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os contrabandistas da fronteira
(1760-1810)
Rio de Janeiro
2002
Infiéis transgressores: os contrabandistas da fronteira (1760-1810)
Banca Examinadora:
_____________________________________
Prof. Dr. João Luís Ribeiro Fragoso – Orientador
Universidade Federal do Rio de Janeiro
_____________________________________
Prof. Dr. Karl Martin Monsma
Universidade Federal de São Carlos
_____________________________________
Prof. Dr. Manolo Garcia Florentino
Universidade Federal do Rio de Janeiro
_____________________________________
Profª. Drª. Sheila de Castro Faria (suplente)
Universidade Federal Fluminense
_____________________________________
Profª. Drª. Maria de Fátima Gouvêa (suplente)
Universidade Federal Fluminense
Rio de Janeiro
2002
Em março de 1763 a vila de Rio Grande
era invadida pelas tropas espanholas.
Em meio à confusão, um soldado
(cujo nome ignoramos)
lembrou-se de salvar os livros da
Provedoria da Fazenda Real.
Hoje estes livros encontram-se num Arquivo,
à disposição dos pesquisadores,
graças à diligência daquele soldado.
A este desconhecido dedicamos nosso trabalho.
AGRADECIMENTOS
ÍNDICE
Introdução...................................................................................................................................... 10
A historiografia............................................................................................................................ 12
Os “informantes” ......................................................................................................................... 15
A organização............................................................................................................................... 20
Conclusão........................................................................................................................................ 201
1
Seria difícil apresentar dados demográficos confiáveis destas áreas, especialmente dos territórios sob
domínio espanhol, dos quais não temos estatísticas. A população do Rio Grande de São Pedro, em
1780, estaria próxima de vinte mil pessoas, o que indica que era um espaço parcamente povoado em
comparação com outras áreas coloniais como o Rio de Janeiro, que na época somava cerca de duzentas
e quinze mil pessoas. Cf. IBGE. Estatísticas Históricas do Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística, 1986. pg. 19
2
Cf. FRAGOSO, João Luís Ribeiro & FLORENTINO, Manolo Garcia. Arcaísmo como Projeto.
Mercado atlântico, sociedade agrária em uma economia colonial tardia. Rio de Janeiro 1790-
1840. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
12
A historiografia
Disse Michelangelo, certa vez, que a escultura que talhara não fora obra
sua, que ela sempre estivera naquele lugar, no coração da pedra, e lhe coubera
apenas retirar a matéria que a encobria. De certo modo, o pensamento dos
historiadores nacionalistas não foi muito diferente. Para eles a nação estava no
pensamento de cada homem do passado. Nesta visão, a fronteira sempre esteve
demarcada.
Um tema como contrabando no Rio da Prata sempre foi deixado de lado,
13
3
SIMONSEN, Roberto C. História Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1937.
4
ELLIS JUNIOR, Alfredo. O Ciclo do Muar. Revista de História. USP: São Paulo, vol. 1, n. 1, 1950.
5
ZEMELLA, Mafalda. O abastecimento da Capitania das Minas Gerais no século XVIII. São Paulo:
Hucitec-Edusp, 1990.
6
CANABRAVA, Alice P. O comércio português no Rio da Prata (1580-1640). Belo Horizonte/São
Paulo: Itatiaia/EdUSP, 1984.
7
CESAR, Guilhermino. O contrabando no sul do Brasil. Caxias do Sul: UCS, 1978.
8
OSÓRIO, Helen. Estancieiros, Lavradores e Comerciantes na Constituição da Estremadura
Portuguesa na América. Rio Grande de São Pedro, 1737-1822. Niterói: PPGHIS-UFF, 1999. (tese
de doutoramento Inédita).
9
SILVA, Augusto da. Rafael Pinto Bandeira: De bandoleiro a governador. Relações entre os
poderes privado e público no Rio Grande de São Pedro. Porto Alegre: PPGH - UFRGS, 1999.
(Dissertação de Mestrado Inédita).
10
HAMEISTER, Martha Daisson. O continente do Rio Grande de São Pedro: os homens, suas redes
de relações e suas mercadorias semoventes. Rio de Janeiro: PPGHIS - UFRJ, 2002. (Dissertação de
Mestrado Inédita).
14
11
PRADO, Fabrício Pereira. Colônia do Sacramento: o extremo sul da América Portuguesa. Porto
Alegre: F. P. Prado, 2002.
12
MITRE, Bartolomé. Ensayos Historicos. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1918.
13
SEMPAT ASSADOURIAN, Carlos. El Sistema de la economía colonial. Mercado Interno, regiones
y espacio económico. Lima: IEP, 1982.
14
MOUTOUKIAS, Zacarias. Contrabando y control colonial en el siglo XVII - Buenos Aires, el
Atlantico y el espacio peruano. Buenos Aires: Centro Editor de América Latina, 1987. e
MOUTOUKIAS, Zacarias. Redes personales y autoridad colonial. Los comerciantes de Buenos Aires
en el Siglo XVIII. ANNALES. Histoire, Sciences Sociales. v. (1992).
15
PORTO, Aurélio. Fronteira do Rio Pardo: penetração e fixação de povoadores. Revista do Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. v. IX, (1929). p. 49.; PORTO, Aurélio. História das
Missões Orientais do Uruguai. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1943. e PORTO, Aurélio.
Noticia sobre o Visconde de São Leopoldo. IN: PINHEIRO, José Feliciano Fernandes. Anais da
Província de São Pedro. Petrópolis: Vozes, v. 1978.
16
PAUWELS, Geraldo José. Contribuição para o estudo dos conceitos de "limite" e "fronteira". Revista
do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. v. (s.d.). p.
17
CONI, Emilio. Historia de las vaquerias de Rio de la Plata 1555-1750. Buenos Aires: Devenir, 1956.
e CONI, Emilio. El Gaucho. Argentina, Brasil, Uruguai. Buenos Aires: Ediciones Solar, 1942.
15
Os “informantes”
18
GINZBURG, Carlo. O nome e o como: troca desigual e mercado historiográfico. IN: GINZBURG,
Carlo. A Micro-história e outros ensaios. Lisboa/Rio de Janeiro: DIFEL/Bertrand Brasil, 1989. pg. 175.
16
Os cronistas
Os oficiais da coroa
19
CONCOLORCORVO. (Don Calixto Bustamante Carlos) El Lazarillo de Ciegos Caminantes. Desde
Buenos Aires hasta Lima – 1773. Buenos Aires: Ediciones Solar, 1942.
20
OYARVIDE, Andrés de. Diario de demarcación. IN: CALVO, Carlos. Recueil Historique Complet
des traités. Paris, 1866.
21
SALDANHA, José de. Diário Resumido, e Histórico ou Relação Geográfica das Marchas e
Observações Astronômicas, com Algumas Notas sobre a História Natural, do País. IN: Anais da
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Vol. LI. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde –
Serviço Gráfico, 1938.
22
AZARA, Félix de. Memória Rural do Rio da Prata. IN: FREITAS, Décio. O Capitalismo Pastoril.
Porto Alegre: EST - SLB, 1980.
17
Os revoltados
As testemunhas
23
“Capítulos contra Rafael Pinto Bandeira”. Cód. 104. Vol. 06. pg 143. Arquivo Nacional.
24
Cód. 104. Vol. 09. pg. 310. Arquivo Nacional.
18
destas, quatro foram examinadas com cuidado, por envolverem questões mais
próximas de nosso objeto.
A primeira destas é relativa à entrega da vila de Rio Grande aos
espanhóis, feita em 1764, e menciona alguns de nossos investigados.25 A segunda
devassa, feita em 1773, tratava exclusivamente sobre contrabandos. A partir
desta fonte, construímos um banco de dados que considerava os envolvidos, os
lugares dos contrabandos, a quantidade e qualidade dos animais e as demais
circunstâncias relatadas. Nesta devassa, testemunharam quinze pessoas entre
militares, criadores e lavradores. É difícil apontar os critérios de escolha das
testemunhas, pois era um grupo bastante heterogêneo.
Em 1779 alguns desentendimentos entre o governador Marcelino de
Figueiredo e o Coronel Rafael Pinto Bandeira acabaram gerando uma outra
investigação, que somou quarenta e seis testemunhas. Desta terceira devassa
abordamos apenas aspectos pontuais, sem esgotá-la, já que privilegiava
questões militares. Como decorrência desta investigação de Marcelino de
Figueiredo, foi realizada uma quarta devassa, um “Conselho de Guerra”, espécie
de tribunal militar.26 Este documento contém informações preciosas sobre
vários envolvidos no contrabando.
A partir dos “Capítulos contra Rafael Pinto Bandeira” foi feita em 1784
uma quinta investigação. Segundo seu organizador, o governador Sebastião
Cabral da Câmara, o critério de escolha das testemunhas privilegiou pessoas de
boa qualidade, e não da “...classe inferior da Republica...”.27 Nesta ocasião
foram chamadas nove pessoas, sendo dois negociantes, um oficial da
administração lusa e seis militares.
Em 1787, uma nova devassa foi feita a partir da já mencionada denúncia
de Manuel José de Alencastre.28 Foram ao todo vinte e uma testemunhas. No
primeiro dia, foram quatro depoimentos, todos de militares das tropas regulares
de Sua Majestade. Mais quatro militares depuseram em dias posteriores. Depois
25
Devassa sobre a entrega da Villa do Rio Grande às tropas castelhanas. – 1764. Rio Grande: Biblioteca
Riograndense,1937.
26
HESPANHA, Antonio Manuel (org.). O Antigo Regime. IN: Mattoso, José. História de Portugal.
Lisboa: Estampa, v. IV. 1998. pg. 162.
27
Cód. 104. Vol. 06. pg. 137. Arquivo Nacional.
28
Cód. 104. Vol. 09. pg. 327. Arquivo Nacional
19
A organização
1
ZUSMAN, Perla. ¿Terra Australis - "Res Nullius"? El Avance De La Frontera Colonial Hispánica En
La Patagonia (1778-1784). Scripta Nova: Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. v.
45, (1999). ZIENTARA, Benedikt. Fronteira. IN: EINAULDI, ENCICLOPEDIA. Estado e Guerra.
Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, v. 14. 1989. VERA, Francisco Escamilla. Las fronteras
conceptuales de un debate: el significado en Norteamérica del término "Frontier". Biblio 3W. Revista
Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales. v. 164, (1999). TURNER, Frederick Jackson. The
frontier in American History. New York: Henry Holt, 1958. RIBEIRO, Júlio Cézar &
GONÇALVES, Marcelino Andrade. Região: uma busca conceitual pelo viés da contextualização
histórico-espacial da sociedade. Terra Livre. v. 17, (2001). RATZEL, Frederick. As Raças Humanas
IN: RATZEL. Geografia. São Paulo: Ática, 1990. PAUWELS, Geraldo José. Contribuição para o
estudo dos conceitos de "limite" e "fronteira". Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio
Grande do Sul. v. (s.d.). OSÓRIO, Helen. Estancieiros, Lavradores e Comerciantes na
Constituição da Estremadura Portuguesa na América. Rio Grande de São Pedro, 1737-1822.
Niterói: - PPGHIS/UFF, 1999. (tese de doutoramento Inédita). NEUMANN, Eduardo. A fronteira
tripartida: índios, espanhóis e lusitanos na formação do Continente do Rio Grande. XXI Simpósio
Nacional da ANPUH. Niterói. 2001. KÜHN, Fábio. A fronteira em movimento. Estudos Ibero-
americanos. vXXV. (1999). HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e Fronteiras. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995. HEVILLA, María Cristina. El Estudio de la Frontera En América. Una
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125, (1998). GOMES, Flávio dos Santos & QUEIROZ, Jonas Marçal de. Entre fronteiras e limites:
identidades e espaços transnacionais na Guiana Brasileira - séculos XVIII e XIX. Estudos Ibero-
Americanos. v. XXVIII, 1 (2002). p. 21-50. GOMES, Flávio dos Santos & NOGUEIRA, Shirley
Maria Silva. Outras paisagens coloniais: notas sobre desertores militares na Amazônia
Setecentista. IN: Nas Terras do Cabo Norte. Fronteiras, colonização e escravidão na Guiana Brasileira.
Séculos XVIII-XIX. Belém: NAEA/UFPA, v. 1999. GOES FILHO, Synesio Sampaio. Navegantes,
bandeirantes, diplomatas. Um ensaio sobre a formação das fronteiras do Brasil. São Paulo:
Martins Fontes, 1999. ESCAMILLA, Francisco. El significado del término "frontera". Biblio 3W.
Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales. v. 140, (1998). SANTOS, Milton. Por uma
geografia nova: da crítica da geografia a uma geografia crítica. São Paulo: HUCITEC, 1990.
PRADO, Fabrício Pereira. Colônia do Sacramento: o extremo sul da América Portuguesa. Porto
Alegre: F. P. Prado, 2002.
22
remeta a este problema. Todavia, nossa opção não foi pela conveniência.
A questão da fronteira é fundamental para se entender o contrabando.
Não apenas para recolocar o problema diante de tudo o que já foi dito, mas
também para refinar tal conceito situando-o no tempo e no espaço que
propomos. O que chamamos de fronteira aqui é referente a uma região. É nesta
região que se desenvolvem as tramas que estudamos, que compreendem
conflitos, negócios, meios de sobrevivência e outros relacionamentos. Por outro
lado, ao propor uma definição de fronteira, não deixamos de lado as noções
específicas do período que tomamos. Aqueles homens, que viveram a segunda
metade do século XVIII, possuíam referências espaciais distintas, muito
orientadas por seus relacionamentos e experiências.
Antes de prosseguir, são necessárias algumas ressalvas. Ao construir o
“cenário” onde se desenrola a “trama”, elencamos apenas elementos que
estavam diretamente vinculados à experiência daqueles sujeitos que
identificamos como contrabandistas. Isso significou a exclusão de uma
infinidade de outros problemas, que não serão mencionados aqui. Nossa
restrição acabou privilegiando três pontos que nos pareceram cruciais no dia-a-
dia daqueles homens: a guerra, o trabalho e o próprio comércio ilícito. Estes três
elementos estavam, por sua vez, profundamente articulados a partir de relações
de parentesco e reciprocidade, geradas e reproduzidas entre aqueles sujeitos.
Não temos dúvida que, diante destes problemas, estes homens tinham a sua
própria noção de fronteira e sua forma de jogar com ela. Pedimos ao leitor que
faça um esforço para desconsiderar a idéia de fronteira nacional, que é própria
dos dias atuais. A idéia de nação não faz o menor sentido para os homens que
estudamos, sendo uma criação do século XIX.2
2
ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas. Reflexiones sobre el origen y la difusión del
nacionalismo. México: Fondo de Cultura Económica, 1997.
23
3
AHU-RS. Cx. 2. Docs. 168, 170, 173.
24
seus motivos. Ao escreverem aquelas linhas, a vila de Rio Grande estava sitiada
pelos espanhóis. Era um problema bastante concreto.
Assim como aqueles vereadores, também nós optamos por utilizar o
termo fronteira para designar aquela região que abrangia Rio Pardo, Viamão e
Rio Grande (esta última localidade, somente antes de 1763 e após 1776, período
de ocupação espanhola) e suas adjacências. Tomamos este caminho por várias
razões. Em primeiro lugar porque era justamente o fato de ser uma região
próxima a territórios de outro império, o que conferia sentido ao “contrabando”
e aos conflitos militares, que eram, como já dissemos, elementos que faziam
parte da vida dos sujeitos que investigamos. Também é neste espaço que se dava
o processo de transformação do contrabando em mercadoria, como veremos
adiante.
Seria uma abordagem demasiadamente unilateral (e ingênua diante das
fontes) se considerássemos apenas o lado português do problema. Caberia,
neste sentido, observar os territórios espanhóis próximos àquelas povoações
lusas citadas. Estes territórios sob domínios de Espanha também estavam
ameaçados pelo cômputo de conquista do Império Luso, e eram da mesma
forma, permeados pelo negócio ilícito. Deste modo, há uma ampla região, com
características semelhantes (seja a ameaça da invasão, a manutenção diária de
certo contrabando e as redes de relacionamentos) que ultrapassa os domínios de
ambos impérios ibéricos e que tem profunda articulação.
