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JIM MORRISON
DAQUI NINGUÉM SAI VIVO
JERRY HOPKINS
DANNY SUGERMAN
ASSÍRIO E ALVIM
EM CONFORMIDADE COM AS DISPOSIÇÕES LEGAIS,
INTERDITA A REPRODUÇÃO, POR QUALQUER MEIO TÉCNICO,
DOS TEXTOS INCLUSOS NESTE VOLUME,
SEM ACORDO PRÉVIO COM O AUTOR,
O EDITOR E A SOCIEDADE PORTUGUESA DE AUTORES.
ESTA EDIÇÃO FOI PUBLICADA POR ACORDO
COM WARNER BOOKS, INC. NEW YORK.
TODOS OS DIREITOS PARA A LÍNGUA PORTUGUESA
RESERVADOS POR ASSÍRIO E ALVIM
COOPERATIVA EDITORA E LIVREIRA, CRL,
RUA PASSOS MANUEL. 67-B, 1100 LISBOA
CAPA DE MANUEL ROSA
EDIÇÃO 143, ABRIL DE 1982
TIRAGEM: 5000 EXEMPLARES
JERRY HOPKINS
DANIEL SUGERMAN
DAQUI ninguém sai vivo
Tradução do original inglês
Rita Freudenthal
Revisão do texto
João de Menezes Ferreira
ASSÍRIO E ALVIM
Digitalização: Alberto Mendonça
Revisão:Ana Medeiros
Abril de 2004.
Este livro foi digitalizado
para ser lido por Deficientes Visuais.
Nota:Ao longo do livro aparecem várias fotografias cujas legendas mantivemos.
CAPÍTULO 9
Embora a relação de Jim com
Pamela se tornasse menos combativa no final do Verão, ele
passava cada vez mais tempo com aqueles de quem Pamela
não gostava muito: Frank Lisciandro, Babe Hill e Paul Ferrara, com os quais estava a
acabar o filme iniciado em Março
em Palm Springs. Tinha agora o título de HWY.
Alguns dos seus maiores desapontamentos surgiram por
causa do seu interesse no cinema. Ao longo dos meses ele,
Frank, Babe e Paul planearam muitos projectos. Puseram
com Timothy Leary a hipótese de um documentário sobre a
campanha governamental deste último na Califórnia, e depois Leary foi preso.
Encontraram-se com Carlos Castaneda
para assegurarem os direitos do filme, sobre The Teachings
of Don Juan («Os Ensinamentos de Don Juan») e disseram-lhes
que tinham chegado tarde demais. Jim foi abordado por um
dramaturgo americano para representar num filme italiano,
mas desistiu quando soube que se esperava que fosse também
a estrela, desempenhando o papel de cantor de rock que cometia uma vergonha pública
no Albert Hall em Londres.
Depois foi apresentado a Steve McQueen pelo seu velho
amigo do Whiskey a «Go-Go», Elmer Valentine. A companhia
de produção de McQueen estava a emitir Adam at 6 A.M.,
mas depois de se ter encontrado com Jim uma vez, McQueen
desinteressou-se dele. Aparentemente, falou demasiado, disse-lhes como o filme
deveria ser feito e o argumento escrito de
novo. Embora se tivesse barbeado para a entrevista, não estava
bem - gordo demais, com a palidez dos amantes de clubes
nocturnos. «Tinham medo que ele bebesse», recorda Elmer,
«isso era pior.»
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Depois Jim conheceu Jim Aubrey, o lendário presidente
da televisão CBS, que era conhecido como o «Smiling Cobra»
(serpente sorridente) e tinha sido o inspirador de The Love
Machine de Jaquelline Susann. Nessa altura, Aubrey era um
dos imperadores do espectáculo (iria controlar em breve a
MGM).
Primeiro exibiu os dois firmes de Jim, depois organizou
um grande almoço no Luau, em Beverly Hilb. Bill Belasco,
o volúvel assistente pessoal de Aubrey, era um dos presentes.
Depois de se despedirem de Jim, Aubrey voltou-se para Belasco
e disse, «Jim Morrison vai ser a maior estrela de cinema dos
próximos dez anos. Este tipo será o James Dean dos anos
setenta.» Disse a Belasco para o contratar a qualquer preço.
Jim saiu do almoço desconfiado. «Aqueles tipos disseram
que queriam produzir o filme que escrevi com Michael», disse
ao seu amigo Frank Lisciandro. «Penso que a verdade é que
eles querem simplesmente é pendurar a minha carne no écran.»
Os problemas legais de Jim aumentavam. A Florida tentava extraditá-lo com a acusação
ridícula de «fuga da justiça»
e o FBI estava a conduzir uma intensiva investigação do seu
passado, recorrendo a antigas amigas e à faculdade da Universidade do Estado da
Florida.
A 9 de Novembro de 1969, Jim compareceu perante o
juiz Murray Goodman no tribunal de Miami e declarou-se
formalmente «não culpado». Foi estabelecida uma fiança de
5000 dólares e o juiz disse que o julgamento começaria em
Abril próximo.
No dia 11, de novo em Los Angeles, Jim e Pamela
discutiram cruelmente. Horas mais tarde, ao fim da tarde,
Jim entrou no escritório dos Doors. Olhou em volta.
«Hey, Leon... Frank. Gostariam de ir a Phoenix ver os
Rolling Stones?»
Bill Siddons e um promotor dos Doors, Rich Linnel, estavam a promover o espectáculo e
Jim tinha quatro bilhetes na
fila da frente. Telefonou a Tom Baker e os quatro compraram
aguardente e uma garrafa de «Courvoisier», bebendo-a a
caminho do aeroporto.
«O meu nome é Riva», disse a hospedeira, começando
a preparação para o voo.
«Se o teu nome é Riva», berrou Baker, «então o teu
velhote deve ser chamado Old Man Riva.»
Jim, Leen e Frank juntaram-se a Tom em coro numa
canção: «That olã man riva, he just keep rolling...»
A hospedeira estava visivelmente aborrecida, mas começou a dar instruções sobre as
máscaras de oxigénio. Quando
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a máscara caiu da sua mão, Tom berrou novamente, «A minha
namorada tem uma dessas, mas chama-lhe um diafragma!»
Depois Tom foi ao WC e no regresso deixou cair uma
barra de sabão na bebida de Jim. Jim carregou no botão para
chamar a hospedeira e quando ela veio, lamentou-se «Ele pôs
sabão na minha bebida.»
«Está bem, Jim, está bem, calma sim? Vou trazer-te
outra.»
Em vez disso, trouxe o capitão do avião que disse, «jovem,
se não muda de atitude, faço voltar este avião para Los Angeles onde serão presos
todos os quatro.»
Ficaram sossegados durante um tempo, mas quando uma
hospedeira chamada Sherry passou, Tom apalpou-lhe a coxa.
Pouco tempo depois, Jim atirou a Lean as sanduíches de
que se tinham servido e Tom atirou um copo de plástico vazio
a Jim.
As hospedeiras e os oficiais de bordo fingiam ignorar a
violência mas quando o avião rolou para uma paragem em
Phoenix, foi rodeado por carros com luzes giratórias.
Ouviu-se um aviso no sistema PA do avião: «Senhoras
e senhores, aceitem por favor as desculpas da Continental...
o desembarque será atrasado por apenas poucos momentos.»
De repente o piloto apareceu a Jim e Tom.
«Como capitão do avião, prendo-vos ambos. Os outros
passageiros sairão primeiro e vocês serão escoltados pelo FBI.»
O FBI? Estavam espantados.
«Por que razão? O que é que fizemos?»
«Hey, homem», disse Baker perseguindo o capitão, que se
esgueirava, «eu tenho direitos.»
«Quais são as acusações?» perguntou Leon.
O avião ficou vazio à excepção dos quatro e dos agentes
do FBI do escritório de Phoenix, que algemaram as mãos de
Jim e Tom antes de os levarem para os fotógrafos que estavam
reunidos.
«Quais são as acusações?» perguntou novamente Leon,
assumindo o papel de responsável.
Tom baixou a cabeça ao sair do avião, os olhos e a cara
desviaram-se das câmaras. Num contraste evidente, Jim saiu
arrogantemente, queixo para a frente, cabeça para trás, um
sorriso orgulhoso no rosto.
Depois de terem passado a noite e a maior parte do dia
seguinte na cadeia, Jim e Tom foram acusados de bebedeira,
desordem e interferência no voo de um avião, sendo esta
última uma violação contra a nova lei do ar que podia resultar
numa multa de 10 000 dólares e uma sentença de dez anos.
Jim não tinha ainda vinte e seis anos, e esta possível sentença,
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acrescida aos três anos de suspensão de Miami, significava
que podia passar os próximos treze anos da sua vida na prisão.
Os Discos Elektra faziam pressão para os Doors produzirem outro álbum logo que
possível. Tinham passado menos
de seis meses desde o lançamento do The Soft Parade, mas
a Elektra queria um álbum ao vivo pelo Natal. Os Doors
começaram a ensaiar as novas músicas em Setembro e em
Novembro tentaram gravá-las.
Irónica - considerado o resultado depressivo de Miami era a força e vitalidade das
novas músicas. No que respeita às
letras, o novo álbum seria o melhor trabalho de Jim desde
há anos, e Roy, Robby e John aceitaram o desafio, oferecendo
também o seu melhor apoio de sempre.
Parte do motivo para este vigor rejuvenescido foi que Jim
tinha passado por um período extremamente produtivo na
Primavera. No meio do seu envolvimento com filmes, tinha
continuado a escrever músicas e alguma poesia. Parecia, finalmente, admitir a si
próprio que estava destinado a fazer um
impacto permanente na música, não em cinema, e esta aceitação foi o ímpeto para a
criação de letras de tal qualidade,
apenas um ano depois de temer que se tinha «esgotado»
criativamente.
«Morrison Hotel», foi o nome posto, baseado num verdadeiro hotel no bairro degradado
de «Downtown L. A.»,
onde os quartos andavam a 2.50 dólares por noite, que foi
descoberto por Ray e Dorothy durante um dos passeios de
fim de semana na cidade. O álbum tinha muitas músicas fortes
e significantes para a América no ano de 1969. Uma delas
incluía dois versos poderosos de memória da infância de Jim.
A música era Peace Frog («Rã da Paz»), um tema cuja melodia
latente atraiu tanto Robby, John e Ray que a gravaram
mesmo sem letra. E um dia Ray encontrou um poema num
dos cadernos de apontamentos de Jim, chamado Abortion
Stories («Histórias Monstruosas») e utilizaram-no quase todo.
Foi surpreendente como os versos que Jim escreveu se adaptavam tão bem à música
criada pelos outros.
There's blood in the streets, it's up to my ankles,
there's blood on the streets, it's up to my knee.
Blood on the streets in the town of Chicago,
blood on the rise, it's following me.
Há sangue pelas ruas, chega-me aos tornozelos / Há sangue nas ruas,
chega-me ao joelho / Sangue nas ruas de Chicago cidade / maré de
sangue na minha peugada.
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Durante um ensaio, Jim improvisou os dois versos a seguir
a ponte da música:
Blood in the streets runs a river of sadness
Blood in the streets it's up to my thigh.
The river runs down the legs of the city
the women are crying rivers of weeping.
Corre o sangue nas ruas, enxurrado de dor / sangue nas ruas a dar-me
pelas pernas / Rio a passar pelas pernas da cidade / choram as
mulheres rubros rios de lágrimas.
Na altura da ponte, cantou novamente:
She carne into town and then she drove away,
sunlight in her hair
Ela apareceu na cidade e partiu / com o sol nos cabelos /
Mergulhando de novo no poema para o resto da música,
começando com os dois versos inspirados no testemunho de
um acidente de automóvel que envolvia um camião cheio de
trabalhadores índios, recitou encolerizado:
Indians scattered on a dawn's highway bleeding,
ghosts crowd the young child’s fragile eggshell mind
índios dispersos na estrada matinal / espectros sangrentos enchem
a cabeça frágil dos meninos /
Depois cantou:
Blood in the streets of the town of New Haven,
blood stains the roofs and the palm trees of Venice.
Blood in my love in the terrible summer,
bloody red sun of Phantastic L.A.
Blood streams her brain as they chap off her fingers
blood will be born in the birth of a nation.
Blood is the rose of mysterious union.
Sangue nas ruas da cidade de Neew Havens / sangue sujando os telhados
e as palmeiras de Veneza. / Sangue no meu amor neste tórrido
Verão / rubro sol em sangue da fantástica L. A. / Flui-lhe o sangue
ao cérebro, enquanto lhe decepam os dedos / nascente de sangue
no nascimento de uma nação / Sangue é a rosa da união misteriosa. /
Roadhhowe Blues («Blues na Estalagem»), originalmente
destinada a ser a música que intitulava o álbum, era dedicada,
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como tantas outras músicas de Jim, a Pamela. Quando cantava
(escrevia), «Keep your eyes on the road / Keep your hands
upon the wheel / we're going to the Roadhouse / Gonna
have a real good time», estava a repetir os versos que lhe fazia
quando ela os conduzia para a casa de campo que ele tinha
comprado na zona agitada de Topanga, em Los Angeles. De
novo, em Blue Sunday («Domingo Azul»), cantava o seu amor
por ela. «Now I have found / My girl...» Pamela foi também a
inspiração para a Queen of the Highway («Rainha da Estrada»):
«She was a princess / Queen of the Highway / sign on the
road said / Take us to Madre / No one could save her / save
the Blind tiger / He was a monster / Black dressed in leater...» O último verso era
uma referência sarcástica ao seu
amor perturbado: «I hope it can continue / just a little while
longer.»
Embora as músicas surgissem depressa, Jim estava normalmente bêbedo durante as
sessões e muitas vezes levavam
toda a noite para gravar as vozes para uma música. Uma vez,
quando Pamela veio ao estúdio e encontrou a garrafa de Jim,
bebeu-a para evitar que ele a bebesse.
«E então, lá ficaram os dois completamente fora de si e
a chorar», diz o engenheiro Bruce Botnick, a única outra
pessoa presente nessa altura. «Ele começou a abaná-la violentamente. Penso que estava
a provocar-me. Ela gritava descontrolada, dizendo-lhe que não devia beber mais e que
essa era
a razão porque ela tinha bebido. Tentei pôr ordem e disse.
"Hey, homem, é muito tarde". Ele olhou para cima, parou de
a abanar e disse, "Sim, certo", abraçou-a e saíram de braço
dado. Senti que ele tinha feito aquilo tudo para mim. Já o
tinha visto fazer coisa semelhante, porque depois disso ele
nos olhava sempre de um modo singular, para ver a reacção.»
Os problemas amontoavam-se.
Jim teve outro acidente na Blue Lady, desta vez arrasando
cinco árvores novas no Boulevard de La Cienega perto do
edifício Clear Thoughts. Abandonou o carro e correu para
uma cabine telefónica a telefonar a Max Fink para dizer que
o seu carro tinha sido roubado.
Freast of Friends foi descrito no Varíety - cuja palavra
podia afectar grandemente o potencial de compra de bilhetes
do filme - como uma pedra de tempo desapontadora, «feito,
ou a partir de bocados de algum projecto maior, ou como uma
tentativa frustrada de documentário de televisão diurna, próprio para entreter os
miúdos no regresso da escola». A Rolling
Stone, nas «Notas de Random», chamou-a «inferior, pretensiosa, estúpida, superficial,
fantasticamente maçadora e, sobre248
tudo, apenas uma primeira tentativa interminável de um
produtor de cinema amador». Se isto não foi o suficiente para
deitar Jim abaixo, já o foi os assobios que o filme teve nos
festivais de cinema de São Francisco e Santa Cruz.
O último single dos Doors extraído do Soft Parade, um
tributo a Otis Redding e o terceiro single de seguida escrito
por Robby, «Running' Blue», vacilou nas listas de vendas e
ficou-se pelo número sessenta e quatro.
Os julgamentos de Miami e Phoenix pairavam no ar.
As primeiras projecções do filme que fez sobre boleias,
HWY, foram organizadas e a opinião era de que ele parecia
de algum modo... inacabado.
Uma das namoradas de Jim estava grávida.
O contabilista de Jim insistia nas extravagâncias de
Pamela. Ele podia consentir a sua mesada; até mesmo os divertimentos caros e as
contas-correntes estavam dentro dos limites
da sensatez. Mas a loja era uma loucura. Já tinha custado a
Jim 80 000 dólares, e Pamela estava na Europa a comprar mais
mercadoria. Esta era a pior parte para Jim. Tinham-se zangado e Pamela tinha partido
para ver o conde francês que ela
dizia amar em conversa com as suas amigas.
Jim bebia.
Estavam todos bêbedos. Tom, Frank, Babe e Jim, bebiam,
claro, no bar Barney's Bearnery.
«És um anjinho, Morrison», disse Tom, atormentando o
seu amigo. «És um raio de um anjinho que não é conde.»
Jim ignorou o insulto. Frank e Babe fitavam as suas
bebidas.
«Diz-nos agora, Sr. Jim Morrison, estrela do rock», continuou Tom numa voz que ia até
ao fim do bar, «diz-nos o
que aconteceu em Miami.»
Era um assunto desagradável para Jim. Olhou fixamente
para Tom, deu outro golo na sua bebida.
«Vá, Jim, diz-nos de uma vez para sempre.»
«Sim», disse calmamente Jim, «eu fiz.»
«Fizeste o quê, Jim?» A voz de Tom era estridente, triunfante.
«Mostrei o meu pénis.»
«Porquê, Jim? Quando mostrei o meu no meu filme,
disseste que não era arte.»
«Bom», disse Jim em voz baixa para que toda a gente
presente tivesse que se esforçar para ouvir. «Quis ver como
é que ele era à luz de um projector.»
Houve um momento de pausa antes de Babe e Frank
desatarem a rir ao mesmo tempo, borrifando o bar com as
bebidas. Jim sorriu malvadamente.
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A cena em casa de Ahmet e Mica Ertegun foi menos
divertida. Ahmet era o encantador filho do diplomata turco
que tinha criado os discos Atlantic e se tinha tornado um
homem muito rico. A sua mulher era uma das hóspedes mais
na moda de Manhattan. Ahmet sabia que o contrato dos
Doors com a Elektra estava a terminar e queria Jim na sua
etiqueta, então convidou-o para uma festa. Tudo o que Ahmet
recorda hoje é que Jim era num momento um Gentleman do
Sul, alardeando histórias interessantes e boas maneiras, e no
minuto seguinte um bêbedo furioso, de pé, num sofá, dilacerando as pinturas
dispendiosas penduradas na parede. Jekyll
e Hyde.
Jim celebrou o vigésimo sexto aniversário no dia 8 de
Dezembro de 1969, com Bill Siddons e sua mulher Cheri,
Frank e Kathy Lisciandro e Leon Barnard, na casa de Siddons
em Manhattan Beach. Depois do jantar, colocaram uma garrafa de brandy na frente de
Jim e fizeram joints para os outros.
Nesta altura, a marijuana só punha Jim nervoso. Ou paranóico.
Jim e Leon falaram casualmente em fazerem juntos um
strip cómico, depois a conversa voltou-se para Mick Jagger.
Jim estava inesperadamente (talvez de modo sarcástico) generoso, chamando a Jagger
«um príncipe entre os homens».
Depois agradeceu genuinamente a todos a festa e, já com a
garrafa vazia, apagou-se.
«Oh, meu Deus, olha!» gritou logo Leon. «Olha para
Jim!» saltou do seu lugar. Mergulhado inconscientemente na
cadeira, Jim tinha conseguido tirar o pénis para fora das calças
e estava a urinar no tapete.
«Jesus!» Bill atravessou a sala a correr, agarrou numa
grande taça de cristal e segurou-a debaixo do jacto.
Para sua surpresa, Jim encheu-a.
Bill tirou outra taça da mesa e Jim também a encheu,
depois uma terceira.
Leon, Frank, Kathy e Cheri morriam a rir.
Depois Frank e Kathy levaram Jim para o escritório dos
Doors e largaram-no, ainda a dormir, no sofá do escritório.
As pressões tornavam-se intoleráveis. Jim estava a ser
puxado e torcido por todos os lados. Frank, Paul e Babe
queriam mais dinheiro para acabar os filmes e os Doors queriam parar as filmagens,
pensando que estavam a esgotar as
energias que Jim deveria estar a dedicar ao grupo. Também
queriam que Jim se barbeasse e abatesse alguns quilos para
a série de concertos a começar em Nova Iorque dentro de
algumas semanas apenas. Pam pediu incessantemente que Jim
desistisse da sua carreira de cantor com os Doors e começasse
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uma vida caseira com ela, na qual o visionava pacificamente
a trabalhar na sua poesia. Ao mesmo tempo, não menos que
vinte processos de paternidade estavam suspensos. Jim sabia
que as assistências dos concertos próximos esperariam o absurdo
quando tudo o que ele queria fazer agora era ficar calmamente
de pé e cantar. Os seus advogados proibiram-no de falar sobre
Miami e ele necessitava desesperadamente de proclamar a sua
inocência, assim como a sua repugnância pela hipocrisia do
assunto. Vince tinha voltado à carga com a ideia de um «novo
«manager». E existia a inconveniência claramente sentida de
ser incapaz de descer a rua anonimamente (por essa razão a
barba), uma inconveniência da qual Jim estava cada vez mais
ciente.
Jim estava sentado no sofá a beber uma cerveja no dia
seguinte à sua festa de anos, tentando resolver esta lista de
preocupações quando Bill e os outros entraram. Abanou a
cabeça distraidamente à medida que cada um entrou, depois
desviou o seu olhar para o Los Angeles Times que tinha sido
posto na sua secretária. Olhou vagamente para o jornal: a
«Vietnamização» continuava no Sudeste asiático; os índios
iam na sua terceira semana de ocupação da Ilha de Alcatraz;
no dia anterior - o do seu aniversário - tinha havido um
tiroteio durante quatro horas entre a polícia de L. A. e os
Panteras Negras; um júri de acusação tinha condenado
Charlie Manson e outros quatro pelo assassínio de Sharon Tate
e outras.
Jim largou o jornal. Girou o volume do corpo e esticou
a garganta.
«Acho», disse devagar, «que estou a entrar em depressão
nervosa.»
Toda a gente correu a consolá-lo, querendo insistentemente dizer alguma coisa que o
animasse, mas ao mesmo
tempo estavam assustados pela possibilidade de ele estar, finalmente, perto de cair
aos bocados. Bill foi à porta chamar
Vince Treanor na sala de ensaios do andar inferior.
Jim olhou malignamente para Bill. «Quando puseste essa
garrafa de Courvoisier na minha frente na noite passada,
disseste, "Isto é para o homem que bebe". Tive que a beber
toda.»
Voltou-se para Vince quando ele entrou na sala. «Eu
sabia o que estava a fazer, Vince. Em Miami vestia calções
de boxa Não os viste? Eu sabia o que estava a fazer e tu
impediste-me.»
Voltou-se para Leon e recordou a cena no cimo do edifício 9000, quando Leon sugeriu
que saísse da banda. «Não
vês?»? perguntou Jim. «Tinha que o fazer. Não podia parar.»
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Era um discurso estranho e assustador. Jamais tinha deixado pessoas vê-lo tão
desoladamente vulnerável.
Uma semana mais tarde contrataram outra pessoa que
tomasse conta dele, um jogador negro de football com seis pés
e quatro polegadas, da Universidade da Califórnia do Sul, que
tinha servido como guarda-costas pessoal de Mick Jagger
durante a recente tournée dos Rolling Stones.
Jim gostou imediatamente de Tony Rinches. «Vamos
tomar uma bebida», disse.
«Com certeza, Jim. Tudo o que quiseres.» Tony pestanejou. «Talvez me possas
apresentar a uma dessas dançarinas
"Topless".»
Jim estava no México, de férias com Frank. Os outros
Doors estavam em Nova Iorque, esperando ansiosamente por
Jim para actuarem. Depois de muito trabalho, e da introdução
da fuck clause usual no contrato, a banda foi marcada para
o prestigioso «Felt Fórum».
O telefone tocou no quarto do hotel de Bill Siddons.
«Uhh... perdi o meu avião.»
«Jesus, Jim.» Bill lembrou-se instantaneamente do telefonema de Jim sobre um avião
perdido a caminho de Miami.
«Jim, estás sóbrio?»
«Bemmmmm...»
Os concertos a 17 e 18 de Janeiro - dois espectáculos em
cada noite - foram tomados seriamente por Siddons, os outros
Doors e igualmente pela Elektra. As actuações deviam ser
registadas para o álbum ao vivo que tinha sido iniciado no
Verão anterior. Nova Iorque era o sítio onde a maioria dos
colunistas e críticos trabalhavam, e as representações no «Felt
Fórum» eram supostas provar que os Doors eram ainda capazes
de actuar como banda. Um não-espectáculo, ou, pior, outra
exibição como aquela na Florida, seria um suicídio.
Siddons falou nos tons desesperados de um parente. «Jim,
fizeste outra reserva?»
Jim disse que sim e deu a Bill o número do voo.
«Terei uma limusina à espera, Jim.»
«Uh... Billy? Uh... há uma paragem em Miami.»
«Jim? Fazes o favor de ficar no avião?»
Depois de desligar, Bill telefonou para Tony Funches.
«Apanha um avião e vai para Miami imediatamente. Intercepta Jim. Encontra o avião
quando ele aterrar em Miami e
certifica-te que Jim não saia. Reservaremos lugares para vocês
regressarem a Nova Iorque.»
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Os concertos foram bem sucedidos. A maior parte das
músicas eram antigas: Moonlight Drive, Back Door Man,
Breack On Through, Light my Fire, The End. Houve momentos memoráveis, como quando
John Sebastian e Dálias Taylor,
o baterista de Crosby, Stills, Nash and Young, se juntaram aos
Doors durante algumas músicas num espectáculo; e quando um
jovem homossexual se ergueu para Jim, rodeou dos seus braços
e pernas os joelhos de Jim e, depois de ter sido finalmente desprendido e levado, Jim
disse casualmente, «Bem, isto é Nova
Iorque. Os únicos que se precipitam para o palco são tipos.»
Aquela frase seria utilizada (fora do contexto) no álbum ao
vivo. Uma que não seria utilizada surgiu quando alguém
lançou a Jim uma joint, que era tão fina como a mina de um
lápis. «Isto é o que eu gosto nos joints de Nova Iorque», disse,
«poder palitar os dentes com elas.»
Houve reuniões enquanto os Doors estavam em Nova
Iorque. Algumas realizaram-se para discutir a publicidade e
promoção do Morrison Hotel, e os Doors eram sempre convidados. Jim detestava reuniões
e raras vezes assistia a elas.
Preferia deixar que os outros tomassem as decisões por ele.
Contudo, estava presente nos escritórios da Elektra quando
o assunto da sua imagem surgiu e fez-se circular um memorandum propondo uma nova
campanha de relações públicas.
Jim mergulhou num sofá, o casaco de camurça forrado de
pele de carneiro subido até às orelhas, enquanto o departamento de publicidade falava
gravemente sobre «Jim Morrison
como o homem da Renascença».
Foi tornado muito claro no memorandum de quatro páginas que os sentimentos de Jim
devem ser considerados:
«Jim Morrison é uma figura pública que procura
alargar os seus horizontes artísticos. Todas as figuras públicas devem ter imagens
públicas. A melhor imagem
pública é aquela que tanto o público como o artista possam viver alegremente. A
figura e o mais importante
porque ele tem que viver com ela mais intimamente.
Desde o momento em que ser um homem da renascença
implica explorações ilimitadas de todo e qualquer processo e experiência criativos,
penso que Morrison pode
viver com ela bastante facilmente. Uma vez estabelecido
nesse sistema de referência, pode tentar, fazer, viver tudo
o que quiser sem pôr em perigo - ou mesmo importunar- uma reputação, boa ou má.»
