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Aperto os cintos, o espaço sumiu

Diante de insistentes reclamações de passageiros sobre a falta de


conforto e espaço dos assentos nos aviões de carreira, a Agência Nacional
de Aviação Civil, a ANAC resolveu entrar em ação. Munida de pesquisas e
avaliações, a sua meta é tornar obrigatório nos próximos meses a
qualquer companhia aérea brasileira que opere voos regulares domésticos
e internacionais informar o espaço útil em seus aviões com mais de 20
assentos, explica Carlos Eduardo Pellegrino, Diretor de Operações de
Aeronaves da agência. À falta de espaço das poltronas, dois fatores não
menos importantes, como saúde e segurança do viajante, foram
decisivos. “Há muito se criou o termo ‘Síndrome da Classe Econômica’
como referência aos problemas físicos sofrido por passageiros. Entre eles
há o decorrente da permanência na posição sentada em viagens longas,
que provoca o acúmulo de líquidos nos membros inferiores podendo
causar uma trombose circulatória. Forma-se um coágulo que pode
obstruir um vaso sangüíneo e impedir a passagem do sangue levando à
morte por embolia pulmonar”, explica Afranio Ziolkovski, especializado
em Medicina Aeroespacial. Para ele, passageiros sedentários, obesos,
fumantes, portadores de doenças como diabetes, insuficiência cardíaca,
miosites, traumatismo recentes, usuários de antidepresssivos, mulheres
grávidas ou que usam pílula anticoncepcional, são candidatos naturais a
desenvolver esta síndrome. Ou seja, um risco que atinge quase todo
mundo. “Esta a segunda causa de mortes dentro de aviões”,
complementa Kate Hanni, responsável pelo movimento FlyersRights, que
lidera uma ONG em defesa dos direitos dos passageiros nos Estados
Unidos.

Como evitar este grave problema? Ziolkovski recomenda ao passageiro


fazer movimentos constantes com os pés e as pernas enquanto estiver
sentado, e a cada 40 minutos levantar da poltrona para alongar os
membros e caminhar pelos corredores do avião. Mas como fazer isto em
um espaço que cada dia mais acanhado? O médico orienta também beber
muito líquido durante o vôo. Isto se mostra na prática como inviável, pois
exigiria todos se levantem simultaneamente e com freqüência. Além
disso, significaria solicitar aos ocupantes de assentos vizinhos se levantar
para dar passagem devido ao espaço exíguo. Sem falar na sobrecarga do
serviço de bordo não estruturado para atender tantos pedidos de água,
além da conseqüência biológica de ampliar as filas dos raros banheiros da
classe econômica – uma média de um para cada 60 passageiros - diante
da diurese provocada pela ingestão de tanto líquido adicional. Há ainda
um segundo problema que motivou a intervenção da ANAC, este
literalmente de vida ou morte, que é a orientação de testar a capacidade
de todos os tripulantes abandonarem uma aeronave em até 90 segundos
por apenas um dos lados das portas de emergência. “É óbvio que quanto
maior o adensamento de pessoas entre assentos, maiores as dificuldades
de sair, especialmente em poltronas próximas à janela, conclui Kate
Hanni.

Embora o encolhimento do espaço dentro da classe econômica não seja


um fenômeno exclusivamente brasileiro, coube à ANAC o pioneirismo
mundial de classificar os assentos por etiquetas. A meta é atender o
viajante médio, que tem entre 55 e 65cm do glúteo ao joelho, conforme
pesquisa realizada em 20 aeroportos do país e com 22 modelos de
assentos utilizados pelas principais companhias aéreas do Brasil. A
intenção não é estabelecer um padrão ou regulamentar o assunto, mas
permitir ao consumidor saber exatamente o que está comprando, e qual o
espaço terá disponível nas poltronas do avião. “As empresas serão
obrigadas a informar o passageiro para que ele possa comparar e decidir
com qual companhia prefere viajar. A etiqueta e o selo também vão
motivar a concorrência entre as empresas, já que além de preço, rotas e
serviços, o espaço entre as poltronas também será considerado pelo
consumidor”, explica Pellegrino, da ANAC.

Nem sempre foi assim. Houve uma época, não faz tanto tempo assim,
que viajar de avião era um luxo reservado a poucos privilegiados com
poder econômico. Homens e mulheres elegantes em seus melhores trajes
eram vistos nos aeroportos acompanhados de séquitos – assessores para
as viagens de negócios, familiares para as saídas de lazer. Recebidos com
pompa pelos agentes de terra e tratados como reis dentro das aeronaves,
os serviços de bordo irrepreensíveis e refeições que disputavam com os
melhores restaurantes faziam o ato de voar um requintado prazer. Com a
disseminação da aviação e a democratização ao seu acesso, o panorama
se alterou para sempre. Some-se a isto nos últimos anos o surgimento da
filosofia low cost low fare, uma gestão que prioriza os preços baixos. Em
contrapartida, degrada o serviço de bordo e otimiza o espaço das cabines,
já que traz muito mais passageiros para dentro de cada aeronave.
Adensados a níveis inimagináveis no passado, os aviões tem se
transformado em ônibus urbanos com asas.