Havia também uma definição mais restrita de fronteira, que dizia respeito a
especificamente duas áreas próximas às localidades de Rio Grande e Rio Pardo. São
as expressões “fronteira do Rio Grande” e “fronteira do Rio Pardo”. Estas
utilizações eram muito freqüentes, e se consagraram após a retomada de Rio
Grande pelos lusos em 1777.
A primeira referência que temos do uso “fronteira do Rio Pardo” é de um
documento de 1768, quando o tropeiro Manuel Munhoz tentou por ela passar com
alguns animais e foi barrado por alegação de andar com contrabando.4 Também se
referia a ela o astrônomo de Sua Majestade, o demarcador José de Saldanha,
quando falava das contínuas visitas que os índios minuano faziam àquela fronteira.5
4
F1243, 153, 153v. AHRS.
5
SALDANHA. Op cit.
25
FIGURA 1
26
6
Depoimentos de Antonio José Feijó, Antonio Pinto da Fontoura. Devassa de 1787. Cód. 104. Vol 09.
pg. 327. Arquivo Nacional. Depoimentos de José Antunes da Porciúncula e Francisco de Oliveira Dias.
Investigação de 1784. Cód. 104. Vol 06. pg. 137. Arquivo Nacional.
7
Códice 104. Vol. 06. pg. 122.
8
Cód. 104. Vol. 09. pg. 259. Arquivo Nacional.
27
9
07. 02. 1425 e 07. 02. 1441. Mapas do Arquivo do Exército e depoimento de Antonio Pinto da Fontoura.
Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 327. Arquivo Nacional.
10
Alguns autores proporiam que tais conflitos remontariam aos primeiros anos que se seguiram ao fim da
união ibérica. Um exemplo é ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes. Formação do
Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia da Letras, 2000. Todavia, são os problemas gerados a
partir de Sacramento que têm ligação direta e conseqüências mais imediatas para nosso problema.
11
PAULA CIDADE, F. de. Lutas, ao sul do Brasil, com os espanhóis e seus descendentes (1680-
1828). Rio de Janeiro: Biblioteca Militar - Bibliex, 1948.
12
F1243. 5. AHRS.
28
FIGURA 2
29
13
KÜHN, Fábio. A fronteira em movimento. Estudos Ibero-americanos. v. 2. nº XXV (1999).
14
OSÓRIO, Helen. Estancieiros, Lavradores e Comerciantes na Constituição da Estremadura
Portuguesa na América. Rio Grande de São Pedro, 1737-1822. Niterói: PPGHIS/UFF, 1999. (tese
de doutoramento Inédita).
15
CARDOSO, Ciro Flamarion S. Economia e Sociedade em área coloniais periféricas: Guiana
Francesa e Pará (1750-1817). Rio de Janeiro: Graal, 1984; GOMES, Flávio dos Santos. & QUEIROZ,
Jonas Marçal de. Entre fronteiras e limites: identidades e espaços transnacionais na Guiana Brasileira.
séculos XVIII e XIX. Estudos Ibero-Americanos. PUCRS, v. XXVIII, n.1, p. 21-50, junho de 2002;
GOMES, Flávio dos Santos & NOGUEIRA, Shirley Maria Silva. Outras paisagens coloniais: notas
sobre desertores militares na Amazônia Setecentista. IN: Nas Terras do Cabo Norte. Fronteiras,
colonização e escravidão na Guiana Brasileira. Séculos XVIII-XIX. Belém: NAEA/UFPA. 1999.
30
16
PRADO, Fabrício Pereira. Colônia do Sacramento: o extremo sul da América Portuguesa. Porto
Alegre: F. P. Prado, 2002. pg. 122-127. Outras evidências também em MOUTOUKIAS, Zacarias.
Redes personales y autoridad colonial. Los comerciantes de Buenos Aires en el Siglo XVIII.
ANNALES. Histoire, Sciences Sociales. v. (1992).
17
PRADO op cit. MOUTOUKIAS op cit.
18
Relatório apresentado ao governo de Lisboa pelo vice-rei Luis de Vasconcelos, em outubro de 1784,
sobre o Rio Grande do Sul. IN: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre: Ano IX. 1929. pg. 28.
19
Autos principaes do conselho de guerra a que foi submettido o coronel Rafael Pinto Bandeira. IN:
Revista do Museu e Archivo Público do Rio Grande do Sul. Nº 23. MAPRGS/Livraria do Globo,
1930
20
HESPANHA, Antonio Manuel. As vésperas do Leviathan. Instituições e poder político. Portugal -
século XVII. Coimbra: Livraria Almedina, 1994.
31
21
GREENE, Jack. Negotiated authorities. Essays in colonial political and constitutional history.
Charlottesville & London: The University Press of Virginia, 1994.
22
PUJOL, Xavier Gil. Centralismo e Localismo? Sobre as Relações Políticas e Culturais entre Capital e
Territórios nas Monarquias Européias dos Séculos XVI e XVII. Penélope - Fazer e desfazer a
história. v. 6 (1991). p. 119-144. e GREENE. op cit.
23
AHU-RS. Cx. 2. Doc. 170.
24
Com a expressão “limites” estamos nos referindo exatamente a uma linha que delimitaria os territórios
pertencentes a cada um dos Impérios em questão.
25
GOES FILHO, Synesio Sampaio. Navegantes, bandeirantes, diplomatas. Um ensaio sobre a
formação das fronteiras do Brasil. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
32
26
ZIENTARA, Benedikt. Fronteira. IN: EINAULDI, ENCICLOPEDIA. Estado e Guerra. Lisboa:
Imprensa Nacional - Casa da Moeda, v. 14. 1989.. pg. 311.
27
GOES FILHO, Synesio Sampaio. Navegantes, bandeirantes, diplomatas. Um ensaio sobre a
formação das fronteiras do Brasil. São Paulo: Martins Fontes, 1999. pg. 197.
28
AHU-RS. Cx. 3. Docs. 262 e 265.
29
Cód. 104. Vol. 06. pg. 143. e Relatório apresentado ao governo de Lisboa... op cit.
30
Relatório apresentado ao governo de Lisboa... op cit.
33
31
HESPANHA, Antonio Manuel & XAVIER, Ângela Barreto. A representação da Sociedade e do
Poder. IN: HESPANHA, Antonio Manuel. O Antigo Regime. IN: MATTOSO, José. História de
Portugal. Lisboa: Estampa, v. IV. 1998.
32
Trataremos com mais vagar o tema do controle do contrabando nos capítulos 3 e 4.
33
PUJOL, Xavier Gil. Centralismo e Localismo? Sobre as relações políticas e culturais entre capital e
territórios nas monarquias européias dos séculos XVI e XVII. Penélope. nº 6. 1991.
34
34
SALDANHA. op cit.
35
35
Autos principaes do conselho de guerra a que foi submetido Raphael Pinto Bandeira. Códice 68. Vol. 1.
Arquivo Nacional.
36
muito significativa em todo o conflito, ainda que nenhum cativo tenha sido
depoente no processo.
A Guerra
36
CÉSAR, Guilhermino. História do Rio Grande do Sul. Período Colonial. São Paulo: Editora do
Brasil, 1970. Pg. 161. e PAULA CIDADE. Op cit.
37
PAULA CIDADE. Op cit.
38
RMAPRGS. notas de fim. A partir de agora, utilizaremos apenas a abreviatura “RMAPRGS” para
referir aos “Autos principaes do conselho de guerra a que foi submettido o coronel Rafael Pinto
Bandeira”, já que tal publicação contém o documento na íntegra.
37
39
RMAPRGS. pg. 258.
40
REGO MONTEIRO, Jônathas da Costa. A Dominação Espanhola no Rio Grande do Sul (1763-
1777). Rio de Janeiro: IHGB/IGHMB, 1979.
41
Essa corporação é tida como “particular” de Rafael Pinto Bandeira por VELLINHO, Moysés.
Fronteira. Porto Alegre: Editora Globo/EdUFRGS, 1975.
42
RMAPRGS. pg. 382-383.
43
RMAPRGS. pg. 226.
38
São Martinho
44
REGO MONTEIRO, Jônathas da Costa. A Dominação Espanhola no Rio Grande do Sul (1763-
1777). Rio de Janeiro: IHGB/IGHMB, 1979. Pg. 260.
45
idem. Pg. 225.
46
Indígenas naturais de Corrientes, nos domínios espanhóis. Cf. DJENDEREDJIAN, Julio. ¿Un aire de
familia? Producción agrícola y mercados desde Corrientes y Entre Rios a Rio Grande do Sul,
fines del siglo XVIII y comienzos del XIX: algunas reflexiones comparativas. Primeras Jornadas de
História Comparada. Porto Alegre. 2000
47
DJENDEREDJIAN. op cit.
48
Idem.
39
importante posição espanhola de São Martinho.49 Desta vez, seu corpo militar
incluía efetivamente um leque social mais amplo. A tropa contava com duzentos
e cinco “oficiais inferiores, soldados, agregados, bombeiros, peões e
escravos”.50 No forte espanhol havia oficiais, cerca de dezoito soldados dragões
espanhóis e vinte e um índios, além dos cento e tantos indígenas que fugiram
durante o ataque.51
Ao tomarmos as listas de butim, verificamos uma maior heterogeneidade
nos participantes dos ganhos, já que citam grupos auxiliares, de cavalaria
ligeira, bem como peões e agregados que acompanharam membros dos
grupamentos auxiliares. Tal é o caso do espanhol Lucas Coitinho e seu fiel peão,
Paulo, que foram juntos para o combate, pelo lado português, e recebendo
juntos a quantia de 15$720 réis, resultado do butim. Contudo, também havia
aqueles senhores que enviavam alguém em seu lugar no combate, como o
tenente João Barbosa da Silva, que mandou o índio Lourenço para a ação, e que
nada recebeu. A falta de pagamento não deve estar associada ao fato do
guerreiro ser indígena, mas, pelo fato do pagamento não ser imediato e de nem
sempre haver cobrança pelos interessados.52 De qualquer modo, não podemos
afirmar isso com certeza. O que podemos acrescentar é que outros sujeitos, não
índios e não escravos, também ficaram sem nada receber, como Albino Ribeiro
Bayão e Isidoro de Faria.53
Para a tomada de São Martinho dispomos do cálculo realizado para a
divisão do butim. O valor total do saque, retirado o quinto de Sua Majestade, foi
calculado em 6.015$184 réis.54 Para fins de divisão cada oficial inferior, soldado,
agregado, bombeiro, peão ou escravo participante foi contado como um. Os
oficiais subalternos foram contados como dois. Os capitães tiveram peso três, e
o comandante, peso doze.
49
REGO MONTEIRO. Op cit. Pg. 259.
50
RMAPRS. pg. 189.
51
MONTEIRO, Jônathas da Costa Rego. Op cit. Pg. 259.
52
Tal é o caso do furriel de Auxiliares, José Alves Coelho: a “presa se dividiu pelas partes interessadas e
que ele testemunha também não recebera a sua parte nessa ocasião por estar distante em Viamão, e
também porque ele testemunha por não ter necessidade a não procurou, mas tanto que a teve foi pedi-la
ao procurador do Coronel Rafael Pinto Bandeira, que era João Luis morador no Rio Pardo, o qual logo
sem repugnância alguma lhe satisfez”. RMAPRGS. pg. 108.
53
RMAPRGS. pg. 384.
54
Do espólio de guerra era retirado o “quinto” para Sua Majestade.
40
55
São os oficiais da patente de Alferes para baixo.
56
APERGS. Inventários post-mortem de Bernardo Baptista: 1º Cartório de Órfãos e ausentes. Nº 68.
maço 6.
41
57
RMAPRGS. pg. 73.
58
RMAPRGS. pg. 313.
42
59
RMAPRGS. pg. 60.
60
RMAPRGS. pg. 84.
61
RMAPRGS. pg. 57.
43
62
RMAPRGS. pg. 375.
63
RMAPRGS. pg. 258.
64
RMAPRGS.
44
65
Tal documento foi transcrito por REGO MONTEIRO. Op cit. Pg. 284.
66
RMAPRGS. p. 375.
67
MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. São Paulo: EPU/EDUSP, 1974.
45
controle das operações, mas que representavam o que havia de mais expressivo
na elite local.
Rafael Pinto Bandeira foi submetido a um Conselho de Guerra que ainda
está longe de ser explicado68. Sua prisão, seu julgamento e sua absolvição pela
própria Rainha ainda devem ser tomados de forma mais atenta. Ainda que a
escolha das testemunhas que foram enviadas para o Rio de Janeiro seja algo
difícil de compreender, alguns aspectos são interessantes de serem observados.
Entre as 20 testemunhas, selecionamos dois “lavradores” para uma
aproximação: Antonio Dutra e Manuel Gomes Porto.
Antonio Dutra veio para a América da Ilha do Faial. Tinha cerca de 27
anos quando depôs junto ao Conselho de Guerra, em 1780. Esteve nas operações
de Santa Bárbara e Santa Tecla, sendo que, desta última, prestou interessante
relato. Segundo ele, depois de todos os ataques, e do cerco à fortaleza, as tropas
tomaram o caminho de Rio Pardo, para onde também iam os bens tomados dos
espanhóis. Ele, testemunha, “viera na mesma condução acompanhando as
carretas”69, só não chegando ao Rio Pardo porque “sua casa ficava perto e se
retirou, e deixou ficar os mais companheiros”70. Dutra, membro do corpo
auxiliar, havia se juntado aos soldados de Cipriano Cardoso, antes da formação
dos grupos maiores que reuniam vários comandos, e que partiam,
posteriormente, para os ataques às fortalezas.71
Partindo da definição “lavrador” que lhe foi atribuída pelo Conselho de
Guerra e considerando a descrição que fez de sua trajetória pós-combates,
podemos entender Dutra como um produtor sem muitos recursos, que se valia
de alternativas de serviço como a guerra, para obter ganhos inesperados.
Através da guerra também podia articular contatos não apenas com os
comandantes, como Cipriano Cardoso e Rafael Pinto Bandeira, mas igualmente
com outros tantos combatentes. A expressão “companheiros”, utilizada por ele e
repetida por outros tantos depoentes do processo, nos indica o quanto estes
68
O trabalho de Augusto da Silva é o que mais se aproxima, ainda que tenhamos discordâncias com sua
análise. SILVA, Augusto da. Rafael Pinto Bandeira: De bandoleiro a governador. Relações entre
os poderes privado e público no Rio Grande de São Pedro. Porto Alegre: PPGH - UFRGS, 1999.
(Dissertação de Mestrado Inédita).
69
RMAPRGS. pg. 70.
70
RMAPRGS. idem.
71
RMAPRGS. pg. 70.
46
72
RMAPRGS. pg. 63.
73
RMAPRGS. pg. 68.
74
RMAPRGS. pg. 81.
75
F1242. 224. AHRS.
76
RMAPRGS. pg. 489. Nota 29.
77
F1249. 170v. AHRS.
47
A formação do rebanho.
78
Quando falamos “burro”, estamos nos referindo ao “Equus asinus”, que também é conhecido como
“jumento”. Do cruzamento induzido de um burro com uma égua “Equus cavalus” sai um híbrido
estéril, a que chamamos “mula”.
79
Mapa das Fazendas povoadas de gado no Rio Grande de São Pedro. AHU-RS. Cx. 1 doc. 38.
80 AHU-RS. Cx. 09. Doc. 570.
81
OSÓRIO. op cit. pg. 104.
82
Gado Asinino é relativo a burros e burras.
48
83
Carta de Christovão Pereira de Abreu a Don. Joseph de Andonaegui. Sala IX, Legajo 3.8.2. AGN.
Agradeço a Fabricio Pereira Prado pela cessão do documento. Uma boa análise sobre Cristóvão Pereira
de Abreu está em HAMEISTER, Martha Daisson. O continente do Rio Grande de São Pedro: os
homens, suas redes de relações e suas mercadorias semoventes. Rio de Janeiro: PPGHIS - UFRJ,
2002. (Dissertação de Mestrado Inédita).