Além disto, o memorandum acrescentava: «Não existe
um Leonardo na cena e eles adorá-lo-ão em Poughkeepsie.»
253
Jim não gostou que uma empresa manipulasse a sua
imagem. Além disso, a Elektra tinha investido uma política
de publicidade dos Doors já com três anos e começado a
promover Jim Morrison em vez do grupo. Mesmo assim foi
no dia seguinte a uma festa da Elektra.
Fazia parte do ritual da homenagem da empresa. A maioria das empresas discográficas
organizam festas esmeradas
para os seus grupos com maior êxito quando se aproxima a
altura de renovar o contrato.
Esta festa foi excepcional, com caranguejos gigantes do
Alaska, caviar preto, Don Périgno, e um elenco de centenas
de pessoas, incluindo a filha de Ingrid Bergman, Pia Lindstrom, e uma galeria de
estrelas decadentes de Warhol - todos
comprimidos numas águas-furtadas de um quadragésimo quarto
andar, com vista impressionante de Manhattan. No fim da
noite houve a projecção do filme de Hitchcock 39 Steps.
Passava das duas horas da manhã. Jim e Pamela iam
embora e quando passaram pelo dono da casa, Jac Holzman,
presidente da Elektra, Pamela largou uma frase de despedida
devastadora. Jac ficou convencido que tinha sido Jim a
incitá-la.
«Bem, no caso de estarmos todos na Atlantic no próximo
ano», disse docemente Pamela, «obrigado pela elegante festa.»
jim apenas sorriu.
A campanha do Homem da Renascença foi abandonada.
O novo álbum foi lançado na primeira semana de Fevereiro e houve concertos
surpreendentemente satisfatórios na
Arena de Long Beach e no Winterland, de São Francisco.
Esgotaram-se todos e tiveram boas críticas. Jim tinha-se barbeado, vestia jeans
pretos e camisa preta, e cantou melhor que
nunca. E, finalmente, foi assinado um acordo por Jim, Bill
Belasco e Michael McClure respeitando à produção do The
Adept. A empresa de Jim, Hiway, e a empresa de Belasco,
St. Regis Films, tomaram juntas uma opção por um ano nos
direitos para filme do romance não publicado de Michael,
pagando-lhe 500 dólares num preço total de compra de
5000 dólares.
Em Março correram histórias em todos os jornais do
sector, relatando a qualificação como «Gold» (Disco de Ouro)
do quinto L.P. dos Doors da Elektra, Morrison Hotel, e apontando que o grupo era a
primeira banda de rock pesado americana a conseguir cinco álbuns de ouro de seguida.
Embora
fosse cancelado um concerto em Buffalo, foram fixadas outras
datas em Salt Lake City, Denver, Honolulu, Boston, Philadélphia, Pittsburgh, Columbus
e Detroit.
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Apesar de Morrison Hotel não ter produzido um single
de êxito, restabeleceu os Doors como favoritos dos críticos,
recolhendo análises favoráveis em quase todas as publicações
importantes. Não só não havia cordas ou metais, como também a banda tinha tido tempo
de aperfeiçoar algumas das
músicas em concerto, antes de gravar - a primeira vez que
tinham tido este luxo desde a gravação do seu primeiro álbum.
Foi recompensador. Morrison Hotel possuía uma intensidade
que tinha faltado aos últimos dois álbuns. A voz de Jim tinha
amadurecido, tinha-se tornado mais profunda, e os outros
tinham evoluído como músicos. Foi um regresso artístico: os
Doors tinham conseguido engatilhar uma colecção de músicas
que corriam juntos com uma força assustadora.
Dave Marsh, então colunista da revista Creem, escreveu,
«Os Doors apresentaram-nos o rock and roll mais horrificante
que jamais ouvi. Quando eles são bons, são simplesmente
invencíveis. Sei que este é o melhor disco que eu ouvi... até
agora.»
A Rock Magazine também delirou: «Dizem vocês que
Morrison já não é sexy; está a ficar velho e gordo. Bem, mas
não se consegue ver a barriga no disco, ao passo que se podem
ouvir os tomates, e o quinto álbum dos Doors é, sem qualquer
dúvida, o álbum com mais tomates (e o melhor) deles até à
data.»
A edição de Maio de 1970 da revista Circus ecoou opiniões semelhantes: «Morrison
Hotel é possivelmente o melhor
álbum até agora dos Doors, convertera novos aderentes à fé
de Morrison, e tranquilizará aqueles que como eu pensaram
que os dois últimos já marcavam a decadência. Rock bom,
pesado e perverso, e um dos melhores álbuns lançados nesta
década. Mais poder para as calças de coiro de Morrison.»
Apenas a Rolling Stone recusou o elogio, mantendo a
opinião de que os dois primeiros álbuns dos Doors eram aqueles
que realmente contavam e que, até ver, Morrison Hotel só
podia ser verdadeiramente recomendado àqueles com um
interesse pessoal.
Jim manteve-se afastado durante este período. Os seus
pensamentos estavam no julgamento eminente de Phoenix e
nas eventuais pesadas sentenças que enfrentava: até três meses
e 300 dólares pelo crime de tentativa de agressão; até 10 anos
e 10 000 dólares pela acusação federal de interferência com
o pessoal aéreo num voo comercial. Jim, Frank, Tom e Leon
voaram para Phoenix na quarta-feira, dia 25 de Março, para
uma breve reunião pré-julgamento com Bill Siddons e o advogado de Jim, Max Fink.
Foram pedidas bebidas através do
255
serviço de quarto. Como de costume, Jim e Tom começaram
a competir.
Tom estava a tornar-se agressivo. Queria sair para beber.
«Que se foda esta bebida no quarto, merda! Vamos Jim.»
Jim disse «com certeza» e andou com passo hesitante. Siddons
sugeriu que eles não saíssem. Não queria Jim lá fora em
público, não naquela noite, tinha a absoluta certeza de que,
pelo menos, seria preso por bebedeira, o que daria uma bonita
história para a imprensa no dia do julgamento.
De repente Leon, perto de uma mesa de café, começou
a gritar para Jim: «Idiota! Idiota! Idiota!»
«Porque é que me estás a chamar isso?» perguntou Jim.
«Porque é que me estás a falar como a uma criança?»
«Porque estás a actuar como se fosses!»
Frank entrou e disse a Leon que se metesse no raio da
sua vida, quando foram interrompidos por uma pancada.
Alguém foi à porta e deixou entrar uma loira espanpanante.
«Procuro Jim», disse.
Rapidamente Jim se pôs em cima dela, fazendo correr a
boca ao longo da sua blusa. Toda a gente espreitou em bicos
dos pés.
Na manhã seguinte Jim e Tom vestiam ambos camisas
brancas, gravatas e blazers assertoados, Os cabelos compridos
estavam penteados para trás das orelhas. Leon e Frank foram
chamados como testemunhas, assim como as hospedeiras, Riva
Milf e Sherry Ann Mason. Foi o testemunho de Sherry que
convenceu o juiz. Disse que tinha sido apalpada durante o
voo por um dos acusados, apesar de vários avisos para manter
as mãos afastadas dela. Identificou Jim como o seu atacante.
Jim estava desorientado. Cada vez que Sherry descrevia
alguma coisa como feita por ele, estava na realidade a descrever as acções de Tom.
Ela tinha-os confundido aos dois.
Era como uma cena de Alice in Wonderland («Alice no País
das Maravilhas»). Finalmente o acusador pediu às suas testemunhas que não se
referissem a Jim e Tom pelo nome, mas
como «a pessoa no lugar A» e «a pessoa no lugar B». Jim foi
dado como inocente da acusação federal, mas culpado de
«agressão, ameaça, intimidação e interferência na actuação
das duas hospedeiras. Tom foi absolvido de todas as acusações.
A leitura da sentença ficou marcada para duas semanas mais
tarde.
Jim, Leon, Tom, Frank, Bill Siddons, Max e o advogado
local que tinha trabalhado no caso regressaram ao hotel e
pararam no bar. Surpresa! Lá estavam as duas hospedeiras
e o piloto que tinham denunciado Tom e Jim.
256
Bill e Leon aproximaram-se para apresentarem felicitações amigáveis. Jim pediu o seu
primeiro duplo.
Bill cativou-os, conversou amigavelmente durante meia
hora, depois regressou à sua mesa com as duas raparigas.
Sherry sentou-se ao lado de Jim, que nesta altura tinha bebido
quatro duplos e que lhe disse que ela era muito bonita.
«Sabe», acrescentou, «em qualquer outra circunstância
talvez pudéssemos adiantar qualquer coisa.»
Algum tempo mais tarde - e mais duplos - Jim decidiu
cantar. Largou a cadeira e vacilou em direcção ao piano.
«Não se importa se eu cantar também?» perguntou Jim
ao pianista surpreendido.
O manager do bar estava em cima de Jim tão depressa
como um jogador de foatball cai numa bola falhada. «Não,
não, não. Peço desculpa, Sr. Morrison, mas não, não, não.»
Jim ficou raivoso por esta incursão de autoridade.
«Vá-se foder, homem, vá-se foder! Vá-se foder! Vá-se
foder!»
Max e o jovem advogado puxaram Jim para fora da sala
e a festa prosseguiu. No vestíbulo, Tom desafiou Jim para
saltar para dentro de uma fonte.
Jim olhou fixamente e de modo embriagado para Tom e
largou para a fonte a correr.
Agora era a vez de Bill fazer parar Jim e, com ajuda,
meteu-o no elevador do hotel. Quando as portas se fecharam,
Jim gritou novamente «Vá-se foder!»
Na manhã seguinte todos regressaram a Los Angeles,
onde Jim foi para o bar de Palms com Tom e algumas raparigas- uma delas trazida
misteriosamente de Phoenix por
Jim, a outra, uma amiga de longa data dos Doors. Beberam
muito e jogaram pool (espécie de jogo de bilhar). Tom ficou
bêbedo e virou a mesa de pool. O proprietário do bar telefonou para o posto da
delegacia e Jim e Babe arrastaram Tom
para o escritório dos Doors que ficava perto.
A caminho, Tom gritou, «Morrison, não prestas! Todo
o Mundo te detesta! Detestam-te! Não prestas para nada!»
No escritório, Jim, Babe e alguns dos outros sugeriram
que Tom se fosse embora. Finalmente, Jim explicou o que o
roía. Tinha pago todas as despesas de Tom em Phoenix: os
bilhetes de avião, os quartos do hotel, refeições, bebidas, advogados, toda a cena.
Tinha também livrado Tom da acusação
e tudo o que recebia em troca era aquela ressaca.
Jim atirou-se a Tom e tentou lutar com ele até à porta.
Tom ria. «Tens que sair daqui», grunhiu Jim, «isto é um
local de negócios.»
257
Um amigo de Tom apareceu e atirou-se a Jim, depois
chegou Tony Funches e agarrou o amigo de Tom. Babe
juntou-se a Tom a empurrar o amigo. Jim escapuliu-se para
o gabinete de Bill Siddons para telefonar ao delegado. Um
carro surgiu em grande velocidade, respondendo à chamada
inicial do bar.
«Queres dizer-me que telefonaste para a polícia?», perguntou Tom. Agora estava
separado dos outros, a olhar para
Jim, espantado.
«Quer dizer que foi você que nos chamou?», perguntaram
os polícias, igualmente espantados.
Babe começou a ser insolente para os substitutos do delegado, que preferiram ignorá-
lo e irem-se embora. Tom meteu-se no carro do seu amigo e partiu, deixando Jim, Babe
e
Tony no passeio. Quando Tom regressou dez minutos mais
tarde para atirar uma pedra à janela do escritório dos Doors,
Jim já tinha partido para o Barney's Beanery para tomar outra
bebida. Foi a última vez que Jim viu Tom Baker durante
quase um ano.
Durante o mês de Abril, Jim ficou mais preocupado com
os seus problemas legais. Antes de regressar a Phoenix no
dia 6, tinha revisto o impressionante documento com sessenta
e três páginas que Max Fink tinha preparado para o caso de
Miami. Jim tinha ficado contente com a eloquência de Max
na sala do tribunal de Phoenix - chamava-lhe um «regular
Perry Mason» - e ficou muito contente quando viu que os
resumos continham um desafio à constitucionalidade das leis
ao abrigo das quais tinha sido preso.
As primeiras dez páginas explicavam «as atitudes sociais
contemporâneas e os padrões comunitários» como Max (e Jim)
os observavam: «A juventude (e uma grande parte da nossa
população madura) revoltou-se contra a hipocrisia, a falsidade, a superfície "branca
como os lírios" e a subsuperfície
decadente da nossa sociedade. Os conceitos falsos, efémeros
e vitorianos tinham desaparecido perante o conhecimento, os
desenvolvimentos científicos e a educação...»
Max tomou como precedentes legais os casos de tribunal
que envolviam os filmes l Am Curious Yellow e Midnight
Cowboy, e fez referência a Tropic of Câncer de Henry Miller,
assim como às pinturas de Gauguin, Picasso e Michelangelo.
Muitas páginas foram gastas a argumentar que a Primeira
e Décima-Quarta Emendas protegiam as actuações teatrais,
e o resumo comentava «o medo histórico do potencial político
do teatro». As disposições regulamentares do Supremo Tribunal
dos Estados Unidos que protegiam a liberdade de expressão
258
foram citadas. Por fim, Max atacou individualmente as acusações, declarando que
estavam todas em infracção directa à
Primeira, Oitava e à Décima-Quarta Emendas, que eram
«inconstitucionalmente vagas», e não provadas por factos. Das
quatro leis que era suposto Jim ter violado, sublinhava o
resumo, a mais recente tinha sido decretada em 1918.
A 6 de Abril Jim voltou a Phoenix com Max, aparentemente pela sentença referente às
violações da lei do Ar.
Quando Max disse no tribunal que a hospedeira chamada
Sherry tinha cometido um erro e que queria alterar o seu
testemunho, o juiz adiou a sentença e marcou outra conferência para o fim do mês.
No dia 7, as primeiras cópias do seu livro chegaram de
Simon e Schuster. Jim pegou no fino volume, admirando-o.
The Lords and the New Creatures, rezava o título, e por baixo
a palavra «poemas». Jim não estava contente com a maneira
como o seu nome apareceu. Tinha pedido para porem James
Douglas Morrison, mas tinham usado Jim Morrison. Também tinham utilizado na capa e na
contracapa aquela fotografia do «Jovem Leão» e na sobrecapa do livro fizeram
referência à sua carreira de rock e chamaram à sua audiência
«miúdos» - não gostou de nenhuma delas. Ainda na sobrecapa do livro era referida de
um modo muito superficial a
poesia de Jim. Dizia, «Ele vê e fala da América contemporânea- as cidades, a droga, o
cinema, o correr do dinheiro,
as velhas bebedeiras e as novas liberdades do amor...»
Contudo, Jim enviou um telegrama ao seu editor em
Nova Iorque que começava, «Obrigado para ti, Simon e
Schuster, o livro é muito melhor do que eu esperava.» E disse
a Michael McClure, «Foi a primeira vez que não me foderam.» Michael jura que Jim
tinha lágrimas nos olhos.
No dia seguinte, Babe Hill caiu de um carro em andamento e fracturou duas vértebras
do pescoço depois de uma
rodada de bebida com Jim no Phone Booth, e no dia a seguir
o mesmo Jim estava bêbedo num palco de Boston.
O concerto estava atrasado e às duas horas da manhã o
hall manager decidiu desligar a ficha, cortando a electricidade
da banda. Misteriosamente, o microfone de Jim ainda trabalhava.
Jim pestanejou. Depois tirou o delgado microfone dourado do suporte e murmurou
audivelmente, «brochistas».
Ray saltou rapidamente para a frente. Isto era o que ele
e os outros tinham temido. Bruscamente, colocou uma mão
sobre a boca de Jim e levantou-o com um braço, levando-o
para fora do palco como se fosse uma estátua.
259
A audiência pedia mais música.
Algum tempo depois Jim fugiu de Ray e tornou a aparecer. Balançou-se até à frente do
palco e gritou, «Devíamo-nos juntar todos e divertirmo-nos... porque eles vão ganhar
se nós os deixarmos!»
Na altura em que Jim acordou na manhã seguinte, o
concerto dessa noite em Salt Lake City tinha sido cancelado.
O hall manager de Salt Lake estava entre a audiência de Boston e não gostou daquilo
que viu.
A paranóia de Miami continuou. Em quase todos os
concertos, os hall managers pediam a Vince para cortar o
cláusulas contratuais em concertos de outras bandas
os Doors estavam curiosos em saber se o próximo espectáculo
não era pura e simplesmente cancelado no último minuto.
O incidente de Miami estava a afectar toda a indústria.
Artigos antiobscenidade passaram a ser acrescentados como
cláusulas contratuais em concertos de outras bandas em
dúzias de cidades, nas quais se exigia dos grupos uma fiança
em dinheiro que seria confiscada se houvesse no palco qualquer «exibição ilegal,
indecente, obscena, lasciva ou imoral».
Nos dias 17 e 18 de Abril, os Doors tocaram numa enorme
sala de reuniões em Honolulu. Depois, deixando para trás os
outros Doors, no começo de umas pequenas férias, Jim regressou a Phoenix com Siddons
para se encontrar com Max Fink
e a hospedeira chamada Sherry. Sherry anulou o seu testemunho no dia 20 e foi
retirada a acusação final contra Jim.
Jim tinha começado em Setembro a telefonar e a escrever
à colunista e crítica de Nova Iorque Patrícia Kennely, tinha
renovado a sua comunicação em Março e, em Abril, quando
ela criticou o seu livro de poemas na revista Jazz & Pop, mandou um telegrama a
agradecer.
Patrícia era uma bruxa iniciada, praticante, alta sacerdotiza de um convento - algo
que fascinava Jim - e no dia
seguinte ao seu telegrama ter chegado, ela estava em Filadélfia
de visita a outros bruxos. Os Doors estavam em Filadélfia
no mesmo dia e ela foi ao concerto no Spectrum e falou brevemente com Jim nos
bastidores. A banda trabalhava em
Pittsburgh no dia seguinte, disse-lhe ele, mas depois disso ele
iria para Nova Iorque. Uma vez lá, Jim passou metade da
semana com Pamela no Hotel Navarro, a outra metade com
Patrícia no pequeno apartamento dela.
Jim fez compras na Quinta Avenida com Pamela e Bill
Belasco, que continuava a participar em tantas das viagens
de Jim, e jantaram no Liichow e no Mamma Leone, restaurantes conhecidos da gente dos
espectáculos. Foi a Fillmore
260
East com Patrícia ver os Jefferson Airplane, sentando-se com
Allan Ginsberg na cabine de luz.
Nesta altura, Grace Slick desenvolveu um novo modo
de despachar os pedinchões. Alguém gritou, «Canta White
Rabbit' Gracie!»
«Oh, vejo que Jim Morrison está esta noite aqui», troçou
Grace em resposta. Jim murmurou, «Obrigado, Grace», e
deixou-se ficar por ali. Para começar, tinha estado relutante
em assistir ao espectáculo, e depois disse a Patrícia que achava
o Airplane «a banda mais maçadora que jamais ouvi em toda
a minha vida. Fazem tudo para impressionar, todos tocam
o mais alto que podem e ninguém consegue exibir-se. Não
existe acção recíproca delicada como no meu grupo».
Outra história negativa sobre a banda surgiu no final de
Maio no Amusement Business, a revista mais popular entre
promotores de concertos e hall managers. A publicação tinha
«amuado» de modo puritano com as proezas dos Doors desde o
dia da prisão por obscenidade em New Haven, e agora a
primeira página dizia «Jim Morrison e os Doors desenvolveram um novo truque para
irritar os administradores dos edifícios». A revista citou o administrador do Cabo
Hall de Detroit, que os Doors tinham enchido, dizendo que o grupo «virou
às avessas o edifício, e como resultado está proibido de nele
voltar a actuar». O espectáculo dessa noite também tinha
sido encarado quer pela banda, quer pelos fãs como um espectáculo muito especial.
Jim parecia ter sacudido o seu ameaçador «colapso nervoso». Impressionava as pessoas
pela sua distância e descontracção. Durante a última semana de Maio, foi com Babe a
São Francisco para a estreia de uma nova peça e para cantar
com as bandas de acompanhamento de alguns clubes de
Topless em North Beach. Depois partiu para passar alguns
dias em Vancouver, onde vagueou pela cidade com Ihor
Todoruk, um pintor que editava uma revista pop canadiana
e tinha organizado um festival de cinema de Jim Morrison
um mês antes. A Todoruk Jim falou continuamente de Paris,
dizendo que gostaria de lá ir logo que pudesse tratar de tudo
o que tinha de ser tratado.
Depois de um concerto desastroso em Vancouver e um
espectáculo moderadamente bem sucedido em Seattle, a agenda
de Jim estava anotada não com concertos mas com comparências em tribunal. O
julgamento de Miami foi marcado
para Agosto e os seus advogados estavam a fazer uma última
tentativa para o adiar. A 9 de Junho preencheram um requerimento
261
no tribunal federal para suspender o julgamento, com
o fundamento de que os três títulos aos quais Jim tinha sido
acusado, eram vagos e puniam conduta que escapava à jurisdição da polícia. O
requerimento foi indeferido e três dias
depois os advogados foram a outro tribunal de Miami para
requererem um julgamento com júri.
Entre as datas de tribunal na agenda de Jim, havia outra
projecção do HWY para promotores e amigos. HWY tinha
sido projectado várias vezes, mas publicamente apenas uma
vez, no festival de cinema de Vancouver. A maior parte das
exibições tinham sido realizadas em Synanon e em salas privadas. Finalmente, um par
de jovens produtores, Bobby Roberts
e Hal Sanders, contactaram Jim para fazer um filme com
Michele Phillips, outrora com os «Mamas and the Papas».
Em vez de uma resposta, Jim ofereceu-lhes uma projecção
do HWY e logo Sanders e Roberts falaram em arranjar um
suplemento de dinheiro para estender o filme até longa metragem. Quando Jim detectou
o que ele pensava ser outra
conspiração exploradora, cortou as negociações. Frank discutiu com ele, mas manteve-
se inflexível.
As negociações com a MGM pareciam mais prometedoras. Jim tinha tido reuniões
regulares tanto com Belasco
como com Aubrey sobre o The Adept e eles tinham-no convencido que o filme podia ser
encurtado de modo satisfatório.
Num aparte, observou que eles tencionavam encurtá-lo «do
tamanho de uma sequóia para um palito».
Belasco e Jim procuraram, um novo realizador, decidindo-se
por fim por Ted Flickor, que era mais conhecido pela sua
direcção de um grupo de teatro de improviso chamado «Promise Players» e por uma
sátira subestimada com James Coburn,
The Presidenfs Analyst. A pouco e pouco, o negócio tomou
forma. Aubrey queria Jim como actor, não só no The Adept,
mas também num filme chamado Corky. Jim não gostou do
argumento (a parte para que Aubrey o queria seria representada por Robert Blake) mas
concordou em perder algum
peso para o próximo filme - afinal de contas, quem ouviu
falar de um gordo negociante de coca? - e fazer a barba que
tinha deixado crescer de novo a seguir ao julgamento de
Phoenix.
A meio de Junho, a MGM tinha firmemente oferecido
a Jim o que ele queria: 35 000 dólares para um desenvolvimento final do argumento, e
se este fosse aceitável, outros
50 000 dólares pelos seus serviços como co-produtor (com
Belasco) e estrela. Os números não eram grandes pelo critério
de Hollywood mas Jim ficou contente. Deu instruções aos seus
262
advogados para tratarem do negócio, autorizou o pagamento
de uma multa de 600 dólares, imposta pela Agência de Aviação
Federal relacionada com o voo de Phoenix (e independente
do julgamento) e começou a fazer uma única mala para uma
viagem a França e Espanha,
263
CAPÍTULO 10
Patrícia Kennely estava em
pânico. Quando ela e Jim acordaram, Jim tinha mais de 38°
de temperatura e ficou em casa para tratar dele, saindo apenas
para comprar comida de doentes - alguma sopa e gingerale.
Duas horas mais tarde, a temperatura de Jim era de 39,5°.
Ela deu-lhe aspirina, tetraciclina, água e fricções de álcool,
e tentou encontrar Leon Barnard. O seu médico, que vivia
apenas a dois blocos, não iria a uma chamada ao domicílio.
A temperatura de Jim subiu a 40,5°.
Jim tinha chegado a Nova Iorque no dia anterior, a caminho da Europa, com Leon, uma
das amigas de Leon e as
gravações finais para o álbum ao vivo. Embora estivesse
razoavelmente bêbedo quando Patrícia se encontrou com ele
no hotel, tinham passado uma noite agradável e sossegada
a ver o novo filme de Mick Jagger, Ned Kelly e duas vezes
o último de Ingmar Bergman, The Passion of Anne. O único
acontecimento notável foi que Jim puxou para fora o diafragma de Patrícia antes de
irem para a cama, lançando-o
através do quarto como um Frisbee. Na tarde seguinte, uma
daquelas tardes escuras de Nova Iorque, no apartamento de
Patrícia, Jim sentiu-se como se estivesse a morrer.
Às duas horas, Patrícia decidiu tirar a temperatura uma
vez mais antes de chamar uma ambulância. De repente, a
febre caiu, baixando de 40,5° para 38,5°, em cinco minutos.
Em três horas Jim estava de pé, a andar, como se nada tivesse
acontecido. Regressou ao hotel, mudou de roupa, cantou com
Patrícia e Leon, foram ver outro filme e comprou alguns
livros no Brentano.
Na noite seguinte Jim e Patrícia casaram.
Com vinte e quatro anos, Patrícia era a chefe de redacção
de uma revista de rock e um dos muitos fiéis dos Doors no
265
estabelecimento da crítica de rock na Costa Leste. Tinha
adorado Jim desde o momento em que se conheceram, dezoito
meses antes, quando o tinha entrevistado no Hotel Plaza. Ele
estava de pé no quarto quando ela entrou, e ao ser apresentado,
deu-lhe um aperto de mão formal. Ela recorda a cena: «Tudo o
que podia pensar foi, "Meu Deus, a sua mãe ensinou-lhe boas
maneiras e ele lembra-se verdadeiramente delas!" Quando as
mãos se tocaram, voaram faíscas. Sem dúvida, uma fricção
estática das minhas botas no tapete, mas faíscas genuínas de
livros de contos. Jim adorou. "Um presságio", disse. E tinha
razão.»
Desde então, Patrícia tinha escrito muitas vezes sobre
Jim e os Doors na sua revista, num estilo maduro e crítico
que incorporava referências literárias e citações. Levou sempre Jim a sério -
criticando o seu trabalho, não a sua imagem.
«Se T. S. Elliot tivesse sido um grupo de rock», escreveu uma
vez, «ele teria sido os Doors e feito The Solft Parade.» Numa
crítica de The Lords and the New Creatures, sugeriu que
«uma nova leitura na primeira oportunidade do livro A Poética
de Aristóteles, ou melhor, o Preface to the Lyrical Ballads,
podia redundar no restabelecimento de propriedades poéticas
extremamente necessárias.»
Patrícia tinha opiniões bem ponderadas em quase todos
os assuntos; uma linguagem fácil com sotaque irlandês, muito
parecida com a do próprio Jim; muito mais do que uma figura
comum, cabelo comprido ruivo, olhos castanhos e ar sensual;
um vasto conhecimento do oculto; e um magnífico dom para
contar histórias.
A relação de ambos foi a muitos títulos razoavelmente
simbólica para Jim. À excepção de Pamela, não havia mais
nenhuma rapariga que ele visse muitas vezes ou por períodos
que excedessem alguns dias, e desde que se tinham conhecido,
Jim e Patrícia não estiveram na mesma sala provavelmente
mais do que sete ou oito vezes. Nem houve muitos telefonemas. Um molho de
extravagantes cartas pessoais, jóias,
livros raros e cópias dos seus três trabalhos impressos em privado, mas nada que
assinalasse um namoro apaixonado.
