e, acima de tudo frustradas.
92
I
O espectáculo dos Doors era fluido. Muitas vezes demoravam cinco minutos entre duas
músicas para decidir o que
iam tocar a seguir «e que tal Crystal Shipí», perguntava Jim.
«Não, acho que não», dizia Ray, «não me apetece.» John
sugeria uma música que obrigaria Robby a um grande solo
e Robby abanava a cabeça, When the Music's Overt, alvi
trava Jim. Ray olhava contemplativamente, abria a boca num
sorriso sem mostrar os dentes, à Henry Fonda, e fazia um
sinal afirmativo com a cabeça. John dizia que estava bem e
Robby com certeza. Era unânime. A política dos Doors.
When the Music's Over era um número de improvisação
que durava onze minutos ou mais, dependendo do comprimento
das partes instrumentais e dos fragmentos de poesia de Jim.
Era sob muitos pontos de vista a música clássica dos Doors:
realizada num estilo altamente dramático que obrigava a que
a banda fosse vista tanto em termos teatrais como em termos
musicais.
A música começava com um «riff» (*) de órgão e com Jim
a implorar, quase sem respiração, «Yay... c'moon». Depois
John Densmore começava a girar exageradamente os braços,
adicionando uma barulhenta e metronómica batida percussiva;
e, de repente, assustando toda a gente, Jim pulava para o ar
com o microfone na mão e gritava «Yeaaaahhhh». «O órgão
conduzia a linha melódica, Robby juntava acentos rítmicos
e Jim trauteava em lamento fatalístico:
When the music's over
When the music's over
When the music's over
Turn out the lights
Turn out the lights
Turn out the lights
Quando a música parar / Quando a música parar / Quando a música
parar / Apaga as luzes / Apaga as luzes / Apaga as luzes /
Depois mais violentamente:
For the music is your special friend
Porque a música é a tua amiga íntima /
E ainda mais agressivamente, quase num grito:
Dance on fire as it intends
Dança em cima do fogo, se ela te convidar /
(*) «Riff» acorde insistentemente repetido. (N. do T.)
93
Depois, uma consolação (um aviso):
Music is your only friend
A música será a tua única amiga /
Os tambores ribombavam.
Until the end
Until the end
Until the end
Até ao fim / Até ao fim / Até ao fim /
Aqui Robby providenciava uma guitarra regenerada /
/ extravagante / «psicadélica», John percutia os címbalos, Ray
mantinha notas de órgão perfurantes, e no meio desta cacofonia, Jim, enrolado no
chão, segurando o microfone no peito,
lançando as pernas, assumindo alternadamente uma posição
fetal e ficando depois perfeitamente hirto. A música ficava
mais lenta, os músicos acalmavam-se. Jim punha novamente
de pé.
Cancel my subscription to the Resurrection
Send my credentials to the house of detention
I got some friends inside
The face in the mirror won't stop
The girl in the window won't drop
A feast of friends alive she cried
Waiting for me
Outside
Risca a minha assinatura para a ressurreição / as credenciais, envia-as
para as casas de detenção / tenho lá alguns amigos / O rosto no espelho não se há-de
sumir / a moça à janela não vai sucumbir / Há uma
festa de amigos - gritou ela / viva / à minha espera /
A última palavra era outro grito. A música tornava-se
hipnótica:
Before I sink into the big sleep
I want to hear
I want to hear
The scream of the butterfly
Come back baby
Back into my arms
Antes de mergulhar no grande sono / Quero escutar / Quero escutar /
/ o grito da borboleta /
Vem, amor, vem / volta aos meus braços /
94
Uma nota de impaciência entrava na voz de Jim, insinuava violência:
We're gettin' tired of hangin' around
Waitin' around with our heads to he ground
Estamos cansados de tantos rodeios / fartos de esperar, de ouvido no
chão /
A voz deixava a violência para trás, tornava-se tão hipnótica como a música:
I hear a very gentle sound
Very near yet very far;
Very soft, yea, very clear;
Come today, come today.
Estou a ouvir um rumor suavíssimo / próximo, mas remoto, brando,
muito nítido / Vem hoje mesmo, vem /
Criava-se um estado de espírito triste que se virava para
a cólera:
What have they done to the earth?
What have they done to our fair sister?
Ravaged and plundered and ripped her and bit her,
Stuck her with knives in the side of the dawn,
and tied her with fences and dragged her down.
Que têm eles feito da terra? / Que fizeram eles da nossa irmã gentil? / Têm-na
devastado, saqueado, esventrado, despedaçado / apunhalaram-na nos flancos da aurora /
cercaram-na e levaram-na de rastos /
Havia só o último bater do coração do órgão de Ray:
duas notas, bum-bump, com a intrusão apocalíptica dos tambores. Bum-bump. Bum-bump.
I hear a very gentle sound
With your ear... down to the ground.
Estou a ouvir um rumor suavíssimo... / Com o teu ouvido colado ao
chão /
A cara de Jim estava ao lado do microfone, agarrado
na mão esquerda de maneira quase amorosa, enquanto a mão
direita cobria o ouvido. A perna direita estava para a frente,
95
dobrada no joelho, o pé segurando o descanso do microfone.
A perna esquerda rígida, equilibrada.
We want the world and we want it...
We want the world and we want it...
Queremos o mundo e exigimo-lo... / Queremos o mundo e exigimo-lo... /
Um tambor ressoava:
Now
Now?
Agora / Agora? /
Silenciava-se o tambor. E ele pulava. E ele gritava:
Now-wowwwwwwoooooooooooo ww w w ww w www!
Agoooooooora!
O órgão voltava, cheio de furor:
Persian night;
See the light,
Save us, Jesus, save us!
So when the music's over,
Turn out the lights.
The music is your special friend
Dance on fire as it intends
Music is your only friend
Until the end
Until the end
Until
THE END!
Noite persa! / Olha a luz! / Salva-nos, salva-nos, ó bom Jesus! /
/ Quando a música parar, quando a música parar / apaga as luzes / A
música é a tua amiga íntima / Dança em cima do fogo se ela te convidar / a música
será a tua única amiga até ao fim / até AO FIM! /
Até as dançarinas «go-go» viam tudo pela segunda vez,
estavam sentadas, hipnotizadas.
96
CAPÍTULO 4
Quando se tornou notório que
os Doors ficariam no Whiskey durante um tempo - tinham
deixado de levar a sério os despedimentos depois das primeiras
duas semanas - todos os quatro se mudaram.
John e Robby deixaram finalmente os pais para partilharem uma pequena casa em Laurel
Canyon e tentaram
arranjar outros empregos para a banda. Ray e Dorothy arranjaram um apartamento
defronte da praia que tinha apenas
um quarto, com seis pés de comprimento, perfeito para ensaiar.
Jim mudou-se para a casa de Ronnie Haran, um pequeno
apartamento a $75 por mês, a alguns quarteirões do Whiskey,
e foi aqui que ela começou a falar com Jim acerca da redacção de um contrato para
aquilo que ela chamava de «gestão
promocional». Começou também a ligar para empresas discográficas, convidando
representantes para ver o que ela chamava os «America's Rolling Stones». Na
realidade, alguns
apareceram. O produtor dos Beach Boys, Nick Venet, não
gostou nada deles. Lou Adler, que já tinha os Mamas and
Papas, ficou tão insensível como tinha ficado quando Jim
e Ray lhe levaram o «demo» nove meses antes. Alguns dos
Rolling Stones foram lá quando estiveram na cidade: também
não ficaram impressionados. Nem Jac Holzman, produtor
de música popular e apaixonado da electrónica, então com
trinta e seis anos, e que era fundador e presidente dos Elektra
Records. A Elektra era então uma pequena empresa que
fazia as suas primeiras incursões no mercado do rock com os
Love. Logo que saiu do Whiskey naquela primeira noite a
meio de Junho, Jac declarou, «Este grupo não vai lá».
Holzman foi mais uma vez persuadido a ir ver os Doors,
por Ronnie, é claro, mas também por Arthur Lee, o «leader»
97
dos Love. Assim, voltou e decidiu que havia algo atraente na
maneira de tocar órgão de Ray. Na quarta visita, decidiu a sua jogada, oferecendo aos
Doors um contrato. Disse que os
queria por um ano, com opções para mais dois, ou até realizarem seis álbuns, mesmo
que levasse mais tempo. Em contrapartida, os Doors receberiam $2.500 de avanço por
conta
dos futuros direitos de autor de 5 por cento da receita bruta
de venda dos discos.
A jogada de Jac realçou as duas características mais
óbvias da Elektra: a sua sinceridade e o seu tamanho. Jac
sempre quis deixar bem claro que a Elektra era uma actividade de negócios familiar
cuja pequena mas limpa organização era sempre acessível. Os artistas da Elektra,
dizia,
tinham acesso fácil e imediato a qualquer pessoal da companhia... e com tão poucos
artistas contratados (comparado
com a Columbia), o pessoal podia dedicar-se mais directamente
à promoção de todo o material.
Parecia bom. Tinha havido uma altura em que os Doors
tinham querido apenas ser tão bons como os Love. Agora queriam mais, e talvez uma
pequena companhia o conseguisse.
Além disso, era a única oferta segura que tinham tido. Eram
cuidadosos com contratos depois da experiência com a Columbia, mas estavam também
ansiosos por gravar. Disseram a
Jac que gostariam de pensar sobre isso, e Jac voou de regresso
a Nova Iorque.
A primeira pessoa a quem mostraram o contrato foi a
Billy James, o amigo da Columbia. Disse-lhes que não estava
em posição de o avaliar razoavelmente porque estava para deixar a Columbia e para
abrir um escritório da Elektra na West
Coast. Se eles decidissem trabalhar com a Elektra, prometia
fazer o possível para conseguir tudo o que eles quisessem.
E depois disse-lhes que arranjassem um advogado que os pudesse aconselhar
eficazmente.
Quando chegaram a casa de Ronnie Haran com o contrato ela levou-os ao seu advogado,
Al Schlesinger, que prometeu representá-los na condição de tomar o partido de Ronnie
em caso de conflito deles com ela. Ficaram nervosos, e então
Robby falou com o seu pai, que tinha vindo a servir como
consultor interino do negócio e que os enviou ao seu advogado,
um elegante consultor de Beverly Hills, de cabelos brancos e
outro maravilhoso nome, Max Fink.
Durante o tempo em que Max negociou com Holzman,
Jim parecia invulgarmente tenso. Tinha passado duas semanas
de grandes bebedeiras quando a banda inglesa Them tinha
encabeçado o cartaz no Whiskey, visto que o cantor-compositor do grupo não só tinha o
mesmo apelido que Jim, mas
98
também muitos dos mesmos hábitos. Jim e Van estavam convencidos que eram aparentados
e não deixaram de beber à
saúde do parentesco.
A isso seguiu-se um período de drogas mais pesadas do
que habitual. Quase todos os dias Ronnie via-o a engolir ácido
e, uma vez, jura que o viu fumar seis onças de erva num
dia, coisa que ele conseguiu fazer ficando de pé metade da
noite a enrolar cigarros tão grossos como o dedo indicador.
O pequeno apartamento estava sujo com sementes e tubos de
cachimbo por todo o lado e Ronnie estava furiosa. Jim ignorava-a, afirmando que desde
que Robby e John tinham ido
dentro, tinham ficado paranóicos com drogas e estavam loucos
para o obrigar a parar. «Lá porque eles andam agora em
meditação...» Deixou a frase por acabar. Jim não estava preparado para a meditação,
mas foi a uma das conferências
do Maharishi só para o olhar nos olhos e ver se estava feliz.
Jim decidiu que sim e dedicou-lhe uma música Take It As
It Comes!. «Go real slow / You'll like it more and more /
/ Take it as it comes / Specialize in havin fun.» (Vai devagar /
verás que te sabe cada vez melhor / aceita o que vier / tira a
especialidade do prazer). Mas não estava capaz de se submeter à disciplina da
meditação.
Nesta altura os Doors estavam a abarrotar o Whiskey
com os seus próprios fans devotos. Uma noite Jim não apareceu para a primeira série,
de modo que Ray, Robby e John
tocaram sem ele, cantando Ray todos os vocais. Robby voltou depois para o camarim e
John e Ray correram até ao
Tropicana, onde esperavam encontrar Jim.
Durante o percurso de dez minutos, Ray e John falaram
sobre Jim e as drogas. John estava visivelmente perturbado,
quase enraivecido. Ray estava mais calmo «Até parece que
Jim está a tomar toda esta quantidade de drogas para contrabalançar o facto de teres
cortado completamente com elas»,
disse.
«Sim? Bom, nunca tomei ácido mais do que uma vez
por semana», disse John, «e Jim anda nessa todos os dias,
pelo menos.»
Arrumaram o carro perto do quarto de Jim.
John admite que nunca compreendeu verdadeiramente
Jim. «Ele quis realmente sair de dentro de si, e ir completamente até aos extremos,
tão longe quanto se pode ir, sempre.
Eu nunca percebi, porque vinha da concepção indiana da metafísica, que é uma
concepção racional, seja ela qual for. Ele
estava sempre numa onda Nietzscheana ou lá o que é, numa
exploração existencial.»
99
Ray suspirava ao atravessar o parque, dirigindo-se ao
quarto que Jim alugava a $8 por dia. Murmurou o verso
duma música: «Break on through to the other side...» (Rompe
a direito para o outro lado...).
John e Ray chegaram à porta de Jim. Bateram. Não houve
resposta mas pareceu-lhes ter ouvido um movimento «Jim? Vá
lá, é o Ray e John». Jim abriu finalmente a porta.
Jim olhou espantado para os dois. «Dez mil mikes (*)»,
foi tudo o que disse.
Ray riu. Não acreditavam que fosse possível.
Uma quantidade normal de LSD era 350 a 500. «Vá lá,
vejamos o que acontece. Já perdeste a primeira série. Vamos
dar a Tanzini alguma coisa para recordar.»
Jim correu precipitadamente para o seu quarto, abanando
a cabeça. «Não, homem, não. Toma...» Abriu uma gaveta do
armário. «Toma. Toma estes.» Jim tirou duas mãos cheias
de LSD em pequenas doses cor de púrpura, oferecendo-as a
John e Ray. Ray notou que havia também uma barra de erva
comprimida na gaveta. Pelo menos um quilo.
A segunda série dessa noite foi uma catástrofe, mas na
altura em que os Doors entravam nos quarenta minutos finais,
Jim estava razoavelmente coerente. «Tocaremos o The End
nesta série», disse, acenando com a cabeça como se estivesse
preocupado.
The End era o trabalho mais memorável dos Doors. ou passaria a ser depois desta
actuação. Encarnava ainda mais
o conceito do rock teatral que When the Music's Over.
Começando por ser uma simples canção de adeus em dois
versos, já demorava ultimamente doze minutos, com Jim a
introduzir e a retirar novos bocados de poesia quase sempre
que a tocavam. Esta noite Jim tinha uma nova surpresa.
De calça chinesa escura e T-shirt, cabelo ondulado até
ao pescoço, cara por barbear à Botticelli, ocultava-se na cinética de luz e sombra da
pista de dança do Whiskey a Go-Go.
Parou, ficou a olhar as raparigas nas jaulas de vidro. No chão
estavam Vito e os seus arlequins de rendas transparentes,
doidos por música e conhecidos pelo entusiasmo com que pressentiam as novas bandas da
moda. Descobriram os Byrds no
Ciro's, depois os Love no Bido Lito's; tornaram-se membros
dos Mothers' Auxiliary de Frank Zappa. Vito e sua comitiva
entravam à borla no Whiskey nas noites de semana, porque
para onde Vito fosse, depressa seguiam os clientes pagantes.
(*) Mikes, miligramas. (N. do T.)
100
Jim caminhou desmazeladamente em direcção ao palco,
olhos inchados, cabeça caída sobre o ombro. Viu John, Robby
e Ray porem-se a postos, depois juntou-se a eles, colocando-se
perto do órgão de Ray. Ouviram-se os sons discordantes de
aquecimento, seguidos de silêncio, enquanto Jim e os músicos
continuavam na escuridão.
A pista de dança acalmava.
Jim pendurou-se no suporte do microfone como se fosse
uma camisa, cabeça inclinada para trás, olhos fechados, uma
mão a envolver o microfone, a outra cobrindo um ouvido.
Firmou um pé calçado de botins na base do suporte do microfone e começou uma
recitação soturna.
This is the end, beautiful friend
This is the end, my only friend, the end,
of our elaborate plans. The end,
of everything that stands, the end,
No safety or surprise the end.
I’ll never look into your eyes again.
Can you picture what will be,
So limitless and free
desperately in need
of some stranger's hand
in a desperate land?
É o fim, amigo querido / É o fim, amigo único, o fim / dos planos
que vai se de nós / ilimitados e libertos / desesperadamente necessitados
surpresa, o fim / Nunca mais te olharei nos olhos / Vê se imaginas o
que vai ser de nós / ilimitados e libertos / desesperadamente necessitados da mão de
um estranho / num mundo desesperado?
O acompanhamento musical era tão hipnótico como a
voz queixosa e ameaçadora de Jim. Ouvia-se a pulsação do
órgão de Ray, ejaculações repentinas dos tambores de John,
divagações semelhantes a uma sitar da guitarra de Robby.
Lost in a Roman wilderness of pain,
and ali the children are insane;
waiting for the summer rain - yahyyyyyeh
Perdidos num romano deserto de mágoas / com todas as crianças atacadas pela loucura /
todas as crianças atacadas pela loucura / à espera
da chuva de Verão /
A articulação de Jim era cuidadosa. Fazia pausas entre
as sílabas, como fazia quando falava. Como se escolhesse palavras e frases tão
cuidadosamente como um cirurgião segura
101
num bisturi. Existia no seu modo de pronunciar e na música
uma sensação de resistência, um aviso, antecipação, medo.
There's danger on the edge of town
Ride the King's highway, bay-beh
Weird scenes inside the gold mine;
Ride the highway west, bay-beh.
É perigoso passar ao pé da cidade / segue a direito pela estrada real /
/ Cenas mágicas dentro da mina de ouro / segue pela estrada do Oeste,
amor /
A plateia do Whiskey estava imóvel, amontoada de corpos estáticos, olhando fixamente
para Jim, que não se tinha
mexido desde o começo da música. Até o bar estava silencioso. Ninguém falava no
clube. Mesmo as empregadas estavam hipnotizadas pela figura no palco.
Ride the snake.
Ride the snake, to the lake,
The ancient lake
The snake is loooooooooong... seven miles;
Ride the snake.
He's old... and his skin is cold.
The west is the best.
The west is the bessssssssssss-ttttt.
Get here and we'U do the rest
The blue buuuuuus... is calling us
The blooooooooooooooe buuuuuuuuuuus... is calling us
Driver where you takin' us?
Vai, vai a cavalo na serpente / até ao lago de antigamente / A serpente mede sete
longas milhas / põe-te a cavalo na serpente, que é
velha / e tem a pele frígida / O Oeste é óptimo, óptimo é o Oeste /
/ vem até cá, nós faremos o resto / O autocarro azul chama por
nós / Aonde nos leva, senhor condutor? /
Jim semicerrou os olhos como se espiasse a audiência,
depois fechou os olhos novamente enquanto os sons obcessivos dos outros três Doors
formavam um misterioso cenário
de fundo.
Os olhos de Jim abriram-se. Libertou o microfone do
suporte e fixou a audiência, pernas juntas, recitando os doze
versos que completam a música na sua versão final, e que
102
em menos tempo do que demora a contar a história, impeliram Jim para a mitologia pop
contemporânea.
The killer awoke before dawn,
He put his boots on,
He took a face from the ancient gallery,
And he walked on down the halllll.
He went into the room where his sister lived annnd...
Then he paid a visit to his brother,
And then he... walked on down on down the halllll.
And he carne to a doooooor,
And he looked insidddde,
«Father?»
«Yes, son?»
«I want to kill you. Mother... I want to
FFFUUUUCKKK YOOOOO!»
O assassino acordou antes da aurora, / calçou as botas / retirou uma
cara da galeria antiga / e seguiu pelo átrio adiante. / Foi até ao
quarto onde a irmã vivia / foi seguidamente visitar o irmão / e dali
seguiu pelo átrio fora. / E chegou a uma porta / e olhou lá para
dentro. / -Pai! / -Sim, meu filho? / -Eu quero matar-te. /
/ Mãe, eu quero... / foder-te!
A voz de Jim levantou-se num grito primitivo, emitindo
o som de sede a ser rasgada por unhas partidas. Por detrás dele,
os instrumentos bramiam e guinchavam. Nem John, nem
Robby, nem Ray tinham ouvido antes estas palavras, mas não
ficaram tão surpreendidos que não continuassem a sua dose
de improvisação instrumental.
Quando ouviu Jim a dizer qualquer coisa sobre foder a
sua mãe, todo o sangue da cara de Phil Tanzini correu para o
coração que começou a bater em grande velocidade. «Aquilo»,
rosnou, «é a última vez. Nunca, jamais os Doors entrarão de
novo no Whiskey. Nem mesmo pagando a entrada.»
Jim cantava ainda, olhos fechados.
Come on, bay-beh, take a chance with us,
Come on, bay-beh, take a chance with us
And meet me at the back of the blue bus
Come on, yayehhhh
Entra, fica connosco, tenta uma vez mais, filho, / entra, fica connosco, tenta uma
vez mais, filho, / espera-me nas traseiras do autocarro azul / entra, yayehhhh /
103
A banda começou uma rápida corrida barulhenta para o
fim tremente, primário, em que Jim gemia sensualmente. Depois, voltando à mesma
abertura misteriosa, Jim cantou o que
originalmente tinha sido a segunda estrofe da música.
This is the end, bewwww-ti-fullll friend
This is the end, my only friend,
It hurts to set you free, but you'll never follow me,
The end of laughter and soft lies,
This is the end, bewwwww-tee-fulll friend
This is the end, my only friend,
It hurts to set you free, but you'll never follow me,
The end of laughter and soft lies,
The end of nights we tried to die
This
is
the
ehhhhhhhhhhhhhh-ennnnnnnnnnnnnnnd.
É o fim, amigo querido / É o fim, amigo único / Custa-me deixar-te,
mas nunca irás pra onde eu for / O fim da risada e das doces mentiras / É o fim,
amigo querido / É o fim, amigo único / Custa-me
deixar-te, mas nunca irás pra onde eu for / O fim da risada e das
doces mentiras / o fim das noites em que fizemos por morrer / É o
fim... /
Os que estavam na plateia voltaram vagarosamente para
as suas mesas ou para o bar, as empregadas começaram a
receber pedidos de bebidas e as pessoas retomaram a conversa.
Phil Tanzini estava à espera lá em cima na sala dos artistas quando os Doors
entraram.
«Você», gritou para Jim que entrava cambaleante no
compartimento, «é um filho da puta de língua suja e está despedido! Todos! Fora! E
não se incomodem em voltar!»
Os Doors sabiam que, desta vez, ele estava a falar a sério.
«Fuck the mother, kill the father, fuck the mother, kill
the father, fuck the mother, kill the father...»
Como um mantra as palavras enchiam o estúdio de gravação vagamente iluminado.
Existiam outros sons -a sintonização dos instrumentos, o arranhar e o estampido dos
microfones a serem ajustados, a voz da sala de controlo dando instruções sobre o PA -
mas todos ouviram o canto suave, repetitivo, maçador de Jim Morrison, deitado de
costas perto da
bateria.
«Fuck the mother, kill the father, fuck the mother...»
104
[Fotografias]
Fazendo de modelo com Um casaco de peles de Glória, momentos
antes de um concerto em Nova Iorque, 1967
105
Para um desenho de uma revista
106
Jim no apartamento de Glória Stavers, Nova Iorque, 1967
107
Com o chapéu de couro preferido e desleixado e um raro sorriso
108
Com 24 anos de idade
No miradouro de Griffith, 1968
110
No cimo do miradouro de Griffith, 1968
No miradouro de Griffith, 1968
112
A inspiração veio de O Nascimento da Tragédia de
Nietzsche: «Édipo assassino de seu pai, marido de sua mãe,
solucionador do enigma da Esfinge!» disse Jim, «consegue-se
realmente entrar na própria cabeça, apenas repetindo o slogan
muitas vezes.»
«Fuck the mother, kill the father, fuck the mother...»
Sófocles teve uma noção romântica sobre Édipo, a descrita por Nietzsche. Chamou a
Édipo a «figura mais infeliz
do teatro grego... o tipo de homem nobre que, apesar da sua
sabedoria, sucumbe ao erro e à miséria, mas que, todavia,
através dos seus sofrimentos extraordinários, acaba por exercer um efeito mágico e
conciliador em todos os que o rodeiam,
que continua mesmo depois da sua morte».
Jim gostou disso.
«Fuck the mother, kill the father, fuck the mother...»
«Está bem, acho que agora estamos prontos», a voz de
Paul Rothchild vinha da sala de controlo. Como Jim não
parou, chamou de novo, «Jim, acho que agora estamos prontos.»
Paul era o produtor que a Elektra lhes tinha atribuído.
Era atarracado e pequeno, cerca de três polegadas mais pequeno que Jim, o seu cabelo
loiro eriçado estava curto pois
tinha passado recentemente oito meses na cadeia por contrabando de maríjuana. Paul,
com trinta anos, era filho de um
cantor de ópera e literato homem de negócios britânico e tinha
crescido no modelo liberal e excêntrico de Greenwich Village.
Jac Holzman levou-o para Los Angeles para ouvirem os Doors
no Whiskey, em Julho, e as gravações começaram depois do
dia do trabalho.
Rothchild e os Doors escolheram as músicas que funcionavam melhor em actuação, para
fazerem o que Paul chamou um «documentário oral». Foi introduzido um músico de
estúdio, no baixo, em duas músicas, e numa terceira os Doors
levantaram-se e bateram violentamente com os pés no chão
para garantir uma sequência de ritmo, mas praticamente tudo
era feito como se o emporcalhado estúdio de Sunset Sound
fosse um clube nocturno. Apesar da falta de familiaridade a
estúdios e técnicas de gravação, os Doors sentiram-se confortáveis, e as primeiras
músicas foram fixadas cada uma delas
em apenas duas ou três tentativas.
Depois veio a música que iria preencher mais de metade
de um lado do álbum, o drama épico edipiano, The End.
«Fuck the mother, kill the father, fuck the mother...»
Paul estava a ficar impaciente. «Jim...»
Jim estava drogado e quando se levantou pesadamente
- por fim desistindo do slogan edipiano - os olhos caíram
113
sobre o pequeno aparelho de televisão que tinha trazido.
Olhou para Johny Carson (*), cujos lábios se moviam silenciosamente, depois pegou no
aparelho e atirou-o para a sala de
controlo, fazendo com que Paul e o técnico se desviassem.
O aparelho bateu violentamente no vidro grosso à prova de
som que os separava e caiu no chão. Jim olhou embaraçado.
Paul mandou parar a sessão e sugeriu à rapariga que
estava com Jim que o levasse para casa.
«Nahhhh», disse Jim discordando. «Vamos dar uma
volta, pá.»
Paul abanou a cabeça negativamente e ajudou Jim a entrar
no carro da rapariga. Ela embrenhou-se no tráfego do Sunset.
Jim resmungava.
«Fuck the mother, kill the father, fuck the mother...»
Depois disse claramente, «tenho que voltar ao estúdio»,
abriu a porta do carro e saltou.
Correu de volta, trepou o portão de madeira com oito
pés de altura, lá conseguiu atravessar uma porta exterior e
uma segunda porta que reconduzia ao estúdio. Respirava profundamente quando descalçou
os sapatos, despiu os jeans e
a camisa.
«Fuck the mother, kill the father, fuck the mother...»
Nu, arrebatou um dos grandes cinzeiros de areia e elevou-o descontroladamente. Depois
puxou um extintor de incêndios da parede e espalhou a espuma química sobre toda a
mesa de controlo, paredes, instrumentos, arruinando uma das
guitarras de Robby e um cravo alugado.
Jim largou o extintor. Ouviu uma voz.
Jim? Jim? Estás aí?
Era Paul Rothchild, mandado chamar por Billie Winters,
a rapariga que Jim tinha abandonado a meio de Sunset Strip.
Surgiram através do portão. Jim correu para fora.
«Eh, pá, é bom ver-te! Entra, pá, vamos... vamos gravar
algumas músicas.»
«Espera um minuto, pá», disse Paul. «Quero dizer, temos
que sair daqui, vamos festejar para outro lado. Vão prender-nos aqui, pá. Que maneira
tão estúpida de ser apanhado.»
Jim foi convencido a partir, mas esqueceu-se dos sapatos
e, na manhã seguinte, o proprietário do estúdio chamou Paul.
Tinha encontrado esses sapatos no meio de toda a destruição.
Queria que Paul descobrisse a quem pertenciam os sapatos?
Paul disse para mandar a conta para a Elektra, e quando
os Doors entraram no estúdio nessa tarde, este estava perfeitamente limpo e os
prejuízos não foram mencionados.
(*) Johny Carson, famoso animador da televisão americana. (N. do T.)
114
«Está bem», disse Paul, «hoje gravamos o The End e
penso que o conseguimos à primeira.»
Conseguiram à segunda tentativa.
Mais tarde, quando Ray, John e Robby arreliaram Jim
por causa do «fogo» que tinha apagado no estúdio (Paul tinha-lhes contado o
sucedido), Jim negou a história. O cinzeiro,
espicaçaram-no, a espuma química.
«Não», disse Jim. «A sério?»
Ray era o primeiro a aparecer no palco, e a acender um
pau de incenso. Depois vinham Robby e John e, finalmente,
Jim, com o vigoroso desmazelo de um punk de rua.
Estavam numa nova e elegante discoteca chamada Ondine, perto da ponte da Rua 59 em
Manhattan. Era um dos
clubes decentes e apropriados para os boémios da Uptown,
um cabaré brechtiano onde a celebração apocalíptica era tão
densa como o fumo de marijuana.
Era o primeiro encontro fora da cidade. Nova Iorque!
Os olhos de Jim estavam com as pálpebras inchadas, a
cabeça inclinada para trás insolentemente. Firmou uma bota
na base do suporte do microfone, chegando-se contra o cabo,
abanando distraidamente a juba de cabelos encaracolados e
escuros. Por detrás dele, Robby começou as primeiras notas
hipnóticas de Back Door Man.
Houve um grito, o latido de um puma na noite, e depois
Jim cantou: «Oh ahm e beck door man / the men don't know,
but the little girls unnerstan...» (Oh, sou o homem das traseiras / os homens não
sabem mas as raparigas percebem...)
As palavras sairam, chegaram à rua e espalharam-se como
um carregamento da boa e barata erva mexicana. Na segunda
noite, todos os «top groupies» (*) vieram. «Tens que ver este
grupo», uma delas disse a todas as suas amigas. «O cantor é
realmente maduro.»
Nas semanas que se seguiram, Jim vagueou pelas ruas de
Lower Manhattan, bebendo cerveja na Bowery, olhando para
dentro das pequenas lojas que abriam em Lower East Side,
explorando as livrarias de obras em segunda mão na Quarta
Avenida. Havia encontros com a Elektra - para assinar o
acordo de publicação com a Nipper Music, uma das empresas
de Joc Holzman, denominada assim por causa do filho de
dez anos de Holzman; para aprovar a fotografia da capa do
álbum; para concordar, relutantemente, em editar «Break on
Through», de maneira a que o verso «She gets high / She
gets high / She gets high» (Ela apanha uma pedra) seja ouvida
(*) «Top groupies», admiradoras(es) incondicionais dos grupos da moda.
N. do T.)
115
como «She get / She get / She get». (Ela chega). Este era para
ser o primeiro single dos Doors e Holzman estava com medo
que a palavra «high» desencorajasse a transmissão radiofónica.
Os Doors tinham muito pouco dinheiro e por causa disso passavam muitas tardes no
quarto, no Henry Hudson Hotel, a ver
telenovelas na televisão, a fumar droga; de vez em quando,
quando se chateava, Jim pendurava-se pelas mãos no peitoril
da janela do hotel.
A banda regressou a Los Angeles no fim de Novembro
e Jim foi viver com Pamela Courson. Viam-se de vez em
quando há cerca de um ano e agora ela tinha uma pequena
casa em Laurel Canyon. Se Pamela não tinha aceite inteiramente a irresponsabilidade
de Jim, por esta altura já começava a habituar-se a ela. Para começar, «a mudança»
para
Jim significava pouco mais do que lá dormir, pois não tinha
quase nada que lhe pertencesse e nada tinha para mudar.
Mais importante - e frustrante - para Pamela era o facto
de que, para Jim, passar as noites de terça a sexta na sua
cama, não significava que lá estaria sábado ou domingo, ou
nas noites da quarta ou quinta seguintes.
E às tantas o facto funcionou para os dois lados. Quando
os Doors estiveram em Nova Iorque, Pamela tinha telefonado
para o hotel três vezes por dia, tentando encontrar Jim no
seu quarto, depois desistiu e começou a encontrar-se com um
jovem actor chamado Tom Baker. Quando Jim regressou (e
Pamela voltou para Jim), os dois homens tornaram-se amigos,
reconhecendo que partilhavam amor pelo teatro e pela poesia, e antecedentes
familiares de nomadismo militar.
Nas semanas seguintes a banda teve pouco que fazer e
por isso todos apareceram nos pequenos escritórios de Elektra
para ajudar a preparar a saída do seu disco.
«Olá, rapazes», disse o velho amigo Billy James. «Estão
prontos?»
«Temos pensado», disse Ray, «e não temos a certeza de
querer uma biografia. Achamos que o sítio donde viemos e
as nossas cores favoritas são irrelevantes para a nossa música.»
«Tens razão, é claro», concordou Billy. «No entanto, mais
cedo ou mais tarde vão-te perguntar o que estão a tentar fazer.
Pode ser uma boa ideia preparem-se já para o que terão de
responder nessa altura.»
Os cinco jovens discutiram o assunto da publicidade durante cerca de uma hora.
Apreciavam o valor de uma imagem
eficaz, mas todas as biografias que tinham visto de outros
artistas - mesmo aqueles do catálogo da Elektra -eram tão
maçadoras...
116
Billy foi até à janela, onde ficou a olhar para a neblina
durante algum tempo e depois disse, «Bem... e que tal se a
escrevêssemos agora? Vocês, rapazes, podem dizer o que quizerem e é isso que iremos
enviar para Nova Iorque.» A gerente
do escritório, Sue Helms, tomou nota de tudo em estenografia
e depois passou à máquina para aprovação. Enchia trinta
páginas e a parte que de facto foi divulgada incluía algumas das
frases mais atraentes e imaginativas de Jim, frases que iriam
aparecer impressas -definindo- e limitando - por muito
tempo a imagem de Jim Morrison.
«Em palco parece que os Doors estão no seu próprio
Mundo. As músicas são espaciais e antiquadas. Parece
música de carnaval. E quando acaba, há um segundo de
silêncio. Algo de novo chegou à sala. Pode dizer-se que
só por acidente eu me adaptei de maneira ideal ao trabalho que estou a fazer; é a
sensação de uma corda de
arco retesada há 22 anos e que de repente foi largada.
Sou em primeiro lugar um americano; em segundo um
californiano; em terceiro um residente em Los Angeles,
tenho sido sempre atraído por ideias sobre a revolta contra a autoridade - quando faz
as pazes com a autoridade,
a pessoa torna-se uma autoridade. Gosto de ideias sobre
a quebra ou a subversão da ordem estabelecida - estou
interessado em tudo o que respeite à revolta, à desordem, ao caos, e especialmente à
actividade que parece
não ter significado.»
O enumerado de factos que acompanhou este resumo
pré-fabricado era mais tradicional. Aí, Jim disse que os seus
grupos vocais favoritos eram os Beach Boys, os Kinks e os
Love. Disse que admirava Frank Sinatra e Elvis Presley e.
no cinema, Jack Palance e Sarah Miles. Disse também que
não tinha família, que os seus pais tinham morrido.
«Jim!» disse Sue Helms. «Isso não é bonito. O que pensarão os teus pais?»
Jim insistiu. Se alguém perguntasse, os seus pais tinham
morrido. E era o que se dizia na biografia.
Na primeira semana de Janeiro de 1967 o álbum, intitulado «The Doors», e o single
«Break on Through», foram ambos editados. Um cartaz que mostrava as suas caras e a
mensagem «THE DOORS: Break on Through With an Electrifying Álbum», tornou-se o
primeiro cartaz de rock no Sunset
Strips e a banda apresentou-se no auditório Fillmore de Bill
Graham, em São Francisco, juntamente com os Youngs Rascai
117
e os Sopwith Camel. A remuneração, $350, era mínima, mas a
oportunidade era a melhor da América de então.
Foram mais cedo para São Francisco, a tempo do Human
Be-In de quarta-feira, um acontecimento orgásmico catalítico
e espiritual que entrou na mitologia pop mesmo antes do dia
acabar, Todos os Doors ficaram imensamente impressionados
com a multidão em Golden Gate Park. A era de Haight Ashbury foi formalizada nessa
semana em São Francisco e os
Doors, sem excepção, sentiram-se uma parte dela.
Abriram a série no Fillmore com o single, «Break on
Through», e depois tocaram a música que Jim tinha dedicado
ao Maharishi, Take It As It Comes, ambas as músicas de
raiz contemporânea existencial. Normalmente a banda que é
anunciada no fundo do cartaz desperta pouca atenção em
tais concertos, mas por altura da terceira música, os Young
Rascais, os Sopwith Camel e os fans do Fillmore começaram
a comprimir-se em direcção ao palco para verem, para ouvirem mais atentamente. A
banda tocava Light My Fire.
You know that it would be untrue
You know that I would be a liar
If I was to say to you
Girl, we couldn't get much higher
Sabes que não seria verdade / Sabes que seria um mentiroso / Se
tivesse que te dizer / Não podíamos ir mais além /
Esta era, fundamentalmente, a música de Robby. Tinha
escrito a melodia e quase todas as palavras, apenas com uma
pequena ajuda de Jim. Mas Ray tinha inventado como abertura carnavalesca uma torrente
de acordes de órgão que
depressa passou a ser considerada uma espécie de definição
do som dos Doors. Mais importante ainda, a música durava
sete ou oito minutos, sendo a maior parte um interlúdio instrumental que deixava
claro que os Doors eram mais do que
Jim Morrison. A banda afirmava que nunca tocava esta música duas vezes da mesma
maneira, antes a utilizando como
fundo oral no qual se tecia uma improvisão complexa e jazzística, dirigida a um
clímax vertiginoso.
The time to hesitate is through
No time to wallow in the mire
Try now we can only lose
And our love become a funeral pyre.
118
Come on baby, light my fire
Come on baby, light my fire
Try to set the night on fi-yer
Try to set the night on fi-yerrrrrrrrr!
O tempo de hesitar acabou / Não há tempo para rebolar na lama ,
/ Tenta agora, só podemos perder / E o nosso amor torna-se uma
pira funerária /
Vá, querida, ateia o meu fogo / Vá, querida, ateia o meu fogo
/ Tenta pegar fogo à noite / Tentar pegar fogo à noite /
A audiência do Fillmore estava hipnotizada.
Na segunda série, os Doors tocaram The End e Jim
tentando pegar no microfone, caiu em cima da bateria, magoando as costas. Como isso
aconteceu depois de ter gritado
«Mother»? / want to fuckkkkk youuuuul», a audiência pensou que a queda fazia parte da
estranha coreografia. Na noite
seguinte, ouvia-se noutra cidade: vá ao Fillmore para ver o
número de abertura.
Os Doors voltaram a São Francisco três semanas mais
tarde para outra série de actuações no Fillmore, desta vez
juntamente com os Grateful Dead e os Júnior Wells Chicago
Blues Band. E como no Whiskey, «rebentaram os cabeças de
cartaz para fora do palco».
Durante os dois meses seguintes, até meio de Março, a
banda permaneceu na Califórnia e ajudou o single a subir
nas tabelas de vendas, telefonando para a principal estação
de rádio de rock a pedir a música até se tornar o número onze
de Los Angeles.
Estavam a tornar-se um acontecimento. Deram um concerto em benefício do KPFK-FM, a
estação de Radio Pacifica
apoiada pelos ouvintes. Depois tocaram no velho Moulin
Rouge, agora chamado Hullabaloo, e trabalharam durante
uma semana no Gazzari, em Sunset Strip, onde lhes foi feita
uma pequena mas animadora crítica no Los Angeles Times. Na
mesma semana, perto do fim de Fevereiro, outro crítico do
Times (John Mendelsohn) chamou a Jim «algo de demasiado
artificial, sombrio e melancólico» e disse que The End era
um exemplo de quão maçador ele podia ser ao recitar inconsequências singularmente
simplistas, psicadélicas, superelaboradas e sofísticas». Cerca de um ano mais tarde,
Jim encontrou esse crítico num elevador, e uma vez o elevador em movimento, para que
o crítico não pudesse escapar, Jim riu e
disse «Inconsequências singularmente simplistas, psicadélicas,
superelaboradas e sofísticas, hem?»
Depois os Doors foram a São Francisco para a sua primeira apresentação no Avalon
Ballroom, que era, dos dois
119
grandes salões de concerto e baile da cidade, o mais sujo mas
o mais à moda.
Lá eram cabeças de cartaz, actuando depois dos Sparrow
e de Country Joe & The Fish.
Nesta altura, Jim e Pamela tinham um apartamento
novo em Laurel Canyon, em Rothdell Trail. A casa estava
escassamente mobilada e nas traseiras havia som e agitação
constantes de tráfego no Laurel Canyon Boulevard. Jim sentava-se muitas vezes na
varanda com uma cerveja, a olhar
para as pessoas que entravam e saíam do Country Store, uma
pequena mercearia apenas a cinquenta jardas. Num apartamento-garagem a apenas duas
portas de distância, vivia o simpático vizinho dealer, um ex-«disc-jockey» chamado
Ted. Era a
ele que Pamela recorria quando queria heroína, uma droga que
raramente tomava, mas de cujo uso guardava segredo para Jim.
«Oh, por favor não digas ao Jim», suplicava, «nunca, nunca
digas ao Jim. Ele matar-me-ia com certeza.»
Pamela ia ao Gazzari todas as noites em que os Doors lá
actuavam, e quando os Doors não estavam a trabalhar, ficava
no Strip com Jim, sentada a seu lado, enquanto ele bebia até
se tornar frenético e se juntar a qualquer banda que estivesse
a tocar em qualquer lugar onde fossem, cantando enquanto
lho pedissem. Depois iam para casa. Chegavam ao apartamento cansados, drogados,
embriagados e exaustos, sempre
tarde, mais tarde que as duas horas da manhã, depois de vinte
minutos de subida da colina.
«Por favor Jim, por favor, vamos pedir uma boleia esta
noite.»
Jim dizia sempre que não e noite após noite iam a pé.
Pamela colocava o braço por detrás das costas de Jim, segurando-se contra ele, a
cabeça contra o seu braço direito,
balouçando-se e cochichando. Ele tropeçava e acordava.
«Se faz favor, Jim, deixa-me apanhar...»
«Vá, querida, é só mais um bocado. São só mais alguns
passos...»
Mais tarde Jim escreveu uma música sobre a casa deles
em Rothdell Trail chamada Love Street. Como todas as
outras músicas suas sobre Pamela ou a ela dedicadas, existia
uma incerteza, uma recusa em assumir compromissos, um
remorso mordaz no final:
She lives on Love Street
Lingers long on Love Street
She has a house and garden
I would like to see what happens
120
She has robes and she has monkeys
Lazy diamond studded flunkies
She has wisdom and knows what to do
She had me and she has you
I see you live on Love Street
there's the store where the creatures meet
Wonder what they do in there
Summer Sunday and a year
I guess I like it fine... so far
Ela vive na rua do Amor, vagueia pela rua do Amor / tem casa e
jardim, quem me dera a mim saber o que se passa / Possui vestidos,
possui macacos / lacaios preguiçosos com librés de diamante, / possui
a sabedoria e sabe o que faz, / possui-me a mim e possui-te a ti /
Sei que vives na rua do Amor / lá fica a loja onde se encontram
as pessoas / Imagino o que lá irão fazer / Domingo de Verão e um
ano / Quer-me parecer que havia de gostar.
Mas ele ainda dormia onde quer que a inconsciência o
apanhasse. Ricocheteava ao longo de Sunset Strip, cantando
com bandas obscuras e imediatamente esquecidas, caindo de
bêbedo com amigos conhecidos por acaso. Uma noite correu
intoxicado através de um cemitério de Hollywood à procura
do túmulo de Valentino; noutra pôs-se a tourear carros que
passavam a grande velocidade; numa terceira, incinerou boa
parte dos seus cadernos de apontamentos e de poemas na
cozinha de uma namorada.
«Tandy Martin! Curvo-me numa vénia!»
Jim ficou surpreendido por ver a sua namorada de liceu
em Nova Iorque. Iam meados de Março e os Doors lá estavam
de novo para outra semana no Ondine. Tandy disse a Jim
que tinha casado com um pintor e crítico de poesia do East
Village Other, um jornal «underground» de sucesso. Jim convidou-a para o seu jantar
de anos no apartamento de Jac
Holzman e tomou claro ao apresentá-la que era uma velha
amiga, não outro dos seus «engates».
«Robby, esta é Tandy Martin, estive no colégio com ela...
Joc, esta é Tandy, era minha amiga no liceu...»
Depois do jantar Jim ficou bêbedo.
«Bebes sempre tanto, Jim?»
«Nem sempre. Uh... às vezes bebo mais.» Riu.
Tandy olhou para Jim inexpressivamente.
«Tenho bebido muito», disse finalmente Jim, «mas com
ciência. Posso afirmar-te agora, que consigo, uh, graduar tudo
de maneira a ficar onde quero. Todo o gole suplementar é
121
outra probabilidade outra probabilidade rutilante de alcançar
a felicidade.»
O arrazoado de Jim deslizava como melaço, uma frase
poética, outra incoerente. Estavam sentados na grande sala
de Jac, perto de uma janela. Fitava a noite de Lower Manhattan, não olhando para
Tandy enquanto falava.
«É suposto estarmos todos a reunir músicas para o segundo álbum. Temos que bastem,
mas tenho, un, tentado escrever mais algumas.»
«Ainda tens aqueles jornais que costumavas deixar-me
ler?»
Jim olhou para Tandy, assustado pelo que ele iria dizer.
«Alguns deles. Mas muitos já não sei onde estão e queimei
estupidamente alguns em Los Angeles quando estava em
ácido. Achas que se tomar pentatol de sódio consigo lembrar-me daquilo que lá tinha
escrito?»
Tandy estava sentada calada, mãos juntas no regaço, a
olhar para Jim, atenta e triste. Ambos estavam abstraídos dos
outros na sala.
Jim começou a remexer os bolsos, tirando grossos maços
de guardanapos, caixas de fósforos e cartões de visita.
«Deram-me o nome de uma mistela», disse por fim, segurando bem alto um sobrescrito
rasgado. «Uma senhora mistela.» Descaiu para a sua voz estúpida e movediça. «Uhhhh, o
que é que pensas disso?»
«Penso que pode ajudar ou talvez não, mas que tens a
perder? Não pode fazer mal.»
Jim sentou-se, silencioso por um momento, antes de continuar, «Oh, não preciso dessa
mistela, não preciso fazer isso,
não tenho problemas com bebidas.» Depois pediu-lhe para
ir ouvi-lo ao Ondine.
«Hey, Jim!» Ray estava a chamar do outro lado da sala.
«São horas de ir para o clube. Estás pronto?»
Quando Tandy chegou ao Ondine, Jim tinha-se esquecido
de pôr o seu nome na lista à porta, e não a deixaram entrar.
Quando ele chegou Tandy estava colérica. «Jim! Raios te
partam, Jim! Aquele homem tratou-me simplesmente como
escória. Agora diz-lhe que te esqueceste de deixar o meu nome.
Diz-lhe, já que me fez fazer figura de parva.»
Jim dirigiu-se ao homem da porta, «Uhhh, era suposto,
uhhh, ter deixado o nome dela.» Voltou-se para Tandy. «Assim
está bem?», perguntou docemente. Disse-lhe então para ir
para o seu camarim, que iria lá ter mais tarde, e foi para o bar,
onde dúzias de nova-iorquinos seguidores da moda estavam
ansiosos por lhe pagar as bebidas.
Grande parte da adulação era devida à aceitação crítica
122
que os Doors, e especialmente Jim, estavam a ter de Richard
Goldstein, que, aos vinte e cinco anos era um dos dois ou
três mais importantes críticos da música rock no país. Tinha
perdido os Doors na primeira vez que tocaram no Ondine,
mas numa visita a Los Angeles tinha-os ouvido no Gazzari e
agora continuava no seu encalço, chamando ao regresso ao
Ondine um «sucesso colossal» no The Village Voice, e descrevendo o álbum como «uma
divagação convincente, tensa e
poderosa». Sobre o The End, ele argumentava que «para
qualquer pessoa que queira discutir o conceito da literatura
rock o melhor era ouvir com tempo e profundidade esta música». Era, disse Goldstein,
nada menos que pop «joyceano» (1).
Chamava a Jim um «pimk da rua que foi para o céu e que
reencarnou como um menino de coro».
«Homem, devias ter visto as cartas», disse John para os
outros uma semana mais tarde, de volta a Los Angeles. «Daye
Diamond levou-me a mini e ao Robby a casa dele e o correio
estava empilhado até esta altura.»
«Toda a gente quer ouvir Light My Fire, acrescentou
Robby. «Dave diz que somos doidos se não fizermos dele o
nosso próximo single.»
O «Diamond Mine» de Dave Diamond era um dos melhores shows radiofónicos de rock de
Los Angeles e era um dos
muitos em que a música era passada. Mas como editá-la? No
álbum demorava quase sete minutos e a média do single durava menos que metade disso.
Alguém alvitrou a Jim no sentido de pôr a música nos
dois lados de um 45, na tradição das músicas da Parte 1 e
Parte 2 do passado. Outros disseram-lhe para não pactuar, para
editar a música como existia - não teve Dylan um êxito com
a música de seis minutos Like a Rolling Stonei Jac Holzman, contudo, apostava
firmemente numa versão mais curta,
pedindo aos Doors que voltassem para o estúdio e gravassem
a música de novo. Tentaram-no ainda, mas por fim pediram
ao produtor Paul Rothchild que tirasse uma parte da sequência
instrumental.
Alguns dias mais tarde, os Doors estavam no Ciro's de
Sunset Stríp, o antigo clube de atracção para estrelas de cinema, que mais
recentemente se tornara na rampa de lançamento dos Byrds. Jim tinha trabalhado
arduamente para se
preparar para esta data. Em palco, efectuou uma dança de
Shaman (2), fazendo rodopiar, saltar e girar o microfone, hasteando
(1) «Joyceano», à maneira de James Joyce. (N. do T.)
(2) Shaman, feiticeiro em dialecto mexicano. (N. do T.)
123
e depois deixando-se cair sobre o suporte do microfone,
atirando-o para o ar, recuperando-o e de novo o relançando.
Uma negra alta de cabeça rapada juntou-se a ele na dança.
David Thompson, um antigo camarada da escola de cinema
que estava a dirigir o Show de luzes do clube, estava tão atraído
pela actuação que desligou o seu equipamento e ficou embasbacado o resto do concerto.
Um jovem saiu da audiência como
se tivesse sido atirado por uma mola gigante, abraçou Jim,
ofereceu-lhe em comunhão da sua taça. Jim bebeu. Mais tarde
ele e os outros falavam excitadamente. Tinham conseguido
estar «altos» no palco e fazer «subir» a audiência.
Uma semana mais tarde, os Doors conseguiram-no de
novo, tocando para dez mil pessoas -a sua primeira verdadeira grande audiência- num
estádio dum liceu em San
Fernando Valley, onde abriram o espectáculo antes dos Jefferson Airplane de São
Francisco. Era um público dos Doors.
Depois dos Doors tocarem, um terço das pessoas saiu.
Até agora o negócio dos Doors e as reservas de bilhetes
tinham sido largamente conduzidos pela Elektra, pelo pai de
Robby, ou por eles próprios. Mas quando Light My Fire
apareceu nas tabelas de vendas nacionais, concluíram que era
altura de arranjar alguns «managers» profissionais.
A decisão não foi inteiramente devida ao prenúncio do
sucesso. Como Robby relembrou, «Jim estava a tornar-se extravagante, arranjando-nos
problemas. Tínhamos que nos esforçar muito nesses dias só para conseguir um simples
concerto
e depois para termos lá o Jim a tempo. Então perguntámo-nos
porque faríamos nós isto? Era preciso arranjar um manager
para fazer de ama.»
Claro que tinham as razões habituais para procurarem
um manager - para lhes arranjar uma agência de reserva
de bilhetes e contratar um publicista; para lhes organizar a
vida e tratar dos negócios eficazmente e para servir como
parede protectora entre eles e os promotores, os proprietários
dos clubes, a imprensa e o público; e, como Ray disse, «para
atender o raio do telefone».
Depois de algumas semanas de procura e de discutirem
as poucas ofertas que tiveram, os Doors assinaram finalmente
um contrato com Asher Dann, um próspero agente imobiliário
que vendia casas às estrelas e que queria agora uma fatia
maior do bolo do sucesso, e o seu novo sócio, Sal Bonafede,
que tinha dirigido um grupo bem sucedido da East Coast
chamado Dion and the Belmonts e dirigia actualmente um
artista fracassado e quase pedinte chamado Lainie Kazan.
Como Jim, Asher era um galã tímido e tinha a beleza
124
do estilo californiano de ténis. Visto que também era um
grande copofónio, era considerado a ama número um de Jim.
Sal era manhoso, falava depressa e de nenhum modo atraía
Jim, que achava que ele parecia um cavalheiro da Mafia - só
lhe faltava um bigode.
Sal e Ash - que recebiam 15 por cento dos ganhos dos
Doors, mais despesas, um contrato modelo - depressa encontraram para o grupo uma
agência de reservas e uma firma
de publicidade. Todd Schiffman era um agente elegante de
vinte e cinco anos que vestia fatos aos quadrados e gravatas
largas. A primeira coisa que fez foi fazer subir o preço dos
concertos da banda. Nessa altura estavam a receber de $750
a $1.000 por noite em Los Angeles, mas em Nova Iorque, onde
iam actuar três semanas, tinham que fazer três espectáculos
por noite, a $750 por semana. Todd achou que esses preços
eram demasiado baixos, e então contactou um inexperiente
caçador de talentos para as escolas de Denver, que tinha
telefonado pedindo os Airplanes para duas noites em Setembro.
Bastou que Todd começasse com grandes conversas e a intrujá-lo, para o promotor
concordar em levar os Doors em alternativa, por $7000. Quando isso aconteceu, em
Setembro, os
Doors valiam mais do que essa soma, mas em Abril, antes
do Light My Fire, o negócio estabeleceu um preço que o
agente continuaria a utilizar em benefício da banda.
Houve uma excepção. Foi no dia 7 de Maio, uma actuação realizada no Teatro de Valley
Music, no subúrbio de
Los Angeles, por $750, uma homenagem a Dave Diamond, que
promoveu o espectáculo - e nele juntou cerca de $10 000 por ter ajudado a construir a
fama local do grupo.
Mike Gershman, um tranquilo nova-iorquino recentemente transplantado para Beverly
Hills para começar o departamento de rock da Rogers, Cowan & Brenner, a General
Motors da publicidade em Hollywood, teve conhecimento da
cena rock indo a uma loja e pedindo «uma dúzia de discos
de bandas com nomes excêntricos». O que encontrou foi
suficiente para bombardear o Time e o Newsweek com palavras de elogio dos Doors.
O grupo dos Doors estava completo. Tinham um advogado dos seus cinquenta anos cuja
especialidade era o direito
penal mas também gostava dos problemas legais associados
ao negócio dos espectáculos. Tinham managers não virados
para a sua música mas para o excelente potencial de Jim
como estrela. Tinham um jovem agente e um publicista, ambos
começando novos departamentos e portanto ansiosos por provar o seu valor. Foi uma
selecção casual, mas não invulgar.
Verão de 1967. Junho estava bom. No dia 3, a versão
125
editada de Light My Fire faz a sua primeira incursão em
todas as listas nacionais, e depois os Doors vão a São Francisco para serem pela
primeira vez os cabeças de cartaz no
Fillmore, tocando com a Jim Kweskin Jug Band. No dia 11,
voaram para Nova Iorque, onde se encontraram com o novo
director de publicidade da Elektra, Danny Fields, e foram
rapidamente levados por uma limusina alugada para o Village
Theater em Lower East Side, onde a estação de rádio
WOR-FM estava a celebrar o seu primeiro aniversário. Outros
grupos já tinham actuado quando os Doors chegaram e um
grupo de músicos locais de jazz, pesando como rock and
Rollers, estava a acabar uma série barulhenta de músicas.
O compère, um dos disco-jockeys do WOR-FM, fez uma
referência à «iluminação» e introduziu os Doors. O pano subiu
e Jim subiu com ele, segurando-se com ambas as mãos. A ovação foi prolongada.
Um dia mais tarde, os Doors iniciaram o que seria a sua
última actuação numa boíte, três semanas numa outra discoteca da moda em Nova Iorque,
esta dirigida por um encantador
autopromotor e criador de cenários com o nome de Steve
Paul e apropriadamente chamado, a Scene. Como o Ondine,
a Scene era meça dos pop cognoscenti; uma fonte nocturna
que atraía os caprichosos boémios da uptown, com jeans de
veludo amarrotados e indumentárias importadas de Carnaby
Street. Outros vinham de East e de West Village - os aluados
freaks pela música, vestindo penas e franjas, símbolos de
paz, e excêntricos fatos de bailes teatrais.
Enquanto isto acontecia, muitos destes nova-iorquinos
tinham ido para a Califórnia na mesma semana para assistirem
ao Festival Pop de Monterey. Os Doors tinham sido esquecidos até demasiado tarde, de
acordo com o director do festival John Simon, e isso aborreceu-os, especialmente
porque
a Scene foi fechada durante os três dias e os Doors tiveram
que partir e fazer espectáculos em Long Island e Filadélfia.
Jim estava de mau humor e bebia excessivamente. Fazia
longas caminhadas solitárias que se estendiam desde a altura
em que acordava, normalmente à tarde, até à hora de ter
que ir para o clube, Uma vez, numa segunda-feira à noite,
acompanhou Danny Fields e Paul Rothchild ao Max's Kansas
City no East Side, e recusou-se a falar toda a noite. No espectáculo de Long Island,
durante o fim de semana do festival
pop, alarmou os outros Doors tentando tirar as roupas em
palco.
Contudo os espectáculos foram bons e o humor de Jim
melhorou quando Richard Goldstein de novo devotou uma
grande parte da sua coluna do Village Voice à banda, chamando
126
a Jim «um shaman sexual, dizendo que «os Doors começavam
onde os Rolling Stones acabavam». Lillian Roxon, outra respeitada crítica do rock,
disse «Os Doors são um prazer insuportavelmente prolongado».
Depois Pamela veio para Nova Iorque a fim de estar com
Jim. Vagueava agora pela cidade com ela, correndo para
uma velha amiga de Los Angeles, Trina Robbins, que tinha
uma loja onde Pamela comprou vários bellbottoms de veludo.
De novo no hotel, Tom Baker telefonou. Pamela disse que Jim
estava despachado por essa noite, se ele queria lá ir. Tom
disse que sim, e que traria amigos com quem tencionava fazer
um filme, Andy Warhol e Paul Morrisey.
Tom aproximou-se silenciosamente de Jim na festa a
seguir ao concerto. «Como é que vai isso?»
«Bem, bem.»
Ray juntou-se a eles. «É mesmo. Os Beatles compraram
dez cópias do álbum.»
Jim acrescentou. «Sim, devemos ir bem, porque Pamela
está à procura de casa.»
Na semana que se seguiu, os Doors tocaram em dois
outros concertos, sendo o segundo em cartaz com Simon
and Garfunkel, no Forest Hills, Nova Iorque, e o outro sozinhos em Greenwich,
Connecticut, no auditório do liceu. Em
Forest Hills, enfrentaram uma audiência de Simon and Garfunkel, totalmente
desinteressada pelas pirotecnias de Jim,
nem sequer muito interessada no rock.
«Como é que foi?», perguntou Danny Fields quando Jim
apareceu nos escritórios de Elektra na segunda-feira seguinte.
«Riram de mim.»
A voz de Danny caiu. «O que é que queres dizer?»
«Abriram o pano e lá estava eu, e eles riram. Aqueles
filhos da puta detestam-me. E eu detesto-os. Quero matá-los.
Nunca detestei tanto ninguém como agora. Não consegui
fazer o espectáculo, detestei-os tanto.»
Ao mesmo tempo, Light My Fire estava a andar depressa,
a sua popularidade movia-se de West para East tanto como
os próprios Doors. Na terceira semana de Junho entrou no
consagrado Top 10 e aí permaneceu durante um sólido mês,
subindo pouco a pouco. Finalmente, no dia 25 de Julho, Sal
e Ash receberam uma chamada da Elektra.
«Agradecia que dissesse aos rapazes», disse a voz, «que
os Doors estão em primeiro lugar na edição da próxima semana
do Billboard.»
Conseguiram-no! Primeiro lugar. O verdadeiro estrelato
estava à mão.
127
CAPÍTULO 5
Para celebrar, Jim saiu e comprou um fato - um conjunto de coiro preto que se colava
tanto ao corpo que, quando ele se metia dentro das calças
e se colocava defronte do espelho, parecia um corpo despido
mergulhado em tinta-da-china.