84
Relação apresentada pelo Senado da Câmara do Continente do Rio Grande de São Pedro. APUD:
OSÓRIO. Op cit. pg. 107.
85
F1243. 5.
86
REGO MONTEIRO. op cit. pg. 172. baseado no Cód. 104. Vol. 15.
87
SANTOS, Corcino Medeiros dos. Economia e Sociedade do Rio Grande do Sul: século XVIII. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1984.
49
O custeio da guerra.
92
RMAPRGS. pg.190 e 384.
93
OSÓRIO. op cit.
94
GOUBERT, Pierre. Cent Mille Provinciaux au XVII siècle - Beauvais et Beauvasis 1600-1730.
Paris: Flamarion, 1968.
51
95
Devassa de 1773. 1ª testemunha. RMAPRGS. pg. 316.
96
RMAPRGS. pg. 488. Depoimento na Devassa...
97
SILVA. op cit.
98
Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 327. Arquivo Nacional.
99
Inventário de Rafael Pinto Bandeira. 1o Cartório de Órfãos e Ausentes de Porto Alegre. nº 211. maço
13. APERGS.
52
100
O tipo de reciprocidade variava de acordo com cada relação. Veremos isso no capítulo 4.
CAPÍTULO 2
ENTRE O JUSTO E O CERTO: O PENSAMENTO SOBRE O COMÉRCIO ILÍCITO
1
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Editora Paz & terra, 1996. Pg. 33.
2
FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. O Império em apuros: notas para o estudo das alterações
ultramarinas e das práticas políticas no império colonial português – séculos XVII e XVIII. IN:
FURTADO, Junia Ferreira. Diálogos Oceânicos. Belo Horizonte: EDUFMG, 2001. e também em
GREENE, Jack P. Negotiated authorities. Essays in colonial political and constitutional history.
Charlottesville and London: The University Press of Virginia, 1994.
3
É o caso de Baltasar de Faria Severin. HESPANHA. António Manuel. A fazenda. IN: O Antigo
Regime. História de Portugal. vol. IV. Lisboa: Editorial Estampa. Pg. 181.
54
4
SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das
Letras, 1996.
5
FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. O Império em apuros: notas para o estudo das alterações
ultramarinas e das práticas políticas no império colonial português – séculos XVII e XVIII. IN:
FURTADO, Junia Ferreira. Diálogos Oceânicos. Belo Horizonte: EDUFMG, 2001. (Agradeço a
Martha Hameister pela indicação deste texto).
6
SUBTIL, José. Governo e Administração. IN: HESPANHA, Antonio Manuel. O Antigo Regime. IN:
MATTOSO, José. História de Portugal. Lisboa: Estampa, v. IV. 1998.
7
HESPANHA, António Manuel. As Vésperas do Leviathan. Instituições e poder político. Portugal -
século XVII. Coimbra: Livraria Almedina, 1994.
55
Alguns incidentes.
8
GUSMÃO, Alexandre de. Cartas. Lisboa: Imprensa Nacional, 1981. Pg. 34.
9
HESPANHA. António Manuel. A punição e a graça. IN: HESPANHA, Antonio Manuel (org.). O
Antigo Regime. IN: MATTOSO, José. História de Portugal. Lisboa: Estampa, v. IV. 1998. pg. 221.
57
dizia que estes “...escrevem dos grandes tesouros e rendas que o Príncipe há de
ter, e não dão remédios para se ajuntar este dinheiro, e para as rendas do
presente se desempenharem.”15
Tal problemática continuou atual durante o século XVIII. Em 1748, o já
referido Alexandre de Gusmão escrevia uma pequena carta ao Rei, falando dos
problemas da receita do Reino:
15
Severim, Baltasar de Faria. Advertimentos dos meios mais eficazes e convenientes que há, para o
desempenho do patrimônio real e restauração do bem público destes Reinos de Portugal sem
opressão do povo e com comum utilidade de todos. APUD: HESPANHA. António Manuel. A
Fazenda. op cit. Pg. 181.
16
Lata 3. Doc. 19. IHGB.
17
HESPANHA, Antonio Manuel & XAVIER, Ângela Barreto. A representação da Sociedade e do
Poder. IN: HESPANHA, Antonio Manuel. O Antigo Regime. IN: MATTOSO, José. História de
Portugal. Lisboa: Estampa, v. IV. 1998. pg. 118.
18
Lata 3. Doc. 19. IHGB.
59
19
FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. O Império em apuros: notas para o estudo das alterações
ultramarinas e das práticas políticas no império colonial português – séculos XVII e XVIII. IN:
FURTADO, Junia FerReira. Diálogos Oceânicos. Belo Horizonte: EDUFMG, 2001. Pg. 229.
60
Gusmão não somente admitia ter plena ciência das atividades ilegais,
como assumia, igualmente, a permissividade com que a Coroa tratava tal tema,
pelos ganhos que seus súditos obtinham deste negócio. Ao assumir seu
conhecimento do assunto e sua benevolência em relação àqueles vassalos
contrabandistas, o Rei se colocava na figura de um pai generoso. Contudo, esta
postura exigia uma reciprocidade, esperada de filhos leais:
20
GUSMÃO, Alexandre de. Cartas. Lisboa: Imprensa Nacional, 1981. Pg. 54.
21
Ibidem. Grifo nosso.
22
Ibidem.
61
23
FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. O Império em apuros: notas para o estudo das alterações
ultramarinas e das práticas políticas no império colonial português – séculos XVII e XVIII. IN:
FURTADO, Junia Ferreira. Diálogos Oceânicos. Belo Horizonte: EDUFMG, 2001.
24
Cód. 952. Vol. 38. pg. 413. Arquivo Nacional.
62
32
Cód. 104. Vol. 02. pg. 164-170. Arquivo Nacional.
65
33
MAXWELL, Kenneth. A Devassa da devassa. São Paulo: Paz e Terra. 1985. pg. 178.
34
Ibidem.
35
Idem. Pg. 177.
36
Idem. Pg. 169.
37
Cód. 104. Vol. 06. Pg. 145v. Arquivo Nacional.
66
continha uma extensa lista de acusações que era feitas ao coronel Rafael Pinto
Bandeira, a maior parte delas relativas ao comércio ilícito praticado por tal
sujeito.38 Diante de uma listagem tão grande de reclamações de um número
ignorado de súditos, Luís de Vasconcelos ordenara, secretamente, a dois oficiais
distintos que apurassem as queixas.39 Para o governador Cabral da Câmara
ordenou que devesse “... procurar informar-se com o maior segredo de todo
o seu conteúdo [das denúncias]...”.40 Da mesma forma, ordenara ao comandante
da fronteira, Gaspar José de Matos Ferreira e Lucena, que procurasse
“...debaixo do maior segredo descobrir a verdade ou falsidade de todos
aqueles fatos para me dar a mais exata e fiel informação...”.41 O governador
Cabral da Câmara, contudo, enviou alguns dias depois uma carta afirmando a
impossibilidade de levar a investigação secreta a cabo, devido à falta de
confiança que tinha de possíveis testemunhas. O Vice-rei lhe escrevia
novamente em março de 1784, reafirmando a necessidade de uma investigação
discreta:
38
Analisaremos tal documento com mais atenção na próxima parte. Um autor que trabalhou com esta
fonte de modo muito sério e com outro enfoque foi SILVA. op cit.
39
SILVA, Augusto da. Rafael Pinto Bandeira: De Bandoleiro a Governador. Relações entre os poderes
privado e público no Rio Grande de São Pedro. Porto Alegre: 1999 (Dissertação de mestrado –
PPGH/UFRGS).
40
Cód. 104. Vol. 5. Pg. 175. Arquivo Nacional. Grifo nosso.
41
Cód. 104. Vol 5. Pg. 175-176. Arquivo Nacional. Grifo nosso.
42
Cód. 104. Vol. 6. Pg. 560. Arquivo Nacional. Grifo nosso.
67
43
Cód. 104. Vol. 9. Pg. 233. Arquivo Nacional.
44
Parecer do Conselho Ultramarino e Treslado de uma junta que se fez sobre os avisos que agora se
tiveram do Rio de Janeiro e da morte de Luiz Barbalho Bezerra. Rio de Janeiro, 1644. AHU – Bahia.
Luisa da Fonseca. Doc. 1077. pg. 6-7. APUD.: FIGUEIREDO. Op cit. Pg. 230.
45
Relatório apresentado ao governo de Lisboa pelo vice-rei Luís de Vasconcelos, em outubro de 1784,
sobre o Rio Grande do Sul. IN: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do
Sul. Porto Alegre: Ano IX. 1929.
68
46
Idem. Pg. 28.
47
Ibidem.
48
Ibidem.
49
Ofício do vice-rei sobre o Rio Grande de São Pedro. IN: Revista do Instituto Histórico e Geográfico
do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Ano IX. 1929.
69
“...ele sabe figurar com grande astúcia e sutileza para se mostrar muito
necessário naquele continente, capacitando-se talvez que todos os seus
procedimentos por péssimos que sejam devem ser disfarçados e tolerados
por quem governa apesar das funestas conseqüências que possam
produzir...”.50
50
Ibidem.
51
Ibidem.
70
Bandeira foi ao Rio de Janeiro, e dali para Lisboa, onde foi recebido com honras
pela Rainha. Retornou, depois, para o Rio Grande de São Pedro e aos seus
negócios, lícitos ou não.52
A teoria da legitimidade da dissimulação, incorporada pela administração
lusa concebia uma condição para seu uso. Se atentarmos novamente para as
palavras dos membros do Conselho Ultramarino, que talvez seja quem melhor
explicitou este ideário, era “quando as forças não são conformes ao respeito
dos fins”53 que a dissimulação se fazia necessária para conservar a autoridade, e
subentendam-se, os próprios territórios do príncipe. Frente a este ponto, resta
saber o que justificaria o emprego da dissimulação no lugar das “forças”, no
combate ao contrabando no sul da colônia lusa.
Um elemento recorrente nos documentos produzidos por Vasconcelos e
Souza é o temor (real ou não) da perda do Rio Grande para os espanhóis.
Quando o Vice-rei escreveu ao governador e ao comandante da fronteira
pedindo investigações sobre os contrabandos, fazia pouco mais de cinco anos
que os portugueses haviam retomado terras que reivindicavam na região. Um
dos grandes responsáveis pela vitória lusa fora Rafael Pinto Bandeira.
Para Vasconcelos, o Rio Grande era um território arriscado, “... sendo
54
tantas vezes atacado e quase sempre ameaçado de inimigos tão vizinhos...”.
Esta preocupação com a ameaça espanhola é constante em todo o relatório que
fez ao secretário de Estado e Ultramar em 1784. A possibilidade da guerra, como
a alternativa mais factível para a retomada de terras também acompanha o
texto. Em diversos momentos Vasconcelos falava de suas iniciativas visando a
ampliação dos rebanhos para o abastecimento das tropas, seja com rações ou
montarias. Da mesma forma, em algumas partes, relembrava o acontecido de
1762, quando os espanhóis tomaram a vila de Rio Grande sem maiores
dificuldades. No oficio que enviou em 1786 para Lisboa, Vasconcelos e Souza
novamente retomava a questão da possibilidade da perda do Rio Grande, e
demonstrava toda sua preocupação com as sutilezas necessárias para a
52
SILVA. op cit.
53
Parecer do Conselho Ultramarino e Treslado de uma junta que se fez sobre os avisos que agora se
tiveram do Rio de Janeiro e da morte de Luiz Barbalho Bezerra. Rio de Janeiro, 1644. AHU – Bahia.
Luisa da Fonseca. Doc. 1077. pg. 6-7. APUD.: FIGUEIREDO. Op cit. Pg. 230.
54
Relatório apresentado ao governo de Lisboa pelo vice-rei Luís de Vasconcelos... Op cit. Pg. 24.
71
55
Ofício do vice-rei sobre o Rio Grande de São Pedro... Op. Cit.
56
Relatório apresentado ao governo de Lisboa pelo vice-rei Luís de Vasconcelos. Op. Cit.
72
ocupado aquele governo ou tem ali estado sem se moverem do lugar da sua
residência, entregues ao ócio e a indolência ou tem governado por mera
fantasia...”57 Entre os principais problemas estavam a falta de alternativas
econômicas viáveis para os súditos e a falta de ação contra o comércio ilícito. O
governador José Marcelino de Figueiredo foi um destes, que, governando por
aparências e “ ...deixando viver os povos sem indústria e sem comércio, não
procurou fechar a estrada... ”58 propiciando assim o crescimento do
contrabando. Com esta afirmação, o Vice-rei preparava a apresentação de mais
dois personagens da trama: os vassalos miseráveis e os ambiciosos
contrabandistas.
Seguindo uma linha de análise que considerava a administração colonial
dentro da esfera de responsabilidades do Rei como pai de seus súditos,
Vasconcelos impunha aos governadores a necessidade de criação de alternativas
de sobrevivência para os vassalos. Neste sentido, na falta destas alternativas,
qualquer desvio de conduta dos súditos não só era legítimo como aguardado:
“...a origem principal dos mesmos insultos [atividades ilícitas] que tinha
sua raiz no desmazelo, no ócio dos povos, e na falta da precisa
regularidade com que se devia procurar aplicá-los a industria e ao
trabalho para nele se entreterem abandonando os seus reprovados
costumes.”59
Uma das primeiras medidas necessárias para acabar com aquela situação
miserável era dar outra forma a distribuição de terras na área. A distribuição
que havia estava longe da que Sua Majestade gostaria. A exclusão do acesso a
terras, na óptica de Vasconcelos era mais um agravante na decadência daquela
fronteira. O problema, contudo, não estava na hierarquização que privilegiava
uns em detrimento de outros. Estava na concentração demasiada que havia
naquelas paragens, onde uns dispunham de grandes extensões que manejavam
a seu critério, de forma ambiciosa e contra as ordens de Sua Majestade, que
concedia terras conforme as condições e qualidades de cada suplicante, sem
abuso e preocupado com o “bem comum”:
57
Relatório apresentado ao governo de Lisboa pelo vice-rei Luís de Vasconcelos. Op cit. Pg. 17.
58
Ibidem.
59
Idem. Pg. 18.
73
60
Idem. Pg. 29.
61
Mais sobre o assunto em HESPANHA, Antonio Manuel (org.). O Antigo Regime. op cit. Pg. 118-122.
62
Relatório apresentado ao governo de Lisboa pelo vice-rei Luís de Vasconcelos. Op cit. Pg. 29. Grifo
nosso.
74
63
AHU-RS. Cx. 09. Doc. 570.
75
64
AHU-RS. Cx. 09. Doc. 570.
76
65
Carta de d. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho, [governador e capitão geral de Angola], em
resposta a José de Azevedo Monteiro de Faria, tenente encarregado do governo do presídio de
Caconda, sobre a diligência da qual está encarregado para descobrir nos Rios de Sena o comércio de
ouro, prata e pedras preciosas. 1772. DL 81, 02. Doc. 20. fl. 62-63. IHGB.
66
AHU-RS. Cx. 09. Doc. 570.
77
negócio algum, nunca teve que fiar e sempre foi, e é, necessitado...”. Além
disso, diziam que como vassalo, “...nada tem servido ao Estado...”. O
documento, que manifestava notoriamente a revolta de seus autores, afirmava
ainda que era proibido, segundo uma “lei positiva”69 de Sua Majestade, a
introdução de bestas muares de Espanha. Por causa desta proibição, não havia
como tributar o ingresso destes animais.
A possibilidade do empobrecimento dos súditos da capitania e a sua
decadência foram argumentos utilizados inúmeras vezes. Era um argumento
muito convincente, que se baseava na hipótese de que, empobrecidos os
criadores do Rio Grande, não haveria quem defendesse aquela fronteira, já que
a presença das tropas lusas era insuficiente. Foi um argumento muito aceito e
inclusive o Vice-rei Luís de Vasconcelos e Souza havia o tomado por correto.
Este argumento também havia sido utilizado em outro documento, que
solicitava a proibição da criação de mulas na Minas, muitos anos antes70, e que
era recorrente no discurso produzido pelos oficiais da Câmara de Viamão. Além
da possível perda dos territórios, haveria, segundo aqueles homens, uma perda
eterna dos tributos cobrados na região, especialmente os dízimos. Terminavam
afirmando a necessidade da revogação da licença, novamente evocando o “bem
comum do Estado e dos Povos desta Capitania”.71
69 São leis formuladas em termos gerais, com o objetivo de formar princípios jurídicos. Cf.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p.