Nem a maneira como Jim se comportava em relação a
Patrícia era muito diferente do seu estilo com outras. Com
ela também bebeu, desmaiou e jogou os seus jogos intermináveis. «Estávamos sentados
num bar», lembra Patrícia, «e ele
vinha com inconsequências completas - a propósito de nada tais como "Adormecia à luz
da lua cheia uma noite e quando
acordei era a cara da minha mãe que olhava para mim. Então,
o que pensas disto? O que pensas que significa?" Estava sempre a pôr à prova as
pessoas, sempre a tentar ver até que ponto
266
acreditarias no que ele te dizia, como lhe irias reagir. Não confiava em ninguém.
Nunca pareceu acreditar em mim quando
lhe disse que o amava. Penso que ouviu isso de todas as
mulheres com quem dormiu. Apesar disso, era verdade. Todavia, sentia que quando lhe
dizia que o amava estava a entregar-lhe uma arma para utilizar contra mim, algo para
pairar
acima da minha cabeça. A primeira vez que lhe disse o que
sentia por ele, ele disse, "Bem, agora que me amas, acho que
nunca mais serei capaz de me ver livre de ti". Perguntei.
"Queres então livrar-te de mim, Jim?" Sorriu apenas, fechou
os olhos e disse, "Não". Então disse que me amava. Provavelmente até também era
verdade.»
Noite de solstício de Verão, 1970. Estavam acesas as
velas do apartamento vitoriano gótico de Patrícia. A cerimónia
do casamento decorreu. As bruxas, ou Wiccans, não são satânicas: veneram as antigas
forças da natureza, a Deusa Tripla,
a Grande Mãe, e o seu sósia masculino, o Senhor, o Deus
cornudo. É uma tradição religiosa que antecede o Cristianismo e o Judaísmo e é
considerada por muitos estudiosos
como a sobrevivência da mais antiga religião universal mais
antiga.
Um casamento Wiccan, explicou Patrícia, é uma combinação de almas num plano kármico e
cósmico que tem um
efeito em futuras incarnações dos dois envolvidos: a morte não
separa, e o juramento tomado é «para sempre na visão da
Deusa». Patrícia contou a Jim que havia uma lenda segundo
a qual Henrique VIII e Anne Boleyn tinham sido casados no
ritual das bruxas - provavelmente por algumas das mesmas
razões.
Uma das amigas de Patrícia, uma importante sacerdotisa
de um convento, conduziu a cerimónia, assistida por um
Sumo Sacerdote. Guiaram Jim e Patrícia através de uma
união de mãos tradicional, com rezas e uma invocação à Deusa,
bênçãos, a realização de dois pequenos cortes em cada pulso
e antebraço dos cônjuges, e a mistura de algumas gotas do
seu sangue numa taça de vinho sagrado pela qual bebiam mais
tarde, um ritual que passava por cima do cabo da vassoura,
da troca de alguns juramentos e da invocação final da presença da Deusa.
Para Patrícia isto era uma cerimónia perfeitamente natural na sua religião, mas Jim
ficou totalmente surpreendido
pelo ritual. Deu a Patrícia um claddagh em prata, o tradicional
anel de casamento dos irlandeses, e ela deu-lhe uma aliança
em ouro. A sacerdotisa celebrante e Patrícia, na sua qualidade de sacerdotisa,
emitiram dois documentos manuscritos,
um em inglês, um em símbolos de bruxas. Todos os presentes
267
assinaram, pedindo-se a Jim e a Patrícia que fizessem as suas
assinaturas em sangue. O casal foi declarado marido e mulher,
e Jim desmaiou.
No domingo, Jim e Leon partiram para Paris, onde reservaram um quarto a 60 dólares
por dia no elegante hotel
Georges V, e começaram a explorar a cidade - bebendo em
dúzias de cafés nos passeios, visitando os antros de existencialistas da margem
esquerda, misturando-se com ciganos que
actuavam nas ruas de Montmartre, fazendo peregrinações à
casa de Balzac, ao túmulo de Napoleão e às catacumbas.
Depois Leon foi para Copenhaga e Jim correu para o seu
amigo Alan Ronay, que tinha começado as suas férias anuais
em Paris mais ou menos uma semana antes.
Alan tinha falado muitas vezes a Jim sobre Paris - ele
era, de facto, uma das razões porque Jim estava agora em
França. Jim tinha mandado revelar os filmes Feast e HWY
na companhia onde Alan trabalhava e tinham-se encontrado
muitas vezes ao longo dos anos, desde a primeira vez que se
conheceram na UCLA. Alan era um dos amigos «misteriosos
de Jim e não se sabia muito sobre a sua relação. Alan amava
Jim carinhosamente, e embora fosse forçado a partilhá-lo com
Frank e Babe e todos os outros, não tinha que o partilhar
no mesmo quarto ao mesmo tempo. Alan via normalmente
Jim a sós excepto quando Jim e Babe entravam a cambalear
bêbedos, às 3 horas da manhã, para o atormentarem.
Durante uma semana, Jim foi o requintado turista americano, uma figura desordenada
deambulando à chuva de
Verão. Mas na véspera de partir para casa, começou novamente a sentir-se febril.
«Pneumonia? Meu Deus, onde está ele? Como é que está?
Max sabe? Será melhor adiar o julgamento.»
Bill Siddons brincava nervosamente com um lápis ao
ouvir Babe ao telefone. Jim tinha regressado de Paris, disse
Babe. Estava com Pamela no apartamento que ela tinha em
Norton Avenue e tinha uma pneumonia, mas estava bem.
Mais tarde, Bill falou com Jim que disse que depois de ter
Dado culpado, o recurso podia cobrir essa matéria. Também rouco, viajando de comboio
e em carros alugados. Tinha estado
doente em Nova Iorque antes de partir, disse, e tinha apanhado na Europa muita chuva.
Jim tinha partido quase há três semanas. Logo depois de
ter regressado a Los Angeles, o tribunal federal em Miami
rejeitou o requerimento para interromper o julgamento por
razões constitucionais. O juiz disse que se Jim fosse considerado
268
culpado, o recurso podia cobrir essa matéria. Também
o julgamento não seria adiado devido à saúde de Jim. Caracteristicamente, Jim
recuperou depressa, e na altura em que o
álbum ao vivo foi lançado no final de Julho vagueava de novo
no Sunsep Strip e nos bares ao longo do Boulevard de Santa
Mónica.
No dia 4 de Agosto estava sozinho no clube chamado
«The Experience». À hora de fechar perguntou ao proprietário, Marshall Brevitz, se o
levava a casa. Um ano antes,
Jim teria guiado fosse qual fosse o seu estado de bebedeira.
Mas agora estava demasiado bêbedo para andar.
«Tive uma vez um clube em Miami», disse Marshall a
Jim, transportando-o para o seu carro. «Talvez te interesse
saber que os meus sócios eram os mesmos dois tipos que te
tentaram enganar quando lá tocaste e foste. Eles são a razão
porque deixei Miami.»
Jim acenou com a cabeça e pronunciou inarticuladamente, «É aqui à esquerda... acho
eu.»
Marshall virou à esquerda e continuou a falar. «Sabias
que esses tipos dirigiam uma loja num dos hotéis? E faziam
circular um negócio de loção para o Sol, tinham um quadro...
Não devíamos estar quase a chegar a tua casa?»
Jim murmurou algo que soou como, «Agora aqui à esquerda... acho eu.»
Depois de terem guiado durante uma hora para cima e
para baixo e esquadrinhado dez ou quinze quarteirões, Jim
encontrou finalmente a pequena casa em West Los Angeles
que procurava. Ou antes, pensou que sim.
«É aqui», disse.
Marshall acompanhou Jim à porta.
«Shhh», sibilou Jim. «Aqui há um borracho, é louca
por mim e... shhh!»
Jim bateu timidamente à porta.
Silêncio.
Jim bateu com mais força.
Ainda não houve resposta.
Jim bateu ainda com mais força.
«Hey, Jim», disse Marshall de modo nervoso, «ver-nos-emos mais tarde, está bem?» E
retirou-se rapidamente, deixando Jim caído contra a porta da frente da casa.
De manhã, Jim foi encontrado enrolado a dormir à porta
da casa que pertencia a uma mulher de sessenta e oito anos.
Acreditando que a figura barbuda e de cabelos compridos era
outro Charlie Manson, telefonou para o delegado próximo
de sua casa e Jim foi preso e acusado de embriaguez pública269
Isto foi quinta-feira de manhã.
Sexta-feira, Jim voou para Miami para ser julgado.
«Olha», Jim apontava por cima da cabeça para um
avião pequeno rebocando uma bandeira que dizia, «Gostamos
de Spiro Ágnew.»
«Alguém acredita em presságios?», perguntou Jim.
A temperatura e humidade estavam ambas perto de 37°,
e sem os turistas ricos de Inverno. Miami chocalhava de vazia
e os grandes hotéis da praia pareciam túmulos. Jim estava
defronte do Hotel Carillon, um túmulo de preço médio com
um vestíbulo em mármore bege, lustres de cristal, e um clube
recreativo perto da piscina. Até agora, a sua estadia na Florida tinha sido calma. No
domingo, tinha querido ver um
jogo de jai alai, mas porque lhe disseram que os campos de
jogos estavam fechados no Verão, foi às corridas de cães.
Ficou perto do hotel o resto do tempo, deitado na piscina,
bebendo no bar com ar condicionado, assando na sauna do
telhado. Numa reunião com Max discutiram se todos os
Doors testemunhariam - decidiram que sim - e tiveram conversas informais sobre a
realização de um concerto gratuito.
Pouco foi dito sobre o julgamento, ainda que todos dissessem
graças tranquilizadoras.
Agora, na segunda-feira, dia 10 de Agosto, enquanto esperava um táxi para o levar
para o tribunal, Jim brincava a
propósito da bandeira de Agnew. Calçava botas de cowboy,
jeans pretos e uma camisa rústica mexicana, e trazia um
caderno de apontamentos de escola forrado a coiro. «Está
bem», disse finalmente, «Vamos.» Entrou para o táxi com
Babe, o seu advogado, Max Fink, e o seu publicista, Mike
Gershman. Os outros três Doors e Tony Funches apanharam
um segundo táxi.
Meia hora mais tarde, Jim estava absorto no edifício do
Metropolitan Dade County Justice, no exterior da Divisão «D»,
remexendo um monte de 150 fotografias entregues pelo seu
advogado de Miami, Bob Josefsberg. Estava a gostar das
fotografias. Parou ocasionalmente para explicar uma a Babe
e aos outros presentes: «Olha, esta é aquela em que era suposto
estar "a tocar ao bicho" na guitarra de Robby, certo? E esta,
com o cordeiro... aquele cordeiro ficou completamente imóvel
e, posso jurar, estava a ronronar no meio de todo aquele caos.
É aqui, estou um pouco satânico, levando o cordeiro para a
matança. Sim, sim, e a banda tocava. Sabes, começo a acreditar que estou inocente.»
Continuava a dizer graças, mas estava preocupado. Apesar
de tentar parecer calmo e distraído - publicamente afirmava
270
estar entregue a uma luta para preservar a liberdade artística- não conseguia sacudir
o seu medo. Ou a sua raiva.
Nos cinco dias que estiveram na Florida, tinham aprendido
muito sobre os políticos de Miami e sobre a psicologia dos
bastidores do caso. O juiz, Murray Goodman, tinha sido
nomeado para preencher uma vaga no tribunal e enfrentava
a sua primeira votação em Novembro. Dados os tempos que
corriam, uma condenação Morrison asseguraria ao juiz apoio
popular. Era também possível que Goodman fosse hostil ao
advogado de Jim em Miami, Bob Josefsberg, porque a judicatura tinha sido oferecida
primeiro a Josefsberg antes de o
ser Goodman, e tinha sido rejeitada. O Estado da Florida
versus James Morrison, Caso nº 69-2355 parecia Eles versus
Nós, novamente.
Max Fink insistia nesta afirmação com a imprensa. Tinha
dito, uma semana antes, que ia requerer que o júri fosse levado
a uma representação do Hair e a um cinema para ver Woodstock, de maneira a que
pudessem pôr a representação de Jim
num contexto exacto. Agora dizia, «tem que se aceitar o
facto de que aquilo contra o qual as pessoas da geração da
ruptura como o grupo de Morrison, os Doors, estão a protestar,
são os problemas criados pelos seus antecessores.
Max disse que esperava que o julgamento demorasse seis
a dez semanas, devido, em parte, ao facto de ter planeado
recorrer a uma centena de testemunhas para a defesa. Tinha
tido, durante meses, um jovem advogado chamado Dave
Tardiff, a entrevistar testemunhas potenciais, todas elas preparadas para testemunhar
que Jim não se tinha exibido.
Tinham também arranjado várias testemunhas respeitáveis,
incluindo dois professores de psicologia da Universidade de
Miami para discutir o conceito dos padrões da comunidade
contemporânea; um professor assistente de inglês para contribuir com os seus
conhecimentos de etimologia, o ramo da
filologia respeitante à origem e derivação das palavras; o clérigo da Universidade
para dizer que a linguagem de Jim não
era profana mas controversa: e os colunistas de espectáculos
dos jornais de Miami e Miami Beach para colocarem o número
de Jim num contexto local, testemunhando sobre todos os
espectáculos cómicos e obscenos dos hotéis, cujos números
passavam sem perturbação.
Depois, o juiz Goodman anunciou que a sua lista de sentenças era demasiado grande
para permitir que o julgamento
se iniciasse até quarta-feira seguinte. Então, na terça-feira, Ray,
Robby e John alugaram um carro e dirigiram-se a Key West,
enquanto Jim ficou no quarto a ler.
271
«Se a evidência mostrar que o Sr. Morrison fez coisas que
estão escritas em best-sellers e exibidas em peças, considerará
que ele tem igual protecção da lei como toda a gente?», perguntou Max a cada um dos
jurados designados, dois dias
mais tarde. «Se o Sr. Morrison utilizou expressões em calão
que o Sr., como indivíduo, considerou grosseiras - algumas
palavras de quatro letras - e essas mesmas expressões fazem parte, verbal e
fisicamente, da cena contestatária neste
país, como o demonstram peças, livros e a juventude deste
país, o Sr. ficaria chocado?» É discutível quão eficazes foram
estas questões. O júri, composto por quatro homens e duas
mulheres, que prestou juramento na sexta-feira, consistia num
antigo cozinheiro do exército, agora a trabalhar em mecânica;
um assentador de ladrilhos duma empresa de material para
pavimentação; um mecânico de vinte e três anos da Guarda
Costeira; um professor de arte numa escola elementar; uma
dona de casa de Miami Beach com um filho de vinte e três
anos e uma filha de trinta anos; e uma dona de casa que tinha
sido uma vez agente de seguros. Bob Josefsberg atacou
imediatamente toda a lista de jurados, dizendo que se Jim
devia ser interrogado pelos seus verdadeiros iguais, todos os
jurados teriam que ter menos de trinta anos de idade. O juiz
sorriu retorcidamente e tomou isso em consideração, depois
a sessão foi suspensa durante o fim de semana.
Quando Jim deixava a sala do tribunal, foi abordado pelo
jovem acusador público, Terence McWilliams, que vestia um
fato verde-azeitona e uma camisa cor-de-laranja. Parecia
embaraçado, hesitante. Por fim, perguntou se por acaso tinha
com ele uma cópia do seu novo álbum; o acusador disse que
já tinha comprado todos os outros e que as lojas locais tinham
esgotado o Absolutely Live. O tom da sua voz dizia tudo:
lamentava, não queria o caso, tinha sido designado para ele,
fazia apenas o seu trabalho.
Isto não significava que McWilliams diminuiria a severidade do seu ataque
profissional. A maneira como realmente
sentia o caso talvez tenha sido mais claramente revelada numa
nota que mais tarde passaria a Jim, um pedaço original de
versos de cordel:
There once was a group called the Doors
Who song in dissent of the mores
To youth they protested
As witnesses attested
While the leader was drapping his drawers
Houve uma vez um grupo chamado The Doors / Que cantava em
oposição aos costumes / Pela juventude protestaram / Como testemunhas atestaram /
Enquanto o chefe deixava cair as cuecas.
272
Nessa noite, Jim, Bob e Tony foram ouvir os Creedence
Clearwater Revival no Miami Beach Convention Center, depois
foram ao Hump Room no Hotel Marco Polo, onde Jim se
juntou aos Canned Heat durante quatro músicas. «Depois
disso», escreveu Babe no seu diário, «Jim, eu e Ina (Gottlieb,
uma hospedeira que tinham conhecido no avião para Miami)
subimos até ao Fontainebleau onde os Creedence Clearwater
Revival estavam, jogámos pool e bebemos até eu adormecer
num sofá perto da mesa de pool. Quando acordei, Jim estava
debaixo da mesa...»
Segunda-feira, de novo na Divisão «D», onde agora o
acusador vestia uma camisa encarnada brilhante e estava perto
de Jim ao acabar a sua declaração de abertura com uma dramática leitura das
acusações:
«O réu exibiu impudicamente e lascivamente o seu pénis
de uma maneira ordinária e indecente com intenção de ser
observado, colocou a sua mão no seu pénis e abanou-o, e,
além disso, o dito réu simulou os actos de masturbação sobre
si próprio e a copulação oral sobre outro...» Quando acabou,
McWilliams levantou lentamente os seus olhos da folha de
acusação e ofereceu a Jim, não o olhar habitual de condenação, mas um olhar vazio de
reverência. Jim olhou impassivelmente.
McWilliams citou da gravação o que passou por ser a
linguagem do espectáculo: «...Vocês são todos um grupo de
fucking idiots (idiotas de merda). As vossas caras estão a ser
esborrachadas na merda do Mundo. Pega no teu fucking
friend e ama-o. Queres ver a minha pixota?» O júri estava
sentado, imóvel, sem expressão.
Ao meio-dia, Max Fink começou a sua declaração de
abertura, demonstrando a sua personalidade como a de um
avô levemente reprovador mas fundamentalmente compreensivo. Era uma imagem com a qual
pensou que o júri pudesse
ser induzido a identificar-se.
«A vossa imaginação pode ser feroz, mas existe uma
pequena diferença entre o depoimento do acusador e o das
suas testemunhas. Não há a menor dúvida sobre a utilização
das palavras. Tenho sessenta e dois anos e não estive em
nenhum desses concertos, mas é o que se diz nos dias de hoje.
Os jovens utilizam estas palavras sem intenção lasciva, sejam
elas quais forem. É o que fazem e dizem. Um concerto de
rock é uma atitude de discórdia. Sejamos coerentes. Havia
vinte e seis agentes da polícia presentes, em uniforme, nessa
noite e muitos agentes sem uniforme. Nenhum o prendeu
pela sua actuação no palco. Agora, um cantor de rock trabalha muito duramente. Deixa
o palco nadando em suor para
273
se juntar aos seus amigos nalgumas risadas de bastidores antes
de se dirigir para o hotel e depois para a Jamaica. Não houve
prisão, não houve crime. Aceitámos as palavras, isso é liberdade de expressão. O mal
está na mente.»
A primeira testemunha de acusação parecia perfeitamente
combinada. Vestia sapatos brancos e um vestido «mini» cor-de-rosa, o seu cabelo loiro
estaxa puxado para trás num rabo
de cavalo. Tinha apenas dezasseis anos quando assistiu ao
concerto dos Doors, disse, e tinha visto Jim tirar as calças
até aos joelhos, exibindo-se durante dez segundos, depois (fez
uma pausa) viu ele tocar-se. Quando lhe perguntaram quais
as palavras invulgares que Jim tinha utilizado no palco, disse,
«Aquela que começa por um f.» Perguntaram-lhe de que
maneira a experiência a tinha afectado, ela respondeu, «Fiquei
chocada, foi repugnante».
Durante o interrogatório intensivo, Max leu uma declaração prestada sob juramento que
a rapariga tinha feito em
Abril, na qual tinha dito que tinha visto Jim a roçar-se contra
a rapariga no palco, mas não sabia se Jim tinha as calças
vestidas ou não. «Foi a sua memória afectada nos últimos
meses?», perguntou-lhe Max. Ela desfez-se em lágrimas e o juiz
Goodman pediu um curto intervalo para dar tempo à testemunha para se recompor.
Depois do intervalo, a rapariga contradisse-se mais duas
vezes e disse que ela e o namorado não tinham pago para ver
o concerto, mas tinham sido deixados entrar livremente pelo
seu cunhado, um polícia da cidade.
À rapariga seguiu-se, na tribuna, o seu namorado, que
confirmou o seu testemunho. De novo Max atacou as discordâncias entre o depoimento
que a testemunha estava a apresentar no tribunal e uma declaração prestada sob
juramento
que tinha feito anteriormente. No último, tinha dito que
tinha apenas uma «vaga lembrança» do que Jim tinha ou não
feito. Agora a sua memória era precisa. Em resposta a uma
pergunta do acusador, o namorado disse que ele próprio não
tinha ficado embaraçado, tendo nessa altura vinte anos, a não
ser pela sua jovem namorada. Em resposta a outra pergunta feita por Max, contudo, a
testemunha admitiu ter levado a
rapariga a ver o Woodstock, apesar de saber que se exibiam nus.
A seguir foi à tribuna a mãe da rapariga, que não tinha
estado no concerto, mas testemunhou que a sua filha estava
visivelmente perturbada quando regressou a casa nessa noite.
Na segunda-feira à noite, começou um segundo drama
com a chegada de Patrícia Kennely. Jim tinha falado com
274
Patrícia pelo telefone na sexta-feira, dia 14, soube que ela
estava grávida e pediu-lhe para ir ter com ele a Miami. Mandou o seu agente de
publicidade, um dos seus advogados e
a mulher do advogado para se encontrarem com ela no aeroporto.
Jim estava prazenteiro ao beberem no bar do hotel, mas
sempre que Patrícia tentava dirigir a conversa para a sua
gravidez, ele evitava-a. A seu pedido, ela tinha trazido trinta
cópias da última edição da sua revista, com uma fotografia
de Jim na capa e, no interior, um poema novo chamado
The Anatomy of Rock («A Anatomia do Rock»). Jim olhou
rapidamente para as fotografias e leu o texto do poema.
Por fim, Jim olhou para Patrícia, disse-lhe que tinha
pensado que pudesse impressionar o juiz, o facto de saber que
ele não era apenas uma estrela de rock, mas que estava a
contribuir para a sociedade escrevendo poemas. Depois disse-lhe que voltasse para o
quarto e que ia lá ter mais tarde.
Nunca foi.
Nessa altura, o juiz Goodman tinha determinado que o
julgamento se ia realizar em dias alternados, assim Jim teve
a terça-feira livre. De novo se esquivou a Patrícia dizendo-lhe
duas vezes pelo telefone que a ia ver, depois não aparecendo
nenhuma das duas vezes, passando o dia, em contrapartida,
com Babe.
Quarta-feira, Jim estava de volta ao tribunal. Patrícia
estava lá também, furiosa mas tentando controlar-se. Uma
equipa de televisão filmou-os a discutirem na entrada. Precisamente na altura em que
Jim lhe prometia que estariam
juntos nessa noite, o juiz chegou.
O acusador chamou nesse dia três testemunhas. O primeiro era uma mulher-polícia que
tinha dito em Junho que
não tinha ouvido impropérios, mas agora testemunhava doutra maneira, embaraçando o
acusador quando deixou escapar
que tinha ouvido entretanto uma gravação do espectáculo.
A segunda testemunha foi um estudante de Universidade que
tinha tirado fotografias e disse que não tinha visto nenhuma
exposição genital. Esta testemunha foi um desapontamento
para o acusador, mas com a seguinte, o comboio voltou ao
carril. Era um rapaz ruivo de vinte e dois anos de idade
chamado Bob Jennings, que tinha assinado a queixa original
contra Jim e agora citou extensivamente do monólogo do concerto de Jim e jurou que
Jim se tinha exibido durante cinco
a oito segundos. Foi uma testemunha convincente, e o único
detrimento que Max foi capaz de inflingir no interrogatório
foram as revelações de que durante os últimos três anos a testemunha
275
tinha sido empregado no escritório do Procurador
do Estado, enquanto a sua mãe trabalhava no mesmo edifício
e a sua irmã era secretária de um juiz local. Jim e os seus amigos estavam agora
convencidos de que ele estava a ser manipulado por pessoas que trabalhavam para ou
que eram relacionados com a lei.
«Vai para o teu quarto», disse Jim a Patrícia depois de
umas bebidas no hotel. «Vou mudar de roupa e subirei dentro
de meia hora.»
Meia hora mais tarde começou a conversa há muito
prometida. «Sei que não é exactamente a melhor altura e
local para tratarmos disto, com o julgamento e tudo», disse
Patrícia, «mas o facto mantém-se, aconteceu e agora...»
Jim sorriu desajeitadamente e disse, «Resolveremos isso.»
«Ouve, também não estou exactamente emocionada com
a ideia, sabes. Mas acontece seres o único homem que jamais
considerei suficientemente perfeito para ser pai de um filho
meu, e agora aconteceu e não sei o que fazer. Penso que tens
um pouco mais de obrigações para comigo do que o teu livro
de cheques.»
Jim olhou rapidamente para ela, depois para longe. «Se
vais ter esse bebé, a nossa amizade ficará destruída. Um bebé
não vai mudar a minha vida de maneira nenhuma, mas vai
alterar tremendamente a tua para sempre.»
«Posso levar isto a tribunal.»
Pareceu surpreendido pela ideia. «Outro julgamento?
Bem, claro, podes fazer isso, e será como este que está agora
a correr. Entretanto levará muito tempo. Primeiro terás que
ter o bebé, isto é, tanto como outros seis meses. Depois terás
que requerer uma audiência preliminar, com testes de sangue
e tudo isso, apenas para verificar se tens um caso verdadeiro.
E eu negarei as acusações, e terás que encontrar testemunhas,
e talvez não haja nenhuma testemunha porque, primeiro, eu
comprarei toda a gente. E mesmo que leves finalmente o caso
a tribunal, podes não ganhar, e ia haver uma publicidade
incrível, o que ias detestar. E mesmo se tiveres sucesso, no
final, o que ganharias com isso? Algum dinheiro, alguma
satisfação e uma boa dose de má consciência. Não acho que
penses que vale a pena.»
«Nem acredito no que disseste.» Agora corriam lágrimas
pela sua cara.
«Bem, o que querias que eu dissesse?»
«Não sei, raios te partam! Suponho que não faça diferença que seja o teu bebé, teu e
meu, não teu e de Pamela?»
«Eu - não, nenhuma diferença. Não suportaria uma
276
criança. Qualquer criança. Não me posso permitir isso e não
quero essa responsabilidade.»
«O único obstáculo a poderes suportar essa ideia é emocional», gritou-lhe ela.
«Olha lá, não seria melhor ter uma criança de alguém
que quisesse ser o seu pai?»
«Obviamente. Então o que sugeres?»
«Isso é contigo! Se tens a criança, será a tua criança.
Se queres abortar, eu pagarei e irei a Nova Iorque para
estar contigo quando o fizeres, prometo que irei. Estarei lá
contigo e tudo correrá bem, verás. Podes fazê-lo num fim
de semana, estarei livre do tribunal, talvez pudéssemos partir
juntos depois.»
Patrícia examinava cuidadosamente as unhas dos dedos,
os anéis, as pontas do cabelo ruivo que iam à cintura, depois
olhou directamente para os seus olhos. «Decidido», disse em
voz baixa e fria.
Houve um silêncio muito longo, depois Jim mostrou-lhe
um dos seus famosos sorrisos infantis e disse numa voz estranha, «Seria uma criança
absolutamente surpreendente, sabes,
com uma mãe de génio e um pai poeta.»
«Muito provavelmente», respondeu Patrícia asperamente.