Permaneceu muito tempo em frente do espelho, fazendo
poses, tirando e pondo o casaco de coiro. Finalmente atirou
o casaco para o lado, dobrou os braços ágeis mas musculosos
e esticou o peito, endurecendo os músculos do estômago e os
do pescoço. Com o cabelo escuro ondulado e o rosto chupado,
parecia David chegado a Hollywood, de punho cerrado numa
luva de jovem negro.
«Naquele Junho», disse Danny Fields, «quando vi Jim
rodeado por admiradoras nos bastidores no Fillmore, decidi
que, se vou estar encarregado da imagem desta pessoa, e se
nada mais fizer, vou pelo menos melhorar o seu gosto por
mulheres.»
Em Julho, Danny apresentou Jim por telefone a Gloria
Stayers, a directora da revista 16. Outra vez, quando descobriu
que alguns Andy Warholianos ficavam no Castle, a casa
frequentemente vazia do actor Phillip Law, procurou que
Jim conhecesse uma das raparigas de Warhol.
Nico era intemporal, esquiva e carismática. Tinha sido
repórter na Alemanha, sua terra natal, tinha aparecido em
1958 na La Dolce Vita de Fellini, tinha em tempos sido
amante do actor francês Alain Delon, era amiga íntima de
Bob Dylan e Brian Jones e uma das estrelas de Chelsea Girls
de Warhol. Agora, era vocalista na fantástica contribuição
de Warhol para o rock, o Exploding Plastic Inevitable. Era
129
tão alta quanto Jim, e por mais estranho que ele parecesse, ela
superava-o. Também adorava beber. Era irresistível para Jim.
Parecia um filme de Ingmar Bergman, escrito por Bertold
Brecht e encenado por Ionesco. Jim estava a beber vinho
quando descobriu que Danny tinha lA de onça de hash, e
fumou-o. Depois lembrou-se que tinha algum ácido e engoliu-o com vodka.
Danny falava de assuntos profissionais. «Tens que perceber quão importante é a
revista 16. É a chave para os jovens
abaixo dos doze anos.»
Jim olhou para Danny distraído. «Tens aí tuinall», perguntou.
«É importante projectar a imagem conveniente, Jim.»
«Tens a certeza que acabámos o hashl»
Jim e Nico dobraram-se, fitando o chão que os separava.
Já tarde nessa noite, ouviram-se gritos vindos do pátio
do Castle, onde Jim segurava Nico pelos cabelos. Finalmente
ela libertou-se e minutos mais tarde Jim estava nu e andava
pelos parapeitos do Castle ao brilho claro da lua cheia.
No dia seguinte Jim mergulhou nas águas da piscina do
Castle. Atravessou toda a piscina várias vezes, num agressivo
oneman show aquático.
«Jim é maluco», disse Nico na sua profunda voz wagneriana. «É completamente maluco.»
Era óbvio que ela o adorava.
No dia seguinte Jim voltou para Pamela. Nico, juntamente com várias outras,
reapareceria ao longo dos anos,
mas foi Pamela que ele considerou a sua «companheira cósmica», expressão que utilizou
apenas em relação a ela. As
Nicos na vida de Jim - as dúzias de mulheres que passaram
na noite de Hollywood - foram os temperos, as sobremesas
e os aperitivos: Pamela era o seu sustento.
Pamela era parecida com Jim de muitas maneiras. Era
esperta, fisicamente atraente e gostava de estar em casa, pouco
dada a desportos, evitava o sal e preferia o anonimato do
anoitecer. Era uma grande consumidora de drogas - embora
diferentemente de Jim, preferisse tranquilizantes a psicadélicos, e um cheiro
ocasional de heroína - e não se opunha a
sair de casa nem a ficar toda a noite agarrada a um pick-up.
Considerava irrelevante a moral tradicional: a vida nos anos 60
era mais existencial do que isso, mais hedonística, menos tensa.
Pamela também era de algum modo parecida com a mãe
de Jim. Ele afirmava aos amigos que ela era uma «construtora de ninhos», uma boa
cozinheira. Mas ela também protestava, alheava-se dos outros Doors, e dizia
incessantemente
a Jim que não gostava da sua escolha de carreira, que ele se
130
ajustava melhor à poesia. Dizia-lhe também que bebia demasiado. Algumas vezes atingia
Jim e ele virava-se a ela. As
rejeições, afirmou ela depois, mostravam-nos verbalmente mais
brutais. Como na vez em que iam para o Cheetah em Los
Angeles para um concerto de regresso dos Doors.
Jim vestia o seu fato de coiro e verificava o seu cabelo
lavado com shampoo no espelho da casa de banho. Sugou a
bochecha e fez músculos no pescoço, moldando as ancas e
as coxas com as mãos, assumindo uma pose atrevida e andrógina. «Vai ser um bom
concerto», disse a Pamela que se
estava a vestir no quarto ao lado. «Posso senti-lo O Cheetah,
é em Venice, sabes?»
«Oh Jim», disse ela, «vais vestir outra vez as mesmas
calças de coiro? Nunca mudas de roupa. Começa a cheirar
mal, sabias?»
Jim não disse nada. Ouviram a buzina de um carro a limusina vinha buscá-los e levá-
los à barra da praia de Los
Angeles onde quase dois anos antes Jim tinha encontrado
Ray e cantado Moonlight Drive. Desceram os degraus a
correr e quando Pamela ia entrar na limusina, Jim saltou
para a frente dela.
«Jim?», disse, «O que é...»
«Mudei de ideias. Não quero que venhas. Lá farias qualquer coisa para me
desorientares.»
Jim entrou no carro e ordenou ao condutor que seguisse,
deixando Pamela.
Light My Fire permaneceu no primeiro lugar durante o
mês de Agosto, e foi com grande confiança que os Doors
começaram a gravar o seu segundo álbum, Strange Days.
Tinha passado um ano desde que tinham gravado o seu primeiro álbum e, nessa altura, o
Studio Number One do Sunset
Sound tinha duplicado o número de pistas disponíveis para
oito. Os Doors tiraram o máximo proveito desta oportunidade
para expandirem a criatividade.
Por detrás do poema de liceu de Jim, Horse Latitudes,
Paul e o técnico de som Bruce Botnick criaram um fundo
de música concreta. Numa pista, Bruce pegou no ruído de
uma fita de gravação virgem, alterou a velocidade enrolando-a
com a mão e conseguiu algo que parecia vento. Jim, John,
Robby e Ray tocavam instrumentos musicais de maneiras
invulgares - tocando as cordas de um piano, por exemplo e os sons orgânicos foram
modificados pela electrónica para
criarem tempos e efeitos diferentes. Deixaram mesmo cair
uma garrafa de coca-cola num caixote de lixo de metal,
131
partiram cocas num chão de azulejo e puseram alguns amigos
a lamentarem-se de feridas nos pulmões. Contra este pano
de fundo, e só ligeiramente acima dele, Jim gritava os versos
do seu poema:
When the still sea conspires an armor...
Quando o mar tranquilo conspira armaduras...
Na música do título, Strange Days, Ray gravou uma
das primeiras utilizações do sintetizador de Moog no rock.
Num terceiro, Unhappy girl, tinha que tocar a música inteira
atrasada, e John fez o mesmo, providenciando um som de
ritmo suave.
Fizeram outro género de experiências. Paul tentou criar
uma atmosfera especial de estúdio para a gravação de certas
músicas. Para uma das baladas, / Carít See Your Face in
My Mind, Paul disse aos rapazes num sussurro apaixonado
para fingirem que estavam no Japão e «longe, à distância,
ouvia-se o som de uma adulação». Os Doors responderam com
uma barulhenta obscenidade. Depois Paul sugeriu que Jim
arranjasse uma rapariga para fornicar enquanto cantava
You're Lost Little Girl, uma balada que eles esperavam que
Frank Sinatra gravasse para Mia Farrow. Paul gostou tanto
da ideia, que disse que até pagaria a uma puta. Mas Pamela
gostou também da ideia e despiu-se logo ali onde se encontrava, na sala de controlo e
caminhou suavemente para a
cabine onde estava Jim. Paul esperou contando vagarosamente
até sessenta, depois disse «Uhhhhh... diz, uhhh, quando estiveres pronto, Jim.» Cerca
de vinte minutos mais tarde,
Jim entrou na sala de controlo e Paul encolheu os ombros.
«Bem», disse, «não se pode ganhar sempre.»
A intensidade das letras de Jim continuava intacta. Havia
a sua fascinação pela morte sacrificial no afogamento dos
garanhões espanhóis em Horse Latitudes. Moonlight Drive
tinha o seu final chocante. E havia a insegurança honesta
e dolorosa do People Are Strange. Os onze minutos do When
The Music's Over continha um protesto de cólera, «We
Want The World And We Want It Now!», assim como a contínua preocupação de Jim com a
sua própria morte («Before
I sink into the big sleep / I want to hear / the scream of the
butterfly»). (Antes de mergulhar no grande sono quero escutar
o grito da borboleta). E finalmente, as rejeições de Jim às
mulheres em Unhappy Girl («You are locked in a prison / of
your own devise») (Fechaste-te num cárcere que tu próprio
132
ergueste) e no título de Youre Lost Little Girl. O segundo
álbum não era um catálogo de sobressaltos psíquicos e sofrimentos tão estranhos como
o primeiro, mas era ainda um
espantoso estendal de calamidades para 1967, quando todos os
outros pareciam cantar sobre incenso, hortelã-pimenta e céus
de compota (1). O álbum também tinha uma capa muito invulgar: um homem de forças, um
trompetista, dois acrobatas,
um malabarista e dois anões a fazer cabriolas num estábulo,
tendo apenas como única menção da banda um pequeno
póster no muro da rua. A Elektra tinha querido uma foto do
grupo realçando Jim, mas a banda, especialmente Jim, foi
inflexível - não queriam fotografia na capa. O acordo foi
uma fotografia pouco nítida no interior da caja suja, defronte
das letras.
No Verão de 1967, os Doors continuaram a atravessar o
país. Durante uma semana apareceram perante nove mil
pessoas no Anaheim Convention Center, no Sul da Califórnia,
onde Jim vestiu uma camisola cinzenta de ginástica sem
mangas e com nódoas de tinta sobre as calças pretas de coiro.
Atirava cigarros acesos para a audiência e, por sua vez, a
audiência começou a acender fósforos quando o grupo tocava
Light My Fire. Depois foram para Leste, para uma semana
de espectáculos em Filadélfia, Boston e New Hampshire,
regressando a Los Angeles para aparecerem mais uma vez
com os Jefferson Airplane no Cheetah. A música Light My
Fire manteve-se na primeira posição durante três semanas,
dando depois o lugar ao Ali You Need Is Love dos Beatles
na mesma semana em que a Elektra emitia o seguinte
documento:
«A Elektra Records solicitou à Associação da Indústria de Discos da América a
certificação do álbum e do
single dos Doors como «Discos de Ouro». Nesta semana
(dia 30 de Agosto), anunciou Jac Holzman, Presidente
da Elektra, o álbum The Doors atingiu em vendas por
grosso uma soma superior a um milhão de dólares e
foram para o mercado um milhão de cópias do single
dos Doors Light My Fire.
O chefe de vendas da Elektra, Mel Posner, reivindicou que os registos separados de
vendas correntes do
LP e do 45 rotações atravessaram a marca de um milhão
a menos de uma hora um do outro.
(1) Alusão aos «Marmalade Skies» de Lucy in the sky with Diamonds, dos
Beatles (LP Sgt. Peppers), a obra-prima contemporânea do lançamento público
dos Doors - Verão de 1967. (N. do T.)
133
Esta dupla exposição do poder comercial estabelece
os Doors como o grupo mais forte da cena da música
pop desde que o ano começou. Os Doors têm agora a
distinção de serem o único grupo deste ano a alcançar
o disco de ouro com o seu primeiro LP; além disso, de
todos os grupos que fizeram a sua estreia discográfica em
1967, apenas os Doors tiveram uma venda de um milhão
de discos singles...»
Houve outras primeiras em Agosto. O concerto no Cheetah foi a primeira vez que se
encontraram em primeiro lugar
no cartaz à frente dos seus rivais de São Francisco, os Jefferson
Airplane. E era a primeira vez que Jim incluía uma espécie
de sonambulismo no seu acto, baloiçando ao largo da borda
do palco com dez pés de altura e depois caindo sobre a
audiência. Parecia um acidente e era chocantemente sensacional. A multidão estava
extática.
Nesta altura os Doors tinham polido e aperfeiçoado o
que pode ser chamado a «pausa de gravidez» na sua música
e actuação. Algumas vezes deixavam infiltrar um momento
de silêncio no meio de uma música, ou Jim fazia uma pausa
entre duas sílabas. Owsley, o lendário fabricante de ácido e
amigo das bandas de rock de São Francisco, disse aos Doors
que o silêncio o punha doido. Ocasionalmente riam indivíduos
na audiência. Quando isso aconteceu uma vez em Berkeley,
Jim ficou ofendido e disse, «Quando alguém ri durante uma
actuação, está apenas a rir-se de si próprio.» Mais tarde
explicou «A única altura em que realmente me torno acessível
é no palco. A máscara da actuação dá-me essa oportunidade,
um lugar onde me escondo e então me posso revelar. É porque
a vejo como mais do que uma actuação, do que vir fazer
umas músicas e ir embora. Tomo tudo verdadeiramente a
sério. Não sinto que tenha feito obra completa enquanto não
consigo pôr toda a gente no teatro numa espécie de chão
comum. Algumas vezes interrompo pura e simplesmente a
canção e deixo que surja um longo silêncio, que irrompam
todas as hostilidades, inquietações e tensões latentes antes de
nos unirmos todos.»
Pouco tempo depois de tentar a «pausa de gravidez» em
Berkeley, Jim utilizou-a numa Universidade em Nova Iorque.
Parou no meio do The End durante quatro minutos, mas
desta vez não houve agitação. Em vez disso, o ginásio parecia
estar no interior duma panela de pressão, a pressão subia
como a temperatura, e então, precisamente na altura em que
134
a audiência estava prestes a rebentar, Jim fez sinal ao grupo
e deslizaram de novo para a música.
«É como olhar para um mural», disse mais tarde. «Há
movimento e de súbito tudo fica gelado. Gosto de ver quanto
tempo eles aguentam, e precisamente na altura em que estão
para rebentar, deixo-os ir.»
«E o que farias se eles ficassem loucos e se lançassem
para o palco», alguém uma vez lhe perguntou, «não em adoração mas como se te fossem
matar?»
Jim lembrou-se de Norman O. Brown e da sua própria
teoria sobre as neuroses sexuais das multidões. Parecia confiante. «Sei sempre o
momento exacto em que o devo fazer»,
disse. «Isso excita as pessoas. Sabes o que acontece? Ficam
com medo, e o medo é muito excitante. As pessoas gostam
de ficar com medo. É exactamente como o momento antes
de se ter um orgasmo. Toda a gente quer isso. É uma experiência máxima.»
Sem o conhecimento de Jim, enquanto Light My Fire
era o número um, seu pai atingiu o topo da sua própria tabela,
tornando-se, com quarenta e sete anos, o mais jovem almirante
da Marinha dos Estados Unidos. Estava ligado ao Pentágono
e os Morrison - Andy tinha agora dezoito anos e Anna
vinte- mudaram-se para Arlington, Virgínia.
Um dia um amigo de Andy chegou a casa com uma
cópia do primeiro álbum dos Doors. «Olha para isto», disse
«Este não é Jim?»
Andy diz que tinha estado a ouvir a música Light My
Fire durante semanas e que não tinha reconhecido a voz do
seu irmão. Pediu emprestado o disco do amigo e nessa noite
ouviu-o com os seus pais na sala. Clare pousou o livro que
estava a ler, mas o almirante continuou a ler o seu jornal.
Quando a parte edipiana do The End ressoava, o jornal começou a tremer, primeiro
devagar, depois mais violentamente
à medida que se tornava claro o assunto da música. Até hoje
o almirante nunca comentou o trabalho do seu filho.
Na manhã seguinte, a mãe de Jim telefonou para a
Elektra Records, em Nova Iorque, e disse-lhes que estava a
tentar localizar o seu filho. Depois de ter dado convincentes
detalhes sobre Jim, deram-lhe o número do hotel de Manhattan
e o nome do manager dos Doors. Desligou e voltou a ligar para
Nova Iorque.
«Está lá? Daqui é Mrs. Morrison, Jim está?»
«Jim quê?»
«Jim. Jim Morrison. Sou a mãe.»
«Sim?» O homem parecia aborrecido.
135
Outra voz apareceu na linha. «Está lá?»
«Jim? Oh, Jim...»
«Sim, mãe...»
Ela disse-lhe de modo nervoso que bom que era ouvir a
sua voz, perguntou como ia a sua saúde, lembrando-o de não
lhe ter escrito, disse que estava tão preocupada que tinha
querido alugar um detective privado, mas o almirante obstinadamente, não a tinha
deixado. Depois do desabafo veio
o ressentimento. As respostas de Jim às perguntas e às acusações eram grunhidos.
«Jim...»
«Sim, Mãe...» murmurou.
«Por favor vem a casa para um jantar à maneira antiga
no dia de Acção de Graças (1). Andy e Anne...»
«Uh... Penso que estarei muito ocupado», disse Jim.
«Por favor tenta, Jim. Por favor.»
Jim disse no fim que talvez fosse em breve a Washington
para um concerto e que ela poderia lá ir.
«Uma coisa, Jim. Farias à tua mãe um grande favor?
Sabes como é o teu pai, cortas o cabelo antes de vir a casa?»
Jim disse adeus e voltou-se para os outros na sala, que
tinham estado silenciosamente a ouvir.
«Nunca mais quero voltar a falar com ela.»
O concerto realizou-se no salão de bailes do Hotel Hilton
de Washington e Mrs. Morrison chegou com Andy no princípio da tarde, esperando na
entrada até que ouviu alguém
na caixa mencionar o nome dos Doors. Era Todd Schiffman,
o agente do grupo e Clare apresentou-se rapidamente e informou-o que queria ver o seu
filho. Todd mandou um amigo
ao salão onde os Doors se preparavam para aquela noite.
Quando o amigo regressou, disse baixo a Todd, «Jim diz que
de maneira nenhuma.» Então, durante as quatro horas seguintes, Todd manteve Clare e
Andy longe de Jim, levou-os a
jantar e pediu desculpas, disse que Jim os veria logo à noite.
«Todos fizemos o mesmo», diz Ray. «Todos fizemos
turnos, em manobras de diversão.»
«Oh, se fizemos!» diz Bill Siddons, que era então um
elegante surfista de dezanove anos e manager dos Doors.
Ray reconstituiu o incidente. «Sim senhora, ela está aqui,
vi-o a andar por aqui...»
«Não, vi-o a ir para a rua», acrescentou Siddons, continuando o engano.
(1) Thanksgiving, feriado nacional nos E. U. A. (N. do T.)
136
Clare chegou mais cedo para o concerto e ouviu a observação de Mark, «Há qualquer
coisa erra com PA.»
Clare não sabia o que era um PA mas disse, «O que é
que quer dizer com alguma coisa errada? Onde está Jim?
O que é que há de errado com o PA do meu filho?»
Clare e Andy ficaram dum lado do palco nessa noite com
Todd Schiffman, que os assegurou de que iriam ver Jim
imediatamente a seguir ao espectáculo. Clare estava espantada
e Andy embaraçado pela interpretação de Jim nessa noite da
música The End. Depois de gritar, «Mother? I want to...
FUCK YOU!», olhou de modo vazio para a sua mão e depois
gritou novamente, mostrando desta vez os dentes.
Depois do concerto Todd guiou Clare e Andy para o
quarto de um hotel onde lhes disseram que Jim estava à espera
para os ver, mas uma vez lá, confessou que Jim já tinha
partido para Nova Iorque para aparecer no The Ed Sullivan
Show.
Era uma confusão todos os domingos por detrás do palco
no teatro de Ed Sullivan na Rua 54. Às vezes havia mais
do que cem convidados e a logística do espectáculo era complicada. As entradas e
camarins ecoavam com o som dos
malabaristas e equipas de ginástica, sopranos e dançarinos de
sapateado à medida que o pessoal de produção transportava
quadros com informações, tentando organizar a multidão
indisciplinada.
Os Doors conheceram Bob Precht no camarim. Era o
genro de Ed Sullivan e também o director do espectáculo.
«Temos um problema mínimo», disse Precht, mantendo
juntos o indicador e o polegar da mão direita. «Nada muito
importante, mas...»
Os quatro Doors trocaram olhares desorientados.
«É acerca da vossa música Light My Fire, que eu penso
que é simplesmente maravilhosa.»
Os Doors mantiveram-se silenciosos.
«Uh, a rede, isto é, nós, quero dizer, na CBS não podem
dizer a palavra higher. Sei que é estúpido» - encolhia dramaticamente os ombros,
fazendo gestos com as mãos - «mas
teremos que mudar a música.» Puxou um fragmento de papel
do bolso do casaco e leu, «O verso é, "Girl we couldn't get
much higher".»
Jim e os outros não ficaram surpreendidos. Não tinha a
sua própria companhia discográfica omitido a palavra high
de uma música do seu primeiro álbum? Já tinha também
conhecimento de que uma semana antes Pete Seeger tinha
sido censurado noutro programa da CBS, o popular Smothers
137
Brothers Show, e que Precht tinha censurado pessoalmente o
aparecimento de Bob Dylan no espectáculo de Sullivan.
«Com certeza», disse Jim, «Penso que se pode arranjar
outro verso.»
Precht sorriu ironicamente, disse aos Doors que eram
grandes desportistas, avançou para a porta do camarim e chamou o sogro. Precht
chamava-o «Mr. Sullivan.»
«Vocês rapazes ficam óptimos quando riem», disse Sullivan. «Não estejam tão sérios.»
Jim olhou para o empresário da televisão através das
pálpebras pendentes e disse: «Bem, uh, somos uma espécie de
um grupo mal-humorado.»
Quando Precht e Sullivan deixaram o quarto, Jim e os
outros trocaram olhares. Certo. Iriam cantar um novo verso
no ensaio e depois, no espectáculo, iriam cantar o original.
Na sala de controlo, quando isso aconteceu Bob Precht
começou a gritar de raiva. «Não podem fazer isso!», gritava
para as pequenas imagens nos monitores de televisão em frente
dele. «Vocês rapazes, estão mortos para este espectáculo!
Nunca mais farão este espectáculo!» Depois do espectáculo,
foi ter com os rapazes, queixando-se, «Vocês prometeram-me,
rapazes, vocês prometeram...»
«Jesus», disse Jim, abanando os ombros, «Penso que
apenas nos esquecemos no meio de toda a excitação.»
Na mesma semana havia uma festa na adega do Delmonico's, um restaurante caro em Park
Avenue. Apareciam
todos os escritores e críticos importantes, estavam lá realizadores de rádio, assim
como Steve Paul (proprietário do
Scene) e Andy Warhol. Danny Fields bebericava vinho com
Gloria Stavers. Os melhores e piores grupos vieram, ficaram
e beberam, Jim ficou bêbedo e atirava cubos de gelo às raparigas. Danny sugeriu que o
bar fosse fechado. Jim objectou.
Sabia bem de quem era a festa e abriu uma garrafa de champanhe partindo o gargalo na
borda da mesa. A seguir, puxou
da prateleira garrafas de vinho de qualidade invulgar, partindo-as, agitando-as e
distribuindo-as aos companheiros de
bebida.
O comportamento foi inalterado depois da festa. Andy
Warhol deu a Jim um telefone francês cor de marfim e ouro.
Em breve Jim estava sentado no banco de trás de uma limusina com Steve Paul, Gloria e
Andy. Quando a limusine
dobrava a esquina de Park Avenue com a Rua 53, Jim debruçou-se na janela e atirou o
telefone francês para um caixote
do lixo, gritando para os carros que passavam.
138
Nesta altura eram quase três horas da manhã e Jim
decidiu vingar-se de Jac Holzman por não ter aparecido na
festa. Jac não tinha qualquer razão para comparecer visto
tudo estar a correr bem para os seus clientes - a festa, de
facto, era para celebrar o sucesso da música Light My Fire
e para oficializar junto da imprensa a introdução ao estrelato
dos Doors. Jac tinha realizado bem o seu trabalho, então
porquê lisonjeá-lo com a sua comparência? Em breve ia aprender à custa desse sério
equívoco.
De viva voz, um pouco embaciada devido ao whisky,
Jim ordenou ao condutor da limusine que se dirigisse para
a morada elegante de Holzman em Chelsea. Gloria tremia,
Danny contestava a frase de Jim e Steve implorava que o
deixassem sair para apanhar um táxi. Jim ignorava-os.
Em casa de Jac, Jim insistiu que todos o acompanhassem
à porta do luxuoso apartamento com dez divisões de Holzman.
Tocou a campainha de baixo e porque não houve resposta
do apartamento de Jac, tocou para todos os outros apartamentos até que um vizinho
imprudente deixou entrar o grupo
pela porta de serviço.
Na porta da frente de Jac, a actuação de Jim foi de um
tocar persistente até ao bater na porta de aço com o seu corpo
a transpirar de bêbedo. Depois de se atirar para o chão e não
ter ainda recebido resposta, Jim retalhou metade do tapete
da entrada e depois, arrastou-o barulhentamente para baixo
e pelos oito lances de escadas até ao hall de entrada de mármore, onde cuidadosa e
metodicamente o espalhou.
E de novo os Doors seguiram para Oeste.
No negócio de publicidade, a lista «A» é a lista dos escritores e colunistas cuja
atenção o publicista muito gostaria
de atrair ao seu cliente. Nela estão as pessoas do Time, Newsweek e do The New York
Times, e em 1967, do Saturday
Evening Post, Life e do Look. A lista «A» para os Doors
era mais vasta do que para a maior parte das bandas porque
tinham potencial para atrair maior audiência. Isto significava
que a sua lista se estendia do Times à Imprensa undergrounã,
da Vogue à Revista 16.
«Fez boa figura», diz Danny Fields, o homem da promoção da Elektra.
«Era tão esperto, deu tão boas entrevistas e fez tão fabulosas citações. Saíam-lhe
simplesmente pela boca fora. E os
críticos pelavam-se por escrever sobre ele. Esse era o verdadeiro segredo. Fez com
que os críticos sentissem gozo
em escrever sobre ele. De maneira que não riram dele. Levaram-no perfeitamente a
sério.»
139
Jim e os outros Doors queriam ser levados a sério. Assim,
as suas entrevistas pareciam antes sessões disparatadas de
colégio. A entrevista com o homem do Newsweek em Los
Angeles, em Outubro, quando regressaram de Nova Iorque,
foi um bom exemplo. «Existem coisas que conheces», disse
Ray, citando Jim, «e coisas que não conheces, o conhecido
e o desconhecido, e no meio existem as portas - e é isso que
somos.» Mais tarde esta frase seria atribuída a William Blake.
«É uma pesquisa», disse Jim, «abrir uma porta a seguir
a outra. Até agora não existe uma filosofia ou uma política
consistentes. A sensualidade e o pecado são hoje uma imagem
atraente para nós, mas penso nela como uma pele de cobra
que um dia será mudada. O nosso trabalho, a nossa actuação,
são uma luta pela metamorfose. Agora estou mais interessado
no lado sombrio da vida, no pecado, na face escondida da Lua,
na noite. Mas na nossa música parece-me que estamos a procurar, a lutar, a tentar
atravessar para um reino mais limpo,
mais livre.»
«É como um ritual de purificação, em sentido alquímico.
Em primeiro lugar, tens que passar pelo período de desordem,
de caos, regressando a uma região de primitiva calamidade.
A partir daí purificas os elementos e encontras uma nova
semente de vida, que transforma toda a vida, toda a matéria
e a personalidade até que por fim, com confiança, emerges
e unes todos aqueles dualismos e oponentes. Então, não estás
mais a falar do mal e do bem mas de algo unificado e puro.
A nossa música e as nossas personalidades vistas no espectáculo
estão ainda num estado de caos e desordem mas talvez já
tenham um incipiente elemento de uma qualquer espécie da
pureza inicial. Ultimamente, quando aparecemos em pessoa,
já começámos a ser absorvidos por um conjunto.»
Depois pronunciou a sua melhor frase de sempre: «Pensem em nós como políticos
eróticos.»
Jim estava satisfeito por falar com o crítico da revista
Time sobre o conceito do teatro rock, misturando a música
com «a estrutura de um drama poético». Sobre Los Angeles,
disse, «esta cidade está à procura de um ritual para juntar
os seus fragmentos. Os Doors estão também à procura de um
tal ritual - uma espécie de casamento eléctrico». E depois:
«escondemo-nos na música para nos descobrirmos».
Jim estava sempre atento à imagem e à imprensa. Antes
de cada concerto, perguntava a um dos publicistas da Elektra
quais os críticos que estavam na audiência e quem lia as publicações para que eles
escreviam. Trabalhava intimamente com
Gloria Stavers nas histórias que ela publicava na 16, examinando cada uma até ficar
satisfeito.
140
Era também esclarecedora a maneira como Jim trabalhava com os fotógrafos. Durante a
estadia dos Doors em
Nova Iorque, em Setembro, houve também importantes sessões fotográficas e foi por
isso que Jim foi a Jay Sebring, o
cabeleireiro mais elegante de Hollywood, antes de deixar Los
Angeles.
«Como é que quer ficar?» perguntou Jav.
«Assim», disse Jim, rasgando uma página de um livro
de história que mostrava a fotografia de uma estátua. «Como
Alexandre, o Grande.»
«Agora, Jim», disse Gloria Stavers, «tens que me ouvir.»
Gloria tinha Jim no seu apartamento de East Side e estava
a tirar algumas fotografias para a 16. «Quero que olhes para
a câmara, não para mim. Imagina que a câmara é alguma
coisa ou alguém que tu queiras - uma mulher que queiras
seduzir, um homem que queiras matar, uma mãe que queiras
aborrecer, um rapaz que queiras seduzir, o que queres que
seja, é. Lembra-te disso.»
Os outros Doors tinham partido. Jim começou a vaguear
através do apartamento espaçoso, olhando para dentro dos
armários e abrindo gavetas, tirando para fora casacos e jóias.
Gloria seguiu-o, olhando atentamente. Chegou a um espelho
e arranjou o cabelo, deixando-o num desleixo preciso. Quando
Gloria quis penteá-lo, vociferou-lhe, «tira esse pente daqui!».
Ela voltou para o seu papel silencioso de fotógrafo. Jim enfiou
um casaco de peles a três quartos sobre a sua camisa indiana,
bordada, ficou encostado à parede de braços hirtos, mãos
cruzadas à frente, e as pernas muito magras vestidas com
coiro, estendidas. Olhou para ela, baixando as pálpebras
quando a câmara começou a disparar. Depois tirou o casaco
e a camisa e começou a experimentar os colares dela.
No dia seguinte, os Doors compareceram no estúdio de
Joel Brodsky, o fotógrafo da Elektra. Jim vestia ainda as
calças de coiro e estava de novo sem camisa. Em volta do
pescoço tinha um único fio e pequeninas contas coloridas
emprestadas por Gloria na noite anterior. Deram aos outros
Doors ponches pretos e foram colocados contra um fundo
preto, de maneira que só iriam aparecer na fotografia a figura
de Jim e três cabeças. Durante uma hora, Joel moveu apenas
ligeiramente John, Ray e Robby, mas deixou Jim assumir
as poses que quis. Fez caretas e olhou furiosamente, apontou
o dedo de maneira acusadora e pediu ajuda com a mão, flectiu
e contorceu o seu físico ágil. Começou a beber engolindo
whisky entre as poses, atirando a cabeça para trás para agrupar os músculos de
garanhão do seu pescoço, imitando o
141
amuo de Mick Jagger, depois o olhar de zombaria beiçuda
de Elvis, rosnando, assobiando, deitando a língua de fora.
Nunca sorrindo, nunca rindo.
«A maioria dos grupos quando se tira uma fotografia no
estúdio», diz Brodsky, «brincam uns com os outros, fazem
graças, tentam confundir-se uns com os outros. Os Doors
nunca fizeram isso. Estavam sérios sobre aquilo que estavam
a fazer. E Jim era o mais sério dos quatro.»
Gloria tinha apenas tirado um rolo de filme. Logo que
viu as provas, enviou-as, com o primeiro álbum dos Doors,
para um amigo da Vogue. Menos de uma semana depois,
Jim entrou no estúdio da Vogue e dirigiu-se directamente
para um cabide com fatos que pertenciam a uma filmagem
anterior. Começou a prová-los e a saltar.
«Ahhhhh», disse o fotógrafo, «tenho um vivaço.»
Em Outubro, os Doors actuaram para cerca de 50 000
pessoas enquanto outras 35 000 marchavam para o Pentágono.
A Elektra anunciou que tinha encomendas para 500 000 cópias
do segundo álbum. No Vietname morreram 5 marinheiros
americanos e ficaram feridos 30, ao serem acidentalmente
bombardeados por aviões dos Estados Unidos. John Wayne
começou a fazer um filme sobre os Boinas Verdes. Realizou-se
uma parada em São Francisco marcando a «Morte do Hippie
e o Nascimento do Homem Livre.» Joan Baez, Mimi Farina
e a mãe de ambas foram presas por se manifestarem no
Centro de Instrução da Armada em Oakland. A música People
are Strange entrou no top 20 nacional e, noutro registo, um
executivo de publicidade de meia-idade chamado Victor Lundberg leu Uma Carta Aberta
para o Meu Jovem Filho tendo
como música de fundo The Battle Hymm of the Republic.
As linhas finais:
«Se não estás grato a um país que deu a teu pai
a oportunidade de trabalhar para a sua família, para te
dar as coisas que tens tido, e não te sentes suficientemente orgulhoso para lutar e
continuar desta maneira,
então assume a responsabilidade do teu falhanço em reconhecer o verdadeiro valor do
nosso direito inato. E lembra-te que a tua mãe te amará faças o que fizeres porque
ela é uma mulher. E eu amo-te, também, filho, mas
também amo o nosso país e os princípios pelos quais
sofremos e se decidires queimar o teu cartão de destacamento, então queima ao mesmo
tempo a tua certidão
de nascimento. A partir desse momento, não tenho filho.»
142
As ideias foram claramente expressas. Em 1967 era os
Estados Unidos contra eles. Em Outubro Jim começou a
escrever as suas músicas mais militantes.
A primeira tirou o nome de um monumento nacional,
«O Soldado Desconhecido» e foi construída em tournée, do
mesmo modo que os Doors tinham criado as suas primeiras
músicas em concerto no Whiskey a «Go-Go» e a Ondine
Durante um período de dois ou três meses, desenvolveu-se
até ser uma das peças de teatro mais bem sucedidas da banda.
Wait until the war is over
and we're both a little older
the unknown soldier
Espera que a guerra acabe / e ambos sejamos mais velhos / o soldado desconhecido /
De repente, o hino fúnebre tornou-a uma celebração.
John e Robby juntavam-se a Ray num ritmo que era tanto
militar (metronómico) como carnavalesco.
Breakfast where the news is read
television children fed
unborn living, living, dead,
bullet strikes the helmefs head.
And it's ali over for the unknown soldier,
It's ali over for the unknown soldier.
Ao pequeno-almoço quando se lêem as notícias / meninos da televisão
alimentam-se / futuras vidas, vivas, mortas / a bala atinge a cabeça
sob o capacete. /
E foi o fim do soldado desconhecido / foi o fim do soldado desconhecido.
Ouvia-se som de marcha quando Jim, Ray e Robby começavam a bater os pés em uníssono e
John tocava a um ritmo
de marcha apropriado no tambor de corda. Ray cantava em
cadência.
Hut
Hut
Hut ho hee up
Hut
Hut
Hut ho hee up
Hut
143
Hut
Hut ho hee up
Comp'nee
Halt
O bater de pés parava e Jim adoptava a posição torturada de um prisioneiro que vai
ser executado por um pelotão
de fuzilamento. Havia um segundo de silêncio enquanto todos
os olhares o fixavam, braços esticados atrás das costas, cabeça
erguida, peito orgulhosamente impelido para a frente.
Preeee-zent!
Arms!
Seguia-se um longo rufar de bateria e depois John habitualmente partia uma baqueta
batendo no aro da bateria,
simulando um tiro. Simultaneamente, Jim dobrava-se violentamente ao meio como se
tivesse dobradiças e caía ao chão
enrolado. Outro silêncio mais longo, e então o órgão de Ray
prosseguia e uma voz solene saía do vulto ainda caído no
palco.
Make a grave for the unknown soldier
nestled in your hollow shoulder
The unknown soldier
Abra-se a cova do soldado desconhecido / aninhado na cova do teu
ombro / O soldado desconhecido /
A celebração era reavivada. Jim estava de pé, dançando
alegremente enquanto cantava:
It's ali over!
The war is over!
It's ali over!
The war is over!
Acabou-se tudo / Acabou a guerra / Acabou-se tudo / Acabou a
guerra /
A segunda das músicas militantes de Jim escrita neste
período - e a que, à primeira vista, parece ser a mais militante de sempre- foi mal
compreendida por quase toda a
gente que se limitou a ouvir os dois primeiros versos.
144
[Fotografias]
Fillmore East, Nova Iorque
145
Sequência da actuação em Roundhouse, Londres, Inglaterra
150
Jim, 1969. Numa sessão fotográfica para promover o show do Fórum
151
Durante os ensaios no escritório dos Doors em West Hollywood, 1969
152
Five to one, baby
One to five
No one here gets out alive
You get yours, baby
1*11 get mine
Gonna make it, baby
If we try
The old get old
And the young get stronger
May take a week
And it may take longer
They got the guns
But we got the numbers
Gonna win, yeah
We're takin'over
Come on!
Cinco contra um, amor / um pra cinco / Não vai sair daqui ninguém
vivo / Junta-te aos teus, amor / Eu vou juntar-me aos meus / Se
tentarmos, amor / a coisa é possível /
Os velhos envelhecem / robustecem-se os jovens / pode levar uma
semana ou mais /
Eles têm armas / mas nós somos mais / Ganharemos, sim / venceremos, vamos /
A música ficou com o título do primeiro verso, Five to
One, uma estatística que não foi explicada por Jim. A teoria
de Paul Rothchild é que, «cinco para um é o mesmo que um
em seis, a relação aproximada de pretos para brancos nos
Estados Unidos, e lembra-me que um em cinco era a relação
de fumadores de droga em Los Angeles». Mas sempre que lhe
perguntavam Jim dizia apenas que não a considerava uma
música política.
Escutada no seu todo, a música parecia ser uma imitação
burlesca de toda a ingénua retórica revolucionária ouvida nas
ruas e lida na imprensa unãerground nos finais dos anos
sessenta. Esta interpretação é fortemente apagada por um
verso final, o verso ao qual a audiência de Jim prestou pouca
atenção. Nele, Jim dirigia-se a alguns dos jovens da sua geração, as hordas de
«hippie / criança flor» que ele via em números crescentes mendigando nos passeios da
cidade, no exterior
de todas as salas de concerto
153
Your ballroom days are over baby
Night is drawing near
Shadows of the evening crawl across the years
You walk across the floor with a flower in your hand
Trying to tell me no one understands
Trade in your hours for a handful of dimes
Passou o tempo dos bailes, amor / cai a noite / surgem ao longo do
ano as sombras da tarde / Atravessas a pista com uma flor na mão /
/ procuras dizer-me que ninguém compreende / que te deram pela casa
um punhado de cobres /
Isto não quer dizer que Jim tinha virado inteiramente
as costas para a «geração do amor» da qual a banda emanava.
«Acreditámos todos realmente nela», diz Ray. «Quando estávamos a tocar no Whiskey a
«Go-Go» acreditámos, pá, que
estávamos a tomar posse do país, que íamos dar-lhe uma volta,
que íamos fazer a sociedade perfeita.»
O próprio Jim disse em 1969, «de um ponto de vista histórico irá parecer
provavelmente o período trovadoresco em
França. Tenho a certeza de que irá parecer incrivelmente
romântico. Penso que vamos parecer muito bons para as pessoas do futuro, porque estão
a ter lugar tantas alterações e
estamos realmente a confrontá-las com talento». Era, disse,
um renascimento espiritual e cultural, «como o que aconteceu
no final da peste na Europa que dizimou metade da população.
As pessoas dançavam, vestiam roupas coloridas. Era uma espécie de Primavera
incrível».
Se bem que houvesse empatia entre Jim e os seus jovens
fãs, mantinha-se, contudo, diferente deles em muitos pontos
básicos. Ao contrário do hippy protótipo, Jim considerava a
astrologia como uma pseudo-ciência, rejeitava o conceito de
personalidade totalmente integrada, e exprimia desagrado pelo
vegetarianismo devido ao fervor religioso muitas vezes ligado
à dieta. Era, disse, um dogma e não tinha necessidade disso.
A educação, inteligência e background de Jim separou-o
mais de muitos dos seus fans. Licenciado em vez de vadio,
leitor voraz de gosto altamente católico, era dificilmente o
homem não linear, post-literal e tribal de Marshall McLuhan.
Quer gostasse ou não, era o produto óbvio de uma família
da classe média superior do Sul: encantador, determinado
para objectivos e politicamente conservador em muitos aspectos. Por exemplo, olhava
para a maior parte dos receptores de prosperidade com o mesmo desprezo que sentia
pelos
mendigos de cabelos compridos que criticava em Five to One.
154
Outro limite entre Jim e a sua audiência foi a sua mudança dos produtos psicadélicos
para o álcool. As bebedeiras
surgiram nesta altura e adquiriram proporções quase míticas.
Asher Dann tinha uma teoria: se ele e Jim saíssem e
ficassem bêbedos na noite anterior a um concerto importante,
Jim eliminava a ânsia do seu sistema e estaria relativamente
sóbrio na altura do espectáculo. Foi uma teoria inútil na noite
de Novembro em que os Doors actuaram para Bill Graham,
no Winterland, São Francisco. Jim bebeu juntamente com
Ash no bar do hotel desde as três às oito horas: talvez dez
ou doze bebidas. Depois juntou-se a eles Todd Schiffer, que
pagou outra rodada antes de os obrigar a entrar no carro
e a descer a Filhnore Avenue, trajecto durante o qual Jim
cobriu a noite de obscenidades.
«Pensas que ele pode continuar?» perguntou Todd.
«Claro», disse Asher Dann. «Quando ele está assim bêbedo, faz um espectáculo melhor.»
Apenas meia verdade: quando estava bêbedo fazia muitas
vezes os seus melhores espectáculos; quando estava bêbedo
fazia também os seus piores espectáculos.
A limusine parou. Bill Graham apareceu. «Onde é que
têm estado?» gritou. «Estamos aqui, Bill», disse Asher, obviamente tão bêbedo quanto
Jim. «Não estamos atrazados para
o espectáculo.»
Graham fez da sua cara uma máscara e gritou: «O contrato diz que a banda era suposta
estar aqui há uma hora:
isso significa todos os quatro membros da banda! Incluindo
Jim Morrisonl» Graham apontou um dedo na direcção de Jim.
«Ele está bêbedo, certo?»
Desde o momento em que Jim subiu para o palco foi o
caos. A multidão estava extática, reverente, drogada. Jim corria
à volta, endoidecendo o homem do projector no segundo balcão.
Inclinava-se na borda do palco alto, baloiçando por cima do
equipamento de luzes na plateia, rodopiando o microfone
como um laço, arremessando-o com um assobio' por cima das
cabeças da audiência. Corpos esmagavam-se na frente do
palco.
Bill Graham correu para o salão vindo do seu escritório
no andar superior, passando com dificuldade pela multidão.
Agitava os braços, tentando chamar a atenção de Jim. Jim
continuava a rodopiar o microfone. Olhos fechados, a música
batia. Finalmente, largou-o após o que se dirigiu como uma
bola para Graham, atingiu-o na testa e atirou-o ao chão.
Mais tarde, no camarim, Jim desafiou Asher para lhe
bater e Asher fê-lo, estendendo Jim no chão.
155
Em Novembro, os Doors invadiram as bancas de jornais
pela nata da lista «A»: Newsweek, Time, The New York Times
e Vogue. E não eram apenas referências ou críticas complementares de discos - a
hierarquia da imprensa estava a investigar e a tentar definir os Doors.
A 6 de Novembro, dizia o Newsweek: «Os Doors arrogantes tornam-se acessíveis. Aço
endurecido, sons melódicos
estranhos, Mundo Halloween (véspera de Todos os Santos) e
fruto proibido.» A 15, o Vogue utilizou a fotografia de Jim
- peito nu, usando o seu cinto «concho» indiano de prata
em volta do pescoço - para ilustrar um artigo escrito por
um professor de história de arte, que afirmava ao americano
médio que Jim «agarrava as pessoas. As suas músicas são
sinistras, carregadas de um pouco de simbolismo Freudiano,
poéticas mas não bonitas, cheias de sugestões do sexo, morte,
transcendência... Jim Morrison escreve como se Edgar AUan
Poe tivesse reincarnado um hippie». A 20, o Time, usou a citação de Jim da biografia
da Elektra: «Estou interessado em
tudo o que se relaciona com a revolta, desordem, caos», e
depois, descreveu a música como uma pesquisa que «levou
os Doors não só para além daqueles limites já familiares da
odisseia da juventude como a alienação e o sexo, mas também para domínios simbólicos
do inconsciente - mundos nocturnos misteriosos cheios de ritmos vibrantes, tons
metálicos
frementes, imagens agitadas.» A fotografia tirada nos bastidores, mostrava Jim
vestido de coiro negro prostrado como
se estivesse drogado, só com a cara escondida da câmara.
«Não houve na verdade, maior símbolo do sexo masculino
desde que James Dean morreu e que Marlon Brando ficou
com barriga», escreveu Howard Smith, o arauto de modas do
The Village Voice. «Dylan é mais a vibração de um coração
cerebral e os Beatles têm sido sempre demasiado giros para
serem profundamente excitantes. E aí vem Jim Morrison dos
Doors. Se as minhas antenas estão certas, ele pode ser a
melhor coisa para despertar o libido das massas desde há
muito tempo.»
Com este prognóstico, Smith publicou uma das fotografias de Joel Brodsky, que veio a
ser conhecida na Elektra
como «a fotografia do Jovem Leão» - uma fotografia do
busto-que mostrava o peito nu de Jim e um ombro, um único
fio de contas de Gloria Stavers em volta do pescoço musculoso, uma linha de queixo à
Steve Canyon, lábios sensualmente apartados, um olhar de intensa dureza, suíças
realçando
os ossos faciais salientes, cabelos modelados à Alexandre, o
Grande.
156
Mesmo os críticos mais cínicos admitiram que Jim Morrison era um super-homem
cultural, com dimensão que excedia a própria vida, capaz de levar rapariguinhas e
muitos homens ao deleite sexual, e intelectuais à profundidade. Albert
Goldman, o destacado crítico nova-iorquino, chamou-o um
«Díonisius nascido com o surf» e um «hippie Adónis», enquanto Digby Diehl, que em
breve se tornaria o cronista
literário do Los Angeles Times, o descrevia citando a «perversa polimorfa sexualidade
infantil», a que se referia Norman
O. Brown.
Na visita seguinte dos Doors a Nova Iorque, Jim apareceu
de olhar selvagem e bêbedo, à meia-noite, na loja de Lower
East Side onde ele e Pamela tinham encomendado alguns
guizos a uma velha amiga durante a anterior viagem a East
Coast. Tuina Robbins vivia num quarto para as traseiras e
quando ele bateu à janela, ela acordou e deixou-o entrar.
«Não disse uma palavra. Entrou, despiu-se e ali ficou, nu.
E era tão bonito, sabes. Parecia um pouco tímido mas perguntou-me se eu ia tirar a
minha roupa ou não.»
Jim via muitas vezes Gloria Stavers, uma inteligente
ex-modelo, já na casa dos trinta, de face frágil e agradavelmente doce, que dirigia a
revista para adolescentes 16. Ray,
John e Robby preveniram Gloria sobre Jim pouco tempo
depois de estes se encontrarem pela primeira vez, contando-lhe a noite em que ele
regou o estúdio de gravação com um
extintor de incêndio. «Tem cuidado», disse Robby, quando
Gloria disse a Jim para ficar encostado à parede para tirar
uma fotografia, «ele fará o que disseres, uma, duas e três
vezes, mas depois, um dia fará qualquer coisa de muito estranho e violento.» Era como
se Robby estivesse a falar de um
irmão querido que tinha ataques. O aviso era simpático e
sincero.
O espírito de grupo estava ainda activo. Quando Gloria
disse a Jim que preferia escrever sobre ele e fotografá-lo, do
que ao grupo, Jim ficou preocupado que os outros Doors se
sentissem desprezados e fez todo o possível para ver se tudo
corria com gentileza. Quando os mmagers disseram a Jim
que podia ser uma estrela maior sem os outros três, e mais
rico se tivesse unicamente músicos assalariados na folha de
pagamentos em vez de sócios em condições iguais, Jim disse
que iria pensar nisso, depois contou prontamente a Ray, Robby
e John e juntos começaram a falar em arranjar novos managers. Jim disse a Gloria,
«Basta-me olhar para Ray para
saber quando vou demasiado longe.» Quando Gloria contou
isso a Ray, este confessou: «Bem, gosto muito dele.»
157
Em actuação, o espírito de grupo estava no seu auge.
«Sabes», disse Ray «quando o shaman da Sibéria está preparado para entrar em transe,
todos os aldeões se juntam, abanam os chocalhos, assobiam e tocam quaisquer
instrumentos
que tenham à mão para o mandar embora. Existe um constante martelar, martelar,
martelar. E essas sessões duram
horas e horas. Acontecia o mesmo com os Doors quando tocávamos em concerto. As séries
de música não demoravam tanto
tempo, mas penso que as nossas experiências com drogas deixavam-nos atingir esse
estado mais rapidamente. Conhecíamos os sintomas do estado, de maneira que podíamos
tentar
aproximá-lo. Era como se Jim fosse um shaman eléctrico e
nós a banda do shaman eléctrico, martelando atrás dele. Algumas vezes não lhe
apetecia entrar no estado, mas a banda
continuava a martelar, a martelar, e pouco a pouco, envolvia-o. Meu Deus, podia
enviar-lhe um choque eléctrico com
o órgão. John podia fazê-lo com as suas batidas de bateria.
E de vez em quando - uma contorção! - podia tocar um
acorde e fazê-lo contorcer-se. E ele lá arrancava de novo.
Às vezes ele era simplesmente incrível. Simplesmente extraordinário. E a audiência
também o sentia!»
A polícia também o sentiu a 9 de Dezembro de 1968.
Um dia a seguir ao vigésimo quarto aniversário de Jim, os
Doors estavam em New Haven, Connecticut. Jim estava atrás
do palco a falar com uma rapariga de mini-saia. Os polícias
estavam encostados contra a parede de entrada. Os chefes de
equipamento mexiam nos amplificadores. Parasitas como a
rapariga existiam por toda a parte. Faltavam trinta minutos
para os Doors começarem.
«Não podemos falar aqui», disse Jim à rapariga. «Vamos
procurar um sítio mais sossegado.»
A rapariga acenou com a cabeça silenciosamente e seguiu
Jim, mesmo quando este abriu a porta para um chuveiro,
espreitaram para dentro e depois entraram.
Alguns minutos mais tarde Jim e a rapariga estavam
abraçados.
Um polícia entrou. «Hey, vocês miúdos! Saiam daqui!
Não é permitido ninguém atrás do palco!»
Jim olhou para o polícia. «Quem diz isso?»
«Eu disse para saírem daqui. Vá, mexam-se!»
«Coma-o». Jim pressionava as partes com a mão em
concha.
O polícia agarrou o bastão que estava preso no cinto.
«Último aviso», disse «Última oportunidade.»
«Última oportunidade de o comer», falou Jim com sarcasmo.
158
A rapariga fugiu quando o polícia avançou e Jim apanhou com o spray químico na cara.
Jim passou à frente do polícia e atirou-se cegamente para
a entrada, bramindo «Bateram-me com um bastão! O porco
nojento!» Juntou-se uma multidão e pela maneira cuidadosa
como Jim foi tratado, o polícia realizou que tinha cometido
um erro.
Bill Siddons, o Roadie Q) dos Doors, acorreu apressado e
com a ajuda da polícia levaram Jim até uma bacia onde lavaram os seus olhos com água.
O polícia pediu desculpa e alguns
minutos mais tarde o espectáculo começou.
Durante o espectáculo os estudantes aplaudiram frequentemente e muitos deles
juntaram-se a Jim quando ele gritou,
«Queremos o Mundo e queremo-lo agora!» Quando este cuspia
com desprezo para a audiência e atirava o suporte do microfone, eles ficavam em
adoração. Depois durante a sequência instrumental do Back Door Man, Jim começou a
falar.
«Quero-vos contar algo que aconteceu alguns minutos
atrás aqui em New Haven. Isto é New Haven, não é? New
Haven, Connecticut, Estados Unidos da América?»
A audiência caiu em silêncio enquanto Jim contava de
novo os pormenores da sua recente chegada: jantares e bebidas, uma conversa sobre
religião com uma empregada, um
encontro com uma rapariga no camarim. Ele e a rapariga
começaram a falar, disse. Em contraponto dos ritmos da Back
Door Man, o discurso espontâneo tornou-se hipnótico. «E queríamos alguma
privacidade... E então, fomos para um chuveiro. Não estávamos a fazer nada, sabem.
Estávamos lá, a
conversar... E depois, este homenzinho entrou, com um
fatinho azul e um bonezinho...»
Uma fila de polícias estava ao longo da parte da frente
do palco, enfrentando a audiência, como os polícias em geral
fazem em concertos de rock para manter à distância os miúdos armados de Instamatics.
Mas quando Jim contava esta
história, alguns voltaram-se para trás.
«O que estás aí a fazer?» Jim fitava o polícia do chuveiro.
«Nada.»
«Mas ele não se foi embora. Ficou ali, e então chegou-se por detrás dela e tirou esta
pequena lata preta de qualquer
coisa. Parecia creme de barbear. E depois, espalhou-a nos meus
olhos.»
Agora quase todos os polícias olhavam para Jim. Para
contar a história tinha estado a utilizar a voz pateta dos sulistas,
(*) Roadie, acompanhante de um grupo em tournée (on the road). (N. do T.)
159
para ridicularizar o homenzinho do fatinho azul. Saíram
gargalhadas da audiência, gargalhadas directas para a polícia.
«Todo o Mundo me odeia!», gritou Jim. «O Mundo de
merda... ninguém me ama. Todo o Mundo de merda me detesta.» A audiência estava
sentada, extasiada.
Jim fez um sinal à banda e atacou o chorus final da música Oh, Ahm a back door man...
De repente as luzes apagaram-se e Robby chegou à frente
para segredar ao ouvido de Jim. «Acho que os polícias estão
lixados.»
Jim perguntou à audiência se queriam mais música, e
quando a resposta chegou, num barulhento «Sim», Jim gritou,
«Bem, então apaguem as luzes! Apaguem as luzes!» As luzes
continuavam acesas e o tenente da polícia que era chefe da
Divisão da Juventude no Departamento de Polícia de New
Haven, subiu ao palco e disse a Jim que estava preso.
Jim rodopiou para enfrentar o polícia, pernas vestidas de
coiro provocantemente juntas, cabelos ondulados e compridos
num desarranjo húmido.
Introduziu o microfone debaixo do nariz do polícia.
«Está bem, porco», disse numa mistura de fanfarronice
de rapaz de escola e de aversão à autoridade de um adulto,
«Vá, diz lá o que tens a dizer, pá!»
Um segundo polícia apareceu e, pegando cada um num
braço de Jim, levaram-no para fora do palco através das cortinas. Arrastaram-no pelas
escadas abaixo, forçaram-no a
atravessar um parque, puseram-no ao lado de um carro de
patrulha e fotografaram-no, deitaram-no ao chão, bateram-lhe, atiraram-no para dentro
do carro, e levaram-no à esquadra da polícia onde foi acusado de «exibição indecente
e
imoral», perturbação da ordem pública e resistência à prisão.
Os polícias também prenderam um crítico do The Village
Voice e um fotógrafo da revista Life, garantindo involuntariamente publicidade máxima
para Jim.
Alguns dias mais tarde, Jim sentou-se no chão do escritório dos Doors, no meio de
montes desmoronados de cartas
de fãs, duas semanas de jornais e revistas, e os últimos recortes do publicista dos
Doors. Jim abriu um artigo escrito pelo
crítico de cinema de Los Angeles Free Press.
«Hey», disse passado um minuto «algum de vocês leu o
que Gene Youngblood escreveu sobre nós?»
Os outros na sala olharam. Jim sorria.
«Ele diz e eu cito, "Os Beatles e os Stones existem para
vos rebentar a mente; os Doors existem para o que se segue,
quando a vossa mente já tiver desaparecido".»
160
Jim sentou-se mais direito, como se estivesse a ler uma
esteia. «Oiçam o que ele diz sobre a música. "A música dos
Doors é a música do ultraje. Não é falsa. Explora os segredos
da verdade. Contrariamente à sua técnica, o seu conteúdo é
de vanguarda: fala da loucura que vive dentro de todos nós,
da depravação e dos sonhos, mas fala de tudo isso em termos
musicais relativamente convencionais. É isso a sua força e a
sua beleza - uma beleza que aterroriza.
«A música dos Doors é mais surrealista do que psicadélica. É mais angustiante que
amarga. Mais do que rock, é
ritual - o ritual do exorcismo psíquico-sexual. Os Doors são
os feiticeiros da cultura pop. Morrison é um anjo; um anjo
exterminador.»
John Densmore tirou o recorte das mãos de Jim e olhou-o.
«Hey», comentou, «no primeiro parágrafo diz que ele estava
a foder e precisamente quando se veio, estávamos a tocar
Horse Latitudes.»
Toda a gente se juntou à volta tentando chegar ao recorte.
«Olha para isto», continuou Bill Siddons, «Diz, "Os Doors
podem proporcionar a Iluminação através do sexo".»
Houve risos e durante dez minutos disseram-se graças.
Durante os meses seguintes, Jim afirmava que Youngblood
tinha sido o primeiro a ter realmente visto por onde andava
a sua cabeça.
Um dia, mesmo antes do Natal, na tarde anterior ao
primeiro concerto deles no Shrine, Ray e Dorothy pediram
a Jim e a Pamela que fossem padrinho e madrinha do casamento deles.
«Fantástico! Quando é, Ray?»
«Esta tarde... na Câmara Municipal.»
Nessa noite Jim teve que ser expulso do palco porque
toda a noite só quis cantar baladas para os recém-casados.
161
CAPÍTULO 6
Jim vivia num quarto a 10 dólares por noite no Motel Alta Cienega, uma estrutura
anónima
de dois andares, com quartos praticamente iguais construído
contra uma ladeira a poucos minutos a pé do Sunset Strip.
Nos anos que se seguiram, este motel tornou-se o centro do
universo de Jim Morrison.
Era o ideal quando Jim não tinha carro ou quando a sua
carta de condução lhe era apreendida por embriaguez. Tudo
se situava a distância que se fazia a pé, mesmo pelas medidas
de Los Angeles. Os novos escritórios e o estúdio de gravação
da Elektra situam-se a menos de 100 jardas no Cienega Boulevard, uma larga avenida
conhecida devido ao restaurante
Row, onde Jim tomou centenas de refeições. Ainda mais perto
eram os escritórios próprios dos Doors e os três bares favoritos de Jim.
Jim estava no quarto 32 do segundo andar, esparralhado
no tecido verde que cobria uma cama, dupla mas estreita.
Uma rapariga magra de dezassete ou dezoito anos estava
perto do pequeno aparelho de televisão, de costas voltadas
para a casa de banho.
Jim despejou uma cerveja e atirou a lata para um caixote
de lixo em plástico que estava perto do aparador amarelo.
Falhou, atirando um livro ao chão: As Origens e a História
da Consciência.
«Foda-se», arrotou Jim. Olhou para a rapariga. Moveu
o queixo para cima, fazendo-lhe sinal para ir para a cama.
Era um biscate da noite anterior; tinha ouvido toda a história
da sua vida, depois «desflorou-a» e agora estava chateado.
«Deixa-me ver as tuas mãos», disse.
163
A rapariga estendeu-lhe as mãos. Jim pegou numa mão
pelo pulso e começou a puxar os anéis dos dedos. Era bruto.
Ela chorava de dor.
«Dá-me a tua outra mão», ordenou antes de largar a
primeira.
A rapariga hesitou. Ele apertou-lhe o pulso e repetiu a
ordem, e quando foi obedecido tirou-lhe todos os outros
anéis, rasgando a pele.
Depois largou-a, segurou os anéis numa mão e inclinando-se na cama, puxou outra lata
de cerveja dum saco de papel
e ordenou à rapariga que a abrisse. Ela obedeceu.
De repente bateram à porta.
«Sim?» disse Jim irritado. «Quem é?»
«É um segredo», disse uma voz trocista de mulher.
Jim conheceu obviamente a mulher. «Porque é que não
vens mais tarde, estou despido», disse.
«Jim, vim a pé todo o caminho até aqui e agora nem me
deixas entrar.»
«Agora, querida Pam, estou ocupado.»
«Jim, sei que está aí alguém. Eu sei que está. Não acredito que estejas a fazer isso
de novo. És realmente repugnante!»