1.
70 SIMONSEN, Roberto C. História Econômica do Brasil. São Paulo: CEN, 1940.
71 AHU-RS. Cx. 09. Doc. 570. Grifo nosso.
72
BLUTEAU. Raphael. Vocabulário Portuguez e latino. Rio de Janeiro: UERJ,S.D. pg. 556.
79
73
Relação de Moradores de 1784. F1198. AHRS.
74
AHU-RS. Cx. 02. Doc. 173.
75
AHU-RS. Cx. 02. Doc. 170. Grifos nossos.
80
78
AHU-RS. Cx. 02. Doc. 168
82
79
Cód. 104. Vol. 06. p. 145v. Arquivo Nacional.
83
pobres da Fazenda Real são os que sentem os prejuízos avultados que aquele
monstro lhe causa...”. Novamente o antagonismo entre a miséria dos povos e os
interesses particulares de um homem ambicioso. A ambição é um adjetivo
especialmente atribuído a Rafael neste documento: “...o dito comandante
contrabandista é tão ambicioso que punha espião para saber quando passava
alguma canoa para a dita lagoa mirim...”. Já vimos em outros documentos o
quanto a ambição tem de valor contrário à noção de “bem comum”. Neste
sentido, também este documento reivindica esta posição, o bem público acima
de qualquer coisa. Isso não significa um antagonismo entre o público e o
particular. Nesta mesma noção de bem comum, prega-se que é da felicidade
particular que se tem a felicidade geral, desde que haja equilíbrio de
oportunidades. Ganhar é legítimo, mas ganhar de modo desproporcional,
abusivo, em detrimento de outros súditos, não. Mesmo uma concessão
particular como uma sesmaria ou mesmo outra mercê poderia contribuir para o
“bem comum” da república.80 Esta noção está disseminada entre a sociedade
colonial.
80
FRAGOSO, João Luís Ribeiro. A nobreza da República: notas sobre a formação da primeira elite
senhorial do Rio de Janeiro (séculos XVI e XVII). Topoi. v. 1, (2000). p. 123-152..
81
Cód. 104. Vol. 09. pg. 259. Arquivo Nacional.
84
82
Inventário e testamento de Antero de Brito. APERGS. 1º Cartório de órfãos e ausentes. Porto Alegre.
Nº.131. maço. 09. AGRADEÇO A JONAS MOREIRA VARGAS, QUE GENTILMENTE ME
PASSOU A SUA TRANSCRIÇÃO DE TAIS DOCUMENTOS.
83
Não temos conhecimento de outro texto seu.
84
Inventário de Antonio Pinto Carneiro. APERGS. Nº 600. Maço 06.
85
Inventário e testamento de Antero de Brito. Op cit.
86
Idem.
85
“Estas introduções não são crimes em rigor, não são furtos, não
contém descaminhos de diReitos Reais não envolvem delitos [...] As penas
da introdução das bestas muares são cíveis, e não passam de pecuniárias;
as penas de que trata o dito Alvará são crimes e até corporais, e por isso
tanto pela natureza das culpas como pela das penas, que lhe correspondem
à lei que regula neste continente a introdução daqueles animais, não é nem
os Estatutos da Junta do Comércio, nem o Alvará que o confirma e amplia
e a lei que aqui regula é o Decreto privativo e particular de 24 de dezembro
de 1764, cujo objeto é de muito diversa natureza, e tão diversa quanto os
objetos do dito Alvará são de reprovada e criminosa natureza e os do nosso
Decreto são só de natureza proibida e não criminosa.”87
87
Cód. 104. Vol. 09. pg. 259. Arquivo Nacional. Grifo nosso.
88
F1245. 12v, 13. AHRS. Grifo nosso.
86
89
APUD: ANDRADE, Antonio Alberto Banha de. “Apêndice Documental”, IN: A reforma pombalina
dos estudos secundários no Brasil. São Paulo: Saraiva, Ed. da Universidade de São Paulo, 1978.
90
Ibidem. Grifo nosso.
87
era nenhum crime. Sobre a recepção de suas idéias pouco sabemos. O próprio
provedor da Fazenda Real, que solicitou seus comentários, não atentou muito
para eles. Em sua carta ao Vice-rei aponta o pedido a Antero como prova de seu
zelo e de como desejava “muito acertar”. A carta de Antero acabou servindo
para demonstrar fidelidade, ainda que tivesse outras utilidades.
91
F1243. 139v. AHRS.
92
AHU. Rio de Janeiro. Cx. 67. doc. 15784.
93
Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Vol. 11. Porto Alegre: AHRS, 1995. pg. 165.
94
Edital passado pelo Provedor da Fazenda Real Inácio Osório Vieira sobre as mulas de contrabando.
F1243, 213v. AHRS.
88
modo que “...o castigo de uns sirva de exemplo a boa tranqüilidade de todos.”95
Neste sentido, Osório não compactuava com a política de dissimulação, muito
adotada pelo Vice-rei Luís de Vasconcelos. Todavia, ainda que ameaçasse desta
forma agressiva, não encontramos nenhuma referência de punição rigorosa
efetuada por Osório Vieira. Sua melhor tentativa talvez tenha sido a Devassa
dos contrabandos de 1773, na qual várias pessoas foram interrogadas e várias
acusações foram feitas. Contudo, tal processo foi encerrado sem que ninguém
fosse sequer admoestado. Não sabemos quem deu ordem para o
“arquivamento”.
Lendo os documentos produzidos por Osório Vieira teremos uma
imagem muito boa deste homem, chegando mesmo a acreditar em seu zelo e
seriedade, algo de que apenas suspeitamos. Há que se dizer que, pelos relatos de
várias autoridades que lhe defenderam no final de sua vida, quando rogou ao
Rei uma aposentadoria, Osório Vieira levou uma vida modesta e sem muitos
recursos.96 Tampouco encontramos qualquer evidência de propriedades
vultuosas ou negócios que tivesse. Contudo, esta imagem pode ser muito
enganadora e procuraremos atentar, em seu texto, para outros elementos, que
possam nos indicar aspectos mais gerais. A boa imagem de Osório Vieira pode
ser um simples fruto de sua competência ao apresentar-se como bom vassalo e
não de sua verdadeira situação. Contudo, é da apresentação de Osório Vieira
como bom vassalo que percebemos um primeiro ponto: o zelo.
Tanto para o provedor, como para outras autoridades do período, o
“zelo” pelas coisas Régias ou interesses públicos era muito importante.
Poderíamos dizer que a falta de “zelo” em um administrador colonial
corresponderia a “ambição” dos particulares, em oposição ao “bem comum”. O
próprio Vice-rei, Luís de Vasconcelos, para desqualificar o governador do Rio
Grande, em 1784, acusou este de “falta de zelo”97. Em 1787, ao apresentar um
breve relato sobre os contrabandos ao vice-Rei Vasconcelos, Osório Vieira dizia
que muito se interessava
95
Idem.
96
AHU-RS. Cx. 03. doc. 243..
97
Relatório apresentado ao governo de Lisboa pelo vice-rei Luís de Vasconcelos. Op. Cit.
89
Ainda que não fosse uma situação concreta, era um argumento muito
convincente.
Em 1784, como vimos, Antero de Brito tentou convencer Osório Vieira
que os ingressos de animais dos domínios espanhóis não eram, a rigor, crimes.
Contudo, o bacharel não obteve sucesso em sua apreciação, se julgarmos pelas
palavras de Osório, passados quatro anos daquela ocasião:
Mais do que escandaloso, este mercado era dominado por homens infiéis.
Esse era um dos pontos mais significativos para Osório Vieira. Uma vez que o
Rei havia pensado nos vassalos ao lançar o decreto de 24 de dezembro de 1764,
era esperado que os súditos respeitassem esta atitude, como bons filhos. Em um
Decreto, que baixou em 6 de outubro de 1788, Vieira advertia que “...tem
chegado ao escandaloso progresso de serem estes mesmos fazendeiros, a cujo
benefício se encaminha o espírito daquele real decreto, os infiéis
transgressores dele, passando aos tropeiros escritos de venda de mulas
ainda não manifestadas...”100
Se tomarmos a dimensão que tinham estas expressões, constataremos
que eram fortes as acusações feitas por Vieira. Segundo Bluteau101, infiéis eram
aqueles que não professavam a “lei de Jesus Cristo”, ou seja, de algum modo,
Vieira comparava os estancieiros do Rio Grande de São Pedro aos não cristãos,
fossem pagãos, idólatras, judeus ou mouros, em sua falta de fidelidade. Por
98
Cód. 104. Vol. 09. pg. 259. Arquivo Nacional.
99
Cód. 104. Vol. 10. pg. 397. Arquivo Nacional. Grifo Nosso.
100
F1245. 170. AHRS.
101
BLUTEAU. op cit.
90
102
Cód. 104. Vol 10. pg. 397. Arquivo Nacional.
103
Lata 111. Pasta 07. IHGB.
91
104
PORTO, Aurélio. Noticia sobre o Visconde de São Leopoldo. IN: PINHEIRO, José Feliciano
Fernandes. Anais da Província de São Pedro. Petrópolis: Vozes, v. 1978. pg. 44.
105
Idem. Pg. 46.
106
Idem. Pg. 41-42.
107
Lata 111. Pasta 07. IHGB
92
108
HESPANHA, Antonio Manuel. As vésperas do Leviathan. Instituições e poder político. Portugal -
século XVII. Coimbra: Livraria Almedina, 1994.
109
Lata 03. Doc. 19. IHGB.
110
Lata 111. Pasta 07. IHGB
93
111
Ibidem.
CAPÍTULO 3
OS CAMINHOS DO MERCADO
“...es escala del Paraguai a donde basan las barcas y balsas de yerba,
tabaco y azúcar y demás géneros de aquella prova. Y por esta razón es
frecuentada por mercaderes del Perú, Reino de Chile y Prova. del
Tucumán”. 5
3
Inventários e testamentos de São Paulo. Vol. XXVII, 1921. APUD: FORTES, João Borges. Rio Grande
de São Pedro. Rio de Janeiro: Biblioteca Militar - Bibliex, 1941. pg 13.
4
Carta de Francisco de Brito Peixoto. 22/1/1722 APUD: FORTES, João Borges. Rio Grande de São
Pedro. Rio de Janeiro: Biblioteca Militar - Bibliex, 1941. pg. 17.
5
Instrucciones de Martinez de Salazar a Andrés de Robles, Buenos Aires, 2/4/1674, en AGI-Charcas 278.
APUD: GARAVAGLIA, Juan Carlos. Mercado interno y economia colonial. México: Grijalbo, 1983.
Pg. 398.
6
Carta de Francisco de Brito Peixoto. 22/1/1722 APUD: FORTES, João Borges. Rio Grande de São
Pedro. Rio de Janeiro: Biblioteca Militar - Bibliex, 1941. pg. 18.
96
7
Real Cédula al governador de Buenos Aires. Aranujuez, 18 de mayo de 1772. Copia em Campaña del
Brasil, t. I, pg. 477. APUD: CONI, Emilio. El Gaucho. Argentina, Brasil, Uruguai. Buenos Aires:
Ediciones Solar, 1942. pg. 97.
8
Documentos Interessantes para a história e Costumes de São Paulo. vol. XVI, parte I. São Paulo..
9
Um bom estudo sobre a construção do caminho das tropas, com especial ênfase a atuação de Cristóvão
Pereira de Abreu é HAMEISTER. op cit.
10
Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Vol. 1. Porto Alegre: AHRS/IEL, 1977. pg. 103,
224-225.
97
O grande mercador
15
Anais da Biblioteca Nacional – Inventário de Documentos Relativos ao Brasil existentes no Arquivo de
Marinha e Ultramar – Rio de Janeiro, 1756- 1757. Vol. 71. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional -
Divisão de Obras Raras e Publicações, 1951. pg. 179.
16
Idem.
17
Reales Ordenes - Legajo 3. 1747-1751 - Sala IX 24.10.11 – AGN. Agradeço a Fabricio Pereira Prado
pela concessão do material.
99
FIGURA 3
100
18
II – 31, 30, 1 – nº 2. Biblioteca Nacional.
19
Tal como o documento se refere ao sujeito. Num tom de clara contrariedade, atribuindo-lhe uma astúcia
inconveniente.
20
Ralação de papéis existente num arquivo de Buenos Aires, por meados do século XVIII. I – 28, 34, 29.
Biblioteca Nacional.
21
Carta do Procurador para o Rei, alertando dos erros no contrato com M. Cordeiro e dando os tropeiros,
número de animais por tropeiro e quantias arrecadadas pelo registro de Curitiba no ano de 1751.
ARQUIVO NACIONAL. Documentos Históricos: Provedoria da Fazenda de Santos – I - leis,
provisões alvarás, cartas e ordens reaes. Coleção no 445, vols. XIII - XX. II – Livro da Junta da
Arrecadação da Fazenda Real. Vol. II. Rio de Janeiro: Augusto Porto & Cia, 1928. O Grifo é nosso.
101
devemos considerar que o cálculo levou em conta que apenas metade dos
direitos pertenciam à Coroa. Só de tributos em Curitiba, uma tropa deste porte
pagava algo em torno de doze contos, uma quantia significativa se levarmos a
rigor o cálculo feito pelo provedor de Santos para o Rei. Estimar os ganhos que
esta tropa poderia proporcionar para seu proprietário é um tanto difícil, na
medida em que não temos informação sobre os valores negociados na compra, e
pouco sabemos dos valores praticados nos pontos de venda. De qualquer modo,
esta estimativa nos dá alguma idéia do volume deste negócio.
Não temos dados sobre os recursos materiais que Vila Lobos dispusera
para a empreitada. Mas temos alguma informação sobre as articulações que
dispunha para obter as concessões que usufruiu. O mesmo Gomes Freire de
Andrade, que narrou a história das desordens provocadas pelo sujeito, é quem
nos dá estas pistas. Segundo ele, Vila Lobos obteve a patente de Alferes “...posto
que foi promovido por filho do Sargento-mor engenheiro do mesmo nome, e
sobrinho do tenente e Marechal de Campo General José Fernandes Pinto
22
Alpoim...”. Gomes Freire afirma que, mesmo com tais credenciais, o dito
alferes não deveria ser novamente promovido. Todavia, nos demonstra o quanto
eram importantes os seus laços parentais, a ponto de serem citados como
motivos para ascensão na carreira militar. Tal importância é comentada pelo
governador da Colônia do Sacramento, alguns anos antes de Gomes Freire e das
ditas “desordens” provocadas pelo alferes. Segundo ele, Vila Lobos teria
22
AHU–RJ. cx. 60. doc. 14.136.
23
Informação do governador da Colônia. AHU–RJ. cx. 55 doc. 12755.
24
LEVI, Giovanni. A herança imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. .
102
mesmo que não tivesse feito muito para aumentar ou manter este “patrimônio”.
Contudo mesmo as “desordens” que provocara, e que possivelmente lhe
privaram de promoções mais freqüentes, seu núcleo familiar ainda mantinha
importantes vínculos que possibilitaram e garantiram que ele pudesse circular
com animais entre os dois Impérios, e com despacho favorável de ambos.
Seu pai era Capitão do terço de artilharia na praça de Sacramento a partir
de 1738, quando enviou uma solicitação de ajuda de custo para transporte até a
Colônia.25 Da mesma forma, seu tio, José Fernandes Alpoim, era também oficial
militar, sargento-mor do terço de artilharia do Rio de Janeiro e designado para
acompanhar as tropas da expedição de Gomes Freire de Andrade ao sul, no
início da década de 1750. É possível que neste contexto, em um momento de
contatos fortes e regulares entre militares espanhóis e portugueses tenham se
formado relacionamentos que deram base de sustentação para a ação de Vila
Lobos como tropeiro nos domínios castelhanos, a partir de um domicílio
comercial em Sacramento. A maior parte das fontes que utilizamos remete-se a
ele como estando em Sacramento. Também uma solicitação que fez em 1749,
pedindo “...repassar provisão de licença por tempo de um ano para poder ir a
Nova Colônia e Minas...”26 nos indica isso.