«Mas dificilmente parece isso é uma razão para a ter. Isto
não é uma espécie de experiência, sabes, para ver se duas
pessoas extraordinárias conseguem produzir um produto extraordinário a partir delas.
De qualquer modo não gosto muito
de crianças, e a única razão pela qual a teria, era por ser tua.
E é provavelmente a pior razão de todas para ter uma criança
de qualquer pessoa.»
Jim não reagiu a isto, mas disse, «Sabes, este assunto
nunca me tinha surgido antes.»
Patrícia explodiu, «Não me digas essa aldrabice! Sei que
sim. Contaram-me pelo menos umas quatro vezes, e sei de um
caso que aconteceu a Susy Creamcheese e...»
«Não, não, não é verdade, nenhuma delas - nunca aconteceu antes. Não achas que isto é
tão difícil para mim como
para ti? Como salientaste, também é o meu bebé. Terás que
ter coragem.»
Patrícia preferiu não responder. Por fim Jim sugeriu que
regressassem ao bar do hotel, e ela concordou. «Quero apenas
ter a certeza que tenho isto resolvido agora: vou abortar, tu
vais pagá-lo e irás a Nova Iorque para estares comigo, está
bem?»
«Está bem.»
«E o que pensas que vamos fazer depois?»
«Lamentamo-lo-emos juntos, penso.»
«Então está bem», disse ela. «Vamos a essas bebidas.»
277
Devido aos Doors terem que realizar dois concertos na
Califórnia, na noite de sexta-feira e de sábado, o juiz concedeu
em continuar a ouvir depoimentos no dia seguinte, quinta-feira, e depois fez um
intervalo até terça-feira. Foi um dia
de resultados desastrosos, confusos, mas derradeiros. Patrícia
tinha deixado Jim passar a noite com ela e a sua relação
estava novamente bem, ou tão boa quanto se podia esperar.
Depois, na sala de tribunal, as 150 fotografias foram apresentadas como prova e
nenhuma delas o mostrava a fazer alguma
coisa ilegal, enquanto a única testemunha chamada testemunhou que também nada tinha
visto. Mas então, o juiz Goodman determinou que nenhuma prova referente a «padrões
de comunidade» seria autorizada na sua sala de tribunal, eliminando, desse modo, o
ponto principal da defesa de Jim.
Quando os olhos de Jim deslizaram pela decisão judicial
de duas páginas, a sua cara tomou a cor do cimento húmido.
Calmamente, colocou a ordem na mesa defronte dele e olhou
rapidamente para Max, que se levantava de raiva para protestar. «Sua Excelência»,
disse o advogado num tom premente,
«pode mandar retirar o júri?»
Deram instruções ao júri para se retirar e Max começou
a sua alegação. «Excluir a prova respeitante aos padrões da
comunidade com referência às palavras que admitimos livremente terem sido
utilizadas», gritou Max, «excluir o depoimento versado respeitante ao efeito dessas
palavras na audiência desse dia e nessa geração, seria a recusa de um julgamento
honesto.» Max argumentou activamente durante perto de
meia hora, traçando o desenvolvimento da liberdade de expressão, mostrando como ele
seguia o desenvolvimento do texto
e o direito do artista ou dramaturgo a exprimir os seus pontos
de vista. Era, disse Jim alguns meses mais tarde, «um resumo
brilhante daquele processo histórico, mas não teve qualquer
efeito.» Goodman ouviu com o queixo apoiado nas mãos,
óculos com aros subidos na extremidade do nariz e depois
rejeitou o argumento e a moção de Max sem comentários.
Sexta-feira de manhã Jim voou com o seu séquito para
Los Angeles, onde se reuniu aos outros Doors - que tinham
regressado mais cedo nessa semana - e em seguida, foram de
autocarro para Bakersfield, a Norte, para o primeiro concerto
e, na noite seguinte, para San Diego, a Sul, para o segundo.
Os espectáculos foram fortes mas cansaram Jim.
Recobrando aparentemente novo fôlego na noite seguinte,
Jim saiu com Babe para se embebedarem. «Estávamos fodidos!», recorda Babe. «Apenas
rindo e rindo, aos bordos pela
estrada.» As empregadas não estavam tão alegres com Jim
278
e Babe. Afastaram-se. Jim e Babe continuaram a rir. E riam,
riam.
Depois regressaram à Florida, onde Jim ficou acordado
toda a noite, «snifando» coca e praguejando sem parar desde
a meia-noite até às oito horas da manhã com o seu amigo
escritor Harvey Perr, que agora fazia alguma publicidade na
Elektra.
Às oito horas da manhã Jim parou de falar, mandou vir
uma melancia através do serviço de quarto, comeu-a quase
toda e encontrou-se com os seus advogados na Divisão «D».
Hoje, o processo previa mais quatro testemunhas, todas elas
polícias e agentes à paisana que tanto tinham ouvido blasfémias como declarado que
tinham visto os órgãos genitais
de Jim. Um deles até descreveu o seu pénis como estando
«no processo de se tornar erecto».
Quarta-feira, Jim, Ray e Babe foram até Everglades,
onde deram uma volta num hovercraft, viram uma luta entre
crocodilos e comeram pernas de rãs e hush puppies.
Quinta-feira, de novo na Divisão «D» para outra vaga
de testemunhas no processo: mais três polícias e um «civil»
que trabalhava no quadro da polícia e tinha sido deixado
entrar no concerto por um polícia que ele conhecia. Todos
disseram algo acusatório e à pergunta de Max, «Se Jim estava
tão obsceno porque é que ninguém o prendeu nos bastidores
a seguir ao espectáculo?» Uma das testemunhas disse que
tinham medo que a multidão se revoltasse.
«Que multidão?», perguntou Max. «Não havia ninguém
no camarim a não ser os Doors, os seus amigos e a polícia.»
A pergunta seguiu sem resposta e foi rapidamente esquecida quando a acusação pôs em
evidência uma gravação que
tinha sido feita numa pequena cassete por alguém da audiência. O gravador estava
colocado no parapeito do lugar do juiz
e o botão de leitura foi ligado. Durante a seguinte hora e
cinco minutos a sala do tribunal ficou cheia de sons cerrados
dos Doors e do murmúrio da voz de Jim.
«... ninguém vai adorar o meu eu?... são todos um grupo
de idiotas! São todos um grupo de escravos!... Não estou a
falar de revolução, estou a falar de algum divertimento...
Estou a falar de amor... Quero mudar o Mundo... Aw ri,
aw ri. Quero ver alguma acção aqui. Quero ver algumas pessoas chegarem aqui e
divertirem-se. Não existem limites, não
existem leis, vá!»
«Vê», diz Harvey Perr, «Jim e Max concordaram que se
ouvisse as gravações porque queriam mostrar que tudo estava
no contexto, que tudo surgiu em cadência. Foi como uma
espécie de poema, uma sensação, e eles estavam a dizer que
279
a obscenidade fazia parte integrante. Quando ele disse "foder",
utilizou-a como palavra de amor. "Foder" significa amor.
Quero dizer, através de toda a obscenidade, dizia verdadeiramente à audiência para se
revoltar, para se revoltar contra
os bilhetes exageradamente caros, para se revoltar contra o
sistema e para se amarem uns aos outros. Ele disse, "Fode o
teu vizinho". E tudo tinha esta cadência, quase como um dos
seus poemas. Era como se fosse um grande poema gritado
e enlevado, dizendo-lhes que se revoltassem. Era como Dylan
Thomas.»
Sexta-feira à noite, Jim voou para Londres onde apanhou
um pequeno avião para a ilha de Wight, para se juntar aos
outros Doors no único concerto que os salvou da viagem
malograda pela Europa. Era sábado à noite e Jim estava
acordado há trinta e seis horas. Os Doors tocaram às duas
horas da manhã e foram seguidos pelos Who, a banda que
a audiência esperava. Os Doors actuaram no .local errado
- ao ar livre - e sob as piores condições, com vento frio,
iluminação inadequada e equipamento de som duvidoso. Foi,
como descrito por um dos jornais pop britânicos, «algo como
ouvir um álbum dos Doors num mau pick-up que gira devagar». Jim não estava em
condições e durante o espectáculo
hesitou claramente perante o microfone. Mais tarde, vagueou
pelo local do festival durante várias horas, dando uma entrevista pequena e
superficial a um repórter de uma revista britânica, mas passando a maior parte do
tempo a observar a
audiência. Na altura em que regressou a Londres, tinha
tomado esta decisão: o Festival da Ilha de Wight tinha sido
a sua última exibição em público.
O Estado suspendeu o seu caso na quarta-feira, depois
de apresentar mais duas testemunhas ofendidas com a profanação de Jim, e depois foi a
vez da defesa de Jim.
Bob Josefsberg requereu a absolvição invocando que o
próprio Estado tinha levantado dúvidas razoáveis. O juiz
Goodman negou superficialmente a contestação e depois estabeleceu limites na defesa.
Seriam permitidas apenas dezassete
testemunhas, disse - o mesmo número que a acusação tinha
chamado - e não havia os «então chamados peritos» entre eles.
Durante o resto desse dia e todo o seguinte, Max e o
seu colega de tribunal interrogaram as cinco primeiras testemunhas de defesa. Todas
testemunharam que tinham estado
em excelentes locais de observação e que não tinham visto
Jim expor-se. As testemunhas foram convincentes, mas também o foram as testemunhas da
acusação que disseram que
tinham visto alguma coisa. Uma cortina de tédio instaurou-se
na sala de tribunal, invisível mas perceptível como o ar comdicionado.
280
Foi quase um alívio quando foi anunciado no fim
do dia uma suspensão de onze dias. Jim e Babe partiram para
Nassau, onde se encontraram com Frank e Kathy Lisciandro
para uma semana de bebedeiras e Sol.
De volta ao tribunal a 14 de Setembro, a defesa chamou
não menos que dez testemunhas em duas horas e meia, e no
dia seguinte interrogou outras cinco. (A defesa tinha ultrapassado agora o limite de
dezassete do juiz, mas ninguém estava
a contar porquanto Max se apressava). Houve donas de casa e
estudantes, médicos e polícias, e todos repetiram o anterior testemunho de defesa:
não tinham visto Jim expor-se. Foi como
se um amplo corte transversal de Miami estivesse a demonstrar a sua capacidade de
audição para a mesma pequena parte
numa peça, de tal modo os depoimentos eram semelhantes.
Sempre que o juiz perguntava a Terence McWilliams se queria
interrogar, ele recusava.
Depois de vacilar durante mais de um mês, o julgamento
estava agora a abeirar-se do fim. Nem mesmo o testemunho
de Jim e dos outros Doors nos dias 16 e 17 foram particularmente memoráveis. «Não
tinha que testemunhar», disse Jim
mais tarde, «mas decidimos que podia ser bom o juiz ver como
eu era, porque tudo o que podiam fazer era olhar para mim.
Penso que não teve qualquer significado.»
O testemunho de Jim foi calmo e racional. Respondeu
a perguntas feitas por Max e Terence McWilliams com igual
cortesia e graça, seleccionando as suas palavras lenta e cuidadosamente, pausando
contemplativamente, passando a ponta
dos dedos ao longo do bigode, mostrando-se articulado, calmo,
convincente.
Por fim, Max disse, «A defesa cessa.»
O juiz Goodman concordou em manter o tribunal aberto
no sábado para ouvir os depoimentos finais e entregar o caso
ao júri. Nessa manhã, antes do julgamento, Jim leu num jornal de Miami que Jimi
Hendrix tinha morrido em Londres.
De novo se admirou em voz alta, «alguém acredita em presságios?»
Tendo sido recusados os «padrões contemporâneos» da
defesa, Max e Bob Josefsberg tiveram que atacar a acusação
pública das alegações finais. Durante mais de três horas, Max
examinou minuciosamente as provas e criticou os testemunhos
conflituosos e contraditórios. Depois, durante mais uma hora,
Bob Josefsberg pegou no texto de The Emperor's New Clothes
(«As Novas Roupas do Imperador») e criou uma parábola contemporânea, voltando-se para
a acusação no final e dizendo
numa reverência cortês, «Sr. McWilliams conduzirá agora o
comboio».
281
McWilliams fez um discurso de meia hora que pareceu
quase apologético e sentou-se sem olhar para Jim.
Às nove horas da noite de sábado, os jurados começaram
o seu debate e perto das onze e trinta tinham chegado a uma
decisão sobre três das quatro acusações Jim estava inocente,
concluíram, da primeira e quarta acusações - comportamento
lascivo (acusação de masturbação simulada / copulação oral
simulada, um delito grave), e embriaguez pública (um delito
leve) mas culpado da terceira acusação - profanação (outro
delito leve). (Quando, na tribuna, perguntaram a Jim se ele se
tinha exibido, na sua resposta confessou-se acidentalmente uma
das acusações: «Não me lembro. Estava demasiado bêbedo.»
Porém, foi ironicamente absolvido da acusação de embriaguez.) O júri disse ao juiz
Goodman que hesitava quanto à
segunda acusação: exibição pública (outro crime leve), então
este sequestrou-os num hotel de Miami e adiou o julgamento
até às dez horas da manhã de domingo, quando o júri ia
prosseguir o seu debate.
No domingo de manhã, Jim estava a ler a biografia de
Jack London por Irving Stone Sailor on Horseback («Marinheiro a Cavalo»), quando o
júri entrou e o primeiro jurado
leu o veredicto. Tinha sido considerado culpado de exibição.
A sentença foi marcada para os fins de Outubro. Devido
a Jim não poder ser extraditado da Califórnia por crimes
leves, a fiança foi levantada de 5000 dólares para 50 000 dólares para lhe dar uma
razão para voltar.
Solene ao deixar a sala do tribunal de jeans pretos, botins,
casaco bordado, que lhe tinha sido dado por um fã, Jim parou
para falar aos jornalistas. «Este julgamento e o seu resultado
não vai mudar a minha maneira de ser, porque mantenho
não ter feito nada errado.»
Os meses que se seguiram ao julgamento foram, de algum
modo, piores do que o próprio julgamento. Em Miami, Jim
parecia estar a marcar passo. Agora, dirigia-se para a desgraça com abandono.
Entrou num desesperado pânico praticamente logo que
regressou da Florida, quando soube que Janis Joplin tinha
morrido com uma overdose. Primeiro Jimi. Depois Janis.
A frase de Jim aos amigos pela cidade, era: «Estão a beber
com o número três.» E depois gritou tão cruelmente com
Pamela que ela o deixou - levantou as mãos, fez as malas
e voou para Paris para se juntar ao seu rico conde francês.
282
Os dias que se seguiram foram passados em bares e as
noites no Hotel Strip, onde Jim e Babe tinham quartos adjacentes.
«Hey, Babe, olha para isto!»
Jim estava pendurado no parapeito da varanda do seu
quarto no Hotel Hyatt House, dez andares acima de Sunset
Strip. Tinha estado a beber e a mijar coca.
«Gostava que não fizesses isso», disse Babe, «fazes-me
ficar nervoso.»
Chegou-se à varanda, olhou por cima da borda e depois
para Jim, ainda pendurado pelas mãos. «Estás a atrair uma
grande multidão», disse. Babe olhou novamente por cima
da borda e viu o director do hotel no passeio, a acenar com
os braços. Minutos mais tarde, ouviu-se um forte bater na
porta. Babe ajudou Jim a entrar para dentro e sentou-o, depois abriu a porta ao
director enfurecido e a um pequeno
grupo de agentes da polícia.
«O que é que se passa aqui? Que diabo pensam vocês...»
«Está tudo bem», disse Babe, apontando para Jim. Os
polícias entraram. Mais tarde declararam que o facto de Babe
ter aberto a porta toda foi um convite a eles entrarem, que
o facto de ter apontado para Jim foi um «gesto de boas-vindas.» Enquanto examinavam o
quarto, Babe conseguiu esconder a cocaína num cartão triangular dobrado, na cómoda,
que dizia «visite o Quarto Saber.» Mas a polícia encontrou
alguma marijuana e como era o quarto de Babe, Jim não foi
preso. Mas foi levado para as traseiras do hotel, que dava
para o parque.
Quando Salli Stevenson, um entrevistador da revista
Circus, lhe perguntou sobre o concerto de Miami, Jim cedeu
finalmente a falar sobre ele. «Penso que estava simplesmente
saturado com a imagem que tinha sido criada à minha volta,
com a qual algumas vezes conscientemente, mas a maior
parte das vezes inconscientemente, cooperei. Era demasiado
obcessiva para a suportar e então pus um fim a ela numa noite
gloriosa. Penso que o que os revoltou foi que eu disse à audiência que eram um grupo
de jucking idiotas por estarem a
assistir. De qualquer maneira, o que faziam eles lá? A mensagem básica era fazê-los
compreender que realmente não se
está ali para ouvir um grupo de músicas tocadas por alguns
bons músicos. Está-se ali para mais alguma coisa. Por que
não admiti-lo e fazer algo nesse sentido?»
Disse que considerava a entrevista como «uma forma de
arte crescentemente importante com antecedentes no confessionário, no debate e no
interrogatório». Estava preocupado
com os polícias de Los Angeles que «são idealistas e... quase
283
fanáticos ao acreditarem na justiça da sua causa. Têm uma
completa filosofia por detrás da sua tirania».
A entrevista foi reflexiva e articulada. Talvez pela primeira vez Jim insinuou em
público que poderia não viver
muito mais. «Não estou a negar que tenha passado uns
bons tempos nestes últimos três ou quatro anos. Encontrei
muitas pessoas interessantes e vi coisas num curto espaço
de tempo que provavelmente não encontraria em vinte anos
de vida. Não posso dizer que o lamento.» Mas, acrescentou,
«Se tivesse que passar por isto outra vez... penso que teria
escolhido um caminho calmo, demonstrativo de um artista
que labuta no seu próprio jardim.» O que teria acontecido
se tivesse que ir para a cadeia? Ele esperava que os outros
três «continuassem e criassem o seu próprio som instrumental
que não dependesse das letras, que de qualquer modo não são
assim tão necessárias na música.»
A 30 de Outubro, Jim viajou para Miami para se apresentar ao juiz Goodman. Antes de
proferir a sentença, o juiz
disse algumas palavras: «A insinuação de que a sua conduta
foi aceite pelos padrões da comunidade não é verdadeira.
Admitir que esta nação aceita como padrão da comunidade
e exibição indecente e a sua linguagem ofensiva, seria admitir
que uma pequena minoria que cospe obscenidades, que desconsidera a lei e a ordem, e
que manifesta um total desrespeito
pelas nossas instituições e herança tinha determinado os
padrões da comunidade para todos nós.»
Jim pensou que era um discurso bastante justo de campanha eleitoral, pensado para
fazer ganhar alguns votos ao
juiz no mês seguinte. A sentença foi o que ele tinha esperado:
a máxima. Sessenta dias de trabalhos forçados na prisão de
Dade County, por profanação, seis meses também de trabalhos
forçados por exibição, após os quais teria dois anos e quatro
meses de liberdade condicional. Foi também multado em
500 dólares.
Na primeira semana de Novembro Patrícia Kennely deu
entrada num hospital de Nova Iorque e a criança de Jim foi
abortada na vigésima semana de desenvolvimento fetal. Jim
não estava presente e não telefonou.
Passado quinze dias de proferida a sentença, Max Fink
interpôs recurso das condenações ao Tribunal Distrital dos
Estados Unidos e a Elektra lançou o seu primeiro álbum de
compilação de músicas dos Doors, um disco chamado 13,
número de músicas tiradas dos primeiros cinco álbuns dos
Doors.
284
A relação dos Doors com a Elektra era subtil. Jac Holzman não quis de maneira nenhuma
associar a sua companhia
com as condenações de Miami; deu instruções ao pessoal da
Elektra para evitar o assunto sempre que possível. As relações
mantinham-se cordiais, mas quando a Elektra pediu ao escritório dos Doors para
aprovar o lançamento do álbum de antologia, foi entendido que o pedido era uma
formalidade. Morrisson Hotel foi bem vendido, considerando as circunstâncias
em que tinha sido lançado e considerando que tinha sido feito
sem a ajuda de um single com êxito. Absolutely Live, que o
seguiu alguns meses depois, tinha custado muito dinheiro e
tinha sido pouco vendido, apenas 225 000 cópias (metade das
vendas de Morrison Hotel). A Elektra queria um produto para
os compradores de Natal, por isso o 13 recebeu a bênção
relutante dos Doors. Jim até consentiu em barbear-se para a
sessão de fotografias necessária para a produção do verso da
capa do álbum.
Jim detestava a capa do Absolutely Live. Originalmente
a capa era para ser uma fotografia granulosa e azulada da
banda em último plano no palco do teatro Aquarius, onde
a música nele incluída Celebration of the Lizard («Celebração
do Lagarto») tinha sido gravada. O Departamento de Arte dos
Discos Elektra decidiu que só a fotografia não chamava suficientemente a atenção. Uma
fotografia colorida de Jim, tirada
durante o concerto de Hollywood Bowl bem um ano antes,
foi sobreposta ao calhas por cima da existente fotografia da
capa da frente, e antes que o escritório dos Doors tivesse qualquer conhecimento, o
álbum foi enviado. Jim ficou furioso.
Também não gostou da capa da frente do 13, que mostrava um Jim Morrison mais novo, em
tamanho consideravelmente maior do que o resto da banda. A Elektra queria obviamente
o Jim Morrison bonito». Surpreendentemente, Jim
expressou apenas a sua fúria a poucos amigos íntimos. Embora
Ray, Robby e John se tivessem habituado a dirigir a atenção
para o seu cantor, isso perturbou Jim.
Na semana seguinte ao lançamento do 13, o velho amigo
de Jim da UCLA, Felix Venable, morreu de cancro no
estômago.
A agenda de Jim estava novamente a tornar-se carregada
com ensaios para o novo álbum em produção, apesar do trauma
psicológico. Devido à maior parte do material para o álbum
ter sido escrita muito tempo antes, o álbum ficou pronto mais
depressa do que se esperava. A letra sinistra de Cars Hiss by
My Window («Começa a janela a estremecer com o ribombar
do trovão. Hás-de ser morto por uma moça fugida num quarto
mergulhado em escuridão») foi tirada de um dos poucos
cadernos de apontamentos sobreviventes de Venice. A poesia
de The WASP («Texas Radio & Big Beat») foi incluída no
livro original de recordações dos Doors, distribuído em 1968,
no mesmo ano em que Jim escreveu as letras para outra
música chamada The Changeling. UAmerica foi repescada do
Zabriskie Point de Antonioni.
O novo material incluía duas músicas que demoravam
sete e oito minutos, respectivamente, ambas completa e poderosamente autobiográficas,
e ambas lírica e musicalmente
fortes. A primeira delas, L. A. Woman, era a saudação desesperante de Jim a Los
Angeles, uma cidade que ele agora via
como mórbida e alienada. «Donzela, és feliz na cidade da
luz / ou deste acaso em anjo - Cidade da Noite.» Los Angeles
foi a «cidade da noite» para Jim (tirou a frase de um romance
de John Rechy) e noutro verso, descreveu-a: «Deslizando pelo
percurso nómada / das avenidas nocturnas / entre carros de
polícias, bares topless / Nunca vi mulher- / Tão só, tão só...»
A isto, ele acrescentou um pensamento repugnante: «Motel
dinheiro crime loucura / que a nossa alegria se mude em
tristeza.» No verso seguinte dirigiu-se a ele próprio num anagrama para «Jim
Morrison»: «Mister Mojo erga-se / erga-se /
mantendo-se erguido / erga-se / erga-se...»
Riders on the Síorm não tinha truques de palavras e era
mais lenta, mais sincopada, mais melódica do que L. A. Woman. Foi também geralmente
considerada mais autobiográfica.
«Cavaleiros da tempestade / nesta casa nascemos / p'ra qui
fomos lançados / como sem osso / actor em substituição /
/ cavaleiros da tempestade.» E noutro verso, reapareceu um
tema familiar - um brado ao amor e a Pamela: «de ti depende
o Mundo / a nossa vida não tem fim / tens de amar o teu
homem.» A imagem do There's a killer on the road aparente
na música inspirada por **HW1.
Os Doors levaram estas músicas a Paul Rothchild. A sua
relação com Paul tinha vindo a deteriorar-se desde a altura
em que tinham acabado de gravar o disco Morrison Hotel,
em Janeiro. A habitual insistência de Paul na perfeição, que
obrigou a tantas dúzias de recomeços e paragens no estúdio
em álbuns anteriores e que fez com que tantos álbuns fossem
gravados ao vivo, «começou a cansar-nos», como diz John. Pior
ainda, Paul não gostou do novo material. «Era horrível», diz
ainda agora. «O material era mau, a atitude era má, a actuação era má.» Depois de o
ouvir durante três dias disse. «É isso!»,
e cancelei a sessão. Fomos jantar fora e falei com eles durante
três horas seguidas. Disse, «olhem, penso que é uma merda.
Penso que o Mundo não o quer ouvir, é a primeira vez, em toda
a minha vida, que me macei num estúdio de gravação, quero
286
ir dormir. As tensões entre vocês, rapazes, são fenomenais.»
Disse a Jim: «este é o teu disco. Este é o disco que querias,
então tens que conseguir montá-lo. Porque é que não o produzem vocês próprios? Eu vou
desistir!»
A crítica magoou, especialmente quando Paul chamou a
Riders on the Storm «música de cocktal». Os Doors admitiram
que não tinham tocado bem as músicas, que talvez não estivessem preparados para
gravar, mas não perderam a fé no
material. Depois do jantar regressaram ao estúdio com o
engenheiro, Bruce Botnick e concordaram em co-produzir o
álbum com ele.
Pamela permaneceu na Europa e Jim vagueou em busca
de uma rapariga que levasse - como Bill Siddons o descreveu- «as coisas até ao fim».
«Jim levava as coisas até ao fim», diz Bill. «Jim - especialmente o Jim bêbedo -
seguia uma linha de acção até à
sua conclusão, quer o levasse para o pântano do inferno ou
para o céu. Essa é uma das razões pela qual as pessoas o
seguiram, porque elas sentiam isso. A minha mulher Cheri
disse-lhe que, um dia, ele iria querer estar com uma mulher
que pudesse ir tão longe quanto ele, uma mulher que o pudesse
levar tão longe quanto ele podia levar qualquer outra pessoa.»
Talvez Jim tivesse pensado que tinha encontrado essa
mulher em Ingrid Thompson, parecida com a grande e rosada
Julie Newmar da Escandinávia. A 19 de Novembro, quando
o seu marido foi a Portugal em negócios, Jim mudou-se para
o Chateau Marmont, outro hotel no Sunset Boulevard, e
começaram a encontrar-se.
Ingrid abriu um pouco da porta da frente e Jim entrepôs
o pé. Estava bêbedo com a sua barba novamente crescida e
vestindo um casaco de tropa sujo, parecia um homem da
montanha entontecido. Ingrid abriu mais a porta. «Sabes que
sempre te amei», disse-lhe Jim.
Nas semanas seguintes Jim voltou a casa de Ingrid provavelmente duas a quatro noites
por semana, chegando muitas
vezes com outra rapariga, alguém que ele tinha seduzido a
levá-lo a «casa», e que acariciava no patamar antes de entrar.
Ingrid detestava isso e disse-lhe, mas Jim apenas encolheu os
ombros, dizendo que dava a Ingrid tanto quanto podia. No
fim do mês ele disse-lhe que queria ter um filho dela e atirou-lhe dramaticamente as
pílulas para o fogo da lareira.
«Realmente dávamo-nos bem», diz Ingrid. «Nenhum de
nós o esperava. Ele amava verdadeiramente a vida e eu também. A única coisa má é que
havia demasiada cocaína, que
rebentou as nossas cabeças. Ele pensou que eu era mais doida
do que ele e quis ver até onde eu ia.»