Jim estava silencioso.
«Jim, tenho uma óptima perna de carneiro no forno para
o jantar e o meu apartamento novo é...»
Jim interrompeu, «Bem, vês, está aqui uma rapariga de
sonhos, Pam, está precisamente deitada na cama de pernas
abertas e não sei o que fazer.»
«És repugnante Jim Morrison, e vou-me embora!»
«Mas, querida Pam, é a tua irmã, Judy. Não devias estar
zangada.»
Jim virou-se para a rapariga no quarto e pediu desculpa
por não haver uma porta traseira para ela escapar. «E não
podes sair pela janela; são vinte pés até ao passeio.» Olhou
em volta. «Talvez devesses ir para o chuveiro.»
Pamela chamou, «Quero vê-la, Jim.»
A criada chegou e começou a discutir com Pamela,
dizendo-lhe que estava a fazer demasiado barulho e que tinha
que se ir embora. Jim puxou uma camisa e umas calças e saiu
do quarto.
«Bem, querida Pam», disse, pondo o braço em volta do
seu ombro, «Estava apenas a brincar contigo, não tinhas a
tua irmã lá dentro.» Jim estendeu a mão mostrando os anéis.
«Olha», disse, «São para ti. Uma das minhas fãs deu-mos.»
Pamela pegou num anel de turquesa, deslizou-o num
dedo e meteu os outros no bolso. Andaram até ao quarto de
Pamela e entraram.
164
Esta cena era característica. Jim era capaz de ternura
e crueldade num espaço de apenas alguns minutos. Para
alguns, parecia ser um «ursinho mimado». A todos, prometia
ele amor, a verdade do momento. Mas para muitos, incluindo
Pamela, a promessa não arrostava a credibilidade.
Para compensar, Jim disse a Pamela que a levava a Las
Vegas com Bob Gover e a sua namorada. Gover era um
quarentão barulhento autor de $100 Misunderstanding, uma
divertida historieta sobre um estudante branco ingénuo e uma
prostituta negra sabidona. Tinha uma encomenda da revista
New York Times para escrever uma história retratando Jim
como o produto dos maquiavélicos fazedores de fantoches de
Hollywood. Quando insistiu que Jim era a sua própria criação, acabaram-lhe com a
história, mas nessa altura os dois
tornaram-se companheiros, partilhando amor pelos livros,
mulheres e álcool. Gover tinha vivido uma vez em Las Vegas
e disse que queria mostrar a Jim o lado da cidade que os turistas não vêem. Como era
previsível, Jim e Pamela discutiram
e então Jim foi para Las Vegas sem ela.
Jim saiu do carro de Gover com alguns outros, permanecendo no calor da noite seca e
deserta, e olhou por um momento para o toldo do clube nocturno: Pussy Seat a «Go-Go»
apresenta Stark Naked and The Car Thieves (O Nu Completo e os Ladrões de Automóveis).
Jim riu e dirigiu-se com
ares de superior para o guarda do parque; tinha estado a beber
desde o meio-dia e agora eram cerca de dez horas. Olhou
num relance por detrás dele, para os companheiros e, com
um dedo nos lábios pedia silêncio, e inspirou de maneira barulhenta num cigarro de
droga imaginário.
«Queres uma passa?»
O guarda recuou um passo num gesto de repulsa; depois,
lançou-se para a frente, sacando o cassetete no mesmo movimento. «Hey, espere um
minuto.» Um dos companheiros de
Jim colocou-se à sua frente para protestar.
O guarda desferiu o cassetete na cabeça mais próxima,
depois voltou-se e agrediu Jim. Jim olhou mais surpreendido
do que magoado, embora corresse sangue ao longo da cara,
e o guarda bateu-lhe outra vez.
Pouco depois a polícia chegou, colocando Jim e Gover
- os dois com os cabelos mais compridos - na parte de trás
do carro preto e branco.
«Merda», sussurrou Jim e sentou-se de novo calado.
«Merda.» Levantou a voz, depois calou-se.
«Porco», disse.
«Porco.» Outra vez.
«Porco de merda.»
165
Os polícias no banco da frente ignoravam os insultos de
Jim e era Gover que tentava calá-lo. «Calma, pá, estes gajos
podem abanar os nossos miolos se quiserem, têm ordem para
isso.»
«Tá bem, pá», disse Jim, «era só um teste de coragem.»
Bob foi acusado de embriaguez pública, Jim do mesmo,
mais vadiagem e falta de identificação. Como de costume,
nada trazia nos bolsos a não ser um cartão de crédito.
«Hey, vejam só o que aqui temos», disse um dos polícias
na prisão quando Jim e Bob deram entrada, «duas raparigas?»
«Eh! Rapaz, olha só para aquele cabelo. Ah, ah.»
«Acho que estas lindas criaturas se deviam despir para
termos a certeza de que sexo são, e tu que achas?»
Bob e Jim foram obrigados a despir-se e depois de registados, mandaram-nos vestir e
puseram-nos numa cela da prisão.
As traves da cela atingiam o tecto a vinte pés de altura, e logo
que fecharam a porta, Jim subiu até ao cimo da cela como
um macaco e ficou a olhar para baixo, para a sala adjacente
repleta de polícias às secretárias.
«Hey, Bob», chamou, «não são os filhos da mãe mais feios
que alguma vez viste?»
E começou a rir. «Ah-hee-hee-hee-hee-hee-hee...»
Um dos polícias aproximou-se e olhou para cima. «Saio
à meia-noite e temos nessa altura um encontro. Só tu e eu,
num quarto. Até logo... querida.»
Cinco minutos antes da meia-noite, Jim escapou de uma
sova garantida quando os amigos de Bob os puseram em liberdade sob fiança e Jim
retomou a noitada.
Esta era, também, uma cena típica. Nos primeiros meses
de 1968, o alcoolismo de Jim acelerou-se a um ritmo que
alarmou os outros Doors. Na tradição de Dylan Thomas e
Brendan Behan, Jim estava a tornar-se não só um bêbedo
mítico mas também um bêbedo diário.
Numa festa em casa do cantor John Davidson, Jim e
Janis Joplin ficaram bêbedos. Paul Rothchild lembra-se deles,
abraçados: «Sr. e Sr.a Rock and Roll». Mas depois Jim tornou-se mau e agarrou Janis
pelos cabelos, puxando-lhe a
cabeça para baixo e obrigando-a a manter a posição. Por fim,
ela libertou-se, voando para a casa de banho em lágrimas.
Alguém pôs Jim a descansar num carro. Janis veio a correr
atrás dele. Chegou ao interior do carro e começou a bater
na cabeça de Jim com uma garrafa de Southern Confort.
Jim ria-se quando os separaram.
Em Nova Iorque, no Scene, Jim tropeçou e entornou uma
mesa com bebidas no colo de Janis, e depois, atraído pela
música, dirigiu-se aos bordos para o palco onde caiu de joelhos,
166
agarrando as pernas de Jimi Hendrix num abraço fervoroso e húmido.
De regresso a Los Angeles, no Barney's Beanary envolveu-se numa discussão com o seu
companheiro. Tom Baker,
que tinha aparecido nu num filme que tinha feito com Andy
Warhol, e agora chamava a Jim um «vendedor envergonhado
de sexo».
«Pelo menos deixei tudo à mostra, pá», dizia.
Jim estava bêbedo e agarrou no fecho das calças. «Bem,
eu também consigo fazer isso», vangloriou-se. «Consigo fazer
isso. Isso não é nada! Isso não é arte.»
No aeroporto de Midwestern, de novo bêbedo, Jim insistiu que alguém o puxasse numa
cadeira de rodas, da qual caía
periodicamente, movendo-se violentamente aos sacões como
se tivesse sido apanhado por um forte ataque.
Por fim, caiu e não se mexeu. Tinha desmaiado debaixo
de um banco e Bill Siddons escondeu-o educadamente com as
malas e os sacos das guitarras.
Jim deu as boas-vindas ao seu sucesso na boa tradição
do rock and roll: queimando um máximo de massa. Além de
pagar a um número crescente de raparigas, começou a gastar,
dinheiro furiosamente - não em casas e carros mas em contas
de bar enormes e roupas feitas por encomenda, incluindo um
casaco de pele de lagarto e um fato de pele de pónei não nascido, de $2200. Este
último foi lançado descuidadamente
num cesto de lixo do aeroporto, depois de muita gente o ter
tomado como pele de foca. Tinha encontrado uma pequena
quantidade de bajuladores que o acompanhavam para todo
o lado, e gozavam o ambiente de característica ostentação do
estrelato pop nos anos sessenta. Levavam Jim para onde ele
quisesse ir, competindo para acender os seus cigarros ocasionais, correndo em missão
para a loja de bebidas, mantendo
a cabina de música do estúdio sempre cheia de admiradoras
a tudo dispostas.
Jim começou também a juntar o seu primeiro círculo
de grandes amigos da bebida, incluindo Tom Baker, o actor,
o então cantor desconhecido Alice Cooper e um membro da
banda de Alice, Glen Buxton. Jim estava nesta altura, muito
preocupado com o seu modo de beber, embora não quisesse
transparecê-lo. Passava os dias nos bares que rodeavam o seu
motel. Nunca entrava no estúdio sem uma garrafa.
O álcool era a paranóia de Jim, a poção mágica que satisfazia as necessidades,
resolvia os problemas e que lhe parecia
historicamente a coisa a fazer. O seu consumo ia ao encontro
da imagem dionisíaca com que ele se identificava e que
167
gostava de projectar. Estava também firmemente introduzido
na tradição cultural americana.
Logo que começou a gravação do terceiro álbum, o ambiente atingiu as raias da
loucura. Primeiro a sala de ensaios
e depois o estúdio enchiam-se de parasitas. Bruce Botnick
lembra a noite em que uma rapariga gorda passou pela cabina
de música com o vestido levantado acima da cintura, sem
cuecas, e toda a gente lhe quis dar umas cuecas.
Depois veio a noite em que John deitou ao chão os
spicks da bateria e saiu. Já o tinha feito uma vez quando Jim
estava demasiado bêbedo para cantar na festa de boas-vindas
da Universidade de Michigam. Mas agora havia uma decisão.
«É isso!» John falou depressa. «Já chega, mais não, desisto!
Agora já chega, desisto!» E foi-se embora.
Ray e Robby olharam um para o outro e depois para
Jim, que estava caído no chão do estúdio, deitado numa mancha de urina. Ray levantou-
se devagar e dirigiu-se para a sala
de controlo. Encolheu os grandes ombros e disse, «Não sei...»
No dia seguinte voltou-se ao trabalho como de costume, com
todos os quatro Doors presentes.
Discretamente, John, Robby e Ray começaram a indagar
aqui e ali sobre quem pudesse ser contratado para exercer
um pequeno controlo amigável. Paul Rothchild sugeriu Bobby
Neuwirth, um amigo que vivia então em Nova Iorque. Os
Doors disseram que sim, que tinham ouvido falar dele. «Não
era o manager de Dylan?»
«Mais do que isso», disse Paul. Neuwirth era um catalizador, um criador de cenários,
senhor de uma personalidade
serena e confiante para além do seu ar feliz. Conhecia também
toda a gente que era bom conhecer - «Quem é que queres
conhecer - Brando?» Joan Baez disse que Neuwirth foi a
inspiração de Dylan para a música Like a Rolling Stone. «E»,
disse Rothchild aos três Doors, «ele consegue influenciar Jim
Morrison para sempre. Consegue entretê-lo e lidar com ele
intelectualmente, aldrabá-lo, beber mais, correr mais depressa,
dormir menos e tê-lo no espectáculo a horas.»
Os três disseram a Paul que estavam de acordo e Paul
telefonou a Jac Holzman, em Nova Iorque, para informar que
a situação se tinha deteriorado de maneira tão chocante que
não tinham a certeza de poder ser gravado um terceiro álbum,
a não ser que alguém fizesse alguma coisa a respeito de Jim.
Jac disse que a Elektra pagaria metade do salário de Neuwirth.
Por Neuwirth ser o que ele próprio chama um «artista
vadio», tinha conhecido Jim em Nova Iorque, não eram, pois,
estranhos. Mas para o seu papel parecer natural, Paul trouxe-o consigo quando se
juntaram aos Doors numa tournée
168
em Março. Segundo um plano estabelecido, Bobby começaria
a fazer um filme dos Doors - um documentário miniatura
que podia ser utilizado para promoção de um dos futuros
singles, muito semelhante ao filme feito para «Break On
Through» e «The Unknown Soldier».
Claro que Jim sabia o que se estava a passar. «Não se diga
que os Doors fizeram aquilo nas costas dele», diz Neuwirth,
«porque nunca ninguém fez nada por detrás das costas daquele
tipo, pá, porque quem o conhecesse bem, sabe que ele não
era assim tão parvo. Ele apercebia-se das coisas - imediatamente. Era suposto eu ser
uma espécie de director não dirigente, entendes? Mas não foi assim que as coisas se
passaram.
O tipo percebia qualquer movimento que se fizesse.» Então, diz
Neuwirth, estabeleceram um relacionamento confortável. Primeiro, tentou ensinar Jim a
tocar guitarra, mas Jim disse que
não, que demoraria muito tempo. Depois, limitaram-se a fazer
o que Bobby sabia: enfrascarem-se.
«Não foi de maneira nenhuma desagradável, pá. Potencialmente chato, porque gosto
também de cerveja gelada,
pá... e tequilha. Porque vejamos, não havia maneira de convencer Jim a parar de
beber. Acabava-se sempre a tomar uma
bebida com ele.»
Jac Holzman visitou uma das sessões de gravação pouco
tempo depois de Neuwirth ser contratado e foi conspirativamente levado para uma
cabina de música. «Tenho que te
pedir um favor», disse Robby.
«Com certeza, Robby.»
Robby disse a Jac que queriam um adiantamento sobre
os direitos de autor que tinham ganho, mas que só deveriam
ser pagos alguns meses depois.
«Quanto é que precisas?»
«Não sei, queremo-nos descartar do nosso contrato com
Sal e Ash.»
Os Doors tinham vindo a discutir essa jogada durante
meses. Dann e Bonafede tinham-lhes arranjado um bom
agente e uma firma de publicidade eficiente, mas tentaram
também dissolver o grupo, incitando Jim a continuar sozinho
e abasteciam Jim com demasiado álcool. Então, falaram com
o pai de Robby e depois com o advogado, Max Fink.
Jac Holzman nunca tinha gostado dos managers dos Doors
porque pensava que eles tinham provocado uma distância
entre ele e o grupo ao insistirem que os rapazes mudassem
de números de telefone e mantivessem os novos números fora
do conhecimento das pessoas da Elektra. Então, avançou com
prazer aos Doors 250 000 dólares, uma parcela do já assegurado
169
pelas vendas de discos. Dann e Bonafede afastaram-se
por um quinto disso.
Os Doors decidiram pedir ao antigo manager, Bill Siddons,
que assumisse o cargo. Tinha-os deixado no primeiro dia do
ano para voltar à escola, e fugir do serviço militar, mas com
os 1500 dólares por mês que os Doors lhe prometeram
- mais do que com uma percentagem - calculou que podia
permitir-se deixar o adiamento de estudante e contratar um
bom advogado (que mais tarde também conseguiu uma isenção
a Robby). Bill, com apenas dezanove anos, era um cidadão
canadiano com estatuto de residente estrangeiro, mas era o
perfeito californiano do Sul. Um indivíduo alto, loiro e com
bom aspecto, obcecado por pranchas de surf, motas, droga e
raparigas bonitas.
Não era invulgar naqueles dias para alguém com a mocidade e a ingenuidade de Bill,
tornar-se manager bem sucedido
de uma banda de rock. As bandas pediam muitas vezes ajuda
aos Roadies quando tinham problemas. Além disso, era compreensível que os Doors
estivessem actualmente a governar-se
a si próprios, tomando todas as decisões criativas enquanto
Bill dirigia o escritório e servia como ligação entre eles e o
advogado, o agente, o contabilista e os publicistas.
A disposição e o comportamento de Jim melhorou e uma
série de quatro espectáculos no novo Fillmore East, em Nova
Iorque, fez esquecer todos os outros de memória recente. Bill
Graham opôs-se fortemente a mostrar o violento filme impressionista que os Doors
tinham feito para o «The Unknown
Soldier» - nele, Jim era atado a um poste na praia de Venice,
alvejado, e corria-lhe sangue da boca - mas finalmente concordou.
Os adolescentes, agora em completa florescência, aceitaram aquele Morrison de figura
negra e branca, como personagem não inferior a Deus. No Crawdaddy, o escritor Kris
Weintraub assim descreveu Jim no Verão de 1968:
«Ele avançou para o microfone, agarrou a parte
superior com a mão direita e o suporte com as pontas
dos dedos da mão esquerda, e olhou para cima de maneira
a luz lhe apanhar a cara. O Mundo começava naquele
momento. Não existe outra cara como aquela no Mundo.
É tão bela e nem sequer bela em termos vulgares. Penso
que é por se poder dizer que ele é Deus, quando o olhamos. Quando se oferece para
morrer na cruz por nós,
está bem porque ele é Cristo.»
170
Outro, um escritor mais calmo, lembrou para a mesma
revista:
«Depois da sua morte simbólica, toda a gente celebra
furiosamente, enquanto Morrison canta de maneira histérica na gravação: "Está tudo
acabado, querida! A guerra
acabou!" Quando o filme passou no Fillmore East, a
jovem assistência, cheia de frustração pacifista, entrou em
pandemónio "A guerra acabou", gritavam os adolescentes
nas coxias. "Os Doors acabaram a puta da guerra!"
A pequena encenação dos Doors tinha agarrado a audiência. Jimmy e os rapazes tinham-
no conseguido outra vez.»
Quando o Unknown Soldier entrou para as tabelas de
vendas, ocorreu outra crise. Deu-se em Los Angeles quando
os Doors regressavam ao estúdio. Ray aproximou-se do
manager de equipamento do grupo há quatro meses, Vince
Treanor, e pediu-lhe algum troco para a máquina de coca-cola.
«Falando de mudança», disse Vince, «não achas que é
altura de arranjarem um novo managerl» Estava, claro, a
recomendar-se a si próprio. Ray estava espantado.
Era opinião de Vince que Bill estava a prejudicar grandemente o grupo e mostrou-o aos
quatro Doors individualmente. Depois, os quatro Doors e Poul Rothchild foram para
a sala de controlo e algum tempo depois Bill juntou-se a eles,
passando silenciosamente por Vince e fazendo pouco mais
do que um aceno de cabeça. Os Doors decidiram continuar
com Bill. Concordavam que Vince era um génio electrónico
(uma noite, numa situação de emergência, ele tinha desmontado, reparado e montado o
amplificador da guitarra de Robby
num palco escuro). Além disso, concordavam que seria impossível encontrar alguém mais
leal aos Doors do que o melancólico construtor de órgãos de Massachussetts. Mas
sentiam
que não tinha a personalidade certa. Tinha mau feitio e era
um desses verdadeiros excêntricos cujo estilo mantinha muita
gente à distância. Na mesma altura, decidiram promover e dar
um aumento a Vince, passando-o de manager de equipamento
a road manager (*), de 400 dólares a 500 dólares por mês,
mais 100 dólares por actuação.
Passada esta pequena tensão, os Doors dirigiram mais
uma vez a sua atenção para outra preocupação maior, a
ultimação do terceiro álbum.
(*) Road manager, director de tournée. (N. do T.)
171
As coisas não corriam bem. Uma longa composição chamada Celebration of the Lizard
tinha sido retirada, excepto
um pequeno excerto que aparecia como «Not to touch the
Earth». Jim pegou nas primeiras linhas da música - «Not to
touch the earth / Not to see the sun» - do índice do The
Golden Bough. «Lizard» na sua forma bruta demorava vinte
e quatro minutos e a sua saída - depois de muitas horas no
estúdio - deixou metade do álbum desprogramado.
Então os Doors mergulharam no pouco que restava do
reportório inicial e gravaram músicas que Jim tinha escrito
em Venice, incluindo aquela que viria a ser o seu próximo
grande êxito, Hello, I Love You, desenterrada do disco de
demonstração original pelo jovem filho de Jac Holzman,
Adam. Foram criados no estúdio arranjos para outras músicas,
o que consumiu um tempo dispendioso de gravação. Para uma,
My Wild Love, os Doors desistiram da música e transformaram-na numa Work Song (1),
juntando todos os presentes, incluindo Mark James, o jovem filho de Billy, para
baterem as
palmas, baterem os pés e cantarem em uníssono.
Mais tempo ainda foi consumido pelo profeccionismo de
Paul Rothchild. Quase todas as músicas do álbum requeriam
pelo menos vinte takes (2) - mesmo admitindo que, uma quantidade das falhadas eram
culpa de Jim - enquanto The Unknown Soldier, gravado em duas partes, requereu um
total
de 130 começos. O álbum foi finalmente acabado em Maio.
Jim atravessou-o com determinação, mas mostrava cada
vez mais a sua frustração e aborrecimento ao negligenciar a
sua música e dedicar o seu tempo a um número crescente
de actividades não musicais. Uma destas era o cinema.
Quando o director francês Jean-Luc-Godard apareceu
para a estreia americana de La Chinoise na Universidade da
Califórnia do Sul, Jim sentou-se num lugar na fila da frente.
O seu amigo romancista Bob Gover estava a escrever um
guião e falaram em envolver Jim. Joan Didion, que escreveu
um trabalho lisonjeiro sobre Jim para o Saturday Evening
Post, e o seu marido, escritor, John Gregory Dunne, adquiriram os direitos para um
filme de um livro chamado Needle
Park e queriam Jim e o seu amigo Tom Baker para os papéis
principais. E o pequeno documentário a preto e branco de
Bobby Neuwirth, Not to touch the Earth, foi montado como
uma espécie de protótipo para outros filmes de promoção
produzidos pelos Doors.
(1) Work Song, canção de trabalho de tradição negra. (N. do T.)
(2) Takes, tentativas, versões.
172
«A ideia era», diz Bobby, «os Doors nunca terem de fazer
o Dick Clark Show, ou alguns dos outros espectáculos. Mandariam simplesmente o último
filme. Dessa maneira ninguém
teria que deslocar amplificadores, e ninguém teria que estar
sóbrio.»
O filme de Bobby nunca foi utilizado. Os Doors decidiram não permitir a exibição do
filme Not to touch the Earth
como single e Bobby deixou a equipa.
Com a partida de Bobby veio a decisão de fazer um
documentário de longa metragem. Os quatro Doors concordaram evidentemente em
partilhar o custo; todos acreditaram
que o filme seria um investimento com um grande lucro potencial - se ele fosse
autorizado para exibição e se fosse tão
popular como, digamos, o filme de Dylan Dorit Look Back,
podiam ter um grande lucro. Mesmo uma venda à televisão
seria mais que suficiente. De qualquer das maneiras, esperava-se que o filme
realçasse o Status criativo do grupo enquanto
promovia a respectiva fortuna. Em 1968, o cinema era coisa
facilmente aceitável para os interesses das bandas de rock, e os
Doors estiveram entre os primeiros a ficarem interessados.
Gastaram-se vinte mil dólares em máquinas fotográficas,
luzes, gravadores e material de montagem, e foram contratados três «empregados» em
tempo inteiro. Dois eram antigos
colegas da Escola de Cinema de Jim e Ray. O primeiro era
Paul Ferrara, um rapaz tranquilo de bom aspecto que acompanhando a cena inicial de
Venice e fazia agora em fotografia.
O segundo era Frank Lisciandro, um estudante afável e um
tanto excêntrico que, com a sua mulher Kathy (mais tarde
secretária dos Doors) servira durante dois anos no «Peace
Corps» em África. O terceiro era Babe Hill, um dos velhos
amigos de liceu de Paul Ferrara, vindo dos subúrbios planos
de Inglewood, onde tinha casado e tido dois filhos.
Durante os três meses seguintes estes três homens seguiram os Doors por toda a
Califórnia do Sul - desde a Disneylândia até Catalina - e depois por toda a América,
para os
capturar no trabalho e na diversão. Como toda a gente que
entrava na órbita dos Doors, todos os três foram arrastados
pela força da personalidade de Jim, e também da extensão
da sua generosidade. Na devida altura tornaram-se os seus
melhores amigos, especialmente o infantil Babe, cuja aceitação
aberta e pronta para tudo e todos fascinou Jim. «Não sei se
esse tipo é estúpido ou um génio, mas ele sabe com certeza
ter graça», disse uma vez Jim.
Simultaneamente, Jim estava outra vez a trabalhar muito
na sua poesia. Embora os outros Doors considerassem Celebration of the Lizard uma
espécie de albatroz em volta dos
173
seus pescoços antes de ser finalmente posto de parte do terceiro álbum, Jim estava
contente com a letra, e encarava a
peça como um «puro drama». Retomava muitos dos seus
temas favoritos, incluindo prisão, insanidade, sonhos e morte.
(Infelizmente, apenas dois dos 133 versos do poema seriam
recordados: «I am the Lizard King / I can do anything.»)
Também sentia prazer em desenterrar alguns dos seus primeiros textos da UCLA para a
revista Eye - um ensaio disseminado sobre a visão que era poético e compreensivo, mas
tão
esotérico que os editores se sentiram impelidos a acrescentar
um grande número de notas para explicar as suas referências
misteriosas.
Pamela deu a Jim uma sacola de pele trabalhada para
levar os poemas por ele tão cuidadosa e laboriosamente dactilografados e arranjou um
encontro com o poeta de São
Francisco, Michael McClure (*) Jim afirmara que queria ver
a nova e controversa peça de McClure, The Beard, e Pamela
telefonou a um dos velhos amigos da sua irmã, que era agente
literário de McClure. Este conseguiu-lhe bilhetes para a produção de Los Angeles e
depois disso Jim encontrou-se com
o poeta da geração beat que tinha sido um dos seus heróis
de liceu. O encontro foi uma decepção para ambos. Michael
McClure não tinha lido qualquer poesia de Jim e a timidez
de Jim levou-o a ficar completamente bêbedo. Mas Jim afastou-se deste encontro
desvanecido. Um agente, Michael Hamilburg, disse que queria ler a poesia de Jim e
concordou que
tinha que ser negociada sem referência à imagem de Jim
como uma estrela de rock.
Entretanto, o aborrecimento de Jim em relação ao estrelato do rock começou a crescer.
Originalmente, ele e Ray
tinham concebido os Doors como uma fusão inteligente e
volátil de teatro, poesia e música bem executada e exploratória. Era óbvio para Jim
que este conceito estava a desvanecer-se entre a sua audiência, em grande parte
arrastada pelo
sensacionalismo do ídolo sexual na moda.
Começou então a mostrar desprezo e virou-se contra os
seus fãs. Tinha cuspido para eles durante meses (ou para a
imagem que dele os fãs tinham) e embebedava-se tanto que
as actuações muitas vezes se ressentiam. No Verão de 1968,
Jim tornou-se ruidosamente insolente como forma de renegar
a admiração insensata e inconsciente que lhe votavam.
Era dia 10 de Maio e os Doors estavam em Chicago.
Jim passou do camarim rolante para o palco, protegido por
(*) Autor do posfácio deste livro, e um dos maiores poetas da chamada
Beat Generation. (N. do T.)
174
uma falange de polícias de Chicago, reflectindo possivelmente
no ensaio que escreveu no Estado da Florida sobre as neuroses
sexuais das multidões. O que se seguiu foi certamente deliberado, como Jim mais tarde
reconheceu. Estava a tornar-se
moda para as bandas fazerem os seus fãs precipitarem-se sobre
o palco e ele quis ver se podia dar um passo adiante - quis
ver se podia provocar uma desordem.
Os outros Doors já estavam nos lugares, providenciando
a entrada musical obsessiva e típica dos Doors. Jim espetou
o peito, passou a mão distraidamente pelo cabelo comprido
e subiu os degraus. Deu seis grandes passos para o centro do
palco, agarrou no microfone e rosnou.
Uma erupção hitleriana com a força de quinze mil pessoas saudou-o e, em resposta,
dirigiu a banda através de todas
as músicas «inflamatórias», começando com o Unknown
Soldier. O sentimento antibélico estava a fermentar em 1968,
e esta música tinha sido virtualmente banida da representação,
assim como o filme violento feito pelos Doors para a sua
promoção na televisão, que tinha sido totalmente proibido.
Não obstante, o disco chegou ao Top 40, tornando-se uma
música de luta para atingir o que então com tanta esperança
se chamava «A Revolução».
Break On Through veio a seguir, e depois Five to One.
Quando Jim gritou «We want the world and we want it now!»
na música When the Music's Over, toda a multidão gritou
em uníssono.
Jim deu tudo por tudo neste espectáculo, usando todas
as habilidades que conhecia, caindo e saltando, contorcendo-se
numa falsa agonia, atirando-se contra o chão do palco com
tanta força que se magoava, batendo com as maracas na frente
das suas calças apertadas de pele, lançando-as depois para as
raparigas das primeiras filas, desabotoando a camisa e atirando-a fora a seguir às
maracas.
Houve dois números bisados e então Bill Siddons anunciou, «Os Doors foram-se embora,
deixaram o edifício.»
Era o mesmo género de anúncio que se fazia no final de
um concerto dos Beatles ou dos Rolling Stones.
A multidão batia o pé e chamava em conjunto: «Mais,
mais, mais, mais, mais, mais, mais...»
Alguém estava pendurado no corrimão do balcão, balançando-se em prenúncio de um
mergulho de cisne, a dezoito
pés sobre a multidão. Houve um murmúrio ondulante e um
silêncio repentino quando toda a gente no Coliseu se voltou
para ver o jovem desconhecido e este largou o corrimão, braços ao longo dos ombros
como se fossem asas.
175
A multidão afastou-se para dar lugar ao corpo, que
aterrou com uma pancada desastrada. Ninguém respirava.
Então o jovem levantou-se e quebrou o silêncio: «Wow, foi
o máximo!»
A multidão explodiu, assaltou o palco e passando por
cima deste, avançou os primeiros dez pés, foi rechaçada, depois
lançou-se noutra vaga sobre os instrumentos.
Finalmente, a equipa de concerto dos Doors e os polícias
do Mayor Daley, pontapeando e matraqueando os jovens com
cassetetes, com as baquetas abandonadas dos tambores de John
Densmore, e com o suporte do microfone de Jim, fizeram
bater em retirada os últimos fãs dos Doors. Jim Morrison
tirara a prova dos noves da sua teoria.
Para as centenas de milhares, talvez milhões, de admiradores, Jim era um rebelde bem-
vindo, um parceiro imaginativo para o sexo, o «Rei Lagarto»; romanticamente doido.
Para o americano médio era uma ameaça pública, obscena e
arrogante. Esse era o seu lado apocalíptico.
Em privado, com os seus amigos, manifestava uma inociência original, completada por
um modo de ser genuinanamente tímido e uma voz suave. Mas era, também, para seu
próprio deleite, atraído pelos extremos: «Penso que o ponto
mais alto e o mais baixo são os importantes. Todos os pontos
intermédios estão bem no meio. Quero liberdade para experimentar tudo - penso
experimentar tudo pelo menos uma
vez.» Podia ser extremamente cortês, bem educado, mesmo
erudito; porém, noutras ocasiões, podia ser grosseiro ou, como
ele preferia, «primitivo».
Mais do que tudo, Jim Morrison era carismático.
Como os seus amigos conseguia ser gentil e suave; quase
diferente. Jac Holzman diz, «Não tentaria, como regra, desagradar a alguém com alguma
coisa que dissesse. Penso que
tentava procurar uma maneira de agradar - como os japoneses que não dizem "não", pois
preferem o "sim, mas..."»
Jim reagia normalmente em entrevistas a declarações de que
discordava, dizendo «Sei o que quer dizer, mas talvez...» De
modo semelhante, mostrava uma compaixão por alguns dos
seus fãs. Em Filadélfia, por exemplo, providenciou para que
dois jovens que tinham sido enganados por amigos arranjassem um quarto no hotel para
passar a noite; em Nova Iorque,
depois de um concerto, falou calmamente com outro jovem
que tinha sido ferido. Uma vez, tirou o casaco das costas e
deu-o a um jovem que tremia de frio, apanhado numa esquina
de rua durante uma trovoada. Jac diz que «muito do comportamento de Jim mostrava mais
do que ele gostaria que as
176
pessoas suspeitassem»; tinha modos excelentes quando queria
e era um conversador notável.
Podia ser também incrivelmente compassivo. Essa faceta
envolveu um jovem para quem Jim era tanto o herói como
a figura do irmão mais velho, sendo este último, em particular, um papel de que Jim
parecia gostar. Danny Sullivan
tinha conhecido os Doors através de um dos Roadies e tinha
ficado tão conquistado depois de os ter visto em concerto,
que conseguiu abrir caminho até aos escritórios dos Doors em
West Hollywood. Talvez por ter apenas treze anos, e por ser
pequeno, ninguém se incomodou em detê-lo. Não foi preciso
muito para toda a gente na família dos Doors saber quem ele
era. Também não tardou que Bill Siddons decidisse que ele
andava a rondar demais, interferindo nas normas do escritório.
Quando Siddons disse a Danny para diminuir os seus aparecimentos, Danny ficou
despedaçado. Mas então Jim tornou
a objecção de Bill sem sentido, encarregando Danny do correio dos fãs, que nesta
altura estava a chegar às resmas.
Danny recebia dez cêntimos por cada carta que respondia.
Jim não considerava os seus fãs despreocupadamente, e
acreditava verdadeiramente que Danny controlasse o trabalho
com sensibilidade, diferentemente do serviço comercial a que
os Doors se tinham habituado. Assim, Danny aumentou as
suas visitas ao escritório, livrando-se da escola para estar perto
das pessoas por quem se sentia mais atraído.
Uma quinta-feira à tarde, algumas semanas depois, Jim
perguntou sem cerimónias a Danny porque razão usava o
cabelo tão curto. Danny disse a Jim que os seus pais o obrigavam a cortá-lo.
«Eles obrigam-te?» Jim franziu as sobrancelhas. «Bem,
agora não te obrigam a cortar mais.»
«Porque não?»
«Porque eu disse», declarou Jim. «Porque não os deixo.
Daqui em diante não tens que fazer nada que não queiras.
Não tens que cortar o teu cabelo quando não queres, percebeste?» Jim empurrou o dedo
contra o peito de Danny. Jim
sabia que a sua atenção fazia toda a diferença do Mundo a
Danny. «Para a próxima vez que eles discutam contigo, diz-me,
e eu te direi como lidar com eles.»
A sua forte mania de beber continuava a crescer. Como
acontecia com outros aspectos do seu comportamento, não
podia ser detida. Além disso, muitos concluíam, era Jim quem
no grupo suportava maior tensão, e então estava autorizado
a beber se precisasse ou quisesse. De facto, Jim estava numa
posição de fazer tudo quanto queria e fazia-o mesmo que
177
isso desagradasse os que o rodeavam. Não era intencional,
mas era autodestrutivo.
Estava a ficar flácido, inchado. O cabelo já mostrava
alguns fios cinzentos. Um pequeno rolo de carne caía agora
sobre a cintura das calças de pele curtas e começou a pôr as
camisas por fora das calças para o esconder. Quando um fã
que encontrou na rua lhe disse que estava a ficar gordo, inscreveu-se no Centro de
Saúde de Beverly Hilks, inscrição
que logo ignorou.
Pior, Paul Rothchild disse-lhe que estava a perder a voz.
Paul nunca se tinha convencido que Jim era um grande cantor, embora dissesse algumas
vezes que ele era o «primeiro
verdadeiro cantor a aparecer desde Frank Sinatra». Mas Jim
«não tinha o tipo de cantor. Pensava mais em termos teatrais
do que em termos vocais. E estava a devastar a voz que tinha
com álcool».
Contudo, o sucesso continuava. Nos primeiros meses de
1968, os leitores do Village Voice votaram em Jim como o
Vocalista do Ano. (Os Doors ficaram com o prémio da
Revelação do Ano, Ray Manzarek foi votado como terceiro
melhor Músico do Ano depois de Eric Clapton e Ravi Shankar,
e o primeiro álbum do grupo ficou em segundo a seguir ao
Sergeant Pepper.) Um artigo de sete páginas na revista Life
proclamou a força e aptidão literária dos Doors e relatou
a prisão de Jim em New Haven de um modo complacente.
A banda apareceu também no Who's Who in America, uma
honra rara no campo em que actuavam.
Mas, como escreveu a crítica Diana Trilling sobre Marilyn
Monroe, o destino tem sempre maneira de, mais cedo ou mais
tarde, fazer passar um mau bocado às estrelas; chama-lhe a
Lei da Compensação Negativa. Jim passou esse mau bocado
em Junho, numa reunião marcada dos Doors.
Arrumou o carro, um Shelby GT 500 Cobra (nunca guiou
senão carros americanos), no parque do bar «Topless», ao
lado do escritório dos Doors em West Hollywood. Reparou
que a sala de ensaios do andar inferior estava vazia, então
subiu devagar os degraus exteriores e abriu a porta do andar
superior.
Na primeira sala havia três ou quatro secretárias ordinárias, um sofá barato, um
fonógrafo, uma máquina de café
e uma desordem geral de cartas de fãs, revistas, jornais e
álbuns de discos. Num canto havia uma pequena casa de
banho com um chuveiro. Nas paredes do escritório estavam
os discos de ouro dos Doors, agora em número de quatro.
Jim atravessou silenciosamente em direcção à sua secretária no canto de trás, nada
dizendo aos presentes: uma secretária,
178
Bill Siddons, os outros Doors. Olhou rapidamente para
o correio de fãs mais estranho e mais interessante - posto de
lado diariamente a seu pedido - depois tirou um hambrger
frio dum saco de papel e deu uma dentada. Mastigou devagar, precisamente como falava
devagar e se movia devagar.
Passados um minuto ou dois levantou o olhar para os outros
e disse que ia partir.
«O quê?» Toda a gente se voltou.
«Eu vou - uh - partir», disse Jim.
Imediatamente toda a gente começou a falar. Por fim
fez-se silêncio e Bill perguntou «Porquê?»
«Isto não é o que eu quero fazer. Já foi em tempos, mas
já não é.»
Os Doors tinham uma política estabelecida: se nem todos
concordassem em qualquer coisa - um concerto, uma música,
fosse o que fosse - então ninguém a faria; a unanimidade
reinava. Jim tinha apenas um voto em quatro, mas não podia
ser vencido em votos.
Os outros Doors e Siddons falavam sobre o andamento
da banda nessa altura, não havia sítio onde tivessem que ir tinham o poder de fazer o
que bem entendessem.
«Isto não é o que eu quero fazer», disse Jim novamente.
Começou a manusear desajeitadamente o correio dos fãs em
frente dele, deu outra dentada de carne e bolo.
Ray deu uns passos e disse gravemente, com um certo
pânico na voz, «Mais seis meses. Vamos continuar mais seis
meses.»
Nunca é fácil sair de um comboio em andamento rápido,
por isso Jim não conseguiu levar a efeito a sua ameaça. Já de
novo os Doors estavam em ensaios para o seu concerto
mais prestigiante até essa altura, uma extravaganza a 5 de
Julho no Hollywood Bowl. Depois veio o enorme Singer
Bowl em Nova Iorque. Com uma viagem pela Europa à porta
e com o lançamento simultâneo, em Julho, do terceiro álbum
e de um novo single, ambos êxitos imediatos, foi criada uma
força suficiente para apoiar a banda durante uma década
ou mais.
Ao mesmo tempo, os Doors pareciam estar a tentar
superar-se. Para o concerto do Bowl de Hollywood contrataram mais três operadores
cinematográficos, perfazendo
cinco no total, e para o som estenderam cinquenta e dois amplificadores ao longo dos
noventa e nove pés de palco, produzindo sessenta mil watts só no PA vocal, o que era
suficiente
para levar a voz de Jim longe até às montanhas de Hollywood,
por detrás do Bowl.
179
Não houve quebras no avanço para o sucesso. Os grandes
anúncios no Bowl tinham posto os Doors a par dos Beatles,
torrnando-os os «Rolling Stones da América». A Elektra tinha
adiantado encomendas de quase meio milhão de cópias para
o novo álbum, e em dez semanas foram vendidas 750 000 cópias, elevando-o para o
primeiro posto das tabelas de vendas
de álbuns. Hello, I Lave You subiu ao primeiro lugar nas
tabelas dos singles, tornando-se a segunda venda a exceder
o milhão, nos 45 rotações do grupo.
O título do álbum foi alterado muitas vezes durante a
longa gestação de cinco meses do LP, desde American Nigths
(a primeira escolha de Jim) até The Celebration of the Lizard
(quando Jim quis a capa do disco feita numa imitação de pele
de lagarto), e finalmente Waiting for the Sun, que era o título
de uma música que foi omitida. A certa altura Jim tinha
querido recitar pequenos poemas entre as músicas, mas no
fim ficou decidido publicar o texto do poema até então impedido de se converter em
música, The Celebration of the
Lizard, no interior da capa do álbum.
Jim explicou o seu fascínio por répteis. «Não devemos
esquecer», disse, «que o lagarto e a cobra estão identificados
com o inconsciente e com as forças do mal. Existe algo
profundo na memória humana que responde fortemente a
cobras. Mesmo se nunca se viu nenhuma. Penso que uma
cobra encarna tudo o que tememos.» O seu longo poema,
disse, era «uma espécie de convite às forças obscuras», mas
a imagem do «Rei Lagarto» que projectava não o era. «Está
tudo dito em interpretação grosseira», insistiu. «Penso que as
pessoas não vêem isso. Não é para ser tomado a sério. É como
se representasse o papel de mau num Western, o que não
significa que seja mau. É apenas um aspecto que se mantém
para o espectáculo. Realmente não levo isso a sério. É suposto
ser irónico.»
Os Doors puseram-se de novo a caminho, movimentando-se em Julho do Bowl de Hollywood
para Dálias e Houston,
para Honolulu, e depois para Nova Iorque. O maior e mais
memorável destes concertos realizou-se a 2 de Agosto no
Singer Bowl nos terrenos da antiga Feira Mundial em Nova
Iorque. Bill Graham tinha querido que os Doors fizessem uma
época de regresso no Fillmore East, mas o local ao ar livre
em Queens era cinco vezes maior e oferecia-lhes um programa
com os Who, a banda inglesa que tinha acabado de anunciar
os planos de fazer uma ópera rock. Os Doors estavam confiantes numa noite artística e
excitante.
«Morrison Morrison Morrison Morrison...»
180
Jim deixou a limusina preta, e a sua equipe de documentação fotográfica bombardeava-
o, alternadamente pela frente
e seguindo na esteira do andar jingão e das peles que o
cobriam. A sua atitude era de relaxe à medida que se movimentava devagar através de
uma grande aglomeração de
raparigas; depois entrou na área dos bastidores, onde foi
oculto num cordão de polícias de Nova Iorque.
«Morrison Morrison Morrison...»
O seu nome era um mantra que a audiência entoava
através dos campos da feira. A sua expressão era solene ao
subir os degraus para o palco. Os polícias tomaram posições
defronte do palco e os operadores cinematográficos (Paul e
Babe) treparam para o palco atrás dele. À excepção dos
botões dos amplificadores e do brilho do incenso a queimar
sobre o órgão de Ray, o palco estava na escuridão.
«Morrison Morrison Morrison...»
Os outros Doors estavam a tocar a introdução a Back
Door Man. Jim chegou ao microfone, surgiu um holofote,
a audiência explodiu, e Jim encheu o Mundo com um grito
longo e perfurante. Durante um momento permaneceu imóvel, depois atirou-se para o
chão, contorcendo-se e dando
pontapés.
Durante a hora que se seguiu, Jim foi uma visão em
camisa de soldado mexicano e coiro preto, rodopiando numa
bota, sucumbindo numa dor primitiva, levantando-se de novo,
apertando os braços pendidos à frente contra as partes com
as mãos em forma de concha, saltando para a frente, olhos
fechados, lábios enrugados em êxtase. Os jovens na audiência
começaram a chegar ao palco como percevejos a esmagarem-se contra a grade de um
radiador. Os polícias foram
forçados a subir para o palco onde formaram uma parede,
de camisas azuis de mangas curtas e calças azuis-escuras,
entre os Doors e a audiência delirante.
Ninguém conseguia ver Jim. Contorcia-se de lado, mãos
entre as coxas. A música martelava.
Jovens começaram a trepar pelas costas de outros jovens,
conseguindo segurar-se ao palco, apenas para serem agarrados
pelos polícias e literalmente repelidos para a escuridão.
Centenas de cadeiras portáteis de madeira foram lançadas
com violência para os polícias. Centenas de jovens sangravam.
O concerto terminou bruscamente e essa foi a segunda
desordem. Numa época em que as «desordens» no rock estavam a adquirir uma elegância
underground - e apareciam nos
títulos dos jornais - a reputação do grupo era realçada. Essa
tendência ainda crescia em Agosto. Hello, I Love You era
o número um do país pela quarta semana consecutiva. Os
181
Doors surgiam de novo na Vogue, num artigo sobre o teatro
rock. Os críticos da revista New York e Los Angeles Times
consideraram o terceiro álbum, o melhor da banda até então.
E a Europa estava ainda para vir.
Hello, 1 Love You foi o primeiro grande êxito dos Doors
na Europa e preparou a infra-estrutura para uma viagem
explosiva de três semanas. A música hipnótica estava já no
topo das tabelas britânicas quando a banda aterrou em Londres. Reuniram-se no
aeroporto centenas de fãs e uma equipa
de televisão da Granada, que filmou não só a passagem pela
alfândega mas também o primeiro dos quatro concertos na
Roundhouse.
A Europa estava pronta para os Doors e os Doors sabiam-no. A Roundhouse era um teatro
íntimo com apenas
dois mil e quinhentos lugares. Era mais pequeno do que os
pontos de encontro a que os Doors se tinham habituado.
Quatro espectáculos em duas noites foi o registo, dez mil
bilhetes no Natal, rapidamente esgotados. Milhares de pessoas
moviam-se fora dos portões, esperando pelo menos ouvir o
excitamento a gerar-se no interior. O disco-Jockeyey John Peel
disse na sua coluna Melody Maker, «Os ingleses abraçaram
tão calorosamente como a América o fez aos nossos Beatles.»
Os espectáculos de Roundhouse foram de um sucesso
inqualificável. As audiências regozijaram-se e a banda estava
no seu melhor. Na intimidade do pequeno auditório, a faceta
cénica de Jim surgiu mais selvagem do que nunca. Em cada
espectáculo a audiência pedia bis. A imprensa britânica esqueceu praticamente o outro
grupo do programa, os Jefferson
Airplane, dedicando quase toda a sua cobertura aos Reis do
Rock Ácido da América. Os felizardos dez mil que viram o
espectáculo passaram a palavra àqueles que não viram. Granada forneceria a peça
perdida aos ausentes. A reputação dos
Doors atingiu proporções lendárias depois de terem estado
na cidade apenas uma semana.
Morrison tinha-se encontrado com a Inglaterra e era evidente que os ianques tinham
ganho. Seguiu-se Copenhaga,
Frankfurt e depois Amesterdão.
O primeiro verdadeiro problema durante a viagem surgiu
em Amesterdão. Em Frankfurt, tinham oferecido a Jim um
bocado de haxixe com cerca de metade do tamanho do seu
dedo polegar, e quando os Doors desceram do avião no dia
seguinte em Amesterdão e se aproximaram da alfândega,
Bill Siddons perguntou, «Alguém tem alguma coisa?»
Jim disse «Sim tenho este hash.» Todos os outros estavam limpos.
182
Então Jim mastigou-o e engoliu-o.
Jim tinha tomado várias bebidas no avião e num almoço
em Amesterdão com os promotores do espectáculo bebeu
mais algumas, e depois partiu para explorar o famoso bairro
vermelho da cidade.
Siddons voltou-se para um dos Roadies. «Vai com Jim e
faz com que ele chegue ao espectáculo a horas.»
Jim continuou a beber durante a tarde e princípio da
noite, e quando um fã lhe deu outro pedaço de haxixe, engoliu-o prontamente. Perto
das nove horas o Roadie meteu-o
num táxi.
Mais uma vez os Doors estavam associados aos Airplane,
que tocaram primeiro. Jim chegou aos bastidores, a meio do
concerto e a meio de uma música dos Airplane, apareceu
de repente no palco, tentando cantar, tentando dançar, rodopiando, saltando com modos
de bêbedo.
O que precisamente aconteceu a seguir é incerto - testemunhas discordam. Alguns dizem
que Jim desmaiou perto
dos bastidores e que foi levado. Outros argumentam que foi
ajudado e voltou para trás para o camarim dos Doors, onde
se sentou num banco dum piano em estado quase comatoso,
cabeça recostada, olhos vidrados e pálpebras cerradas, enquanto os outros discutiam
sobre o que se deveria fazer.
Foi levada uma mensagem aos Airplane para estenderem o concerto e disseram às equipes
de concerto de ambas
as bandas para demorarem o tempo que fosse preciso a desmontar o equipamento dos
Airplane e a montar o dos Doors.
Foi decidido nos bastidores que Vince Treanor anunciaria
que Jim se encontrava doente mas que os três Doors restantes queriam tocar de
qualquer maneira.
«E diz-lhes que quem quiser pode reaver imediatamente
o seu dinheiro», concluiu Bill.
De repente Jim escorregou do banco para o chão como
se tivesse sido silenciosa e instantaneamente desatado de um
laço. Bill correu para ele, tirou um pequeno espelho do bolso,
segurou-o por cima da boca e nariz de Jim, procurando a
névoa da vida.
«Para trás!», gritou a toda a gente. «Não consigo ver
se ele respira. Para trás, raios!»
Bill inclinou-se de novo sobre a figura de Jim espreitando esperançosamente para o
pequeno pedaço de vidro na
sua mão. A face de Jim tinha a cor de marfim antigo, a sua
respiração era superficial. Um médico surgiu da audiência
e depois de um rápido exame disse. «O monsiew morreu.»
Esse anúncio quebrou o encanto, e enquanto Jim foi
levado para um hospital local, a ansiedade honesta foi substituída
183
por uma fúria mal contida. Os outros Doors estavam
tão furiosos que actuaram nessa noite, com Ray a cantar,
como se tivessem sido sempre um trio.
No dia seguinte, no hospital, os poderes de recuperação
espantosos de Jim trouxeram cor às suas faces.
«Devias ter ouvido o que o médico me disse esta manhã»,
disse aos outros. «Perguntou-me como aconteceu e eu disse
que devia estar cansado e, uh, ele repreendeu-me durante
vinte minutos sobre os perigos de ser artista e fazer espectáculos. Disse que tinha
de ter cuidado com os managers vorazes que forçavam demasiado o talento.»
Bill e os outros olharam indignados para ele e Jim respondeu-lhes com um sorriso
tímido.
184
[Fotografias]
Em Miami, 1969
185
Em Miami com um «jovem amigo»
186
Miami: Jim simulando fellatio, 1969
187
[Cartaz]
TO: THE DADE COUNTY SHERIFF'S OFFICE
188
(M H 1) Miami, FL, 30 de Outubro - «Morrison Condenado» - (
cantor Jim Morrison deixa hoje o tribunal sob custódia de um oficial
da polícia, depois de ter sido condenado em 6 meses de prisão e multado em 500
dólares por actuação indecente e imoral em público. Morrison
pôde sair em liberdade, mediante uma caução de 50000 dólares, até
novo julgamento. A acusação baseia-se numa actuação ao vivo de
Morrison com os Doors, em Miami, Flórida, em 1969
189
Jim durante a entrevista à revista Rolling Stone, no começo de 1970
Mural na parede do Fórum no México - Ray sustentando-o
190
191
No México, 1970
192
CAPÍTULO 7
Pamela ficou em Londres durante a viagem pela Europa, num andar luxuoso que tinha
encontrado no bairro caro e chique de Belgravia. Nos primeiros dias ela e Jim
exploraram Londres juntos, andaram
pelo Soho, ao longo de Carnaby Street e Oxford Street, onde
Pamela comprou algumas roupas. No dia 6 de Outubro, viram
o espectáculo de televisão da Rede Granada The Doors Are
Open («As Portas Estão Abertas»), que apresentava Jim num
contexto revolucionário, intercortando o concerto da Roundhouse com um documentário
da Convenção Democrática de
Chicago e de uma recente demonstração na Embaixada americana em Londres. Era óbvio,
mas Jim achou que os Doors
tinham-se saído de qualquer maneira bastante bem.
Uma semana mais tarde, juntou-se-lhes o poeta Michael
McClure, que tinha vindo a Londres para se encontrar com
um produtor de cinema americano que estava no exílio, Elliot
Kastner, que queria que Jim representasse o papel de Billy
teh Kid numa adaptação da peça de Michael, The Beard.
Jim e Michael ultrapassaram rapidamente a falta de à-vontade de ambos e em vários
dias de bebedeira de conversa em
Londres cimentaram a sua amizade. Para Jim, Michael e
Pamela, ficar bêbedo era um imperativo de rica tradição
poética, por isso logo se tornaram obstinados na primeira
noite em tentar alugar um táxi que os guiasse durante oito
horas para Norte, para a região inglesa dos Lagos, pátria de
Lamb, Scott, Woodsworth e Coleridge. Foram sistematicamente impedidos pelo mesmo
polícia da vizinhança, que ameaçou prendê-los às 4 horas da manhã se se atrevessem a
sair de
novo do apartamento.
193
De manhã Michael acordou com uma ressaca «tão má
que parecia uma "trip" de mescalina» e indolentemente começou a ler alguma da poesia
de Jim que encontrou em cima da
mesa. Tinha ouvido falar dos poemas de Jim mas nunca
tinha lido nenhum deles anteriormente e ficou «tremendamente impressionado». Tinha já
começado a pensar em Jim
como a personificação humana do Alastor de Shelley, um
andrógino meio-fantasma, meio-homem que vivia nos bosques
e que adorava a beleza intelectual, e os poemas que leu antes
do pequeno-almoço -muitos deles apareceram mais tarde
na obra The New Creatures- nada fizeram para mudar a
sua opinião.
Quando Jim apareceu para o pequeno-almoço, Michael
disse-lhe que pensava que os poemas deviam ser publicados.
O aborrecimento de Jim por Pamela ter deixado os poemas
tão a descoberto em cima da mesa foi dissipado pelo grande
elogio do poeta. Perguntou a Michael o que ele pensava
sobre a publicação da poesia em circulação restrita.
«Disse-lhe que pensava que se fosse feita por uma razão
muito boa, não era o mesmo que a simples vaidade de publicar», diz McClure. «Jim não
queria aceitação para a sua
poesia por ser Jim Morrison, a estrela do rock. Queria manter a poesia separada
disso. Disse-lhe que Shelley tinha publicado o seu próprio trabalho marginalmente e
que pensava
que o mesmo tinha acontecido com o primeiro trabalho de
Lorca. Eu próprio publiquei um livro meu particularmente.»
A conversa sobre poesia continuou acompanhada de bebidas durante dois ou três dias.
Jim disse que tinha dedicado
os poemas a Pamela, porque ela era a sua crítica. «Ela lê-os
e retira todos os "foda-se" e "merdas"», disse Jim sorrindo ironicamente.
Michael olhou para ele e disse, «a mulher de Mark
Twain também fez isso».
Michael folheou alguns dos seus poemas e comentou.
«Conheces o poema de William Carlos William The Red Weelbarrow'? É um dos grandes
poemas objectivistas e tem semelhanças com o teu poema Ensenada. Lembra-me o The Red
Weelbarrow' pelo seu concretismo e extensão, embora seja
impressionista na técnica. Movimenta-se no espaço como o
cinema, como um filme.»
Durante a primeira semana de regresso a Los Angeles
Jim visitou o escritório do agente literário de Michael, Mike
Hamilburg. Levava consigo quarenta e duas páginas de poesia,
acompanhados por vinte fotografias que tinha tirado numa
viagem ao México. Ou seja, a obra The New Creatures. Levava também com ele um longo
poema chamado Dry Water.
194
O agente mostrou-se grandemente entusiasmado com o material
e concordou que a imagem de Jim como estrela do rock deveria
ser dissimulada. No final de Outubro The New Creatures
estava na secretária de um editor na Random House, em
Nova Iorque, e Jim fazia planos para publicar o livro marginalmente, em Los Angeles.
Ao mesmo tempo havia crise quanto ao documentário.
Tinham sido nele gastos quase 30 000 dólares e todos, excepto
Jim, queriam abandonar o projecto. Como as coisas estavam,
a montagem estava longe de estar completa e nenhuma das
sequências de ficção tinha sido filmada. Chegaram a um
acordo. Foram estabelecidos planos para mais filmagens, Paul
Ferrara e Frank Lisciandro concordaram em trabalhar sem
salário, e os Doors concordaram em subir os 3000 dólares
previstos para os 4000 dólares necessários para completar a
montagem. Esperavam vender o filme já acabado para a televisão.
Nos últimos dias de Outubro, Jim encafuou-se na sala
de montagem, um cubículo por detrás da sala de ensaio nos
escritórios dos Doors. Para onde quer que olhasse havia caixas e caixas de película e
num quadro de avisos estavam afixadas sugestões para um título, sendo a maioria
letras de Jim.
Mute Nostril Agony Q) era a favorita de John Densmore, mas
foi uma das recomendações de Ray que foi finalmente seleccionada: Feast of Friends
(«Festim de amigos») de When the
Music's Over. Jim sentou-se à moviola, fez alguns cortes
sugeridos e apresentou uma proposta de sequência de cenas,
mas deixou todas as decisões finais a Paul e Frank. «Jim
estava convencido que o filme não fora feito em nenhum
estado particular», diz Frank, «que tinha sido feito de um
modo evolutivo, cada cena acrescentando a anterior para
realçar o produto final. Ele andava tremendamente interessado na montagem
cinematográfica.»
Foi enquanto examinava as bandas que Jim fez uma
descoberta surpreendente. Babe, Frank e Paul tinham sido
alertados antes do concerto do Singer Bowl em Nova Iorque
no sentido de gravarem a violência da actuação, as contorções de Jim no palco em
agonia simulada, a polícia a segurar
os jovens e atirá-los de regresso à plateia apenas a alguns pés
dele. «A primeira vez que vi o filme fiquei um pouco perplexo», disse Jim mais tarde,
«porque estando no palco e
sendo uma das figuras centrais no filme, apenas presenciara
as coisas sob o meu ponto de vista. Depois ver uma série de
acontecimentos e pensar ter algum controlo sobre elas... vê-las
(‘ Ânsia das Ventas Mudas, retirado de Horse Latitudes. (N. do T.)
195
como verdadeiramente se passaram... realizei de repente
que era, de certo modo, apenas um fantoche de uma quantidade de forças que só
vagamente compreendida.»
Apesar da «perplexidade» de Jim com certeza se relacionar com o caos e violência que
inspirou, no dia 1 de Novembro, os Doors começaram a viagem mais amotinada da
sua carreira, contratando quatro dos maiores guarda-costas
disponíveis na Agência de Detectives Parker, uma organização de negros de enorme
estatura, pesando cada um pelo
menos 250 libras (*) e com licença de porte de arma.
Os concertos em Milwaukee e Columbus no dia 1 e dia 2
foram vulgares. A única diferença digna de nota, foi que Jim
cantou mais material blues e menos canções originais do que
nalguns concertos na Europa. Mas nos oito dias que se seguiram deram-se injúrias,
desordens e prisões em Chicago, Cleveland, St. Louis e Phoenix.
O título de primeira página de Phoenix Gazette dizia,
«Quase revolta estoura no Coliseum», e por baixo o artigo
declarava, «A Feira do Estado que se realizou na noite passada
no Coliseum converteu-se numa guerra entre jovens e polícias.
Os Doors são considerados culpados, possivelmente o grupo
mais controverso do Mundo. O cantor principal, Jim Morrison, apareceu com roupas
esfarrapadas e comportou-se hostilmente. A multidão consumiu as excentricidades de
Morrison que incluiu o lançamento de objectos do palco para a audiência, insultos e
gestos grosseiros.» Houve perto de vinte
prisões.
Quando lhe perguntaram como se sentia em situações
de violência numa sala de concerto, as respostas de Jim eram
ambíguas. «Apenas um grande divertimento... uma boa brincadeira», disse a um
escritor. «Divertimo-nos, os miúdos divertem-se, os polícias divertem-se. Ê uma
espécie de triângulo fantástico. Mas tem que se encará-lo de uma maneira lógica. Se
não existissem polícias lá, alguém tentaria subir
para o palco? Porque o que é que eles vão fazer quando lá
chegarem? Quando chegam ao palco, ficam muito calmos.
Não vão fazer nada. O único incentivo para assaltarem o
palco é porque existe uma barreira. Acredito firmemente
nisso. Não obstante, é interessante, porque os jovens têm uma
oportunidade de testar os polícias. Hoje vêem-se polícias, com
as suas armas uniformes, e toda a gente está curiosa em
saber o que exactamente se passaria se os desafiassem. Penso
que é uma boa coisa, porque dá aos jovens uma oportunidade
para testar a autoridade.»
(*) Cerca de 115 quilos. (N. do T.)
196
Disse noutra entrevista, «Tentei estimular algumas pequenas desordens, sabe, e depois
de algumas tentativas, compreendi que era um grande engano. Depressa chegou a um
ponto em que as pessoas pensavam que um concerto só era
bem sucedido quando toda a gente se levantasse de repente
e corresse um bocado. É um engano porque não leva a nada.