Pelo fato de permanecer boa parte do tempo em Sacramento, e tendo pai
e tio atuando naquela redondeza, Vila Lobos teve acesso a redes que envolviam
especialmente comerciantes e produtores dos domínios espanhóis, além de
contatos que lhe possibilitaram obter a concessão para a circulação em
domínios espanhóis do próprio Rei Católico. Além disso, para obter licença e
circular pela colônia, a herança recebida ainda era o bastante, como nos indica a
aprovação do requerimento feito em 1749.27 Por sua vez, Francisco Pinto de Vila
Lobos, o filho, acabou investindo o que herdara na atividade comercial,
descuidando um tanto da reprodução dos relacionamentos e articulações sociais
que seus ancestrais haviam construído e reproduzido com bastante
competência. Ele se limitara a utilizar-se destas relações, sem reproduzi-las da
devida maneira.
25
AHU-RJ. cx.43 doc. 10016.
26
AHU–RJ. cx. 43. doc. 14287.
27
Idem.
103
Certamente Vila Lobos não era o único a realizar negócios com muares.
Um contemporâneo seu, chamado Francisco Vila Sana, saiu de Santa Fé em
1752 levando mais de novecentas éguas e vinte mulas.28 Sem pagar direitos e
sem autorização, foi perseguido pelas autoridades espanholas. Não sabemos se
foi pego em algum momento. Temos o registro de sua passagem pelo Rio
Grande de São Pedro em 1754:
28
Mss. I – 28, 34, 20. BNRJ.
29
F1242. 21v-23. AHRS
30
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e Fronteiras. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. pg.
130. Tal referencia seria de um livro de registro geral da Vila de Santana da Parnaíba, o que fora
“comunicado” a Sérgio Buarque de Holanda por outro pesquisador.
31
GARAVAGLIA, Juan Carlos. Mercado interno y economia colonial. México: Grijalbo, 1983.
104
criadores para obter os animais e levá-los ao seu destino final. Vila Lobos teria
tentado ajuntar uma tropa de doze mil animais, baseado apenas no crédito que
dispunha, pois os animais não eram seus.32 Da mesma forma, o citado
Bartolomeu Chevar, segundo Sérgio Buarque de Holanda, teria sido cobrado nas
Minas pelos tributos que fiara, já que provavelmente não dispunha de dinheiro
corrente para pagá-los, e necessitou vender os animais para obtê-lo.33 A falta de
metal circulante deveria ser um complicador para estes negociantes. Todavia,
um homem como Vila Lobos não deveria ter muitos problemas com isso, como
pudemos observar. Seus relacionamentos deveriam garantir boa parte de sua
empresa, especialmente os que herdara de seu tio e de seu pai. Da mesma
forma, Bartolomeu Chevar obteve aceitação para o fiador que apresentou. É
provável que só obtivera isso devido a sua competência de estabelecer contatos e
relacionamentos. Caso contrário, dificilmente chegaria às Minas.
Importa apontar para a quantidade de animais que levavam. Nos casos
apresentados, as tropas freqüentemente passam de três mil animais. Essa
quantidade, arrecadada com dinheiro ou crédito, era muito importante se
considerarmos o risco da viagem. Não apenas a alimentação dos tropeiros, mas
também as perdas com mortes de animais e o pagamento de peões eram
despesas que deveriam fazer parte da contabilidade do proprietário da tropa.
Além disso, havia ainda as despesas com os tributos de licença e passagem de
animais que (por mais sonegados que fossem) poderiam representar uma
despesa formidável para quem percorria mais de dois mil quilômetros.
Acrescenta-se também a intenção do tropeiro em ganhar o suficiente para si e
para dar continuidade satisfatória ao seu negócio. Todavia, isso são conjecturas,
pois pouco sabemos das despesas que se faziam. Um documento, contudo, nos
da algumas pistas. Em maio de 174934 alguns moradores de Rio Grande foram
chamados a prestar informações ao governador em nome de Sua Majestade.
32
II – 31, 30, 1 – nº 2. Biblioteca Nacional.
33
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e Fronteiras. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. pg.
130.
34
Resposta que deram os moradores casais deste estabelecimento sobre o pagamento que lhe [ilegível] o
Cel. Governador Diogo Osório Cardoso, cuja mandou registrar vocalmente. 1749. ANAIS DO AHRS.
vol. 1. pg. 234. Nota: A transcrição cita o ano de 1739. Porém, os documentos adjacentes estão todos
com datas do ano de 1749, e na ordem correta. Importante notar que a transcrição não foi assegurada
por quem a fez.
105
“...há os grandes gastos que nele se fazem e também nos parece danoso o
dito direito pelas muitas perdas que recebem os comerciantes pela
aspereza do caminho e passagens de dez mil réis cada rês, fora
infinitos ribeiros que estando cheios dão muito detrimento às tropas e
pela muita despesa que se faz em [ilegível] dos condutores delas.” 36
35
Segue a listagem dos consultados: Manuel de Lima Veiga, Domingos Martins, Domingos Gomes
Ribeiro, Lucas Fernandes da Costa, Antonio Simões e Manuel Francisco da Costa.
36
Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Vol. 01. Porto Alegre: AHRS, 1977 pg. 234. Grifo
nosso.
37
idem. pg. 235.
38
Cód. 104. Vol. 11. pg. 75. Arquivo Nacional.
106
39
II – 35, 25, 62. Bilhete nº 1166. Biblioteca Nacional.
40
Relação das guias do Registro de Sorocaba. II – 35, 25, 25-27. Biblioteca Nacional.
41
Relação dos devedores da Casa Doada e conta das importâncias que recebeu no Registro de Curitiba
(1800-1801). Biblioteca Nacional. II - 35,25,47.
42
II – 35, 25, 25-27, II – 35, 25, 5; II – 35, 25, 63 são exemplos destes documentos.
107
espanhóis para os domínios lusos passa a ser proibido. Ainda assim, tal
comércio tem continuidade. Importantes mudanças ocorreram, tornando mais
arriscadas as iniciativas de conduzir animais de um extremo a outro. Por outro
lado, uma nova possibilidade de circulação através de um mercado
fragmentado, com revezamento de negociantes, toma forma predominante,
dando espaço para a atuação saliente das elites das diversas localidades que
compõem o trajeto. Os gados seguem circulando dos domínios espanhóis para a
região das minas portuguesas, mas com articulações sociais distintas das
anteriores, ainda que igualmente refinadas.
Quando falamos de um mercado fragmentado nos referimos a
participação de diversos “intermediários” que estariam no caminho que separa o
núcleo produtor do centro consumidor. No caso dos grandes comerciantes,
como Vila Lobos, apenas um sujeito fazia esta ligação. Através da ação
fragmentada destes intermediários, os animais eram conduzidos do rio da Prata
para Sorocaba e região das Minas. Esta prática, contudo, não se iniciara a partir
de 1750, mas já era desenvolvida paralelamente, como um artifício de
comercialização de gado para aqueles que não dispunham de recursos para fazer
viagens longas.
108
O início do contrabando
43
F1243, 5v-6. AHRS.
109
Os Fornecedores
44
CONCOLORCORVO. op cit. pg. 33
45
Viajante de Cuzco que percorreu o caminho entre Montevideo e Lima.
46
GELMAN, Jorge. Sobre esclavos, peones, gauchos y campesinos: el trabajo y los
trabajadores en una estancia colonial rioplatense. IN: Santamaria, D. Estructuras sociales y
mentalidades en América Latina. Siglo XVII y XVIII. Buenos Aires: Biblos, v. 1990.
GELMAN, Jorge. Campesinos y estancieros. Buenos Aires: Editorial Los Libros del Riel,
1998.
110
50
OYARVIDE, Andrés de. Diario de demarcación. IN: CALVO, Carlos. Recueil Historique Complet
des traités. Paris, 1866 t. VIII, pg. 1.
51
Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 327v.
52
Depoimento de João Coutinho de Amorim. Devassa de 1784. Cód. 104. Vol. 06. pg. 140. Arquivo
Nacional.
53
ibidem.
112
“... sabe por lhe dizer o espanhol Pepe que o coronel Rafael Pinto Bandeira
lhe tinha vendido uma canoa mas que não sabe por que preço nem se o
ajuste foi feito para ser paga a dinheiro, ou em couros, e que sabe que o
dito espanhol Pepe conduzia publicamente para esta vila couros da
campanha embarcados em canoas.”55
54
Refere-se ao atual canal de São Gonçalo, que liga a Lagoa Mirim à Lagoa dos Patos.
55
Depoimento de Nicolau Cosme dos Reis. Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 337v. Arquivo
Nacional.
56
Cód. 104. Vol. 09. pg. 310. Arquivo Nacional.
57
Devassa de 1787. Depoimento de José Vieira da Cunha. Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 336v.
Arquivo Nacional.
113
percebia o potencial deste negócio, e achava que poderia render bons tributos às
Coroas.58
Saindo das proximidades do rio Cebollatí, Oyarvide tomou o caminho de
Santa Tecla, na direção noroeste. Ali também encontro os “changadores”, assim
como índios minuano, que faziam “correrías”59 para obtenção de gados,
“...para conducirlos hacia la parte de Portugal...”.60 Neste sentido, Oyarvide
distingue toda uma área que seria de ação de lusos e castelhanos, e que envolvia
a especial ação de contrabandistas, de gente que fazia do trato ilícito seu
principal meio de vida. Certamente o demarcador não fora o único a reparar
nestes sujeitos. Em 1785 o vice-reino do Prata procedia contra “varios reos
changadores”, por crimes contra a propriedade. Este homens haviam roubado
couros, com o agravante de que “los introducían en Brasil”.61
Oyarvide não ficou apenas nos territórios espanhóis que ajudara a
demarcar. Andou também nas proximidades da Lagoa Mirim, onde, frente a
estância do coronel Rafael Pinto Bandeira, fez uma interessante observação. Os
cavalos do coronel possuíam “...la marca de los vecinos españoles de
Corrientes, Santa Fe y Montevideo.”62 Isso poderia muito bem ser uma calunia
de um militar espanhol contra um oficial português. Mas, considerando as
referências que temos dos negócios de Rafael Pinto Bandeira, podemos afirmar
que Oyarvide não estava inventando, nem mesmo exagerando. Afora os
relacionamentos com os minuano e os já mencionados negócios com o espanhol
Pepe, Rafael Pinto Bandeira mantinha uma rotina de tratos com os súditos
espanhóis.
Seguindo os rastros de uns contrabandistas, o furriel de Dragões Antonio
Pinto da Fontoura andou próximo a uma das propriedades de Rafael Pinto
Bandeira, quando se topou com um espanhol que dali saia. Ao vê-lo, o dito
furriel lhe interrogou sobre o que fazia por ali. Ao que o espanhol “...lhe
respondera que viera buscar alguns víveres para o acampamento espanhol
58
AZARA, Félix de. Memória Rural do Rio da Prata. IN: FREITAS, Décio. O Capitalismo Pastoril.
Porto Alegre: EST - SLB, 1980
59
Expedições de caça ao gado xucro.
60
OYARVIDE. op cit. t. VIII. pg. 191.
61
Legajo. 28. Expte. 21. AGN.
62
OYARVIDE. op cit. t. VII. pg. 186.
114
que então se achava no Arroio das Pedras...”.63 Este mesmo espanhol teria dito
ao furriel:
“...que naquela mesma ocasião saia outro espanhol por nome D. Pedro, o
qual levava alguns escravos pertencentes ao dito coronel Rafael Pinto
Bandeira, mas que não sabia se o dito espanhol D. Pedro os havia
comprado ao dito coronel Bandeira ou se os levava por conta do mesmo
coronel...” 64
63
Depoimento de Antonio Pinto da Fontoura. Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 338v. Arquivo
Nacional.
64
Idem.
65
Informe de Don Manuel Cipriano Melo sobre la otra banda, límites, fuertes y guardias. Buenos Aires,
16 de julio de 1790. IN: CALVO, Carlos. APUD: CONI. op cit. pg. 175.
66
Depoimento de Antonio José Feijó. Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 334v. Arquivo Nacional.
67
Depoimento de José Antunes da Porciúncula. Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 331v. Arquivo
Nacional
115
vacum, muar e cavalar.68 Destas ações, uma comandada por Bernardo Antunes
Maciel, cabo de cavalaria ligeira, teve especial destaque. Segundo Oyarvide,
Bernardo era conhecido pelos espanhóis com Bernardillo, e fora líder de um
grupo de peões, sendo depois contratado pelos portugueses como vaqueano,
chegando a cavalaria ligeira, onde fora até o posto de Tenente.69
Os “Infiéis” Minuano
68
Autos principaes do conselho de guerra a que foi submettido o coronel Rafael Pinto Bandeira. IN:
Revista do Museu e Archivo Público do Rio Grande do Sul. Nº 23. MAPRGS/Livraria do Globo,
1930. pg. 77, 83.
69
OYARVIDE. op cit. t. VII. pg. 341.
70
Mapa do Terreno ocupado pelos Portugueses. IN: MINISTERIO DE EDUCACIÓN, CULTURA Y
DEPORTE – ESPAÑA. Las Relaciones Luso Españolas en Brasil durante los siglos XVI al XVIII.
2001.
71
FORTES, João Borges. Rio Grande de São Pedro. Rio de Janeiro: Biblioteca Militar - Bibliex, 1941.
116
72
SALDANHA. op cit.
73
Real Cédula al governador de Buenos Aires. Aranujuez, 18 de mayo de 1772. Copia em Campaña del
Brasil, t. I, pg. 477. APUD: CONI, Emilio. El Gaucho. Argentina, Brasil, Uruguai. Buenos Aires:
Ediciones Solar, 1942. pg. 97.
74
OYARVIDE. t. VIII. pg. 191. APUD: CONI. op cit. pg. 169.
75
CONI. Op cit.
76
Lineu publicou em 1758 a obra de que Saldanha se utiliza. Consultado no Site:
http://www.utad.pt/~origins/Menusgerais/Biografias/lineu.html. em 20-11-2002.
117
77
SALDANHA. op cit. pg. 235.
78
MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádica. Forma e razão da troca nas sociedades arcáicas. São
Paulo: EPU/EdUSP, .
118
79
SILVA. Op cit.
80
RMAPRGS. pg. 115, 124, 175.
81
RMAPRGS. pg. 177
82
RMAPRGS. pg. 497.
83
RMAPRGS. pg. 499. nota nº 54. Japejú era uma localidade que ficava próxima a desembocadura do
Rio Ibicui.
119
84
Dos noticias sobre el estado de los campos de la Banda Oriental al finalizar el siglo XVIII. IN: Revista
Histórica. Tomo XVIII – nº 52-54. Año XLVII. Montevideo.
85
Idem. pg. 346.
120
trabaja por su jornal.” 86 Desta forma obtemos outro quadro. Ainda que o autor
sugira ao longo do texto que esta atividade é bastante informal e ocasional,
percebe-se a sua complexidade. Há a presença de um negociante que agrega a
vários homens como força de trabalho e que se vale da possibilidade de
comerciar clandestinamente seu produto como forma de obter maiores ganhos.
De fato, não pudemos, através dos documentos que consultamos, verificar a
posição social destes “senhores” do negócio clandestino do couro. Mas é possível
que tais sujeitos estivessem associados à elite de Montevideo e mesmo de
Buenos Aires, dada sua capacidade de recrutar grande número de homens e de
arcar com as perdas relativas a um negócio clandestino. No mínimo,
necessitavam de cacife para evitar apreensões de suas mercadorias.
Ao falar destes “changadores” e dos indígenas da banda oriental, o autor
deste documento não faz nenhuma menção aos minuano. Trata (e nisso é um
dos poucos) da atuação dos indígenas missioneiros guarani no trato com o
couro, ainda que nunca os relacione com a atividade de contrabando. Segundo
ele, os guaranis coureavam para sua comunidade e vendiam o produto nas
aduanas oficiais do Império espanhol. Não sabemos até que ponto isso é
concreto, pois só temos este registro sobre o tema. Todavia, a ausência de
qualquer referência aos minuano é bastante suspeita, pela recorrência comum
da presença daqueles indígenas em outros testemunhos. A participação guarani
nestes negócios esta ainda para ser estudada, pois os documentos que obtemos
não nos dão nenhuma indicação mais concreta.