287
Jim «snifava» cocaína há um ano; primeiro lentamente,
quando ele e Michael McClure conseguiram da MGM um
avanço de 1000 dólares em «dinheiro para investigação»
enquanto escreviam o argumento; novamente com Paul Rothchild durante as gravações de
Morrison Hotel. Uma vez Jim
e um dos executivos da MGM compraram uma onça e Jim
disse, «Tu guardas a coca e dás-me apenas um bocadinho de
cada vez, diga eu o que disser, está bem?» Disse uma vez a
Patrícia Kennely, «Se tivesse uma montanha de coca no pátio,
gastava-a toda - porque sabia que ela lá estava.»
Uma noite, regressando a Ingrid, trouxe champanhe e
uma quantidade de cocaína maior do que a habitual numa
caixa de filme de 35 mm. Mantendo ambos os braços abertos
de alegria, entrou em casa e sentou-se defronte da mesa de
café. Depois de brindar à inteligência, ao bom aspecto e ao
charme europeu de Ingrid, vazou o copo num único golo.
Depois abriu a caixa do filme e lançou um monte de coca na
mesa de café em vidro. Lenta e silenciosamente alinhou duas
filas finas de duas polegadas com o seu cartão do American
Bank. Depois dobrou uma nota de cem dólares e enrolou-a
firmemente. Um a seguir ao outro, «snifaram» o pó, consumindo o valor de cerca de
cinquenta dólares por fila.
O impacto foi quase imediato. O bater dos corações acelerou-se, a temperatura dos
corpos subiu levemente, as pupilas
dilataram-se, as faces ficaram vermelhas. Minutos depois não
se calavam, impacientes, excitados. Sentiam-se mais confiantes
e maiores do que a vida. «Snifaram» outros cinquenta dólares.
A «pedra» da cocaína é curta e agradável. Se o consumidor puder comprá-la sem
limites, nunca acaba. Jim tinha
recentemente gasto enormes quantidades de coca com Steve
Stills e outros, e agora fazia o mesmo com Ingrid. Passadas
três horas, a caixa do filme estava quase vazia. Tinham-se
despido e dançavam ao luar. Atiraram-se para a cama. Ingrid
começou a falar sobre a sua terra natal, os seus estranhos
amigos que lá viviam. Disse que algumas vezes bebia sangue.
«Aldrabice!», disse Jim.
«Não. É verdade», jurou Ingrid, acenando com a cabeça
seriamente. «Bebo. Às vezes...»
«Está bem», respondeu Jim, sorrindo, «vamos beber agora
algum.» Parecia falar a sério.
Ingrid tentou divagar com uma graça. Estalando os dedos,
disse, «esqueci-me - o homem do sangue não veio hoje».
«Vamos beber algum sangue agora», repetiu Jim.
Jim lembrou-se do sangue que Patrícia tinha deitado do
288
acto que provavelmente contribuiu para o seu desmaio. Jim
tinha um medo imoderado de objectos cortantes.
«Tens algumas lâminas de barbear?», perguntou.
Ingrid sabia, pela maneira como ele perguntou, que ia
contribuir com sangue. Foi à casa de banho procurar. Momentos mais tarde, segurava
uma lâmina por um canto, mal
tocando na pele carnuda onde o seu dedo polegar se unia
à mão esquerda. De olhos fechados, deu um golpe em si, de
modo nervoso. Quando abriu os olhos não havia sangue.
Fechou-os e golpeou novamente.
Ao quinto golpe, jorrava sangue por todo o lado e Jim
berrava, agarrando numa taça de champanhe para o apanhar.
Fizeram amor e dançaram mais, manchando os corpos de
vermelho.
Na manhã seguinte, quando acordou em lençóis endurecidos de sangue, com riscas
castanhas de sangue coagulado
de Ingrid por quase todo o seu corpo, Jim teve medo. A paranóia aumentou.
Do final de Novembro até à primeira semana de Dezembro, Jim recebia visitas quase
diárias na sua casa de campo
de Chateau Marmont, de Larry Marcus e de outro argumentista, um amigo de Larry
chamado Syrus Mottel. Primeiro,
davam a «pancada secreta», à qual Jim respondia espreitando
por uma janela do segundo andar para ver quem era. Por
fim, eram admitidos no santuário de Jim, que estava decorado
com livros do chão ao tecto, muitos deles colecções de poesia.
Embora o frigorífico estivesse cheio de cerveja, não havia
comida.
As ideias do filme que discutiram tinham a ver com
identidade. Decidiram (ideia de Jim) contar a história de um
jovem montador cinematográfico em Los Angeles que, um
dia, largou o seu emprego, mulher e filhos para desaparecer
nas selvas do México, naquilo que Jim chamou «uma procura
louca do zero absoluto.» Jim e Larry apertaram as mãos e
foi esboçado um acordo com a ajuda de Max. Pelos serviços
de Jim como co-escritor, co-produtor e estrela, Larry garantiu-lhe pessoalmente 25
000 dólares.
À noite, foram algumas vezes ao Cock'n Buli, um restaurante no Strip. Uma vez, com
Frank Lisciandro, Jim começou
em paródia a troçar do argumento, e destruiu-o virtualmente,
esmagando todas as esperanças de Larry e destruindo cruelmente as suas próprias.
Outra vez, com apenas Syrus e Larry
presentes, Jim bebeu três garrafas de whisky durante uma
289
refeição e mais tarde, lançou-se para Sunset para dirigir o
tráfego com o casaco, como se os touros de Pamplona investissem com furor.
Ainda outra vez, Jim deu boleia a Larry Marcus nos
estúdios da Columbia no último de uma série de feíssimos
carros alugados que teve. Sem dizer uma palavra, guiou em
volta de Los Angeles durante meio-dia. Nem mesmo ligou a
telefonia. Larry estava sentado silenciosamente. Apanhado na
armadilha.
290
CAPÍTULO 10
II
A 6 de Dezembro Jim telefonou para o número de telefone que Jac Holzman lhe tinha
dado e falou com o engenheiro que tinha construído o estúdio
da Elektra. «Depois de amanhã é o dia dos meus anos», disse-lhe Jim, «e gostava muito
de gravar alguma poesia.» Às 8,
estavam nas Gravações Village, a dois blocos do bar onde
Jim bebia quando estava na UCLA, a feliz U. Tomou uma
bebida com Frank e Kathy, Alan Ronay e uma rapariga
sueca antes de ir para o estúdio. Quando lá chegaram, o
engenheiro ofereceu a Jim um pouco de whisky irlandês.
Jim começou a ler e a beber.
Como An American Prayer («Uma Oração Americana»)
a maior parte daquilo que Jim leu nessa noite tomou forma
de uma invocação. Durante quatro horas Jim predisse o seu
caminho através de um grosso pacote de folhas bem dactilografadas, ficando cada vez
mais bêbedo.
Exaltado pelas suas leituras, Jim concordou em tentar
actuar novamente em Dallas, sexta-feira, dia 11 de Dezembro,
e em New Orleans na noite seguinte.
Dálias foi um sucesso. Nessa noite, os Doors e Jim provaram a si próprios, e aos seus
caluniadores, que eram ainda
uma força poderosa a considerar. Esgotaram dois espectáculos
no auditório com seis mil lugares e repetiram duas vezes depois
de cada concerto. Jim estava com uma boa vitalidade, a banda
sentia-se firme e forte. Apresentaram em pré-estreia o Riders
on the Storn para uma audiência encantada. Depois de segundo
espectáculo, os quatro Doors brindaram nos bastidores ao
bem sucedido recobro das forças.
291
Não obstante, New Orleans foi uma tragédia. Se Dálias
foi o bom, Miami o feio, então New Orleans foi o fim. Nessa
noite Ray viu que a vitalidade de Jim tinha desaparecido.
«Toda a gente que lá estava o sentiu, pá. Perdeu toda a energia
a meio do concerto. Agarrou-se ao microfone e este simplesmente fugiu-lhe. Podia
verdadeiramente ver-se ele a partir.
Estava exausto.» Como que para desafiar a sua própria fraqueza, Jim pegou no suporte
do microfone e bateu com ele
repetidamente no chão, mais, mais e mais até que finalmente
ouviu-se o som da madeira a rachar. Atirou o suporte para a
audiência espantada, virou-se e estatelou-se num tambor,
sentando-se imóvel. Os Doors nunca mais apareceram em
público como um quarteto.
De volta a Los Angeles, a vida de Jim iluminou-se quando
Pamela regressou de França. Ficou encantada quando soube
que Jim tinha ficado maluco com a sua ausência, mas também
confessou aos amigos que, pelo seu lado, as coisas também
não tinham corrido muito bem. Estava contente, disse, por
ter voltado a Norton Avenue, mesmo se Jim ainda continuasse
no Chateau. Ele precisava de espaço, disse, para as suas reuniões de negócios. Pamela
sabia que Jim voltaria à sua cama
e à sua mesa em breve.
Quando Jim entrou a bambolear no escritório dos Doors
alguns dias antes do Natal, Kathy Lisciandro, a mulher de
Frank e secretária dos Doors, disse-lhe que havia uma mensagem na sua secretária.
De facto havia. «Estou na cidade», lia-se. «Telefona-me.
Patrícia.» A nota estava presa à secretária com um punhal.
Jim não via Patrícia Kennely desde Miami, não tinha
agarrado a sua mão quando ela abortou. Deixou o número do
telefone de Diane Gardiner, que tinha sido seu agente de
publicidade. Jim notou isso porque Pamela vivia no andar
superior ao de Diane e, como não tinha telefone, utilizava
o de Diane. Patrícia estava, por conseguinte, em casa de Diane.
Jim telefonou meia hora mais tarde. Os Doors tinham
decidido gravar o álbum na sala de ensaios por baixo do
escritório e Jim convidou Patrícia a aparecer enquanto acabava a música. Ela recusou,
dizendo que as sessões de gravação a maçavam... que ele fosse a casa dela. Disse que
ia,
mas não foi.
Quatro dias depois, Dia de Natal, Patrícia atendeu o telefone de Diane e era alguém a
querer falar com Pamela.
Patrícia decidiu subiu as escadas para chamar Pamela. Tinha
evitado o mais possível o encontro. Patrícia tinha conhecido
vagamente Pamela na festa do Hotel Hilton em Nova Iorque,
292
e depois de Pamela ter atendido a chamada começaram a conversar. Pamela estava já
muito drufada (*), então Patrícia,
para lhe fazer companhia, fumou erva suficiente para fazer
«subir» meia dúzia de pessoas. Beberam vinho e falaram
durante quase três horas. Não existia qualquer mau sentimento, qualquer antagonismo.
Pamela disse a Patrícia que ela
e Jim não estavam verdadeiramente casados - algo que raramente admitia, excepto a
amigos íntimos, chamando-se
Sr.a Morrison mesmo quando telefonava para o escritório dos
Doors. Patrícia falou a Pamela sobre o aborto, mas não sobre
o casamento Wiccan.
«Oh, wow», disse Pamela, «isso é maravilhoso.» Fez uma
pausa. «Mas teria sido ainda mais maravilhoso se tivesses
amado suficientemente Jim para ter o bebé.»
Patrícia vociferou, «Gosto de pensar que amei Jim,
amei-me a mim própria e amei essa criança suficientemente
para não a ter.»
Sim, mas se tivesses tido a criança, podias ter partido e
ter ido viver para o campo. Claro, Jim nunca te mandaria
dinheiro, porque essa é a maneira de ele...»
O cão de Pamela, «Sage», ladrou. Jim vinha a subir o
passeio. Patrícia ficou nervosa e Pamela ficou branca como
a morte, correndo para fora ao encontro dele com uma
torrente de palavras. «Jim, Jim, não vás lá dentro. Não vás
lá dentro. É só Diane...»
Jim ria-se ao subir as escadas para o apartamento de
Pamela. Pamela regressou a casa de Diane e dirigiu-se alterada a Patrícia: «O que é
que eu vou fazer? Jim vai-me
matar. Ele sabia que eu estava aqui a falar contigo, ele sabe
que eras tu.» Depois subiu as escadas, seguindo Jim.
Jim desceu sozinho e tratou Patrícia com encanto e graça,
mantendo cheio o seu copo de vinho, falando com sentimento,
abanando a cabeça apologeticamente quando ela disse que ele
a tinha feito sentir como uma groupie em Miami. Respondeu
que tinha sido apenas uma má altura, com o julgamento e
tudo. «Mas tu, mais que as outras pessoas, devias entender»,
disse ele. «Estavas lá.»
Na altura em que Pamela regressou, a sala estava cheia
de gente. Diane tinha chegado a casa com mais visitas. Jim
e Patrícia estavam sentados no chão, bêbedos, de pernas tortas,
jogando barulhentamente o jogo de cartas war (guerra). Jim
fez entrar Pamela e venceu ambas, vinte jogos de enfiada.
Passado um tempo, Pamela tentou levar Jim para cima.
Ele disse que não, que ficava onde estava. O desacordo de
(*) Drogada com downers, calmantes. (N. do T.)
293
desejos embaraçou toda a gente que estava na sala. Por fim,
Diane, de boa índole, deu a Pamela algum nitrato de amilo
e levou-a para cima, como se ela fosse meia-amiga, meia-adolescente a seu cargo.
Mais tarde, quando toda a gente se tinha ido deitar, Jim
perguntou a Patrícia se queria ir com ele para o Chateau.
Depois mudou de ideias, disse que estava demasiado bêbedo
para guiar, disse-lhe outra vez que a amava e sugeriu que
dormissem no chão. Patrícia encolheu os ombros. Encontraram
uma colcha a mais, enrolaram-se nela e adormeceram no meio
da sala.
Às dez da manhã, Pamela desceu as escadas e bateu à
porta de Diane. Diane saiu do quarto, abriu a porta de repente
e disse a Pamela, «Não vou negar que ele está aqui.»
Pamela entrou a passos largos e ficou a observar Jim, e
Patrícia, que ainda estavam desordenadamente nus debaixo
da colcha de Diane. Parecia uma farsa francesa - tão burlesca, tão horrível e tão
engraçada, tudo ao mesmo tempo,
que ninguém sabe se rir, chorar ou matar.
«Tenho apenas uma coisa a dizer-te», entoou Pamela,
«e vou dizê-lo em frente de todas estas pessoas: Jim, raios
te partam, arruinaste o meu Natal. Estragaste-o sempre.
Este é o quarto ano que o fazes. Não consigo suportar isto
mais!»
Jim sorria maliciosamente; Patrícia, que tinha imediatamente reconhecido o momento
como uma das alturas importantes da sua vida, mordia o lábio para não se rir e tentou
ser diplomática. «Pamela, não é o que parece, juro-te...»
Agora Diane interrompeu «Pamela, o que precisas são
algumas vitaminas e um sumo de laranja. Vem à cozinha
comigo.» Pamela seguiu-a obediente, e Jim começou a vestir
as calças.
«Meu Deus», murmurou. «Nunca ouvirei o fim disto...»
«Oh, poupa-me, Jim», disse Patrícia, mas estava a rir
com ele. «Quiseste que isto acontecesse. De quem foi a ideia
de ficar aqui?»
«Sim, sim. Tens razão - como de costume.»
Quando Pamela e Diane regressaram com algum vinho,
sentaram-se todos de pernas cruzadas e embebedaram-se outra
vez. «Não te preocupes», disse Jim por fim a Pamela, pondo
o braço em volta da sua cintura. «Fica tudo em família.»
Por fim, a lealdade e a paciência de Pamela venceram-no
e durante Janeiro e Fevereiro de 1971 Jim voltou à cama de
Courson. Parecia finalmente estar a gostar de um período de
tranquilidade caseira.
294
Nesse Inverno, estava a trabalhar simultaneamente em
quatro grandes projectos, nos quatro campos artísticos que o
interessavam: poesia, cinema, música e teatro. Em todos esses
projectos Jim não era apenas o escritor, mas também o actor.
Max Fink estava a negociar um adiantamento razoável da
Elektra para produzir um álbum de poesia. Foram retomadas
reuniões com Larry Marcus, o argumentista cinematográfico
que queria agora Jim para um filme em Itália. Também se
encontrava de novo com o seu amigo, «Phillarmonic Fred»
Myrow, para discutirem um espectáculo no qual Jim fazia o
papel de um prisioneiro de guerra do Vietname.
O projecto mais satisfatório era o novo álbum dos Doors,
que estava agora a ser gravado no escritório e na sala de
ensaios e referidos como «A Oficina dos Doors». Estavam
eles próprios a produzi-lo, com a ajuda do seu engenheiro de
longa data, Bruce Botnick.
«Finalmente», disse Jim a toda a gente, «estou a fazer
um álbum de blues.»
Era verdade. Os Doors corajosos e atrevidos estavam de
volta, com o toque brechtiano e com a vivacidade carnavalesca dos pesadelos dos
primeiros dias Whiskey da banda.
O grupo antidroga, a Fundação «Do It Now», tinha estado
a dirigir todas as suas energias para reduzir, se não eliminar,
o crescimento alarmante do abuso de metedrine (speed) na
América. Para realizar esta tarefa, tinham vindo a abordar
vários leaders da juventude, solicitando mensagens de rádio
«Speed Kills» para serviço público. Frank Zappa tinha concordado, assim como outros
rockers conhecidos. Jim tinha
ignorado os pedidos da fundação durante meses até que um
dia atendeu o telefone no escritório dos Doors e se dispôs a
aceitar uma visita naquela tarde para gravar a sua própria
censura antidroga. Os presentes ficaram surpreendidos quando
Jim anuiu.
«Bem, porque raio hei-de dizer não? O speed põe vermes
nos nossos ouvidos. Conheço essa miúda que pensa que pode
falar connosco sem utilizar a voz - não quero que os meus
fãs oiçam a minha música com o cérebro descorado e envenenado.»
Contudo, todos pressupunham que Jim nunca permitiria
que o utilizassem para influenciar o seu próximo de qualquer
maneira, em qualquer altura, por qualquer razão. Porquê
a reviravolta repentina?
«Pensei que tivesses dito que querias que os teus fãs
pensassem por eles próprios, Jim?», perguntou Denny Sullivan.
Denny ainda tratava do correio dos fãs de Jim e tinha-se
295
tornado um verdadeiro apêndice do escritório. Jim tinha antes
dado a conhecer a Denny os perigos de drogas fortes.
«Eu quero, bolas, mas eles não conseguem, pensar com
aquela merda. Esse é todo o raio do problema. Além disso,
quem te mandou zelar pelos meus negócios?» Jim estava a
brincar, mas também falava a sério. Speed era mau e ele
sabia-o.
Quando o representante do «Do It Now» chegou finalmente com o seu gravador para
produzir um spot de sessenta
segundos, Jim procurou um lugar para si e ofereceu cortesmente ao representante outro
do outro lado da sua secretária.
Parecia ansioso de agradar.
«Está bem, agora, o que queremos que digas», começou
nervoso o representante, «é "daqui fala Jim Morrison dos
Doors" e depois apenas, umm, nas suas próprias palavras,
dizer-lhes que o speed mata.»
Jim pensou durante um momento e depois cedeu.
«Está bem, esta coisa está ligada? Testar, testar... é
melhor voltarem atrás, para terem a certeza que está a funcionar. Não quero que
tenhamos todo este trabalho para
depois descobrir, só demasiado tarde, que perdemos a nossa
única oportunidade.»
O gravador foi rebobinado, posto a tocar, verificado e
novamente rebobinado para o princípio. «Pronto, Jim?»
«Pronto.» «Está bem, agora, vá.»
Jim pensou durante um instante e depois começou. «Hi,
pequenos idiotas que estão aí a ouvir rádio em vez de fazerem
os vossos trabalhos de casa, daqui fala Jim Morrison dos
Doors...»
O representante do «Do It Now» parou o gravador.
Jim piscou o olho a Denny. «O que é que estás a fazer?»
perguntou ao representante. «Não acabei!»
«Se faz favor, Jim, podemos fazer isto apenas num minuto
se fores directo. Lembra-te, isto é um spot de serviço público.»
Jim ouviu atentamente e acenou com a cabeça. «Acho
que percebi. Posso tentar de novo?»
O gravador estava novamente pronto a gravar: «Hey,
como é que estão vocês aí? Este é o vosso velho amigo Jim
Morrison, canto com um grupo chamado os Doors, devem ter
ouvido falar deles. Fizemos algumas músicas, mas nunca,
nunca fiz uma música sob o speed. Bêbedo, isso sim...»
O representante desesperado disse a Jim, «se faz favor,
tens que entender o que precisamos. Frank Zappa teve graça.
Também podes ter graça, mas tens que ser sério.»
Jim parecia perceber. «Está bem, entendi. Liga essa
coisa. Conseguiremos desta vez. Prometo.»
296
«Olá, daqui fala Jim Morrison dos Doors. Quero apenas
dizer-vos que injectar speed não é bom, então o melhor é
snifarem-no.» O gravador foi desligado e o representante
sentou-se imóvel. A sala estava silenciosa.
«Aconteceu alguma coisa? Achas que estava bem?»
O representante apenas abanou a cabeça. Jim levantou-se
e pôs uma mão no seu ombro. «Hey, pá, desculpa, vá anda
com a fita para trás. Desculpa mesmo, desta vez vou ser
directo. Verdade.»
O representante olhou para Jim. «Prometes?» Jim estava
sério. «Prometo.»
O gravador estava a rodar.
«Olá, daqui fala Jim Morrison. Não injectem speed. Meu
Deus, rapazes, fumem erva.»
O representante olhou para cima. «Penso que nos estamos
a aproximar, Jim, se puderes apenas alterar essas últimas
palavras.»
«Sei exactamente o que queres dizer», assegurou-lhe Jim.
«Mais uma vez, enrola.»
Desta vez Jim fez a sua introdução formal, avisou que
injectar speed «não é assim muito inteligente, injectar speed
mata gansos, se injectares muito speed num ganso, esse ganso
vai nadar em círculos para sempre».
O homem do «Do It Now» tinha perdido toda a paciência
e estava quase a chorar. Jim suplicava-lhe, «vá, homem, desculpa, estava só a
divertir-me, sabes, desta vez vamos fazer
bem, prometo».
«Não sei, Jim» - o representante abanava a cabeça «não posso passar o dia todo aqui.»
«Uma última vez», insistiu Jim.
«Está bem, mas se não acertares desta vez, acabou-se.»
«Desculpa. Este será um take - sabes o que é um take?»
Jim colocou cuidadosamente o microfone de mão defronte da boca. Fez uma pausa e
depois começou. «Olá, daqui
fala Jim Morrison dos Doors e tenho apenas uma coisa para
dizer.» Jim sorriu para o representante, que sorriu em resposta com esperanças. «Não
injectem speed. Speed, mata.
Façam o favor de não injectar speed, experimentem downers,
sim, downers, barbs, tranks, reds (variedades de downers), são
muito menos caros e...»
O gravador continuava a correr mas o representante
tinha chegado ao seu limite. Levantou-se, vestiu o casaco e
agarrando no gravador, saiu do escritório. A sala rompeu
numa risada. Jim tinha discursado de tal maneira que era
impossível descrever.
297
«O que é que se passa com ele?», perguntou Jim. «Ouvi
o Alice Cooper dizer que se apanhasse alguém a injectar speed,
ia a sua casa e enforcava os cachorrinhos. Eu não disse nada
como aquilo.»
A fundação «Do It Now» nunca teve o spot antidroga
de Jim Morrison.
Jim não se reunia com a imprensa local há bastante tempo.
Tinha passado ainda mais tempo desde que ele lhes tinha
concedido um exclusivo.
Jim gostava da L. A. Free Press pelas suas posições anti-establishment, e porque
sentia que «fazia parte da vida de
toda a gente», deu ao crítico de música do jornal, Bob
Chorush, tempo suficiente para conseguir uma boa entrevista
e, uma vez mais, manifestou o seu lado atencioso. Quando
lhe perguntaram acerca das desordens nos primeiros concertos
dos Doors, Jim disse que os concertos de rock eram uma
forma de «fervilhação humana para comunicar uma inquietação devido à sobrepopulação»,
muito parecida com a fervilhação dos insectos e algumas espécies de animais. «Ainda
não tenho a certeza», disse severamente, «mas penso que é
qualquer coisa assim.» Algumas das suas respostas foram
aforísticas: «Penso que na arte e especialmente no cinema,
as pessoas tentam confirmar a sua própria existência» e no que
respeita Charles Manson, o julgamento foi «o modo da
sociedade assimilar o horrível acontecimento.»
O assunto do álcool surgiu casualmente quando Jim disse
que tinha perdido muita música boa nos dois anos que se
seguiram a ele e Babe terem sido expulsos do Troubadour.
O entrevistador fez uma pergunta. Jim fez uma pausa. Ergueu
a cabeça para contornar o bigode abundante com a ponta dos
dedos. «Eu, uh, passei por um período em que bebia muito»,
disse por fim. «Tinha muitas pressões sobre mim que não
podia aguentar.»
Jim fez nova pausa. «Penso também que beber é uma
maneira de aguentar a vida num ambiente superpovoado e é
também um produto do aborrecimento. Conheço pessoas que
bebem porque estão aborrecidas. Mas eu gosto de beber. Por
vezes liberta as pessoas e estimula as conversas. E, uh, é,
não sei, é de algum modo como jogar. Sabes? Sais para uma
noite de copos e não sabes onde vais parar no dia seguinte.
Pode correr bem e pode ser um desastre. É como jogar aos
dados. Toda a gente fuma erva. Penso que vocês já não consideram isso como uma droga.
Mas há três anos houve aquela
onda de alucinogénios. Penso que ninguém tem verdadeiramente forças para manter
aquelas viagens para sempre.
298
Depois entra-se nos narcóticos, sendo o álcool um deles. Em
vez de tentar pensar mais, tentas matar o pensamento - com
o álcool e, uh, a heroína e os downers. Estes são os que matam
a dor. Penso que foi nisso que as pessoas entraram.»
Jim falava como um espectador da sociedade americana
nos princípios dos anos setenta, mas também deve ter falado
por ele e por Pamela. Até esta altura, ela tinha mantido
segredo do uso ocasional de heroína, mas sabia que ele a
qualificava como uma downer freak, assim como ele satisfazia
quase todos os critérios para o alcoolismo. Embora dissesse
à Free Press que os seus dias de fortes bebidas tinham acabado,
as pessoas que o rodeavam estavam espantadas pelas quantidades de álcool que
consumia.
Jim acabou a censura sobre a bebida ainda mais de
improviso do que tinha começado. «Gosto de álcool», disse,
«porque é tradicional, e também porque detesto pedinchar.
Sabes? Detesto o género de conotações sexuais fracas de pedir
às pessoas, então nunca faço isso. Esta é a razão por que gosto
de álcool. Podes ir a qualquer loja na esquina e está logo do
outro lado da mesa.»
Certamente, como todos os seus projectos a correrem
tão bem, Jim já não bebia para fugir ao aborrecimento.
Como na sua juventude, bebia pela bebida. Bebia para ficar
bêbedo.
Uma vez, entrou na loja de Pamela a cantar Back Door
Man no máximo da voz, acompanhado por dois parceiros de
bebida de recente aquisição; olhou para Denny, que estava
a ajudar Judy, irmã de Pamela, na loja.
«Algumas roupas para estes senhores», pronunciou inarticuladamente. Virou-se para
eles. «O que é que gostariam?
Temos algum material excelente e alguns artigos bonitos
desenhados pela nossa própria fábrica de pigmeus na Suíça.
As suas mãos ágeis e os seus olhos de precisão, podem ter
a certeza, oferecem a mais linda produção.»
De repente, caiu numa cadeira, a cabeça caída no peito.
A voz transformou-se num roncar.
Quando Jim acordou, os seus amigos tinham ido embora
e a irmã mais velha de Denny estava lá. Denny apresentou-a.
«Esta é a tua irmã?», perguntou Jim. «Nunca me tinhas dito
que tinhas uma irmã assim. Whooooppppeeee! Olha para
aquelas maminhas!»