Penso que seria melhor fazer um concerto e manter toda
aquela sensação submersa do modo que quando as pessoas
se fossem embora, levariam com elas aquela energia para as
ruas e para casa.»
Nesta altura, o público tinha-se tornado ciente daquilo
que se deveria esperar de um concerto dos Doors: desordem
e transcendência. Na ausência disso, conseguiam pelo menos
ver o Rei Lagarto a comportar-se de uma maneira como mais
ninguém podia, ou fazia. Cambaleava de tão drogado no
palco, gritava de tão bêbedo versos esquecidos, esforçava
tanto os amplificadores, e depois caía no palco, incapaz de es
levantar. Os Doors proporcionavam um espectáculo - um
espectáculo como jamais se tinha visto, um espectáculo excêntrico.
Os Doors trabalharam duro para merecer esses expectativas. Eram, de longe, o grupo
mais dramático no circuito,
e atraíam, quer os intelectuais underground, quer os adolescentes. Morrison era capaz
de mover ambos, para além da
simples condição de espectadores, para a arena da experiência directa e do êxtase.
Mas quanto mais Jim realizava que as letras e a música
estavam a ser negligenciadas, mais a sua frustração explodia
no palco e fora dele. Também estava a ficar fatigado do peso
das expectativas das multidões. Nos primeiros tempos não
tinha havido esforço para transportar a audiência porque
todos iam com o espírito aberto. Agora as multidões só ficavam satisfeitas com nada
menos do que aquilo de que tinham
ouvido, aquilo que lhes tinha sido prometido. E agora como
lidar com uma situação dessas.
Os Doors tinham-se tornado maiores do que a realidade,
as suas relações com a audiência estavam a tornar-se mais
irrealistas em cada espectáculo que passava. Não só Jim se
sentia desmerecedor da adoração, como continuava crescentemente confuso sobre o que
fazer. O desprezo tinha somente
acrescentado um espectáculo suplementar à atracção principal. Talvez, que a saída
fosse a recusa em se adaptar à sua
imagem de publicidade, raciocinou ele. Não era uma solução imediata, mas talvez ele
pudesse concretizá-la a pouco
e pouco e, assim, com o decorrer do tempo, baixar as exigências
197
da audiência e eventualmente, talvez mesmo corrigir radicalmente a sua relação com
ela.
Na primeira semana de Dezembro, depois da banda ter
gravado o primeiro espectáculo para a televisão em mais de
um ano, The Smothers Brothers Show, Jim foi ao bar Troubadour, onde depois de ter
ficado demasiado bêbedo para
andar, convenceu uma das empregadas a ir com ele. A caminho do carro, a que chamava
Dama Azul, aproximaram-se
dois homossexuais.
«Oiçam, essa não é a minha "Trip"», disse bruscamente.
Eles continuaram a segui-lo até ao carro e pediram boleia.
Jim partiu rapidamente, premiu o acelerador a fundo e dirigiu-se para Doheny Drive.
Estava na faixa errada da rua e
ia com velocidade. Havia uma árvore. Houve gritos, pneus
a chiar, buzinas a tocar, e sem razão aparente o carro parou
quando chegou à curva. As portas abriram-se, os passageiros
foram atirados para o chão ilesos, e Jim embrenhou-se na
noite, com um ronco.
A empregada voltou ao Troubadour para chamar um
táxi. Jim reapareceu gritando que tinha que ir no carro com
ele. Ela recusou-se, que ele estava louco demais, disse, e Jim
acelerou, acabando a sua farra a menos de uma milha ali
onde bateu com a Dama Azul numa árvore do Sunset Boulevard. Foi transportado
inconsciente mas ileso para o quarto
do motel.
Meia hora mais tarde a empregada telefonou e ele suplicou-lhe que viesse ter com ele
imediatamente. Ela correu
para o motel e Jim começou a soluçar. «Não queria magoar
ninguém», disse, «não quero magoar ninguém.» Ela perguntou-lhe o que ele queria
dizer. Ele apenas chorava, «não quero
magoar ninguém, não quero...»
Ninguém ficou ferido e alguns dias mais tarde o carro
foi rebocado para uma garagem em Beverly Hills.
Na semana seguinte, na sexta-feira dia 13 de Dezembro,
os Doors fizeram a sua primeira apresentação na terra natal
desde o concerto no Hollywood Bowl, sendo cabeças de cartaz
no «Fórum», com dezoito mil lugares. A banda tinha estado
a gravar nessa tarde as primeiras músicas do seu quarto
álbum e Jim deixou o estúdio da Elektra algumas horas antes
de chegarem as limusinas. Caminhou um quarteirão, com
o seu irmão Andy que tinha agora dezanove anos e estava
de visita vindo de San Diego, até uma loja de bebidas onde
comprou seis garrafas de cerveja e um pinta de Vodka, bebendo
198
tudo até regressar ao parque da Elektra, partindo todas
as garrafas contra a parede à medida que as acabava.
O promotor do concerto tinha feito um excelente trabalho ao promover o espectáculo.
Imagens de televisão mostravam Jim vestido de couro com um anel brilhante em anúncios
do acontecimento durante várias noites de avanço, cartazes
que anunciavam o concerto cobriam Los Angeles desde as
comunidades da praia até West Hollywood, todas as estações
de rádio de rock na cidade murmuravam a notícia: Os Doors
estavam de volta! A arena estava repleta e as esperanças
eram muitas.
A audiência ignorou o concerto de abertura, fez barulho enquanto durou a música
popular chinesa que Ray tinha
colocado no cartaz (a introdução muda de Ray conseguiu
mais aplausos do que os números que seguiram), apupou
Jerry Lee Lewis sempre que ele tocava uma canção popular,
e quando os Doors apareceram, pediram a música Light My
Fire em todas as oportunidades que tiveram.
Alguém atirou uma mão cheia de bichas de rabear acesas
para o palco, falhando Jim por pouco. Jim aproximou-se da
borda do palco.
«Hey, malta», chamou a multidão, e a voz expandia-se
através dos trinta e dois amplificadores novos gigantes que
Vince tinha construído, «parem com essa merda.» A audiência estava pronta,
sussurrando alto. «Fechem os buracos.»
Houve uma mistura de impaciência, risos e «está bem» dispersos.
«O que é que estão a fazer aqui?» perguntou Jim. «Por
que é que vieram hoje à noite?» Não houve resposta. Isto
não era o que eles esperavam e Jim sabia-o.
«Bem, malta, podemos tocar música toda a noite, mas
não é isso que vocês realmente querem, pois não? Querem
outra coisa, mais alguma coisa, alguma coisa mais do que
vocês já viram até agora, certo?»
A audiência berrou.
«Bem, vão-se foder. Viemos para tocar música.»
O grupo arrancou para o Celebration of the Lizard.
A abertura esparsa e sinistra convida os mais irrequietos a
falarem, mas ninguém o fez. Enquanto os músicos mergulhavam no contexto da música, a
audiência estava atenta.
A actuação era impecável - as palavras eram acentuadas e
pronunciadas com um novo tipo de paixão. Jim não dançou.
Nem mesmo saltou. E não gritou uma única vez. Quando
acabou com as maracas colocou-as de novo no tambor. A música durou quase quarenta
minutos e quando acabou, a audiência sentou-se inerte. Não houve desordem...
aclamação.
199
Quase ninguém aplaudiu. A banda não dobrou ou acenou
os adeuses - deixaram silenciosamente o palco, dirigindo-se
depois para os seus camarins. E a multidão sentou-se pasmada.
Depois começou lentamente a desfilar para fora do grande
auditório em direcção à noite de Los Angeles.
Jim e Pamela foram mais tarde impedidos de entrar
na festa de imprensa porque não foram reconhecidos pela
guarda de segurança e os seus nomes não estavam na lista
de convidados. Jim não estava agressivo, como Pamela esperava. Em vez disso
transformou a situação num acontecimento de rotina.
«Não tenho amigos em lugares importantes», disse ao
guarda.
«A resposta continua a ser não, não pode entrar.»
Jim foi depressa identificado e entrou. Ele e Pamela
foram envolvidos pela multidão.
Depois da festa ele, seu irmão e Pamela jogaram futebol
com uma lata de cerveja no imenso, silencioso e vazio parque
do «Fórum».
Durante meses, Bill Graham tinha tentado levar novamente os Doors ao Fillmore East em
Nova Iorque, mas Bill
Siddons respondia sistematicamente que não. A próxima vez
que os Doors venham ao Leste, disse, tocarão no Madison
Square Garden, o local cujo nome e capacidade para vinte mil
pessoas o tornou a sala dos concertos mais prestigiosa e lucrativa da cidade. Graham
disse, «Isto é um pouco antes do teu
tempo, Bill, mas fui eu que levei os Doors ao Fillmore, em
São Francisco, antes de terem êxito, fui eu que lhes dei a
primeira oportunidade.»
«Sim, certo, Bill», retorquiu Siddons. «Penso que lhes
pagaste trezentos e cinquenta dólares.»
«Oiça, seu idiota...»
Obviamente, a conversa acabou mal e Siddons tomou
providências para que os espectáculos do Garden fossem produzidos por alguém sem ser
Graham. Os Doors seriam a primeira banda a «graduar-se» dos Fillmores para o Garden,
e
Siddons pensava que Graham teria gostado de lá ter estado.
«Não podes partilhar nada com o público em coisas tão
grandes», disse Graham partindo. «Não me venhas falar de
vibrafones numa fábrica de cimento .Estou contente pelos
tipos que vão bem, mas diz-lhes que penso que é mau negócio
tocar em casas tão grandes.»
A meio de Janeiro de 1969, os Doors iam realmente
bem. Eram de facto, os «Beatles Americanos», o maior grupo
americano. Recusavam-se a aparecer em salas que comportavam
200
menos que dez mil fãs leais e lucravam qualquer
coisa como trinta e cinco mil dólares por noite, ou sessenta
por cento da receita bruta, conforme fosse a maior quantia.
A sua última publicação gravada, Touch Me, uma canção de
amor surpreendentemente tradicional escrita por Robby estava brevemente para ser
outro single com um milhão de
vendas, e para recriar o seu som a banda levou com ela um
baixo e um saxofonista de Jazz para Nova Iorque, e contratou
vários violinistas da Filarmónica de Nova Iorque. Numa sondagem aos leitores que
apareceu nesse mês na revista Eye, os
Doors foram considerados um grupo «Top» e chamavam a
Jim o «homem mais sexy do rock and roll».
No dia seguinte ao concerto triunfante do Garden, Jim
divertia-se na sua suite do Hotel Plaza. O seu ajudante de
campo da Elektra em Los Angeles, o bigodaças David Anderle,
introduziu-o a alguém que ele pensou que Jim gostaria de
conhecer, uma loira inteligente do seu escritório de Nova
Iorque, Diane Gardiner que era a sua nova publicista. Diane
era uma colegial de vinte e um anos, atraente e sociável, que
vinha da Califórnia e tinha ajudado na publicidade de dúzias
de conjuntos de sucesso, como os Cream, os Bee Gees e os
Jefferson Airplane, mas os Doors e mais particularmente Jim
Morrison tinham-lhe caído no goto. Este estava a ficar bêbedo
e contava anedotas que ela achava embaraçadoras.
«Qual é a diferença», perguntou Jim, «entre um anão
inteligente e uma doença venérea?»
Todos os presentes olharam para o chão. «Bem», disse
Jim, «o primeiro é um pequeno manhoso...»
Diane pediu a Jim para chegar ao quarto. Disse que havia
um telefonema que ele tinha que fazer.
Uma vez no quarto: «Olha, Jim, és um óptimo tipo por
te teres reunido com a imprensa e tudo isso, mas agora estás...
ora bolas! Estás a cair por terra e... também tenho este trabalho para fazer, Jim,
podia perder o meu trabalho então...
vou aparecer e dizer-lhes que telefonámos a este homem, que
tinhas um encontro com ele e tiveste que partir. Depois sais
e eu ficarei aqui e pedirei desculpas.» Diane olhou para Jim,
que ficou silencioso. «Raios, estou a tentar ajudar-te, responde-me... se faz favor,
Jim.»
Jim vestia as mesmas roupas que na noite anterior ao
Garden: uma camisa de linho cru do México, jeans de coiro
preto e botas pretas. Estava perto da porta do quarto, um
braço apertado distraidamente contra a perna, a anca oposta
erguida sensualmente, um «bombom» na mão direita. Sorriu-lhe de soslaio e dum modo
pueril e prostrou-se de costas na
cama. Olhou para a cara preocupada de Diane. «Quero foder-te»,
201
disse, com uma mão atrás da cabeça, e a outra um
pouco abaixo da cintura segurando a bebida.
«Certo, Jim, certo.» Diane saiu nervosa do quarto.
A tarde nova-iorquina tornava-se crepúsculo. Foram consumidas grandes quantidades de
álcool, assim como pedaços
de bolos de chocolate e haxixe trazido por Ellen Sander,
uma ruiva tímida mas reputada que tinha chamado a Jim o
«Mickey Mouse de Sade» na sua coluna no Saturday Review.
Pairava a sensação estranha de que todos os presentes tinham
nascido lá, e ninguém dali partiria. De repente Jim caiu para
o chão e gatinhou até ao sofá onde Ellen estava sentada.
Começou a avançar para trás e para a frente, pondo a sua
«Canta-nos uma canção, Ellen.»
Ellen sentou-se em cima dos pés. «Eu não canto, Jim.
Sou uma espectadora profissional.»
«Vá, Ellen», pediu Jim, «se faz favor canta-nos uma
canção.»
«Na verdade, Jim, sou escritora, não uma cantora.»
Jim levantou-se para trás e gritou, «Eu disse, cantaaas!»
Ellen protestou novamente. «Não canto, canta tu, tu és
o cantor, canta qualquer coisa para nós, Jim.» A sua voz era
fraca, implorava. «Sou apenas uma crítica.»
Jim continuou o seu balançar intimidativo para trás e
para a frente, olhando ameaçadoramente para ela. Por fim
Ellen começou a cantar, com uma voz muito leve e assustada,
os primeiros versos de Hey Jude dos Beatles. Apenas quatro
versos. Depois toda a gente aplaudiu e tudo ficou bem de
novo. Jim foi para o quarto e aumentou o som da televisão,
desregulada.
«Mickey Mouse de Sade!» Resfolgou para ele próprio.
Jim ficou de mau humor todo o fim de semana. As apresentações no Garden correram bem,
e a viagem foi um sucesso em toda a parte, mas alguma coisa o maçava e não
falou com os outros Doors nesse fim de semana em Nova
Iorque. Acontecera quando Jim tinha estado em Londres
com Michael McClure e Pamela, que uma agência de publicidade perguntou a Jac Holzman,
que ainda controlava a
publicidade da música dos Doors, se ele deixava a Buick
utilizar a música Light My Fire num anúncio para cinquenta
mil dólares. Jac disse que iria perguntar aos rapazes. Como
Robby, John, Roy e Billy Siddons não conseguiram encontrar Jim, votaram sem ele. Jim
ouviu o Come on, Buick,
Light my Fire quando voltou para os Estados Unidos e foi
direito a Jac Holzman, encontrou-o no pátio exterior do escritório de David Anderle,
e disse-lhe que considerava essa
202
música sagrada mesmo apesar de estar farto de a cantar em
público.
«Quero isto esclarecido, Jac, estou a dizer-te, quero isto
esclarecido: não tornas a fazer isso. Essa música é preciosa
para mim e não quero que ninguém a utilize.»
A música nunca foi vendida. No entanto, Jim deu-lhes
o tratamento do silêncio nunca dizendo a ninguém, excepto
a Jac, por que razão estava tão perturbado.
Isso não era tudo o que perturbava Jim.
Jim fez um novo amigo enquanto esteve em Nova Iorque, o eloquente, franco e gregário
Fred Myrow que, aos
vinte e oito anos era assistente de Leonard Bernstein e compositor-residente na
Filarmónica de Nova Iorque. David Anderle trouxe Fred até ao Plaza especialmente para
conhecer
Jim.
Jim transferiu a bebida da sua mão direita para a esquerda e trocaram um cumprimento
formal. Jim puxou imediatamente Fred para o lado, quase de um modo conspirativo.
Tinham-lhe contado muitas coisas acerca de Fred Myrow
- que ele era um dos compositores em ascensão no mundo
erudito da música de vanguarda. Mas Jim tinha ouvido que
Fred queria sair disso. Tinha ouvido os Beatles e decidido
que o que estava a fazer era irrelevante, queria entrar em formas mais populares. Jim
vinha da direcção oposta mas os
desejos deles eram quase idênticos: Queriam ambos uma mudança significativa.
«Se dentro de um ano não encontrar uma maneira nova
de desenvolver criativamente», Jim disse a Fred logo que se
conheceram, «Só serei bom para a nostalgia.»
Fred ficou muito impressionado com esta afirmação,
sabendo que é raro ver artistas nutrir tão profundos pensamentos no dia seguinte a um
grande sucesso. Mas a obsolescência era um destino que Jim olhava com respeito. Nunca
diria isso alto a ninguém, excepto aos seus amigos íntimos,
mas considerava-se uma figura revolucionária, que tinha tido
que providenciar um movimento social através da oposição
ao seu pai. Ou assim parecia. Jim não gostava de o admitir,
mas parecia-se muito com seu pai. Os seus fins podem ter
sido opostos, mas tinham a mesma espécie de ambição e
impulso.
Jim não quis necessariamente conduzir a revolução, mas
se existisse uma, estava totalmente a seu favor. Embora afirmasse que algumas das
suas canções lhe tinham chegado
através de uma visão, nunca esteve inconsciente da natureza
rebelde e apocalíptica dessa visão. Quando os seus fans e
203
o público de rock vinham vê-lo como uma figura dominante
no movimento político-social que estava a ter lugar, Jim
ficava publicamente imóvel, mas secretamente lisonjeado.
Durante longo tempo, acreditou que os discos podiam servir o mesmo fim que os livros
e os manifestos impressos tiveram
em revoluções anteriores. Não tinha ainda a certeza de estar
errado. Mas sentia que necessitava de uma nova direcção, e
depois de fazer planos para se encontrar de novo com Fred
Myrow, regressou a Los Angeles e entregou-se nas mãos dos
discípulos do dramaturgo radical Antonin Artaud - os trinta
e dois membros do Living Theatre» (Teatro Vivo), que estava
em viagem pela América.
Jim tinha sido adepto do «Theatre of Cruelty» (Teatro
da Crueldade) na FSU quando tinha lido pela primeira vez
Artaud. No verão de 1968 tinha feito perguntas a John Carpenter, escritor do Los
Angeles Free Press, sobre um amigo
dele que estava no Le Living.
Depois dirigiu-se a Michael McClure para mais informações quando soube que Michael
conhecia os fundadores, Judith
Malina e Julian Beck. Em Novembro, Jim leu e releu um
artigo sobre o grupo de teatro radical na revista Ramparts,
até conseguir recitar passagens: «Eles não são verdadeiramente actores (escreveu o
autor Stephen Schneck) mas um
bando de vagabundos em busca do Paraíso, definindo o Paraíso como a total libertação,
praticando hipnologia e defendendo o Paraíso; agora a sua presença e função estão em
oposição directa aquele estado totalitário e repressivo chamado Lei e Ordem.»
Quando Jim soube que a companhia vinha ao Campus
da Universidade da Califórnia do Sul em Fevereiro de 1969,
pediu à secretária dos Doors que reservasse dezasseis bilhetes
para cada uma das cinco noites programadas, depois convidou para jantar em casa o
representante do grupo, Mark
Amatin.
O seu lar era agora uma casa confortável e isolada que
Jim tinha alugado para Pamela em Beachwood Hills, Hollywood. De súbito, depois de
comerem, despediu grosseiramente
toda a gente excepto Mark.
Jim bebia e engolia pequenas pílulas brancas. Ofereceu
algumas a Mark, esquecendo-se de as identificar como benzedrina. Falaram sem parar
até de manhã.
Mark abriu-se, disse a Jim quanto tinha mudado. «Na
noite em que vi Le Living, fui para casa com treze pessoas
que não conhecia, com grande pedrada na minha cabeça,
depois de me terem despido no palco. Nada disto tinha pensado fazer quando lá fui.
Bem! No fim do dia seguinte sabia
204
que era assim que a vida era suposto ser. Então, voltei para
o meu trabalho normal como agente de viagens, e quando
me disseram para eu desaparecer, disse ao tipo para se foder
e saí.»
«Estava a fazer o que pensava ser um trabalho missionário político e espiritual», diz
Mark agora, «e isto é que Jim
quis descobrir. O seu trabalho tinha sido uma experiência
religiosa, mas tinha-se tornado uma diversão, e estava extremamente descontente. O
"Living Theatre" (Teatro Vivo) era
constituído por espectadores que tinham ido ver a companhia
e não tinham conseguido ir embora, e Jim queria conhecer
esse entusiasmo. Disse que queria encontrar maneiras de incorporar uma mensagem
política naquilo que estava a fazer,
mas não sabia como dirigi-la ou por onde começar, sentiu
que toda a gente estava à espera dele para falar, pronta a
obedecer a cada palavra, e isto era de uma responsabilidade
tremenda, porque Jim não sabia sempre o que dizer.»
«O que é que se passa no Living que causa tanto entusiasmo?» Jim perguntou a Mark.
«Como é que podemos obter
uma mesma espécie de cometimento e devoção? O que tenho
que fazer?»
A sequência dos acontecimentos que levaram directamente
à queda dos Doors do estado de graça começou na sexta-feira
à noite, no dia 28 de Fevereiro de 1969, quando o Living
Theatre encerrou o seu tour de force revolucionário, Paradise
Now! («O Paraíso Já!»). Para Jim, essa representação encerrava uma energia
cataclísmica.
Estava sentado com amigos na fila da frente, como tinha
estado toda a semana. A peça abriu com The Rite of Guerrilla
Theater («O ritual do teatro de Guerrilha»), em que os actores
se misturavam com os espectadores, entoando a primeira de
cinco frases-chave catárticas.
«Não posso viajar sem passaporte.»
O Living Theatre estava em tournée pelos Estados Unidos
depois de quatro anos de exílio voluntário na Europa. Durante
esse tempo, o grupo tinha-se tornado internacional pela sua
composição e conhecia os argumentos para ultrapassar obstáculos de fronteira.
Ocupavam os espectadores com diálogo,
molestando-os se necessário para conseguirem uma resposta,
gritando as palavras com angústia e frustração.
«Não posso viajar livremente, não me posso movimentar
como desejo!»
«Estou separado do meu companheiro, as minhas fronteiras são arbitrariamente
estabelecidas por outros!»
«As Portas do Paraíso estão fechadas para mim!»
205
Em poucos minutos os actores ficaram quase histéricos,
e o teatro USC estava transformado. Jim estava de pé com
muitos outros, gritando motes, vociferando pelo Paradise Now.
Os actores retiraram-se calmamente, voltando para o
palco, fizeram uma pausa durante um momento, depois começaram de novo, agora com a
segunda frase: «Não sei como
parar as guerras!»
E assim foi: um catálogo de queixas, apresentado com
energia explosiva.
«Não podes viver se não tiveres dinheiro!»
«Não me deixam fumar marijuana!»
E finalmente: «Não me deixam despir!»
«O próprio corpo de que somos feitos é tabu!»
«Temos vergonha daquilo que é mais bonito, temos medo
daquilo que é mais bonito!!»
«Podemos não agir naturalmente uns em relação aos
outros!»
«A cultura reprime o amor!»
«Não me deixam despir!»
Os actores começaram a despir-se, tirando a maior parte
das roupas, ficando depois nas coxias e no palco, as partes
proibidas dos corpos cobertas. Era uma demonstração activa
de proibição. Quando o despir atingiu o limite legal, os actores
gritaram uma vez mais, «Não me deixam despir! Estou fora
das Portas do Paraíso!»
Foi então que os polícias entraram e não deixaram a peça
continuar.
Um concerto dos Doors estava fixado para o dia seguinte.
Depois dele, Jim e Pamela iam passar uma semana juntos
numa casa que já estava a ser preparada para eles na Jamaica.
Mas antes de partirem para o aeroporto, brigaram. Depois,
no aeroporto, brigaram de novo e Jim mandou Pamela para
casa. Jim perdeu o avião. Praguejando e desejando ter uma
garrafa com ele, Jim reservou um lugar noutro avião, depois
foi para o bar do aeroporto onde esperou e bebeu. Uma vez
a bordo do avião, deglutiu tantas bebidas quantas conseguiu
sacar da hospedeira na primeira classe. Houve uma paragem
em Nova Orleans onde Jim foi de novo para o bar do aeroporto e falhou de novo a
partida tabelada. Quando providenciou para apanhar ainda outro avião, e telefonou
para a sala
de concertos a avisar os rapazes que estaria um pouco atrasado, estava bêbedo.
Jim continuou a beber. Toda a viagem até Miami.
A FLKCIIA CAI
206
CAPÍTULO 8
Uma noite quente e húmida
do Sul. Os joelhos de Jim fraquejavam. Agarrou-se com uma
mão ao enorme amplificador negro que estava no palco à sua
direita, com a outra mão levantou uma garrafa de cerveja
preta e bebeu avidamente. No queixo tinha crescido uma
barba nunca vista, conferindo-lhe uma dureza mefistofélica.
Usava uma camisa escura sem colarinho por fora das calças
de coiro negro para esconder a barriga de whisky. Jim piscou
os olhos para a audiência através da fumarada.
Passavam alguns minutos das onze horas quando engoliu
o resto da cerveja. Os Doors estavam atrasados mais de uma
hora e a audiência estava agitada. Era a primeira apresentação da banda na Florida -
o resultado de terem ganho um
voto de popularidade no campus da Universidade de Miami mas mesmo os mais ávidos fãs
podem ficar nervosos quando
em demasiado número se acumulam num velho hangar de
hidroviões sem cadeiras nem ventilação.
Ray, Robby e Jim dirigiram-se aos instrumentos na escuridão. Ray olhou nervosamente
para John, que para conter
o azedume com o atraso de Jim, cerrava firmemente as baquetas nas mãos. Os olhos de
Ray dirigiram-se então para Robby,
que baloiçava distraidamente a guitarra, como que inconsciente da tensão.
Os promotores de Miami discutiam furiosamente nos
bastidores com Bill Siddons e um agente dos Doors que tinha
vindo de Nova Iorque para «arrumar as coisas». Siddons tinha
acreditado nos promotores quando disseram que o ganho máximo da bilheteira para o
espectáculo seria 42 000 dólares, e
tinha concordado em aceitar uma remuneração nivelada de
25 000 para o espectáculo, em vez de exigir no contrato a
209
especificação dos habituais 60 por cento da receita bruta.
Depois de ter assinado e devolvido o contrato, os promotores
tiraram as cadeiras e venderam outros setecentos lugares. Bill
sentia-se ofendido e estava furioso.
Jim inclinou-se sobre a mesa de mistura por detrás dos
tambores para pedir a Vince Treanor outra cerveja. O trabalho oficial de Vince era
supervisionar a ligação, avaria e
manutenção do impressivo sistema sonoro dos Doors, o seu
trabalho não oficial era ministrar bebidas a Jim. Mas desta
vez abanou a cabeça negativamente. Não tinha mais nenhuma
cerveja, que tal uma cola?
«Não estragues isto», disse Vince calmamente. «É a primeira vez que estamos em
Miami.»
Jim virou-se, andou até à borda do palco e vomitou.
Observando atentamente para a escuridão agitada, perguntou
se alguém tinha alguma coisa para beber. Alguém se aproximou com uma garrafa de vinho
barato. Primeiro Ray pediu
a John para começar a música Break On Through, que iniciava
a maior parte dos concertos dos Doors. Tocaram a introdução
durante quase dez minutos. Não resultou, Jim não estava a
ouvir. Estava a falar com alguns jovens na audiência, partilhando um copo de papel.
Os Doors caíram novamente em
silêncio, quando Jim se pôs em pé e agarrou o microfone
delgado, cor de ouro.
«Não estou a falar de uma revolução!»
A voz foi um latido estridente, um tiro que soou como
o começo de uma recitação.
«Estou a falar de divertimento. Estou a falar de nos divertirmos neste Verão. Todos
vão para LA, todos lá chegam.
Vamos deitar-nos lá na areia e esfregar os nossos dedos dos
pés no Oceano e vamos divertir-nos. Estamos prontos? Estão
pronnnntos! Estãoãoão pronnntos! Estão prontos? Estão...
Estão... estão... wowowowoo... Achhhwwwoooo Luck...
Aahhh suck...»
A banda estava a atacar a abertura de uma música
familiar do primeiro álbum, Back Door Man.
«Mais alto! Vá, grupo! Toquem mais alto! Vá! Sim. Sim.
Ahhhhmmmmuh back door mannnn...!!
Jim parou de cantar passados quatro versos de música
e começou novamente a falar. Parecia apologético. Estaria
ele a falar para Pamela assim como para a multidão?
«Hey, oiçam», gritou. «Estou só. Preciso de algum amor,
vocês todas. Vá. Preciso de alguns divertimentos. Quero algum
amor. Ninguém vai amar o meu traseiro? Vá.»
A multidão ofegou.
210
«Preciso de vocês. Tantos de vocês p'rai e ninguém me
vai amar, querida, vá. Preciso de amor, preciso de vocês. Vál
Sim! Amo-vos. Vá. Ninguém vem cá acima amar-me, huh?
Eh, querida, queres vir tu? Paciência! Arranjarei outra
pessoa.»
Os músicos dificilmente acompanhavam esta torrente
confessional. Quando Jim fez uma pausa, começaram a tocar
Five to One e ele captou, cantando o primeiro verso de uma
maneira razoavelmente coerente. Depois fez outro discurso,
inspirado pela avidez dos promotores ao comprimir tanta gente
junta, mas também pelo Paradise Now.
«Vocês são todos um bando de idiotas!»
A multidão agitou-se de novo.
«Deixam as pessoas dizer-vos o que vão fazer! Deixam
as pessoas empurrar-vos. Quanto tempo pensam que vai durar?
Por quanto tempo vão deixar que vos empurrem? Por quanto
tempo? Talvez adorem, talvez adorem que vos afocinhem a
cara na merda...»
Jim insultava-os, como os actores do Living Theatre insultavam os espectadores,
tentando quebrar a apatia.
«São todos um bando de escravos!», gritou Jim. «O que
é que vão fazer para isso acabar, o que é que vão fazer, o
que é que vão fazer?» A voz era um grito rouco. Depois recomeçou a cantar: «Your
Ballroom days over over, bayyy-bee /
/ Night is drawing near!» (Os dias de baile acabaram, querida / A noite aproxima-se).
De algum modo a música foi concluída e Jim começou
novamente a falar. «Não estou a falar de revolução. Não
estou a falar de manifestação. Não estou a falar de saírem
para a rua. Estou a falar de divertimento. Estou a falar de
dançar. Estou a falar de amar o próximo. Estou a falar de
agarrar o vosso amigo. Estou a falar no amor. Estou a falar
sobre algum amor. Amor Amor Amor Amor Amor. Agarra-o... amigo e ama-o. Váááááááá.
Simmmmm!
Então, como que para dar um exemplo, Jim puxou a
camisa por cima da cabeça e atirou para a audiência, onde
desapareceu como carne atirada a uma matilha de cães raivosos.
À medida que olhava, prendeu os dedos no cimo das calças
e começou a brincar com a fivela. Este era o momento que
Jim tinha estado a planear depois de ter visto Paradise Now.
Tinha-se preparado para ele cuidadosamente. Mas não tinha
dito nada a ninguém da banda.
Ray pediu Touch Me, esperando prender a atenção de
Jim novamente na música. Jim cantou dois versos e parou.
«//eyyyy, esperem um minuto, esperem um minuto. Hey
esperem um minuto, isto está tudo fodido - não, esperem um
211
minuto, esperem um minuto, esperem um minuto! Vocês
estragaram tudo, estragaram tudo, estragaram tudo, agora
váááá. Esperem um minuto! Não vou tirar esto merda! Fodam-se!», gritou.
Estava vermelho, a voz rugia, o microfone batia na boca.
«Merda!»
A multidão gritava.
Jim começou a desapertar o cinto. Ray pediu a Vince.
«Vince, Vince, fá-lo parar! Não o deixes fazer isso!»
Vince pulou por cima da consola que estava em frente
dele e em dois passos estava atrás de Jim, uma mão presa no
cós das calças de Jim, a outra puxando para cima, de encontro
às costas, tornando impossível para Jim desapertar o cinto.
«Não faças isso, Jim não faças isso», implorou Vince.
Embora Jim vestisse raramente roupa interior, nessa
noite vestia calções de boxe tão grandes que os tinha puxados
para cima sobre o cós das calças de coiro. Tinha planeado
deixar cair as calças, mas não se descobrir, ir até ao «limite
legal» proposto no Paradise Now. Jim sabia o que estava a
fazer. Tinha planeado isto cuidadosamente. Agora, a decisão
de Ray e o impedimento físico de Vince tinham abordado o
seu plano. A chegada ao paraíso seria atrasada.
Surpreendentemente, a banda ainda tocava Touch Me,
mas já sem ímpeto. Finalmente, Jim relaxou e o concerto
prosseguiu.
Jim continuou obviamente bêbedo, embora a cerveja
tivesse terminado, e parou de pedir bebidas à audiência. Engolia as palavras
roucamente. Esqueceu-se das letras das músicas
e perdeu-se no meio dos versos, voltando atrás e repetindo.
Largou uma piada insultuosa sobre o facto de ter nascido e
de ter ido para a escola na Florida, «mas então fiquei esperto
e parti para um bonito Estado chamado Califórnia». Um
conhecido de Los Angeles, um excêntrico chamado Louis
Marvin, para quem os Doors tinham tocado numa das suas
primeiras festas em 1966, aproximou-se carregando um cordeiro fêmea e deu-o a Jim
para o agarrar. «Eu fodia-a, sabes»,
disse Jim, «mas ela é muito nova.» Depois tirou um chapéu
de um polícia e fê-lo planar sobre a massa transpirante que
tinha diante de si... e o polícia pegou no chapéu que alguém
tinha dado a Jim e lançou-o na mesma direcção, no meio da
risada geral.
Houve frases repetidas várias vezes, entre e no meio das
canções. «Quero ver dançar, quero ver divertirem-se» era uma.
«Não existem regras, não existem limites» era outra. Não
podia haver dúvidas sobre a sua inspiração e motivação. «Hey,
oiçam», chamou, «costumava pensar, que tudo era uma grande
212
brincadeira. Pensava que era alguma coisa para rir, e depois,
nas últimas semanas, conheci algumas pessoas que estão
a fazer alguma coisa. Estão a tentar mudar o Mundo, e eu
quero ir na viagem. Quero mudar o Mundo.»
Durante quase uma hora, Jim convidou e admoestou a
audiência para se juntar a ele no palco e a certa altura do
espectáculo, começaram a aproximar-se. Um dos promotores
falou ao microfone: «Alguém vai magoar-se», e ameaçou
parar o espectáculo. Os jovens continuavam a avançar. Agora
eram mais que cem, circulando, dançando ao som da música
que os Doors de algum modo continuavam a tocar.
«Não vamos partir até gozarmos tudo o que temos para
gozar», gritou Jim. Começou a dançar com duas ou três raparigas. O palco vibrava
tanto que John e Robby pensaram que
ele ia cair. Ainda mais jovens começaram a estender as mãos
para se apoiarem na borda do palco e subirem. Finalmente,
um dos homens da segurança dos promotores, que tinha cinto
preto em karaté, alcançou a multidão espalhada pelo palco e
com um hábil golpe lançou Jim para fora do palco. Este
aterrou num espaço vazio, levantou-se, formou uma cobra
humana e começou a arrastar centenas de jovens atrás dele.
Reapareceu à boca de cena minutos mais tarde, acenou para
a multidão, depois desapareceu no camarim. O espectáculo
tinha acabado.
Estavam perto de duas dúzias de pessoas presentes e todos
pareciam estar a falar simultaneamente, alguns mostrando-se
preocupados com o equipamento estragado e os danos pessoais
inevitáveis em membros da audiência. Bill Siddons diria mais
tarde que Jim pronunciou qualquer coisa como, «Uh-Oh, penso
que me expus por lá.» Enquanto outros afirmam que ele disse:
«Agora vejamos a Buick utilizar a música Light My Fire»,
outros ainda disseram que ele ria, divertindo-se, nada dizendo
de pertinente ou memorável. Geralmente, havia boa disposição. Em parte era devido ao
alívio que toda a gente sentia
no final de qualquer concerto. Mas era também devido às
graças ditas quando Siddons entregou algum dinheiro a um
dos polícias para pagar o chapéu que Jim tinha roubado e
atirado para a multidão. Até a meia dúzia de polícias presentes
estava a rir, dizendo quanto se tinham divertido.
Meia hora mais tarde, apenas Vince, a equipa dos Doors
e algumas pessoas da segurança ficaram na sala do concerto
no velho hangar de hidroaviões, preparando-se para partir e
observando os vastos escombros. O palco estava partido, inclinando-se perigosamente,
mas mais impressivo era talvez o
milhar de garrafas de vinho e cerveja vazias, cuecas e soutiens
em quantidade suficiente para abrir uma loja de roupas interiores
213
bem abastecida. A maneira como Vince recorda isso,
«cada três ou quatro passos havia outra peça de roupa».
Jim pode ter sido impedido de se despir e de se aproximar
do paraíso, mas a sua audiência de Miami claramente não o
tinha sido.
Nos três dias que se seguiram - com Jim de férias na
Jamaica como planeado, mas sem Pamela - o futuro dos
Doors e o seu estava a ser maquinado por políticos, pela polícia
e pela imprensa de Miami. No domingo, um dos jornais de
Miami escreveu que Jim tinha atirado para fora do palco três
polícias antes de ser levado por mais três. Na segunda-feira,
um sargento da polícia citava, «tem que se dar crédito aos
jovens. Nada se pode fazer a não ser elogiá-los. Esse gajo fez
os possíveis para iniciar uma desordem e os jovens não se
mexeram». O chefe da polícia interino declarou que logo que
pudesse encontrar um polícia que tivesse testemunhado qualquer crime, emitiria ordens
para mandar prender Jim.
No mesmo dia o politicamente ambicioso assistente do
prefeito da cidade ousou perguntar, «como é que isto aconteceu num auditório da
cidade!»
Terça-feira, houve despique pela popularidade, quando o
presidente da Comissão do Crime de Miami, antigo promotor
da cidade, requereu um inquérito com júri... um legislador
do Estado, que era presidente do Clube da Bolsa de Miami,
escreveu ao prefeito de Jacksonville, e insistiu para que este
cancelasse o espectáculo dos Doors fixado para o fim da
semana seguinte... o capitão da divisão de segurança interna
do departamento da polícia de Miami disse que emitia definitivamente mandado para a
captura de Jim... e um ex-jogador
de football de dezanove anos chamado Mike Levisque iniciou
planos nos escritórios de um jornal regional católico para um
comício antiobsceno.
O gume caiu na quarta-feira, 5 de Março, quando Bob
Jennings, um empregado de vinte e dois anos no escritório
do procurador do Estado, concordou servir como queixoso no
caso e Jim foi acusado de um delito grave - comportamento
impudico e lascivo - e três delitos leves - exibição indecente,
profanação pública e embriaguez. A acusação do delito grave
foi o mais intrigante e publicamente controverso, pois no articulado de
desenvolvimento era alegado que Jim «exibiu impudicamente e lascivamente o seu pénis,
agarrou nele e abanou-o,
e o dito acusado simulou ainda os actos da masturbação sobre
si próprio e copulação oral sobre outro. Numa conferência de
imprensa realizada pelo chefe interino da polícia foi anunciado que a provar-se a
culpabilidade nestas acusações, Jim
214
podia ser enviado para a prisão de Raiford - uma das piores
da Florida - durante sete anos e cento e cinquenta dias. No
dia seguinte o nome de Jim e o dos Doors foi enxovalhado
nas primeiras páginas em todo o país.
Entretanto, Jim passava um péssimo tempo nas Caraíbas.
Era a única cara branca no velho solar que tinha sido alugado
em seu nome. Ray e Dorothy estavam na ilha francesa de
Guadalupe, John, Robby e as suas namoradas, Julie e Lynn,
estavam noutra casa na Jamaica a alguma distância da de Jim.
Foi «fantasmagórico», disse Jim mais tarde aos amigos, acrescentando que quando um
dos empregados negros lhe ofereceu
alguma marijuana, tinha tido medo de recusar e então fumou
um cigarro do tamanho de um charuto cubano e experimentou
uma «viagem que incluiu a alucinação da minha morte». Faltavam muitos meses até Jim
começar a fumar novamente
marijuana.
Jim saiu em pânico de casa e foi ter com John e Robby
perto da praia. Mas como não estava interessado nos seus
desportos aquáticos, regressou depressa, aborrecido e visivelmente perturbado, à
Califórnia.
Parecia incompreensível que o que Bill Siddons começou
por chamar «apenas outro espectáculo porco dos Doors» estivesse a atrair tanta
atenção e a ter tão grande efeito no grupo.
Na primeira semana mais ou menos o grupo brincou com o
assunto. Quando Jim entrou no escritório o Leon Barnard
perguntou, «Como é que se passou em Miami?» Jim sorriu
maliciosamente e respondeu imediatamente, «Terias adorado,
Leon.» Quando os jornais do país começaram a fazer correr
hishtórias sobre Mike Levisque e o comício a favor da decência
que estava a organizar no Orange Bowl, os Doors começaram
a planear o seu próprio comício a favor da decência - para
ser realizado no Rose Bowl, apresentando Jim uma grande
carta-convite a Levisque, que viajaria de Miami para o acontecimento.
Mas as graças acabaram. Em menos de três semanas tornou-se claro que o que tinha
acontecido em Miami estava a
pôr em perigo o futuro do grupo. A notícia confidencial distribuída entre membros da
Associação dos Administradores
de Casas de Espectáculo continha um aviso sobre a imprevisibilidade dos Doors e as
numerosas acusações contra Jim.
Resultado: o grupo foi banido em quase todo o lado.
A primeira cidade a cancelar foi Jacksonville. Depois
Dálias e Pittsburgh, e depois Providence e Syracuse, Filadélfia
e Cincinnati, Cleveland e Detroit. Até a Universidade do
Estado de Kent cancelou. E, suprema ignomínia, as estações
215
de rádio das várias cidades começaram a retirar os Doors das
listas de apresentação discográfica.
A imprensa nunca largou. Qualquer desenvolvimento da
história, pequeno ou grande, era amplamente coberto, e mesmo
a Rolling Stone imprimiu uma página inteira com um cartaz
Wanted («Procura-se!») em estilo do faroeste. Pela primeira
vez na carreira dos Doors os media viraram-se contra eles.
Ao verificar-se que o comício no Orange Bowl atraiu a
participação pessoal de Anita Bryant e Jackie Gleason - e
uma multidão de trinta mil! - a reacção à actuação de Jim
tornou-se um movimento nacional, incitando a comícios semelhantes em várias outras
cidades e delineando um endosso
para o Presidente Nixon.
No final de Março o FBI concordou em acusar Jim de
fuga ilegal. Foi uma acusação ridícula porque Jim tinha deixado Miami três dias antes
de qualquer mandado ter sido
emitido, mas o FBI enviou um agente ao escritório dos Doors
com um mandado de captura de Jim. Foi nesse dia que os
Doors perceberam que a situação era séria.
Bill Siddons emitiu (atendendo às circunstâncias) uma
declaração calma, mas que traía a ânsia dos Doors que este
pesadelo bizarro desaparecesse:
«Nada existe que possamos fazer para melhorar as
coisas. Vamos apenas deixar que toda a gente diga o que
quiser. Vamos deixar que toda a gente se livre da raiva...
e depois, quando tudo estiver acabado, seguiremos o nosso
caminho. Nada temos a dizer sobre isto - mau, bom ou
indiferente.»
Para Jim, não passou nenhum dia sem que tivesse que se
lembrar de Miami. No dia 4 de Abril, acompanhado pelo
seu advogado, rendeu-se ao FBI e foi libertado com uma
fiança de 5000 dólares.
Entretanto, o filme Feast of Frienâs estava pronto para
a sua primeira projecção e Jim começou a trabalhar no seu
novo filme. Depois de formar a sua própria companhia de produção, Produções Hiway,
Jim pôs os seus amigos Frank
Lisciandro, Babe Hill e Paul Ferrara na folha de pagamentos,
comprou a maior parte do equipamento utilizado nas filmagens
do Feast, e mandou-o directamente para duas pequenas salas no
andar superior do impropriamente chamado «Clear Throughts
Bwilding» (Edifício dos Pensamentos Claros) do outro lado da
rua da Elektra Records.
A filmagem iniciou-se na semana da Páscoa. De novo,
a morte no deserto dominava o enredo, no qual o barbudo
216
Jim Morrison se perdia nas montanhas da Califórnia perto
de Palm Springs, encontrava um coiote moribundo enquanto
viajava à boleia para Los Angeles e depois aparentemente
matava o primeiro condutor que lhe ofereceu uma boleia.
Enquanto filmava o final em Los Angeles, Jim fez um
telefonema misterioso para Michael McClure em São Francisco. Não se identificou
quando Michael respondeu.
«Não o aproveitei», disse Jim.
Michael reconheceu a voz de Jim. «Jim.» Pensou que
talvez Jim estivesse bêbedo. Mas não tinha a certeza.
Jim desligou bruscamente, deixando a cabine de telefone
com um sorriso nos cantos da boca.
«Agora vamos para o Edifício Nove Mil», disse.
Jim tinha estado a beber constantemente durante horas,
mas não estava bêbedo. Ginni Ganahl, a então secretária dos
Doors, e Kathy Lisciandro estavam com Frank e Babe, Paul
e Leon. Estava escuro quando entraram no elevador para o
décimo sétimo andar do Edifício Nove Mil, no Sunset Boulevard. A ideia que Jim tinha
era atar uma corda à volta da
sua cintura - que não seria vista na imagem - e depois dançar um pouco ao longo da
borda com dezoito polegadas, nada
existindo entre ele e o passado a dezassete andares abaixo.
A corda era para ser segura pelos amigos, que o salvariam
da morte no caso de cair.
Quando Jim explicou a cena, toda a gente ficou alarmada.
Sabiam que não o podiam impedir de fazer o que bem lhe
apetecia, mas não seriam seus amigos se, pelo menos, não
protestassem.
«Realmente não queres fazer isso, pois não?», disse Leon.
Jim olhou fixamente para ele. Pareceu ter tomado a pergunta como um desafio. Tirou
dramaticamente a corda da
cintura, saltou para o parapeito, ordenou a Paul que começasse a filmar, fez a sua
pequena dança, e para completar a
representação urinou sobre a borda para Sunset. Toda a cena
foi absurda, para quem não conhecesse Jim. Pois nesse caso
foi apenas ebriamente louca.
Se nos seus filmes se reflectia a estrela temerária do rock
anã roll, nos seus livros irradiava luz sobre a outra identidade
de Jim, o poeta.
Estava razoavelmente contente com a poesia que tinha
publicado. The Lords era a mais extravagante: oitenta e duas
observações à maneira de Rimbaud sobre visão e cinematografia impressas em papel do
melhor pergaminho, medindo
oito e meio por onze polegadas, juntas numa caixa azul com
fita vermelha e o título numa folha dourada. The New Creatures
217
foi apresentado mais modestamente: quarenta e duas
páginas de livro de tamanho Standard com poesia mais recente,
impressa em papel amarelo-pálido da qualidade usada nas
capas das revistas lustrosas, juntas entre cartolinas castanhas
semelhantes às capas dos livros de trabalho escolar, e novamente com o título numa
folha dourada. Jim tinha entregue
no escritório dos Doors uma centena de cópias de cada livro,
que estavam amontoadas contra a parede perto da secretária
de Bill Siddons. Na capa de cada uma estava o nome que ele
utilizava para a sua poesia: James Douglas Morrison.
Em todo o livro The New Creatures, as palavras e frases
de conflito sexual engrenavam com imagens de dor e morte.
Havia assassínios, linchamentos, terramotos, crianças-fantasmas, infecções bucais,
gonorreia, caminhos de cabra diabólicos, pessoas a dançar sobre ossos partidos,
saques, desordens
e artistas no inferno. Havia mundos sobrenaturais grotescos,
a presença pairante de Lovecraft e Bosch. Eram frequentes
as referências a animais: insectos, lagartos, cobras, águias,
peixes das grutas, enguias, salamandras, vermes, ratos, cães
selvagens.
O poema final do delgado volume era tão desesperante
como os restantes. Nele se fazia uma descrição sem título
do resultado do apocalipse, incluindo uma viagem pela terra
devastada.
Os poemas proporcionaram um exame fundo e extenso
às feridas inflamadas do desespero íntimo de Jim, um desespero que nunca pode ser
adequadamente explicado ou entendido, mas que era dolorosamente claro e
brilhantemente manifestado na sua poesia.
Os quatro jornalistas de Nova Iorque reunidos para o
painel de televisão pareciam assustados quando Jim entrou
em passo lento no estúdio do canal 13. A última vez que o
tinham visto, no Madison Square Garden, cinco meses antes,
estava barbeado e vestia as suas calças pretas de coiro. Agora
tinha uma barba abundante, óculos escuros de aviador e calças
riscadas de algodão de ferroviário, e fumava um charuto
longo e fino, parecendo-se muito com um Che Guevara belo
e forte. Tão carismático como sempre, estava agora sóbrio e
encantador, dizendo a todos que estava muito contente por
estar num estúdio de um canal cultural de televisão onde não
existia censura, e onde a conversa e a música eram seriamente
tomadas em consideração.
A referência de Jim à não-censura era mais que uma
observação casual, pois os Doors planeavam apresentar publicamente uma versão não
cortada de uma música chamada
218
Build Me a Woman. Quando esta música foi incluída num
álbum ao vivo, um ano mais tarde, os versos «Sunday Trucker / Christian motherfucker»
seriam cortados. Contudo, no
Sistema Público de Radiodifusão os versos permaneceram,
embora Jim suavizasse o efeito pronunciando indistintamente
a palavra crítica quando a ela chegava.
Os Doors também apresentaram o extenso poema musical
que daria ao quarto álbum o seu nome, «The Soft Parade»,
e durante a entrevista de dez minutos da banda com Richard
Goldstein, Jim mostrou uma cópia do The New Creatures
e leu alguma poesia. Quando lhe perguntaram se não queria
mais ser visto como um «político erótico», Jim admitiu publicamente pela primeira vez
que tinha dito isso apenas para
dar a um crítico a frase-chave que todos os jornalistas pareciam
procurar.
Este era o «novo» Jim Morrison - honesto, sério, educado, recusando-se a falar sobre
Miami «por insistência do
meu advogado», puerilmente encantador, vertendo poesia!
Mas para qualquer pessoa que observasse de perto, era evidente que Jim estava
novamente a manipular os meios de
comunicação, e que, mudando de roupa, deixando crescer a
barba, fazendo realçar a sua poesia, e sendo franco acerca
de seu passado maquiavélico, estava a construir outra imagem
de si próprio. Esta era mais honesta. Não que a anterior
encarnação coberta de coiro não tivesse sido legítima, mas
tinha-se tornado limitativa e ele tinha-a obviamente superado.
Com a sua nova imagem era mais fácil para ele viver e subsistir.
Jim estava a aprender.
A entrevista do PBS foi a primeira de Jim desde Miami.
A segunda começou menos de uma semana mais tarde e foi
dada ao correspondente em Los Angeles da publicação que
mais tinha - na opinião de Jim - prejudicado a sua imagem,
a Rolling Stone. Jim encontrou Jerry Hopkins quatro vezes
num período de duas ou três semanas e deu a sua mais extensa
e provavelmente mais profunda entrevista. Parecia ansioso
de agradar, ansioso por se fazer compreender. Seleccionava
as suas palavras lentamente, cuidadosamente, quase como um
lapidador de pedras preciosas examina pedras em bruto.
Como se esperava, recusou falar sobre Miami - por razões legais, disse. Mas,
inesperadamente, fez comentários
acerca da sua família, não em profundidade, mas com honestidade e perspectiva, algo
que não tinha previamente consentido a si próprio fazer. Jerry perguntou a Jim por
que razão
tinha inventado a antiga história. Jim pensou durante um
momento antes de responder, depois retorquiu, «Só não os
quis envolver. É suficientemente fácil encontrar pormenores
219
pessoais se realmente se quiser. Quando nascemos, somos todos
marcados e assim por diante. Penso que disse que os meus
pais tinham morrido como graça. Tenho um irmão, mas não
o vejo há perto de um ano. Não vejo nenhum deles. Isto é
o máximo que alguma vez disse sobre isto.»
A resposta não revela muito, mas o facto de Jim ter sido
capaz de reconhecer a simples existência da sua família, diz
muito sobre a maneira como Jim estava a começar a lutar
corpo a corpo com a sua vida noutras áreas. Ou, como Bill
Siddons disse uma vez a um entrevistador, «Jim costumava
ter muitos demónios pequenos a correr dentro dele. Penso
que já não tenha tantos. Parece que está a tirá-los para fora
do seu sistema.»
Algumas das suas respostas foram primorosamente aperfeiçoadas: «Estou interessado em
filmes porque para mim é
a aproximação mais íntima em forma de arte que temos para
o fluxo de consciência, tanto no sonho como na percepção
diária do Mundo.» E esta definição por ele avançada de ritual:
«É uma espécie de escultura humana. De certa maneira é
como a arte, porque dá forma à energia, e de certa maneira
é um costume ou uma repetição, um plano ou cenário habitualmente recorrente e com
significado. Penetra em tudo.
É como um jogo.» E este pensamento: «A extensão lógica
do ego é Deus» e «a extensão lógica de viver na América
é ser presidente».
No final da sessão da terceira entrevista, Jim espreguiçou-se amavelmente e olhou
fixamente para Jerry, que parecia
não ter mais perguntas.
«Não quer falar sobre o facto de eu beber?», perguntou
Jim. Mudou de posição na cadeira, sorrindo.
«Bem, sim, com certeza», disse Jerry. «Tem fama de...»
«...me embebedar», concluiu Jim.
«Bem, é verdade, tudo verdade. Ficar bêbedo é, uh...
ficar bêbedo, está-se em completo controlo... até um ponto.
A opção é nossa, cada vez que se bebe um golo. Tem-se
muitas pequenas opções.»
Houve uma longa pausa. Jerry esperou por mais.
«É como... penso que é a diferença entre suicídio e
capitulação lenta.»
Terá Jim acreditado verdadeiramente que estava a beber
a pouco e pouco até à morte e ter-se-á importado porque
assim satisfazia a tradição poética da qual estava enamorado?
Ou simplesmente, e para efeito dramático, decidiu sugerir
que esse era o seu destino?
Jerry quis tentar descobrir. «O que é que queres dizer
com isso?», perguntou.
220
Jim riu facilmente. «Não sei, pá. Vamos aqui ao lado
tomar uma bebida.»
Na última reunião, Jim disse a Jerry que preferia ler
um longo poema do que responder a mais perguntas. Então
sem título, mais tarde publicado como An American Prayer
(«Uma Oração Americana») (*). Como a maior parte da sua
poesia e algumas das suas músicas mais conhecidas, este poema
tinha como assunto o eminente apocalipse americano e a forma
de mais outro catálogo de queixas do meio século, muitas
vezes pessoais e expressas com raiva.
Quando pegou nas entrevistas publicadas algumas semanas mais tarde (uma fotografia de
Jim tirada por Paul Ferrara
de calças de coiro e sem camisa cobria a capa) e viu o poema
incluído e apresentado como tinha pedido, com os direitos
de autor creditados a James Douglas Morrison, ficou imensamente satisfeito.
«Finalmente», disse aos amigos, «aquela revista está a
começar a reconhecer o verdadeiro talento quando o vê.»
Em Junho, o quarto álbum dos Doors estava finalmente
completo. Um ano inteiro de preparação, este álbum tinha
sido até agora o mais frustrante, contribuindo Jim apenas com
metade do material. A sua energia, obviamente, estava a ser
dirigida mais para a poesia do que para letras de música.
Por esta razão, e porque Jim não queria que alguém pensasse
que tinha escrito a música que seria o próximo single, Tell
AU The People, a referência individual ao autor da letra
substituiu o tradicional Songs by the Doors («Música pelos
Doors»).
Mas, como em álbuns anteriores, havia em The Soft
Parade vários «versos de Jim Morrison», versos considerados
demasiado estranhos e coloridos para serem escritos por qualquer outra pessoa.
Em Shaman's Blues havia a imagem de «Cold grinding
grizzlybear jaws / Hot on your heels», e em The Soft Parade
a canção monótona «Catacombs, nursery bonés / winter
women growing stones / Carrying babies to the river», suscitando o último verso a
pergunta: dar banho ou afogar?
Easy Ride uma música que Jim esperava que fosse também single, tinha letra directa e
acessível, mas na última
estrofe não pôde resistir ao giro poético: «Coda queen now
be my bride / rage in darkness by my side / seize the summer
in your pride / take the winter in your stride / lefs ride.»
(*) Publicado nesta mesma colecção, juntamente com as canções já referidas,
em tradução de Manuel João Gomes. (N. do T.)
221
Mas de um modo geral o impacto lírico foi inferior ao
que tinha sido nos álbuns anteriores, e a utilização daquilo
que Vince Treanor chamou The La denega Shymphony
(«A Sinfonia da Cienega») - cordas da Filarmónica de Los
Angeles, metais por alguns dos principais músicos de estúdio
na cena local de jazz - ainda mais obscureceu o som até
então lúcido dos Doors.
Era imperativo que os Doors encontrassem trabalho.
O novo álbum tinha custado oitenta e seis mil dólares, mas
ainda mais desanimadora era a contínua maldição económica
a que Jim se referia agora como o «incidente de Miami». Ray
recorda ter perdido vinte e cinco concertos, num montante
que John estimou na altura em «um milhão de dólares em
sessões».
Os promotores de uma dúzia de cidades estavam a instaurar processos pelo dinheiro que
tinham perdido quando
as autoridades locais baniram oficialmente de manifestações
públicas os Doors. Embora o último sucesso em single, Touch
Me, que tinha sido lançado na mesma altura do incidente
de Miami, fosse vendido quase tão bem como Light My Fire,
o dinheiro foi rapidamente gasto em advogados, e as subsequentes vendas de discos
caíram verticalmente quando a banda
foi colocada na lista negra pelas estações de rádio em vinte
mercados importantes. Contudo, este mergulho foi de pouca
duração e quando as notícias atingiram de frente a nação,
as vendas de discos reequilibraram-se.
Touch Me, embora gravado antes do incidente de Miami,
foi lançado nessa data, dando a impressão que os dois estavam
relacionados. Exibição indecente nas notícias, e a pedido de
Touche Me («Toca-me!») a devastar as tabelas - os adolescentes engoliram isso
inocentemente e os fãs dos Doors estavam
orgulhosos da sua banda, apesar das trompas e cordas, que
aliás foram aceites como provocação.
Finalmente, Bill Siddons tinha algumas notícias boas.
«Temos algumas datas fixadas», disse. «Chicago e Minneapolis,
a catorze e quinze de Junho. Eugene, Oregon a dezasseis.
O festival Pop de Seattle a dezassete.»
«Hey», disse Jim calmamente, desviando-se do frigorífico
do escritório, com uma lata de Coors na mão, «pensei que
tivéssemos chegado a um acordo: mais espectáculos ao ar
livre não.»
Os outros Doors olharam inexpressivamente para Jim.
«Estas datas estão confirmadas, Jim, disse Bill. «Precisamos realmente de trabalho.
Passaram-se três meses desde
Miami. É muito tempo entre dois concertos.»
222
«Então como conseguimos arranjar quatro em série? O
que é que a agência prometeu? Prometeu que eu não deixaria
cair as calças?»
«Temos que pagar uma fiança, Jim. Cinco mil dólares
por espectáculo. Apenas perdemos a fiança se o espectáculo
for obsceno. Está escrito nos contratos.»
«Uma cláusula fodida», resmungou Jim. Caiu no sofá e
puxou a cerveja. «Aposto que é a primeira história do rock
and roll.»
Jim tomou atenção em ambas as cidades para não vestir roupas de coiro e não dizer
obscenidades. Havia uma
razão para essa precaução. Em Minneapolis, antes deles começarem o espectáculo, o
empresário e a polícia colocaram-se
nos bastidores para o caso de «exibição indecente». A paranóia pós-Miami tinha
começado.
No dia 16, os Doors voaram até Eugene, e depois no
dia 17 para o festival ao ar livre de Seattle. Foram novamente
cautelosos (para desapontamento da audiência), mas estavam
também a reformar a sensação de estarem a tocar ao vivo.
O festival não foi muito satisfatório. Desde a actuação do
Bowl de Hollywood tinham concluído que a sua música não
era adequada para um estádio ao ar livre. Não obstante, era
evidente que os quatro Doors podiam continuar a actuar como
uma unidade. Cada concerto era melhor musicalmente, mais
liberto, mais espontâneo do que o anterior. O comportamento
de Jim em viagem tinha-se tornado também mais civilizado
- já tinha passado o tempo em que encomendava sete refeições para provar cada uma.
Passava o tempo a ler, no cinema
e a passear - evitando o bar do hotel assim como os lugares
nocturnos.