O documento ratifica a presença maciça de lusos atuando no
contrabando, ao lado dos “changadores”: “...llevando cueros y trayendo
generos, este contrabando es la peor cuchilla de nuestros ganados [...] los
hacendados, los perros y la falta de pastoreo no hacen tanto estrago como el
que nos causan los changadores en el comercio con los portugueses...”87 O
próprio documento procura explicar os motivos que faziam crescer estas
negociações. Por um lado, os produtores de couro não pagavam impostos por
sua produção, repassando para os portugueses que pagariam (hipoteticamente)
menos imposto que os negociantes espanhóis. As “alcabalas” correspondiam a
86
Idem. pg. 362.
87
Idem. pg. 365.
121
1
Relatório apresentado ao governo de Lisboa pelo vice-rei Luis de Vasconcelos, em outubro de 1784,
sobre o Rio Grande do Sul. IN: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre: Ano IX. 1929. pg. 28.
123
2
MOUTOUKIAS, Zacarias. Redes personales y autoridad colonial. Los comerciantes de Buenos Aires en
el Siglo XVIII. ANNALES. Histoire, Sciences Sociales. v. (1992). e FRAGOSO, João. A formação
da economia colonial no Rio de Janeiro e de sua primeira elite senhorial (séculos XVI e XVII). IN:
FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda & GOUVÊA, Maria de Fátima. O Antigo Regime nos
Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
v. 2001.
124
A Formação do Bando
Vamos acompanhar o modo como o bando se fez ao longo de três
décadas, período em que alianças mantidas a partir do núcleo familiar Pinto
Bandeira se tornam mais sólidas e estáveis. Este período coincide com a
proibição do ingresso de muares dos domínios espanhóis nos territórios lusos
da América. Tal circunstância não deixaria de ter importância para o grupo, que
se forjava naquele momento.
3
AHU-RS. Cx. 3. Doc 326
4
Rafael Pinto Bandeira descendia de uma fração da elite de Santos que migrou com toda a estrutura
social para fundar a vila da Laguna, e depois Viamão. A migração de elites, nestas condições, era uma
regularidade na colônia, sendo percebida para várias regiões. No caso citado, ver HAMEISTER,
Martha Daisson. O continente do Rio Grande de São Pedro: os homens, suas redes de relações e
suas mercadorias semoventes. Rio de Janeiro: PPGHIS - UFRJ, 2002. (Dissertação de Mestrado
Inédita). Para o Rio de Janeiro, ver FRAGOSO, João Luís Ribeiro. A nobreza da República: notas
sobre a formação da primeira elite senhorial do Rio de Janeiro (séculos XVI e XVII). Topoi. v. 1,
(2000). p. 123-152. Para Pernambuco, as observações de um coevo são também indicativas:
SALVADOR, Frei Vicente do. Historia do Brazil. IN: Anais da Biblioteca Nacional. Vol. XIII. Rio de
Janeiro: Leuzinger e Filhos, 1889. pg 1-261. passim.(escrito no século XVII).
5
FRAGOSO, João. A formação da economia colonial no Rio de Janeiro e de sua primeira elite
senhorial (séculos XVI e XVII). IN: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda & GOUVÊA,
Maria de Fátima. O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-
XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, v. 2001..
6
Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Vol. 01. Porto Alegre: AHRS, 1977. pg. 325.
também em AHU-RS. Cx. 3 Doc 326.
126
7
Anais do Arquivo. op cit. pg. 127.
8
RMAPRGS. pg. 389.
9
HAMEISTER. op cit.
10
Inventário de Francisco Pinto Bandeira. 1o Cartório de Órfãos e Ausentes de Porto Alegre. nº 35.
maço 4. APERGS.
11
FORTES, João Borges. Rio Grande de São Pedro. Rio de Janeiro: Biblioteca Militar - Bibliex, 1941.
Pg 14.
127
As formas de Cooptação
Após dar voz de prisão para Rafael Pinto Bandeira13, em 1779, o
governador do Rio Grande, José Marcelino de Figueiredo, escrevia ao Vice-rei se
justificando. Dizia, entre outras coisas, que Rafael e seus parentes mantinham
um “séqüito” no Rio Grande. Isso se dava por vários motivos. Em primeiro
lugar, os aplausos que Rafael recebia por suas campanhas militares. Em
segundo, as constantes promoções e concessões de patentes que Pinto Bandeira
fazia. O último ponto dizia respeito à concessão de terras. Segundo Marcelino,
Rafael distribuíra muitas terras nas áreas conquistadas aos espanhóis na última
guerra, reservando muitas para si, sendo que uma “...tamanha com uma
província de oito léguas de largura e dez léguas de comprimento...”14.
Marcelino tinha razão. Contudo, não eram apenas estas as formas de que Rafael
se valia para montar seu séqüito.
Identificamos, grosso modo, três formas de cooptação de sujeitos para
dentro do bando: as alianças matrimoniais, a coerção extra-econômica
(violência física) e os laços de reciprocidade. Esta última forma foi dividida, para
efeito de análise, em três segmentos, a saber: as contrapartidas de guerra, as
concessões de terras e a “proteção” que os Pinto Bandeira garantiam a
determinados indivíduos. É importante ressaltar que nossa investigação partiu
das referências aos acontecimentos ilegais para, daí, identificar seus agentes.
Neste sentido, estas formas de cooptação estão estreitamente vinculadas ao
trato ilícito, ainda que não possam, em hipótese alguma, ser desvinculadas do
tecido social. Acreditamos que identificando estas formas utilizadas no jogo do
contrabando, estaremos nos aproximando das formas que eram utilizadas por
aqueles homens em todas as dimensões da vida.
12
PORTO, Aurélio. História das Missões Orientais do Uruguai. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
1943. pg. 43.
13
Sobre a prisão de Pinto Bandeira, ler SILVA. Op cit.
14
RMAPRGS. pg. 408-409.
128
“...Os aplausos...”15
15
RMAPRGS. pg. 408.
16
AHU– Brasil Limites. Cx. 3, Docs. 186, 187 e 189.
17
AHU– Brasil Limites. Cx. 3, Docs. 186.
18
AHU– Brasil Limites. Cx. 3, Docs. 189. O original está em francês. Segue a versão abaixo: “É um
homem na flor da idade, educado um pouco como um nobre tártaro, robusto, e cheio de saúde;
129
“...aonde o rumor vago, e popular das suas façanhas talvez fariam maior
impressão do que as minhas informações [...] as quais sendo
participadas por quem tem obrigação de as pôr na Real Presença de S.
Majestade com a precisa imparcialidade e com a maior pureza, deviam
impetuoso, mas calmo, ele não se deixa levar pelas idéias de ninguém; ele fala pouco, mas responde
com espírito, e franqueza, ele talvez não tenha o furor de um granadeiro, ou de um javali ferido; mas
creio que é um homem ao qual a cabeça conduz o braço.”
19
RMAPRGS. pg. 408.
20
F1244. 144v. AHRS.
21
Relatório apresentado ao governo de Lisboa pelo vice-rei Luis de Vasconcelos. pg. 28.
130
ser mais bem acreditadas, de que as ficções daquele oficial, que só sabe
impor com o vasto simples conhecimento de um ...” 22
22
Relatório passado por Luis de Vasconcelos e Souza ao Conde de Rezende em agosto de 1789. APUD:
SILVA. Op cit.
23
AHU–RS. Cx. 3. Doc. 239.
24
AHU–RS. Cx. 3. Doc. 246.
25
MARX, Karl. O capital. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1978. cap. XXIV. A Chamada Acumulação
Primitiva. pg. 828.
26
Idem. pg. 829.
131
Talvez Marcelino tenha sido dos primeiros a reparar neste pavor público.
Os relatos de guerra, ainda que sempre lembrassem que o comando das
operações era de Rafael, não são claros sobre sua bravura pessoal. Muitas vezes
a documentação denota um certo receio de Rafael frente à possibilidade de um
ataque. O ataque de Santa Tecla, bastante documentado, pode ser exemplo
disso. Rafael desconsiderou a opinião da maioria dos oficiais, que propunham o
28
ataque “...para crédito das armas portuguesas...” por dispostos que estavam
a “...derramar até a última gota de sangue pela defesa do país e honra da
pátria...”29. Rafael optaria por desistir, inclusive do cerco que se montara, se os
espanhóis não houvessem se rendido antes.30 Não há dúvida de que havia o
reconhecimento geral de sua capacidade como comandante. Um documento de
1774, sem referência de autor, fala dos êxitos bélicos de Rafael, informando que
“...escolheu o dito capitão 300 homens daqueles de sua facção escolhidos a
ponta do laço capazes de montar o diabo se o apanhassem entre as
pernas...”.31
O próprio Vice-rei Vasconcelos e Sousa sabia do temor que Rafael
causava nas populações. Dizia ele, em 1784, ao Secretário de Estado e Ultramar
27
RMAPRGS. pg. 407-408. Grifo nosso.
28
Declaração do Capitão Carlos José da Costa. RMAPGRS. pg. 368.
29
Declaração do capitão João Batista de Carvalho. RMAPGRS. pg. 368.
30
RMAPRGS. pg. 374.
31
AHU–Brasil Limites. Cx. 3. Doc. 187. Grifo Nosso.
132
que havia grandes usurpações de terras no Rio Grande de São Pedro, sendo que
um dos envolvidos era “...o coronel Rafael Pinto Bandeira, que fazendo-se
absoluto e temido de todos em razão do autorizado posto que ocupa...”.32
No ano de 1787 houve denúncias de que Rafael estaria retirando, a base
de violência, madeiras dos matos de outros estancieiros para a construção de
umas canoas. Sobre este ponto, o governador do Rio Grande na ocasião,
Joaquim José Ribeiro da Costa, dizia ao Vice-rei que nada sabia sobre o uso de
violência para obtenção das madeiras. Apenas sabia que “...os procuradores do
dito coronel pedem aos donos dos matos que permitam retirar as madeiras, e
estes, por amizade, ou respeito, concedem a dita licença pedida.”33
De vinte e uma testemunhas de uma devassa tirada em 1787, cinco
ressaltaram o temor público que havia em relação a Rafael e sua família. Um
caso específico motivou muitas destas manifestações. Antonio de Souza de
Oliveira havia morrido e em seu testamento não declarara que tinha um filho,
por nome Jacinto Nunes de Oliveira, cuja mãe era uma mulher livre. Jacinto
tentou reverter o testamento e reivindicar parte da herança que havia sido toda
prometida a Mauricia Antonia, sobrinha do defunto. Mauricia era irmã de
Rafael Pinto Bandeira e esposa de Bernardo José Pereira. Jacinto, sem
encontrar quem o defendesse na petição, acabou sem nada, e se foi para o Rio
de Janeiro. Por este incidente mencionado nesta devassa pudemos ter alguma
aproximação dos problemas que Jacinto teve. Segundo o lavrador Antonio da
Silva Barros, Jacinto não obtivera sucesso porque teve que “...opor-se contra
um cunhado do coronel Rafael Pinto Bandeira, de quem tinham grandíssimo
temor...”34
Outra testemunha, o soldado auxiliar e lavrador Elisbão Machado de
Araújo, dissera que o problema de Jacinto fora que “...não achara quem lhe
quisesse defender a causa por todos se temerem de patrocinarem uma
causa contra o capitão Bernardo José Pereira cunhado do coronel Rafael Pinto
32
Relatório apresentado ao governo de Lisboa pelo vice-rei Luis de Vasconcelos. Op cit. pg. 28.
33
Cód. 104. Vol. 9. pg. 310. Arquivo Nacional. Grifo nosso.
34
Depoimento de Antonio da Silva Barros. Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 342v. Arquivo
Nacional Grifo nosso.
133
35
Depoimento de Elisbão da Silva Araújo. Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 341v. Arquivo
Nacional. Grifo nosso.
36
Depoimento de Inácio Xavier Mariano. Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 339. Arquivo
Nacional. Grifo nosso.
37
Cód. 104. Vol. 09. pg. 310. Arquivo Nacional.
134
“...por lho impedir o dito capitão Evaristo Pinto Bandeira, e que fora voz
constante ter vindo com armas ofensivas, desatendendo ao dito alferes de
Dragões com palavras pouco decentes, o que mesmo alferes sofreu em
atenção a ser aquele capitão irmão do coronel Rafael Pinto Bandeira,
comandante que era deste continente naquele tempo...” 38
42
Depoimento de José Cardoso da Silva. Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 348v. Arquivo
Nacional.
43
Relatório apresentado ao governo de Lisboa pelo vice-rei Luis de Vasconcelos. Op cit. pg. 28.
136
44
Autos de Justificação do Matrimônio de Bernardo José Pereira e Maurícia Antônia. 1763 (cod. 151)
ACMPA.
45
Autos de Justificação do Matrimônio de Custódio Ferreira de Oliveira Guimarães e Desidéria Maria
Bandeira. 1763 (cod. 156) ACMPA.
46
Autos de Justificação do Matrimônio de Bernardo José Pereira e Maurícia Antônia. 1763 (cod. 151)
ACMPA.
137
47
Guerras de expulsão dos Jesuítas das Missões. NEUMANN, Eduardo. A fronteira tripartida: índios,
espanhóis e lusitanos na formação do Continente do Rio Grande. XXI Simpósio Nacional da
ANPUH. Niterói. 2001.
48
Inventário de Francisco Pinto Bandeira. 1o Cartório de Órfãos e Ausentes de Porto Alegre. nº 35.
maço 4. APERGS.
49
Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 336v. Arquivo Nacional.
138
era vivo foi o de Matilde Clara.50 Pouco sabemos de seu cônjuge, José Luís
Ribeiro Viana. Segundo Aurélio Porto, seria um grande proprietário de terras
em Rio Pardo e Cachoeira.51 Todavia, isso não basta para apontarmos a origem
do sujeito, já que também Bernardo José e Custódio acabaram se tornando
grande proprietários fundiários.
Contava Rafael Pinto Bandeira vinte anos quando se casou em 1761. A
esposa, Bárbara Vitória, era filha do cacique minuano Miguel Caraí. O enlace era
o ponto culminante de uma série de contatos que se iniciaram com Domingos de
Brito Peixoto, ancestral de Rafael, e que continuaram de modo efetivo até
Francisco Pinto Bandeira, seu pai.52
O pai de Bárbara Vitória, Miguel Caraí, era filho de uma índia minuana
com um descendente de espanhol, conhecido como Dom Miguel Ayala. Ao que
consta, fora peão de estância de Francisco Pinto Bandeira, pai de Rafael, ainda
que mantivesse, durante este tempo contato com os seus.53 Segundo José de
Saldanha, astrônomo do rei Português, que conheceu Dom Miguel, tratava-se de
um tipo “...baixo, gordo, e moço e de semblante alegre, e mais racionável...”54.
Trazia consigo uma pequena espada, que Saldanha identificara com aquelas
portadas por membros do exército português, do corpo de auxiliares.
A relação sogro-genro estabelecida entre Rafael e Dom Miguel perdurou
por longos anos. De certo modo, já havia uma forte relação entre o dito Miguel e
Francisco Pinto Bandeira, pelo fato do minuano ter servido de peão muitos anos
nas estâncias do pai de Rafael. Mesmo com a morte de Bárbara Vitória a relação
sogro-genro permaneceu intensa. Em 1784 Dom Miguel e Rafael se
comunicaram como mediadores de uma negociação sobre a passagem de uma
55
tribo de minuanos para os domínios lusos. Esta relação garantiu a Rafael a
manutenção do acesso aos animais negociados pelos índios minuano.
50
Inventário de Francisco Pinto Bandeira. 1o Cartório de Órfãos e Ausentes de Porto Alegre. nº 35.
maço 4. APERGS.
51
PORTO, Aurélio. Os Pinto Bandeira. IN: RMAPRGS. p. 528.
52
SILVA. Op cit.