Naquele momento, uma matrona bem proporcionada,
cinquentona, entrou na loja. Supondo que as observações de
Jim lhe eram dirigidas, atirou-lhe a sua carteira, perseguindo-o
299
em volta do balcão das jóias e só partindo depois de lhe
ter dado duas ou três pancadas.
«Meu Deus», suspirou Jim depois do incidente.
«Não tinha tido um exercício como este desde que meu
pai me perseguiu à volta da cozinha com um bastão de
baseball.»
Noutra altura, Jim entrou na loja, bateu numa prateleira
de camisas, derrubou-a e caiu sobre as camisas. Pamela estava
lá e desta vez explodiu, «Oh, meu Deus! Ele está bêbedo. Raios
te partam, Jim Morrison és um filho da mãe!»
«Bêbedo?» disse Jim, levantando-se lentamente, sorrindo
de modo inocente. «Eu não, senhora. Escorreguei. Foi um
acidente.» Depois Babe entrou e levou-o para o Palms para
uma bebida.
Nessa noite, no Chateau Marmont, Jim fez um número
de Tarzan. Subiu ao telhado e tentou balançar-se para a
janela do seu quarto afastada do algeroz. «A única razão por
que não se matou», diz Babe, «foi que ele saltou do telhado,
preso à divisória nas traseiras da sua casa. Foi fantástico, pá.»
Jim não tinha atenção àquilo que bebia: um dia gin, no
outro whisky e golos de cerveja, «Black Russions», no terceiro tequilla pura, no
quarto «Singapora Slings» ou outra
bebida tropical com fruta quando tinha fome. Só o fim era
invariável: embriaguez total.
A sua saúde não estava boa. Tendo começado por «cravar»
ocasionalmente cigarros durante os seus concertos, Jim tinha
atingido os três maços de «Malboro» por dia. Tinha uma tosse
irritante. Uma vez, disse a Robby, tinha cuspido sangue.
A sua voz tinha ainda muito da sua sexualidade cortante,
áspera e ressonante, mas estava irreparavelmente danificada.
Quando Jac Holzman ouviu os primeiros trabalhos de gravação para L. A. Woman, pensou:
«Estou a ouvir o último
álbum de Jim como vocalista.»
E estava mole, pesando 80 quilos - mais do que tinha
quando as primeiras fotografias de publicidade tinham realçado o seu tronco magro.
Comia pouco, consumindo a maior
parte das suas calorias no álcool. Tinha o corpo inchado de
um bêbedo.
Michael McClure tinha deixado de beber em Dezembro
e escreveu a Jim, sugerindo-lhe que tentasse também. Jim
nunca respondeu. Quando se encontrou com Michael e o seu
agente, Sylvia Romano, para almoçarem, Sylvia iniciou um
jogo.
«Acho», disse, «que todos concordamos que não obstante
a idade cronológica, no interior, bem no fundo, sentimos uma
300
certa idade, e acreditamos que é assim que as pessoas nos
deviam ver.»
Michael disse que nunca tinha passado dos onze anos.
Sylvia disse que se tinha sempre considerado secretamente
com dezanove.
Jim, que tinha feito vinte e sete anos algumas semanas
antes, disse melancolicamente que se sentia com quarenta
e sete.
Na primeira semana de Janeiro de 1971, Jim sentou-se
à sua secretária a ler o Rolling Stone. Estava surpreendido de
aí ver que um dos críticos de primeira linha da revista gostava
do último álbum dos Doors, 13.
Lá em baixo, os outros Doors estavam a gravar. Estavam lá Jerry Scheff, o baixo de
Elvis Presley e Marc Benno,
em guitarra rítmica. Jim estava a passar o tempo, esperando
que alguém dissesse que estava tudo pronto para ele cantar.
Para esta gravação, ia utilizar como cabine vocal a pequenina casa de banho. Jim
cantava «ao vivo» com os outros
na maioria das músicas. As coisas decorriam sossegadamente.
Em dez dias de gravação tinham tudo no gravador, e apenas
com duas das nove músicas (a décima era L'America, gravada
para a Zabriskie Point, meses antes) a voz de Jim tinha sido
regravada.
O material era bom e variado, dando a todos os membros
da banda igual oportunidade para se exibirem. Jim chegou
a cantar uma das músicas blues de John Lee Hooker, uma que
tinha feito parte do primeiro reportório dos Doors, Crawling
King Snake. Noutra, um blue original, Cars Hiss by My
Window, Robby intercalou uma linha de guitarra característica do estilo de Jimmy
Reed, enquanto Jim adoptou uma
voz de negros blues e, no final da música, ofereceu uma
ideia vocal, melhor que o habitual, de uma guitarra blues.
O sentido de humor torcido de Ray surgiu a meio de Hyacinth
House. Depois de Jim ter cantado um verso absurdo, «I see
the bathroom is clear» (vejo que a casa de banho está vazia),
Ray mudava para a melodia de Chopin conhecida como Til
the End of Time. Riders on the Storn era completa e sincopada, melancólica e
prometedora. Love Her Madly, a música
de Robby que seria lançada por ele com o primeiro álbum
desde há, exactamente, um ano, era vivo e carnavalesco,
reminiscente de uns Doors mais primitivos, mais intimidados,
mais espontâneos, mas também extremamente comerciais.
As letras de Jim atingiram, mais uma vez, pontos sublimes, nomeadamente nas músicas
mais compridas, L. A. Woman, Diders on the Storne e a longa germinação The Wasp:
301
The Negroes in the forest
brightly feathered;
& they are saying:
«Forget the Night.
Live w/us in forest
of azure. Out here
on the perimeter there
are no stars; out
here we is stoned immaculate.»
Os negros, na selva, todos emplumados, clamam / «Esqueçam a
noite! Vivam connosco na floresta azul, / aqui, dentro do círculo,
não chegam estrelas. / Aqui é-se pedra sem mácula» /
Depois, na mesma música: «I’ll tell you this, no eternal
reward will forgive us now for wasting the dawn (Digo-vos
que não há eterna recompensa que nos absolva de termos dado
cabo de tudo).
Cada uma destas três músicas dava indícios do desejo
crescente de Jim de fugir. Jim afirmava que o «Mr. Mojo
Risin» em L. A. Woman não era simplesmente um anagrama
para o seu nome, mas o nome que tinha utilizado quando
contactou com o escritório depois de ter «partido para África.»
Ninguém o levou a sério.
«Been Down So Long» tirou o seu título e refrão, «been
down so goddam long / That it looks like up to me» (Sim,
meu Deus, eu já desci tanto / que agora me sinto em cima)
do livro de Richard Farina, quase com o mesmo título, e incluía algum chauvinismo
masculino espalhafatoso:
I said, Baby, baby, baby
Wan't you get down on your Knees
C’man litlle darlin
C’man, and give your love to me
Põe-te de joelhos meu amor, meu amor / Vá, queridinho, vem cá
e dá-me o teu amor /
Esta mesma supremacia masculina aparece na música
de John Lee Hooker:
Cman, crawl
Cman, crawl
Get on out there on your hands and Knees, baby
Crawl ali over me
Vá, rasteja / vá, rasteja / sai daí de mãos e joelhos, querida / rasteja
sobre mim /
302
Num período em que a libertação da mulher estava a
chamar atenção, tal mensagem não passaria despercebida.
Devido à insistência de Denny, Jim escreveu uma descrição do álbum com os seus
rabiscos grandes e infantis, a
Dave Marsh, na Crêem, depois deslizou para uma avaliação
autobiográfica. Descreveu o álbum como a sua visão de L.A.
como um microcosmo da América. Contou a Dave que tinha
ido originalmente para Los Angeles para fazer cinema e tinha
acabado a fazer música. Continuou a descrever muitos dos
seus projectos a realizar, incluindo uma longa dissertação
sobre os julgamentos de Miami. Acabou a sua carta com:
Não estou doido.
Estou interessado na liberdade.
Boa Sorte,
Jim Morrison
! A solitária e pesada figura de casaco e jeans amarrotados, cabeça caída e cabelos
na cara, movia-se lentamente
ao longo das ruas de Hollywood. Dia após dia, Jim passeava,
olhando para o país das maravilhas em estuque como se fosse
a última vez, regressando por fim ao apartamento na Norton
Avenue. Tinha passado a maior parte das noites e muitos
dias de Janeiro e a primeira metade de Fevereiro «em casa»
com Pamela - Jim lia, Pamela desenhava roupas para Themis.
Por vezes Jim deitava-se no chão com o cão e sussurrava.
«Mmmmmmmm-ah, hummmmmm.»
A resposta de Sage vinha em perfeita harmonia:
«Mmmmmmmm.»
Jim fazia isto novamente e desta vez Sage subia uma
nota.
Pamela juntava-se e Jim queixava-se que ela estava a
estragar. Às vezes iam ao andar de baixo falar com Diane
Gardiner sobre a ida para a França. Tinham decidido. Iam
verdadeiramente fazê-lo -viver em Paris como exilados durante seis meses ou mais.
Pamela estava encantada. Até mesmo Jim parecia aliviado.
A partida de Jim de Los Angeles era inevitável, e também
talvez o fosse a sua ida para Paris. O último álbum dos Doors
estava quase completo e ele não lhes devia mais nada, ou
à Elektra. Não estava triste, mas necessitava desesperadamente de mudar de direcção,
e tinha chegado a acreditar que
quanto mais tempo ficasse na Califórnia, mais as pessoas e os
lugares com que se tinha reconfortado por muito tempo, permaneceriam uma força
dominante na sua vida. Jim não tinha
verdadeiros inimigos -tinha que fugir dos seus amigos.
303
Paris era uma escolha natural. Alan Ronay falava constantemente da cidade, visitava-a
todos os anos, Fred Myrow
tinha lá vivido e também ele encheu Jim com contos românticos. A contínua predilecção
de Jim por Rimbaud, Céline e
Baudelaire era também um factor. Paris era também uma
escolha tradicional para os escritores e amantes americanos.
«Ele sentiu uma coisa por Paris verdadeiramente incrível»,
diz o escritor Salli Steversan que o viu antes de partir. «Pensou
que era um lugar onde podia ser ele próprio e não ter pessoas
a persegui-lo e a fazer da sua vida um circo, pondo-o onde
ele não estava.»
Nenhum dos seus projectos presentes o manteve. Hwy
tanto encontrava um distribuidor como não, e a sua presença
em Los Angeles era irrelevante; Frank podia tratar disso.
Decidiu que a capa para a edição em brochura do seu livro
de poesia podia ser enviada por correio. Larry Marcus pareceu quase aliviado quando
Jim lhe sugeriu uma dispensa
temporária de seis meses; tinha sido feita a Marcus uma
encomenda: escrever uma peça para Arthur Penn. O álbum
de poesia podia esperar, ou podia ser acabado pelos outros
Doors na sua ausência, como tinham acabado outros álbuns
sem ele.
Em Paris, Jim tencionava agarrar-se a um esquema mais
produtivo de composição, e com isto em mente, telefonou aos
seus agentes literários para ver se eles conheciam alguém
que estaria interessado numa autobiografia impressionista. Foi
incitado a escrever alguma coisa, pelo menos em forma de
carta, para mostrar aos editores.
Jim disse a Pamela que devia partir para Paris o mais
cedo possível, para procurar um apartamento.
«Vá, Jim. Não podes ir para Paris parecendo o velho
Homem da Montanha.»
Diane Gardiner apontava para a barba cerrada de Jim.
Ela, Pamela e Jim estavam a beber vinho no apartamento de
Diane. Pamela concordou que Jim ficaria melhor sem tanto
cabelo.
«Não», disse Jim. «Eu, uh, não quero fazer isso. Sinto-me melhor assim.» Sentou-se
afundado na sua cadeira.
«Bem», disse Diane, «Pamela não pensa assim, e se não
podes confiar na opinião de Pamela, em que quem é que podes!»
«Então, Jim levantou-se da minha mesa de jantar», diz
hoje Diane, «cortou a barba e o bigode e ficou formidável.»
Nos últimos dias antes de Pamela partir, visitaram o local
de nascimento dela em Weed, guiando oitocentas milhas para
Norte no Mercedes com Sage, depois foram ver os pais de
Pamela em Orange, onde deixaram Sage. A 14 de Fevereiro,
304
Jim levou Pamela ao aeroporto. No dia seguinte, numa Paris
fria e chuvosa, ela instalou-se no Hotel George V, aquele
que Jim lhe tinha dito que parecia uma casa de prostitutas
com pelúcia encarnada.
«Podes aparecer agora», disse Diane ao telefone. «Ela
foi-se embora.»
Diane estava a falar com Patrícia Kennely, que tinha
chegado a Los Angeles duas semanas antes e tinha visto Jim
vagamente. Estava agora a dormir em casa de uma amiga.
Diane disse-lhe que Jim só tinha estado à espera que Pamela
se fosse embora para lhe telefonar - porque é que ela não
aparecia e não lhe fazia uma surpresa? «Bem», disse Diane
depois de Patrícia chegar e de ter trazido uma garrafa de
vinho, «a nossa querida amiga Grace Slick diz que temos que
ter mais do que uma personalidade. Pensa simplesmente em
Jim como uma espécie de Justine (*) masculino.»
Momentos mais tarde, Jim chegou e subiu ao apartamento de Pamela. Toda a mobília
estava encaixotada, excepto
um colchão, uma estante de livros cheia, a televisão, uma pequena mesa de vidro e a
grande cadeira de púrpura onde Jim
lia. Patrícia esperou apenas alguns minutos antes de bater à
porta. Quando Jim abriu ela disse, «tenho esta garrafa de
vinho que não consigo abrir, e queria saber se tu» - Ele envolveu-a nos braços e ela
ficou uma semana.
Patrícia recorda o último dia. «Foi o verdadeiro inferno.
Começava às quatro nalgum bar de colegiais "Top e bottomless" onde tomávamos tantas
tequillas com golos de cerveja
que o empregado do bar cobrava duas em cada três bebidas.
A última vez que me lembro, tinha tomado catorze. Depois
fomos à sessão de gravação de Jim com uma amiga com quem
ele tinha estado, e que se "fez" a Jim. Fiquei furiosa, e disse-lhe "Não me interessa
o que fazes depois de eu ir para casa
mas pelo menos tem a dignidade de esperar até lá."»
Jim era poligâmico completo, a amiga era verdadeiramente atraente, e ele era fácil de
seduzir. Estavam nos Estúdios Poppy, onde se montava o álbum dos Doors, e a amiga
foi à casa de banho. Cinco minutos depois Jim saiu. E cinco
minutos depois disso Patrícia encontrou-os abraçados lá fora,
no relvado.
«Levantem-se!», vociferou Patrícia, de pé, acima deles.
Jim olhou para ela calmamente, a sorrir.
«Vá! Para cima! Ambos! Para cima!»
(*) Referência ao livro homónimo de Lawrence Durrell. (N. do T.)
305
A amiga esticou-se e puxou Patrícia para baixo. Durante
um momento, três corpos fundiram-se para absorver a carne
e os ossos uns dos outros. Patrícia recuperou a sua compostura
e disse firmemente, «Deixa-me falar com Jim a sós.»
A amiga partiu e Jim disse, «Ouve querida, sabes que
estou demasiado bêbedo para foder esta noite, deixa-me só'
dormir com ela.»
«Olha», disse Patrícia, «é a minha última noite em Los
Angeles, vou para casa amanhã e provavelmente nunca mais
te verei.»
Jim irritou-se com a sua possessividade. «Bem, não vou
passar outra noite contigo.»
«Óptimo. Mas é melhor não a passares com ela.»
De volta ao apartamento, Jim começou uma revista às
gavetas do armário e da cozinha. As raparigas perguntaram
a razão.
«Oh», disse Jim. «Estou à procura de facas e tesouras
para me castrar. Uma de vocês fica com a minha pixa, a outra
com o meu corpo.»
«Quem fica com a tua alma, Jim?»
«Oh, vou eu ficar com ela, se não se importam.»
As raparigas viram Jim juntar todas as coisas cortantes
e depois colocá-las debaixo do sofá da sala. Deitou-se e
adormeceu.
«Parecia cera, rígido - horrível», recorda Patrícia. «Já
parecia morto, assim deitado, com o sofá a enquadrá-lo como
um caixão. Pensei que nunca mais o via vivo outra vez.»
No dia seguinte Patrícia regressou a Nova Iorque e Tom
Baker chegou depois de ter passado oito meses em Londres.
Tinha-se passado pelo menos esse tempo desde que Jim e Tom
se tinham visto pela última vez. Agora, caíram nos braços
um do outro como irmãos, e no fim do dia Jim e Tom estavam
tão bêbedos e odiosos que foram postos na rua de um dos
clubes de Santa Mónica Boulevard.
Com Pamela em Paris, Jim desempenhava o papel de
solteirão despreocupado. Tinha regressado à prostituta a quem
chamava «L. A. Woman» para fazer as suas muitas despedidas. Começou a vadiar pelo
novo clube de Marshall Brevitz,
no Palms e no Phone Booth, normalmente com Tom, Babe
e Frank.
O andamento acelerou, quando Jim viu uma das antigas
namoradas por causa de um aborto (ele tinha-lhe pedido que
tivesse o bebé e ela tinha recusado): passou quatro noites com
quatro diferentes, e ligou para todos os outros números de
306
telefone que conseguiu encontrar quando limpava a sua secretária no escritório dos
Doors.
A 3 de Março, a Elektra deu uma festa para celebrar a
abertura do seu escritório ampliado de Los Angeles, e depois
de ter feito uma aparição simbólica («Paguei pelo lugar, posso
também ver qual é o aspecto»), Jim foi a casa de Fred Myrow
onde beberam e falaram, voltando sempre à baila o espectáculo.
«O que queríamos cristalizar ou capturar», lembra Fred,
«era aquele momento de transição quando todos nos sentíamos
tão fortes em Los Angeles, nos fins dos anos sessenta e princípios dos setenta. Como
diria Huxley: "Entre as flores silvestres e as garagens, algo espreitava." Era um
ambiente estranho,
Los Angeles - seja o que for que aquela merda signifique ambiente que queríamos
explorar no espectáculo. O local, Los
Angeles, na cabeça de um Pow (1), que era suficientemente
remota pela distância, e suficientemente familiar pelos antecedentes, para competir
tanto com o evidente como com o
dissimulado, o óbvio e o menos óbvio desta cidade que não é
uma cidade. Essa era a base do espectáculo: Como é que vês
algo que conheces muito bem quando a vês novamente, voltando depois de muito tempo,
como se viesses da morte.»
Rabiscaram um esboço para o espectáculo que encheu
quatro páginas. Jim continuava a dizer que tinha que ir para
Paris. «Bem, olha», disse Jim por fim, quando Fred começou
novamente a pressionar Jim para ficar, «amanhã tanto vou
para Paris como para Catalina.» O
Jim e Babe já tinham saído uma vez nessa semana no
barco dos Doors, um dia de viagem ao largo da costa para
Paios Verdes. A 4 de Março, foram para Catalina (2) com duas
raparigas. «Uma viagem muito agitada», escreveu Babe no seu
diário. «Cocaína e bebida. A manhã seguinte muito bonita
e limpa e o nosso quarto de hotel que contemplava a Baía
de Avalon. Fomos ao «Big Mike» e tomámos um extraordinário pequeno-almoço de ovos
mexidos, linguiça, presunto,
sardinhas, azeitonas, batatas, chili, torradas e cerveja! Cerveja!
Jim ficou perto de Babe nos dias que se seguiram, interrompendo uma briga que começou
na sala de pool, indo ao
combate de Muhammed Ali-Joe Frazier, passeando na praia
de Venice. Na praia, foram ao pontão de Santa Mónica para
almoçar e, Babe escreveu, «fizeram palhaçadas na arcada
durante um tempo e depois regressaram à cidade».
Jim partiu para Paris no dia seguinte.
(1) Pow, tribo índia californiana. (N. do T.)
(2) Catalina, pequena ilha ao largo de Los Angeles. (N. do T.)
307
CAPÍTULO 12
Pela maneira como Pamela
contou a história mais tarde, o breve exílio em Paris foi idílico.
As pressões que tinham levado à decadência tinham desaparecido. Jim quase parou de
beber. Estava a escrever grandes
quantidades de poesia nova e excitante, um livro sobre o julgamento de Miami (ou uma
autobiografia - a história variou)
e assistiram a uma ópera e a uma sinfonia. Jim e Pamela pareciam casados de fresco,
compatíveis como nunca até então.
Essa era a ilusão de Pamela.
Houve uma história em particular que ela gostou de
contar sobre uma viagem que tinham feito a Marrocos.
«Acordei uma manhã e vi aquele homem bonito na piscina
do hotel, a falar com duas jovens americanas. Senti-me imediatamente apaixonada por
ele. Depois realizei que era Jim.
Não o tinha reconhecido. Tinha-se levantado mais cedo,
feito a barba e estava tão esguio por ter perdido peso que
parecia um homem novo. Era tão bom ficar apaixonada de
novo pelo homem que realmente amava.
Em «casa», em Paris, algumas vezes no George V, mais
frequentemente num apartamento num terceiro andar na
margem direita, tudo era calmo, de princípio. A maior parte
do tempo era passado no grande e ensolarado apartamento no
Marais, uma zona residencial antiga e famosa perto da Praça
da Bastilha. Tinham-no subalugado, a três mil francos por mês.
Uma jovem modelo francesa, Elisabeth (Zozo) Larivière
e o seu antigo namorado, um produtor de cinema americano,
tinham a casa mas planeavam partir em breve - ele regressava
à América onde tinha família, ela para o Sul de França para
fazer um filme - por isso, ofereceram a Pamela um dos quartos livres, dizendo-lhe que
quando partissem, ela e Jim podiam
ficar com a casa durante, pelo menos, dois meses.
309
Durante duas semanas, até 10 de Abril, Zozo permaneceu no apartamento, vendo este
casal estranho adaptar-se
a Paris e readaptar-se um ao outro. Para Zozo, parecia
uma relação excêntrica. Sempre que falava com Pamela,
Pamela só falava de Jim e quão maravilhoso ele era, «tudo
era Jeem, Jeem, Jeem». Mas depois, quando Pamela ficava
fora toda a noite com alguns dos amigos franceses que tinha
conhecido através do conde rico, de manhã, ao telefone, implorava a Zozo que dissesse
uma mentira por ela. «Oh, por
favor, diz a Jeem que estive toda a noite em casa da tua amiga
e que vou voltar ao meio-dia», costuma ter sempre que dizer
isso a Jeem.
Jim fazia silenciosamente o pequeno-almoço para ele e
Zozo, servia-o na cama dela, sentava-se e falava à medida
que iam comendo. Algumas manhãs ia então para o mais
pequeno dos três quartos do apartamento, onde tinha posto
a secretária de Zozo, sentava-se e escrevia - ou remexia numa
das caixas de papelão cheias de papéis e cadernos de apontamentos, fitas gravadas,
recortes de jornais, fotografias, correio de fãs e manuscritos que tinha trazido com
ele, procurando
através das lembranças e registos do passado, tentando determinar exactamente qual a
importância de tudo. Ao fim do
dia, quando a luz que vinha através da janela do pátio mudava,
deslocava-se por vezes para a mesa de casa de jantar com os
seus cadernos de apontamentos. Noutras manhãs, dava longos
e solitários passeios.
Passeava nas ruas de Paris durante horas, primeiro num
bairro vizinho, depois noutro, como tinha feito em Hollywood.
Dirigindo-se para Norte na sua rua, a Rua Beautreillis estreita
e sem árvores, um quarteirão de edifícios de apartamentos,
um agente de jornais, uma livraria, três pequenos restaurantes,
um clube de judo, uma barbearia; depois, para Oeste ao longo
da Rua St. Antoine, passava os mercados de carne ao ar livre
com coelhos pendurados, colinas de cerejas vermelhas, tabuleiros a transbordar de
peixe e camarão, couve-flores tão
grandes como bolas de basket, procurando lentamente o seu
caminho para um dos milhares de lugares atraentes e famosos
da cidade. Jim gostava especialmente do Louvre, herança do
seu interesse, quando jovem, pela arte.
Muitas outras manhãs dirigia-se para Sul da Rua Beautreillis, apenas a cinco
quarteirões da Ilha de St. Louis, e que
se tornou um dos locais vizinhos favoritos em toda a cidade
de Paris. Foi aqui, no Quais d'Anjou, que ele visitou o Hotel
de Lauzun, em tempos o local de reunião de Baudelaire e
Gautier, o adorado Clube Hashish.
310
«Isto aqui é tão bonito», dizia a Zozo ou a Pamela quando
voltava para casa. «Eles deitaram fora a gravura depois de
terem feito esta cidade.»
Mas contrariamente à ilusão de Pamela, Jim ainda bebia- e muito. Foi com grande
prazer que ele descobriu os
dois tipos de bares mais tradicionais de França: o bistrot de
vinho e o café de passeio. Havia ainda a sensação Hollywood-Hemingway-Fitzgerald em
Paris, uma estranha familiaridade.
Uma paragem no bistrot ou no café não era apenas natural,
era de rigueur; era blasfematório não brindar em louvor.
Jim continuava a evitar a blasfémia, num dia da primeira
semana de Abril, no «Astroquet», um pequeno clube no Boulevard St. Germain, cujo nome
provinha da palavra francesa
Troquei (café) e da referência americana ao espaço exterior
Astro; o interior tinha sido decorado como uma caricatura
de Buck Rogers.
Jim tinha estado a beber sozinho quando a sua atenção
foi atraída por alguns jovens que entraram trazendo caixas de
guitarras. Passado algum tempo, aproximou-se da mesa. «Vocês
são americanos?»
«Com certeza. E tu és donde?» Ninguém o reconheceu.
«Califórnia.»
«Eu também. Onde é que frequentaste a escola?»
«Uh... UCLA.»
«Wow, eu também! Quando é que lá estiveste?»
Jim pensou durante um momento, disse 1964 e 1965. De
novo, o jovem americano disse, «Wow, eu também. Em que
escola estiveste?»
«Uh, de cinema.»
Jim pagou-lhe bebidas, whisky puro com um golo de vinte perguntas, ou quê? «Uh...
uh... cantas? Com um grupo?»
Jim admitiu que sim.
«Oh, wow, meu Deus, estou embaraçado, não pensei...»
Jim pagou-lhes bebidas, whisky puro com um golo de
cerveja, a mesma coisa que ele estava a beber. O jovem
apresentou-se: «Phil Trainer. Estes tipos são meus amigos
e temos uma banda chamada «Clinic», somos todos americanos, o meu pai trabalha aqui
na Embaixada Americana.»
Durante as horas que deslizaram até ao amanhecer as
guitarras surgiram e Jim cantou Crawling King Snake. Disse
aos seus novos amigos que tinha cantado essa música no novo
álbum que seria lançado essa semana na América. Fumava
constantemente e a sua voz estava grosseira e dissonante.
Entre as músicas falavam sobre música e sobre as estrelas.
Jim disse-lhes que tinha tirado tudo o que era possível tirar
dessas coisas. Ficaram espantados quando afirmou que tinha
311
tomado ácido duzentas e cinquenta vezes. Impressionou-os
novamente quando lhes contou a noite em que tinha destruído
o estúdio de gravação. Disse que gostava verdadeiramente
dos outros Doors e que pensava que Robby Krieger nunca
teve o crédito que lhe era devido.
Ao amanhecer, todos tinham partido menos Jim e Phil.
Jim fumava cigarros incessantemente e aspirava tão profundamente que tinha forçado
uma tosse brônquica. Phil era
também cantor e diz, «Pensei que Jim estava a destruir a sua
caixa toráxica e a garganta. Fazia inalações enormes no cigarro, realmente, oh, pá,
se tenho alguma imagem dele dessa
altura, ele chupava o cigarro e depois tossia, tossia, tossia!
Estavam ambos terrivelmente bêbedos, e quando cambalearam para fora do clube e para a
manhã que estava a começar, Jim abriu o fecho éclair das calças e fez um chichi.
