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Fora do Ar
Acordo.
Meu estado já havia sido pior.A doença do egipcio tinha tomado de conta de
meus olhos, cabeça e pele. A terceira vez que o vírus se instalou, e desta vez a
morte quase veio junto. O Dr. deu data a minha alta, e prontamente aceitei a
continuidade dos litros e litros de soro que entravam por mais dos furos de
minhas veias já tão debilitadas. Não havia nada a ser feito.
Ele se foi. Com o meu tchau e meu obrigado que agora o pertenciam.
Acomodei-me no colchão que de tão macio afundava e por ali fiquei, olhando
prontamente pro tubo do soro, contanto as gotas que me hidratavam da forma
mais artificial que conheço, hora as gotas eram rápidas como lágrimas de
tristeza, hora lerdas como lágrimas de agonia. Nos últimos dias meus braços
tinham sido tão furados que estavam tristes, sem animo, e roxos, cada furo
tinha um significado: veia certa, veia errada, coleta de sangue, erros. Mas os
furos eram só um dos motivos da tristeza dos meus braços esqueléticos, sou
muito peludo e assim sempre foi, lembro que desde 8 anos tinha pelos onde
muitos adolescentes sonham em ter, meu braços não eram diferentes, e
enquanto os esparadrapos se distanciavam da superfície da minha pele com
sua face grudenta, a dor paralelamente substituía onde antes haviam pelos.
Saquei meu celular e me pus a escutar as músicas que há tanto não ouvia, é
bem verdade que não por falta de tempo e sim por burrice, pois um homem
sem tempo pra música é um burro. Com meu celular em mãos e os ouvidos a
postos, ouvi violinos, violões, saxofones, xilofones e amor. Pois as canções de
amor que nos levam ao subsolo do poço, são excelentes. Graças ao bom
destino tenho a benção de não estar amando, pelo o menos não a ninguém. O
que digo pode ser considerada a maior das tolices, mas é fato de que o amor
quando é firmado sobre a tempestuosa paixão pode se transformar em ódio e
esse é o perigo. E para que sejamos realistas o amor é um remédio que nos
mesmos nos injetamos, o amor não vem de outros, vem de nós e nos viciamos
nessa droga se é que não estou fazendo um melaço de amor e paixão, mas
deixemos toda essa porcaria de lado, pois acaba de deixar ainda mais doente.
De soro, antialérgicos, Dipirona e sopa vivi. Não posso esquecer-me das idas
ao banheiro, estas sim eram cotidianas, mas do que meramente cotidianas,
necessárias a vida. O pipi a cada 5 min. Era necessário afinal todo aquele soro
tinha de ir pra algum lugar, devo admitir que o banheiro era um lugar agradável,
não por a toa ficava tanto tempo lá, incrivelmente lá o ar era puro. No restante
do meu habitat o ar era gélido e fechado, branco e pesado, o banheiro era um
lugar de mais cores.
Dessa maneira passei alguns dias, até a notícia da minha alta, que havia sido
retardada ai então o tempo resolveu ser cruel. A manhã do dia seguinte tornou-
se mais um fardo de natureza temporal, acordei, comi alguns pães com café e
leite e dormi, acordei, dormi e assim se sucedeu até o almoço. Ao pleno meio
dia o médico já deveria ter chegado e há muito tempo, mas nenhum sinal de
vida, ou alguém pra dizer que tinha morrido em um acidente quando vinha para
o hospital, bem isso algum sinal de vida afinal, entretanto - ah o dia perdurou
insistentemente - as visitas dos enfermeiros não passavam de torturas
cronológicas e me davam a oportunidade de perguntar sobre o Dr. e não obter
nenhuma resposta satisfatória.
Eu simplesmente ri. Até pensei que a velha estava no seu direito em fazer uma
reforma na carcaça, desde eu não tenha q vê-la e tão pouco encostar em nada.