Para adaptar-se aos novos tempos, as companhias aéreas do mundo


inteiro precisaram se reinventar para não fechar suas portas. No Brasil
não foi diferente. Tanto a Gol como a TAM, as duas principais
concorrentes, seguiram os mesmos passos. Por exemplo, o Boeing 737
700 da Gol que em épocas mais douradas possuía 137 lugares passou a
operar com 189 passageiros. Da mesma forma, o A320 da TAM, projetado
para transportar 150, agregou mais 37 passageiros à cabine. Até
empresas menores como a Webjet, que tentaram oferecer em seus
modelos mais antigos 737 300 espaço maior combinado a boas tarifas e
serviços diante da baixa lucratividade, sucumbiu ao novo patamar de
configuração. Atendendo recomendações da consultoria da RyanAir, a s
radical low cost low fare europeia, entre outras medidas, agregou 18
assentos aos 132 já existentes. Mas pelas leis da física, se não é possível
ampliar a estrutura das aeronaves, a metamorfose exige que mais gente
ocupe o mesmo lugar. O resultado já se conhece: sobrou para o usuário,
que involuntariamente foi convidado a compartilhar espaço com mais
passageiros.

Vale aqui um registro: este não é um assunto popular para a maioria das
companhias aéreas, que prefere tratar detalhes da configuração de
assentos como segredo de estado, e com raras exceções sequer se deu
ao trabalho de responder às consultas feitas para esta matéria. Elas têm
uma forte razão para agirem desta forma. A redução de espaço interno,
que se faz pelo menos de cinco formas diferentes, torna-se
proporcionalmente mais perversa ao conforto do passageiro conforme se
combinam. O primeiro destes fatores é com certeza o maior vilão da
história. Atende pelo nome técnico de pitch e serve para medir distância
entre as fileiras de assentos na mesma posição, um atrás do outro.

Que importância isto tem? Bastam 31 polegadas, que as companhias


aéreas menos zelosas pelo bem estar dos clientes adotam na classe
econômica para uma pessoa com 1,83 metro encostar os joelhos na
poltrona da frente. Com mais 3 polegadas já é possível colocar um livro
no meio. E com 36 polegadas quem senta na janela pode ir ao banheiro
sem perturbar o vizinho do lado. Se estas medidas representam um
incômodo que não chega a inviabilizar viagens curtas como as domésticas
brasileiras, torna-se um pesadelo insuportável em percursos com mais de
três horas. Um estuddo da Boeing demonstra que ao escolher um voo de
curto alcance, o passageiro se prioriza, em ordem decrescente, a
disponibilidade de horário, a tarifa, promoções e programa de milhas, o
serviço e o conforto. Mas para viagens mais longas, depois do
disponibilidade do voo, o conforto passa a ser o segundo fator de decisão.

A intenção da ANAC de regulamentar esta questão é pioneira no mundo.


O máximo que os fabricantes de aeronaves fazem, extremamente
cautelosos para não ferir suscetibilidades, é recomendar às companhias
aéreas uma configuração ideal para a instalação da “mobília” no avião. Na
maioria das vezes não é ouvida, e o resultado, como sabemos são
aeronaves tão superlotadas que mais lembram um armazém de secos e
molhados.

A metodologia de aferir espaço útil entre os assentos é outra questão


polêmica. Enquanto as companhias aéreas preferem medir o pitch pela
distância entre o ponto de fixação (parafuso) das poltronas dianteira e
traseira, sites da internet especializados em avaliar o conforto dos
assentos como o seatguru, seatexpert, skytrax, ou flyersright, discordam.
Definem o pitch como o o espaço disponível entre encostos para a cabeça
entre as poltronas da frente e traseira em posição vertical. Esta última
definição é vital para o conforto do passageiro, pois determina se,
dependendo da altura, evita que ele voe abraçando as pernas contra o
estômago ou sentar-se e reclinar com dignidade, e por isto deve
predominar na decisão da ANAC, contando inclusive com apoio de
audiência pública já realizada.

Foi quando as companhias aéreas descobriram a velha fórmula de, uma


vez criada a dificuldade, estava na hora de vender facilidade. Surgiram
então em todo o mundo classes econômicas turbinadas que oferecem em
alas separadas assentos com mais espaço a quem se dispuser a pagar um
pouco mais, em tabelas que vão de 50 dólares para os localizados na fila
de emergência, como a TAM, até seções privilegiadas que custam 25% a
mais do ticket, como a Turkish Airlines pretende implantar nos vôos para
o Brasil, conforme informa o seu diretor, Atagun Kutluyuksel. Ele também
pretende oferecer em breve vôos para a Europa através de sua
confortável frota, com escala em Istambul, como alternativa ao mísero
tratamento dado aos passageiros pelas concorrentes neste percurso.