«Depois, fechou as calças e sugeriu que arranjassem um táxi para
irem procurar Pamela».
Quando descobriram que Pamela não tinha regressado
ao apartamento do Marais, Jim sabia onde ir - ao Quartier
Latin, casa de uma mulher fotógrafa. Entrou (ele sabia onde
estava a chave), e depois de ter verificado que Pamela estava
a dormir com a fotógrafa, assaltou o abastecimento de bebidas. Primeiro vodka. Depois
rum. Por fim, o que quer que
encontrasse, directamente da garrafa, sem golos, sem misturas. Passada uma hora,
mandou Phil acordar Pamela.
Ao pequeno almoço, num café próximo, Pamela encomendou por Jim: Spaígheti e um copo
de leite para arrumar
o estômago. «Não vais beber mais, pois não, Jim?» Pamela
começou a implorar «Jim»?
Jim sentou-se, silenciosamente, a olhar fixamente para a
praça cheia de gente activa. Do da funky chicken, disse por
fim.
Alguns dias mais tarde alugaram um carro e guiaram
para Sudoeste através da terra do vinho francês, através de
Orléans, Tours, Limoges e Toulouse, entrando em Espanha
através de Andorra, visitando o Museu do Prado, em Madrid,
onde Jim procurou o «Jardim das Delícias» de Hieronymous
Bosh, a obra-prima que incluía uma cara misteriosa que
se pensava ser do próprio Bosch. Dali foram para Sul, para
Granada, onde Jim ficou muito impressionado pelo Palácio
de Alhambra, um palácio mourisco geralmente reconhecido
como o exemplar mais bonito da arquitectura maometana
ocidental ainda de pé: uma cidadela de arcos iluminados
pelo Sol e raros azulejos azuis.
312
Jim e Pamela estavam a dar-se bem, quase tão bem
quanto ela um dia se tinha gabado. Viver juntos durante um
longo período num carro e em pequenos quartos de hotel
provocava pequenas discussões, mas as distracções eram numerosas e maravilhosas. Jim
e Pamela nem mesmo ficaram
seriamente perturbados quando foram aldrabados em cem
dólares por um árabe que falava inglês, que tinha prometido
uma grande pedra de Hash.
De Tânger guiaram para Sul ao largo da costa Atlântica
até Casablanca, depois para o interior para Marrakech. Comeram bem, beberam os vinhos
locais e registaram tudo com uma
máquina de filmar super-8 que tinham comprado antes de
deixar Paris. Quando voltaram para o carro e regressaram a
Paris na primeira semana de Maio, tinham-se passado aproximadamente três semanas.
O apartamento estava ocupado durante algumas noites, então mudaram-se para o L'Hotel,
uma estalagem privativa na margem esquerda, cujos vinte e cinco quartos
extravagantemente mobilados estavam a tornar-se muito procurados pelas estrelas de
rock visitantes, que eram atraídas
pela antiga residência de Oscar Wilde. Pouco tempo depois,
houve histórias de outra bebedeira de Jim e da consequente
queda de uma das janelas do segundo andar do L'Hotel. Parece que aterrou no cimo de
um carro, saltou e, sacudindo-se
como se nada tivesse acontecido, subiu a rua para ir tomar
uma bebida.
Viver na margem esquerda, em St. Germain, fazia Jim
regressar, de certa maneira, ao St. Mónica Boulevard, pois
aqui existiam todos os bares famosos. O Café de Flore e o
Aux Deux-Magots, onde Sartre e Camus costumavam beber.
La Coupole, com obras de Picasso, Klee, Modigliani e tantos
outros nos pilares: paraíso «Art Deco» onde Scott eZ elda(1)
instituíam a sua corte. (Jim disse que era parecido com
Ratner, uma delicatessen de Nova Iorque, no Lower East
Side). Para a multidão francesa au courant, os clubes underground mais a moda eram os
recentemente abertos Le Bulle,
e o favorito de Jim, uma série de caves chamada Rock and
Roll Circus.
Seis ou oito meses antes, o Circus tinha sido o clube em
Paris, equivalendo, pode dizer-se com o Whisky em Los
Angeles: estrondoso, com boas bandas e um bom sistema sonoro, caro, bebidas
seleccionadas, inclinando-se para espectáculos pobres. Mas respeitável. Led Zeppelin,
Richie Havens e
Johnny Winter tocaram lá, assim como alguns dos Beach
(1) Scott Fitzgerald, romancista e diletante americano. (N. do T.)
313
Boys. Na Primavera de 1971, contudo, o clube tinha-se tornado um mercado de heroína
que era frequentado pelos
profissionais do submundo: pegas, ladrões e chulos. O disc-jockey que punha discos no
clube no princípio do ano, e
tinha mudado para o Le Bulle, um exilado americano chamado Cameron Watson, descreveu
o Circus como «peru frio
na pista de dança». Jim adorou isso, claro. Desde o falso pobre
ao verdadeiro pobre. Para Jim isso não representava necessariamente uma descida.
No final da primeira semana de Maio, sexta-feira dia 7,
Jim estava no Circus bêbedo e agressivo e, por fim, violento,
atirando almofadas e deitando abaixo equipamento. Aparentemente não foi reconhecido,
pegaram nele e puseram-no
na rua. Um jovem estudante francês, chamado Gilles Yepremian deu com Jim numa
gritaria com o porteiro do clube.
«Negro...»
Jim, cansado de gritar, saltou para um táxi. O condutor
mandou-o embora. Dirigiu-se a um segundo táxi e foi novamente recusado. Começou a
gritar outra vez. Gilles, que
verdadeiramente não percebe nada de inglês, pensou que ele
estivesse a gritar, «Quero carne! Quero carne!»
Gilles reconheceu Jim e aproximou-se de um terceiro
táxi, convencendo-o a aceitá-lo. Mas, quando o táxi atravessava o Sena, Jim insistiu
em sair. Queria ir nadar. Dois polícias franceses passavam errantes no nevoeiro da
madrugada,
formando as suas capas e chapéus de caixa uma silhueta familiar.
«Porcos de merda!» cuspiu Jim. Depois gritou, «Porcos
de merda!»
Os flics continuaram o seu experiente passeio laissez-faire e Gilles empurrou Jim
para outro táxi, levando-o para
o apartamento de um amigo, Hervé Muller, que morava no
décimo sétimo arrondissement, perto da Etoile. O condutor de
táxi queixou-se do montante de gorjeta e Jim atirou-lhe uma
mão cheia de moedas. Quando subiam os cinco lances de escadas, Jim disse, «Shhhh...
não podemos fazer barulho.»
Uma pequena e doce emigrada da Checoslováquia chamada Yvonne Fuka abriu rapidamente a
porta. «Sim?»
«Trouxe-te alguém que encontrei defronte do Rock and
Roll Circus, disse Gilles.
Yvonne observou atentamente em volta de Gilles, para
a figura amarrotada que estava no parapeito das escadas.
Nessa altura ela era directora do sector gráfico de uma das
principais revistas do rock francesas, Best. O seu namorado,
Hervé, com quem partilhava esta casa com um grande quarto,
314
cozinha e casa de banho, era jornalista da mesma revista.
Reconheceu Jim e disse a Gilles para o trazer para dentro.
Jim cambaleou ao entrar, a cabeça caía lentamente de
um lado para o outro, absorvendo tudo, procurando uma
cama. Cambaleou em direcção à cama e estatelou-se em cima.
Depois dormiu quase até ao meio-dia, quando toda a gente
se apresentou.
Não havia muita coisa no frigorífico, então Jim sugeriu
que eram todos seus convidados num restaurante que conhecia. Era o Alexander, perto
do Hotel Georges V, com uma
ementa que estava de acordo com a vizinhança. Jim era
considerado cliente habitual, pelo menos como um que gostava de dar gorjetas
generosamente, mas disseram-lhe que
o restaurante não servia pequenos-almoços. Talvez não se
importassem de esperar pelo almoço.
Para Jim, o almoço começou com dois Bloody Marys e
depois encomendou uma garrafa de Scotch Chivas Regai. Uma
hora depois estava bêbedo e insultava uma mesa cheia de
homens de negócios franceses numa linguagem que, felizmente, não percebiam: «Parecem
estúpidos... Digam-me, vocês
são filhos da mãe? São idiotas?»
«Bebia o dobro de cada um de nós», diz tristemente
Hervé. «No fim da refeição, eles apareceram com duas garrafas
de conhaque e perguntaram-lhe qual é que ele queria. Agarrou simplesmente numa delas,
tirou a rolha e pôs o gargalo
na boca. Começou a pedir a Yvonne que lhe arranjasse uma
rapariga. "Não me arranjas uma miúda?" Passado algum
tempo, pagou tudo com um cartão de crédito. Éramos cinco
e a conta foi de setecentos francos.»
Começaram a dirigir-se para o carro, Jim apoiava-se
pesadamente em Yvonne para se manter de pé. «Tens que me
tirar daqui», disse-lhe insistentemente, «tens que me tirar
daqui.» Passados apenas cinquenta metros, disse que não podia
andar mais, tinha que descansar. Sentaram-no num banco e
Hervé foi buscar o carro.
Jim tornou-se violento quando Hervé regressou e teve
que ser forçado a entrar no carro, depois arrastaram-no pelos
cinco lances de escadas para casa de Hervé. A meio caminho,
caiu e recusou-se a subir mais. «Deixem-me!», disse, sentando-se num dos parapeitos.
Depois gritou. «Seus negros filhos da mãe!»
Por fim, Yvonne e Hervé conseguiram-no trazer para
casa e pô-lo na cama, onde imediatamente adormeceu. Eram
três horas da tarde de sábado.
Hervé e Yvonne voltaram a ver Jim. Desta vez estava
com Pamela. Jantaram em casa de Hervé e Yvonne e falaram
315
sobre poesia e cinema. Jim disse que tinha trazido
com ele cópias do Feast of Friends e Hwy e queria mostrá-las.
Também deu uma cópia do An American Prayer («Uma
Oração Americana») a Hervé, que lhe perguntou se podia traduzi-la em francês. Yvonne
disse que gostaria de fazer algumas
ilustrações. Jim estava interessado nessa possibilidade de colaboração.
Mais tarde, nessa noite, depois de algum vinho, Jim contou a Yvonne, talvez
inadvertidamente, a razão porque estava
em Paris. «Estou tão farto de tudo. As pessoas continuam
a considerar-me como uma estrela de rock and roll e eu não
quero ter nada a ver com isso. Não suporto mais isso. Ficaria
muito contente se as pessoas não me reconhecessem... de
qualquer maneira, quem é que eles pensam que Jim Morrison é?»
Na semana seguinte Jim e Pamela partiram para a Córsega. Voaram para Marselha onde
Jim perdeu a sua carta
de condução, o passaporte e a carteira de bolso, necessitando
regressar a Paris para arranjar duplicados da Embaixada
Americana. Voltaram a Marselha e finalmente voaram para
Ajaccio, o principal ponto da ilha, capital, e o local de nascimento de Napoleão. A
Córsega é conhecida pelo número
imoderado de recrutas que fornece para a polícia de Paris,
pelos cimos fortes e vermelhos dos seus penhascos, pelas aldeias
singulares no sopé da montanha, tão agressiva como qualquer
outra das Rocky Mountains ou dos Alpes franceses, pelas
viúvas de pescadores de olhos húmidos envoltas em preto, pela
ausência de gente nova e o cheiro pungente e penetrante de
maquis (erva) corsa, que é alimento do gado e surge na carne,
no queijo e no leite. Jim e Pamela deram volta à ilha durante
dez dias. Choveu todos os dias à excepção de um. Pamela
disse que era idílico.
Os Doors deixaram oficialmente os Discos Elektra, terminando uma relação que tinha
começado há quatro anos
e dez meses. Na mesma semana, o último álbum de Jim,
L. A. Woman e o derradeiro single, Love Her Madly, foram lançados e ambos começaram
uma subida nas tabelas.
A fotografia da capa de L. A. Woman era um retrato de
grupo, realçando igualmente todos os membros. De facto, Jim
tinha-se desleixado de maneira a parecer ainda mais humilde
que os outros! Além do mais, devido a ninguém ter conseguido convencer Jim a barbear-
se, apareceu, pela primeira
vez, na capa de um álbum com barba abundante e um
sorriso malicioso e demoníaco. Jim tinha conseguido vingar-se
pelas capas do 13 e do Absolutely Live.
316
Os críticos foram unânimes no elogio a L. A. Woman.
A reacção que tinha começado com Morrison Hotel acelerava-se. Os cépticos e os
detractores foram vencidos - os
Doors estavam definitivamente de volta. O álbum atingiu o
quinto lugar, e o single o sétimo lugar. A indústria discográfica zumbia com notícias
de que os Doors estavam a negociar
com os discos Atlantic e com a Columbia por somas de dinheiro
nunca vistas. John, Ray e Robby juntaram-se ocasionalmente
para improvisarem no estúdio de ensaios, com Ray assegurando
os vocais, elaborando material para o regresso iminente de
Jim. Foi por esta altura que Jim, que sabia pouco ou mesmo
nada sobre as canções, telefonou para o escritório e disse a
Bill Siddons que estava novamente a conseguir fazer música
mas queria descansar um pouco mais. Mais para o fim da
semana, fez um telefonema de manhã cedo para John
Densmore e perguntou-lhe como é que o material estava
a ser recebido. Quando John disse a Jim como o álbum e o
single estavam a ser vendidos e quanto a imprensa gostava
dos discos, Jim ficou espantado. «Se eles gostam disso, espera
até ouvirem o que tenho em mente para o próximo», disse a
John.
Jim parecia mais saudável do que o costume. Estava de
barba feita, tinha perdido algum peso e uma mudança de
roupa também fazia diferença. Sem ele ter reparado, Pamela
tinha deitado fora os seus jeans antigos e o casaco da tropa e
tinha-o canalizado para o seu passado colegial. Agora vestia
camisas de botões, calças de caqui e uma camisola de lã de gola
em V. Os sens botins Frye, gastos e quase rotos, permaneceram.
Ao regressar da Córsega, tinha contratado uma secretária
particular, uma loira canadiana alta, magra, de boa figura,
que falava fluentemente francês, Robin Wertle. Robin tinha-se
encarregado de gravações e tinha trabalhado como agente
e estilista para um fotógrafo de modas. Ela recorda que se
conheceram quando o fotógrafo deixou Paris por alguns meses,
«o que me deixou livre, por isso aceitei. Nem Jim nem Pamela
falavam francês, por isso era um bocado difícil para eles
movimentarem-se».
Como ficou planeado, o trabalho incluía «olhar pelo apartamento - ver se a mulher a
dias vinha, dactilografar cartas,
fazer telefonemas para a América, comprar mobília, contratar
uma dactilógrafa, tratar do que fosse preciso para Jim apresentar um dos seus
filmes».
Jim parecia tornar-se mais consciente da necessidade de
resolver esses velhos demónios conflituosos, o estrelato e a
317
própria simulação. Mas os passos eram lenta e laboriosamente
dados, e ele evitava pensar nisso se pudesse.
Hervé e Yvonne apareceram no dia 11 de Junho para
irem com Jim e Pamela ver o Le Regard du Sourd («O Olhar
do Surdo») (1), uma peça sem qualquer diálogo, sendo a maior
parte dos personagens surdos-mudos. Quando Hervé e Yvonne
chegaram ao apartamento da Rua Beautreillis, Jim disse que
Pamela não ia - em vez dela, levava o seu querido amigo
da América. O amigo, então hóspede, era Alan Ronay.
Pamela saiu essa noite com os chamados mineis, jovens
dandies hermafroditas franceses que usavam óculos escuros,
calças brancas de linho e falavam muito pouco inglês por condescendência. Pamela
adorava-os. Jim detestava-os e disse a
Pamela que não gostava que ela se desse com eles.
O tempo passou. Viu muitas vezes os seus velhos amigos
Agnes Varda e Jacques Denny. Em 1968, Jacques tinha tentado
atravessar as barreiras dos Doors para conseguir que Jim
representasse no seu primeiro filme americano, Model Shop.
Nessa altura, era um produtor de cinema muito aclamado
pelo seu filme premiado Les Parapluies de Cherbourg. Agnes,
sua mulher, intitulava-se a avó da New Wave e tinha tentado
uma vez convencer Jim com o seu documentário impressionista Lions Love.
Os três tinham-se tornado amigos íntimos e ao longo
dos anos Jim tinha desenvolvido uma sincera afeição por
Agnes. Ela era uma mulher baixa, com escassos metro e sessenta de altura, mas
altamente intelectual, com uma voz
rouca e uma personalidade rica. Identificava-se fortemente
com a classe trabalhadora, conduzindo deliberadamente um
automóvel barato, e admirava francamente jovens radicais
pela sua rejeição dos valores da classe média.
Jim dava-se também com Rory Flynn, a espantosa e
esguia filha de Errol que tinha sido uma das primeiras groupies dos Doors no Whiskey
em 1966.
Um amigo de Pamela apareceu, encontrando-se com
Pamela no Café de Flore. Mais tarde, no apartamento do
Marais, Jim disse ao amigo que lhe tinham oferecido o lugar
de actor principal na versão cinematográfica de Catch My
Soul, a adaptação musical de Othello que tinha estado no
palco em Los Angeles com Jerry Lee Lewis a fazer o papel
de Jago. Disse que o filme incluía outros como Tina Turner,
Joe Frazier e Melanie. Disse que também lhe tinham oferecido um papel ao lado de
Robert Mitchum na história alegórica
(1) Peça de vanguarda acompanhada por música repetitiva, de Bob Wilson.
(N. do T.)
318
de um caçador de ursos do Alasca, Why Are we in Vietnami
de Norman Mailer.
«Vou rejeitar a peça», disse Jim, «e penso que não vou
fazer o filme porque vai-me tirar muito tempo quando podia
estar a escrever.»
Jantaram no La Coupole e a caminho de casa passaram
por uma desordem estudantil no bairro de St. Michel. As
desordens passavam-se todos os fins de semana, eram o que
restava da greve nacional e das desordens estudantis de 1968.
Jim e Pamela tinham sido apanhados no meio de uma algumas semanas antes. Todos
concordaram que a desordem
os fascinava morbidamente, mas decidiram não parar para
observar.
Um amigo de Pam escreveu o seguinte para a revista
Crawdaddy:
«Jim tem agora melhor aspecto, certamente melhor
de que durante os dias do julgamento de Miami. Ele
declara ter deixado de beber, perdeu peso consideravelmente, mas a comida francesa
cobrou alguns direitos e
não readquiriu totalmente o vulto de calças de coiro e
de sombra esquelética que rondava Los Angeles como o
Rei Lagarto.»
Foi no primeiro dia de Julho e Paris ardia de calor.
Jim tinha caído num terrível e impressionante desespero. Tinha
estado a beber muito e agora tentava deixar a bebida de uma
vez por todas. Tentava escrever, tentando agarrar a depressão
com toda a força e transformá-la em algo criativo, mas não
conseguia. Sentou-se afundado na mesa da casa de jantar,
esperando que as palavras surgissem. O pouco que tinha
escrito não estava ao nível de Morrison e ele sabia-o. A certa
altura colocava-se defronte do espelho durante minutos, e
olhava fixamente para os seus próprios olhos, à procura de
uma resposta. Alan Ronay nunca o tinha visto tão em baixo
e Pamela estava assustada. Revezaram-se para o distrair, tentando animá-lo mas sem
êxito. Por fim, na noite de sexta-feira, 2 de Julho, Alan sugeriu que os três fossem
jantar num
café ao ar livre perto do apartamento de Morrison. Jim
recusou-se a sobrecarregar os seus amigos devido ao seu estado.
Permaneceu invulgarmente sossegado enquanto os barulhos
da refeição substituíam a falta de conversa.
Depois do jantar, Jim pôde mostrar o seu poder emocional ao mandar um telegrama a
Jonatham Dolges, o seu editor,
que dizia respeito à capa da edição encadernada de Simon e
Schuster de The Lords and The New Creatures. Queria que
319
fosse retirada a fotografia do «jovem leão», da autoria de
Joel Brodsky, e que fosse substituída pela fotografia mais
poética, onde estava de barbas, tirada por Edmond Teske (*).
Depois levou Pamela a casa, e foi sozinho a um filme que
Alan tinha recomendado (Pursued com Robert Mitchum).
Onde Jim foi a seguir ao cinema, ou se Jim foi ao cinema,
é matéria de especulação. Os vários relatos dessa noite estão
emaranhados em contradições. Alguns dizem que ele foi ao
Rock and Roll Circus, tão mergulhado em depressão que comprou alguma heroína nos
lavabos do clube e foi levado pelas
traseiras até ao seu apartamento, na banheira. Outros dizem
que deixou Alan e Pamela e se dirigiu em seguida para o
aeroporto, onde foi visto a tomar um avião. Ou talvez tenha
passeado, simplesmente, toda a noite. Ou foi ao cinema e
regressou a casa, onde logo se queixou que não se sentia bem
e que ia tomar um banho. Foi a última versão que ganhou
mais aceitação, mas o que quer que tenha acontecido sexta-feira à noite, na segunda-
feira de manhã, dia 5 de Julho,
circulava o boato que Jim tinha morrido.
Na segunda-feira, os jornais nacionais em Londres começaram a telefonar para os
escritórios dos discos Elektra em
Inglaterra. Lá ninguém conseguiu confirmar se Jim estava
vivo. Os jornais tinham ouvido dizer que ele tinha sido descoberto morto no seu
apartamento de Paris. De que maneira é
que começou o boato? Seria verdade desta vez? Clive Selwood,
que dirigia o escritório da Elektra em Inglaterra, telefonou
para o escritório da companhia em França para se certificar.
A Elektra de França nem tinha conhecimento que Jim estava
em França. Clive telefonou depois para a Embaixada Americana e para a polícia de
Paris. Ambos negaram qualquer
conhecimento de morte de um americano chamado Jim
Morrison.
Clive decidiu esquecer o assunto, era provavelmente apenas
outro falso alarme. Estava quase convencido quando dois dos
principais semanários de rock de Inglaterra lhe telefonaram,
um a seguir ao outro. Clive disse-lhes o pouco que sabia.
Então decidiu telefonar a Bill Siddons em Los Angeles. Devido
à diferença de horas, acordou Bill.
«Bill», disse, «não posso de algum modo confirmá-lo, mas
temos notícias de que Jim morreu.»
Bill quase que se riu. «Oh, não me lixes, Clive.» Disse que
ia voltar para a cama. Como não conseguiu adormecer outra
(*) A primeira fotografia, a do «jovem leão», da autoria de Joel Brodsky,
é a base da capa deste livro. A segunda, da autoria de Edmond Teske, é a base da capa
da edição portuguesa do american Prayer (Assírio & Alvim, nesta mesma colecção), e
também do disco homónimo. (N. do T.)
320
vez, decidiu telefonar ao próprio Jim. Pamela atendeu o telefone e disse a Bill que
era melhor ele ir lá imediatamente,
como se Bill tivesse apenas que dobrar a esquina. Pamela
não simpatizava muito com Siddons, mas sabia que ele se
encarregaria de tudo. Bill telefonou para o aeroporto para
fazer uma reserva no próximo voo disponível. Depois telefonou
a Ray e acordou-o.
«Ouve, Ray, Jim pode estar morto. Não sei se é verdade
ou não desta vez. Apenas falei com Pam e ela foi vaga. Quer
que eu vá lá imediatamente. Vou-me certificar já.
«Oh, meu Deus», murmurou Ray. «Bem, vai lá e informa-nos no minuto a seguir.»
Bill assegurou-lhe que o fazia e pediu-lhe para telefonar a
outros tipos, mas para lhes dizer que podia ser apenas outro
falso alarme.
«Vou no próximo avião», disse Siddons.
«Oh, Bill», acrescentou Ray, «não quero parecer mórbido
mas, por favor, certifica-te.»
«Certifico-me de quê, Ray?»
«Não sei, pá, certifica-te apenas.»
Siddons chegou a Paris na terça-feira, 6 de Julho. No
apartamento encontrou Pamela, um caixão selado e uma
certidão de óbito assinada. Os preparos para o funeral foram
rápidos e secretamente confirmados. A 7 de Julho, Pamela
preencheu a certidão de óbito na Embaixada dos Estados
Unidos, identificando Jim como James Douglas Morrison,
poeta. Disse que não havia parentes vivos. A causa oficial
da morte foi descrita como tendo sido um ataque de coração.
Siddons foi eficiente e, quarta-feira à tarde, o caixão foi
enterrado na terra do Père Lachaise, um cemitério que Jim
tinha visitado recentemente como excursionista, onde tinha
procurado a sepultura de Edith Piaf, Oscar Wilde, Balzac,
Bizet e Chopin. Estavam presentes cinco enlutados: Pamela,
Siddons, Alan Romay, Agnes Varda e Robin Wertle. Atiraram flores para a sepultura e
fizeram as suas despedidas.
Bill ajudou Pamela a embalar os seus pertences e na
quinta-feira regressaram a Los Angeles, onde Bill anunciou
o pouco que sabia. Pamela, ao que se disse, estava em estado
de choque, a descansar.
Quase uma década depois, as pessoas continuam a perguntar: Está Jim Morrison
realmente morto? E como é que
ele morreu?
Mesmo antes dele morrer - na hipótese de estar morto Jim era aquela espécie de figura
rara sobre quem os boatos
321
de morte circulavam muitas vezes. Quando Jim Morrison
estava na fase heróica, «morreu» quase todos os fins de
semana, normalmente num acidente de carro, muitas vezes
caindo da varanda de um hotel onde tinha estado a representar
para os amigos, ocasionalmente com uma dose excessiva de
alguma coisa alcoólica, alucinogénea ou sexual.
Como é que ele morreu? Durante anos, tem havido inúmeras teorias, algumas delas
originadas por um estranho desapontamento. Muitos alegaram, com amplas razões, que
estava
completamente fora do carácter de Jim morrer como Siddons
o narrou, de um ataque de coração na banheira.
A história oficial foi esta: Pam e Jim estavam sozinhos
em casa (passava pouco da meia-noite, sábado, 3 de Julho,
1971) quando Jim vomitou uma pequena quantidade de sangue. Já tinha acontecido uma
vez, disse Pam, e embora ela
estivesse preocupada, não estava realmente perturbada. Jim
disse que se sentia bem e que ia tomar banho. Pamela adormeceu novamente. Às cinco
horas acordou, viu que Jim não
tinha voltado para a cama, foi à casa de banho e encontrou-o
na banheira, braços apoiados nos bordos de porcelana, cabeça
para trás, o cabelo preto comprido e húmido emaranhado
contra a borda, um sorriso juvenil na cara barbeada. A princípio Pamela pensou que
ele estava a representar uma das
suas brincadeiras macabras, mas depois telefonou para a unidade de reanimação do
departamento de incêndios. Acompanhou-os um médico e um polícia, disse Pamela, mas
era
demasiado tarde.
Um factor que provocou muita da descrença inicial foi
o tempo. Bill contou a sua história à imprensa passados seis
dias completos de Jim ter morrido, dois dias depois do funeral.
«Cheguei agora mesmo de Paris, onde assisti ao funeral
de Jim Morrison», disse Siddons numa declaração elaborada
(lançada por uma firma de publicidade em Los Angeles).
«Jim foi enterrado numa cerimónia simples, estando apenas
presentes alguns amigos íntimos. As notícias iniciais da sua
morte e funeral foram mantidas em silêncio porque aqueles
de nós que o conheciam intimamente e o amavam como
pessoa, quiseram evitar todo o ambiente de notoriedade e
de espectáculo que envolveu a morte de tantas outras personalidades do rock como
Janis e Jimi Hendrix.»
«Posso dizer que Jim morreu em paz de causa natural
- estava em Paris desde Março com a sua mulher, Pam. Tinha
visto um médico em Paris devido a um problema respiratório
e tinha-se queixado desse problema no sábado - o dia da sua
morte...»