Cirurgias plásticas não são minhas praticas medicinais favoritas, há casos em
que se faz extremamente necessário, afinal o mundo vive disso. Beleza. Esta
sim é essencial, não que eu queira, mas um rostinho bonito, coisa que a
natureza não deu, faz milagres. As pessoas são capazes de julgar toda a vida
de alguém em alguns olhares pelo rostinho, os padrões levados em questão
são basicamente os mesmos: cor de pele, cabelo e traços faciais, se é negro é
quase sempre burro, pobre e feio, dificilmente vejo modelos e galãs negros e
olha que há muitos homens negros bonitos, se os cabelos de uma mulher são
lisos, os são pranchados e isso fica claro, ou ela realmente se cuida e os traços
mesmo sem querer são levados em questão principalmente pelas mulheres
que buscam homens de rostos quadrados, algo bem másculo que supra suas
necessidades puramente femininas e de seu ego por algum tempo ou alguma
noite.Quando a enfermeira saiu com uma bandeja de metal e o saco do soro
vazio voltei a esperar o próximo cliente dos meus olhos. Instantes se passaram
e nada veio. Dormi. Acordei com outra enfermeira, mas estava acompanhando
um paciente que estava na maca, o homem deitado tinha um dos olhos
tampados e estava meio dopado. Mas em meia hora ele estava bem e foi
liberado, era só uma cirurgia de catarata, eu sabia que era simples, mas não
tão simples e ele obteve alta. Outro homem mais tarde, só alguns minutos
depois apareceu do mesmo jeito veio e do mesmo jeito se foi. Dormi.
- Hum...
Prontamente respondi.
- Dengue.
Não perdi a oportunidade e perguntei: e você?
Pergunta infeliz.
- Ah cara...
As visitas se foram.
O silêncio pairou momentaneamente, mas eu sabia que não duraria muito com
aquele PM. Os 2 começaram a conversar e eu a escutar e analisar. A conversa
era descompromissada, afinal o que poderia se esperar de 2 enfermos?! Fui ao
banheiro, umas de minhas visitas ao banheiro, respirei, fiz o básico pipi e voltei,
me sentei desta vez em umas das 3 cadeiras encostadas à parede da
enfermaria ao lado de uma mesinha de metal em que deixara meus pertences.
Coloquei meu queixo sobre a mesa e sem mais nem menos fiquei observando
a conversa dos dois, não havia programa melhor. O enfermo de número 3 era
publicitário e provavelmente estava com uma bela colônia de bactérias em sua
garganta o tom com que se expressava não me era muito agradável,
diferentemente da enfermeira baiana, detalhe que me esqueci de comentar, ele
era baiano, estava há 6 meses no Acre, adaptando-se. Ouvi suas conversar até
surgir a vontade de me meter, e fiquei meticulosamente esperando o momento
para dar inicio à uma amizade, a chance surgiu quando o enfermeiro veio,
trouxe nossos remédios e me deu a chance de entrar na conversa de cabeça.
Estavam falando sobre a adaptação dele aqui, ele comentou que algo que
adorou foi a preservação do meio ambiente no Acre.
Minha chance! Perguntei pra ele se ele já havia ido até o interior do Acre,
conversado com acrianos destas regiões, passivamente ele me respondeu que
não.
-É por isso que você acha que as pessoas preservam a mata. Apesar do Acre
ter 70% de sua mata nativa preservada, as pessoas pouco se importam, e
pouco sabem sobre sua importância.
-Se você chegar numa área de mata fechada pedir pra lhe venderem a madeira
de uma arvore, por 250m² você consegue fácil, fácil. No dia seguinte a arvore
tá na frente da sua casa, cortada e pronta pra uso.
-Verdade. Disse eu, é claro que o enfermeiro havia exagerado um pouco, mas
é pra dar ênfase a situação.
-Visitei uma chácara na qual faziam o daimê, fui pra conhecer lá eles tinham
uma arvore que pode ser abraçada por mais de 16 pessoas.