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Freud e a Neuropsicanálise

Introdução
“Falar em amálgamas entre psicanálise e neurociência ignorando-se que por detrás destes
termos estão embutidas complexas cadeias conceituais com intrincados níveis de coerência
interna é uma pretensão insustentável; por outro lado, um diálogo interdisciplinar entre
ambos os campos pode ser fecundo, mas isto não implica, em hipótese alguma, autorizar a
emissão de generalizações totalizante mediante articulações arbitrárias.”(Guerra e Xavier,
2008 )
Diante deste cenário, esse artigo destina-se a avaliar a validade do projeto de Neuro-
psicanálise de Kaplan Solms e Solms (2004), através do exame da leitura que autores fazem
do campo psicanálico, da natureza epistemológica dos conceitos freudianos e dos objetos
por eles construídos, além do exame das “investigações neuro-psicanalíticas” promovida
pelos autores e colegas.Não se trata de exaustiva discussão da possibilidade e da validade
epistemológica da articulação entre psicanálise e neurociências, mas atraves de um exame
de um projeto de fusão dos dois campos, levantar os problemas centrais da articulação entre
essas duas áreas de racionalidades tão distintas e a esterilidade e “impostura intelectual”
que uma leitura reducionista dos conceitos psicanalíticos pode levar.
Primeiro,faz-se necessário um rápido exame da constituição da clínica picanalítica e
da teoria metapsicológica, focando as singularidades do saber e prática da psicanálise os
problemas epistemológicos inerentes a sua formação.

Psicanálise

Segundo Figueredo(2002) a psicanálise se constitui como um “enclave” na


modernidade,um construção feita no terreno inimigo e à partir na terra do terreno
inimigo.
Ou seja, surgindo entre o fim do século XIX e o início do século XX, em um monento de
crise da Modernidade,de “desencantamento do mundo”, a psicanálise se constitui como
uma área de investigação e clínica de várias racionalidades, entre elas o racionalismo
iluminista,cientificismo do século XIX e o romantismo alemão .Mas se foi herdeira dessas
racionalidades, a psicanálise se defrontou na sua formação com um mundo que sentia
profundamente a crise da tradição,das instituições e das visões hegemônicas de mundo, e
portanto carrega em seu bojo a própria tensão internas dessas racionalidades, além das
tensões entre essas várias visões de mundo.
Ainda segundo Figuereido ,a psicanálise, em referencia as matrizes do pensamento
psicológico , estaria em um tenso ponto médio entre o pólo Iluminista o pólo Romântico e o
pólo Diciplinador,sendo esses pólos,a grosso modo, conjuntos de premissas filosóficas e
valores culturais destinados a pensar as questões éticas inerentes a constituição da
subjetividade humana.Ou seja, já é parte constitutiva da área psicanalítica.
Se pensarmos em sua relação com a cientificidade, devemos pensar que o
conhecimento psicanalítico tem como material privilegiado(mas não único) a fala do
paciente na clínica, a só a partir da fala de seus pacientes sobre sua própria dor, tecer
generalizações e relações causais sobre o funcionamento da psique humana.
Um exemplo, quanto ao conceito de melancolia (Freud, 1917)e sua diferença para
com o Luto,a saber,a perda da auto-estima do sujeito no primeiro caso:
“Ouvindo com paciência as várias autoacusações de um melancólico não
conseguimos, afinal, não conseguimos afinal, evitar a impressão de que freqüentemente as
mais fortes entre elas não se adequam muito a sua própria pessoa, e sim, com pequenas
modificações, a outra, que o doente ama, amou, ou devia amar.Toda vez que examinamos
o fato, essa suposição é confirmada.De maneira que temos a chave para o quadro clínico,
ao perceber as recrimações a si mesmo como recriminações a um objeto amoroso, que
deste se voltaram ao próprio Eu....Não há dificuldade,então em reconstruir esse
processo.Havia uma escolha de objeto,uma ligação de libido a certa pessoa;por influencia
de uma real ofensa ou decepção de uma pessoa amada, ocorreu um abalo nessa relação de
objeto.O resultado não foi normal-a libido ser retirado deste objeto e deslocado para um
novo-;e sim outro que parece requerer várias condições para se produzir.O investimento
objetal demonstrou ser pouco resistente, foi cancelado, mais a libido livre não foi
deslocada para outro objeto,mais para o Eu.Mas ela não encontrou uma utilização
qualquer:serviu para estabelecer uma indentificação do Eu com o objeto
abandonado.Assim a sombra do objeto caiu sobre o Eu,e a partir de então esse pode ser
julgado por uma instância especial como objeto,o objeto abandonado.Desse modo a perda
do objeto se transformou em uma perda do Eu,e o conflito entre o Eu e a pessoa
amada,numa cisão entre a critica do Eu e o eu modificado pela identificação.”(Freud,
1915/2010)
Aqui podemos analisar como Freud, a partir material trazido pela fala de
analisandos sobre suas próprias queixas e auto-recriminações, estabelece conexões com os
conceitos já trabalhados pela psicanálise(como o de luto no caso) e cria uma hipótese sobre
como se orquestram funções inconscientes gerais (identificação,investimento objetal, Eu)
em uma quadro psíquico específico.

Sendo assim, o inconsciente freudiano não é um “objeto natural”, mas um objeto


construído(Mezzan 2002, pg 469-471), marcado profundamente pelas questões históricas,
sociais e culturais que atravessaram a construção da psicanálise e de seus conceitos, e estes
então pedem para serem lidos profundamente contextualizados, como tudo que é
construído.
Vale ressaltar que se em algum momento pré-psicanalítico as racionalidades
podem ser analisadas separadamente(guardadas as devidas ressalvas), na constituição da
psicanálise se fundem de forma original, constituindo um campo híbrido,que a partir da
Interpretação dos Sonhos,resiste a leituras que não levam em conta a psicanálise como
campo coeso,possuindo.

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