Estava contente, até satisfeito, com o decorrer das coisas. As expectativas de
audiência pareciam reduzidas. Talvez
tivesse sido bem sucedido em Miami quando, como disse a
um crítico, «tinha tentado reduzir o mito ao absurdo, exorcizando-o desse modo».
Contudo, havia ainda aquele que
vinha não para a música mas para ver o Door nu a cantar
Touch Me.
Mais datas foram incluídas quando o verão chegou - em
Toronto, Cidade do México, São Francisco, Filadélfia, Pittsburgh, Las Vegas e Los
Angeles. Mas nesta altura a América
estava profundamente obcecada naquilo que a revista Rolling
Stone apelidava The Age of Paranóia (A Idade da Paranóia).
No ano anterior, Martin Luther King e Robert Kennedy
tinham sido assassinados e a polícia tinha provocado distúrbios na Convenção
Democrática em Chicago. Os assassinos
do clã Manson estavam a ser utilizados para manchar a cultura
223
jovem, que até pouco tempo antes tinha sido aceite com
calor. Era evidente que os Doors faziam parte do alvo.
Em Toronto, disseram-lhes quando subiam para o palco
que a polícia da cidade estava pronta para saltar a um simples estremecimento de Jim.
Dois dias antes do espectáculo
em Filadélfia, o perfeito desenterrou uma lei de 1879 dando-lhe poder para revogar
uma autorização para qualquer espectáculo que «possa ser de natureza imoral ou
desagradável e
prejudicial à comunidade», e depois do promotor ter lutado
contra essa disposição regulamentar e ganho, os Doors foram
avisados que os condutores das suas limusinas eram narcs(1).
Em Pittsburgh, o espectáculo foi interrompido quando centenas de jovens se
precipitaram sobre o palco. Em Las Vegas,
o delegado do município foi ao espectáculo com mandados
em branco emitidos para cada um dos Doors, as acusações
seriam preenchidas - ou não - de acordo com a exibição
da banda.
Os espectáculos tornavam-se compactos e brilhavam apesar da pressão. Jim apreciou a
oportunidade de se limitar a
cantar e distrair e até revelou sentido de humor sobre a situação. Mas estava
irritado com a falta de espírito das autoridades e começou a pensar que talvez
fizesse alguma coisa a
esse respeito a isso, de uma vez por todas.
Foi com sensações contraditórias que anteciparam os
espectáculos na cidade do México marcadas para o fim do
mês no Plaza Monumental, a maior praça de touros da cidade.
Significava de novo tocar para uma grande audiência ao ar
livre (quarenta e oito mil pessoas), mas os Doors sentiram
que o prestígio do espectáculo era mais importante do que
qualquer recompensa estética, e pelo facto dos bilhetes custarem entre 40 cêntimos e
1 dólar, acreditaram que não excluiriam os pobres. Foi também planeado que a banda
actuaria em benefício das Nações Unidas ou da Cruz Vermelha
no Hotel Real Camino, assim como num clube restrito e caro.
Mas o promotor na cidade do México, um jovem e barbudo decorador de interiores
chamado Mário Olmos não foi
capaz de conseguir todas as licenças necessárias, de modo que
se dirigiu a Javier Castro, cantor de vinte e seis anos e que
era proprietário do «Fórum», um clube de mil lugares onde se
jantava, mais ou menos equivalente em decoração e clientela
ao Copacabana de Nova Iorque. Disse a Javier que podia
passar os Doors durante quatro noites a cinco mil dólares por
noite. Juntos encontraram um amigo que providenciou um
cheque de caixa de 20 000 dólares para levar aos Doors como
O Narcs, agentes da Brigada de Narcóticos. (N. do T.)
224
[Fotografias]
225
Jim e Pamela Courson Morrison, em Bronson Caves, Hollywood hills,
Califórnia
226
227
Debaixo da ponte de Veneza. Foto publicitária dos Doors, 1970
228
229
Jim com Hervé Muller em Paris, Junho de 1971
230
Jim em Paris, 1971
231
232
garantia, e na manhã seguinte, os jornais da Cidade do México traziam um anúncio de
página inteira, anunciando o aparecimento dos Doors no «Fórum» naquele fim de semana.
Os Doors não tinham sido consultados sobre estes planos
e estavam furiosos quando Mário e Javier entraram nos seus
escritórios de anúncio de jornal e cheque na mão, e loucas
promessas na boca. Nessa noite o escritório estava mal iluminado, a secretária de
Bill Siddons estava em desordem com
garrafas de cerveja vazias, cartazes, jornais e anúncios do
«Fórum». Os membros da banda estavam sentados com ar sério,
falando sobre a maneira como deveriam chamar um médium.
Essa ideia surgiu quando Alan Ronay e Leon Barnard relataram presságios sobre a morte
de Jim. Não era a primeira
vez, mas parecia ser o arauto do destino.
Bill Siddons nunca conseguiu aceitar com à-vontade tais
rumores. No ano anterior Jim tinha sido dado como morto
numa dúzia de manhãs de segunda-feira, vítima de abusos
voluntários durante o fim de semana, e Bill tinha sempre
entrado em pânico, telefonado à doida para encontrar Jim,
isto até o próprio Jim silenciar os rumores fantásticos, chegando ao escritório para
ver o correio.
«Supôs-se que tu morreste», dizia Bill, sorrindo obviamente aliviado.
«Oh?» respondia Jim, abrindo o frigorífico no escritório
de Bill, e atirando para fora uma lata de Coors. «Outra vez?
Como é que foi desta vez?»
Não contaram a Jim sobre os presságios de Leon e do
seu amigo íntimo Alan. A partida para o México prosseguiu.
«Jeem! Jeem! Onde está Jeem?» Milhares de fans dos
Doors tinham vindo saudá-los e dar-lhes as boas-vindas ao
México.
Os Doors dirigiram-se através da alfândega para a sala
de espera do Aeroporto da Cidade do México. Com a sua
barba abundante, Jim passou irreconhecível: não parecia o
Jim Morrison que tinha sido pintado na parede da frente do
«Fórum», e houve rumores de descontentamento acerca da sua
pessoa. Pediram a Siddons que falasse com Jim, o que ele fez.
Mas a barba ficou.
As actuações foram das melhores que eles jamais fizeram.
Os Doors eram muito mais populares no México do que pensavam e a resposta dos meninos
ricos que enchiam o clube
todas as noites, estimularam-nos a climaxes musicais fora do
vulgar - embora notassem quão estranha era alguma dessa
popularidade. Foi a reacção à música The End que mais os
confundiu.
233
Na primeira noite, Jim e os outros ignoraram os pedidos
repetidos para aquela música, mas na segunda noite condescenderam. À medida que se
aproximavam da parte edipiana,
tanta gente na audiência começou a fazer «Sh! Sh! Sh!» que
mais parecia uma sala cheia de cobras.
«Pai?» «Sim, filho?»
Jim reteve a resposta que o verso implicava, e todos os
jovens na sala gritaram imediatamente, Quero matar-te!
Jim olhou para a escuridão, visivelmente espantado,
«Mãe?» perguntou em desafio. «Quero...» e de novo a audiência estourou.
Jim estava impressionado.
Esta música era tão popular no México, que tinha sido
lançado num disco ampliado de quarenta e cinco rotações,
e era tocada tantas vezes nas Jukeboxes que as letras estavam
praticamente ininteligíveis. «O México é um país edipiano»,
alguém disse mais tarde a Jim. «Está todo envolvido em machismo nacional e na "Mãe
Igreja".»
Os Doors foram tratados como realeza, e uma semana
levou-os a melhor apreciar o conforto que acompanha um
compromisso prolongado. Houve tempo para passeios e nesse
intuito estavam à disposição cadillacs iguais pretos e brancos,
condutores e uma mulher chamada Malu, que servia normalmente como publicista do
«Fórum» e agora era a intérprete e
acompanhante dos Doors. Estavam todos disponíveis numa
base diária de vinte e quatro horas. Foram apresentados ao
filho do presidente do México, que estava vestido no último
grito da Carnaby Street e em cujo rasto viajava um pequeno
grupo de raparigas americanas, conhecidas localmente como
as groupies presidenciais (aquela que Jim seleccionou para si
enquanto visitava o museu de antropologia era muito parecida
com Pamela). Alguém apareceu nos bastidores trazendo algo
que parecia uma libra de cocaína num grande saco de papel,
que ofereceu aos rapazes sem restrições.
Bill Siddons organizou reuniões durante a semana. Primeiro tentou planear um concerto
gratuito num parque que
foi rejeitado porque o governo não estava disposto a permitir
que tantos jovens se reunissem num só local (um ano antes,
tinha havido desordens de estudantes e greves maciças). Depois disso, Siddons tentou
montar um espectáculo de televisão e finalmente foi assinado um contrato para um
programa
especial de duas horas sobre os Doors, a sua música e as suas
ideias. Contudo, nada se realizou.
Os Doors regressaram ao hotel depois do último dos
cinco espectáculos. O condutor do Cadillac de Jim guiava ao
234
longo da larga avenida com três faixas, a oitenta milhas por
hora, reduzidas para cinquenta à entrada de uma curva a
noventa graus. A velocidade fazia todos rir de modo nervoso.
Jim fez uma arma com o dedo e o polegar e produziu
os sons ressonantes de tiros de pistola. «Andele! Andele!»
(Vá! Vá), gritou. Os Doors penetraram a noite mexicana.
Ainda era difícil para a banda arranjar trabalho. Antes
de partirem para o México, mais dois concertos tinham sido
cancelados, em St. Louis e Honolulu, deixando-os apenas com
um confirmado durante todo o mês de Julho, e mesmo esse
num teatro de Los Angeles que tinha sido arrendado para
uma série de concertos nocturnos à segunda-feira pela própria companhia discográfica
dos Doors. Os bilhetes esgotaram-se na mesma hora em que foram postos à venda.
Houve dois espectáculos e antes de cada um, Jim distribuiu a membros da audiência
cópias de um poema impressionista que tinha escrito acerca da morte recente de Brian
Jones, o guitarrista dos Rolling Stones, Ode to L. A. While
Thinking of Brian Jones, Deceased (Ode a L. A. Pensando
em Brian Jones, Morto). Como em An American Prayer («Uma
Oração Americana»), havia um jogo de palavras à maneira de
Joyce e uma contemplação universal da morte.
A tempestade jornalística que se seguiu ao incidente de
Miami estava finalmente a desaparecer. Em Junho, Julho e
Agosto, numa altura em que os Doors ficaram realmente
desempregados, muitas publicações importantes para Jim começaram a publicar artigos
lisonjeadores.
Um dos jornais de Los Angeles chamou ao espectáculo
do «Aquarius» «um dos concertos de rock mais excitantes desde
há anos», e outro trazia em título, «Audiência ouve um Novo
Jim Morrison». A Rolling Stone, a publicação que tinha feito
Jim passar por doido na sequência imediata de Miami, incluiu
uma crítica agradável de Feast of Friends, continuou com
uma fotografia de capa e a entrevista de Jerry, que continha
mais de oito mil palavras, e finalmente publicou uma notícia
sobre a ida ao México com quatro mil palavras. Na emissão
de Julho de Jazz & Pop de Pat Kennely havia uma lisonjeadora reportagem da
apresentação dos Doors no Canal 13 de
Nova Iorque. Por fim, na primeira semana de Agosto, surgiu
uma longa apreciação crítica dos Doors escrita pelo jovem
autor Harvey Perr para o Los Angeles Free Press. Mais tarde
Harvey tornar-se-ia amigo de Jim e este artigo seria incluído
no The Doors Complete, uma compilação de toda a música
dos Doors.
235
«Não tenho a inteira certeza que a minha própria
admiração pelos Doors tenha alguma coisa a ver com
a sua música (escreveu). Alguns deles são, reconhecidamente, fracos, mas considero
que o grau com que se
entregam à simplicidade, é mais admiravelmente impressivo do que o grau com que
outros artistas menores evitam conscientemente a simplicidade. Parece-me que se
um grupo atingiu verdadeiramente as perfeições poéticas,
devia beneficiar do luxo de cometer grandes erros; muito
poucos agem de uma maneira ou de outra. É como
a poesia de Morrison; a maior parte dela é o trabalho
de um poeta genuíno, um Whitman dos revolucionários
anos sessenta, mas alguma é embaraçosamente imatura.
Não é um crime ir de um extremo artístico ao outro;
são, afinal de tudo, falhas humanas, e não existe arte
se não existir humanidade. Mas, repito, não é, de qualquer modo, nem a sua música e
talvez nem mesmo a
sua poesia, ou a qualidade da música ou o carisma, nem
os álbuns ou o concerto de «Aquarius», por estranhos belos
e excitantes que sejam, que realmente me fez admirar
os Doors. Ao contrário, são as vibrações que deles recebo
por causa do sítio onde sinto que eles estão a tentar
entrar e a fazer-nos entrar, um mundo que transcende
o mundo limitado do rock, e se movimenta em áreas
cinematográficas, teatrais e revolucionárias. Ver Morrison não em palco mas a viver a
sua vida, nesses momentos mais calmos: vê-lo na produção de Norman Mailer,
The Deer Park, em cada representação do Living Theatre («Teatro Vivo»), na abertura
do James Joyce Memorial
Liquid Theatre da Companhia de Teatro, sempre no local
certo, na hora certa, furiosamente envolvido no género
de arte que é mais pertinente do que tangencial à vida.
Esse género de pessoa não tem que ter poesia dentro dele,
mas se a tem, quando a faz, devemos olhar para ela mais
cautelosamente, levá-la mais a sério. No caso de Jim
Morrison e os Doors, a agitação vale a pena. Aproximaram-se da Arte, não importando
quanto ofenderam, divertiram ou mesmo excitaram os críticos de rock. Os padrões
pelos quais a sua arte deve ser medida são mais antigos
e mais profundos.»
Alguns dias depois do espectáculo do «Aquarius», quinta-feira, ao fim da tarde, Jim
entrou no escritório e em seguida
na casa de banho. Denny estava na secretária de Jim, o
correio espalhado à sua frente, ao telefone. «Oh, merda!»
gritou Denny.
236
«Hoje estamos poéticos, não estamos?» observou alguém.
«O que é que aconteceu?» perguntou Jim, fechando a
berguilha, voltando ao escritório.
«Nada», murmurou Denny, fingindo ler o correio.
«O que é que queres dizer com nada? Não me digas
que não é nada», arreliou Jim. «Tiro algum tempo do meu
horário sobrecarregado para me informar e possivelmente ajudar no que parece ser um
mero caso de azar, gesto que tu,
com desprezo, rejeitas.» Jim estava obviamente de bom humor.
Denny tinha tentado desesperadamente arranjar bilhetes
para um concerto local dos «Roling Stones», agora a alguns
dias apenas. Estava esgotado há semanas, e com o último telefonema, não só tinha
esgotado todas as suas fontes, como
também tinha recebido a notícia final de que não ia haver
mais bilhetes.
«Consegues-me arranjar bilhetes para os Stones?» perguntou Denny hesitantemente.
«Para que é que precisas de Mick Jagger quando me tens
a mim?» perguntou Jim demonstrando uma mistura de arrogância e ofensa.
Denny não conseguiu responder. Não tinha querido magoar Jim, mas desejava muito os
bilhetes e tinha a certeza
que Jim os conseguia arranjar com um simples telefonema.
Jim brincou com Denny.
«Quero dizer, em que noite é esse concerto? Esta sexta-feira, não é? Pensei que
iríamos fazer qualquer coisa juntos
nessa noite», disse Jim, divagando um pouco mais ainda,
antes de ser chamado para o escritório para uma reunião.
Na tarde seguinte, sexta-feira, dia do espectáculo, Jim
chegou ao escritório. Denny estava novamente à secretária
de Jim matutando no correio do dia. Ambos se comportavam
como se a conversa do dia anterior nunca se tivesse passado.
Jim puxou um par de bilhetes para o concerto do bolso do
casaco.
«Olha o que alguém me deu na noite passada. Sem qualquer razão. Apenas me disse:
"Olha, Jim, tenho estes dois
bilhetes para os Rolling Stones, dou-tos". E entregou-mos,
simplesmente. Podes imaginar?» Jim olhou para os bilhetes.
«Ena, olha o que diz aqui: terceira fila! Bem, merda, não
quero desperdiçar isto. Não posso ir. Alguém os quer?»
Havia três pessoas na sala, além de Jim, que tinham estado presentes no dia anterior.
«Claro, Jim, ficarei com eles
se não os utilizares», disse uma secretária.
Bill disse que já tinha o seu. E Ray também. Denny
estava silencioso, confuso.
237
Jim sentou-se na secretária defronte de Denny e pôs a
mão direita por cima da carta que ele estava a ler. «Hoje
é o teu dia de sorte, homem. Estou preparado para fazer
negócio contigo.»
Denny olhou para cima. «Não quero fazer negócio contigo», disse.
«Não queres pelo menos ouvir o que é?» disse Jim calmamente.
Denny acenou com a cabeça.
«Está bem», continuou Jim, «o negócio é, dás-me o raio
da minha secretária e eu dou-te estes bilhetes.» Jim pôs os
bilhetes em cima da secretária.
Denny deu um salto, lançou-se à roda da secretária, deu
a Jim um abraço apertado agarrou nos dois bilhetes e fugiu
para a porta.
«Hey!» vociferou Jim.
«O quê?» Denny parou.
«Podias pelo menos agradecer.»
De novo no apartamento de Norton Avenue, em West
Hollywood, a uma distância que se pode fazer a pé do escritório, Pamela estava sobre
o efeito de downers e irritada, Jim
estava ao telefone tentando falar com Babe Hill. Pamela continuava a interromper,
provocando um zumbido de fundo,
constante e importuno.
«Sim, hey, Babe...»
«Jim, ouve-me», disse Pamela, «desliga esse telefone e
ouve, isto é mais importante do que o sítio onde tu e Babe
se vão encontrar...»
«...Desculpa, Babe, o quê?»
«...Fazer o que normalmente fazes, embebedares-te, estou a falar contigo, Jim. Jim!
Jim ignorava-a, de costas curvado sobre o telefone, «Babe,
desculpa o barulho. Sabes como é a Pamela...»
«Jim! Estás a provocar uma discussão?» A voz de Pamela
ergueu-se metade de uma oitava e vinte decíbeis. «Jim, raios
partam, sempre que começas uma discussão, sais, embebedas-te e depois fazes alguma
coisa ultrajante. Raios, Jim.»
Pam não se preocupava com muitos dos amigos de Jim.
Mais concretamente, era cruelmente ciumenta de quem quer
que Jim escolhesse em vez dela para passar algum tempo.
Chegou mesmo a opor-se veementemente ao papel de Jim como
hóspede perpétuo e odiava ainda mais a sua teimosia obstinada. Em contrapartida as
amigas de Jim toleravam Pamela
com o espírito de que Jim a amava verdadeiramente, e de que
ela, apesar da sua possessividade exaustiva, também era boa
para ele.
238
Jim não gostava muito dos seus amigos, alguns deles
homossexuais. Pam tentou mostrar a Jim que ele não gostava
nos outros daquilo que não gostava ou não podia aceitar nele
próprio. De qualquer forma, esses eram os companheiros que
satisfaziam os desejos sociais de Pam, que respondiam às
suas necessidades, que ofereciam simpatia de uma maneira
que Jim não podia, nada exigindo fisicamente em troca. Jim,
contudo, sentia secretamente que se utilizavam dela para
chegar perto dele. Em parte tinha razão, mas não tinha coragem para lhe dizer. Então,
em vez disso, exprimia outras
objecções.
Jim também detestava a sua preferência de drogas. Pensava que os downers eram
perigosos, e simultaneamente sentia-se sempre de algum modo culpado por ter sido ele
a introduzi-la nas drogas. Por isso também engolia essa objecção.
Não conhecia a experiência de Pam em heroína. E ela, em
contrapartida, sentia-se culpada por o esconder.
A mútua franqueza criaria separação, e como nenhuma
das partes era do género de confessar a verdade, a separação
normalmente emergia numa briga. Era quase sempre disparada por algo trivial, como por
exemplo o filme que iriam
ver naquela noite. Uma vez discutiram ferozmente sobre a
probabilidade de vida média de um «retriever» dourado (tinham
um chamado Sage).
Voavam panelas, livros e pratos. Uma vez, quando Pamela se queixou da confusão dos
seus livros, ele lançou várias
centenas deles pela janela de um segundo andar. A casa
ressoava com berros e gritos. Depois Jim desaparecia, ou
Pamela dirigia-se silenciosamente para a porta ao lado, para
os seus vizinhos homossexuais dos montes de Beach Wood e
anunciava, «A atitude de hoje é... medrosa.»
Algumas vezes Pamela procurava vingar-se utilizando a
limusina espampanante de que Jim se servia para as suas
viagens ocasionais ao México com os rapazes. Como pedia
ao condutor habitual de Jim para a levar às compras, sabia
que o seu divertimento lhe seria comunicado. Não era invulgar nela gastar dois mil
dólares ou mais nestas demonstrações.
Uma vez, depois de um episódio especialmente dramático
que envolvia Jim e a bebida, Pam remexeu furiosamente a
gaveta de maquiagem, encontrou o que procurava, e quando
Jim saiu de casa, rabiscou com batôn encarnado no espelho
da casa de banho, «Alguns símbolos do sexo - não conseguem sequer levantá-lo!»
Depois de outras lutas, Pamela conseguiu esvaziar a
cabeça com downers ou, ocasionalmente, com trips, ou era
vista em público, discutindo com um empregado do bar do
239
Beverly Hills Polo Lounge, debaixo de uma mesa no bar
Troubadour, andando de festa em festa no circuito rico das
estrelas de rock, esparramada nos assentos negros de limusinas a ouvir rock and roll
aos altos berros. Tinha dúzias de
romances. Um deles, com um jovem conde francês que tinha
desembarcado no Norte de África e que partilhava a sua afeição por heroína, foi
considerado sério. Outro, este com o filho
de um mogol morto do cinema, foi também mais do que uma
simples pândega.
Jim retomava os seus velhos romances, telefonando às
antigas namoradas, Ann Moore, Pamela Zarubica ou Gayle
Enochs. Os dias de Jim como filantropo sexual tinham passado à muito. Embora visse
Anne, Pamela e Gayle duas ou
três vezes por mês, quando muito, as relações estavam bem
estabelecidas.
Gayle era a morena simpática que ele levou para Nova
Iorque quando os Doors apareceram no canal cultural da
televisão e era para sua casa, não longe da de Pamela nos
montes de Beachwood, que ocasionalmente ia para uma conversa que durava toda a noite.
Outras vezes andavam ao
longo de Hollywood Boulevard e jantavam nos pequenos restaurante étnicos que Jim
preferia, ou levavam uma garrafa
de vinho para um dos cinemas do "Western Avenue especializados em filmes
estrangeiros.
A sua relação com Anne era ainda mais cerebral. Ela
era estudante de arqueologia e antropologia na USC e escrevia para algumas revistas
de adolescentes. Perdiam-se em conversas errantes sobre as epopeias egípcias ou
talmúdicas, ou
Ginsberg, Corso e Kerouac. Jim sugeriu que ela lesse aqueles
autores e tirasse alguns cursos cinematográficos na USC.
Via menos frequentemente Pamela Zarubica, indo normalmente muito à noite à sua
pequena casa de Hollywood,
a cair de bêbedo, falar sobre poesia. «Poeta?» escarnecia ela
carinhosamente. «Deixa-me rir. Poeta? Lord Byron? Como é
que te classificas, querido? Nada mal para um rapaz de L. A.»
Jim adorava isso. Como as outras, Pam adorava Jim
ternamente, e Jim dizia a todas elas que as adorava. Algumas
vezes era a sério. Mas a maior parte das vezes apenas tentava
ser amado e aceite como pessoa e não como estrela.
Foi, contudo, com Pamela Courson que Jim se comprometeu mais firmemente, chamando-a
ainda, a sua «companheira cósmica». Em Agosto, o contabilista de Jim disse-lhe
que a sua companheira cósmica estava a gastar dinheiro em
proporções cósmicas e disse-lhe que o último «presente» de
Jim a ela o podia enrascar financeiramente. Jim informou
Bob Greene que não se preocupasse, afirmando que preferia
240
gastar o dinheiro com Pamela do que com advogados. Pamela
queria ser proprietária de uma boutique e Jim pagava a conta.
O espaço que encontraram era adequado para Pamela.
Era no rés-do-chão do Edifício Clear Thoughts, praticamente
por baixo dos escritórios de Hiway, onde ela podia vigiar Jim
durante o dia. Um amigo artista de Topanga foi contratado
para projectar a loja e carpinteiros foram postos ao trabalho.
Inicialmente, iam chamá-la Fuckin Grectt -tiveram mesmo
cartões impressos com este nome- mas no fim acordaram
em Themis, em honra da deusa grega da justiça, da lei e da
ordem.
Lá em baixo, os carpinteiros colocavam pequeninos bocados de espelho no tecto. Em
cima, na sala G, a sala de
prensagem da Hiway, Jim estava sentado a fumar uma cigarrilha com os pés em cima da
mesa, e a falar sobre os assassínios de Sharon Tate na semana anterior. Um dos
assassinados,
Joy Sebring, tinha feito a Jim em 1967 o seu corte de cabelo
à «Alexandre o Grande».
Apenas dois anos tinham passado desde então, mas Jim
estava muito mudado. O seu cabelo já não andava encaracolado e cuidadosamente
desarranjado, as suas faces já não eram
magras, o seu tronco já não parecia esguio e musculoso, como
se fosse feito de corda esticada como nós. Já passara o tempo
do coiro e das pérolas. Agora Jim parecia quase uma pessoa
comum: como um estudante de colégio bonito e amante de
cerveja, de cabelo um tanto comprido e uma linha de queixo
angular. E começava a sorrir mais.
241

CAPÍTULO 9
Embora a relação de Jim com
Pamela se tornasse menos combativa no final do Verão, ele
passava cada vez mais tempo com aqueles de quem Pamela
não gostava muito: Frank Lisciandro, Babe Hill e Paul Ferrara, com os quais estava a
acabar o filme iniciado em Março
em Palm Springs. Tinha agora o título de HWY.
Alguns dos seus maiores desapontamentos surgiram por
causa do seu interesse no cinema. Ao longo dos meses ele,
Frank, Babe e Paul planearam muitos projectos. Puseram
com Timothy Leary a hipótese de um documentário sobre a
campanha governamental deste último na Califórnia, e depois Leary foi preso.
Encontraram-se com Carlos Castaneda
para assegurarem os direitos do filme, sobre The Teachings
of Don Juan («Os Ensinamentos de Don Juan») e disseram-lhes
que tinham chegado tarde demais. Jim foi abordado por um
dramaturgo americano para representar num filme italiano,
mas desistiu quando soube que se esperava que fosse também
a estrela, desempenhando o papel de cantor de rock que cometia uma vergonha pública
no Albert Hall em Londres.
Depois foi apresentado a Steve McQueen pelo seu velho
amigo do Whiskey a «Go-Go», Elmer Valentine. A companhia
de produção de McQueen estava a emitir Adam at 6 A.M.,
mas depois de se ter encontrado com Jim uma vez, McQueen
desinteressou-se dele. Aparentemente, falou demasiado, disse-lhes como o filme
deveria ser feito e o argumento escrito de
novo. Embora se tivesse barbeado para a entrevista, não estava
bem - gordo demais, com a palidez dos amantes de clubes
nocturnos. «Tinham medo que ele bebesse», recorda Elmer,
«isso era pior.»
243
Depois Jim conheceu Jim Aubrey, o lendário presidente
da televisão CBS, que era conhecido como o «Smiling Cobra»
(serpente sorridente) e tinha sido o inspirador de The Love
Machine de Jaquelline Susann. Nessa altura, Aubrey era um
dos imperadores do espectáculo (iria controlar em breve a
MGM).
Primeiro exibiu os dois firmes de Jim, depois organizou
um grande almoço no Luau, em Beverly Hilb. Bill Belasco,
o volúvel assistente pessoal de Aubrey, era um dos presentes.
Depois de se despedirem de Jim, Aubrey voltou-se para Belasco
e disse, «Jim Morrison vai ser a maior estrela de cinema dos
próximos dez anos. Este tipo será o James Dean dos anos
setenta.» Disse a Belasco para o contratar a qualquer preço.
Jim saiu do almoço desconfiado. «Aqueles tipos disseram
que queriam produzir o filme que escrevi com Michael», disse
ao seu amigo Frank Lisciandro. «Penso que a verdade é que
eles querem simplesmente é pendurar a minha carne no écran.»
Os problemas legais de Jim aumentavam. A Florida tentava extraditá-lo com a acusação
ridícula de «fuga da justiça»
e o FBI estava a conduzir uma intensiva investigação do seu
passado, recorrendo a antigas amigas e à faculdade da Universidade do Estado da
Florida.
A 9 de Novembro de 1969, Jim compareceu perante o
juiz Murray Goodman no tribunal de Miami e declarou-se
formalmente «não culpado». Foi estabelecida uma fiança de
5000 dólares e o juiz disse que o julgamento começaria em
Abril próximo.
No dia 11, de novo em Los Angeles, Jim e Pamela
discutiram cruelmente. Horas mais tarde, ao fim da tarde,
Jim entrou no escritório dos Doors. Olhou em volta.
«Hey, Leon... Frank. Gostariam de ir a Phoenix ver os
Rolling Stones?»
Bill Siddons e um promotor dos Doors, Rich Linnel, estavam a promover o espectáculo e
Jim tinha quatro bilhetes na
fila da frente. Telefonou a Tom Baker e os quatro compraram
aguardente e uma garrafa de «Courvoisier», bebendo-a a
caminho do aeroporto.
«O meu nome é Riva», disse a hospedeira, começando
a preparação para o voo.
«Se o teu nome é Riva», berrou Baker, «então o teu
velhote deve ser chamado Old Man Riva.»
Jim, Leen e Frank juntaram-se a Tom em coro numa
canção: «That olã man riva, he just keep rolling...»
A hospedeira estava visivelmente aborrecida, mas começou a dar instruções sobre as
máscaras de oxigénio. Quando
244
a máscara caiu da sua mão, Tom berrou novamente, «A minha
namorada tem uma dessas, mas chama-lhe um diafragma!»
Depois Tom foi ao WC e no regresso deixou cair uma
barra de sabão na bebida de Jim. Jim carregou no botão para
chamar a hospedeira e quando ela veio, lamentou-se «Ele pôs
sabão na minha bebida.»
«Está bem, Jim, está bem, calma sim? Vou trazer-te
outra.»
Em vez disso, trouxe o capitão do avião que disse, «jovem,
se não muda de atitude, faço voltar este avião para Los Angeles onde serão presos
todos os quatro.»
Ficaram sossegados durante um tempo, mas quando uma
hospedeira chamada Sherry passou, Tom apalpou-lhe a coxa.
Pouco tempo depois, Jim atirou a Lean as sanduíches de
que se tinham servido e Tom atirou um copo de plástico vazio
a Jim.
As hospedeiras e os oficiais de bordo fingiam ignorar a
violência mas quando o avião rolou para uma paragem em
Phoenix, foi rodeado por carros com luzes giratórias.
Ouviu-se um aviso no sistema PA do avião: «Senhoras
e senhores, aceitem por favor as desculpas da Continental...
o desembarque será atrasado por apenas poucos momentos.»
De repente o piloto apareceu a Jim e Tom.
«Como capitão do avião, prendo-vos ambos. Os outros
passageiros sairão primeiro e vocês serão escoltados pelo FBI.»
O FBI? Estavam espantados.
«Por que razão? O que é que fizemos?»
«Hey, homem», disse Baker perseguindo o capitão, que se
esgueirava, «eu tenho direitos.»
«Quais são as acusações?» perguntou Leon.
O avião ficou vazio à excepção dos quatro e dos agentes
do FBI do escritório de Phoenix, que algemaram as mãos de
Jim e Tom antes de os levarem para os fotógrafos que estavam
reunidos.
«Quais são as acusações?» perguntou novamente Leon,
assumindo o papel de responsável.
Tom baixou a cabeça ao sair do avião, os olhos e a cara
desviaram-se das câmaras. Num contraste evidente, Jim saiu
arrogantemente, queixo para a frente, cabeça para trás, um
sorriso orgulhoso no rosto.
Depois de terem passado a noite e a maior parte do dia
seguinte na cadeia, Jim e Tom foram acusados de bebedeira,
desordem e interferência no voo de um avião, sendo esta
última uma violação contra a nova lei do ar que podia resultar
numa multa de 10 000 dólares e uma sentença de dez anos.
Jim não tinha ainda vinte e seis anos, e esta possível sentença,
245
acrescida aos três anos de suspensão de Miami, significava
que podia passar os próximos treze anos da sua vida na prisão.
Os Discos Elektra faziam pressão para os Doors produzirem outro álbum logo que
possível. Tinham passado menos
de seis meses desde o lançamento do The Soft Parade, mas
a Elektra queria um álbum ao vivo pelo Natal. Os Doors
começaram a ensaiar as novas músicas em Setembro e em
Novembro tentaram gravá-las.
Irónica - considerado o resultado depressivo de Miami era a força e vitalidade das
novas músicas. No que respeita às
letras, o novo álbum seria o melhor trabalho de Jim desde
há anos, e Roy, Robby e John aceitaram o desafio, oferecendo
também o seu melhor apoio de sempre.
Parte do motivo para este vigor rejuvenescido foi que Jim
tinha passado por um período extremamente produtivo na
Primavera. No meio do seu envolvimento com filmes, tinha
continuado a escrever músicas e alguma poesia. Parecia, finalmente, admitir a si
próprio que estava destinado a fazer um
impacto permanente na música, não em cinema, e esta aceitação foi o ímpeto para a
criação de letras de tal qualidade,
apenas um ano depois de temer que se tinha «esgotado»
criativamente.
«Morrison Hotel», foi o nome posto, baseado num verdadeiro hotel no bairro degradado
de «Downtown L. A.»,
onde os quartos andavam a 2.50 dólares por noite, que foi
descoberto por Ray e Dorothy durante um dos passeios de
fim de semana na cidade. O álbum tinha muitas músicas fortes
e significantes para a América no ano de 1969. Uma delas
incluía dois versos poderosos de memória da infância de Jim.
A música era Peace Frog («Rã da Paz»), um tema cuja melodia
latente atraiu tanto Robby, John e Ray que a gravaram
mesmo sem letra. E um dia Ray encontrou um poema num
dos cadernos de apontamentos de Jim, chamado Abortion
Stories («Histórias Monstruosas») e utilizaram-no quase todo.
Foi surpreendente como os versos que Jim escreveu se adaptavam tão bem à música
criada pelos outros.
There's blood in the streets, it's up to my ankles,
there's blood on the streets, it's up to my knee.
Blood on the streets in the town of Chicago,
blood on the rise, it's following me.
Há sangue pelas ruas, chega-me aos tornozelos / Há sangue nas ruas,
chega-me ao joelho / Sangue nas ruas de Chicago cidade / maré de
sangue na minha peugada.
246
Durante um ensaio, Jim improvisou os dois versos a seguir
a ponte da música:
Blood in the streets runs a river of sadness
Blood in the streets it's up to my thigh.
The river runs down the legs of the city
the women are crying rivers of weeping.
Corre o sangue nas ruas, enxurrado de dor / sangue nas ruas a dar-me
pelas pernas / Rio a passar pelas pernas da cidade / choram as
mulheres rubros rios de lágrimas.
Na altura da ponte, cantou novamente:
She carne into town and then she drove away,
sunlight in her hair
Ela apareceu na cidade e partiu / com o sol nos cabelos /
Mergulhando de novo no poema para o resto da música,
começando com os dois versos inspirados no testemunho de
um acidente de automóvel que envolvia um camião cheio de
trabalhadores índios, recitou encolerizado:
Indians scattered on a dawn's highway bleeding,
ghosts crowd the young child’s fragile eggshell mind
índios dispersos na estrada matinal / espectros sangrentos enchem
a cabeça frágil dos meninos /
Depois cantou:
Blood in the streets of the town of New Haven,
blood stains the roofs and the palm trees of Venice.
Blood in my love in the terrible summer,
bloody red sun of Phantastic L.A.
Blood streams her brain as they chap off her fingers
blood will be born in the birth of a nation.
Blood is the rose of mysterious union.
Sangue nas ruas da cidade de Neew Havens / sangue sujando os telhados
e as palmeiras de Veneza. / Sangue no meu amor neste tórrido
Verão / rubro sol em sangue da fantástica L. A. / Flui-lhe o sangue
ao cérebro, enquanto lhe decepam os dedos / nascente de sangue
no nascimento de uma nação / Sangue é a rosa da união misteriosa. /
Roadhhowe Blues («Blues na Estalagem»), originalmente
destinada a ser a música que intitulava o álbum, era dedicada,
247
como tantas outras músicas de Jim, a Pamela. Quando cantava
(escrevia), «Keep your eyes on the road / Keep your hands
upon the wheel / we're going to the Roadhouse / Gonna
have a real good time», estava a repetir os versos que lhe fazia
quando ela os conduzia para a casa de campo que ele tinha
comprado na zona agitada de Topanga, em Los Angeles. De
novo, em Blue Sunday («Domingo Azul»), cantava o seu amor
por ela. «Now I have found / My girl...» Pamela foi também a
inspiração para a Queen of the Highway («Rainha da Estrada»):
«She was a princess / Queen of the Highway / sign on the
road said / Take us to Madre / No one could save her / save
the Blind tiger / He was a monster / Black dressed in leater...» O último verso era
uma referência sarcástica ao seu
amor perturbado: «I hope it can continue / just a little while
longer.»
Embora as músicas surgissem depressa, Jim estava normalmente bêbedo durante as
sessões e muitas vezes levavam
toda a noite para gravar as vozes para uma música. Uma vez,
quando Pamela veio ao estúdio e encontrou a garrafa de Jim,
bebeu-a para evitar que ele a bebesse.
«E então, lá ficaram os dois completamente fora de si e
a chorar», diz o engenheiro Bruce Botnick, a única outra
pessoa presente nessa altura. «Ele começou a abaná-la violentamente. Penso que estava
a provocar-me. Ela gritava descontrolada, dizendo-lhe que não devia beber mais e que
essa era
a razão porque ela tinha bebido. Tentei pôr ordem e disse.
"Hey, homem, é muito tarde". Ele olhou para cima, parou de
a abanar e disse, "Sim, certo", abraçou-a e saíram de braço
dado. Senti que ele tinha feito aquilo tudo para mim. Já o
tinha visto fazer coisa semelhante, porque depois disso ele
nos olhava sempre de um modo singular, para ver a reacção.»
Os problemas amontoavam-se.
Jim teve outro acidente na Blue Lady, desta vez arrasando
cinco árvores novas no Boulevard de La Cienega perto do
edifício Clear Thoughts. Abandonou o carro e correu para
uma cabine telefónica a telefonar a Max Fink para dizer que
o seu carro tinha sido roubado.
Freast of Friends foi descrito no Varíety - cuja palavra
podia afectar grandemente o potencial de compra de bilhetes
do filme - como uma pedra de tempo desapontadora, «feito,
ou a partir de bocados de algum projecto maior, ou como uma
tentativa frustrada de documentário de televisão diurna, próprio para entreter os
miúdos no regresso da escola». A Rolling
Stone, nas «Notas de Random», chamou-a «inferior, pretensiosa, estúpida, superficial,
fantasticamente maçadora e, sobre248
tudo, apenas uma primeira tentativa interminável de um
produtor de cinema amador». Se isto não foi o suficiente para
deitar Jim abaixo, já o foi os assobios que o filme teve nos
festivais de cinema de São Francisco e Santa Cruz.
O último single dos Doors extraído do Soft Parade, um
tributo a Otis Redding e o terceiro single de seguida escrito
por Robby, «Running' Blue», vacilou nas listas de vendas e
ficou-se pelo número sessenta e quatro.
Os julgamentos de Miami e Phoenix pairavam no ar.
As primeiras projecções do filme que fez sobre boleias,
HWY, foram organizadas e a opinião era de que ele parecia
de algum modo... inacabado.
Uma das namoradas de Jim estava grávida.
O contabilista de Jim insistia nas extravagâncias de
Pamela. Ele podia consentir a sua mesada; até mesmo os divertimentos caros e as
contas-correntes estavam dentro dos limites
da sensatez. Mas a loja era uma loucura. Já tinha custado a
Jim 80 000 dólares, e Pamela estava na Europa a comprar mais
mercadoria. Esta era a pior parte para Jim. Tinham-se zangado e Pamela tinha partido
para ver o conde francês que ela
dizia amar em conversa com as suas amigas.
Jim bebia.
Estavam todos bêbedos. Tom, Frank, Babe e Jim, bebiam,
claro, no bar Barney's Bearnery.
«És um anjinho, Morrison», disse Tom, atormentando o
seu amigo. «És um raio de um anjinho que não é conde.»
Jim ignorou o insulto. Frank e Babe fitavam as suas
bebidas.
«Diz-nos agora, Sr. Jim Morrison, estrela do rock», continuou Tom numa voz que ia até
ao fim do bar, «diz-nos o
que aconteceu em Miami.»
Era um assunto desagradável para Jim. Olhou fixamente
para Tom, deu outro golo na sua bebida.
«Vá, Jim, diz-nos de uma vez para sempre.»
«Sim», disse calmamente Jim, «eu fiz.»
«Fizeste o quê, Jim?» A voz de Tom era estridente, triunfante.
«Mostrei o meu pénis.»
«Porquê, Jim? Quando mostrei o meu no meu filme,
disseste que não era arte.»
«Bom», disse Jim em voz baixa para que toda a gente
presente tivesse que se esforçar para ouvir. «Quis ver como
é que ele era à luz de um projector.»
Houve um momento de pausa antes de Babe e Frank
desatarem a rir ao mesmo tempo, borrifando o bar com as
bebidas. Jim sorriu malvadamente.
249
A cena em casa de Ahmet e Mica Ertegun foi menos
divertida. Ahmet era o encantador filho do diplomata turco
que tinha criado os discos Atlantic e se tinha tornado um
homem muito rico. A sua mulher era uma das hóspedes mais
na moda de Manhattan. Ahmet sabia que o contrato dos
Doors com a Elektra estava a terminar e queria Jim na sua
etiqueta, então convidou-o para uma festa. Tudo o que Ahmet
recorda hoje é que Jim era num momento um Gentleman do
Sul, alardeando histórias interessantes e boas maneiras, e no
minuto seguinte um bêbedo furioso, de pé, num sofá, dilacerando as pinturas
dispendiosas penduradas na parede. Jekyll
e Hyde.
Jim celebrou o vigésimo sexto aniversário no dia 8 de
Dezembro de 1969, com Bill Siddons e sua mulher Cheri,
Frank e Kathy Lisciandro e Leon Barnard, na casa de Siddons
em Manhattan Beach. Depois do jantar, colocaram uma garrafa de brandy na frente de
Jim e fizeram joints para os outros.
Nesta altura, a marijuana só punha Jim nervoso. Ou paranóico.
Jim e Leon falaram casualmente em fazerem juntos um
strip cómico, depois a conversa voltou-se para Mick Jagger.
Jim estava inesperadamente (talvez de modo sarcástico) generoso, chamando a Jagger
«um príncipe entre os homens».
Depois agradeceu genuinamente a todos a festa e, já com a
garrafa vazia, apagou-se.
«Oh, meu Deus, olha!» gritou logo Leon. «Olha para
Jim!» saltou do seu lugar. Mergulhado inconscientemente na
cadeira, Jim tinha conseguido tirar o pénis para fora das calças
e estava a urinar no tapete.
«Jesus!» Bill atravessou a sala a correr, agarrou numa
grande taça de cristal e segurou-a debaixo do jacto.
Para sua surpresa, Jim encheu-a.
Bill tirou outra taça da mesa e Jim também a encheu,
depois uma terceira.
Leon, Frank, Kathy e Cheri morriam a rir.
Depois Frank e Kathy levaram Jim para o escritório dos
Doors e largaram-no, ainda a dormir, no sofá do escritório.
As pressões tornavam-se intoleráveis. Jim estava a ser
puxado e torcido por todos os lados. Frank, Paul e Babe
queriam mais dinheiro para acabar os filmes e os Doors queriam parar as filmagens,
pensando que estavam a esgotar as
energias que Jim deveria estar a dedicar ao grupo. Também
queriam que Jim se barbeasse e abatesse alguns quilos para
a série de concertos a começar em Nova Iorque dentro de
algumas semanas apenas. Pam pediu incessantemente que Jim
desistisse da sua carreira de cantor com os Doors e começasse
250
uma vida caseira com ela, na qual o visionava pacificamente
a trabalhar na sua poesia. Ao mesmo tempo, não menos que
vinte processos de paternidade estavam suspensos. Jim sabia
que as assistências dos concertos próximos esperariam o absurdo
quando tudo o que ele queria fazer agora era ficar calmamente
de pé e cantar. Os seus advogados proibiram-no de falar sobre
Miami e ele necessitava desesperadamente de proclamar a sua
inocência, assim como a sua repugnância pela hipocrisia do
assunto. Vince tinha voltado à carga com a ideia de um «novo
«manager». E existia a inconveniência claramente sentida de
ser incapaz de descer a rua anonimamente (por essa razão a
barba), uma inconveniência da qual Jim estava cada vez mais
ciente.
Jim estava sentado no sofá a beber uma cerveja no dia
seguinte à sua festa de anos, tentando resolver esta lista de
preocupações quando Bill e os outros entraram. Abanou a
cabeça distraidamente à medida que cada um entrou, depois
desviou o seu olhar para o Los Angeles Times que tinha sido
posto na sua secretária. Olhou vagamente para o jornal: a
«Vietnamização» continuava no Sudeste asiático; os índios
iam na sua terceira semana de ocupação da Ilha de Alcatraz;
no dia anterior - o do seu aniversário - tinha havido um
tiroteio durante quatro horas entre a polícia de L. A. e os
Panteras Negras; um júri de acusação tinha condenado
Charlie Manson e outros quatro pelo assassínio de Sharon Tate
e outras.
Jim largou o jornal. Girou o volume do corpo e esticou
a garganta.
«Acho», disse devagar, «que estou a entrar em depressão
nervosa.»
Toda a gente correu a consolá-lo, querendo insistentemente dizer alguma coisa que o
animasse, mas ao mesmo
tempo estavam assustados pela possibilidade de ele estar, finalmente, perto de cair
aos bocados. Bill foi à porta chamar
Vince Treanor na sala de ensaios do andar inferior.
Jim olhou malignamente para Bill. «Quando puseste essa
garrafa de Courvoisier na minha frente na noite passada,
disseste, "Isto é para o homem que bebe". Tive que a beber
toda.»
Voltou-se para Vince quando ele entrou na sala. «Eu
sabia o que estava a fazer, Vince. Em Miami vestia calções
de boxa Não os viste? Eu sabia o que estava a fazer e tu
impediste-me.»
Voltou-se para Leon e recordou a cena no cimo do edifício 9000, quando Leon sugeriu
que saísse da banda. «Não
vês?»? perguntou Jim. «Tinha que o fazer. Não podia parar.»
251
Era um discurso estranho e assustador. Jamais tinha deixado pessoas vê-lo tão
desoladamente vulnerável.
Uma semana mais tarde contrataram outra pessoa que
tomasse conta dele, um jogador negro de football com seis pés
e quatro polegadas, da Universidade da Califórnia do Sul, que
tinha servido como guarda-costas pessoal de Mick Jagger
durante a recente tournée dos Rolling Stones.
Jim gostou imediatamente de Tony Rinches. «Vamos
tomar uma bebida», disse.
«Com certeza, Jim. Tudo o que quiseres.» Tony pestanejou. «Talvez me possas
apresentar a uma dessas dançarinas
"Topless".»
Jim estava no México, de férias com Frank. Os outros
Doors estavam em Nova Iorque, esperando ansiosamente por
Jim para actuarem. Depois de muito trabalho, e da introdução
da fuck clause usual no contrato, a banda foi marcada para
o prestigioso «Felt Fórum».
O telefone tocou no quarto do hotel de Bill Siddons.
«Uhh... perdi o meu avião.»
«Jesus, Jim.» Bill lembrou-se instantaneamente do telefonema de Jim sobre um avião
perdido a caminho de Miami.
«Jim, estás sóbrio?»
«Bemmmmm...»
Os concertos a 17 e 18 de Janeiro - dois espectáculos em
cada noite - foram tomados seriamente por Siddons, os outros
Doors e igualmente pela Elektra. As actuações deviam ser
registadas para o álbum ao vivo que tinha sido iniciado no
Verão anterior. Nova Iorque era o sítio onde a maioria dos
colunistas e críticos trabalhavam, e as representações no «Felt
Fórum» eram supostas provar que os Doors eram ainda capazes
de actuar como banda. Um não-espectáculo, ou, pior, outra
exibição como aquela na Florida, seria um suicídio.
Siddons falou nos tons desesperados de um parente. «Jim,
fizeste outra reserva?»
Jim disse que sim e deu a Bill o número do voo.
«Terei uma limusina à espera, Jim.»
«Uh... Billy? Uh... há uma paragem em Miami.»
«Jim? Fazes o favor de ficar no avião?»
Depois de desligar, Bill telefonou para Tony Funches.
«Apanha um avião e vai para Miami imediatamente. Intercepta Jim. Encontra o avião
quando ele aterrar em Miami e
certifica-te que Jim não saia. Reservaremos lugares para vocês
regressarem a Nova Iorque.»
252
Os concertos foram bem sucedidos. A maior parte das
músicas eram antigas: Moonlight Drive, Back Door Man,
Breack On Through, Light my Fire, The End. Houve momentos memoráveis, como quando
John Sebastian e Dálias Taylor,
o baterista de Crosby, Stills, Nash and Young, se juntaram aos
Doors durante algumas músicas num espectáculo; e quando um
jovem homossexual se ergueu para Jim, rodeou dos seus braços
e pernas os joelhos de Jim e, depois de ter sido finalmente desprendido e levado, Jim
disse casualmente, «Bem, isto é Nova
Iorque. Os únicos que se precipitam para o palco são tipos.»
Aquela frase seria utilizada (fora do contexto) no álbum ao
vivo. Uma que não seria utilizada surgiu quando alguém
lançou a Jim uma joint, que era tão fina como a mina de um
lápis. «Isto é o que eu gosto nos joints de Nova Iorque», disse,
«poder palitar os dentes com elas.»
Houve reuniões enquanto os Doors estavam em Nova
Iorque. Algumas realizaram-se para discutir a publicidade e
promoção do Morrison Hotel, e os Doors eram sempre convidados. Jim detestava reuniões
e raras vezes assistia a elas.
Preferia deixar que os outros tomassem as decisões por ele.
Contudo, estava presente nos escritórios da Elektra quando
o assunto da sua imagem surgiu e fez-se circular um memorandum propondo uma nova
campanha de relações públicas.
Jim mergulhou num sofá, o casaco de camurça forrado de
pele de carneiro subido até às orelhas, enquanto o departamento de publicidade falava
gravemente sobre «Jim Morrison
como o homem da Renascença».
Foi tornado muito claro no memorandum de quatro páginas que os sentimentos de Jim
devem ser considerados:
«Jim Morrison é uma figura pública que procura
alargar os seus horizontes artísticos. Todas as figuras públicas devem ter imagens
públicas. A melhor imagem
pública é aquela que tanto o público como o artista possam viver alegremente. A
figura e o mais importante
porque ele tem que viver com ela mais intimamente.
Desde o momento em que ser um homem da renascença
implica explorações ilimitadas de todo e qualquer processo e experiência criativos,
penso que Morrison pode
viver com ela bastante facilmente. Uma vez estabelecido
nesse sistema de referência, pode tentar, fazer, viver tudo
o que quiser sem pôr em perigo - ou mesmo importunar- uma reputação, boa ou má.»
Além disto, o memorandum acrescentava: «Não existe
um Leonardo na cena e eles adorá-lo-ão em Poughkeepsie.»
253
Jim não gostou que uma empresa manipulasse a sua
imagem. Além disso, a Elektra tinha investido uma política
de publicidade dos Doors já com três anos e começado a
promover Jim Morrison em vez do grupo. Mesmo assim foi
no dia seguinte a uma festa da Elektra.
Fazia parte do ritual da homenagem da empresa. A maioria das empresas discográficas
organizam festas esmeradas
para os seus grupos com maior êxito quando se aproxima a
altura de renovar o contrato.
Esta festa foi excepcional, com caranguejos gigantes do
Alaska, caviar preto, Don Périgno, e um elenco de centenas
de pessoas, incluindo a filha de Ingrid Bergman, Pia Lindstrom, e uma galeria de
estrelas decadentes de Warhol - todos
comprimidos numas águas-furtadas de um quadragésimo quarto
andar, com vista impressionante de Manhattan. No fim da
noite houve a projecção do filme de Hitchcock 39 Steps.
Passava das duas horas da manhã. Jim e Pamela iam
embora e quando passaram pelo dono da casa, Jac Holzman,
presidente da Elektra, Pamela largou uma frase de despedida
devastadora. Jac ficou convencido que tinha sido Jim a
incitá-la.
«Bem, no caso de estarmos todos na Atlantic no próximo
ano», disse docemente Pamela, «obrigado pela elegante festa.»
jim apenas sorriu.
A campanha do Homem da Renascença foi abandonada.
O novo álbum foi lançado na primeira semana de Fevereiro e houve concertos
surpreendentemente satisfatórios na
Arena de Long Beach e no Winterland, de São Francisco.
Esgotaram-se todos e tiveram boas críticas. Jim tinha-se barbeado, vestia jeans
pretos e camisa preta, e cantou melhor que
nunca. E, finalmente, foi assinado um acordo por Jim, Bill
Belasco e Michael McClure respeitando à produção do The
Adept. A empresa de Jim, Hiway, e a empresa de Belasco,
St. Regis Films, tomaram juntas uma opção por um ano nos
direitos para filme do romance não publicado de Michael,
pagando-lhe 500 dólares num preço total de compra de
5000 dólares.
Em Março correram histórias em todos os jornais do
sector, relatando a qualificação como «Gold» (Disco de Ouro)
do quinto L.P. dos Doors da Elektra, Morrison Hotel, e apontando que o grupo era a
primeira banda de rock pesado americana a conseguir cinco álbuns de ouro de seguida.
Embora
fosse cancelado um concerto em Buffalo, foram fixadas outras
datas em Salt Lake City, Denver, Honolulu, Boston, Philadélphia, Pittsburgh, Columbus
e Detroit.
254
Apesar de Morrison Hotel não ter produzido um single
de êxito, restabeleceu os Doors como favoritos dos críticos,
recolhendo análises favoráveis em quase todas as publicações
importantes. Não só não havia cordas ou metais, como também a banda tinha tido tempo
de aperfeiçoar algumas das
músicas em concerto, antes de gravar - a primeira vez que
tinham tido este luxo desde a gravação do seu primeiro álbum.
Foi recompensador. Morrison Hotel possuía uma intensidade
que tinha faltado aos últimos dois álbuns. A voz de Jim tinha
amadurecido, tinha-se tornado mais profunda, e os outros
tinham evoluído como músicos. Foi um regresso artístico: os
Doors tinham conseguido engatilhar uma colecção de músicas
que corriam juntos com uma força assustadora.
Dave Marsh, então colunista da revista Creem, escreveu,
«Os Doors apresentaram-nos o rock and roll mais horrificante
que jamais ouvi. Quando eles são bons, são simplesmente
invencíveis. Sei que este é o melhor disco que eu ouvi... até
agora.»
A Rock Magazine também delirou: «Dizem vocês que
Morrison já não é sexy; está a ficar velho e gordo. Bem, mas
não se consegue ver a barriga no disco, ao passo que se podem
ouvir os tomates, e o quinto álbum dos Doors é, sem qualquer
dúvida, o álbum com mais tomates (e o melhor) deles até à
data.»
A edição de Maio de 1970 da revista Circus ecoou opiniões semelhantes: «Morrison
Hotel é possivelmente o melhor
álbum até agora dos Doors, convertera novos aderentes à fé
de Morrison, e tranquilizará aqueles que como eu pensaram
que os dois últimos já marcavam a decadência. Rock bom,
pesado e perverso, e um dos melhores álbuns lançados nesta
década. Mais poder para as calças de coiro de Morrison.»
Apenas a Rolling Stone recusou o elogio, mantendo a
opinião de que os dois primeiros álbuns dos Doors eram aqueles
que realmente contavam e que, até ver, Morrison Hotel só
podia ser verdadeiramente recomendado àqueles com um
interesse pessoal.
Jim manteve-se afastado durante este período. Os seus
pensamentos estavam no julgamento eminente de Phoenix e
nas eventuais pesadas sentenças que enfrentava: até três meses
e 300 dólares pelo crime de tentativa de agressão; até 10 anos
e 10 000 dólares pela acusação federal de interferência com
o pessoal aéreo num voo comercial. Jim, Frank, Tom e Leon
voaram para Phoenix na quarta-feira, dia 25 de Março, para
uma breve reunião pré-julgamento com Bill Siddons e o advogado de Jim, Max Fink.
Foram pedidas bebidas através do
255
serviço de quarto. Como de costume, Jim e Tom começaram
a competir.
Tom estava a tornar-se agressivo. Queria sair para beber.
«Que se foda esta bebida no quarto, merda! Vamos Jim.»
Jim disse «com certeza» e andou com passo hesitante. Siddons
sugeriu que eles não saíssem. Não queria Jim lá fora em
público, não naquela noite, tinha a absoluta certeza de que,
pelo menos, seria preso por bebedeira, o que daria uma bonita
história para a imprensa no dia do julgamento.
De repente Leon, perto de uma mesa de café, começou
a gritar para Jim: «Idiota! Idiota! Idiota!»
«Porque é que me estás a chamar isso?» perguntou Jim.
«Porque é que me estás a falar como a uma criança?»
«Porque estás a actuar como se fosses!»
Frank entrou e disse a Leon que se metesse no raio da
sua vida, quando foram interrompidos por uma pancada.
Alguém foi à porta e deixou entrar uma loira espanpanante.
«Procuro Jim», disse.
Rapidamente Jim se pôs em cima dela, fazendo correr a
boca ao longo da sua blusa. Toda a gente espreitou em bicos
dos pés.
Na manhã seguinte Jim e Tom vestiam ambos camisas
brancas, gravatas e blazers assertoados, Os cabelos compridos
estavam penteados para trás das orelhas. Leon e Frank foram
chamados como testemunhas, assim como as hospedeiras, Riva
Milf e Sherry Ann Mason. Foi o testemunho de Sherry que
convenceu o juiz. Disse que tinha sido apalpada durante o
voo por um dos acusados, apesar de vários avisos para manter
as mãos afastadas dela. Identificou Jim como o seu atacante.
Jim estava desorientado. Cada vez que Sherry descrevia
alguma coisa como feita por ele, estava na realidade a descrever as acções de Tom.
Ela tinha-os confundido aos dois.
Era como uma cena de Alice in Wonderland («Alice no País
das Maravilhas»). Finalmente o acusador pediu às suas testemunhas que não se
referissem a Jim e Tom pelo nome, mas
como «a pessoa no lugar A» e «a pessoa no lugar B». Jim foi
dado como inocente da acusação federal, mas culpado de
«agressão, ameaça, intimidação e interferência na actuação
das duas hospedeiras. Tom foi absolvido de todas as acusações.
A leitura da sentença ficou marcada para duas semanas mais
tarde.
Jim, Leon, Tom, Frank, Bill Siddons, Max e o advogado
local que tinha trabalhado no caso regressaram ao hotel e
pararam no bar. Surpresa! Lá estavam as duas hospedeiras
e o piloto que tinham denunciado Tom e Jim.
256
Bill e Leon aproximaram-se para apresentarem felicitações amigáveis. Jim pediu o seu
primeiro duplo.
Bill cativou-os, conversou amigavelmente durante meia
hora, depois regressou à sua mesa com as duas raparigas.
Sherry sentou-se ao lado de Jim, que nesta altura tinha bebido
quatro duplos e que lhe disse que ela era muito bonita.
«Sabe», acrescentou, «em qualquer outra circunstância
talvez pudéssemos adiantar qualquer coisa.»
Algum tempo mais tarde - e mais duplos - Jim decidiu
cantar. Largou a cadeira e vacilou em direcção ao piano.
«Não se importa se eu cantar também?» perguntou Jim
ao pianista surpreendido.
O manager do bar estava em cima de Jim tão depressa
como um jogador de foatball cai numa bola falhada. «Não,
não, não. Peço desculpa, Sr. Morrison, mas não, não, não.»
Jim ficou raivoso por esta incursão de autoridade.
«Vá-se foder, homem, vá-se foder! Vá-se foder! Vá-se
foder!»
Max e o jovem advogado puxaram Jim para fora da sala
e a festa prosseguiu. No vestíbulo, Tom desafiou Jim para
saltar para dentro de uma fonte.
Jim olhou fixamente e de modo embriagado para Tom e
largou para a fonte a correr.
Agora era a vez de Bill fazer parar Jim e, com ajuda,
meteu-o no elevador do hotel. Quando as portas se fecharam,
Jim gritou novamente «Vá-se foder!»
Na manhã seguinte todos regressaram a Los Angeles,
onde Jim foi para o bar de Palms com Tom e algumas raparigas- uma delas trazida
misteriosamente de Phoenix por
Jim, a outra, uma amiga de longa data dos Doors. Beberam
muito e jogaram pool (espécie de jogo de bilhar). Tom ficou
bêbedo e virou a mesa de pool. O proprietário do bar telefonou para o posto da
delegacia e Jim e Babe arrastaram Tom
para o escritório dos Doors que ficava perto.