53
SILVA. Op cit.. pg. 43
54
SALDANHA, José de. Diário Resumido, e Histórico ou Relação Geográfica das Marchas e
Observações Astronômicas, com Algumas Notas sobre a História Natural, do País. IN: Anais da
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Vol. LI. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde –
Serviço Gráfico, 1938. Pg 235-236.
55
RMAPRGS pg. 499. (Notas).
139
56
Cód. 104. Vol. 09. pg. 310. Arquivo Nacional.
57
PORTO, Aurélio. Os Pinto Bandeira. RMAPRGS. pg. 524.
58
ibidem.
59
KÜHN, Fábio. A fronteira em movimento. Estudos Ibero-americanos. v. XXV, (1999).
60
Autos Matrimoniais de Luís Vicente Pacheco e Gertrudes Barbosa de Menezes. – 1755. cod. 20
AHCMPA Sobre a atuação da família Pacheco no comércio de gados ver WESTPHALEN, Cecília
Maria. O Barão dos Campos Gerais e o comércio de Tropas. Curitiba: CD Editora, 1995.
140
As contrapartidas de guerra.
61
Livro de casamentos de Triunfo. nº 1 AHCMPA.
62
PORTO, Aurélio. Os Pinto Bandeira. RMAPRGS. pg. 524.
63
SILVA. Op cit..
64
Devassa de 1773. RMAPRGS. pg. 316.
65
Demarcação do Sul do Brasil. IN: Revista do Arquivo Público Mineiro. vol. XXIV. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial, 1933. p. 112-113
66
Devassa sobre a entrega da Villa do Rio Grande às tropas castelhanas. – 1764. Rio Grande: Biblioteca
Riograndense,1937 e AHU-RS. cx. 3 doc. 253
141
quem muitas vezes cobrou o pagamento dos soldos atrasados, junto ao Vice-rei
e à Rainha.
Em janeiro de 1779 o governador do Rio Grande, José Marcelino, tornava
a queixar-se dos dizeres do Coronel Rafael. Segundo o governador, Pinto
Bandeira dissera publicamente que havia “...de fazer arreadas ainda que o leve
o diabo...”.67 Era um momento de disputa entre ambos. O governador não
conseguia força política para governar, frente aos desmandos de Rafael.
Todavia, ainda que Marcelino estivesse inventando aquilo, esta seria uma frase
absolutamente racional do ponto de vista de Rafael Pinto Bandeira. Ele
precisava fazer arreadas.
Arrear gado significava ultrapassar os limites definidos e invadir os
territórios inimigos em busca de gado que poderia ser apresado, quando solto
no campo, ou roubado, quando já arrebanhado em alguma estância de um
súdito espanhol. Nestas arreadas iam muitos homens de vários segmentos
sociais, de membros da elite a escravos. E todos estes homens recebiam como
pagamento parcelas dos animais apresados. Estas operações eram sempre
bastante “lucrativas”, pois significavam um investimento muito pequeno frente
ao ganho significativo. Rafael não fazia arreadas apenas porque ganharia gado
com isso. Era uma atividade muito interessante para o corpo de homens que ele
liderava e que viam nestas ações uma possibilidade de ganho inesperado, que
não obteriam com meios mais convencionais. Arrear gado era uma das maneiras
que Rafael possuía, enquanto líder, de dar a contrapartida a todos aqueles que
lhe seguiam nas batalhas e nos negócios ilícitos.
Felix dos Santos, por exemplo, enviou dois peões por sua conta para duas
destas arreadas, em 1777. Na primeira obteve cinqüenta terneiros, e na segunda,
oito cavalos. Outros peões, como Perico Serra, Antonio Tramandi, Francisco
Santiaguinho também participarão desta corrida de gado e receberam uma
parte.68
Muitos destes partícipes de arreadas estavam incorporados ao bando de
Rafael. É o caso, certamente, de Manuel Pinto. Em 1773, Manuel serviu de peão,
segundo testemunha de uma devassa, de uma tropa conduzida pelo castelhano
67
RMAPRGS. pg. 198.
68
RMAPRGS. pg. 381.
142
João Mariano que foi levada para a estância de Rafael Pinto Bandeira.69 Já em
1779 ele fora citado como desertor e preso por “...ir com outros ladrões a fazer
arreadas e distúrbios em Montevideo...”70 Dois anos antes, os tenentes Vasco
Pinto Bandeira e Jerônimo Xavier de Azambuja tiveram a sua promoção militar
questionada por terem falado com Manuel Pinto sem o prender. Tanto Vasco
como Jerônimo faziam parte do bando de Rafael. É até provável que este
Manuel Pinto fosse irmão de um Francisco Pinto, citado algumas vezes como
mensageiro de Rafael Pinto Bandeira. Uma testemunha apontou a presença de
um irmão de Francisco na mesma atividade e que este irmão seria desertor.71
Uma personagem comum nas arreadas era Romão Vareiro. Romão
liderou dois grupos, um notoriamente de indígenas, que promoveram corridas
de gado em 1777. Na devassa de 1773 ele já aparecia como condutor de tropas de
contrabando para Rafael Pinto Bandeira.72 Muitos anos depois, em 1787, ele é
novamente citado em uma devassa por provável condutor de outras tropas de
contrabando, também a mando de Rafael.73
Um dos principais líderes de corridas de gado, Bernardo Antunes Maciel,
também pertencia ao bando de Rafael. Segundo a maior parte das testemunhas
do Conselho de Guerra de 1780, Bernardo comandou rendosas investidas aos
campos espanhóis, especialmente à cidade de Maldonado.74 Este mesmo
Bernardo foi comentado por um demarcador espanhol, Andrés de Oyarvide,
quando este andou pelo Rio Grande. Segundo Oyarvide, antes de ser oficial da
Cavalaria Ligeira, Bernardo fora “...capataz de una tropa de changadores...”75
Já em 1787 fora acusado de algo mais refinado: alugar uma embarcação para
contrabandear couros na Lagoa Mirim, isso, juntamente com outros membros
do bando de Rafael, como Bernardo José Pereira.76
69
Depoimento de João Batista de Carvalho. Devassa de 1773. RMAPRGS. pg. 326.
70
RMAPRGS. pg. 417.
71
Depoimento de Fortunato Barbosa da Costa. Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 329v. Arquivo
Nacional.
72
Devassa de 1773. RMAPRGS. pg. 316.
73
Depoimento de Antonio José Feijó. Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 334v. Arquivo Nacional.
74
RMAPRGS. pg. 38 em diante.
75
OYARVIDE. Op cit. pg. 341.
76
Depoimento de José Vieira da Cunha. Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 336v. Arquivo
Nacional.
143
77
RMAPRGS. pg. 63.
78
RMAPRGS. pg. 373.
144
79
RMAPRGS. Pg. 179.
80
RMAPRGS. pg. 38 em diante.
145
Nunca ficará bem explicado o motivo pelo qual, numa certa noite, em sua
casa, o sargento Joaquim Rodrigues de Aguiar matou a mulher e outro homem,
companheiro de armas da cavalaria ligeira. Sabemos, contudo, que após fazê-lo
Joaquim correu para a casa do Coronel Rafael Pinto Bandeira a contar-lhe o
ocorrido. Na casa do coronel estavam hospedados os demarcadores de Sua
Majestade, o Doutor José de Saldanha e o Engenheiro Eloi Portela, que se
limitaram a ouvir o que o criminoso narrava ao seu superior. Após relatar o
ocorrido, Aguiar entregou as chaves de sua casa ao coronel, e recebeu deste uma
mula para a fuga. 83
Havia muitos anos que Joaquim e Rafael Pinto Bandeira eram
conhecidos. Na década de 1770 este já servia de peão para Rafael, tendo, em
81
AHU-Brasil Limites. cx. 3 doc. 256.
82
HESPANHA, Antonio Manuel. As vésperas do Leviathan. Instituições e poder político. Portugal -
século XVII. Coimbra: Livraria Almedina, 1994. pg. 208 e 214.
83
Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 336v. Arquivo Nacional.
146
certa ocasião ido buscar alguns animais que Rafael desencaminhara da Fazenda
Real, em um certo esconderijo que ambos conheciam. Ao chegar ao local,
Joaquim se topara com o Almoxarife da Fazenda Real, que sabedor do
descaminho, havia ido buscar os animais. Joaquim todavia dera ordens aos seus
subordinados que arrebanhassem o gado de qualquer maneira, enquanto se
acertaria com o Almoxarife. Este último nos deixou algum testemunho do
ocorrido:
84
RMAPRGS. 313-314;
85
Cód. 104. Vol. 09 pg. 310. Arquivo Nacional.
147
"...não sabe nem pelo ouvir dizer que dito comandante Rafael Pinto
Bandeira fosse culpado ou consentidor em descaminho algum, porque
antes o dito coronel Rafael Pinto Bandeira pôs uma guarda para que os
não houvessem."86
Joaquim não fora o único a receber ajuda de Rafael para a fuga. O mesmo
ocorreu a Alexandre José da Guerra.
É possível que Alexandre tivesse mesmo ido comer em uma taverna na
noite do crime, como dissera às autoridades. A acusação, todavia, de ter
esfaqueado o alfaiate José Antonio na porta da casa deste não ficou esquecida. A
denúncia se pautava no fato do aprendiz do dito alfaiate ter encontrado a bainha
da espada de Alexandre junto à cena do crime. Após alguns dias na cadeia, o
dito “delinqüente” fora solto, com a justificativa de ter o aprendiz mentido para
incriminá-lo. Após uma sessão de ameaças e algumas surras, o aprendiz
também fora liberado. O fato é que Alexandre fora solto pelo Coronel Rafael
Pinto Bandeira. Este caso já nos é conhecido. O aprendiz que denunciara a
prova da bainha da espada recebera uma surra das mãos do próprio Rafael, para
que nunca mais mentisse. O coronel armou todo o circo, do qual fazia parte o
castigo do detrator de Alexandre. O acusado negou o crime e com amparo em
Rafael, ninguém mais falou no assunto. O aprendiz, por exemplo, tinha bons
motivos para esquecer a história.
Outro beneficiado pela proteção de Rafael foi o soldado de alcunha “o
Cadete”. Ninguém sabia dizer seu verdadeiro nome. O primeiro a denunciar,
Manuel José de Alencastre, dissera que era voz corrente ser o “Cadete” filho de
Rafael Pinto Bandeira com uma índia. Em certa noite, estando destacado na
“Guarda do Beca”, juntamente com o soldado Raimundo Pereira, o “Cadete”
dera umas cutiladas no dito soldado. O motivo da agressão é ignorado. Nos
interessa ressaltar aqui a maneira como lhe ficou isenta a acusação. Segundo a
maior parte das testemunhas que sabiam do caso (6 de 21 depoimentos) o
“Cadete” se ocultara algum tempo e depois aparecera de retorno a Vila do Rio
Grande, onde continuou a servir no mesmo posto de soldado, como se nada
tivesse ocorrido. Uma das testemunhas deu uma informação extra: o acusado
86
RMAPRGS. pg. 111.
148
estaria residindo na casa do coronel Pinto Bandeira.87 Por todos os motivos que
expusemos até aqui, considerando que tal fato fosse verdadeiro, dificilmente
alguém retiraria o acusado da casa do coronel para levá-lo preso. Fora mais um
de seus homens a ser protegido. Esta certeza de segurança no trabalho para
Rafael Pinto Bandeira era mais um fator que contribuía para construir alianças,
e fortalecer o nome Pinto Bandeira. Ao garantir a impunidade de seus
comandados, Pinto Bandeira lhes dava mais uma contrapartida. Pagava mais
uma vez a dívida eterna (e recíproca) que mantinha com aqueles homens.88
O caso de João José de Souza também é interessante. Este, pelo que
disseram as testemunhas da devassa de 1787, esfaqueara um colega de armas da
cavalaria. Ao que tudo indica, a contenda fora por causa de uma índia. O crime
ocorrera na rua do Rosário, na vila do Rio Grande, e a vítima acabou morrendo
no hospital.89 Segundo o autor da primeira denúncia, Manuel José de
Alencastre, o criminoso tivera auxilio de Rafael Pinto Bandeira para a fuga.
Rafael teria lhe dado uma canoa para atravessar a barra do Rio Grande até a
Parte do Norte90 As testemunhas complementaram dizendo que o assassino
desertara e estava oculto no distrito de Santo Antônio da Serra ou
proximidades. Sobre isso podemos propor algumas hipóteses, que sendo de
difícil comprovação, podem ainda assim contribuir. O distrito de Santo Antônio
era caminho dos transportes de gado.91 O caminho da serra era o que ligava
Viamão a Curitiba. É possível mesmo que Rafael afastasse o criminoso da vila
enviando-o para outro ponto da rota de seus negócios. Do ponto de vista do
sujeito seria uma forma viável de manter-se livre. Continuaria a trabalhar para
Rafael, que de um modo ou de outro lhe garantia algumas contrapartidas. Ao
ganhar uma dívida com o sujeito, Rafael podia aguardar dele a contrapartida,
que seria dada através do trabalho nos negócios ilícitos. Um dos pontos mais
87
Depoimento de Tomé Pedro da Costa Real. Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 332v. Arquivo
Nacional.
88
MAUSS. Op cit.
89
Depoimento de Tomé Pedro da Costa Real. Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 332v. Arquivo
Nacional e outras testemunhas.
90
A localidade de São José do Norte fica no outro extremo da barra do Rio Grande, defronte a vila de Rio
Grande. Seria uma forma de acesso a Viamão.
91
NEIS, Ruben. Guarda Velha de Viamão. Porto Alegre: EST/Sulina, 1975.
149
92
HESPANHA, Antonio Manuel & XAVIER, Ângela Barreto. A representação da Sociedade e do
Poder. IN: HESPANHA, Antonio Manuel. O Antigo Regime. IN: MATTOSO, José. História de
Portugal. Lisboa: Estampa, v. IV. 1998. e FRAGOSO, João. A formação da economia colonial no
Rio de Janeiro e de sua primeira elite senhorial (séculos XVI e XVII). IN: FRAGOSO, João;
BICALHO, Maria Fernanda & GOUVÊA, Maria de Fátima. O Antigo Regime nos Trópicos: a
dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
93
SILVA, Augusto da. Rafael Pinto Bandeira: De bandoleiro a governador. Relações entre os
poderes privado e público no Rio Grande de São Pedro. Porto Alegre: PPGH - UFRGS, 1999.
(Dissertação de Mestrado Inédita). PORTO, Aurélio. Fronteira do Rio Pardo: penetração e fixação de
povoadores. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. v. IX, (1929).
PAUWELS, Geraldo José. Contribuição para o estudo dos conceitos de "limite" e "fronteira". Revista
do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. v. (s.d.)..
150
94
RMAPRGS. Nota 07 pg. 484.
95
RMAPRGS Nota 83 pg. 514 e também PORTO, Aurélio. Fronteira do Rio Pardo: penetração e fixação
de povoadores. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. v. IX, (1929).
96
SILVA. Op cit.
151
FIGURA 4
97
F1247. 21, 21v, 22. AHRS.
98
F1245, F1246, F1247 e F1248. AHRS.
99
F1246. 147v.
100
Depoimento de João Batista de Carvalho. Devassa de 1773. RMAPRGS. pg. 326.
152
As características do Bando
101
RMAPRGS, pg. 335.
153
Que tal membro da elite se relacione com seus pares não parece nada
surpreendente. Mas poder-se-ia argumentar que o fato de Rafael lidar
diretamente com sujeitos subalternos sugere uma igualdade que
verdadeiramente não havia. Tal relação, mais do que concreta, era básica para
manter a posição de líder frente ao distanciamento que uma relação
intermediada e escalonada provocaria.