O segundo fator de desconforto é a largura da poltrona, que obriga a


espremer clientes, gordos ou magros, a 17 polegadas, quando as aéreas
mais generosas como a Air Canada oferece 18,5 polegadas. Há uma
terceira variável: à medida que mais poltronas são instaladas por fileira o
espaço disponível se reduz ainda mais. Por exemplo, o Boeing 777 ER 300
da TAM que serve a rota de mais de 12 horas entre São Paulo-Frankfurt
está configurado para dez assentos por fila, na disposição 3-4-3 na
contramão da recomendação da Boeing para este tipo de aeronave para
longo percurso, que é de nove passageiros, um a menos, na formação 3-
3-3. Embora a TAM não esteja sozinha nesta política, há bons exemplos
como a Turkish Airlines ou Air Canada, entre outras que adotaram a
sugestão da Boeing para alegria do consumidor. Somem-se a este grupo
as brasileiras Azul, da Tripp e Avianca, com participação ainda pequena
no mercado, que mesmo para rotas domésticas curtas geram mais
conforto em suas aeronaves como uma estratégia inteligente para se
diferenciar da concorrência. Há um quarto fator a considera, que é o
próprio assento do avião. Seguindo tendência da indústria, as novas
poltronas mais finas e contraídas, se não resolvem o problema, pelo
menos trazem algum tipo de alívio aos joelhos, embora difíceis de
agüentar em grandes distâncias por serem revestidas por uma camada de
espuma densa e muito fina. Outro truque para iludir passageiro é que
estas novas poltronas são mais altas, o que dá impressão de mais espaço
por não esbarrar nem no ponto de pivoteamento (engrenagem de
inclinação localizada na parte inferior da poltrona) nem no bolsão que
serve para instruções de segurança, publicações ou objetos. Há um quinto
quesito: a inclinação do assento, que faz a grande diferença entre
manter-se acordado ou conseguir descansar e dormir durante o voo.
“Infelizmente, não há dados consistentes sobre a reclinação de assento,
pois as poucas companhias aéreas que prestam estas informações se
expressam em graus ou polegadas, impossibilitando uma comparação
consistente”, explica Andrew Wong, do Trip Advisor.

Uma configuração mínima razoável de uma classe econômica em um


B737, exemplifica uma fonte da aviação que pede o anonimato, deveria
combinar em vôos curtos um pitch de 32 polegadas (neste caso, a
distância entre os pés das poltronas dianteira e traseira) e 4 de
reclinação, e em vôos longos um pitch de 34 polegadas e 6 de reclinação,
o que equivale no máximo a 125 graus. A título de comparação, seriam
necessárias pelo menos 70 polegadas para que um assento reclinar
totalmente a 180 graus. Na vida real, as companhias aéreas oferecem
desde um pitch de 28 a 30 polegadas entre fileiras de poltronas, como
aparentemente adotado pela TAM em seus vôos internacionais no Boeing
777 ER 300, até 31 polegadas, como a Azul oferece em seus jatos
Embraer 190 e 195. Um recente estudo da Universidade Federal de São
Carlos com o apoio da ANAC registrou severas críticas de passageiros ao
desconforto das poltronas dos aviões. Nele, 75% dos entrevistados
revelaram dificuldade de repousar e dormir durante o voo, com altíssimo
índice de insatisfação em relação ao espaço para as pernas, que só
perdeu em desagrado para a péssima inclinação dos assentos.

Diante da enorme pressão de todos os setores – consumidores, saúde,


segurança e governos – o que faz as companhias aéreas persistirem
numa configuração de assentos tão antipática, e que só parece agradar
investidores em busca de melhores resultados financeiros?
Evidentemente, o problema tem menos impacto em vôos de curta
duração, como é o caso das low fare, low cost tanto européias como
brasileiras, cuja proposta é reduzir por poucas horas conforto e preço nas
mesmas proporções. Mas o problema atinge proporções dramáticas
quando se trata de vôos internacionais de longo alcance. Um bom
indicador da teimosia das companhias aéreas é o comentário oficioso de
um dirigente da TAM, de que “se quisermos colocar dez aviões a mais em
cada rota internacional há passageiro para encher todos eles”. Mesmo a
contragosto, é preciso dar razão a ele. Em setembro, acompanhando o
expressivo crescimento da demanda de transporte aéreo doméstico, a
procura por vôos internacionais se expandiu 27% em relação a 2009, com
taxas de ocupação das companhias brasileiras atingindo magníficos 82%,
dos quais a TAM representa 85% dos vôos das empresas brasileiras para
o exterior. Nestas circunstâncias, a empresa deve se perguntar: “mudar
para que”? Cabe às forças do mercado, a começar por uma eventual
concorrência, responder a esta pergunta.

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