A caminho, Tom gritou, «Morrison, não prestas! Todo
o Mundo te detesta! Detestam-te! Não prestas para nada!»
No escritório, Jim, Babe e alguns dos outros sugeriram
que Tom se fosse embora. Finalmente, Jim explicou o que o
roía. Tinha pago todas as despesas de Tom em Phoenix: os
bilhetes de avião, os quartos do hotel, refeições, bebidas, advogados, toda a cena.
Tinha também livrado Tom da acusação
e tudo o que recebia em troca era aquela ressaca.
Jim atirou-se a Tom e tentou lutar com ele até à porta.
Tom ria. «Tens que sair daqui», grunhiu Jim, «isto é um
local de negócios.»
257
Um amigo de Tom apareceu e atirou-se a Jim, depois
chegou Tony Funches e agarrou o amigo de Tom. Babe
juntou-se a Tom a empurrar o amigo. Jim escapuliu-se para
o gabinete de Bill Siddons para telefonar ao delegado. Um
carro surgiu em grande velocidade, respondendo à chamada
inicial do bar.
«Queres dizer-me que telefonaste para a polícia?», perguntou Tom. Agora estava
separado dos outros, a olhar para
Jim, espantado.
«Quer dizer que foi você que nos chamou?», perguntaram
os polícias, igualmente espantados.
Babe começou a ser insolente para os substitutos do delegado, que preferiram ignorá-
lo e irem-se embora. Tom meteu-se no carro do seu amigo e partiu, deixando Jim, Babe
e
Tony no passeio. Quando Tom regressou dez minutos mais
tarde para atirar uma pedra à janela do escritório dos Doors,
Jim já tinha partido para o Barney's Beanery para tomar outra
bebida. Foi a última vez que Jim viu Tom Baker durante
quase um ano.
Durante o mês de Abril, Jim ficou mais preocupado com
os seus problemas legais. Antes de regressar a Phoenix no
dia 6, tinha revisto o impressionante documento com sessenta
e três páginas que Max Fink tinha preparado para o caso de
Miami. Jim tinha ficado contente com a eloquência de Max
na sala do tribunal de Phoenix - chamava-lhe um «regular
Perry Mason» - e ficou muito contente quando viu que os
resumos continham um desafio à constitucionalidade das leis
ao abrigo das quais tinha sido preso.
As primeiras dez páginas explicavam «as atitudes sociais
contemporâneas e os padrões comunitários» como Max (e Jim)
os observavam: «A juventude (e uma grande parte da nossa
população madura) revoltou-se contra a hipocrisia, a falsidade, a superfície "branca
como os lírios" e a subsuperfície
decadente da nossa sociedade. Os conceitos falsos, efémeros
e vitorianos tinham desaparecido perante o conhecimento, os
desenvolvimentos científicos e a educação...»
Max tomou como precedentes legais os casos de tribunal
que envolviam os filmes l Am Curious Yellow e Midnight
Cowboy, e fez referência a Tropic of Câncer de Henry Miller,
assim como às pinturas de Gauguin, Picasso e Michelangelo.
Muitas páginas foram gastas a argumentar que a Primeira
e Décima-Quarta Emendas protegiam as actuações teatrais,
e o resumo comentava «o medo histórico do potencial político
do teatro». As disposições regulamentares do Supremo Tribunal
dos Estados Unidos que protegiam a liberdade de expressão
258
foram citadas. Por fim, Max atacou individualmente as acusações, declarando que
estavam todas em infracção directa à
Primeira, Oitava e à Décima-Quarta Emendas, que eram
«inconstitucionalmente vagas», e não provadas por factos. Das
quatro leis que era suposto Jim ter violado, sublinhava o
resumo, a mais recente tinha sido decretada em 1918.
A 6 de Abril Jim voltou a Phoenix com Max, aparentemente pela sentença referente às
violações da lei do Ar.
Quando Max disse no tribunal que a hospedeira chamada
Sherry tinha cometido um erro e que queria alterar o seu
testemunho, o juiz adiou a sentença e marcou outra conferência para o fim do mês.
No dia 7, as primeiras cópias do seu livro chegaram de
Simon e Schuster. Jim pegou no fino volume, admirando-o.
The Lords and the New Creatures, rezava o título, e por baixo
a palavra «poemas». Jim não estava contente com a maneira
como o seu nome apareceu. Tinha pedido para porem James
Douglas Morrison, mas tinham usado Jim Morrison. Também tinham utilizado na capa e na
contracapa aquela fotografia do «Jovem Leão» e na sobrecapa do livro fizeram
referência à sua carreira de rock e chamaram à sua audiência
«miúdos» - não gostou de nenhuma delas. Ainda na sobrecapa do livro era referida de
um modo muito superficial a
poesia de Jim. Dizia, «Ele vê e fala da América contemporânea- as cidades, a droga, o
cinema, o correr do dinheiro,
as velhas bebedeiras e as novas liberdades do amor...»
Contudo, Jim enviou um telegrama ao seu editor em
Nova Iorque que começava, «Obrigado para ti, Simon e
Schuster, o livro é muito melhor do que eu esperava.» E disse
a Michael McClure, «Foi a primeira vez que não me foderam.» Michael jura que Jim
tinha lágrimas nos olhos.
No dia seguinte, Babe Hill caiu de um carro em andamento e fracturou duas vértebras
do pescoço depois de uma
rodada de bebida com Jim no Phone Booth, e no dia a seguir
o mesmo Jim estava bêbedo num palco de Boston.
O concerto estava atrasado e às duas horas da manhã o
hall manager decidiu desligar a ficha, cortando a electricidade
da banda. Misteriosamente, o microfone de Jim ainda trabalhava.
Jim pestanejou. Depois tirou o delgado microfone dourado do suporte e murmurou
audivelmente, «brochistas».
Ray saltou rapidamente para a frente. Isto era o que ele
e os outros tinham temido. Bruscamente, colocou uma mão
sobre a boca de Jim e levantou-o com um braço, levando-o
para fora do palco como se fosse uma estátua.
259
A audiência pedia mais música.
Algum tempo depois Jim fugiu de Ray e tornou a aparecer. Balançou-se até à frente do
palco e gritou, «Devíamo-nos juntar todos e divertirmo-nos... porque eles vão ganhar
se nós os deixarmos!»
Na altura em que Jim acordou na manhã seguinte, o
concerto dessa noite em Salt Lake City tinha sido cancelado.
O hall manager de Salt Lake estava entre a audiência de Boston e não gostou daquilo
que viu.
A paranóia de Miami continuou. Em quase todos os
concertos, os hall managers pediam a Vince para cortar o
cláusulas contratuais em concertos de outras bandas
os Doors estavam curiosos em saber se o próximo espectáculo
não era pura e simplesmente cancelado no último minuto.
O incidente de Miami estava a afectar toda a indústria.
Artigos antiobscenidade passaram a ser acrescentados como
cláusulas contratuais em concertos de outras bandas em
dúzias de cidades, nas quais se exigia dos grupos uma fiança
em dinheiro que seria confiscada se houvesse no palco qualquer «exibição ilegal,
indecente, obscena, lasciva ou imoral».
Nos dias 17 e 18 de Abril, os Doors tocaram numa enorme
sala de reuniões em Honolulu. Depois, deixando para trás os
outros Doors, no começo de umas pequenas férias, Jim regressou a Phoenix com Siddons
para se encontrar com Max Fink
e a hospedeira chamada Sherry. Sherry anulou o seu testemunho no dia 20 e foi
retirada a acusação final contra Jim.
Jim tinha começado em Setembro a telefonar e a escrever
à colunista e crítica de Nova Iorque Patrícia Kennely, tinha
renovado a sua comunicação em Março e, em Abril, quando
ela criticou o seu livro de poemas na revista Jazz & Pop, mandou um telegrama a
agradecer.
Patrícia era uma bruxa iniciada, praticante, alta sacerdotiza de um convento - algo
que fascinava Jim - e no dia
seguinte ao seu telegrama ter chegado, ela estava em Filadélfia
de visita a outros bruxos. Os Doors estavam em Filadélfia
no mesmo dia e ela foi ao concerto no Spectrum e falou brevemente com Jim nos
bastidores. A banda trabalhava em
Pittsburgh no dia seguinte, disse-lhe ele, mas depois disso ele
iria para Nova Iorque. Uma vez lá, Jim passou metade da
semana com Pamela no Hotel Navarro, a outra metade com
Patrícia no pequeno apartamento dela.
Jim fez compras na Quinta Avenida com Pamela e Bill
Belasco, que continuava a participar em tantas das viagens
de Jim, e jantaram no Liichow e no Mamma Leone, restaurantes conhecidos da gente dos
espectáculos. Foi a Fillmore
260
East com Patrícia ver os Jefferson Airplane, sentando-se com
Allan Ginsberg na cabine de luz.
Nesta altura, Grace Slick desenvolveu um novo modo
de despachar os pedinchões. Alguém gritou, «Canta White
Rabbit' Gracie!»
«Oh, vejo que Jim Morrison está esta noite aqui», troçou
Grace em resposta. Jim murmurou, «Obrigado, Grace», e
deixou-se ficar por ali. Para começar, tinha estado relutante
em assistir ao espectáculo, e depois disse a Patrícia que achava
o Airplane «a banda mais maçadora que jamais ouvi em toda
a minha vida. Fazem tudo para impressionar, todos tocam
o mais alto que podem e ninguém consegue exibir-se. Não
existe acção recíproca delicada como no meu grupo».
Outra história negativa sobre a banda surgiu no final de
Maio no Amusement Business, a revista mais popular entre
promotores de concertos e hall managers. A publicação tinha
«amuado» de modo puritano com as proezas dos Doors desde o
dia da prisão por obscenidade em New Haven, e agora a
primeira página dizia «Jim Morrison e os Doors desenvolveram um novo truque para
irritar os administradores dos edifícios». A revista citou o administrador do Cabo
Hall de Detroit, que os Doors tinham enchido, dizendo que o grupo «virou
às avessas o edifício, e como resultado está proibido de nele
voltar a actuar». O espectáculo dessa noite também tinha
sido encarado quer pela banda, quer pelos fãs como um espectáculo muito especial.
Jim parecia ter sacudido o seu ameaçador «colapso nervoso». Impressionava as pessoas
pela sua distância e descontracção. Durante a última semana de Maio, foi com Babe a
São Francisco para a estreia de uma nova peça e para cantar
com as bandas de acompanhamento de alguns clubes de
Topless em North Beach. Depois partiu para passar alguns
dias em Vancouver, onde vagueou pela cidade com Ihor
Todoruk, um pintor que editava uma revista pop canadiana
e tinha organizado um festival de cinema de Jim Morrison
um mês antes. A Todoruk Jim falou continuamente de Paris,
dizendo que gostaria de lá ir logo que pudesse tratar de tudo
o que tinha de ser tratado.
Depois de um concerto desastroso em Vancouver e um
espectáculo moderadamente bem sucedido em Seattle, a agenda
de Jim estava anotada não com concertos mas com comparências em tribunal. O
julgamento de Miami foi marcado
para Agosto e os seus advogados estavam a fazer uma última
tentativa para o adiar. A 9 de Junho preencheram um requerimento
261
no tribunal federal para suspender o julgamento, com
o fundamento de que os três títulos aos quais Jim tinha sido
acusado, eram vagos e puniam conduta que escapava à jurisdição da polícia. O
requerimento foi indeferido e três dias
depois os advogados foram a outro tribunal de Miami para
requererem um julgamento com júri.
Entre as datas de tribunal na agenda de Jim, havia outra
projecção do HWY para promotores e amigos. HWY tinha
sido projectado várias vezes, mas publicamente apenas uma
vez, no festival de cinema de Vancouver. A maior parte das
exibições tinham sido realizadas em Synanon e em salas privadas. Finalmente, um par
de jovens produtores, Bobby Roberts
e Hal Sanders, contactaram Jim para fazer um filme com
Michele Phillips, outrora com os «Mamas and the Papas».
Em vez de uma resposta, Jim ofereceu-lhes uma projecção
do HWY e logo Sanders e Roberts falaram em arranjar um
suplemento de dinheiro para estender o filme até longa metragem. Quando Jim detectou
o que ele pensava ser outra
conspiração exploradora, cortou as negociações. Frank discutiu com ele, mas manteve-
se inflexível.
As negociações com a MGM pareciam mais prometedoras. Jim tinha tido reuniões
regulares tanto com Belasco
como com Aubrey sobre o The Adept e eles tinham-no convencido que o filme podia ser
encurtado de modo satisfatório.
Num aparte, observou que eles tencionavam encurtá-lo «do
tamanho de uma sequóia para um palito».
Belasco e Jim procuraram, um novo realizador, decidindo-se
por fim por Ted Flickor, que era mais conhecido pela sua
direcção de um grupo de teatro de improviso chamado «Promise Players» e por uma
sátira subestimada com James Coburn,
The Presidenfs Analyst. A pouco e pouco, o negócio tomou
forma. Aubrey queria Jim como actor, não só no The Adept,
mas também num filme chamado Corky. Jim não gostou do
argumento (a parte para que Aubrey o queria seria representada por Robert Blake) mas
concordou em perder algum
peso para o próximo filme - afinal de contas, quem ouviu
falar de um gordo negociante de coca? - e fazer a barba que
tinha deixado crescer de novo a seguir ao julgamento de
Phoenix.
A meio de Junho, a MGM tinha firmemente oferecido
a Jim o que ele queria: 35 000 dólares para um desenvolvimento final do argumento, e
se este fosse aceitável, outros
50 000 dólares pelos seus serviços como co-produtor (com
Belasco) e estrela. Os números não eram grandes pelo critério
de Hollywood mas Jim ficou contente. Deu instruções aos seus
262
advogados para tratarem do negócio, autorizou o pagamento
de uma multa de 600 dólares, imposta pela Agência de Aviação
Federal relacionada com o voo de Phoenix (e independente
do julgamento) e começou a fazer uma única mala para uma
viagem a França e Espanha,
263
CAPÍTULO 10
Patrícia Kennely estava em
pânico. Quando ela e Jim acordaram, Jim tinha mais de 38°
de temperatura e ficou em casa para tratar dele, saindo apenas
para comprar comida de doentes - alguma sopa e gingerale.
Duas horas mais tarde, a temperatura de Jim era de 39,5°.
Ela deu-lhe aspirina, tetraciclina, água e fricções de álcool,
e tentou encontrar Leon Barnard. O seu médico, que vivia
apenas a dois blocos, não iria a uma chamada ao domicílio.
A temperatura de Jim subiu a 40,5°.
Jim tinha chegado a Nova Iorque no dia anterior, a caminho da Europa, com Leon, uma
das amigas de Leon e as
gravações finais para o álbum ao vivo. Embora estivesse
razoavelmente bêbedo quando Patrícia se encontrou com ele
no hotel, tinham passado uma noite agradável e sossegada
a ver o novo filme de Mick Jagger, Ned Kelly e duas vezes
o último de Ingmar Bergman, The Passion of Anne. O único
acontecimento notável foi que Jim puxou para fora o diafragma de Patrícia antes de
irem para a cama, lançando-o
através do quarto como um Frisbee. Na tarde seguinte, uma
daquelas tardes escuras de Nova Iorque, no apartamento de
Patrícia, Jim sentiu-se como se estivesse a morrer.
Às duas horas, Patrícia decidiu tirar a temperatura uma
vez mais antes de chamar uma ambulância. De repente, a
febre caiu, baixando de 40,5° para 38,5°, em cinco minutos.
Em três horas Jim estava de pé, a andar, como se nada tivesse
acontecido. Regressou ao hotel, mudou de roupa, cantou com
Patrícia e Leon, foram ver outro filme e comprou alguns
livros no Brentano.
Na noite seguinte Jim e Patrícia casaram.
Com vinte e quatro anos, Patrícia era a chefe de redacção
de uma revista de rock e um dos muitos fiéis dos Doors no
265
estabelecimento da crítica de rock na Costa Leste. Tinha
adorado Jim desde o momento em que se conheceram, dezoito
meses antes, quando o tinha entrevistado no Hotel Plaza. Ele
estava de pé no quarto quando ela entrou, e ao ser apresentado,
deu-lhe um aperto de mão formal. Ela recorda a cena: «Tudo o
que podia pensar foi, "Meu Deus, a sua mãe ensinou-lhe boas
maneiras e ele lembra-se verdadeiramente delas!" Quando as
mãos se tocaram, voaram faíscas. Sem dúvida, uma fricção
estática das minhas botas no tapete, mas faíscas genuínas de
livros de contos. Jim adorou. "Um presságio", disse. E tinha
razão.»
Desde então, Patrícia tinha escrito muitas vezes sobre
Jim e os Doors na sua revista, num estilo maduro e crítico
que incorporava referências literárias e citações. Levou sempre Jim a sério -
criticando o seu trabalho, não a sua imagem.
«Se T. S. Elliot tivesse sido um grupo de rock», escreveu uma
vez, «ele teria sido os Doors e feito The Solft Parade.» Numa
crítica de The Lords and the New Creatures, sugeriu que
«uma nova leitura na primeira oportunidade do livro A Poética
de Aristóteles, ou melhor, o Preface to the Lyrical Ballads,
podia redundar no restabelecimento de propriedades poéticas
extremamente necessárias.»
Patrícia tinha opiniões bem ponderadas em quase todos
os assuntos; uma linguagem fácil com sotaque irlandês, muito
parecida com a do próprio Jim; muito mais do que uma figura
comum, cabelo comprido ruivo, olhos castanhos e ar sensual;
um vasto conhecimento do oculto; e um magnífico dom para
contar histórias.
A relação de ambos foi a muitos títulos razoavelmente
simbólica para Jim. À excepção de Pamela, não havia mais
nenhuma rapariga que ele visse muitas vezes ou por períodos
que excedessem alguns dias, e desde que se tinham conhecido,
Jim e Patrícia não estiveram na mesma sala provavelmente
mais do que sete ou oito vezes. Nem houve muitos telefonemas. Um molho de
extravagantes cartas pessoais, jóias,
livros raros e cópias dos seus três trabalhos impressos em privado, mas nada que
assinalasse um namoro apaixonado.
Nem a maneira como Jim se comportava em relação a
Patrícia era muito diferente do seu estilo com outras. Com
ela também bebeu, desmaiou e jogou os seus jogos intermináveis. «Estávamos sentados
num bar», lembra Patrícia, «e ele
vinha com inconsequências completas - a propósito de nada tais como "Adormecia à luz
da lua cheia uma noite e quando
acordei era a cara da minha mãe que olhava para mim. Então,
o que pensas disto? O que pensas que significa?" Estava sempre a pôr à prova as
pessoas, sempre a tentar ver até que ponto
266
acreditarias no que ele te dizia, como lhe irias reagir. Não confiava em ninguém.
Nunca pareceu acreditar em mim quando
lhe disse que o amava. Penso que ouviu isso de todas as
mulheres com quem dormiu. Apesar disso, era verdade. Todavia, sentia que quando lhe
dizia que o amava estava a entregar-lhe uma arma para utilizar contra mim, algo para
pairar
acima da minha cabeça. A primeira vez que lhe disse o que
sentia por ele, ele disse, "Bem, agora que me amas, acho que
nunca mais serei capaz de me ver livre de ti". Perguntei.
"Queres então livrar-te de mim, Jim?" Sorriu apenas, fechou
os olhos e disse, "Não". Então disse que me amava. Provavelmente até também era
verdade.»
Noite de solstício de Verão, 1970. Estavam acesas as
velas do apartamento vitoriano gótico de Patrícia. A cerimónia
do casamento decorreu. As bruxas, ou Wiccans, não são satânicas: veneram as antigas
forças da natureza, a Deusa Tripla,
a Grande Mãe, e o seu sósia masculino, o Senhor, o Deus
cornudo. É uma tradição religiosa que antecede o Cristianismo e o Judaísmo e é
considerada por muitos estudiosos
como a sobrevivência da mais antiga religião universal mais
antiga.
Um casamento Wiccan, explicou Patrícia, é uma combinação de almas num plano kármico e
cósmico que tem um
efeito em futuras incarnações dos dois envolvidos: a morte não
separa, e o juramento tomado é «para sempre na visão da
Deusa». Patrícia contou a Jim que havia uma lenda segundo
a qual Henrique VIII e Anne Boleyn tinham sido casados no
ritual das bruxas - provavelmente por algumas das mesmas
razões.
Uma das amigas de Patrícia, uma importante sacerdotisa
de um convento, conduziu a cerimónia, assistida por um
Sumo Sacerdote. Guiaram Jim e Patrícia através de uma
união de mãos tradicional, com rezas e uma invocação à Deusa,
bênçãos, a realização de dois pequenos cortes em cada pulso
e antebraço dos cônjuges, e a mistura de algumas gotas do
seu sangue numa taça de vinho sagrado pela qual bebiam mais
tarde, um ritual que passava por cima do cabo da vassoura,
da troca de alguns juramentos e da invocação final da presença da Deusa.
Para Patrícia isto era uma cerimónia perfeitamente natural na sua religião, mas Jim
ficou totalmente surpreendido
pelo ritual. Deu a Patrícia um claddagh em prata, o tradicional
anel de casamento dos irlandeses, e ela deu-lhe uma aliança
em ouro. A sacerdotisa celebrante e Patrícia, na sua qualidade de sacerdotisa,
emitiram dois documentos manuscritos,
um em inglês, um em símbolos de bruxas. Todos os presentes
267
assinaram, pedindo-se a Jim e a Patrícia que fizessem as suas
assinaturas em sangue. O casal foi declarado marido e mulher,
e Jim desmaiou.
No domingo, Jim e Leon partiram para Paris, onde reservaram um quarto a 60 dólares
por dia no elegante hotel
Georges V, e começaram a explorar a cidade - bebendo em
dúzias de cafés nos passeios, visitando os antros de existencialistas da margem
esquerda, misturando-se com ciganos que
actuavam nas ruas de Montmartre, fazendo peregrinações à
casa de Balzac, ao túmulo de Napoleão e às catacumbas.
Depois Leon foi para Copenhaga e Jim correu para o seu
amigo Alan Ronay, que tinha começado as suas férias anuais
em Paris mais ou menos uma semana antes.
Alan tinha falado muitas vezes a Jim sobre Paris - ele
era, de facto, uma das razões porque Jim estava agora em
França. Jim tinha mandado revelar os filmes Feast e HWY
na companhia onde Alan trabalhava e tinham-se encontrado
muitas vezes ao longo dos anos, desde a primeira vez que se
conheceram na UCLA. Alan era um dos amigos «misteriosos
de Jim e não se sabia muito sobre a sua relação. Alan amava
Jim carinhosamente, e embora fosse forçado a partilhá-lo com
Frank e Babe e todos os outros, não tinha que o partilhar
no mesmo quarto ao mesmo tempo. Alan via normalmente
Jim a sós excepto quando Jim e Babe entravam a cambalear
bêbedos, às 3 horas da manhã, para o atormentarem.
Durante uma semana, Jim foi o requintado turista americano, uma figura desordenada
deambulando à chuva de
Verão. Mas na véspera de partir para casa, começou novamente a sentir-se febril.
«Pneumonia? Meu Deus, onde está ele? Como é que está?
Max sabe? Será melhor adiar o julgamento.»
Bill Siddons brincava nervosamente com um lápis ao
ouvir Babe ao telefone. Jim tinha regressado de Paris, disse
Babe. Estava com Pamela no apartamento que ela tinha em
Norton Avenue e tinha uma pneumonia, mas estava bem.
Mais tarde, Bill falou com Jim que disse que depois de ter
Dado culpado, o recurso podia cobrir essa matéria. Também rouco, viajando de comboio
e em carros alugados. Tinha estado
doente em Nova Iorque antes de partir, disse, e tinha apanhado na Europa muita chuva.
Jim tinha partido quase há três semanas. Logo depois de
ter regressado a Los Angeles, o tribunal federal em Miami
rejeitou o requerimento para interromper o julgamento por
razões constitucionais. O juiz disse que se Jim fosse considerado
268
culpado, o recurso podia cobrir essa matéria. Também
o julgamento não seria adiado devido à saúde de Jim. Caracteristicamente, Jim
recuperou depressa, e na altura em que o
álbum ao vivo foi lançado no final de Julho vagueava de novo
no Sunsep Strip e nos bares ao longo do Boulevard de Santa
Mónica.
No dia 4 de Agosto estava sozinho no clube chamado
«The Experience». À hora de fechar perguntou ao proprietário, Marshall Brevitz, se o
levava a casa. Um ano antes,
Jim teria guiado fosse qual fosse o seu estado de bebedeira.
Mas agora estava demasiado bêbedo para andar.
«Tive uma vez um clube em Miami», disse Marshall a
Jim, transportando-o para o seu carro. «Talvez te interesse
saber que os meus sócios eram os mesmos dois tipos que te
tentaram enganar quando lá tocaste e foste. Eles são a razão
porque deixei Miami.»
Jim acenou com a cabeça e pronunciou inarticuladamente, «É aqui à esquerda... acho
eu.»
Marshall virou à esquerda e continuou a falar. «Sabias
que esses tipos dirigiam uma loja num dos hotéis? E faziam
circular um negócio de loção para o Sol, tinham um quadro...
Não devíamos estar quase a chegar a tua casa?»
Jim murmurou algo que soou como, «Agora aqui à esquerda... acho eu.»
Depois de terem guiado durante uma hora para cima e
para baixo e esquadrinhado dez ou quinze quarteirões, Jim
encontrou finalmente a pequena casa em West Los Angeles
que procurava. Ou antes, pensou que sim.
«É aqui», disse.
Marshall acompanhou Jim à porta.
«Shhh», sibilou Jim. «Aqui há um borracho, é louca
por mim e... shhh!»
Jim bateu timidamente à porta.
Silêncio.
Jim bateu com mais força.
Ainda não houve resposta.
Jim bateu ainda com mais força.
«Hey, Jim», disse Marshall de modo nervoso, «ver-nos-emos mais tarde, está bem?» E
retirou-se rapidamente, deixando Jim caído contra a porta da frente da casa.
De manhã, Jim foi encontrado enrolado a dormir à porta
da casa que pertencia a uma mulher de sessenta e oito anos.
Acreditando que a figura barbuda e de cabelos compridos era
outro Charlie Manson, telefonou para o delegado próximo
de sua casa e Jim foi preso e acusado de embriaguez pública269
Isto foi quinta-feira de manhã.
Sexta-feira, Jim voou para Miami para ser julgado.
«Olha», Jim apontava por cima da cabeça para um
avião pequeno rebocando uma bandeira que dizia, «Gostamos
de Spiro Ágnew.»
«Alguém acredita em presságios?», perguntou Jim.
A temperatura e humidade estavam ambas perto de 37°,
e sem os turistas ricos de Inverno. Miami chocalhava de vazia
e os grandes hotéis da praia pareciam túmulos. Jim estava
defronte do Hotel Carillon, um túmulo de preço médio com
um vestíbulo em mármore bege, lustres de cristal, e um clube
recreativo perto da piscina. Até agora, a sua estadia na Florida tinha sido calma. No
domingo, tinha querido ver um
jogo de jai alai, mas porque lhe disseram que os campos de
jogos estavam fechados no Verão, foi às corridas de cães.
Ficou perto do hotel o resto do tempo, deitado na piscina,
bebendo no bar com ar condicionado, assando na sauna do
telhado. Numa reunião com Max discutiram se todos os
Doors testemunhariam - decidiram que sim - e tiveram conversas informais sobre a
realização de um concerto gratuito.
Pouco foi dito sobre o julgamento, ainda que todos dissessem
graças tranquilizadoras.
Agora, na segunda-feira, dia 10 de Agosto, enquanto esperava um táxi para o levar
para o tribunal, Jim brincava a
propósito da bandeira de Agnew. Calçava botas de cowboy,
jeans pretos e uma camisa rústica mexicana, e trazia um
caderno de apontamentos de escola forrado a coiro. «Está
bem», disse finalmente, «Vamos.» Entrou para o táxi com
Babe, o seu advogado, Max Fink, e o seu publicista, Mike
Gershman. Os outros três Doors e Tony Funches apanharam
um segundo táxi.
Meia hora mais tarde, Jim estava absorto no edifício do
Metropolitan Dade County Justice, no exterior da Divisão «D»,
remexendo um monte de 150 fotografias entregues pelo seu
advogado de Miami, Bob Josefsberg. Estava a gostar das
fotografias. Parou ocasionalmente para explicar uma a Babe
e aos outros presentes: «Olha, esta é aquela em que era suposto
estar "a tocar ao bicho" na guitarra de Robby, certo? E esta,
com o cordeiro... aquele cordeiro ficou completamente imóvel
e, posso jurar, estava a ronronar no meio de todo aquele caos.
É aqui, estou um pouco satânico, levando o cordeiro para a
matança. Sim, sim, e a banda tocava. Sabes, começo a acreditar que estou inocente.»
Continuava a dizer graças, mas estava preocupado. Apesar
de tentar parecer calmo e distraído - publicamente afirmava
270
estar entregue a uma luta para preservar a liberdade artística- não conseguia sacudir
o seu medo. Ou a sua raiva.
Nos cinco dias que estiveram na Florida, tinham aprendido
muito sobre os políticos de Miami e sobre a psicologia dos
bastidores do caso. O juiz, Murray Goodman, tinha sido
nomeado para preencher uma vaga no tribunal e enfrentava
a sua primeira votação em Novembro. Dados os tempos que
corriam, uma condenação Morrison asseguraria ao juiz apoio
popular. Era também possível que Goodman fosse hostil ao
advogado de Jim em Miami, Bob Josefsberg, porque a judicatura tinha sido oferecida
primeiro a Josefsberg antes de o
ser Goodman, e tinha sido rejeitada. O Estado da Florida
versus James Morrison, Caso nº 69-2355 parecia Eles versus
Nós, novamente.
Max Fink insistia nesta afirmação com a imprensa. Tinha
dito, uma semana antes, que ia requerer que o júri fosse levado
a uma representação do Hair e a um cinema para ver Woodstock, de maneira a que
pudessem pôr a representação de Jim
num contexto exacto. Agora dizia, «tem que se aceitar o
facto de que aquilo contra o qual as pessoas da geração da
ruptura como o grupo de Morrison, os Doors, estão a protestar,
são os problemas criados pelos seus antecessores.
Max disse que esperava que o julgamento demorasse seis
a dez semanas, devido, em parte, ao facto de ter planeado
recorrer a uma centena de testemunhas para a defesa. Tinha
tido, durante meses, um jovem advogado chamado Dave
Tardiff, a entrevistar testemunhas potenciais, todas elas preparadas para testemunhar
que Jim não se tinha exibido.
Tinham também arranjado várias testemunhas respeitáveis,
incluindo dois professores de psicologia da Universidade de
Miami para discutir o conceito dos padrões da comunidade
contemporânea; um professor assistente de inglês para contribuir com os seus
conhecimentos de etimologia, o ramo da
filologia respeitante à origem e derivação das palavras; o clérigo da Universidade
para dizer que a linguagem de Jim não
era profana mas controversa: e os colunistas de espectáculos
dos jornais de Miami e Miami Beach para colocarem o número
de Jim num contexto local, testemunhando sobre todos os
espectáculos cómicos e obscenos dos hotéis, cujos números
passavam sem perturbação.
Depois, o juiz Goodman anunciou que a sua lista de sentenças era demasiado grande
para permitir que o julgamento
se iniciasse até quarta-feira seguinte. Então, na terça-feira, Ray,
Robby e John alugaram um carro e dirigiram-se a Key West,
enquanto Jim ficou no quarto a ler.
271
«Se a evidência mostrar que o Sr. Morrison fez coisas que
estão escritas em best-sellers e exibidas em peças, considerará
que ele tem igual protecção da lei como toda a gente?», perguntou Max a cada um dos
jurados designados, dois dias
mais tarde. «Se o Sr. Morrison utilizou expressões em calão
que o Sr., como indivíduo, considerou grosseiras - algumas
palavras de quatro letras - e essas mesmas expressões fazem parte, verbal e
fisicamente, da cena contestatária neste
país, como o demonstram peças, livros e a juventude deste
país, o Sr. ficaria chocado?» É discutível quão eficazes foram
estas questões. O júri, composto por quatro homens e duas
mulheres, que prestou juramento na sexta-feira, consistia num
antigo cozinheiro do exército, agora a trabalhar em mecânica;
um assentador de ladrilhos duma empresa de material para
pavimentação; um mecânico de vinte e três anos da Guarda
Costeira; um professor de arte numa escola elementar; uma
dona de casa de Miami Beach com um filho de vinte e três
anos e uma filha de trinta anos; e uma dona de casa que tinha
sido uma vez agente de seguros. Bob Josefsberg atacou
imediatamente toda a lista de jurados, dizendo que se Jim
devia ser interrogado pelos seus verdadeiros iguais, todos os
jurados teriam que ter menos de trinta anos de idade. O juiz
sorriu retorcidamente e tomou isso em consideração, depois
a sessão foi suspensa durante o fim de semana.
Quando Jim deixava a sala do tribunal, foi abordado pelo
jovem acusador público, Terence McWilliams, que vestia um
fato verde-azeitona e uma camisa cor-de-laranja. Parecia
embaraçado, hesitante. Por fim, perguntou se por acaso tinha
com ele uma cópia do seu novo álbum; o acusador disse que
já tinha comprado todos os outros e que as lojas locais tinham
esgotado o Absolutely Live. O tom da sua voz dizia tudo:
lamentava, não queria o caso, tinha sido designado para ele,
fazia apenas o seu trabalho.
Isto não significava que McWilliams diminuiria a severidade do seu ataque
profissional. A maneira como realmente
sentia o caso talvez tenha sido mais claramente revelada numa
nota que mais tarde passaria a Jim, um pedaço original de
versos de cordel:
There once was a group called the Doors
Who song in dissent of the mores
To youth they protested
As witnesses attested
While the leader was drapping his drawers
Houve uma vez um grupo chamado The Doors / Que cantava em
oposição aos costumes / Pela juventude protestaram / Como testemunhas atestaram /
Enquanto o chefe deixava cair as cuecas.
272
Nessa noite, Jim, Bob e Tony foram ouvir os Creedence
Clearwater Revival no Miami Beach Convention Center, depois
foram ao Hump Room no Hotel Marco Polo, onde Jim se
juntou aos Canned Heat durante quatro músicas. «Depois
disso», escreveu Babe no seu diário, «Jim, eu e Ina (Gottlieb,
uma hospedeira que tinham conhecido no avião para Miami)
subimos até ao Fontainebleau onde os Creedence Clearwater
Revival estavam, jogámos pool e bebemos até eu adormecer
num sofá perto da mesa de pool. Quando acordei, Jim estava
debaixo da mesa...»
Segunda-feira, de novo na Divisão «D», onde agora o
acusador vestia uma camisa encarnada brilhante e estava perto
de Jim ao acabar a sua declaração de abertura com uma dramática leitura das
acusações:
«O réu exibiu impudicamente e lascivamente o seu pénis
de uma maneira ordinária e indecente com intenção de ser
observado, colocou a sua mão no seu pénis e abanou-o, e,
além disso, o dito réu simulou os actos de masturbação sobre
si próprio e a copulação oral sobre outro...» Quando acabou,
McWilliams levantou lentamente os seus olhos da folha de
acusação e ofereceu a Jim, não o olhar habitual de condenação, mas um olhar vazio de
reverência. Jim olhou impassivelmente.
McWilliams citou da gravação o que passou por ser a
linguagem do espectáculo: «...Vocês são todos um grupo de
fucking idiots (idiotas de merda). As vossas caras estão a ser
esborrachadas na merda do Mundo. Pega no teu fucking
friend e ama-o. Queres ver a minha pixota?» O júri estava
sentado, imóvel, sem expressão.
Ao meio-dia, Max Fink começou a sua declaração de
abertura, demonstrando a sua personalidade como a de um
avô levemente reprovador mas fundamentalmente compreensivo. Era uma imagem com a qual
pensou que o júri pudesse
ser induzido a identificar-se.
«A vossa imaginação pode ser feroz, mas existe uma
pequena diferença entre o depoimento do acusador e o das
suas testemunhas. Não há a menor dúvida sobre a utilização
das palavras. Tenho sessenta e dois anos e não estive em
nenhum desses concertos, mas é o que se diz nos dias de hoje.
Os jovens utilizam estas palavras sem intenção lasciva, sejam
elas quais forem. É o que fazem e dizem. Um concerto de
rock é uma atitude de discórdia. Sejamos coerentes. Havia
vinte e seis agentes da polícia presentes, em uniforme, nessa
noite e muitos agentes sem uniforme. Nenhum o prendeu
pela sua actuação no palco. Agora, um cantor de rock trabalha muito duramente. Deixa
o palco nadando em suor para
273
se juntar aos seus amigos nalgumas risadas de bastidores antes
de se dirigir para o hotel e depois para a Jamaica. Não houve
prisão, não houve crime. Aceitámos as palavras, isso é liberdade de expressão. O mal
está na mente.»
A primeira testemunha de acusação parecia perfeitamente
combinada. Vestia sapatos brancos e um vestido «mini» cor-de-rosa, o seu cabelo loiro
estaxa puxado para trás num rabo
de cavalo. Tinha apenas dezasseis anos quando assistiu ao
concerto dos Doors, disse, e tinha visto Jim tirar as calças
até aos joelhos, exibindo-se durante dez segundos, depois (fez
uma pausa) viu ele tocar-se. Quando lhe perguntaram quais
as palavras invulgares que Jim tinha utilizado no palco, disse,
«Aquela que começa por um f.» Perguntaram-lhe de que
maneira a experiência a tinha afectado, ela respondeu, «Fiquei
chocada, foi repugnante».
Durante o interrogatório intensivo, Max leu uma declaração prestada sob juramento que
a rapariga tinha feito em
Abril, na qual tinha dito que tinha visto Jim a roçar-se contra
a rapariga no palco, mas não sabia se Jim tinha as calças
vestidas ou não. «Foi a sua memória afectada nos últimos
meses?», perguntou-lhe Max. Ela desfez-se em lágrimas e o juiz
Goodman pediu um curto intervalo para dar tempo à testemunha para se recompor.
Depois do intervalo, a rapariga contradisse-se mais duas
vezes e disse que ela e o namorado não tinham pago para ver
o concerto, mas tinham sido deixados entrar livremente pelo
seu cunhado, um polícia da cidade.
À rapariga seguiu-se, na tribuna, o seu namorado, que
confirmou o seu testemunho. De novo Max atacou as discordâncias entre o depoimento
que a testemunha estava a apresentar no tribunal e uma declaração prestada sob
juramento
que tinha feito anteriormente. No último, tinha dito que
tinha apenas uma «vaga lembrança» do que Jim tinha ou não
feito. Agora a sua memória era precisa. Em resposta a uma
pergunta do acusador, o namorado disse que ele próprio não
tinha ficado embaraçado, tendo nessa altura vinte anos, a não
ser pela sua jovem namorada. Em resposta a outra pergunta feita por Max, contudo, a
testemunha admitiu ter levado a
rapariga a ver o Woodstock, apesar de saber que se exibiam nus.
A seguir foi à tribuna a mãe da rapariga, que não tinha
estado no concerto, mas testemunhou que a sua filha estava
visivelmente perturbada quando regressou a casa nessa noite.
Na segunda-feira à noite, começou um segundo drama
com a chegada de Patrícia Kennely. Jim tinha falado com
274
Patrícia pelo telefone na sexta-feira, dia 14, soube que ela
estava grávida e pediu-lhe para ir ter com ele a Miami. Mandou o seu agente de
publicidade, um dos seus advogados e
a mulher do advogado para se encontrarem com ela no aeroporto.
Jim estava prazenteiro ao beberem no bar do hotel, mas
sempre que Patrícia tentava dirigir a conversa para a sua
gravidez, ele evitava-a. A seu pedido, ela tinha trazido trinta
cópias da última edição da sua revista, com uma fotografia
de Jim na capa e, no interior, um poema novo chamado
The Anatomy of Rock («A Anatomia do Rock»). Jim olhou
rapidamente para as fotografias e leu o texto do poema.
Por fim, Jim olhou para Patrícia, disse-lhe que tinha
pensado que pudesse impressionar o juiz, o facto de saber que
ele não era apenas uma estrela de rock, mas que estava a
contribuir para a sociedade escrevendo poemas. Depois disse-lhe que voltasse para o
quarto e que ia lá ter mais tarde.
Nunca foi.
Nessa altura, o juiz Goodman tinha determinado que o
julgamento se ia realizar em dias alternados, assim Jim teve
a terça-feira livre. De novo se esquivou a Patrícia dizendo-lhe
duas vezes pelo telefone que a ia ver, depois não aparecendo
nenhuma das duas vezes, passando o dia, em contrapartida,
com Babe.
Quarta-feira, Jim estava de volta ao tribunal. Patrícia
estava lá também, furiosa mas tentando controlar-se. Uma
equipa de televisão filmou-os a discutirem na entrada. Precisamente na altura em que
Jim lhe prometia que estariam
juntos nessa noite, o juiz chegou.
O acusador chamou nesse dia três testemunhas. O primeiro era uma mulher-polícia que
tinha dito em Junho que
não tinha ouvido impropérios, mas agora testemunhava doutra maneira, embaraçando o
acusador quando deixou escapar
que tinha ouvido entretanto uma gravação do espectáculo.
A segunda testemunha foi um estudante de Universidade que
tinha tirado fotografias e disse que não tinha visto nenhuma
exposição genital. Esta testemunha foi um desapontamento
para o acusador, mas com a seguinte, o comboio voltou ao
carril. Era um rapaz ruivo de vinte e dois anos de idade
chamado Bob Jennings, que tinha assinado a queixa original
contra Jim e agora citou extensivamente do monólogo do concerto de Jim e jurou que
Jim se tinha exibido durante cinco
a oito segundos. Foi uma testemunha convincente, e o único
detrimento que Max foi capaz de inflingir no interrogatório
foram as revelações de que durante os últimos três anos a testemunha
275
tinha sido empregado no escritório do Procurador
do Estado, enquanto a sua mãe trabalhava no mesmo edifício
e a sua irmã era secretária de um juiz local. Jim e os seus amigos estavam agora
convencidos de que ele estava a ser manipulado por pessoas que trabalhavam para ou
que eram relacionados com a lei.
«Vai para o teu quarto», disse Jim a Patrícia depois de
umas bebidas no hotel. «Vou mudar de roupa e subirei dentro
de meia hora.»
Meia hora mais tarde começou a conversa há muito
prometida. «Sei que não é exactamente a melhor altura e
local para tratarmos disto, com o julgamento e tudo», disse
Patrícia, «mas o facto mantém-se, aconteceu e agora...»
Jim sorriu desajeitadamente e disse, «Resolveremos isso.»
«Ouve, também não estou exactamente emocionada com
a ideia, sabes. Mas acontece seres o único homem que jamais
considerei suficientemente perfeito para ser pai de um filho
meu, e agora aconteceu e não sei o que fazer. Penso que tens
um pouco mais de obrigações para comigo do que o teu livro
de cheques.»
Jim olhou rapidamente para ela, depois para longe. «Se
vais ter esse bebé, a nossa amizade ficará destruída. Um bebé
não vai mudar a minha vida de maneira nenhuma, mas vai
alterar tremendamente a tua para sempre.»
«Posso levar isto a tribunal.»
Pareceu surpreendido pela ideia. «Outro julgamento?
Bem, claro, podes fazer isso, e será como este que está agora
a correr. Entretanto levará muito tempo. Primeiro terás que
ter o bebé, isto é, tanto como outros seis meses. Depois terás
que requerer uma audiência preliminar, com testes de sangue
e tudo isso, apenas para verificar se tens um caso verdadeiro.
E eu negarei as acusações, e terás que encontrar testemunhas,
e talvez não haja nenhuma testemunha porque, primeiro, eu
comprarei toda a gente. E mesmo que leves finalmente o caso
a tribunal, podes não ganhar, e ia haver uma publicidade
incrível, o que ias detestar. E mesmo se tiveres sucesso, no
final, o que ganharias com isso? Algum dinheiro, alguma
satisfação e uma boa dose de má consciência. Não acho que
penses que vale a pena.»
«Nem acredito no que disseste.» Agora corriam lágrimas
pela sua cara.
«Bem, o que querias que eu dissesse?»
«Não sei, raios te partam! Suponho que não faça diferença que seja o teu bebé, teu e
meu, não teu e de Pamela?»
«Eu - não, nenhuma diferença. Não suportaria uma
276
criança. Qualquer criança. Não me posso permitir isso e não
quero essa responsabilidade.»
«O único obstáculo a poderes suportar essa ideia é emocional», gritou-lhe ela.
«Olha lá, não seria melhor ter uma criança de alguém
que quisesse ser o seu pai?»
«Obviamente. Então o que sugeres?»
«Isso é contigo! Se tens a criança, será a tua criança.
Se queres abortar, eu pagarei e irei a Nova Iorque para
estar contigo quando o fizeres, prometo que irei. Estarei lá
contigo e tudo correrá bem, verás. Podes fazê-lo num fim
de semana, estarei livre do tribunal, talvez pudéssemos partir
juntos depois.»
Patrícia examinava cuidadosamente as unhas dos dedos,
os anéis, as pontas do cabelo ruivo que iam à cintura, depois
olhou directamente para os seus olhos. «Decidido», disse em
voz baixa e fria.
Houve um silêncio muito longo, depois Jim mostrou-lhe
um dos seus famosos sorrisos infantis e disse numa voz estranha, «Seria uma criança
absolutamente surpreendente, sabes,
com uma mãe de génio e um pai poeta.»
«Muito provavelmente», respondeu Patrícia asperamente.
«Mas dificilmente parece isso é uma razão para a ter. Isto
não é uma espécie de experiência, sabes, para ver se duas
pessoas extraordinárias conseguem produzir um produto extraordinário a partir delas.
De qualquer modo não gosto muito
de crianças, e a única razão pela qual a teria, era por ser tua.
E é provavelmente a pior razão de todas para ter uma criança
de qualquer pessoa.»
Jim não reagiu a isto, mas disse, «Sabes, este assunto
nunca me tinha surgido antes.»
Patrícia explodiu, «Não me digas essa aldrabice! Sei que
sim. Contaram-me pelo menos umas quatro vezes, e sei de um
caso que aconteceu a Susy Creamcheese e...»
«Não, não, não é verdade, nenhuma delas - nunca aconteceu antes. Não achas que isto é
tão difícil para mim como
para ti? Como salientaste, também é o meu bebé. Terás que
ter coragem.»
Patrícia preferiu não responder. Por fim Jim sugeriu que
regressassem ao bar do hotel, e ela concordou. «Quero apenas
ter a certeza que tenho isto resolvido agora: vou abortar, tu
vais pagá-lo e irás a Nova Iorque para estares comigo, está
bem?»
«Está bem.»
«E o que pensas que vamos fazer depois?»
«Lamentamo-lo-emos juntos, penso.»
«Então está bem», disse ela. «Vamos a essas bebidas.»
277
Devido aos Doors terem que realizar dois concertos na
Califórnia, na noite de sexta-feira e de sábado, o juiz concedeu
em continuar a ouvir depoimentos no dia seguinte, quinta-feira, e depois fez um
intervalo até terça-feira. Foi um dia
de resultados desastrosos, confusos, mas derradeiros. Patrícia
tinha deixado Jim passar a noite com ela e a sua relação
estava novamente bem, ou tão boa quanto se podia esperar.
Depois, na sala de tribunal, as 150 fotografias foram apresentadas como prova e
nenhuma delas o mostrava a fazer alguma
coisa ilegal, enquanto a única testemunha chamada testemunhou que também nada tinha
visto. Mas então, o juiz Goodman determinou que nenhuma prova referente a «padrões
de comunidade» seria autorizada na sua sala de tribunal, eliminando, desse modo, o
ponto principal da defesa de Jim.
Quando os olhos de Jim deslizaram pela decisão judicial
de duas páginas, a sua cara tomou a cor do cimento húmido.
Calmamente, colocou a ordem na mesa defronte dele e olhou
rapidamente para Max, que se levantava de raiva para protestar. «Sua Excelência»,
disse o advogado num tom premente,
«pode mandar retirar o júri?»
Deram instruções ao júri para se retirar e Max começou
a sua alegação. «Excluir a prova respeitante aos padrões da
comunidade com referência às palavras que admitimos livremente terem sido
utilizadas», gritou Max, «excluir o depoimento versado respeitante ao efeito dessas
palavras na audiência desse dia e nessa geração, seria a recusa de um julgamento
honesto.» Max argumentou activamente durante perto de
meia hora, traçando o desenvolvimento da liberdade de expressão, mostrando como ele
seguia o desenvolvimento do texto
e o direito do artista ou dramaturgo a exprimir os seus pontos
de vista. Era, disse Jim alguns meses mais tarde, «um resumo
brilhante daquele processo histórico, mas não teve qualquer
efeito.» Goodman ouviu com o queixo apoiado nas mãos,
óculos com aros subidos na extremidade do nariz e depois
rejeitou o argumento e a moção de Max sem comentários.
Sexta-feira de manhã Jim voou com o seu séquito para
Los Angeles, onde se reuniu aos outros Doors - que tinham
regressado mais cedo nessa semana - e em seguida, foram de
autocarro para Bakersfield, a Norte, para o primeiro concerto
e, na noite seguinte, para San Diego, a Sul, para o segundo.
Os espectáculos foram fortes mas cansaram Jim.
Recobrando aparentemente novo fôlego na noite seguinte,
Jim saiu com Babe para se embebedarem. «Estávamos fodidos!», recorda Babe. «Apenas
rindo e rindo, aos bordos pela
estrada.» As empregadas não estavam tão alegres com Jim
278
e Babe. Afastaram-se. Jim e Babe continuaram a rir. E riam,
riam.
Depois regressaram à Florida, onde Jim ficou acordado
toda a noite, «snifando» coca e praguejando sem parar desde
a meia-noite até às oito horas da manhã com o seu amigo
escritor Harvey Perr, que agora fazia alguma publicidade na
Elektra.
Às oito horas da manhã Jim parou de falar, mandou vir
uma melancia através do serviço de quarto, comeu-a quase
toda e encontrou-se com os seus advogados na Divisão «D».
Hoje, o processo previa mais quatro testemunhas, todas elas
polícias e agentes à paisana que tanto tinham ouvido blasfémias como declarado que
tinham visto os órgãos genitais
de Jim. Um deles até descreveu o seu pénis como estando
«no processo de se tornar erecto».
Quarta-feira, Jim, Ray e Babe foram até Everglades,
onde deram uma volta num hovercraft, viram uma luta entre
crocodilos e comeram pernas de rãs e hush puppies.
Quinta-feira, de novo na Divisão «D» para outra vaga
de testemunhas no processo: mais três polícias e um «civil»
que trabalhava no quadro da polícia e tinha sido deixado
entrar no concerto por um polícia que ele conhecia. Todos
disseram algo acusatório e à pergunta de Max, «Se Jim estava
tão obsceno porque é que ninguém o prendeu nos bastidores
a seguir ao espectáculo?» Uma das testemunhas disse que
tinham medo que a multidão se revoltasse.
«Que multidão?», perguntou Max. «Não havia ninguém
no camarim a não ser os Doors, os seus amigos e a polícia.»
A pergunta seguiu sem resposta e foi rapidamente esquecida quando a acusação pôs em
evidência uma gravação que
tinha sido feita numa pequena cassete por alguém da audiência. O gravador estava
colocado no parapeito do lugar do juiz
e o botão de leitura foi ligado. Durante a seguinte hora e
cinco minutos a sala do tribunal ficou cheia de sons cerrados
dos Doors e do murmúrio da voz de Jim.
«... ninguém vai adorar o meu eu?... são todos um grupo
de idiotas! São todos um grupo de escravos!... Não estou a
falar de revolução, estou a falar de algum divertimento...
Estou a falar de amor... Quero mudar o Mundo... Aw ri,
aw ri. Quero ver alguma acção aqui. Quero ver algumas pessoas chegarem aqui e
divertirem-se. Não existem limites, não
existem leis, vá!»
«Vê», diz Harvey Perr, «Jim e Max concordaram que se
ouvisse as gravações porque queriam mostrar que tudo estava
no contexto, que tudo surgiu em cadência. Foi como uma
espécie de poema, uma sensação, e eles estavam a dizer que
279
a obscenidade fazia parte integrante. Quando ele disse "foder",
utilizou-a como palavra de amor. "Foder" significa amor.
Quero dizer, através de toda a obscenidade, dizia verdadeiramente à audiência para se
revoltar, para se revoltar contra
os bilhetes exageradamente caros, para se revoltar contra o
sistema e para se amarem uns aos outros. Ele disse, "Fode o
teu vizinho". E tudo tinha esta cadência, quase como um dos
seus poemas. Era como se fosse um grande poema gritado
e enlevado, dizendo-lhes que se revoltassem. Era como Dylan
Thomas.»
Sexta-feira à noite, Jim voou para Londres onde apanhou
um pequeno avião para a ilha de Wight, para se juntar aos
outros Doors no único concerto que os salvou da viagem
malograda pela Europa. Era sábado à noite e Jim estava
acordado há trinta e seis horas. Os Doors tocaram às duas
horas da manhã e foram seguidos pelos Who, a banda que
a audiência esperava. Os Doors actuaram no .local errado
- ao ar livre - e sob as piores condições, com vento frio,
iluminação inadequada e equipamento de som duvidoso. Foi,
como descrito por um dos jornais pop britânicos, «algo como
ouvir um álbum dos Doors num mau pick-up que gira devagar». Jim não estava em
condições e durante o espectáculo
hesitou claramente perante o microfone. Mais tarde, vagueou
pelo local do festival durante várias horas, dando uma entrevista pequena e
superficial a um repórter de uma revista britânica, mas passando a maior parte do
tempo a observar a
audiência. Na altura em que regressou a Londres, tinha
tomado esta decisão: o Festival da Ilha de Wight tinha sido
a sua última exibição em público.
O Estado suspendeu o seu caso na quarta-feira, depois
de apresentar mais duas testemunhas ofendidas com a profanação de Jim, e depois foi a
vez da defesa de Jim.
Bob Josefsberg requereu a absolvição invocando que o
próprio Estado tinha levantado dúvidas razoáveis. O juiz
Goodman negou superficialmente a contestação e depois estabeleceu limites na defesa.
Seriam permitidas apenas dezassete
testemunhas, disse - o mesmo número que a acusação tinha
chamado - e não havia os «então chamados peritos» entre eles.
Durante o resto desse dia e todo o seguinte, Max e o
seu colega de tribunal interrogaram as cinco primeiras testemunhas de defesa. Todas
testemunharam que tinham estado
em excelentes locais de observação e que não tinham visto
Jim expor-se. As testemunhas foram convincentes, mas também o foram as testemunhas da
acusação que disseram que
tinham visto alguma coisa. Uma cortina de tédio instaurou-se
na sala de tribunal, invisível mas perceptível como o ar comdicionado.
280
Foi quase um alívio quando foi anunciado no fim
do dia uma suspensão de onze dias. Jim e Babe partiram para
Nassau, onde se encontraram com Frank e Kathy Lisciandro
para uma semana de bebedeiras e Sol.
De volta ao tribunal a 14 de Setembro, a defesa chamou
não menos que dez testemunhas em duas horas e meia, e no
dia seguinte interrogou outras cinco. (A defesa tinha ultrapassado agora o limite de
dezassete do juiz, mas ninguém estava
a contar porquanto Max se apressava). Houve donas de casa e
estudantes, médicos e polícias, e todos repetiram o anterior testemunho de defesa:
não tinham visto Jim expor-se. Foi como
se um amplo corte transversal de Miami estivesse a demonstrar a sua capacidade de
audição para a mesma pequena parte
numa peça, de tal modo os depoimentos eram semelhantes.
Sempre que o juiz perguntava a Terence McWilliams se queria
interrogar, ele recusava.
Depois de vacilar durante mais de um mês, o julgamento
estava agora a abeirar-se do fim. Nem mesmo o testemunho
de Jim e dos outros Doors nos dias 16 e 17 foram particularmente memoráveis. «Não
tinha que testemunhar», disse Jim
mais tarde, «mas decidimos que podia ser bom o juiz ver como
eu era, porque tudo o que podiam fazer era olhar para mim.
Penso que não teve qualquer significado.»
O testemunho de Jim foi calmo e racional. Respondeu
a perguntas feitas por Max e Terence McWilliams com igual
cortesia e graça, seleccionando as suas palavras lenta e cuidadosamente, pausando
contemplativamente, passando a ponta
dos dedos ao longo do bigode, mostrando-se articulado, calmo,
convincente.
Por fim, Max disse, «A defesa cessa.»
O juiz Goodman concordou em manter o tribunal aberto
no sábado para ouvir os depoimentos finais e entregar o caso
ao júri. Nessa manhã, antes do julgamento, Jim leu num jornal de Miami que Jimi
Hendrix tinha morrido em Londres.
De novo se admirou em voz alta, «alguém acredita em presságios?»
Tendo sido recusados os «padrões contemporâneos» da
defesa, Max e Bob Josefsberg tiveram que atacar a acusação
pública das alegações finais. Durante mais de três horas, Max
examinou minuciosamente as provas e criticou os testemunhos
conflituosos e contraditórios. Depois, durante mais uma hora,
Bob Josefsberg pegou no texto de The Emperor's New Clothes
(«As Novas Roupas do Imperador») e criou uma parábola contemporânea, voltando-se para
a acusação no final e dizendo
numa reverência cortês, «Sr. McWilliams conduzirá agora o
comboio».
281
McWilliams fez um discurso de meia hora que pareceu
quase apologético e sentou-se sem olhar para Jim.
Às nove horas da noite de sábado, os jurados começaram
o seu debate e perto das onze e trinta tinham chegado a uma
decisão sobre três das quatro acusações Jim estava inocente,
concluíram, da primeira e quarta acusações - comportamento
lascivo (acusação de masturbação simulada / copulação oral
simulada, um delito grave), e embriaguez pública (um delito
leve) mas culpado da terceira acusação - profanação (outro
delito leve). (Quando, na tribuna, perguntaram a Jim se ele se
tinha exibido, na sua resposta confessou-se acidentalmente uma
das acusações: «Não me lembro. Estava demasiado bêbedo.»
Porém, foi ironicamente absolvido da acusação de embriaguez.) O júri disse ao juiz
Goodman que hesitava quanto à
segunda acusação: exibição pública (outro crime leve), então
este sequestrou-os num hotel de Miami e adiou o julgamento
até às dez horas da manhã de domingo, quando o júri ia
prosseguir o seu debate.
No domingo de manhã, Jim estava a ler a biografia de
Jack London por Irving Stone Sailor on Horseback («Marinheiro a Cavalo»), quando o
júri entrou e o primeiro jurado
leu o veredicto. Tinha sido considerado culpado de exibição.
A sentença foi marcada para os fins de Outubro. Devido
a Jim não poder ser extraditado da Califórnia por crimes
leves, a fiança foi levantada de 5000 dólares para 50 000 dólares para lhe dar uma
razão para voltar.
Solene ao deixar a sala do tribunal de jeans pretos, botins,
casaco bordado, que lhe tinha sido dado por um fã, Jim parou
para falar aos jornalistas. «Este julgamento e o seu resultado
não vai mudar a minha maneira de ser, porque mantenho
não ter feito nada errado.»
Os meses que se seguiram ao julgamento foram, de algum
modo, piores do que o próprio julgamento. Em Miami, Jim
parecia estar a marcar passo. Agora, dirigia-se para a desgraça com abandono.
Entrou num desesperado pânico praticamente logo que
regressou da Florida, quando soube que Janis Joplin tinha
morrido com uma overdose. Primeiro Jimi. Depois Janis.
A frase de Jim aos amigos pela cidade, era: «Estão a beber
com o número três.» E depois gritou tão cruelmente com
Pamela que ela o deixou - levantou as mãos, fez as malas
e voou para Paris para se juntar ao seu rico conde francês.
282
Os dias que se seguiram foram passados em bares e as
noites no Hotel Strip, onde Jim e Babe tinham quartos adjacentes.
«Hey, Babe, olha para isto!»
Jim estava pendurado no parapeito da varanda do seu
quarto no Hotel Hyatt House, dez andares acima de Sunset
Strip. Tinha estado a beber e a mijar coca.
«Gostava que não fizesses isso», disse Babe, «fazes-me
ficar nervoso.»
Chegou-se à varanda, olhou por cima da borda e depois
para Jim, ainda pendurado pelas mãos. «Estás a atrair uma
grande multidão», disse. Babe olhou novamente por cima
da borda e viu o director do hotel no passeio, a acenar com
os braços. Minutos mais tarde, ouviu-se um forte bater na
porta. Babe ajudou Jim a entrar para dentro e sentou-o, depois abriu a porta ao
director enfurecido e a um pequeno
grupo de agentes da polícia.
«O que é que se passa aqui? Que diabo pensam vocês...»
«Está tudo bem», disse Babe, apontando para Jim. Os
polícias entraram. Mais tarde declararam que o facto de Babe
ter aberto a porta toda foi um convite a eles entrarem, que
o facto de ter apontado para Jim foi um «gesto de boas-vindas.» Enquanto examinavam o
quarto, Babe conseguiu esconder a cocaína num cartão triangular dobrado, na cómoda,
que dizia «visite o Quarto Saber.» Mas a polícia encontrou
alguma marijuana e como era o quarto de Babe, Jim não foi
preso. Mas foi levado para as traseiras do hotel, que dava
para o parque.