322
Nos dias que se seguiram, Siddons não deu mais informações porque não tinha nenhuma.
Outro factor que causou muita descrença foi o facto de
Siddons nunca ter visto o corpo. O que ele viu no apartamento
de Jim e Pamela foi um caixão selado e uma certidão de
óbito com a assinatura de um médico. Não havia relatório da
polícia, nenhum médico presente. Não tinha havido autópsia.
Tudo o que teve foi a palavra de Pamela de que Jim estava
morto.
Porque razão não houve autópsia? «Apenas porque não
queríamos fazer as coisas dessa maneira. Queríamos deixar
Jim sossegado. Ele morreu em paz e dignidade.»
Quem foi o médico? Siddons não sabia; Pamela não se
lembrava. Mas as assinaturas podem ser falsificadas ou compradas.
De qualquer forma, esta é a história oficial da morte de
Jim Morrison. As outras histórias contadas são mais bizarras
e, talvez, mais possíveis.
Os parisienses mantêm a heroína como a causa da morte.
Jim tinha sido um cliente habitual do Rock and Roll Circus, o
local nocturno francês então conhecido como o refúgio para
o submundo local de heroína. Jim tinha sempre gostado de
ambientes depravados, apreciava os excessos que a sociedade
contém. Tinha visitado várias vezes os bairros marginais tanto
de Los Angeles como de Nova Iorque. Tinha ido regularmente
ao Circus, era conhecido pelas pessoas. Contudo, a curiosidade
de Jim era provavelmente mais a de espectador do que de
participante. Bebia com os marginais, mas são fracas as hipóteses de ele se ter
injectado no Circus. Porque ele tinha de há
muito o terror de seringas hipodérmicas. Se ele se injectou
nessa noite em Paris, terá sido essa a primeira vez, embora
tivesse provavelmente «snifado» antes. Outro pormenor, não
foi Jim encontrado na banheira, normalmente o primeiro
lugar para onde uma vítima de dose excessiva é levada para
uma tentativa de reanimação? Alguns dos grafitis na sua
sepultura de Père Lachaise, «Tenham piedade dos drogados»
e «Injectem», não mantêm a crença de que foi uma dose
excessiva e não um ataque de coração?
Se Jim tomou uma dose excessiva, o médico provavelmente teria notado as marcas das
seringas. Contudo, se «snifou» a heroína, não existia maneira de o detectar sem
fazerem
uma análise de sangue. Sem autópsia, nunca se saberá. É possível, apesar de tudo. A
quantidade de heroína inalada que é
mortal é consideravelmente inferior quando combinada com
álcool. Os dois actuam em combinação para acalmar os sistemas
323
nervoso central e respiratório, resultando numa morte
rápida e sem dor.
Outras teorias afluem num círculo de amigos de Jim.
Numa ele foi morto quando alguém lhe arrancou os olhos
com uma faca («para libertar a sua alma», como a história
conta). Noutra, tinha uma amante que o desprezava, que o
matou a larga distância de Nova Iorque por feitiçaria. Ainda
outras teorias reivindicaram que Jim foi a vítima de uma
conspiração política com a finalidade de desacreditar e eliminar o hippie I Nova
Esquerda / estilo de vida contracultural
(na realidade esta era suposta ser uma de uma série de conspirações penetrantes e
relacionadas, que incluíram os tiroteios
nos Estados de Kent e Jackson, as desordens em Islã Vista,
os ataques à bomba dos Weathermen, as sentenças de prisão
inflexíveis pronunciadas a Timoty Leary e aos Oito de Chicago,
os assassínios de Charlie Manson - para não mencionar as
mortes de Hendrix e Joplin e mais de duas dúzias de Panteras
Negras). Jim era suficientemente popular e, mais ameaçador,
suficientemente esperto para provocar nas forças que existiam
amplas razões para ser decidida qualquer espécie de acção no
sentido de evitar a sua influência subversiva. Certamente as
autoridades estavam atentas a ele, nomeadamente através da
profunda investigação do FBI do seu passado a seguir à prisão
em Miami.
Outros, não tão inclinados para uma conspiração, acreditam que Jim tenha tomado uma
dose excessiva de cocaína,
menos mortal do que a heroína, mesmo quando tomada em
grandes quantidades. Outros ainda reivindicam que Jim morreu provavelmente de «causas
naturais» mas que Pamela não
estava lá quando isso aconteceu. Talvez tenha ido passar o
fim de semana fora com o conde, não regressando senão
segunda-feira, descobrindo que Jim estava morto, o que
explicaria o atraso da notícia. Algumas pessoas apenas encolhem os ombros e dizem
que, ao contrário das histórias
policiais, não importa como ele morreu exactamente quer tenha tomado uma dose
excessiva de qualquer coisa,
tenha tido um ataque de coração ou simplesmente tenha brindado à morte (como tantos
suspeitam desde o princípio). Na
linha final ainda se pode ler «suicídio». Quer de uma maneira
ou de outra, Jim tinha morrido de abuso de si mesmo, e
descobrir como, é apenas uma questão de determinar o calibre
da pistola metafórica que ele apontou à sua própria cabeça.
A verdade é que ninguém tem a certeza como Jim Morrison morreu. Se existiu alguma vez
um homem que estivesse
pronto, apto e desejoso de morrer, era Jim. O seu corpo estava
velho e a sua alma cansada.
324
Por outro lado, há quem não engula nenhuma destas versões. Jim Morrison não está
morto, dizem. Isto não é tão artificial como pode parecer. Se existiu alguma vez um
homem que
estivesse pronto, desejoso e apto a desaparecer, era também
Jim. Seria perfeito, mantendo para ele o seu carácter imprevisível, arranjar a sua
própria morte como maneira de escapar
à sua vida pública. Estava cansado de uma imagem que ele
tinha tornado demasiado grande mas não podia diminuir nem
eliminar. Tinha procurado obter credibilidade como poeta
mas vira as suas tentativas frustradas pela sua atracção como
herói cultural. Gostava de cantar e amava verdadeiramente o
talento dos Doors, e no entanto, procurou desesperadamente
obter algum alívio das pressões que a fama lhe trouxe. Talvez
não tenha feito nada mais, no fim da semana de 3 a 4 de
Julho, do que ter desaparecido de vista para encontrar a paz
de escrever e a liberdade do anonimato.
Certamente, que as sementes de tal brincadeira tinham
sido plantadas no Fillmore, em São Francisco, nos princípios
de 1967, quando os Doors não tinham tido ainda êxito, Jim
sugeriu que simulassem uma morte para conseguir atenção
nacional para a banda. Houve também a sua observação
sobre a utilização do nome Sr. Mojó Risin para contactar o
escritório depois de ter «fugido para África». Além disso, disse
a ambos os autores deste livro, em diferentes alturas, que
podia ver-se a si próprio mudar radicalmente de profissões,
reaparecendo como um homem de negócios de fato completo
e gravata. Steve Harris, o assistente de Jac Holzman, recorda
claramente Jim ter-lhe perguntado depois da morte de Brian
Jones, o que aconteceria se ele morresse de repente. Jim quis
saber como afectaria o negócio, o que diria a imprensa, e
quem acreditaria.
As sementes foram plantadas ainda mais cedo na sua
vida. Quando Jim estava a estudar a vida e poesia de Arthur
Rimbaud, ficou fascinado pelo facto de Rimbaud ter escrito
toda a sua poesia aos dezanove anos antes de ter desaparecid
no Norte de África e de se tornar vendedor de armas e traficante de escravos. Jim
mantinha longas conversas de investigação com Mary Francês Werebelow, sobre a maneira
como
os Discípulos tinham roubado o corpo de Cristo da catacumba,
brincando sobre a «Easter Heist» (Roubo da Páscoa) mas
lidando com o facto séria e logicamente.
Todos os amigos íntimos de Jim concordam (e alguns
insistem) que não só é exactamente a espécie de brincadeira
que Jim podia fazer... mas com a ajuda devotada de Pamela,
a podia ter feito com incrível êxito.
325
Agnes Varda e Alan Ronay não falam. Robin Wertle
e Hervé Muller juram que nada sabem de especial. Siddons
sabe apenas o que viu e o que lhe foi dito por Pamela. E Pamela levou o segredo para
a sua sepultura, quando morreu
três anos depois de Jim.
Passada uma década, ainda não há notícias do Sr. Mojó
Risin!
326
POSFÁCIO
O poeta Blake disse, «A estrada
do excesso leva ao palácio da sabedoria.» Jim Morrison compreendeu isso e foi
imoderado. Ou os poetas chegam à sabedoria porque são de facto, poetas, ou nunca lá
chegam porque são loucos divinos. É uma e a mesma coisa.
Outro provérbio de Blake extraído do Marriage of Heaven
and Hell declara, «A Prudência é uma velha, rica e feia solteirona cortejada pela
Incapacidade.» Jim não foi prudente
e acontece que conheceu raras vezes a incapacidade. Jim foi
um herói metamórfico que nos emocionou com a sua energia
e a sua coragem. Percebia com os seus sentidos e alterou-os
com álcool (sagrado para Dionísio, o deus do drama e da intoxicação), com ácido e com
o elixir interior da sua própria
exaltação e exuberância. Jim foi uma das almas mais brilhantes que jamais conheci, e
uma das mais complexas - todos
nós, seres mamíferos feitos de carne e nervos, somos compelidos a ser complexos.
Jim ficou fascinado pela experiência dos seus sentidos e
estava continuamente encantado pelas alterações do seu sistema nervoso. Quando deixou
de ser o cantor (vestido de
coiro, símbolo do sexo) dos Doors, tornou-se no belo destroço
que floresceu num cantor corpulento e melancólico.
Uma das coisas de que eu gosto nesta biografia é que
mostra que Jim se reconheceu como poeta. Essa foi a base
da minha amizade e camaradagem com ele. Também os autores reconhecem que Jim não foi
materialista, a correr atrás
do dólar, como são muitos artistas do rock and roll. A modalidade que Jim amou foi a
da experiência e da acção. Ele quis
a transubstanciação da natureza material para a riqueza do
prazer descontente.
327
Jim e eu juntámo-nos em Londres para discutir um filme
sobre a minha peça The Beard. Jim encontrou-se comigo no
aeroporto e eu falei-lhe de imaginar poetas românticos a voar
através do céu nocturno em volta do avião. Mostrei-lhe um
poema novo sobre «Billy the Kid», e ele, espontaneamente,
escreveu um poema para Jean Harlow no meu caderno de
apontamentos.
Fizemos o circuito dos poetas na cidade, desde as espeluncas de Strip em Soho até ao
Museu Tate, e depois demos
um passeio ao luar com o poeta Christopher Logue para ver
o hospital que agora fica no local onde Blake viveu. Tornámo-nos «habitués»
transitórios dos clubes de música, o «The
Bag of Nails» e o «Arethusa», onde vimos Christine Keeler,
estrelas de cinema, bebemos copos de Courvoisiers e tivemos
conversas filosóficas com realizadores cinematográficos.
Vi pela primeira vez em Londres poemas de Jim, à luz
lúcida e mescalínica de uma ressaca, encontrei o seu manuscrito de The New Creatures
na mesa de café do seu apartamento em Belgravia e fiquei excitado pelo que li.
Não conheço nenhum poeta melhor da geração de Jim.
Poucos poetas têm sido assim figuras públicas ou homens do
espectáculo (talvez Mayakovsky na Rússia nos anos vinte e
trinta) e nenhum teve uma carreira tão curta e tão poderosa.
Toda a gente tem ouvido a música dos Doors e conhece
a lenda pública, mas desgostava a Jim a possibilidade da sua
poesia ser lida por ele ser uma estrela de rock. Guardou os seus
poemas reflectida e cuidadosamente, e trabalhou neles em
segredo.
Quando vi o seu manuscrito de The New Creatures em
Londres, sugeri que Jim fizesse uma edição particular apenas
para os amigos e depois desse o livro a um editor comercial,
se quisesse. Foi o que aconteceu. Jim incorporou dois artistas
num só, o cantor apaixonado e apaixonante (vi Jim cantar
durante tanto tempo que a audiência teve que se sentar no
chão para ouvir) e o jovem poeta calmo, talentoso e distinto.
Ele era o Sr. Mojó Risin e era James Douglas Morrison, um
poeta de descendência escocesa-americana.
Fiz récitas de poesia com Jim e senti a sua excitação
e determinação em ser ouvido a esse nível. Ouvi Jim, depois
da sua morte, em gravação numa sala de jogo que foi em
tempos um forte alemão na África Oriental. Em todas as
ocasiões ouvi um artista.
Quando leio Jim, sinto o amigo que me falta. Sinto que
Jim lá está, como um irmão com quem falar.
Como George McDonald disse:
328
Death alone from death can save.
Love is death, and so is brave.
Love can fill the deepest grave.
Love loves on beneath the wave.
Só a morte da morte pode salvar / O amor é morte, e deste modo
corajoso / O amor pode encher a sepultura mais funda / O amor
ama por debaixo da vaga /
A presença e a obra de Jim criaram uma vaga vibrante,
e ele perfila-se como uma estátua luminosa e cantante perante
os projectores e a amplificação. Mas os seus poemas e musicas
continuam a demonstrar, com subtileza, que só a Morte da
Morte Pode Salvar.
MICHAEL McCLURE
Agosto 1979
329
AGRADECIMENTOS
No ano seguinte à suposta morte de Jim Morrison, Jerry Hopkins
foi enviado para Europa como correspondente errante da Rolling
Stone. Isto simplificou-lhe a investigação de pormenores da única
tournée pela Europa de Jim e dos outros Doors e dos últimos meses
de Jim em Paris. Enquanto investigava o resto da sua vida, Jerry
viajou desde a sua residência em Los Angeles às primeiras moradas
de Jim Clearwater e Tallahassee, Florida; Alexandria, Virgínia e
Alameda, Califórnia; assim como em Nova Iorque, Atlanta e Valdosta
(Georgia), São Francisco, Mammoth, Monterey (Califórnia), e Miami,
Florida.
Aqueles a quem ambos os autores estão especialmente em dívida
incluem os três Doors sobreviventes, Ray Manzarek, Robby Krieger
e John Densmore; Bill e Cheri Siddons; Frank e Kathy Lisciandro;
Babe Hill; Leon Barnard; Paul Rothchild; Diane Gardiner; Paul
Ferrara; Bruce Botnick; Gloria Stavers; Michael McClure; Hervé
Muller; Billy James; Denny Sullivan; Ronnie Haran Mellen; Jac
Holzman; Dorothy Manzarek e Lynn Krieger.
Aqueles que ofereceram o seu valioso tempo e memórias a
Jerry incluem: Patrícia Kennely; Rosana (White) Norton; Fred e
Ilana Myrow; Tandy Martin Brody; Vince Treanor; Gerard (Fud)
Ford; Phil Oleno; Mrs. Walter Martin; James Merrill; Randy Maney;
Andy Morrison; Bob Hungerford; Ralph Turner; Sammy Kilman;
Thad Morrison, Jr. e Thad Morrison III; Margaret Morrison Blumberg; Nick; Pamela
Zarubica; David Thompson; Mrs. Paul R. Morrison e John DeBella.
Outros que Jerry entrevistou incluem: Elmer Valentine; Mário;
Larry Marcus; Harvey Perr; Sylvia Romano; Mike Gershman; Danny
Fields; Jonathan Dolger; Judy Sirns; David Anderle; Digby Diehl;
Russ Miller; Mike Hamilburg; Michael Ford; Garry Essert; Julia
(Brose) Densmore Negron; Gayle Enochs; Charles Lippincott; Barry
Opper; Eva Gardonyi; John Ptak; Linda Kelly; Gay Blair; Bill
Runyan; George (Bullets) Durgom; Salli Stevenson; Jac Ttana (Joe
Kooken); Anne Moore; Bill Belasco; Ron Raley; Nina e Adam
Holzman; Todd Schiffman; Paddy Faralla; Bill Kerby; Renata Eder;
Sue Helms; Pamela Courson; Stanton Kaye; Naomi Grumette; Clare
(Sparks) Loeb: Marshall Brevitz; Anne Schlosser; Paddy Monk; Judy
Huddleston; Samatha Spitzer; Ellen Sander; Bill Graham; John
331
Harris; Alan Weber; Bill Thompson; Ned Moraghzn; Robin Wertle;
Patrícia Charley; Leslie Gilb; Steye Wax; Trina Robbins; Philippe
Paringaux; Elizabeth (ZoZo) Larivière; Yvonne Fuka; Dominique
Lamblin; Phil Trainer; Cameron Watson; Hervé de Lilia; Arthur
Dorlag; Charles Reimer; Ashley Ahl; Joe Burke; Luther Davis Jr.;
Tom Reese; Francês Warfield; Hilton Davis; Diane Warfield; Deucalion Gregory; Ihor
Todoruk; James Blue; Colin Young; John Tobler;
John Morris; Clive Selwood; David Apps, Elliot Kastner; Chris
Greenwood; Rory Flynn; Gus Dana; Terence McCartney Filgate;
e Roger Tomlinson.
Gostava também de agradecer às seguintes pessoas: Rich Linnell;
Kim Fowley; Iggy Pop; Alice Cooper; Patti Smith; Alan Lanier;
Nigel Harrison; Jim Ladd; Shelly Ladd; Harvey Kubernick; Penelope
Abrams; Mel Posner; Marty Fox; Bob Greene; Eric Rudolph; Elektra
Records, N. Y. e L. A. (especialmente as raparigas da publicidade
da West Coast); Marcy Rudo; Dave Marsh; e Todd Gray. Também
à minha família; Barbara Reinhart; Ken Keyes; Joh Randell; e Shep
Gordon, todos que deram à minha missão inspiração e apoio de uma
maneira ou de outra.
Está-se em dívida para com a Repartição de Informação Pública
da Marinha dos Estados Unidos no Pentágono; Elektra Records International; arquivos
de Billboard e Cashbox (revistas); Miami Herald
e Miami News Leader; Los Angeles Times; Melody Maker, New
Musical Express; Rogers, Cowan e Brenner em Beverly Hills e Londres; Gibson e
Stromberg; Florida State University; St. Petersburg
Júnior College; George Washington Hig School; a revista Crawdaddy;
a revista Crêem; The Village Voice; Rolling Stone; e a revista Circus.
Jerry e eu gostávamos especialmente de agradecer a todos os
fans dos Doors que demonstraram que uma coisa boa nunca morre,
que Jim Morrison e os Doors vivem através das suas palavras e da
música.
DANIEL SUGERMAN
DISCOGRAFIA
Número
da
etiqueta
45 r.p.m.
TÍTULO E DATA DE SAÍDA
singles
Breack On Through
End of the Night (Janeiro 1967)
Ligth My Fire
The Crystal Ship (Abril 1967)
People Are Strange
Unhappy Girl (Setembro 1967)
332
45624 Love Me Two Times
Moonlight Drive (Novembro 1967)
45628 The Vnknown Soldier
We Could Be So Good Together (Março 1967)
45635 Hello, 1 Love You
Love Street (Junho 1968)
45646 Touch Me
Wild Child (Dezembro 1968)
45656 Wishful, Sinful
Who Scared You (Fevereiro 1969)
45663 Tell Ali The People
Easy Ride (Maio 1969)
333
45675 Runing Blue
Do It (Agosto 1969)
45685 "* You Make Me Real
Roadhouse Blues (Março 1970)
45726 Love Her Madly
Don't Go No Farther (Março 1971)
45738 Riders On The Storm
Changeling (Junho 1971)
E-46005 Roadhouse Blues
Albinoni Adagio (Janeiro 1979)
45 r.p.m. Séries «Spun Golã»
45051 Light My Fire
Love Me Two Times (Abril 1971)
45052 Touch Me
Hello, I Love You (Abril 1971)
45059 Riders On The Storm
Love Her Madly (Setembro 1972)
33 y-i r.p.m. álbuns
74007 THE DOORS (Janeiro 1967): Break on Through, Soul
Kitchen, The Crystal Ship, Twentieth-Century Fox, Alabama Song, Light My Fire, Back
Door Man, I Looked
at You, End of the Night, Take It As It Comes, The End.
74014 STRANGE DAYS (Outubro 1967): Strange Days, You're
Lost Little Girl, Love Me Two Times, Vnhappy Girl,
Horse Latitudes, Moonlight Drive, People Are Strange,
My Eyes Have Seen You, I Can't See Your Face in My
Mind, When the Music's Over.
74024 WAITING FOR THE SUN (Julho 1968): Hello, I Love
You, Love Street, Not to Touch the Earth, Summer's
Almost Gone, Wintertime Love, The Unknown Soldier,
Spanish Caravan, My Wild Love, We could be So Good
Together, Yes the River Knows, Five to One.
334
**75005
75007
2-9002
74079
75011
2-6001
EQ-5035
5E-502
THE SOFT PARADE (Julho 1969): Tell AU the People,
Touch Me, Shaman's Blues, Do It, Easy Ride, Wild
Chila, Runnin' Blue, Wishful Sinful, The Soft Parade.
MORRISON HOTEL (Fevereiro 1970): Road House
Blues, Waiting for the Sun, You Make Me Real, Peace
Frog, Blue Sunday, Ship of Fools, Land Ho!, The Spy,
Queen of the Highway, Indian Summer, Maggie M'Gill.
ABSOLUTELY LIVE (Julho 1970) (álbum duplo): Who
Do You Love, Medley: Alabama Song/Back Door Man,
Love Hides, Five to One, Build Me a Woman, When
the Music's Over, Ctose to You, Universal Mind, Break
on Through = 2, The Celebration of the Lizard, Soul
Kitchen.
13 (Novembro 1970): Light My Fire, People Are Strange,
Back Door Man, Moonlight Drive, Crystal Ship, Roadhouse Blues, Touch Me, Love Me Two
Times, You're
Lost Little Girl, Hello, I Love You, Wild Child, Unknown Soldier.
L. A. WOMAN (Abril 1971): The Changeling, Love Her
Madly, Been Down So Long, Cars Hiss by My Window,
L. A. Woman, L'America, Hyacinth House, Crawling
King Snake, The WASP (Texas Radio & the Big Beat),
Riders on the Storm.
WEIRD SCENES INSIDE THE GOLD MINE (Janeiro
1972) (álbum duplo): Break On Through, Strange Days,
Shaman's Blues, Love Street, Peace Frog, Blue Sunday,
The WASP, End of the Night, Love Her Madly, Spanish
Caravan, Ship of Fools, The Spy, The End, Take It As
It Comes, Running Blue, L. A. Woman, Five to One,
Who Scared You (You Need Meat), Don't Go No Further, Riders on the Storm, Maggie
M'Gill, Horse Latitudes, When the Music's Over.
THE BEST OF THE DOORS (Quadrifónico) (Agosto
1973): Who Do You Love, Soul Kitchen, Hello, I Love
You, People Are Strange, Riders On the Storm, Touch
Me, Love Her Madly, Love Me Two Times, Take It As
It Comes, Moonlight Drive, Light My Fire.
AN AMERICAN PRAYER (Novembro 1978): Awake,
To Come of Age, The Poet's Dreams, World on Fire,
335
An American Prayer (o álbum inclui uma versão em
concerto de Roadhouse Blues em adição à poesia de
Morrison dita pelo próprio e a música nova pelos três
sobreviventes dos Doors) (também um «libretto» de
8 páginas a cores).
Todos os discos Elektra Records.
336
LIVROS
THE LORDS
edição privada,
tiragem limitada de 100 cópias,
Western Lithographers, Los Angeles, Primavera de 1969
THE NEW CREATURES
edição privada,
tiragem limitada de 100 cópias,
Western Lithographers, Los Angeles, Primavera de 1969
THE LORDS & THE NEW CREATURES
Simon and Schuster
encadernado, Maio de 1970
AN AMERICAN PRAYER
edição privada
tiragem limitada de 500 cópias
Western Lithographers, Los Angeles, Verão de 1970
THE LORDS & THE NEW CREATURES
Simon and Schuster
brochura, Outono de 1971
337
FILHES
BREAK ON THROUGH
16 mm, a cores
Filme de promoção da Elektra Records feito para a Televisão
2 min. 25 seg.
THE UNKNOWN SOLDIER
16 mm, a cores
Filme de promoção da Elektra Records feito para a Televisão
3 min. 10 seg.
FEAST OF FRIENDS
16 mm, a preto e branco e (sobretudo) a cores
Documentário «synch-sound»
Filmado e idealizado por Paul Ferrara e Jim Morrison
Montado por Frank Lisciandro
Som de Babe Hill
Co-produzido pelos Doors
40 min.
HIWAY
35 mm, a cores, «synch-sound»
Um filme de Jim Morrison, Frank Lisciandro e Paul Ferrara
Som de Babe Hill;
Música do genérico: Georgie Ferrara, música: Fred Myrow
50 min.
339
THE DOORS ARE OPEN
Filme a preto e branco para a Televisão
Montagem de concerto misturada com montagem de eventos políticos
de 1968
Quatro partes, filmado pelo canal Granada da televisão britânica,
Londres, Inglaterra, no Roundhouse Theatre
Excelente actuação; som sofrível
1 hora.
SOBRE OS AUTORES:
JERRY HOPKINS: Jerry tem vindo a escrever crónicas sobre
música popular desde a sua graduação em Washington e na Universidade de Lee em 1957.
Tem escrito para dúzias de publicações como
jornalista «free lancer» e publicou vários livros sobre música rock.
Em 1971, Jerry publicou a primeira, e a que se verificou ser a definitiva, biografia
de Elvis Presley, Elvis. Este livro foi dedicado, em parte, a Jim Morrison «pela
ideia». Depois da noticiada morte de
Jim em 1971, Jerry sentiu-se comovido ao ponto de decidir que o seu
próximo projecto seria escrever a biografia de Jim. Jerry tinha conhecido Jim quando
o entrevistou para a Rolling Stone, e novamente
quando viajou no México com os Doors para cobrir os seus concertos
no sul do país.
De 1971 a 1975 Jerry investigou a vida de Jim. Foi durante a
investigação que fez para o seu livro, que Jerry se encontrou pela
primeira vez e entrevistou Danny Sugerman, um amigo e sócio de Jim.
Hoje Jerry Hopkins vive no Hawai com os seus dois filhos. Cobre
a cena da música hawaiana e mantém-se como correspondente da
revista Rolling Stone.
I
340
DANIEL SUGERMAN: Danny tinha vinte e quatro anos à época
da edição original deste livro (1980) e vive em Beverley Hills, onde
dirige uma florescente empresa de administração e relações públicas.
Também actua como confidente e apoio dos Doors sobreviventes,
especialmente de Ray Manzarek, cuja carreira dirigiu desde que os
Doors se separaram. Interveio no dia-a-dia dos Doors como sócio
administrador e fez parte integrante da «Família dos Doors». Encorajado por Jim
Morrison, Danny começou a escrever quando tinha
treze anos, cobrindo primeiro os concertos dos Doors e, mais tarde,
com maior profundidade, o famoso julgamento de Jim em Miami.
Tornaram-se os dois amigos íntimos, e depois da morte de Jim em
341
Paris, Danny continuou a cobrir a cena da música rock para várias
publicações nos Estados Unidos e no estrangeiro.
Depois de Jerry Hopkins ter assegurado a investigação e os dois
primeiros esboços, Danny começou a reunir aquilo que viria a ser o
manuscrito final, tentando dar ao leitor uma imagem de Jim tão
real quanto o poderia fazer alguém que tinha conhecido Jim intimamente.
VOLUMES PUBLICADOS NESTA COLECÇÃO
1 - Uma Oração Americana - Jim Morrisson
2 - Daqui Ninguém Sai Vivo - Jerry Hopkins, Daniel Sugerman
a publicar:
- Bob Dilyan - Antologia de poemas
organização de Sérgio Godinho
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FIM DO LIVRO