Quando Salli Stevenson, um entrevistador da revista
Circus, lhe perguntou sobre o concerto de Miami, Jim cedeu
finalmente a falar sobre ele. «Penso que estava simplesmente
saturado com a imagem que tinha sido criada à minha volta,
com a qual algumas vezes conscientemente, mas a maior
parte das vezes inconscientemente, cooperei. Era demasiado
obcessiva para a suportar e então pus um fim a ela numa noite
gloriosa. Penso que o que os revoltou foi que eu disse à audiência que eram um grupo
de jucking idiotas por estarem a
assistir. De qualquer maneira, o que faziam eles lá? A mensagem básica era fazê-los
compreender que realmente não se
está ali para ouvir um grupo de músicas tocadas por alguns
bons músicos. Está-se ali para mais alguma coisa. Por que
não admiti-lo e fazer algo nesse sentido?»
Disse que considerava a entrevista como «uma forma de
arte crescentemente importante com antecedentes no confessionário, no debate e no
interrogatório». Estava preocupado
com os polícias de Los Angeles que «são idealistas e... quase
283
fanáticos ao acreditarem na justiça da sua causa. Têm uma
completa filosofia por detrás da sua tirania».
A entrevista foi reflexiva e articulada. Talvez pela primeira vez Jim insinuou em
público que poderia não viver
muito mais. «Não estou a negar que tenha passado uns
bons tempos nestes últimos três ou quatro anos. Encontrei
muitas pessoas interessantes e vi coisas num curto espaço
de tempo que provavelmente não encontraria em vinte anos
de vida. Não posso dizer que o lamento.» Mas, acrescentou,
«Se tivesse que passar por isto outra vez... penso que teria
escolhido um caminho calmo, demonstrativo de um artista
que labuta no seu próprio jardim.» O que teria acontecido
se tivesse que ir para a cadeia? Ele esperava que os outros
três «continuassem e criassem o seu próprio som instrumental
que não dependesse das letras, que de qualquer modo não são
assim tão necessárias na música.»
A 30 de Outubro, Jim viajou para Miami para se apresentar ao juiz Goodman. Antes de
proferir a sentença, o juiz
disse algumas palavras: «A insinuação de que a sua conduta
foi aceite pelos padrões da comunidade não é verdadeira.
Admitir que esta nação aceita como padrão da comunidade
e exibição indecente e a sua linguagem ofensiva, seria admitir
que uma pequena minoria que cospe obscenidades, que desconsidera a lei e a ordem, e
que manifesta um total desrespeito
pelas nossas instituições e herança tinha determinado os
padrões da comunidade para todos nós.»
Jim pensou que era um discurso bastante justo de campanha eleitoral, pensado para
fazer ganhar alguns votos ao
juiz no mês seguinte. A sentença foi o que ele tinha esperado:
a máxima. Sessenta dias de trabalhos forçados na prisão de
Dade County, por profanação, seis meses também de trabalhos
forçados por exibição, após os quais teria dois anos e quatro
meses de liberdade condicional. Foi também multado em
500 dólares.
Na primeira semana de Novembro Patrícia Kennely deu
entrada num hospital de Nova Iorque e a criança de Jim foi
abortada na vigésima semana de desenvolvimento fetal. Jim
não estava presente e não telefonou.
Passado quinze dias de proferida a sentença, Max Fink
interpôs recurso das condenações ao Tribunal Distrital dos
Estados Unidos e a Elektra lançou o seu primeiro álbum de
compilação de músicas dos Doors, um disco chamado 13,
número de músicas tiradas dos primeiros cinco álbuns dos
Doors.
284
A relação dos Doors com a Elektra era subtil. Jac Holzman não quis de maneira nenhuma
associar a sua companhia
com as condenações de Miami; deu instruções ao pessoal da
Elektra para evitar o assunto sempre que possível. As relações
mantinham-se cordiais, mas quando a Elektra pediu ao escritório dos Doors para
aprovar o lançamento do álbum de antologia, foi entendido que o pedido era uma
formalidade. Morrisson Hotel foi bem vendido, considerando as circunstâncias
em que tinha sido lançado e considerando que tinha sido feito
sem a ajuda de um single com êxito. Absolutely Live, que o
seguiu alguns meses depois, tinha custado muito dinheiro e
tinha sido pouco vendido, apenas 225 000 cópias (metade das
vendas de Morrison Hotel). A Elektra queria um produto para
os compradores de Natal, por isso o 13 recebeu a bênção
relutante dos Doors. Jim até consentiu em barbear-se para a
sessão de fotografias necessária para a produção do verso da
capa do álbum.
Jim detestava a capa do Absolutely Live. Originalmente
a capa era para ser uma fotografia granulosa e azulada da
banda em último plano no palco do teatro Aquarius, onde
a música nele incluída Celebration of the Lizard («Celebração
do Lagarto») tinha sido gravada. O Departamento de Arte dos
Discos Elektra decidiu que só a fotografia não chamava suficientemente a atenção. Uma
fotografia colorida de Jim, tirada
durante o concerto de Hollywood Bowl bem um ano antes,
foi sobreposta ao calhas por cima da existente fotografia da
capa da frente, e antes que o escritório dos Doors tivesse qualquer conhecimento, o
álbum foi enviado. Jim ficou furioso.
Também não gostou da capa da frente do 13, que mostrava um Jim Morrison mais novo, em
tamanho consideravelmente maior do que o resto da banda. A Elektra queria obviamente
o Jim Morrison bonito». Surpreendentemente, Jim
expressou apenas a sua fúria a poucos amigos íntimos. Embora
Ray, Robby e John se tivessem habituado a dirigir a atenção
para o seu cantor, isso perturbou Jim.
Na semana seguinte ao lançamento do 13, o velho amigo
de Jim da UCLA, Felix Venable, morreu de cancro no
estômago.
A agenda de Jim estava novamente a tornar-se carregada
com ensaios para o novo álbum em produção, apesar do trauma
psicológico. Devido à maior parte do material para o álbum
ter sido escrita muito tempo antes, o álbum ficou pronto mais
depressa do que se esperava. A letra sinistra de Cars Hiss by
My Window («Começa a janela a estremecer com o ribombar
do trovão. Hás-de ser morto por uma moça fugida num quarto
mergulhado em escuridão») foi tirada de um dos poucos
cadernos de apontamentos sobreviventes de Venice. A poesia
de The WASP («Texas Radio & Big Beat») foi incluída no
livro original de recordações dos Doors, distribuído em 1968,
no mesmo ano em que Jim escreveu as letras para outra
música chamada The Changeling. UAmerica foi repescada do
Zabriskie Point de Antonioni.
O novo material incluía duas músicas que demoravam
sete e oito minutos, respectivamente, ambas completa e poderosamente autobiográficas,
e ambas lírica e musicalmente
fortes. A primeira delas, L. A. Woman, era a saudação desesperante de Jim a Los
Angeles, uma cidade que ele agora via
como mórbida e alienada. «Donzela, és feliz na cidade da
luz / ou deste acaso em anjo - Cidade da Noite.» Los Angeles
foi a «cidade da noite» para Jim (tirou a frase de um romance
de John Rechy) e noutro verso, descreveu-a: «Deslizando pelo
percurso nómada / das avenidas nocturnas / entre carros de
polícias, bares topless / Nunca vi mulher- / Tão só, tão só...»
A isto, ele acrescentou um pensamento repugnante: «Motel
dinheiro crime loucura / que a nossa alegria se mude em
tristeza.» No verso seguinte dirigiu-se a ele próprio num anagrama para «Jim
Morrison»: «Mister Mojo erga-se / erga-se /
mantendo-se erguido / erga-se / erga-se...»
Riders on the Síorm não tinha truques de palavras e era
mais lenta, mais sincopada, mais melódica do que L. A. Woman. Foi também geralmente
considerada mais autobiográfica.
«Cavaleiros da tempestade / nesta casa nascemos / p'ra qui
fomos lançados / como sem osso / actor em substituição /
/ cavaleiros da tempestade.» E noutro verso, reapareceu um
tema familiar - um brado ao amor e a Pamela: «de ti depende
o Mundo / a nossa vida não tem fim / tens de amar o teu
homem.» A imagem do There's a killer on the road aparente
na música inspirada por **HW1.
Os Doors levaram estas músicas a Paul Rothchild. A sua
relação com Paul tinha vindo a deteriorar-se desde a altura
em que tinham acabado de gravar o disco Morrison Hotel,
em Janeiro. A habitual insistência de Paul na perfeição, que
obrigou a tantas dúzias de recomeços e paragens no estúdio
em álbuns anteriores e que fez com que tantos álbuns fossem
gravados ao vivo, «começou a cansar-nos», como diz John. Pior
ainda, Paul não gostou do novo material. «Era horrível», diz
ainda agora. «O material era mau, a atitude era má, a actuação era má.» Depois de o
ouvir durante três dias disse. «É isso!»,
e cancelei a sessão. Fomos jantar fora e falei com eles durante
três horas seguidas. Disse, «olhem, penso que é uma merda.
Penso que o Mundo não o quer ouvir, é a primeira vez, em toda
a minha vida, que me macei num estúdio de gravação, quero
286
ir dormir. As tensões entre vocês, rapazes, são fenomenais.»
Disse a Jim: «este é o teu disco. Este é o disco que querias,
então tens que conseguir montá-lo. Porque é que não o produzem vocês próprios? Eu vou
desistir!»
A crítica magoou, especialmente quando Paul chamou a
Riders on the Storm «música de cocktal». Os Doors admitiram
que não tinham tocado bem as músicas, que talvez não estivessem preparados para
gravar, mas não perderam a fé no
material. Depois do jantar regressaram ao estúdio com o
engenheiro, Bruce Botnick e concordaram em co-produzir o
álbum com ele.
Pamela permaneceu na Europa e Jim vagueou em busca
de uma rapariga que levasse - como Bill Siddons o descreveu- «as coisas até ao fim».
«Jim levava as coisas até ao fim», diz Bill. «Jim - especialmente o Jim bêbedo -
seguia uma linha de acção até à
sua conclusão, quer o levasse para o pântano do inferno ou
para o céu. Essa é uma das razões pela qual as pessoas o
seguiram, porque elas sentiam isso. A minha mulher Cheri
disse-lhe que, um dia, ele iria querer estar com uma mulher
que pudesse ir tão longe quanto ele, uma mulher que o pudesse
levar tão longe quanto ele podia levar qualquer outra pessoa.»
Talvez Jim tivesse pensado que tinha encontrado essa
mulher em Ingrid Thompson, parecida com a grande e rosada
Julie Newmar da Escandinávia. A 19 de Novembro, quando
o seu marido foi a Portugal em negócios, Jim mudou-se para
o Chateau Marmont, outro hotel no Sunset Boulevard, e
começaram a encontrar-se.
Ingrid abriu um pouco da porta da frente e Jim entrepôs
o pé. Estava bêbedo com a sua barba novamente crescida e
vestindo um casaco de tropa sujo, parecia um homem da
montanha entontecido. Ingrid abriu mais a porta. «Sabes que
sempre te amei», disse-lhe Jim.
Nas semanas seguintes Jim voltou a casa de Ingrid provavelmente duas a quatro noites
por semana, chegando muitas
vezes com outra rapariga, alguém que ele tinha seduzido a
levá-lo a «casa», e que acariciava no patamar antes de entrar.
Ingrid detestava isso e disse-lhe, mas Jim apenas encolheu os
ombros, dizendo que dava a Ingrid tanto quanto podia. No
fim do mês ele disse-lhe que queria ter um filho dela e atirou-lhe dramaticamente as
pílulas para o fogo da lareira.
«Realmente dávamo-nos bem», diz Ingrid. «Nenhum de
nós o esperava. Ele amava verdadeiramente a vida e eu também. A única coisa má é que
havia demasiada cocaína, que
rebentou as nossas cabeças. Ele pensou que eu era mais doida
do que ele e quis ver até onde eu ia.»
287
Jim «snifava» cocaína há um ano; primeiro lentamente,
quando ele e Michael McClure conseguiram da MGM um
avanço de 1000 dólares em «dinheiro para investigação»
enquanto escreviam o argumento; novamente com Paul Rothchild durante as gravações de
Morrison Hotel. Uma vez Jim
e um dos executivos da MGM compraram uma onça e Jim
disse, «Tu guardas a coca e dás-me apenas um bocadinho de
cada vez, diga eu o que disser, está bem?» Disse uma vez a
Patrícia Kennely, «Se tivesse uma montanha de coca no pátio,
gastava-a toda - porque sabia que ela lá estava.»
Uma noite, regressando a Ingrid, trouxe champanhe e
uma quantidade de cocaína maior do que a habitual numa
caixa de filme de 35 mm. Mantendo ambos os braços abertos
de alegria, entrou em casa e sentou-se defronte da mesa de
café. Depois de brindar à inteligência, ao bom aspecto e ao
charme europeu de Ingrid, vazou o copo num único golo.
Depois abriu a caixa do filme e lançou um monte de coca na
mesa de café em vidro. Lenta e silenciosamente alinhou duas
filas finas de duas polegadas com o seu cartão do American
Bank. Depois dobrou uma nota de cem dólares e enrolou-a
firmemente. Um a seguir ao outro, «snifaram» o pó, consumindo o valor de cerca de
cinquenta dólares por fila.
O impacto foi quase imediato. O bater dos corações acelerou-se, a temperatura dos
corpos subiu levemente, as pupilas
dilataram-se, as faces ficaram vermelhas. Minutos depois não
se calavam, impacientes, excitados. Sentiam-se mais confiantes
e maiores do que a vida. «Snifaram» outros cinquenta dólares.
A «pedra» da cocaína é curta e agradável. Se o consumidor puder comprá-la sem
limites, nunca acaba. Jim tinha
recentemente gasto enormes quantidades de coca com Steve
Stills e outros, e agora fazia o mesmo com Ingrid. Passadas
três horas, a caixa do filme estava quase vazia. Tinham-se
despido e dançavam ao luar. Atiraram-se para a cama. Ingrid
começou a falar sobre a sua terra natal, os seus estranhos
amigos que lá viviam. Disse que algumas vezes bebia sangue.
«Aldrabice!», disse Jim.
«Não. É verdade», jurou Ingrid, acenando com a cabeça
seriamente. «Bebo. Às vezes...»
«Está bem», respondeu Jim, sorrindo, «vamos beber agora
algum.» Parecia falar a sério.
Ingrid tentou divagar com uma graça. Estalando os dedos,
disse, «esqueci-me - o homem do sangue não veio hoje».
«Vamos beber algum sangue agora», repetiu Jim.
Jim lembrou-se do sangue que Patrícia tinha deitado do
288
acto que provavelmente contribuiu para o seu desmaio. Jim
tinha um medo imoderado de objectos cortantes.
«Tens algumas lâminas de barbear?», perguntou.
Ingrid sabia, pela maneira como ele perguntou, que ia
contribuir com sangue. Foi à casa de banho procurar. Momentos mais tarde, segurava
uma lâmina por um canto, mal
tocando na pele carnuda onde o seu dedo polegar se unia
à mão esquerda. De olhos fechados, deu um golpe em si, de
modo nervoso. Quando abriu os olhos não havia sangue.
Fechou-os e golpeou novamente.
Ao quinto golpe, jorrava sangue por todo o lado e Jim
berrava, agarrando numa taça de champanhe para o apanhar.
Fizeram amor e dançaram mais, manchando os corpos de
vermelho.
Na manhã seguinte, quando acordou em lençóis endurecidos de sangue, com riscas
castanhas de sangue coagulado
de Ingrid por quase todo o seu corpo, Jim teve medo. A paranóia aumentou.
Do final de Novembro até à primeira semana de Dezembro, Jim recebia visitas quase
diárias na sua casa de campo
de Chateau Marmont, de Larry Marcus e de outro argumentista, um amigo de Larry
chamado Syrus Mottel. Primeiro,
davam a «pancada secreta», à qual Jim respondia espreitando
por uma janela do segundo andar para ver quem era. Por
fim, eram admitidos no santuário de Jim, que estava decorado
com livros do chão ao tecto, muitos deles colecções de poesia.
Embora o frigorífico estivesse cheio de cerveja, não havia
comida.
As ideias do filme que discutiram tinham a ver com
identidade. Decidiram (ideia de Jim) contar a história de um
jovem montador cinematográfico em Los Angeles que, um
dia, largou o seu emprego, mulher e filhos para desaparecer
nas selvas do México, naquilo que Jim chamou «uma procura
louca do zero absoluto.» Jim e Larry apertaram as mãos e
foi esboçado um acordo com a ajuda de Max. Pelos serviços
de Jim como co-escritor, co-produtor e estrela, Larry garantiu-lhe pessoalmente 25
000 dólares.
À noite, foram algumas vezes ao Cock'n Buli, um restaurante no Strip. Uma vez, com
Frank Lisciandro, Jim começou
em paródia a troçar do argumento, e destruiu-o virtualmente,
esmagando todas as esperanças de Larry e destruindo cruelmente as suas próprias.
Outra vez, com apenas Syrus e Larry
presentes, Jim bebeu três garrafas de whisky durante uma
289
refeição e mais tarde, lançou-se para Sunset para dirigir o
tráfego com o casaco, como se os touros de Pamplona investissem com furor.
Ainda outra vez, Jim deu boleia a Larry Marcus nos
estúdios da Columbia no último de uma série de feíssimos
carros alugados que teve. Sem dizer uma palavra, guiou em
volta de Los Angeles durante meio-dia. Nem mesmo ligou a
telefonia. Larry estava sentado silenciosamente. Apanhado na
armadilha.
290
CAPÍTULO 10
II
A 6 de Dezembro Jim telefonou para o número de telefone que Jac Holzman lhe tinha
dado e falou com o engenheiro que tinha construído o estúdio
da Elektra. «Depois de amanhã é o dia dos meus anos», disse-lhe Jim, «e gostava muito
de gravar alguma poesia.» Às 8,
estavam nas Gravações Village, a dois blocos do bar onde
Jim bebia quando estava na UCLA, a feliz U. Tomou uma
bebida com Frank e Kathy, Alan Ronay e uma rapariga
sueca antes de ir para o estúdio. Quando lá chegaram, o
engenheiro ofereceu a Jim um pouco de whisky irlandês.
Jim começou a ler e a beber.
Como An American Prayer («Uma Oração Americana»)
a maior parte daquilo que Jim leu nessa noite tomou forma
de uma invocação. Durante quatro horas Jim predisse o seu
caminho através de um grosso pacote de folhas bem dactilografadas, ficando cada vez
mais bêbedo.
Exaltado pelas suas leituras, Jim concordou em tentar
actuar novamente em Dallas, sexta-feira, dia 11 de Dezembro,
e em New Orleans na noite seguinte.
Dálias foi um sucesso. Nessa noite, os Doors e Jim provaram a si próprios, e aos seus
caluniadores, que eram ainda
uma força poderosa a considerar. Esgotaram dois espectáculos
no auditório com seis mil lugares e repetiram duas vezes depois
de cada concerto. Jim estava com uma boa vitalidade, a banda
sentia-se firme e forte. Apresentaram em pré-estreia o Riders
on the Storn para uma audiência encantada. Depois de segundo
espectáculo, os quatro Doors brindaram nos bastidores ao
bem sucedido recobro das forças.
291
Não obstante, New Orleans foi uma tragédia. Se Dálias
foi o bom, Miami o feio, então New Orleans foi o fim. Nessa
noite Ray viu que a vitalidade de Jim tinha desaparecido.
«Toda a gente que lá estava o sentiu, pá. Perdeu toda a energia
a meio do concerto. Agarrou-se ao microfone e este simplesmente fugiu-lhe. Podia
verdadeiramente ver-se ele a partir.
Estava exausto.» Como que para desafiar a sua própria fraqueza, Jim pegou no suporte
do microfone e bateu com ele
repetidamente no chão, mais, mais e mais até que finalmente
ouviu-se o som da madeira a rachar. Atirou o suporte para a
audiência espantada, virou-se e estatelou-se num tambor,
sentando-se imóvel. Os Doors nunca mais apareceram em
público como um quarteto.
De volta a Los Angeles, a vida de Jim iluminou-se quando
Pamela regressou de França. Ficou encantada quando soube
que Jim tinha ficado maluco com a sua ausência, mas também
confessou aos amigos que, pelo seu lado, as coisas também
não tinham corrido muito bem. Estava contente, disse, por
ter voltado a Norton Avenue, mesmo se Jim ainda continuasse
no Chateau. Ele precisava de espaço, disse, para as suas reuniões de negócios. Pamela
sabia que Jim voltaria à sua cama
e à sua mesa em breve.
Quando Jim entrou a bambolear no escritório dos Doors
alguns dias antes do Natal, Kathy Lisciandro, a mulher de
Frank e secretária dos Doors, disse-lhe que havia uma mensagem na sua secretária.
De facto havia. «Estou na cidade», lia-se. «Telefona-me.
Patrícia.» A nota estava presa à secretária com um punhal.
Jim não via Patrícia Kennely desde Miami, não tinha
agarrado a sua mão quando ela abortou. Deixou o número do
telefone de Diane Gardiner, que tinha sido seu agente de
publicidade. Jim notou isso porque Pamela vivia no andar
superior ao de Diane e, como não tinha telefone, utilizava
o de Diane. Patrícia estava, por conseguinte, em casa de Diane.
Jim telefonou meia hora mais tarde. Os Doors tinham
decidido gravar o álbum na sala de ensaios por baixo do
escritório e Jim convidou Patrícia a aparecer enquanto acabava a música. Ela recusou,
dizendo que as sessões de gravação a maçavam... que ele fosse a casa dela. Disse que
ia,
mas não foi.
Quatro dias depois, Dia de Natal, Patrícia atendeu o telefone de Diane e era alguém a
querer falar com Pamela.
Patrícia decidiu subiu as escadas para chamar Pamela. Tinha
evitado o mais possível o encontro. Patrícia tinha conhecido
vagamente Pamela na festa do Hotel Hilton em Nova Iorque,
292
e depois de Pamela ter atendido a chamada começaram a conversar. Pamela estava já
muito drufada (*), então Patrícia,
para lhe fazer companhia, fumou erva suficiente para fazer
«subir» meia dúzia de pessoas. Beberam vinho e falaram
durante quase três horas. Não existia qualquer mau sentimento, qualquer antagonismo.
Pamela disse a Patrícia que ela
e Jim não estavam verdadeiramente casados - algo que raramente admitia, excepto a
amigos íntimos, chamando-se
Sr.a Morrison mesmo quando telefonava para o escritório dos
Doors. Patrícia falou a Pamela sobre o aborto, mas não sobre
o casamento Wiccan.
«Oh, wow», disse Pamela, «isso é maravilhoso.» Fez uma
pausa. «Mas teria sido ainda mais maravilhoso se tivesses
amado suficientemente Jim para ter o bebé.»
Patrícia vociferou, «Gosto de pensar que amei Jim,
amei-me a mim própria e amei essa criança suficientemente
para não a ter.»
Sim, mas se tivesses tido a criança, podias ter partido e
ter ido viver para o campo. Claro, Jim nunca te mandaria
dinheiro, porque essa é a maneira de ele...»
O cão de Pamela, «Sage», ladrou. Jim vinha a subir o
passeio. Patrícia ficou nervosa e Pamela ficou branca como
a morte, correndo para fora ao encontro dele com uma
torrente de palavras. «Jim, Jim, não vás lá dentro. Não vás
lá dentro. É só Diane...»
Jim ria-se ao subir as escadas para o apartamento de
Pamela. Pamela regressou a casa de Diane e dirigiu-se alterada a Patrícia: «O que é
que eu vou fazer? Jim vai-me
matar. Ele sabia que eu estava aqui a falar contigo, ele sabe
que eras tu.» Depois subiu as escadas, seguindo Jim.
Jim desceu sozinho e tratou Patrícia com encanto e graça,
mantendo cheio o seu copo de vinho, falando com sentimento,
abanando a cabeça apologeticamente quando ela disse que ele
a tinha feito sentir como uma groupie em Miami. Respondeu
que tinha sido apenas uma má altura, com o julgamento e
tudo. «Mas tu, mais que as outras pessoas, devias entender»,
disse ele. «Estavas lá.»
Na altura em que Pamela regressou, a sala estava cheia
de gente. Diane tinha chegado a casa com mais visitas. Jim
e Patrícia estavam sentados no chão, bêbedos, de pernas tortas,
jogando barulhentamente o jogo de cartas war (guerra). Jim
fez entrar Pamela e venceu ambas, vinte jogos de enfiada.
Passado um tempo, Pamela tentou levar Jim para cima.
Ele disse que não, que ficava onde estava. O desacordo de
(*) Drogada com downers, calmantes. (N. do T.)
293
desejos embaraçou toda a gente que estava na sala. Por fim,
Diane, de boa índole, deu a Pamela algum nitrato de amilo
e levou-a para cima, como se ela fosse meia-amiga, meia-adolescente a seu cargo.
Mais tarde, quando toda a gente se tinha ido deitar, Jim
perguntou a Patrícia se queria ir com ele para o Chateau.
Depois mudou de ideias, disse que estava demasiado bêbedo
para guiar, disse-lhe outra vez que a amava e sugeriu que
dormissem no chão. Patrícia encolheu os ombros. Encontraram
uma colcha a mais, enrolaram-se nela e adormeceram no meio
da sala.
Às dez da manhã, Pamela desceu as escadas e bateu à
porta de Diane. Diane saiu do quarto, abriu a porta de repente
e disse a Pamela, «Não vou negar que ele está aqui.»
Pamela entrou a passos largos e ficou a observar Jim, e
Patrícia, que ainda estavam desordenadamente nus debaixo
da colcha de Diane. Parecia uma farsa francesa - tão burlesca, tão horrível e tão
engraçada, tudo ao mesmo tempo,
que ninguém sabe se rir, chorar ou matar.
«Tenho apenas uma coisa a dizer-te», entoou Pamela,
«e vou dizê-lo em frente de todas estas pessoas: Jim, raios
te partam, arruinaste o meu Natal. Estragaste-o sempre.
Este é o quarto ano que o fazes. Não consigo suportar isto
mais!»
Jim sorria maliciosamente; Patrícia, que tinha imediatamente reconhecido o momento
como uma das alturas importantes da sua vida, mordia o lábio para não se rir e tentou
ser diplomática. «Pamela, não é o que parece, juro-te...»
Agora Diane interrompeu «Pamela, o que precisas são
algumas vitaminas e um sumo de laranja. Vem à cozinha
comigo.» Pamela seguiu-a obediente, e Jim começou a vestir
as calças.
«Meu Deus», murmurou. «Nunca ouvirei o fim disto...»
«Oh, poupa-me, Jim», disse Patrícia, mas estava a rir
com ele. «Quiseste que isto acontecesse. De quem foi a ideia
de ficar aqui?»
«Sim, sim. Tens razão - como de costume.»
Quando Pamela e Diane regressaram com algum vinho,
sentaram-se todos de pernas cruzadas e embebedaram-se outra
vez. «Não te preocupes», disse Jim por fim a Pamela, pondo
o braço em volta da sua cintura. «Fica tudo em família.»
Por fim, a lealdade e a paciência de Pamela venceram-no
e durante Janeiro e Fevereiro de 1971 Jim voltou à cama de
Courson. Parecia finalmente estar a gostar de um período de
tranquilidade caseira.
294
Nesse Inverno, estava a trabalhar simultaneamente em
quatro grandes projectos, nos quatro campos artísticos que o
interessavam: poesia, cinema, música e teatro. Em todos esses
projectos Jim não era apenas o escritor, mas também o actor.
Max Fink estava a negociar um adiantamento razoável da
Elektra para produzir um álbum de poesia. Foram retomadas
reuniões com Larry Marcus, o argumentista cinematográfico
que queria agora Jim para um filme em Itália. Também se
encontrava de novo com o seu amigo, «Phillarmonic Fred»
Myrow, para discutirem um espectáculo no qual Jim fazia o
papel de um prisioneiro de guerra do Vietname.
O projecto mais satisfatório era o novo álbum dos Doors,
que estava agora a ser gravado no escritório e na sala de
ensaios e referidos como «A Oficina dos Doors». Estavam
eles próprios a produzi-lo, com a ajuda do seu engenheiro de
longa data, Bruce Botnick.
«Finalmente», disse Jim a toda a gente, «estou a fazer
um álbum de blues.»
Era verdade. Os Doors corajosos e atrevidos estavam de
volta, com o toque brechtiano e com a vivacidade carnavalesca dos pesadelos dos
primeiros dias Whiskey da banda.
O grupo antidroga, a Fundação «Do It Now», tinha estado
a dirigir todas as suas energias para reduzir, se não eliminar,
o crescimento alarmante do abuso de metedrine (speed) na
América. Para realizar esta tarefa, tinham vindo a abordar
vários leaders da juventude, solicitando mensagens de rádio
«Speed Kills» para serviço público. Frank Zappa tinha concordado, assim como outros
rockers conhecidos. Jim tinha
ignorado os pedidos da fundação durante meses até que um
dia atendeu o telefone no escritório dos Doors e se dispôs a
aceitar uma visita naquela tarde para gravar a sua própria
censura antidroga. Os presentes ficaram surpreendidos quando
Jim anuiu.
«Bem, porque raio hei-de dizer não? O speed põe vermes
nos nossos ouvidos. Conheço essa miúda que pensa que pode
falar connosco sem utilizar a voz - não quero que os meus
fãs oiçam a minha música com o cérebro descorado e envenenado.»
Contudo, todos pressupunham que Jim nunca permitiria
que o utilizassem para influenciar o seu próximo de qualquer
maneira, em qualquer altura, por qualquer razão. Porquê
a reviravolta repentina?
«Pensei que tivesses dito que querias que os teus fãs
pensassem por eles próprios, Jim?», perguntou Denny Sullivan.
Denny ainda tratava do correio dos fãs de Jim e tinha-se
295
tornado um verdadeiro apêndice do escritório. Jim tinha antes
dado a conhecer a Denny os perigos de drogas fortes.
«Eu quero, bolas, mas eles não conseguem, pensar com
aquela merda. Esse é todo o raio do problema. Além disso,
quem te mandou zelar pelos meus negócios?» Jim estava a
brincar, mas também falava a sério. Speed era mau e ele
sabia-o.
Quando o representante do «Do It Now» chegou finalmente com o seu gravador para
produzir um spot de sessenta
segundos, Jim procurou um lugar para si e ofereceu cortesmente ao representante outro
do outro lado da sua secretária.
Parecia ansioso de agradar.
«Está bem, agora, o que queremos que digas», começou
nervoso o representante, «é "daqui fala Jim Morrison dos
Doors" e depois apenas, umm, nas suas próprias palavras,
dizer-lhes que o speed mata.»
Jim pensou durante um momento e depois cedeu.
«Está bem, esta coisa está ligada? Testar, testar... é
melhor voltarem atrás, para terem a certeza que está a funcionar. Não quero que
tenhamos todo este trabalho para
depois descobrir, só demasiado tarde, que perdemos a nossa
única oportunidade.»
O gravador foi rebobinado, posto a tocar, verificado e
novamente rebobinado para o princípio. «Pronto, Jim?»
«Pronto.» «Está bem, agora, vá.»
Jim pensou durante um instante e depois começou. «Hi,
pequenos idiotas que estão aí a ouvir rádio em vez de fazerem
os vossos trabalhos de casa, daqui fala Jim Morrison dos
Doors...»
O representante do «Do It Now» parou o gravador.
Jim piscou o olho a Denny. «O que é que estás a fazer?»
perguntou ao representante. «Não acabei!»
«Se faz favor, Jim, podemos fazer isto apenas num minuto
se fores directo. Lembra-te, isto é um spot de serviço público.»
Jim ouviu atentamente e acenou com a cabeça. «Acho
que percebi. Posso tentar de novo?»
O gravador estava novamente pronto a gravar: «Hey,
como é que estão vocês aí? Este é o vosso velho amigo Jim
Morrison, canto com um grupo chamado os Doors, devem ter
ouvido falar deles. Fizemos algumas músicas, mas nunca,
nunca fiz uma música sob o speed. Bêbedo, isso sim...»
O representante desesperado disse a Jim, «se faz favor,
tens que entender o que precisamos. Frank Zappa teve graça.
Também podes ter graça, mas tens que ser sério.»
Jim parecia perceber. «Está bem, entendi. Liga essa
coisa. Conseguiremos desta vez. Prometo.»
296
«Olá, daqui fala Jim Morrison dos Doors. Quero apenas
dizer-vos que injectar speed não é bom, então o melhor é
snifarem-no.» O gravador foi desligado e o representante
sentou-se imóvel. A sala estava silenciosa.
«Aconteceu alguma coisa? Achas que estava bem?»
O representante apenas abanou a cabeça. Jim levantou-se
e pôs uma mão no seu ombro. «Hey, pá, desculpa, vá anda
com a fita para trás. Desculpa mesmo, desta vez vou ser
directo. Verdade.»
O representante olhou para Jim. «Prometes?» Jim estava
sério. «Prometo.»
O gravador estava a rodar.
«Olá, daqui fala Jim Morrison. Não injectem speed. Meu
Deus, rapazes, fumem erva.»
O representante olhou para cima. «Penso que nos estamos
a aproximar, Jim, se puderes apenas alterar essas últimas
palavras.»
«Sei exactamente o que queres dizer», assegurou-lhe Jim.
«Mais uma vez, enrola.»
Desta vez Jim fez a sua introdução formal, avisou que
injectar speed «não é assim muito inteligente, injectar speed
mata gansos, se injectares muito speed num ganso, esse ganso
vai nadar em círculos para sempre».
O homem do «Do It Now» tinha perdido toda a paciência
e estava quase a chorar. Jim suplicava-lhe, «vá, homem, desculpa, estava só a
divertir-me, sabes, desta vez vamos fazer
bem, prometo».
«Não sei, Jim» - o representante abanava a cabeça «não posso passar o dia todo aqui.»
«Uma última vez», insistiu Jim.
«Está bem, mas se não acertares desta vez, acabou-se.»
«Desculpa. Este será um take - sabes o que é um take?»
Jim colocou cuidadosamente o microfone de mão defronte da boca. Fez uma pausa e
depois começou. «Olá, daqui
fala Jim Morrison dos Doors e tenho apenas uma coisa para
dizer.» Jim sorriu para o representante, que sorriu em resposta com esperanças. «Não
injectem speed. Speed, mata.
Façam o favor de não injectar speed, experimentem downers,
sim, downers, barbs, tranks, reds (variedades de downers), são
muito menos caros e...»
O gravador continuava a correr mas o representante
tinha chegado ao seu limite. Levantou-se, vestiu o casaco e
agarrando no gravador, saiu do escritório. A sala rompeu
numa risada. Jim tinha discursado de tal maneira que era
impossível descrever.
297
«O que é que se passa com ele?», perguntou Jim. «Ouvi
o Alice Cooper dizer que se apanhasse alguém a injectar speed,
ia a sua casa e enforcava os cachorrinhos. Eu não disse nada
como aquilo.»
A fundação «Do It Now» nunca teve o spot antidroga
de Jim Morrison.
Jim não se reunia com a imprensa local há bastante tempo.
Tinha passado ainda mais tempo desde que ele lhes tinha
concedido um exclusivo.
Jim gostava da L. A. Free Press pelas suas posições anti-establishment, e porque
sentia que «fazia parte da vida de
toda a gente», deu ao crítico de música do jornal, Bob
Chorush, tempo suficiente para conseguir uma boa entrevista
e, uma vez mais, manifestou o seu lado atencioso. Quando
lhe perguntaram acerca das desordens nos primeiros concertos
dos Doors, Jim disse que os concertos de rock eram uma
forma de «fervilhação humana para comunicar uma inquietação devido à sobrepopulação»,
muito parecida com a fervilhação dos insectos e algumas espécies de animais. «Ainda
não tenho a certeza», disse severamente, «mas penso que é
qualquer coisa assim.» Algumas das suas respostas foram
aforísticas: «Penso que na arte e especialmente no cinema,
as pessoas tentam confirmar a sua própria existência» e no que
respeita Charles Manson, o julgamento foi «o modo da
sociedade assimilar o horrível acontecimento.»
O assunto do álcool surgiu casualmente quando Jim disse
que tinha perdido muita música boa nos dois anos que se
seguiram a ele e Babe terem sido expulsos do Troubadour.
O entrevistador fez uma pergunta. Jim fez uma pausa. Ergueu
a cabeça para contornar o bigode abundante com a ponta dos
dedos. «Eu, uh, passei por um período em que bebia muito»,
disse por fim. «Tinha muitas pressões sobre mim que não
podia aguentar.»
Jim fez nova pausa. «Penso também que beber é uma
maneira de aguentar a vida num ambiente superpovoado e é
também um produto do aborrecimento. Conheço pessoas que
bebem porque estão aborrecidas. Mas eu gosto de beber. Por
vezes liberta as pessoas e estimula as conversas. E, uh, é,
não sei, é de algum modo como jogar. Sabes? Sais para uma
noite de copos e não sabes onde vais parar no dia seguinte.
Pode correr bem e pode ser um desastre. É como jogar aos
dados. Toda a gente fuma erva. Penso que vocês já não consideram isso como uma droga.
Mas há três anos houve aquela
onda de alucinogénios. Penso que ninguém tem verdadeiramente forças para manter
aquelas viagens para sempre.
298
Depois entra-se nos narcóticos, sendo o álcool um deles. Em
vez de tentar pensar mais, tentas matar o pensamento - com
o álcool e, uh, a heroína e os downers. Estes são os que matam
a dor. Penso que foi nisso que as pessoas entraram.»
Jim falava como um espectador da sociedade americana
nos princípios dos anos setenta, mas também deve ter falado
por ele e por Pamela. Até esta altura, ela tinha mantido
segredo do uso ocasional de heroína, mas sabia que ele a
qualificava como uma downer freak, assim como ele satisfazia
quase todos os critérios para o alcoolismo. Embora dissesse
à Free Press que os seus dias de fortes bebidas tinham acabado,
as pessoas que o rodeavam estavam espantadas pelas quantidades de álcool que
consumia.
Jim acabou a censura sobre a bebida ainda mais de
improviso do que tinha começado. «Gosto de álcool», disse,
«porque é tradicional, e também porque detesto pedinchar.
Sabes? Detesto o género de conotações sexuais fracas de pedir
às pessoas, então nunca faço isso. Esta é a razão por que gosto
de álcool. Podes ir a qualquer loja na esquina e está logo do
outro lado da mesa.»
Certamente, como todos os seus projectos a correrem
tão bem, Jim já não bebia para fugir ao aborrecimento.
Como na sua juventude, bebia pela bebida. Bebia para ficar
bêbedo.
Uma vez, entrou na loja de Pamela a cantar Back Door
Man no máximo da voz, acompanhado por dois parceiros de
bebida de recente aquisição; olhou para Denny, que estava
a ajudar Judy, irmã de Pamela, na loja.
«Algumas roupas para estes senhores», pronunciou inarticuladamente. Virou-se para
eles. «O que é que gostariam?
Temos algum material excelente e alguns artigos bonitos
desenhados pela nossa própria fábrica de pigmeus na Suíça.
As suas mãos ágeis e os seus olhos de precisão, podem ter
a certeza, oferecem a mais linda produção.»
De repente, caiu numa cadeira, a cabeça caída no peito.
A voz transformou-se num roncar.
Quando Jim acordou, os seus amigos tinham ido embora
e a irmã mais velha de Denny estava lá. Denny apresentou-a.
«Esta é a tua irmã?», perguntou Jim. «Nunca me tinhas dito
que tinhas uma irmã assim. Whooooppppeeee! Olha para
aquelas maminhas!»
Naquele momento, uma matrona bem proporcionada,
cinquentona, entrou na loja. Supondo que as observações de
Jim lhe eram dirigidas, atirou-lhe a sua carteira, perseguindo-o
299
em volta do balcão das jóias e só partindo depois de lhe
ter dado duas ou três pancadas.
«Meu Deus», suspirou Jim depois do incidente.
«Não tinha tido um exercício como este desde que meu
pai me perseguiu à volta da cozinha com um bastão de
baseball.»
Noutra altura, Jim entrou na loja, bateu numa prateleira
de camisas, derrubou-a e caiu sobre as camisas. Pamela estava
lá e desta vez explodiu, «Oh, meu Deus! Ele está bêbedo. Raios
te partam, Jim Morrison és um filho da mãe!»
«Bêbedo?» disse Jim, levantando-se lentamente, sorrindo
de modo inocente. «Eu não, senhora. Escorreguei. Foi um
acidente.» Depois Babe entrou e levou-o para o Palms para
uma bebida.
Nessa noite, no Chateau Marmont, Jim fez um número
de Tarzan. Subiu ao telhado e tentou balançar-se para a
janela do seu quarto afastada do algeroz. «A única razão por
que não se matou», diz Babe, «foi que ele saltou do telhado,
preso à divisória nas traseiras da sua casa. Foi fantástico, pá.»
Jim não tinha atenção àquilo que bebia: um dia gin, no
outro whisky e golos de cerveja, «Black Russions», no terceiro tequilla pura, no
quarto «Singapora Slings» ou outra
bebida tropical com fruta quando tinha fome. Só o fim era
invariável: embriaguez total.
A sua saúde não estava boa. Tendo começado por «cravar»
ocasionalmente cigarros durante os seus concertos, Jim tinha
atingido os três maços de «Malboro» por dia. Tinha uma tosse
irritante. Uma vez, disse a Robby, tinha cuspido sangue.
A sua voz tinha ainda muito da sua sexualidade cortante,
áspera e ressonante, mas estava irreparavelmente danificada.
Quando Jac Holzman ouviu os primeiros trabalhos de gravação para L. A. Woman, pensou:
«Estou a ouvir o último
álbum de Jim como vocalista.»
E estava mole, pesando 80 quilos - mais do que tinha
quando as primeiras fotografias de publicidade tinham realçado o seu tronco magro.
Comia pouco, consumindo a maior
parte das suas calorias no álcool. Tinha o corpo inchado de
um bêbedo.
Michael McClure tinha deixado de beber em Dezembro
e escreveu a Jim, sugerindo-lhe que tentasse também. Jim
nunca respondeu. Quando se encontrou com Michael e o seu
agente, Sylvia Romano, para almoçarem, Sylvia iniciou um
jogo.
«Acho», disse, «que todos concordamos que não obstante
a idade cronológica, no interior, bem no fundo, sentimos uma
300
certa idade, e acreditamos que é assim que as pessoas nos
deviam ver.»
Michael disse que nunca tinha passado dos onze anos.
Sylvia disse que se tinha sempre considerado secretamente
com dezanove.
Jim, que tinha feito vinte e sete anos algumas semanas
antes, disse melancolicamente que se sentia com quarenta
e sete.
Na primeira semana de Janeiro de 1971, Jim sentou-se
à sua secretária a ler o Rolling Stone. Estava surpreendido de
aí ver que um dos críticos de primeira linha da revista gostava
do último álbum dos Doors, 13.
Lá em baixo, os outros Doors estavam a gravar. Estavam lá Jerry Scheff, o baixo de
Elvis Presley e Marc Benno,
em guitarra rítmica. Jim estava a passar o tempo, esperando
que alguém dissesse que estava tudo pronto para ele cantar.
Para esta gravação, ia utilizar como cabine vocal a pequenina casa de banho. Jim
cantava «ao vivo» com os outros
na maioria das músicas. As coisas decorriam sossegadamente.
Em dez dias de gravação tinham tudo no gravador, e apenas
com duas das nove músicas (a décima era L'America, gravada
para a Zabriskie Point, meses antes) a voz de Jim tinha sido
regravada.
O material era bom e variado, dando a todos os membros
da banda igual oportunidade para se exibirem. Jim chegou
a cantar uma das músicas blues de John Lee Hooker, uma que
tinha feito parte do primeiro reportório dos Doors, Crawling
King Snake. Noutra, um blue original, Cars Hiss by My
Window, Robby intercalou uma linha de guitarra característica do estilo de Jimmy
Reed, enquanto Jim adoptou uma
voz de negros blues e, no final da música, ofereceu uma
ideia vocal, melhor que o habitual, de uma guitarra blues.
O sentido de humor torcido de Ray surgiu a meio de Hyacinth
House. Depois de Jim ter cantado um verso absurdo, «I see
the bathroom is clear» (vejo que a casa de banho está vazia),
Ray mudava para a melodia de Chopin conhecida como Til
the End of Time. Riders on the Storn era completa e sincopada, melancólica e
prometedora. Love Her Madly, a música
de Robby que seria lançada por ele com o primeiro álbum
desde há, exactamente, um ano, era vivo e carnavalesco,
reminiscente de uns Doors mais primitivos, mais intimidados,
mais espontâneos, mas também extremamente comerciais.
As letras de Jim atingiram, mais uma vez, pontos sublimes, nomeadamente nas músicas
mais compridas, L. A. Woman, Diders on the Storne e a longa germinação The Wasp:
301
The Negroes in the forest
brightly feathered;
& they are saying:
«Forget the Night.
Live w/us in forest
of azure. Out here
on the perimeter there
are no stars; out
here we is stoned immaculate.»
Os negros, na selva, todos emplumados, clamam / «Esqueçam a
noite! Vivam connosco na floresta azul, / aqui, dentro do círculo,
não chegam estrelas. / Aqui é-se pedra sem mácula» /
Depois, na mesma música: «I’ll tell you this, no eternal
reward will forgive us now for wasting the dawn (Digo-vos
que não há eterna recompensa que nos absolva de termos dado
cabo de tudo).
Cada uma destas três músicas dava indícios do desejo
crescente de Jim de fugir. Jim afirmava que o «Mr. Mojo
Risin» em L. A. Woman não era simplesmente um anagrama
para o seu nome, mas o nome que tinha utilizado quando
contactou com o escritório depois de ter «partido para África.»
Ninguém o levou a sério.
«Been Down So Long» tirou o seu título e refrão, «been
down so goddam long / That it looks like up to me» (Sim,
meu Deus, eu já desci tanto / que agora me sinto em cima)
do livro de Richard Farina, quase com o mesmo título, e incluía algum chauvinismo
masculino espalhafatoso:
I said, Baby, baby, baby
Wan't you get down on your Knees
C’man litlle darlin
C’man, and give your love to me
Põe-te de joelhos meu amor, meu amor / Vá, queridinho, vem cá
e dá-me o teu amor /
Esta mesma supremacia masculina aparece na música
de John Lee Hooker:
Cman, crawl
Cman, crawl
Get on out there on your hands and Knees, baby
Crawl ali over me
Vá, rasteja / vá, rasteja / sai daí de mãos e joelhos, querida / rasteja
sobre mim /
302
Num período em que a libertação da mulher estava a
chamar atenção, tal mensagem não passaria despercebida.
Devido à insistência de Denny, Jim escreveu uma descrição do álbum com os seus
rabiscos grandes e infantis, a
Dave Marsh, na Crêem, depois deslizou para uma avaliação
autobiográfica. Descreveu o álbum como a sua visão de L.A.
como um microcosmo da América. Contou a Dave que tinha
ido originalmente para Los Angeles para fazer cinema e tinha
acabado a fazer música. Continuou a descrever muitos dos
seus projectos a realizar, incluindo uma longa dissertação
sobre os julgamentos de Miami. Acabou a sua carta com:
Não estou doido.
Estou interessado na liberdade.
Boa Sorte,
Jim Morrison
! A solitária e pesada figura de casaco e jeans amarrotados, cabeça caída e cabelos
na cara, movia-se lentamente
ao longo das ruas de Hollywood. Dia após dia, Jim passeava,
olhando para o país das maravilhas em estuque como se fosse
a última vez, regressando por fim ao apartamento na Norton
Avenue. Tinha passado a maior parte das noites e muitos
dias de Janeiro e a primeira metade de Fevereiro «em casa»
com Pamela - Jim lia, Pamela desenhava roupas para Themis.
Por vezes Jim deitava-se no chão com o cão e sussurrava.
«Mmmmmmmm-ah, hummmmmm.»
A resposta de Sage vinha em perfeita harmonia:
«Mmmmmmmm.»
Jim fazia isto novamente e desta vez Sage subia uma
nota.
Pamela juntava-se e Jim queixava-se que ela estava a
estragar. Às vezes iam ao andar de baixo falar com Diane
Gardiner sobre a ida para a França. Tinham decidido. Iam
verdadeiramente fazê-lo -viver em Paris como exilados durante seis meses ou mais.
Pamela estava encantada. Até mesmo Jim parecia aliviado.
A partida de Jim de Los Angeles era inevitável, e também
talvez o fosse a sua ida para Paris. O último álbum dos Doors
estava quase completo e ele não lhes devia mais nada, ou
à Elektra. Não estava triste, mas necessitava desesperadamente de mudar de direcção,
e tinha chegado a acreditar que
quanto mais tempo ficasse na Califórnia, mais as pessoas e os
lugares com que se tinha reconfortado por muito tempo, permaneceriam uma força
dominante na sua vida. Jim não tinha
verdadeiros inimigos -tinha que fugir dos seus amigos.
303
Paris era uma escolha natural. Alan Ronay falava constantemente da cidade, visitava-a
todos os anos, Fred Myrow
tinha lá vivido e também ele encheu Jim com contos românticos. A contínua predilecção
de Jim por Rimbaud, Céline e
Baudelaire era também um factor. Paris era também uma
escolha tradicional para os escritores e amantes americanos.
«Ele sentiu uma coisa por Paris verdadeiramente incrível»,
diz o escritor Salli Steversan que o viu antes de partir. «Pensou
que era um lugar onde podia ser ele próprio e não ter pessoas
a persegui-lo e a fazer da sua vida um circo, pondo-o onde
ele não estava.»
Nenhum dos seus projectos presentes o manteve. Hwy
tanto encontrava um distribuidor como não, e a sua presença
em Los Angeles era irrelevante; Frank podia tratar disso.
Decidiu que a capa para a edição em brochura do seu livro
de poesia podia ser enviada por correio. Larry Marcus pareceu quase aliviado quando
Jim lhe sugeriu uma dispensa
temporária de seis meses; tinha sido feita a Marcus uma
encomenda: escrever uma peça para Arthur Penn. O álbum
de poesia podia esperar, ou podia ser acabado pelos outros
Doors na sua ausência, como tinham acabado outros álbuns
sem ele.
Em Paris, Jim tencionava agarrar-se a um esquema mais
produtivo de composição, e com isto em mente, telefonou aos
seus agentes literários para ver se eles conheciam alguém
que estaria interessado numa autobiografia impressionista. Foi
incitado a escrever alguma coisa, pelo menos em forma de
carta, para mostrar aos editores.
Jim disse a Pamela que devia partir para Paris o mais
cedo possível, para procurar um apartamento.
«Vá, Jim. Não podes ir para Paris parecendo o velho
Homem da Montanha.»
Diane Gardiner apontava para a barba cerrada de Jim.
Ela, Pamela e Jim estavam a beber vinho no apartamento de
Diane. Pamela concordou que Jim ficaria melhor sem tanto
cabelo.
«Não», disse Jim. «Eu, uh, não quero fazer isso. Sinto-me melhor assim.» Sentou-se
afundado na sua cadeira.
«Bem», disse Diane, «Pamela não pensa assim, e se não
podes confiar na opinião de Pamela, em que quem é que podes!»
«Então, Jim levantou-se da minha mesa de jantar», diz
hoje Diane, «cortou a barba e o bigode e ficou formidável.»
Nos últimos dias antes de Pamela partir, visitaram o local
de nascimento dela em Weed, guiando oitocentas milhas para
Norte no Mercedes com Sage, depois foram ver os pais de
Pamela em Orange, onde deixaram Sage. A 14 de Fevereiro,
304
Jim levou Pamela ao aeroporto. No dia seguinte, numa Paris
fria e chuvosa, ela instalou-se no Hotel George V, aquele
que Jim lhe tinha dito que parecia uma casa de prostitutas
com pelúcia encarnada.
«Podes aparecer agora», disse Diane ao telefone. «Ela
foi-se embora.»
Diane estava a falar com Patrícia Kennely, que tinha
chegado a Los Angeles duas semanas antes e tinha visto Jim
vagamente. Estava agora a dormir em casa de uma amiga.
Diane disse-lhe que Jim só tinha estado à espera que Pamela
se fosse embora para lhe telefonar - porque é que ela não
aparecia e não lhe fazia uma surpresa? «Bem», disse Diane
depois de Patrícia chegar e de ter trazido uma garrafa de
vinho, «a nossa querida amiga Grace Slick diz que temos que
ter mais do que uma personalidade. Pensa simplesmente em
Jim como uma espécie de Justine (*) masculino.»
Momentos mais tarde, Jim chegou e subiu ao apartamento de Pamela. Toda a mobília
estava encaixotada, excepto
um colchão, uma estante de livros cheia, a televisão, uma pequena mesa de vidro e a
grande cadeira de púrpura onde Jim
lia. Patrícia esperou apenas alguns minutos antes de bater à
porta. Quando Jim abriu ela disse, «tenho esta garrafa de
vinho que não consigo abrir, e queria saber se tu» - Ele envolveu-a nos braços e ela
ficou uma semana.
Patrícia recorda o último dia. «Foi o verdadeiro inferno.
Começava às quatro nalgum bar de colegiais "Top e bottomless" onde tomávamos tantas
tequillas com golos de cerveja
que o empregado do bar cobrava duas em cada três bebidas.
A última vez que me lembro, tinha tomado catorze. Depois
fomos à sessão de gravação de Jim com uma amiga com quem
ele tinha estado, e que se "fez" a Jim. Fiquei furiosa, e disse-lhe "Não me interessa
o que fazes depois de eu ir para casa
mas pelo menos tem a dignidade de esperar até lá."»
Jim era poligâmico completo, a amiga era verdadeiramente atraente, e ele era fácil de
seduzir. Estavam nos Estúdios Poppy, onde se montava o álbum dos Doors, e a amiga
foi à casa de banho. Cinco minutos depois Jim saiu. E cinco
minutos depois disso Patrícia encontrou-os abraçados lá fora,
no relvado.
«Levantem-se!», vociferou Patrícia, de pé, acima deles.
Jim olhou para ela calmamente, a sorrir.
«Vá! Para cima! Ambos! Para cima!»
(*) Referência ao livro homónimo de Lawrence Durrell. (N. do T.)
305
A amiga esticou-se e puxou Patrícia para baixo. Durante
um momento, três corpos fundiram-se para absorver a carne
e os ossos uns dos outros. Patrícia recuperou a sua compostura
e disse firmemente, «Deixa-me falar com Jim a sós.»
A amiga partiu e Jim disse, «Ouve querida, sabes que
estou demasiado bêbedo para foder esta noite, deixa-me só'
dormir com ela.»
«Olha», disse Patrícia, «é a minha última noite em Los
Angeles, vou para casa amanhã e provavelmente nunca mais
te verei.»
Jim irritou-se com a sua possessividade. «Bem, não vou
passar outra noite contigo.»
«Óptimo. Mas é melhor não a passares com ela.»
De volta ao apartamento, Jim começou uma revista às
gavetas do armário e da cozinha. As raparigas perguntaram
a razão.
«Oh», disse Jim. «Estou à procura de facas e tesouras
para me castrar. Uma de vocês fica com a minha pixa, a outra
com o meu corpo.»
«Quem fica com a tua alma, Jim?»
«Oh, vou eu ficar com ela, se não se importam.»
As raparigas viram Jim juntar todas as coisas cortantes
e depois colocá-las debaixo do sofá da sala. Deitou-se e
adormeceu.
«Parecia cera, rígido - horrível», recorda Patrícia. «Já
parecia morto, assim deitado, com o sofá a enquadrá-lo como
um caixão. Pensei que nunca mais o via vivo outra vez.»
No dia seguinte Patrícia regressou a Nova Iorque e Tom
Baker chegou depois de ter passado oito meses em Londres.
Tinha-se passado pelo menos esse tempo desde que Jim e Tom
se tinham visto pela última vez. Agora, caíram nos braços
um do outro como irmãos, e no fim do dia Jim e Tom estavam
tão bêbedos e odiosos que foram postos na rua de um dos
clubes de Santa Mónica Boulevard.
Com Pamela em Paris, Jim desempenhava o papel de
solteirão despreocupado. Tinha regressado à prostituta a quem
chamava «L. A. Woman» para fazer as suas muitas despedidas. Começou a vadiar pelo
novo clube de Marshall Brevitz,
no Palms e no Phone Booth, normalmente com Tom, Babe
e Frank.
O andamento acelerou, quando Jim viu uma das antigas
namoradas por causa de um aborto (ele tinha-lhe pedido que
tivesse o bebé e ela tinha recusado): passou quatro noites com
quatro diferentes, e ligou para todos os outros números de
306
telefone que conseguiu encontrar quando limpava a sua secretária no escritório dos
Doors.
A 3 de Março, a Elektra deu uma festa para celebrar a
abertura do seu escritório ampliado de Los Angeles, e depois
de ter feito uma aparição simbólica («Paguei pelo lugar, posso
também ver qual é o aspecto»), Jim foi a casa de Fred Myrow
onde beberam e falaram, voltando sempre à baila o espectáculo.
«O que queríamos cristalizar ou capturar», lembra Fred,
«era aquele momento de transição quando todos nos sentíamos
tão fortes em Los Angeles, nos fins dos anos sessenta e princípios dos setenta. Como
diria Huxley: "Entre as flores silvestres e as garagens, algo espreitava." Era um
ambiente estranho,
Los Angeles - seja o que for que aquela merda signifique ambiente que queríamos
explorar no espectáculo. O local, Los
Angeles, na cabeça de um Pow (1), que era suficientemente
remota pela distância, e suficientemente familiar pelos antecedentes, para competir
tanto com o evidente como com o
dissimulado, o óbvio e o menos óbvio desta cidade que não é
uma cidade. Essa era a base do espectáculo: Como é que vês
algo que conheces muito bem quando a vês novamente, voltando depois de muito tempo,
como se viesses da morte.»
Rabiscaram um esboço para o espectáculo que encheu
quatro páginas. Jim continuava a dizer que tinha que ir para
Paris. «Bem, olha», disse Jim por fim, quando Fred começou
novamente a pressionar Jim para ficar, «amanhã tanto vou
para Paris como para Catalina.» O
Jim e Babe já tinham saído uma vez nessa semana no
barco dos Doors, um dia de viagem ao largo da costa para
Paios Verdes. A 4 de Março, foram para Catalina (2) com duas
raparigas. «Uma viagem muito agitada», escreveu Babe no seu
diário. «Cocaína e bebida. A manhã seguinte muito bonita
e limpa e o nosso quarto de hotel que contemplava a Baía
de Avalon. Fomos ao «Big Mike» e tomámos um extraordinário pequeno-almoço de ovos
mexidos, linguiça, presunto,
sardinhas, azeitonas, batatas, chili, torradas e cerveja! Cerveja!
Jim ficou perto de Babe nos dias que se seguiram, interrompendo uma briga que começou
na sala de pool, indo ao
combate de Muhammed Ali-Joe Frazier, passeando na praia
de Venice. Na praia, foram ao pontão de Santa Mónica para
almoçar e, Babe escreveu, «fizeram palhaçadas na arcada
durante um tempo e depois regressaram à cidade».
Jim partiu para Paris no dia seguinte.
(1) Pow, tribo índia californiana. (N. do T.)
(2) Catalina, pequena ilha ao largo de Los Angeles. (N. do T.)
307
CAPÍTULO 12
Pela maneira como Pamela
contou a história mais tarde, o breve exílio em Paris foi idílico.
As pressões que tinham levado à decadência tinham desaparecido. Jim quase parou de
beber. Estava a escrever grandes
quantidades de poesia nova e excitante, um livro sobre o julgamento de Miami (ou uma
autobiografia - a história variou)
e assistiram a uma ópera e a uma sinfonia. Jim e Pamela pareciam casados de fresco,
compatíveis como nunca até então.
Essa era a ilusão de Pamela.
Houve uma história em particular que ela gostou de
contar sobre uma viagem que tinham feito a Marrocos.
«Acordei uma manhã e vi aquele homem bonito na piscina
do hotel, a falar com duas jovens americanas. Senti-me imediatamente apaixonada por
ele. Depois realizei que era Jim.
Não o tinha reconhecido. Tinha-se levantado mais cedo,
feito a barba e estava tão esguio por ter perdido peso que
parecia um homem novo. Era tão bom ficar apaixonada de
novo pelo homem que realmente amava.
Em «casa», em Paris, algumas vezes no George V, mais
frequentemente num apartamento num terceiro andar na
margem direita, tudo era calmo, de princípio. A maior parte
do tempo era passado no grande e ensolarado apartamento no
Marais, uma zona residencial antiga e famosa perto da Praça
da Bastilha. Tinham-no subalugado, a três mil francos por mês.
Uma jovem modelo francesa, Elisabeth (Zozo) Larivière
e o seu antigo namorado, um produtor de cinema americano,
tinham a casa mas planeavam partir em breve - ele regressava
à América onde tinha família, ela para o Sul de França para
fazer um filme - por isso, ofereceram a Pamela um dos quartos livres, dizendo-lhe que
quando partissem, ela e Jim podiam
ficar com a casa durante, pelo menos, dois meses.
309
Durante duas semanas, até 10 de Abril, Zozo permaneceu no apartamento, vendo este
casal estranho adaptar-se
a Paris e readaptar-se um ao outro. Para Zozo, parecia
uma relação excêntrica. Sempre que falava com Pamela,
Pamela só falava de Jim e quão maravilhoso ele era, «tudo
era Jeem, Jeem, Jeem». Mas depois, quando Pamela ficava
fora toda a noite com alguns dos amigos franceses que tinha
conhecido através do conde rico, de manhã, ao telefone, implorava a Zozo que dissesse
uma mentira por ela. «Oh, por
favor, diz a Jeem que estive toda a noite em casa da tua amiga
e que vou voltar ao meio-dia», costuma ter sempre que dizer
isso a Jeem.
Jim fazia silenciosamente o pequeno-almoço para ele e
Zozo, servia-o na cama dela, sentava-se e falava à medida
que iam comendo. Algumas manhãs ia então para o mais
pequeno dos três quartos do apartamento, onde tinha posto
a secretária de Zozo, sentava-se e escrevia - ou remexia numa
das caixas de papelão cheias de papéis e cadernos de apontamentos, fitas gravadas,
recortes de jornais, fotografias, correio de fãs e manuscritos que tinha trazido com
ele, procurando
através das lembranças e registos do passado, tentando determinar exactamente qual a
importância de tudo. Ao fim do
dia, quando a luz que vinha através da janela do pátio mudava,
deslocava-se por vezes para a mesa de casa de jantar com os
seus cadernos de apontamentos. Noutras manhãs, dava longos
e solitários passeios.
Passeava nas ruas de Paris durante horas, primeiro num
bairro vizinho, depois noutro, como tinha feito em Hollywood.
Dirigindo-se para Norte na sua rua, a Rua Beautreillis estreita
e sem árvores, um quarteirão de edifícios de apartamentos,
um agente de jornais, uma livraria, três pequenos restaurantes,
um clube de judo, uma barbearia; depois, para Oeste ao longo
da Rua St. Antoine, passava os mercados de carne ao ar livre
com coelhos pendurados, colinas de cerejas vermelhas, tabuleiros a transbordar de
peixe e camarão, couve-flores tão
grandes como bolas de basket, procurando lentamente o seu
caminho para um dos milhares de lugares atraentes e famosos
da cidade. Jim gostava especialmente do Louvre, herança do
seu interesse, quando jovem, pela arte.
Muitas outras manhãs dirigia-se para Sul da Rua Beautreillis, apenas a cinco
quarteirões da Ilha de St. Louis, e que
se tornou um dos locais vizinhos favoritos em toda a cidade
de Paris. Foi aqui, no Quais d'Anjou, que ele visitou o Hotel
de Lauzun, em tempos o local de reunião de Baudelaire e
Gautier, o adorado Clube Hashish.
310
«Isto aqui é tão bonito», dizia a Zozo ou a Pamela quando
voltava para casa. «Eles deitaram fora a gravura depois de
terem feito esta cidade.»
Mas contrariamente à ilusão de Pamela, Jim ainda bebia- e muito. Foi com grande
prazer que ele descobriu os
dois tipos de bares mais tradicionais de França: o bistrot de
vinho e o café de passeio. Havia ainda a sensação Hollywood-Hemingway-Fitzgerald em
Paris, uma estranha familiaridade.
Uma paragem no bistrot ou no café não era apenas natural,
era de rigueur; era blasfematório não brindar em louvor.
Jim continuava a evitar a blasfémia, num dia da primeira
semana de Abril, no «Astroquet», um pequeno clube no Boulevard St. Germain, cujo nome
provinha da palavra francesa
Troquei (café) e da referência americana ao espaço exterior
Astro; o interior tinha sido decorado como uma caricatura
de Buck Rogers.
Jim tinha estado a beber sozinho quando a sua atenção
foi atraída por alguns jovens que entraram trazendo caixas de
guitarras. Passado algum tempo, aproximou-se da mesa. «Vocês
são americanos?»
«Com certeza. E tu és donde?» Ninguém o reconheceu.
«Califórnia.»
«Eu também. Onde é que frequentaste a escola?»
«Uh... UCLA.»
«Wow, eu também! Quando é que lá estiveste?»
Jim pensou durante um momento, disse 1964 e 1965. De
novo, o jovem americano disse, «Wow, eu também. Em que
escola estiveste?»
«Uh, de cinema.»
Jim pagou-lhe bebidas, whisky puro com um golo de vinte perguntas, ou quê? «Uh...
uh... cantas? Com um grupo?»
Jim admitiu que sim.
«Oh, wow, meu Deus, estou embaraçado, não pensei...»
Jim pagou-lhes bebidas, whisky puro com um golo de
cerveja, a mesma coisa que ele estava a beber. O jovem
apresentou-se: «Phil Trainer. Estes tipos são meus amigos
e temos uma banda chamada «Clinic», somos todos americanos, o meu pai trabalha aqui
na Embaixada Americana.»
Durante as horas que deslizaram até ao amanhecer as
guitarras surgiram e Jim cantou Crawling King Snake. Disse
aos seus novos amigos que tinha cantado essa música no novo
álbum que seria lançado essa semana na América. Fumava
constantemente e a sua voz estava grosseira e dissonante.
Entre as músicas falavam sobre música e sobre as estrelas.
Jim disse-lhes que tinha tirado tudo o que era possível tirar
dessas coisas. Ficaram espantados quando afirmou que tinha
311
tomado ácido duzentas e cinquenta vezes. Impressionou-os
novamente quando lhes contou a noite em que tinha destruído
o estúdio de gravação. Disse que gostava verdadeiramente
dos outros Doors e que pensava que Robby Krieger nunca
teve o crédito que lhe era devido.
Ao amanhecer, todos tinham partido menos Jim e Phil.
Jim fumava cigarros incessantemente e aspirava tão profundamente que tinha forçado
uma tosse brônquica. Phil era
também cantor e diz, «Pensei que Jim estava a destruir a sua
caixa toráxica e a garganta. Fazia inalações enormes no cigarro, realmente, oh, pá,
se tenho alguma imagem dele dessa
altura, ele chupava o cigarro e depois tossia, tossia, tossia!
Estavam ambos terrivelmente bêbedos, e quando cambalearam para fora do clube e para a
manhã que estava a começar, Jim abriu o fecho éclair das calças e fez um chichi.
«Depois, fechou as calças e sugeriu que arranjassem um táxi para
irem procurar Pamela».
Quando descobriram que Pamela não tinha regressado
ao apartamento do Marais, Jim sabia onde ir - ao Quartier
Latin, casa de uma mulher fotógrafa. Entrou (ele sabia onde
estava a chave), e depois de ter verificado que Pamela estava
a dormir com a fotógrafa, assaltou o abastecimento de bebidas. Primeiro vodka. Depois
rum. Por fim, o que quer que
encontrasse, directamente da garrafa, sem golos, sem misturas. Passada uma hora,
mandou Phil acordar Pamela.
Ao pequeno almoço, num café próximo, Pamela encomendou por Jim: Spaígheti e um copo
de leite para arrumar
o estômago. «Não vais beber mais, pois não, Jim?» Pamela
começou a implorar «Jim»?
Jim sentou-se, silenciosamente, a olhar fixamente para a
praça cheia de gente activa. Do da funky chicken, disse por
fim.
Alguns dias mais tarde alugaram um carro e guiaram
para Sudoeste através da terra do vinho francês, através de
Orléans, Tours, Limoges e Toulouse, entrando em Espanha
através de Andorra, visitando o Museu do Prado, em Madrid,
onde Jim procurou o «Jardim das Delícias» de Hieronymous
Bosh, a obra-prima que incluía uma cara misteriosa que
se pensava ser do próprio Bosch. Dali foram para Sul, para
Granada, onde Jim ficou muito impressionado pelo Palácio
de Alhambra, um palácio mourisco geralmente reconhecido
como o exemplar mais bonito da arquitectura maometana
ocidental ainda de pé: uma cidadela de arcos iluminados
pelo Sol e raros azulejos azuis.
312
Jim e Pamela estavam a dar-se bem, quase tão bem
quanto ela um dia se tinha gabado. Viver juntos durante um
longo período num carro e em pequenos quartos de hotel
provocava pequenas discussões, mas as distracções eram numerosas e maravilhosas. Jim
e Pamela nem mesmo ficaram
seriamente perturbados quando foram aldrabados em cem
dólares por um árabe que falava inglês, que tinha prometido
uma grande pedra de Hash.
De Tânger guiaram para Sul ao largo da costa Atlântica
até Casablanca, depois para o interior para Marrakech. Comeram bem, beberam os vinhos
locais e registaram tudo com uma
máquina de filmar super-8 que tinham comprado antes de
deixar Paris. Quando voltaram para o carro e regressaram a
Paris na primeira semana de Maio, tinham-se passado aproximadamente três semanas.
O apartamento estava ocupado durante algumas noites, então mudaram-se para o L'Hotel,
uma estalagem privativa na margem esquerda, cujos vinte e cinco quartos
extravagantemente mobilados estavam a tornar-se muito procurados pelas estrelas de
rock visitantes, que eram atraídas
pela antiga residência de Oscar Wilde. Pouco tempo depois,
houve histórias de outra bebedeira de Jim e da consequente
queda de uma das janelas do segundo andar do L'Hotel. Parece que aterrou no cimo de
um carro, saltou e, sacudindo-se
como se nada tivesse acontecido, subiu a rua para ir tomar
uma bebida.
Viver na margem esquerda, em St. Germain, fazia Jim
regressar, de certa maneira, ao St. Mónica Boulevard, pois
aqui existiam todos os bares famosos. O Café de Flore e o
Aux Deux-Magots, onde Sartre e Camus costumavam beber.
La Coupole, com obras de Picasso, Klee, Modigliani e tantos
outros nos pilares: paraíso «Art Deco» onde Scott eZ elda(1)
instituíam a sua corte. (Jim disse que era parecido com
Ratner, uma delicatessen de Nova Iorque, no Lower East
Side). Para a multidão francesa au courant, os clubes underground mais a moda eram os
recentemente abertos Le Bulle,
e o favorito de Jim, uma série de caves chamada Rock and
Roll Circus.
Seis ou oito meses antes, o Circus tinha sido o clube em
Paris, equivalendo, pode dizer-se com o Whisky em Los
Angeles: estrondoso, com boas bandas e um bom sistema sonoro, caro, bebidas
seleccionadas, inclinando-se para espectáculos pobres. Mas respeitável. Led Zeppelin,
Richie Havens e
Johnny Winter tocaram lá, assim como alguns dos Beach
(1) Scott Fitzgerald, romancista e diletante americano. (N. do T.)
313
Boys. Na Primavera de 1971, contudo, o clube tinha-se tornado um mercado de heroína
que era frequentado pelos
profissionais do submundo: pegas, ladrões e chulos. O disc-jockey que punha discos no
clube no princípio do ano, e
tinha mudado para o Le Bulle, um exilado americano chamado Cameron Watson, descreveu
o Circus como «peru frio
na pista de dança». Jim adorou isso, claro. Desde o falso pobre
ao verdadeiro pobre. Para Jim isso não representava necessariamente uma descida.
No final da primeira semana de Maio, sexta-feira dia 7,
Jim estava no Circus bêbedo e agressivo e, por fim, violento,
atirando almofadas e deitando abaixo equipamento. Aparentemente não foi reconhecido,
pegaram nele e puseram-no
na rua. Um jovem estudante francês, chamado Gilles Yepremian deu com Jim numa
gritaria com o porteiro do clube.
«Negro...»
Jim, cansado de gritar, saltou para um táxi. O condutor
mandou-o embora. Dirigiu-se a um segundo táxi e foi novamente recusado. Começou a
gritar outra vez. Gilles, que
verdadeiramente não percebe nada de inglês, pensou que ele
estivesse a gritar, «Quero carne! Quero carne!»
Gilles reconheceu Jim e aproximou-se de um terceiro
táxi, convencendo-o a aceitá-lo. Mas, quando o táxi atravessava o Sena, Jim insistiu
em sair. Queria ir nadar. Dois polícias franceses passavam errantes no nevoeiro da
madrugada,
formando as suas capas e chapéus de caixa uma silhueta familiar.
«Porcos de merda!» cuspiu Jim. Depois gritou, «Porcos
de merda!»
Os flics continuaram o seu experiente passeio laissez-faire e Gilles empurrou Jim
para outro táxi, levando-o para
o apartamento de um amigo, Hervé Muller, que morava no
décimo sétimo arrondissement, perto da Etoile. O condutor de
táxi queixou-se do montante de gorjeta e Jim atirou-lhe uma
mão cheia de moedas. Quando subiam os cinco lances de escadas, Jim disse, «Shhhh...
não podemos fazer barulho.»
Uma pequena e doce emigrada da Checoslováquia chamada Yvonne Fuka abriu rapidamente a
porta. «Sim?»
«Trouxe-te alguém que encontrei defronte do Rock and
Roll Circus, disse Gilles.
Yvonne observou atentamente em volta de Gilles, para
a figura amarrotada que estava no parapeito das escadas.
Nessa altura ela era directora do sector gráfico de uma das
principais revistas do rock francesas, Best. O seu namorado,
Hervé, com quem partilhava esta casa com um grande quarto,
314
cozinha e casa de banho, era jornalista da mesma revista.
Reconheceu Jim e disse a Gilles para o trazer para dentro.
Jim cambaleou ao entrar, a cabeça caía lentamente de
um lado para o outro, absorvendo tudo, procurando uma
cama. Cambaleou em direcção à cama e estatelou-se em cima.
Depois dormiu quase até ao meio-dia, quando toda a gente
se apresentou.
Não havia muita coisa no frigorífico, então Jim sugeriu
que eram todos seus convidados num restaurante que conhecia. Era o Alexander, perto
do Hotel Georges V, com uma
ementa que estava de acordo com a vizinhança. Jim era
considerado cliente habitual, pelo menos como um que gostava de dar gorjetas
generosamente, mas disseram-lhe que
o restaurante não servia pequenos-almoços. Talvez não se
importassem de esperar pelo almoço.
Para Jim, o almoço começou com dois Bloody Marys e
depois encomendou uma garrafa de Scotch Chivas Regai. Uma
hora depois estava bêbedo e insultava uma mesa cheia de
homens de negócios franceses numa linguagem que, felizmente, não percebiam: «Parecem
estúpidos... Digam-me, vocês
são filhos da mãe? São idiotas?»
«Bebia o dobro de cada um de nós», diz tristemente
Hervé. «No fim da refeição, eles apareceram com duas garrafas
de conhaque e perguntaram-lhe qual é que ele queria. Agarrou simplesmente numa delas,
tirou a rolha e pôs o gargalo
na boca. Começou a pedir a Yvonne que lhe arranjasse uma
rapariga. "Não me arranjas uma miúda?" Passado algum
tempo, pagou tudo com um cartão de crédito. Éramos cinco
e a conta foi de setecentos francos.»
Começaram a dirigir-se para o carro, Jim apoiava-se
pesadamente em Yvonne para se manter de pé. «Tens que me
tirar daqui», disse-lhe insistentemente, «tens que me tirar
daqui.» Passados apenas cinquenta metros, disse que não podia
andar mais, tinha que descansar. Sentaram-no num banco e
Hervé foi buscar o carro.
Jim tornou-se violento quando Hervé regressou e teve
que ser forçado a entrar no carro, depois arrastaram-no pelos
cinco lances de escadas para casa de Hervé. A meio caminho,
caiu e recusou-se a subir mais. «Deixem-me!», disse, sentando-se num dos parapeitos.
Depois gritou. «Seus negros filhos da mãe!»
Por fim, Yvonne e Hervé conseguiram-no trazer para
casa e pô-lo na cama, onde imediatamente adormeceu. Eram
três horas da tarde de sábado.
Hervé e Yvonne voltaram a ver Jim. Desta vez estava
com Pamela. Jantaram em casa de Hervé e Yvonne e falaram
315
sobre poesia e cinema. Jim disse que tinha trazido
com ele cópias do Feast of Friends e Hwy e queria mostrá-las.
Também deu uma cópia do An American Prayer («Uma
Oração Americana») a Hervé, que lhe perguntou se podia traduzi-la em francês. Yvonne
disse que gostaria de fazer algumas
ilustrações. Jim estava interessado nessa possibilidade de colaboração.
Mais tarde, nessa noite, depois de algum vinho, Jim contou a Yvonne, talvez
inadvertidamente, a razão porque estava
em Paris. «Estou tão farto de tudo. As pessoas continuam
a considerar-me como uma estrela de rock and roll e eu não
quero ter nada a ver com isso. Não suporto mais isso. Ficaria
muito contente se as pessoas não me reconhecessem... de
qualquer maneira, quem é que eles pensam que Jim Morrison é?»
Na semana seguinte Jim e Pamela partiram para a Córsega. Voaram para Marselha onde
Jim perdeu a sua carta
de condução, o passaporte e a carteira de bolso, necessitando
regressar a Paris para arranjar duplicados da Embaixada
Americana. Voltaram a Marselha e finalmente voaram para
Ajaccio, o principal ponto da ilha, capital, e o local de nascimento de Napoleão. A
Córsega é conhecida pelo número
imoderado de recrutas que fornece para a polícia de Paris,
pelos cimos fortes e vermelhos dos seus penhascos, pelas aldeias
singulares no sopé da montanha, tão agressiva como qualquer
outra das Rocky Mountains ou dos Alpes franceses, pelas
viúvas de pescadores de olhos húmidos envoltas em preto, pela
ausência de gente nova e o cheiro pungente e penetrante de
maquis (erva) corsa, que é alimento do gado e surge na carne,
no queijo e no leite. Jim e Pamela deram volta à ilha durante
dez dias. Choveu todos os dias à excepção de um. Pamela
disse que era idílico.
Os Doors deixaram oficialmente os Discos Elektra, terminando uma relação que tinha
começado há quatro anos
e dez meses. Na mesma semana, o último álbum de Jim,
L. A. Woman e o derradeiro single, Love Her Madly, foram lançados e ambos começaram
uma subida nas tabelas.
A fotografia da capa de L. A. Woman era um retrato de
grupo, realçando igualmente todos os membros. De facto, Jim
tinha-se desleixado de maneira a parecer ainda mais humilde
que os outros! Além do mais, devido a ninguém ter conseguido convencer Jim a barbear-
se, apareceu, pela primeira
vez, na capa de um álbum com barba abundante e um
sorriso malicioso e demoníaco. Jim tinha conseguido vingar-se
pelas capas do 13 e do Absolutely Live.
316
Os críticos foram unânimes no elogio a L. A. Woman.
A reacção que tinha começado com Morrison Hotel acelerava-se. Os cépticos e os
detractores foram vencidos - os
Doors estavam definitivamente de volta. O álbum atingiu o
quinto lugar, e o single o sétimo lugar. A indústria discográfica zumbia com notícias
de que os Doors estavam a negociar
com os discos Atlantic e com a Columbia por somas de dinheiro
nunca vistas. John, Ray e Robby juntaram-se ocasionalmente
para improvisarem no estúdio de ensaios, com Ray assegurando
os vocais, elaborando material para o regresso iminente de
Jim. Foi por esta altura que Jim, que sabia pouco ou mesmo
nada sobre as canções, telefonou para o escritório e disse a
Bill Siddons que estava novamente a conseguir fazer música
mas queria descansar um pouco mais. Mais para o fim da
semana, fez um telefonema de manhã cedo para John
Densmore e perguntou-lhe como é que o material estava
a ser recebido. Quando John disse a Jim como o álbum e o
single estavam a ser vendidos e quanto a imprensa gostava
dos discos, Jim ficou espantado. «Se eles gostam disso, espera
até ouvirem o que tenho em mente para o próximo», disse a
John.
Jim parecia mais saudável do que o costume. Estava de
barba feita, tinha perdido algum peso e uma mudança de
roupa também fazia diferença. Sem ele ter reparado, Pamela
tinha deitado fora os seus jeans antigos e o casaco da tropa e
tinha-o canalizado para o seu passado colegial. Agora vestia
camisas de botões, calças de caqui e uma camisola de lã de gola
em V. Os sens botins Frye, gastos e quase rotos, permaneceram.
Ao regressar da Córsega, tinha contratado uma secretária
particular, uma loira canadiana alta, magra, de boa figura,
que falava fluentemente francês, Robin Wertle. Robin tinha-se
encarregado de gravações e tinha trabalhado como agente
e estilista para um fotógrafo de modas. Ela recorda que se
conheceram quando o fotógrafo deixou Paris por alguns meses,
«o que me deixou livre, por isso aceitei. Nem Jim nem Pamela
falavam francês, por isso era um bocado difícil para eles
movimentarem-se».
Como ficou planeado, o trabalho incluía «olhar pelo apartamento - ver se a mulher a
dias vinha, dactilografar cartas,
fazer telefonemas para a América, comprar mobília, contratar
uma dactilógrafa, tratar do que fosse preciso para Jim apresentar um dos seus
filmes».
Jim parecia tornar-se mais consciente da necessidade de
resolver esses velhos demónios conflituosos, o estrelato e a
317
própria simulação. Mas os passos eram lenta e laboriosamente
dados, e ele evitava pensar nisso se pudesse.
Hervé e Yvonne apareceram no dia 11 de Junho para
irem com Jim e Pamela ver o Le Regard du Sourd («O Olhar
do Surdo») (1), uma peça sem qualquer diálogo, sendo a maior
parte dos personagens surdos-mudos. Quando Hervé e Yvonne
chegaram ao apartamento da Rua Beautreillis, Jim disse que
Pamela não ia - em vez dela, levava o seu querido amigo
da América. O amigo, então hóspede, era Alan Ronay.
Pamela saiu essa noite com os chamados mineis, jovens
dandies hermafroditas franceses que usavam óculos escuros,
calças brancas de linho e falavam muito pouco inglês por condescendência. Pamela
adorava-os. Jim detestava-os e disse a
Pamela que não gostava que ela se desse com eles.
O tempo passou. Viu muitas vezes os seus velhos amigos
Agnes Varda e Jacques Denny. Em 1968, Jacques tinha tentado
atravessar as barreiras dos Doors para conseguir que Jim
representasse no seu primeiro filme americano, Model Shop.
Nessa altura, era um produtor de cinema muito aclamado
pelo seu filme premiado Les Parapluies de Cherbourg. Agnes,
sua mulher, intitulava-se a avó da New Wave e tinha tentado
uma vez convencer Jim com o seu documentário impressionista Lions Love.
Os três tinham-se tornado amigos íntimos e ao longo
dos anos Jim tinha desenvolvido uma sincera afeição por
Agnes. Ela era uma mulher baixa, com escassos metro e sessenta de altura, mas
altamente intelectual, com uma voz
rouca e uma personalidade rica. Identificava-se fortemente
com a classe trabalhadora, conduzindo deliberadamente um
automóvel barato, e admirava francamente jovens radicais
pela sua rejeição dos valores da classe média.
Jim dava-se também com Rory Flynn, a espantosa e
esguia filha de Errol que tinha sido uma das primeiras groupies dos Doors no Whiskey
em 1966.
Um amigo de Pamela apareceu, encontrando-se com
Pamela no Café de Flore. Mais tarde, no apartamento do
Marais, Jim disse ao amigo que lhe tinham oferecido o lugar
de actor principal na versão cinematográfica de Catch My
Soul, a adaptação musical de Othello que tinha estado no
palco em Los Angeles com Jerry Lee Lewis a fazer o papel
de Jago. Disse que o filme incluía outros como Tina Turner,
Joe Frazier e Melanie. Disse que também lhe tinham oferecido um papel ao lado de
Robert Mitchum na história alegórica
(1) Peça de vanguarda acompanhada por música repetitiva, de Bob Wilson.
(N. do T.)
318
de um caçador de ursos do Alasca, Why Are we in Vietnami
de Norman Mailer.
«Vou rejeitar a peça», disse Jim, «e penso que não vou
fazer o filme porque vai-me tirar muito tempo quando podia
estar a escrever.»
Jantaram no La Coupole e a caminho de casa passaram
por uma desordem estudantil no bairro de St. Michel. As
desordens passavam-se todos os fins de semana, eram o que
restava da greve nacional e das desordens estudantis de 1968.
Jim e Pamela tinham sido apanhados no meio de uma algumas semanas antes. Todos
concordaram que a desordem
os fascinava morbidamente, mas decidiram não parar para
observar.
Um amigo de Pam escreveu o seguinte para a revista
Crawdaddy:
«Jim tem agora melhor aspecto, certamente melhor
de que durante os dias do julgamento de Miami. Ele
declara ter deixado de beber, perdeu peso consideravelmente, mas a comida francesa
cobrou alguns direitos e
não readquiriu totalmente o vulto de calças de coiro e
de sombra esquelética que rondava Los Angeles como o
Rei Lagarto.»
Foi no primeiro dia de Julho e Paris ardia de calor.
Jim tinha caído num terrível e impressionante desespero. Tinha
estado a beber muito e agora tentava deixar a bebida de uma
vez por todas. Tentava escrever, tentando agarrar a depressão
com toda a força e transformá-la em algo criativo, mas não
conseguia. Sentou-se afundado na mesa da casa de jantar,
esperando que as palavras surgissem. O pouco que tinha
escrito não estava ao nível de Morrison e ele sabia-o. A certa
altura colocava-se defronte do espelho durante minutos, e
olhava fixamente para os seus próprios olhos, à procura de
uma resposta. Alan Ronay nunca o tinha visto tão em baixo
e Pamela estava assustada. Revezaram-se para o distrair, tentando animá-lo mas sem
êxito. Por fim, na noite de sexta-feira, 2 de Julho, Alan sugeriu que os três fossem
jantar num
café ao ar livre perto do apartamento de Morrison. Jim
recusou-se a sobrecarregar os seus amigos devido ao seu estado.
Permaneceu invulgarmente sossegado enquanto os barulhos
da refeição substituíam a falta de conversa.
Depois do jantar, Jim pôde mostrar o seu poder emocional ao mandar um telegrama a
Jonatham Dolges, o seu editor,
que dizia respeito à capa da edição encadernada de Simon e
Schuster de The Lords and The New Creatures. Queria que
319
fosse retirada a fotografia do «jovem leão», da autoria de
Joel Brodsky, e que fosse substituída pela fotografia mais
poética, onde estava de barbas, tirada por Edmond Teske (*).
Depois levou Pamela a casa, e foi sozinho a um filme que
Alan tinha recomendado (Pursued com Robert Mitchum).
Onde Jim foi a seguir ao cinema, ou se Jim foi ao cinema,
é matéria de especulação. Os vários relatos dessa noite estão
emaranhados em contradições. Alguns dizem que ele foi ao
Rock and Roll Circus, tão mergulhado em depressão que comprou alguma heroína nos
lavabos do clube e foi levado pelas
traseiras até ao seu apartamento, na banheira. Outros dizem
que deixou Alan e Pamela e se dirigiu em seguida para o
aeroporto, onde foi visto a tomar um avião. Ou talvez tenha
passeado, simplesmente, toda a noite. Ou foi ao cinema e
regressou a casa, onde logo se queixou que não se sentia bem
e que ia tomar um banho. Foi a última versão que ganhou
mais aceitação, mas o que quer que tenha acontecido sexta-feira à noite, na segunda-
feira de manhã, dia 5 de Julho,
circulava o boato que Jim tinha morrido.
Na segunda-feira, os jornais nacionais em Londres começaram a telefonar para os
escritórios dos discos Elektra em
Inglaterra. Lá ninguém conseguiu confirmar se Jim estava
vivo. Os jornais tinham ouvido dizer que ele tinha sido descoberto morto no seu
apartamento de Paris. De que maneira é
que começou o boato? Seria verdade desta vez? Clive Selwood,
que dirigia o escritório da Elektra em Inglaterra, telefonou
para o escritório da companhia em França para se certificar.
A Elektra de França nem tinha conhecimento que Jim estava
em França. Clive telefonou depois para a Embaixada Americana e para a polícia de
Paris. Ambos negaram qualquer
conhecimento de morte de um americano chamado Jim
Morrison.
Clive decidiu esquecer o assunto, era provavelmente apenas
outro falso alarme. Estava quase convencido quando dois dos
principais semanários de rock de Inglaterra lhe telefonaram,
um a seguir ao outro. Clive disse-lhes o pouco que sabia.
Então decidiu telefonar a Bill Siddons em Los Angeles. Devido
à diferença de horas, acordou Bill.
«Bill», disse, «não posso de algum modo confirmá-lo, mas
temos notícias de que Jim morreu.»
Bill quase que se riu. «Oh, não me lixes, Clive.» Disse que
ia voltar para a cama. Como não conseguiu adormecer outra
(*) A primeira fotografia, a do «jovem leão», da autoria de Joel Brodsky,
é a base da capa deste livro. A segunda, da autoria de Edmond Teske, é a base da capa
da edição portuguesa do american Prayer (Assírio & Alvim, nesta mesma colecção), e
também do disco homónimo. (N. do T.)
320
vez, decidiu telefonar ao próprio Jim. Pamela atendeu o telefone e disse a Bill que
era melhor ele ir lá imediatamente,
como se Bill tivesse apenas que dobrar a esquina. Pamela
não simpatizava muito com Siddons, mas sabia que ele se
encarregaria de tudo. Bill telefonou para o aeroporto para
fazer uma reserva no próximo voo disponível. Depois telefonou
a Ray e acordou-o.
«Ouve, Ray, Jim pode estar morto. Não sei se é verdade
ou não desta vez. Apenas falei com Pam e ela foi vaga. Quer
que eu vá lá imediatamente. Vou-me certificar já.
«Oh, meu Deus», murmurou Ray. «Bem, vai lá e informa-nos no minuto a seguir.»
Bill assegurou-lhe que o fazia e pediu-lhe para telefonar a
outros tipos, mas para lhes dizer que podia ser apenas outro
falso alarme.
«Vou no próximo avião», disse Siddons.
«Oh, Bill», acrescentou Ray, «não quero parecer mórbido
mas, por favor, certifica-te.»
«Certifico-me de quê, Ray?»
«Não sei, pá, certifica-te apenas.»
Siddons chegou a Paris na terça-feira, 6 de Julho. No
apartamento encontrou Pamela, um caixão selado e uma
certidão de óbito assinada. Os preparos para o funeral foram
rápidos e secretamente confirmados. A 7 de Julho, Pamela
preencheu a certidão de óbito na Embaixada dos Estados
Unidos, identificando Jim como James Douglas Morrison,
poeta. Disse que não havia parentes vivos. A causa oficial
da morte foi descrita como tendo sido um ataque de coração.
Siddons foi eficiente e, quarta-feira à tarde, o caixão foi
enterrado na terra do Père Lachaise, um cemitério que Jim
tinha visitado recentemente como excursionista, onde tinha
procurado a sepultura de Edith Piaf, Oscar Wilde, Balzac,
Bizet e Chopin. Estavam presentes cinco enlutados: Pamela,
Siddons, Alan Romay, Agnes Varda e Robin Wertle. Atiraram flores para a sepultura e
fizeram as suas despedidas.
Bill ajudou Pamela a embalar os seus pertences e na
quinta-feira regressaram a Los Angeles, onde Bill anunciou
o pouco que sabia. Pamela, ao que se disse, estava em estado
de choque, a descansar.
Quase uma década depois, as pessoas continuam a perguntar: Está Jim Morrison
realmente morto? E como é que
ele morreu?
Mesmo antes dele morrer - na hipótese de estar morto Jim era aquela espécie de figura
rara sobre quem os boatos
321
de morte circulavam muitas vezes. Quando Jim Morrison
estava na fase heróica, «morreu» quase todos os fins de
semana, normalmente num acidente de carro, muitas vezes
caindo da varanda de um hotel onde tinha estado a representar
para os amigos, ocasionalmente com uma dose excessiva de
alguma coisa alcoólica, alucinogénea ou sexual.
Como é que ele morreu? Durante anos, tem havido inúmeras teorias, algumas delas
originadas por um estranho desapontamento. Muitos alegaram, com amplas razões, que
estava
completamente fora do carácter de Jim morrer como Siddons
o narrou, de um ataque de coração na banheira.
A história oficial foi esta: Pam e Jim estavam sozinhos
em casa (passava pouco da meia-noite, sábado, 3 de Julho,
1971) quando Jim vomitou uma pequena quantidade de sangue. Já tinha acontecido uma
vez, disse Pam, e embora ela
estivesse preocupada, não estava realmente perturbada. Jim
disse que se sentia bem e que ia tomar banho. Pamela adormeceu novamente. Às cinco
horas acordou, viu que Jim não
tinha voltado para a cama, foi à casa de banho e encontrou-o
na banheira, braços apoiados nos bordos de porcelana, cabeça
para trás, o cabelo preto comprido e húmido emaranhado
contra a borda, um sorriso juvenil na cara barbeada. A princípio Pamela pensou que
ele estava a representar uma das
suas brincadeiras macabras, mas depois telefonou para a unidade de reanimação do
departamento de incêndios. Acompanhou-os um médico e um polícia, disse Pamela, mas
era
demasiado tarde.
Um factor que provocou muita da descrença inicial foi
o tempo. Bill contou a sua história à imprensa passados seis
dias completos de Jim ter morrido, dois dias depois do funeral.
«Cheguei agora mesmo de Paris, onde assisti ao funeral
de Jim Morrison», disse Siddons numa declaração elaborada
(lançada por uma firma de publicidade em Los Angeles).
«Jim foi enterrado numa cerimónia simples, estando apenas
presentes alguns amigos íntimos. As notícias iniciais da sua
morte e funeral foram mantidas em silêncio porque aqueles
de nós que o conheciam intimamente e o amavam como
pessoa, quiseram evitar todo o ambiente de notoriedade e
de espectáculo que envolveu a morte de tantas outras personalidades do rock como
Janis e Jimi Hendrix.»
«Posso dizer que Jim morreu em paz de causa natural
- estava em Paris desde Março com a sua mulher, Pam. Tinha
visto um médico em Paris devido a um problema respiratório
e tinha-se queixado desse problema no sábado - o dia da sua
morte...»
322
Nos dias que se seguiram, Siddons não deu mais informações porque não tinha nenhuma.
Outro factor que causou muita descrença foi o facto de
Siddons nunca ter visto o corpo. O que ele viu no apartamento
de Jim e Pamela foi um caixão selado e uma certidão de
óbito com a assinatura de um médico. Não havia relatório da
polícia, nenhum médico presente. Não tinha havido autópsia.
Tudo o que teve foi a palavra de Pamela de que Jim estava
morto.
Porque razão não houve autópsia? «Apenas porque não
queríamos fazer as coisas dessa maneira. Queríamos deixar
Jim sossegado. Ele morreu em paz e dignidade.»
Quem foi o médico? Siddons não sabia; Pamela não se
lembrava. Mas as assinaturas podem ser falsificadas ou compradas.
De qualquer forma, esta é a história oficial da morte de
Jim Morrison. As outras histórias contadas são mais bizarras
e, talvez, mais possíveis.
Os parisienses mantêm a heroína como a causa da morte.
Jim tinha sido um cliente habitual do Rock and Roll Circus, o
local nocturno francês então conhecido como o refúgio para
o submundo local de heroína. Jim tinha sempre gostado de
ambientes depravados, apreciava os excessos que a sociedade
contém. Tinha visitado várias vezes os bairros marginais tanto
de Los Angeles como de Nova Iorque. Tinha ido regularmente
ao Circus, era conhecido pelas pessoas. Contudo, a curiosidade
de Jim era provavelmente mais a de espectador do que de
participante. Bebia com os marginais, mas são fracas as hipóteses de ele se ter
injectado no Circus. Porque ele tinha de há
muito o terror de seringas hipodérmicas. Se ele se injectou
nessa noite em Paris, terá sido essa a primeira vez, embora
tivesse provavelmente «snifado» antes. Outro pormenor, não
foi Jim encontrado na banheira, normalmente o primeiro
lugar para onde uma vítima de dose excessiva é levada para
uma tentativa de reanimação? Alguns dos grafitis na sua
sepultura de Père Lachaise, «Tenham piedade dos drogados»
e «Injectem», não mantêm a crença de que foi uma dose
excessiva e não um ataque de coração?
Se Jim tomou uma dose excessiva, o médico provavelmente teria notado as marcas das
seringas. Contudo, se «snifou» a heroína, não existia maneira de o detectar sem
fazerem
uma análise de sangue. Sem autópsia, nunca se saberá. É possível, apesar de tudo. A
quantidade de heroína inalada que é
mortal é consideravelmente inferior quando combinada com
álcool. Os dois actuam em combinação para acalmar os sistemas
323
nervoso central e respiratório, resultando numa morte
rápida e sem dor.
Outras teorias afluem num círculo de amigos de Jim.
Numa ele foi morto quando alguém lhe arrancou os olhos
com uma faca («para libertar a sua alma», como a história
conta). Noutra, tinha uma amante que o desprezava, que o
matou a larga distância de Nova Iorque por feitiçaria. Ainda
outras teorias reivindicaram que Jim foi a vítima de uma
conspiração política com a finalidade de desacreditar e eliminar o hippie I Nova
Esquerda / estilo de vida contracultural
(na realidade esta era suposta ser uma de uma série de conspirações penetrantes e
relacionadas, que incluíram os tiroteios
nos Estados de Kent e Jackson, as desordens em Islã Vista,
os ataques à bomba dos Weathermen, as sentenças de prisão
inflexíveis pronunciadas a Timoty Leary e aos Oito de Chicago,
os assassínios de Charlie Manson - para não mencionar as
mortes de Hendrix e Joplin e mais de duas dúzias de Panteras
Negras). Jim era suficientemente popular e, mais ameaçador,
suficientemente esperto para provocar nas forças que existiam
amplas razões para ser decidida qualquer espécie de acção no
sentido de evitar a sua influência subversiva. Certamente as
autoridades estavam atentas a ele, nomeadamente através da
profunda investigação do FBI do seu passado a seguir à prisão
em Miami.
Outros, não tão inclinados para uma conspiração, acreditam que Jim tenha tomado uma
dose excessiva de cocaína,
menos mortal do que a heroína, mesmo quando tomada em
grandes quantidades. Outros ainda reivindicam que Jim morreu provavelmente de «causas
naturais» mas que Pamela não
estava lá quando isso aconteceu. Talvez tenha ido passar o
fim de semana fora com o conde, não regressando senão
segunda-feira, descobrindo que Jim estava morto, o que
explicaria o atraso da notícia. Algumas pessoas apenas encolhem os ombros e dizem
que, ao contrário das histórias
policiais, não importa como ele morreu exactamente quer tenha tomado uma dose
excessiva de qualquer coisa,
tenha tido um ataque de coração ou simplesmente tenha brindado à morte (como tantos
suspeitam desde o princípio). Na
linha final ainda se pode ler «suicídio». Quer de uma maneira
ou de outra, Jim tinha morrido de abuso de si mesmo, e
descobrir como, é apenas uma questão de determinar o calibre
da pistola metafórica que ele apontou à sua própria cabeça.
A verdade é que ninguém tem a certeza como Jim Morrison morreu. Se existiu alguma vez
um homem que estivesse
pronto, apto e desejoso de morrer, era Jim. O seu corpo estava
velho e a sua alma cansada.
324
Por outro lado, há quem não engula nenhuma destas versões. Jim Morrison não está
morto, dizem. Isto não é tão artificial como pode parecer. Se existiu alguma vez um
homem que
estivesse pronto, desejoso e apto a desaparecer, era também
Jim. Seria perfeito, mantendo para ele o seu carácter imprevisível, arranjar a sua
própria morte como maneira de escapar
à sua vida pública. Estava cansado de uma imagem que ele
tinha tornado demasiado grande mas não podia diminuir nem
eliminar. Tinha procurado obter credibilidade como poeta
mas vira as suas tentativas frustradas pela sua atracção como
herói cultural. Gostava de cantar e amava verdadeiramente o
talento dos Doors, e no entanto, procurou desesperadamente
obter algum alívio das pressões que a fama lhe trouxe. Talvez
não tenha feito nada mais, no fim da semana de 3 a 4 de
Julho, do que ter desaparecido de vista para encontrar a paz
de escrever e a liberdade do anonimato.
Certamente, que as sementes de tal brincadeira tinham
sido plantadas no Fillmore, em São Francisco, nos princípios
de 1967, quando os Doors não tinham tido ainda êxito, Jim
sugeriu que simulassem uma morte para conseguir atenção
nacional para a banda. Houve também a sua observação
sobre a utilização do nome Sr. Mojó Risin para contactar o
escritório depois de ter «fugido para África». Além disso, disse
a ambos os autores deste livro, em diferentes alturas, que
podia ver-se a si próprio mudar radicalmente de profissões,
reaparecendo como um homem de negócios de fato completo
e gravata. Steve Harris, o assistente de Jac Holzman, recorda
claramente Jim ter-lhe perguntado depois da morte de Brian
Jones, o que aconteceria se ele morresse de repente. Jim quis
saber como afectaria o negócio, o que diria a imprensa, e
quem acreditaria.
As sementes foram plantadas ainda mais cedo na sua
vida. Quando Jim estava a estudar a vida e poesia de Arthur
Rimbaud, ficou fascinado pelo facto de Rimbaud ter escrito
toda a sua poesia aos dezanove anos antes de ter desaparecid
no Norte de África e de se tornar vendedor de armas e traficante de escravos. Jim
mantinha longas conversas de investigação com Mary Francês Werebelow, sobre a maneira
como
os Discípulos tinham roubado o corpo de Cristo da catacumba,
brincando sobre a «Easter Heist» (Roubo da Páscoa) mas
lidando com o facto séria e logicamente.
Todos os amigos íntimos de Jim concordam (e alguns
insistem) que não só é exactamente a espécie de brincadeira
que Jim podia fazer... mas com a ajuda devotada de Pamela,
a podia ter feito com incrível êxito.
325
Agnes Varda e Alan Ronay não falam. Robin Wertle
e Hervé Muller juram que nada sabem de especial. Siddons
sabe apenas o que viu e o que lhe foi dito por Pamela. E Pamela levou o segredo para
a sua sepultura, quando morreu
três anos depois de Jim.
Passada uma década, ainda não há notícias do Sr. Mojó
Risin!
326
POSFÁCIO
O poeta Blake disse, «A estrada
do excesso leva ao palácio da sabedoria.» Jim Morrison compreendeu isso e foi
imoderado. Ou os poetas chegam à sabedoria porque são de facto, poetas, ou nunca lá
chegam porque são loucos divinos. É uma e a mesma coisa.
Outro provérbio de Blake extraído do Marriage of Heaven
and Hell declara, «A Prudência é uma velha, rica e feia solteirona cortejada pela
Incapacidade.» Jim não foi prudente
e acontece que conheceu raras vezes a incapacidade. Jim foi
um herói metamórfico que nos emocionou com a sua energia
e a sua coragem. Percebia com os seus sentidos e alterou-os
com álcool (sagrado para Dionísio, o deus do drama e da intoxicação), com ácido e com
o elixir interior da sua própria
exaltação e exuberância. Jim foi uma das almas mais brilhantes que jamais conheci, e
uma das mais complexas - todos
nós, seres mamíferos feitos de carne e nervos, somos compelidos a ser complexos.
Jim ficou fascinado pela experiência dos seus sentidos e
estava continuamente encantado pelas alterações do seu sistema nervoso. Quando deixou
de ser o cantor (vestido de
coiro, símbolo do sexo) dos Doors, tornou-se no belo destroço
que floresceu num cantor corpulento e melancólico.
Uma das coisas de que eu gosto nesta biografia é que
mostra que Jim se reconheceu como poeta. Essa foi a base
da minha amizade e camaradagem com ele. Também os autores reconhecem que Jim não foi
materialista, a correr atrás
do dólar, como são muitos artistas do rock and roll. A modalidade que Jim amou foi a
da experiência e da acção. Ele quis
a transubstanciação da natureza material para a riqueza do
prazer descontente.
327
Jim e eu juntámo-nos em Londres para discutir um filme
sobre a minha peça The Beard. Jim encontrou-se comigo no
aeroporto e eu falei-lhe de imaginar poetas românticos a voar
através do céu nocturno em volta do avião. Mostrei-lhe um
poema novo sobre «Billy the Kid», e ele, espontaneamente,
escreveu um poema para Jean Harlow no meu caderno de
apontamentos.
Fizemos o circuito dos poetas na cidade, desde as espeluncas de Strip em Soho até ao
Museu Tate, e depois demos
um passeio ao luar com o poeta Christopher Logue para ver
o hospital que agora fica no local onde Blake viveu. Tornámo-nos «habitués»
transitórios dos clubes de música, o «The
Bag of Nails» e o «Arethusa», onde vimos Christine Keeler,
estrelas de cinema, bebemos copos de Courvoisiers e tivemos
conversas filosóficas com realizadores cinematográficos.
Vi pela primeira vez em Londres poemas de Jim, à luz
lúcida e mescalínica de uma ressaca, encontrei o seu manuscrito de The New Creatures
na mesa de café do seu apartamento em Belgravia e fiquei excitado pelo que li.
Não conheço nenhum poeta melhor da geração de Jim.
Poucos poetas têm sido assim figuras públicas ou homens do
espectáculo (talvez Mayakovsky na Rússia nos anos vinte e
trinta) e nenhum teve uma carreira tão curta e tão poderosa.
Toda a gente tem ouvido a música dos Doors e conhece
a lenda pública, mas desgostava a Jim a possibilidade da sua
poesia ser lida por ele ser uma estrela de rock. Guardou os seus
poemas reflectida e cuidadosamente, e trabalhou neles em
segredo.
Quando vi o seu manuscrito de The New Creatures em
Londres, sugeri que Jim fizesse uma edição particular apenas
para os amigos e depois desse o livro a um editor comercial,
se quisesse. Foi o que aconteceu. Jim incorporou dois artistas
num só, o cantor apaixonado e apaixonante (vi Jim cantar
durante tanto tempo que a audiência teve que se sentar no
chão para ouvir) e o jovem poeta calmo, talentoso e distinto.
Ele era o Sr. Mojó Risin e era James Douglas Morrison, um
poeta de descendência escocesa-americana.
Fiz récitas de poesia com Jim e senti a sua excitação
e determinação em ser ouvido a esse nível. Ouvi Jim, depois
da sua morte, em gravação numa sala de jogo que foi em
tempos um forte alemão na África Oriental. Em todas as
ocasiões ouvi um artista.
Quando leio Jim, sinto o amigo que me falta. Sinto que
Jim lá está, como um irmão com quem falar.
Como George McDonald disse:
328
Death alone from death can save.
Love is death, and so is brave.
Love can fill the deepest grave.
Love loves on beneath the wave.
Só a morte da morte pode salvar / O amor é morte, e deste modo
corajoso / O amor pode encher a sepultura mais funda / O amor
ama por debaixo da vaga /
A presença e a obra de Jim criaram uma vaga vibrante,
e ele perfila-se como uma estátua luminosa e cantante perante
os projectores e a amplificação. Mas os seus poemas e musicas
continuam a demonstrar, com subtileza, que só a Morte da
Morte Pode Salvar.
MICHAEL McCLURE
Agosto 1979
329
AGRADECIMENTOS
No ano seguinte à suposta morte de Jim Morrison, Jerry Hopkins
foi enviado para Europa como correspondente errante da Rolling
Stone. Isto simplificou-lhe a investigação de pormenores da única
tournée pela Europa de Jim e dos outros Doors e dos últimos meses
de Jim em Paris. Enquanto investigava o resto da sua vida, Jerry
viajou desde a sua residência em Los Angeles às primeiras moradas
de Jim Clearwater e Tallahassee, Florida; Alexandria, Virgínia e
Alameda, Califórnia; assim como em Nova Iorque, Atlanta e Valdosta
(Georgia), São Francisco, Mammoth, Monterey (Califórnia), e Miami,
Florida.
Aqueles a quem ambos os autores estão especialmente em dívida
incluem os três Doors sobreviventes, Ray Manzarek, Robby Krieger
e John Densmore; Bill e Cheri Siddons; Frank e Kathy Lisciandro;
Babe Hill; Leon Barnard; Paul Rothchild; Diane Gardiner; Paul
Ferrara; Bruce Botnick; Gloria Stavers; Michael McClure; Hervé
Muller; Billy James; Denny Sullivan; Ronnie Haran Mellen; Jac
Holzman; Dorothy Manzarek e Lynn Krieger.
Aqueles que ofereceram o seu valioso tempo e memórias a
Jerry incluem: Patrícia Kennely; Rosana (White) Norton; Fred e
Ilana Myrow; Tandy Martin Brody; Vince Treanor; Gerard (Fud)
Ford; Phil Oleno; Mrs. Walter Martin; James Merrill; Randy Maney;
Andy Morrison; Bob Hungerford; Ralph Turner; Sammy Kilman;
Thad Morrison, Jr. e Thad Morrison III; Margaret Morrison Blumberg; Nick; Pamela
Zarubica; David Thompson; Mrs. Paul R. Morrison e John DeBella.
Outros que Jerry entrevistou incluem: Elmer Valentine; Mário;
Larry Marcus; Harvey Perr; Sylvia Romano; Mike Gershman; Danny
Fields; Jonathan Dolger; Judy Sirns; David Anderle; Digby Diehl;
Russ Miller; Mike Hamilburg; Michael Ford; Garry Essert; Julia
(Brose) Densmore Negron; Gayle Enochs; Charles Lippincott; Barry
Opper; Eva Gardonyi; John Ptak; Linda Kelly; Gay Blair; Bill
Runyan; George (Bullets) Durgom; Salli Stevenson; Jac Ttana (Joe
Kooken); Anne Moore; Bill Belasco; Ron Raley; Nina e Adam
Holzman; Todd Schiffman; Paddy Faralla; Bill Kerby; Renata Eder;
Sue Helms; Pamela Courson; Stanton Kaye; Naomi Grumette; Clare
(Sparks) Loeb: Marshall Brevitz; Anne Schlosser; Paddy Monk; Judy
Huddleston; Samatha Spitzer; Ellen Sander; Bill Graham; John
331
Harris; Alan Weber; Bill Thompson; Ned Moraghzn; Robin Wertle;
Patrícia Charley; Leslie Gilb; Steye Wax; Trina Robbins; Philippe
Paringaux; Elizabeth (ZoZo) Larivière; Yvonne Fuka; Dominique
Lamblin; Phil Trainer; Cameron Watson; Hervé de Lilia; Arthur
Dorlag; Charles Reimer; Ashley Ahl; Joe Burke; Luther Davis Jr.;
Tom Reese; Francês Warfield; Hilton Davis; Diane Warfield; Deucalion Gregory; Ihor
Todoruk; James Blue; Colin Young; John Tobler;
John Morris; Clive Selwood; David Apps, Elliot Kastner; Chris
Greenwood; Rory Flynn; Gus Dana; Terence McCartney Filgate;
e Roger Tomlinson.
Gostava também de agradecer às seguintes pessoas: Rich Linnell;
Kim Fowley; Iggy Pop; Alice Cooper; Patti Smith; Alan Lanier;
Nigel Harrison; Jim Ladd; Shelly Ladd; Harvey Kubernick; Penelope
Abrams; Mel Posner; Marty Fox; Bob Greene; Eric Rudolph; Elektra
Records, N. Y. e L. A. (especialmente as raparigas da publicidade
da West Coast); Marcy Rudo; Dave Marsh; e Todd Gray. Também
à minha família; Barbara Reinhart; Ken Keyes; Joh Randell; e Shep
Gordon, todos que deram à minha missão inspiração e apoio de uma
maneira ou de outra.
Está-se em dívida para com a Repartição de Informação Pública
da Marinha dos Estados Unidos no Pentágono; Elektra Records International; arquivos
de Billboard e Cashbox (revistas); Miami Herald
e Miami News Leader; Los Angeles Times; Melody Maker, New
Musical Express; Rogers, Cowan e Brenner em Beverly Hills e Londres; Gibson e
Stromberg; Florida State University; St. Petersburg
Júnior College; George Washington Hig School; a revista Crawdaddy;
a revista Crêem; The Village Voice; Rolling Stone; e a revista Circus.
Jerry e eu gostávamos especialmente de agradecer a todos os
fans dos Doors que demonstraram que uma coisa boa nunca morre,
que Jim Morrison e os Doors vivem através das suas palavras e da
música.
DANIEL SUGERMAN
DISCOGRAFIA
Número
da
etiqueta
45 r.p.m.
TÍTULO E DATA DE SAÍDA
singles
Breack On Through
End of the Night (Janeiro 1967)
Ligth My Fire
The Crystal Ship (Abril 1967)
People Are Strange
Unhappy Girl (Setembro 1967)
332
45624 Love Me Two Times
Moonlight Drive (Novembro 1967)
45628 The Vnknown Soldier
We Could Be So Good Together (Março 1967)
45635 Hello, 1 Love You
Love Street (Junho 1968)
45646 Touch Me
Wild Child (Dezembro 1968)
45656 Wishful, Sinful
Who Scared You (Fevereiro 1969)
45663 Tell Ali The People
Easy Ride (Maio 1969)
333
45675 Runing Blue
Do It (Agosto 1969)
45685 "* You Make Me Real
Roadhouse Blues (Março 1970)
45726 Love Her Madly
Don't Go No Farther (Março 1971)
45738 Riders On The Storm
Changeling (Junho 1971)
E-46005 Roadhouse Blues
Albinoni Adagio (Janeiro 1979)
45 r.p.m. Séries «Spun Golã»
45051 Light My Fire
Love Me Two Times (Abril 1971)
45052 Touch Me
Hello, I Love You (Abril 1971)
45059 Riders On The Storm
Love Her Madly (Setembro 1972)
33 y-i r.p.m. álbuns
74007 THE DOORS (Janeiro 1967): Break on Through, Soul
Kitchen, The Crystal Ship, Twentieth-Century Fox, Alabama Song, Light My Fire, Back
Door Man, I Looked
at You, End of the Night, Take It As It Comes, The End.
74014 STRANGE DAYS (Outubro 1967): Strange Days, You're
Lost Little Girl, Love Me Two Times, Vnhappy Girl,
Horse Latitudes, Moonlight Drive, People Are Strange,
My Eyes Have Seen You, I Can't See Your Face in My
Mind, When the Music's Over.
74024 WAITING FOR THE SUN (Julho 1968): Hello, I Love
You, Love Street, Not to Touch the Earth, Summer's
Almost Gone, Wintertime Love, The Unknown Soldier,
Spanish Caravan, My Wild Love, We could be So Good
Together, Yes the River Knows, Five to One.
334
**75005
75007
2-9002
74079
75011
2-6001
EQ-5035
5E-502
THE SOFT PARADE (Julho 1969): Tell AU the People,
Touch Me, Shaman's Blues, Do It, Easy Ride, Wild
Chila, Runnin' Blue, Wishful Sinful, The Soft Parade.
MORRISON HOTEL (Fevereiro 1970): Road House
Blues, Waiting for the Sun, You Make Me Real, Peace
Frog, Blue Sunday, Ship of Fools, Land Ho!, The Spy,
Queen of the Highway, Indian Summer, Maggie M'Gill.
ABSOLUTELY LIVE (Julho 1970) (álbum duplo): Who
Do You Love, Medley: Alabama Song/Back Door Man,
Love Hides, Five to One, Build Me a Woman, When
the Music's Over, Ctose to You, Universal Mind, Break
on Through = 2, The Celebration of the Lizard, Soul
Kitchen.
13 (Novembro 1970): Light My Fire, People Are Strange,
Back Door Man, Moonlight Drive, Crystal Ship, Roadhouse Blues, Touch Me, Love Me Two
Times, You're
Lost Little Girl, Hello, I Love You, Wild Child, Unknown Soldier.
L. A. WOMAN (Abril 1971): The Changeling, Love Her
Madly, Been Down So Long, Cars Hiss by My Window,
L. A. Woman, L'America, Hyacinth House, Crawling
King Snake, The WASP (Texas Radio & the Big Beat),
Riders on the Storm.
WEIRD SCENES INSIDE THE GOLD MINE (Janeiro
1972) (álbum duplo): Break On Through, Strange Days,
Shaman's Blues, Love Street, Peace Frog, Blue Sunday,
The WASP, End of the Night, Love Her Madly, Spanish
Caravan, Ship of Fools, The Spy, The End, Take It As
It Comes, Running Blue, L. A. Woman, Five to One,
Who Scared You (You Need Meat), Don't Go No Further, Riders on the Storm, Maggie
M'Gill, Horse Latitudes, When the Music's Over.
THE BEST OF THE DOORS (Quadrifónico) (Agosto
1973): Who Do You Love, Soul Kitchen, Hello, I Love
You, People Are Strange, Riders On the Storm, Touch
Me, Love Her Madly, Love Me Two Times, Take It As
It Comes, Moonlight Drive, Light My Fire.
AN AMERICAN PRAYER (Novembro 1978): Awake,
To Come of Age, The Poet's Dreams, World on Fire,
335
An American Prayer (o álbum inclui uma versão em
concerto de Roadhouse Blues em adição à poesia de
Morrison dita pelo próprio e a música nova pelos três
sobreviventes dos Doors) (também um «libretto» de
8 páginas a cores).
Todos os discos Elektra Records.
336
LIVROS
THE LORDS
edição privada,
tiragem limitada de 100 cópias,
Western Lithographers, Los Angeles, Primavera de 1969
THE NEW CREATURES
edição privada,
tiragem limitada de 100 cópias,
Western Lithographers, Los Angeles, Primavera de 1969
THE LORDS & THE NEW CREATURES
Simon and Schuster
encadernado, Maio de 1970
AN AMERICAN PRAYER
edição privada
tiragem limitada de 500 cópias
Western Lithographers, Los Angeles, Verão de 1970
THE LORDS & THE NEW CREATURES
Simon and Schuster
brochura, Outono de 1971
337
FILHES
BREAK ON THROUGH
16 mm, a cores
Filme de promoção da Elektra Records feito para a Televisão
2 min. 25 seg.
THE UNKNOWN SOLDIER
16 mm, a cores
Filme de promoção da Elektra Records feito para a Televisão
3 min. 10 seg.
FEAST OF FRIENDS
16 mm, a preto e branco e (sobretudo) a cores
Documentário «synch-sound»
Filmado e idealizado por Paul Ferrara e Jim Morrison
Montado por Frank Lisciandro
Som de Babe Hill
Co-produzido pelos Doors
40 min.
HIWAY
35 mm, a cores, «synch-sound»
Um filme de Jim Morrison, Frank Lisciandro e Paul Ferrara
Som de Babe Hill;
Música do genérico: Georgie Ferrara, música: Fred Myrow
50 min.
339
THE DOORS ARE OPEN
Filme a preto e branco para a Televisão
Montagem de concerto misturada com montagem de eventos políticos
de 1968
Quatro partes, filmado pelo canal Granada da televisão britânica,
Londres, Inglaterra, no Roundhouse Theatre
Excelente actuação; som sofrível
1 hora.
SOBRE OS AUTORES:
JERRY HOPKINS: Jerry tem vindo a escrever crónicas sobre
música popular desde a sua graduação em Washington e na Universidade de Lee em 1957.
Tem escrito para dúzias de publicações como
jornalista «free lancer» e publicou vários livros sobre música rock.
Em 1971, Jerry publicou a primeira, e a que se verificou ser a definitiva, biografia
de Elvis Presley, Elvis. Este livro foi dedicado, em parte, a Jim Morrison «pela
ideia». Depois da noticiada morte de
Jim em 1971, Jerry sentiu-se comovido ao ponto de decidir que o seu
próximo projecto seria escrever a biografia de Jim. Jerry tinha conhecido Jim quando
o entrevistou para a Rolling Stone, e novamente
quando viajou no México com os Doors para cobrir os seus concertos
no sul do país.
De 1971 a 1975 Jerry investigou a vida de Jim. Foi durante a
investigação que fez para o seu livro, que Jerry se encontrou pela
primeira vez e entrevistou Danny Sugerman, um amigo e sócio de Jim.
Hoje Jerry Hopkins vive no Hawai com os seus dois filhos. Cobre
a cena da música hawaiana e mantém-se como correspondente da
revista Rolling Stone.
I
340
DANIEL SUGERMAN: Danny tinha vinte e quatro anos à época
da edição original deste livro (1980) e vive em Beverley Hills, onde
dirige uma florescente empresa de administração e relações públicas.
Também actua como confidente e apoio dos Doors sobreviventes,
especialmente de Ray Manzarek, cuja carreira dirigiu desde que os
Doors se separaram. Interveio no dia-a-dia dos Doors como sócio
administrador e fez parte integrante da «Família dos Doors». Encorajado por Jim
Morrison, Danny começou a escrever quando tinha
treze anos, cobrindo primeiro os concertos dos Doors e, mais tarde,
com maior profundidade, o famoso julgamento de Jim em Miami.
Tornaram-se os dois amigos íntimos, e depois da morte de Jim em
341
Paris, Danny continuou a cobrir a cena da música rock para várias
publicações nos Estados Unidos e no estrangeiro.
Depois de Jerry Hopkins ter assegurado a investigação e os dois
primeiros esboços, Danny começou a reunir aquilo que viria a ser o
manuscrito final, tentando dar ao leitor uma imagem de Jim tão
real quanto o poderia fazer alguém que tinha conhecido Jim intimamente.
VOLUMES PUBLICADOS NESTA COLECÇÃO
1 - Uma Oração Americana - Jim Morrisson
2 - Daqui Ninguém Sai Vivo - Jerry Hopkins, Daniel Sugerman
a publicar:
- Bob Dilyan - Antologia de poemas
organização de Sérgio Godinho
342

FIM DO LIVRO

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