Um caso exemplar pode ser um instantâneo do front, pouco antes do
ataque a Santa Tecla em 1776. Rafael reuniu todo o corpo militar presente ao
acampamento, e leu as ordens que haviam chegado de Porto Alegre. Eram
ordens que interessavam a todos os combatentes, pois diziam respeito à isenção
do quinto sobre os despojos de guerra. Isso poderia significar maiores ganhos
para todos na repartição do butim. Rafael leu as ordens para todos e pediu a
todos que se empenhassem na luta, já que assim poderiam ganhar mais. Não
seria nada espantoso se Rafael utilizasse seus capitães para divulgar a notícia e
pedir empenho. Estaria se valendo da hierarquia militar, que, ao que parece,
funcionava bem. Diante desta alternativa, e de outras tantas possíveis, ele optou
por reunir todos os soldados e falar-lhes pessoalmente.102 Esta relação, além de
ser usada junto aos aparentados e sócios, era a desenvolvida junto a alguns dos
mais destacados peões de contrabando de Rafael. Com estes homens Rafael
mantinha, como já vimos, dívidas de reciprocidade cultivadas ao longo de anos.
Era este tipo de relação que permitia a Rafael contar com uma ampla base
social, que não apenas lhe dava sustentação política, como também o
acompanhava em vários negócios, seja na guerra, nas arreadas ou no
contrabando.
Não era apenas com este tipo de relação que Rafael construía sua base.
Também se amparava de intermediadores, de relações escalonadas. Junto aos
indígenas minuano, que como já vimos eram pródigos fornecedores de gado,
Rafael se valia da ação de seu sogro, Dom Miguel Carai, que era um dos caciques
daquele grupo. Em negociações com este grupo durante a década de 1780, sobre
seu ingresso ao conjunto de súditos portugueses, Dom Miguel fora o principal
102
RMAPRGS. pg. 63.
154
negociador.103
No front durante os conflitos com os espanhóis, Rafael lançara mão de
ambas as formas. Já vimos como comunicou sobre a isenção de impostos,
noticia que certamente agradaria a todos. Todavia, ao planejar a forma do
ataque que faria (e se faria) ao Forte de Santa Tecla, chamou para conferência
apenas os capitães, que ali representavam o comando de todos os regimentos
presentes no acampamento.104 Cada um dos capitães sabia com que homens
podia contar. Através destes intermediários, Rafael administrou o comando de
todo o corpo militar.
Havia uma grande teia permeando a vida de todos aqueles homens e
mulheres. Ao privilegiar apenas alguns tipos de relacionamento, estamos
deixando de lado um outro tanto de seus relacionamentos. Mas ainda assim
podemos obter algumas respostas para os problemas relacionados com o
comércio ilegal na fronteira.
Esta grande cadeia de relacionamentos se reproduzia de maneira a
conservar uma dada hierarquia, de forma a manter a ordem social. Deste modo,
homens como Bernardo José Pereira, Custódio Ferreira, Cipriano Cardoso e
Pinto Carneiro mantinham, à sua maneira, seu pequeno séqüito. O gráfico que
apresentamos não contempla esta multiplicidade de relacionamentos. Alguns
casos, contudo, são muito importantes.
Segundo um informante do Marquês do Lavradio, que escrevera em
1772,105 as maiores desordens no Rio Grande eram fruto da ação de Rafael Pinto
Bandeira, Antonio Pinto Carneiro, Antonio José de Moura e José Custódio de Sá
e Faria. Os principais problemas seriam os contrabandos e as arreadas de gado
levadas a cabo especialmente por Rafael Pinto Bandeira e Pinto Carneiro, que
eram sócios. O mesmo informante conta que foi procurado várias vezes por
Rafael que insistia em fazer arreadas e que ele e Pinto Carneiro eram os únicos
ricos o bastante para bancar homens e cavalos suficientes para tais negócios.106
103
Cód. 104. Vol. 7. pg. 743. Arquivo Nacional.
104
RMAPRGS. pg. 368-369.
105
Cartas de Francisco José da Rocha. Microfilme 024-97 – Flash 2 – Série 2 – RD 16.1 a RD 16.89.
Arquivo Nacional.
106
Cartas de Francisco José da Rocha. Microfilme 024-97 – Flash 2 – Série 2 – RD 16.77 e RD 16. 78.
Arquivo Nacional.
155
107
Inventário de Antonio Pinto Carneiro. 1º Cartório de Órfãos e Ausente de Porto Alegre. nº 660.
APERGS.
108
BORGES FORTES. Op cit. pg. 41.
156
109
RMAPRGS pg. 335.
110
RMAPRGS pg. 38 em diante.
111
Cód. 104. Vol. 06. pg. 570v. Arquivo Nacional.
112
RMAPRGS. pg. 171.
157
113
Devassa de 1773. RMAPRGS. pg. 316. Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 327. Arquivo
Nacional. Listas de Tomadias de 1777 RMAPRGS. pg. 381 e RMAPRGS. nota 82. pg. 514 .
114
Devassa de 1773, Conselho de Guerra, Devassa do Marcelino e Pe. Pauwels...
115
MOUTOUKIAS, Zacarias. Redes personales y autoridad colonial. Los comerciantes de Buenos Aires
en el Siglo XVIII. ANNALES. Histoire, Sciences Sociales. v. (1992).
158
116
PRADO, Fabrício Pereira. Colônia do Sacramento: o extremo sul da América Portuguesa. Porto
Alegre: F. P. Prado, 2002. pg. 168-184.
117
MELLO, Evaldo Cabral de. O Nome e o Sangue: uma parábola familiar no Pernambuco
Colonial. Rio de Janeiro: Topbooks, 2000.
118
FRAGOSO, João Luís Ribeiro. Um Mercado dominado por “Bandos”: ensaio sobre a lógica
econômica da nobreza da terra do Rio de Janeiro seiscentista. IN: Escritos sobre História e Educação.
Homenagem a Maria Yedda Leite Linhares. pg. 247.
159
119
Uma nota importante: a mula é resultado do cruzamento induzido de uma égua (a fêmea do Equus
caballus) com um burro (um macho do Equus asinus). Em condições normais um burro não copula
com uma égua, e por isso é necessária a ação do homem para provocar o acasalamento. Sobre tal tipo
de reprodução existem estudos não apenas zootécnicos como também de história: HAMEISTER. Op
cit. , CANEDO, Mariana. La ganadería de mulas el la campaña bonaerense. Una aproximación a
las estrategias de producción y comercialización en la segunda mitad del siglo XVIII. IN:
MANDRINI, Raúl e REGUERA, Andrea. Huellas en la tierra. Indios, agricultores y hacendados en la
pampa bonaerense. Tandil: IEHS, 1993.
120
No Rio Grande de São Pedro, à margem do Rio Jacuí.
121
F1243. 73, 73v. AHRS.
122
F1243. 182v. AHRS.
123
Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Vol. 01. Porto Alegre: AHRS, 1977. pg. 287.
160
124
Idem. pg. 318.
125
F1243. 153, 153v. AHRS.
126
F1243. 153, 153v. AHRS.
127
F1243. 163. AHRS.
161
128
Inventário de Francisco Pinto Bandeira. 1o Cartório de Órfãos e Ausentes de Porto Alegre. nº 35.
maço 4. APERGS.
129
Inventário de Francisco Pinto Bandeira. 1o Cartório de Órfãos e Ausentes de Porto Alegre. nº 35. maço
4. APERGS.
130
REGO MONTEIRO. Op cit. pg. 172.
162
Em 1772 o Vice-rei tinha nos campos de Viamão um enviado que lhe fazia
freqüentes relatos dos ocorridos naquela fronteira. Francisco José da Rocha,
como se chamava, noticiou várias “desordens” que presenciara naquele
momento. A maioria delas era específica ao bando de Rafael Pinto Bandeira.
Rocha não acusou Rafael explicitamente de contrabandista, mas apontou o
poderio de Pinto Bandeira na região, apontando sua capacidade de
arregimentar homens e patrocinar arreadas e outros negócios. O próprio Rafael
lhe teria dito que podia ajuntar duzentos e cinqüenta homens e cavalos para
bancar uma “coleta” de éguas nos domínios espanhóis.131 Rocha dizia ainda que
Rafael se valia de seus postos militares, como comandante da fronteira, para
privilegiar seus partidários e embaraçar outros arreadores, dos quais “...não
gostava...”.132
Rocha procurou entender o embargo como algo pessoal. Todavia, esta era
uma prática de Rafael para eliminar seus concorrentes. É mesmo provável que o
próprio Rocha tenha percebido isso, ainda que preferisse manchar a imagem de
Rafael com outros artifícios narrativos. Em outro relato, ele apontou uma
negociação que teve com Pinto Bandeira que durou dias. Rafael tentava de todas
as maneiras evitar que a Coroa bancasse uma destas arreadas, cujos frutos
seriam distribuídos entre muito vassalos que, posteriormente, pagariam em
potros o ganho que tiveram. Rafael propôs, inicialmente, que os animais
arreados fossem vendidos, pois haviam interessados (provavelmente ele). Com a
negativa de Rocha, Rafael voltou no dia seguinte, propondo que fossem
concedidas licenças para quem se interessasse por fazer arreadas. Rocha negou
novamente, pedindo tempo para tomar informações. Rafael ainda fez mais
algumas tentativas, propondo que era o único capaz de arrear, e mesmo, que
poderia fazer a corrida de gado ao lado de Pinto Carneiro, pois serem os únicos
ricos o bastante para isso. Toda a negociação deixa perceber a preocupação de
Rafael em ter a proeminência nas arreadas, a despeito dos demais súditos, que
131
Cartas de Francisco José da Rocha. RD 16.73. Arquivo Nacional.
132
Cartas de Francisco José da Rocha. RD 16.76. Arquivo Nacional.
163
Rocha até tentou defender.133 Aparte todos os problemas com Rafael, Rocha
aponta, sem mencionar nomes, a existência de um forte contrabando de gado na
região, dando especial ênfase à maneira como eram despachados para Curitiba.
Já em 1773 devia ser muito intenso o tráfico ilícito de mulas entre os
domínios espanhóis e os territórios portugueses. Isso porque o provedor da
Fazenda, Inácio Osório Vieira, resolveu tirar uma devassa sobre estes abusos.134
Dizia o Provedor:
133
Cartas de Francisco José da Rocha. RD 16.72 – RD 16.76. Arquivo Nacional.
134
O original está provavelmente perdido. Uma cópia de 1779, utilizada para o Conselho de Guerra
contra Rafael Pinto Bandeira está publicada na RMAPRGS. pg. 316.
135
F1243. 213v.
164
FIGURA 5
165
A ligação de Morato com Rafael Pinto Bandeira é ressaltada por parte das
testemunhas. Não apenas o fato da tropa pertencer a Rafael, mas pelas garantias
que o tropeiro possuía ao conduzir gado para Rafael. Frente a uma possível
detenção, Inácio Morato não titubeou em invocar àquele que o contratava e que
cuidaria dos soldados. Esse ponto já havia sido apontado pelo emissário do
Vice-rei, Francisco José da Rocha, que dissera que Rafael se valia das Guardas
de Fronteira para tratar de seus negócios ilícitos.137
Outro aspecto que apreendemos do ocorrido é alguma noção da rota
terrestre utilizada pelos contrabandistas. Ao que tudo indica, eles utilizavam
caminhos comuns, sem grande necessidade de ocultar seus negócios. Quase
todas as testemunhas afirmaram que os contrabandos eram públicos e notórios.
Todavia, a questão dos caminhos utilizados tem outra evidência.
Em um mapa feito por espanhóis, de 1804 (figura 5), são representados
caminhos existentes entre a Banda Oriental e o Rio Grande de São Pedro.
136
RMAPRGS. pg. 332-333.
137
Cartas de Francisco José da Rocha. RD 16.73. Arquivo Nacional.
166
138
RMAPRGS. pg. 320.
167
139
RMAPRGS. Tomadias de 1777. Pg. 381-382.
140
Cód. 104. Vol. 09. pg. 310. Arquivo Nacional
141
F1247. 21. AHRS.
168
destes homens. Inácio Morato, por exemplo, adquiriu terras na década de 1780,
e obteve mais algumas na década de 1790.142
Um outro personagem foi citado com regularidade na devassa de 1773: o
Capitão de Dragões Carlos José da Costa e Silva. Pelo menos quatro
testemunhas o apontaram como participante dos contrabandos. Sua ação se
limitaria ao controle da fronteira, como comandante oficial dela, que garantiria
a passagem de determinados indivíduos, confiscando outros ou cobrando
pesadas “multas”, que no vocabulário de hoje chamaríamos de propinas. Na
ocasião as mesmas testemunhas apontaram a ligação de Carlos José com Rafael.
Na década de 1780, ele se casou com a irmã mais nova de Pinto Bandeira,
juntando-se definitivamente ao bando.
Houve uma grande investigação sobre os negócios de Rafael, entre 1779 e
1780, na qual o contrabando foi apenas um dos pontos. A própria devassa de
1773 fora anexada a este processo. Denúncias mais explícitas de contrabando só
voltaram à ordem do dia em 1783, com uma carta enviada ao Vice-rei, Luís de
Vasconcelos, por súditos que optaram por não se identificar. Eram “Capítulos”
contra Rafael Pinto Bandeira, dando conta de vários negócios prejudiciais aos
interesses do Rei e seus súditos, obrados por Rafael.143
Se a devassa de 1773 tivera como tema específico o contrabando de
muares, estes “Capítulos” vão tomar apenas o contrabando fluvial como objeto.
E como o próprio documento dizia, e outros o confirmam, estes contrabando
estava ancorado no ingresso de couros dos domínios portugueses e na saída de
escravos e fumo dos mesmos territórios.
O documento não cita muitos nomes, mas dentre os poucos mencionados
está presente o de Joaquim Rodrigues, que costumava cometer violências a
mando de Rafael. Nos “Capítulos” ele é acusado de ter confiscado para Rafael
uma canoa de contrabando Esta canoa teria sido utilizada por Rafael para levar
o seu contrabando.
Segundo os anônimos autores dos “Capítulos”, Rafael teria mandado
construir grandes canoas para fazer seu contrabando. Não há maiores detalhes.
Mas esta informação é confirmada por outros documentos, especialmente pela
142
RMAPRGS. pg. 484. Nota 7. e também F1247, 21. AHRS.
143
Cód. 104. Vol. 06. Pg. 143. Arquivo Nacional.
169
144
Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 336v. Arquivo Nacional.
145
Códice 104. Vol. 09. pg. 310. Arquivo Nacional.
146
Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 336v. Arquivo Nacional.
170
147
Cód. 104. Vol. 06 pg. 132-142. Arquivo Nacional.
148
Cód. 104. Vol. 6. Pg. 560. Arquivo Nacional.
171
FIGURA 6
172
149
Depoimento de Francisco de Souza de Azevedo Pimentel. Devassa de 1784. Cód. 104. Vol. 06. pg.
140v. Arquivo Nacional.
150
07. 02. 1425 e 07. 02.1441. Mapas do Arquivo do Exército.
151
Auto de medição de terras. José da Rosa Gomes – 1796. 2º Cartório do Cível de Rio Grande.
APERGS.
152
Depoimento de José Vieira da Cunha. Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 336v. Arquivo
Nacional.
173
modo, o poderio do bando de Rafael. Isso está longe de significar que o bando
estivesse enfraquecendo...
A partir 1780, Rafael começou a não apenas perseguir, como também
prender e, especialmente, “noticiar” de forma bastante enfática, as apreensões
de contrabando que fazia. Entre 1780 e 1784, Pinto Bandeira prendeu vários
contrabandistas. No final deste período enviou uma relação ao Vice-rei com os
nomes dos criminosos, sendo eles: Santiago Rodriguez, João Antonio, Antonio
Iglecia, Bernardo Balecho, Francisco Matos, Diogo Vaca, Gregório Francisco,
João Nunes, José de Sechas, Rafael Escudeiro, João Benites, Eugenio Salininas,
Manuel Gonçalves e João Francisco.153 Infelizmente não conseguimos rastrear
estes homens em outros documentos. O registro de suas vidas se limita à notícia
de suas atividades criminosas ou, o que é pior, a sua incapacidade de criar meios
de evitar a detenção. Pinto Bandeira sabia bem disso, talvez melhor do que
ninguém.
Em 1786 os espanhóis apreenderam um carregamento de couros em uma
embarcação portuguesa que navegava na Lagoa Mirim. Os sujeitos que estavam
com os couros argumentaram que haviam encontrado aquilo em outro barco,
que estava encalhado em algum ponto, e que só andavam na Lagoa Mirim a
procura de conchas pois pretendiam fazer cal com elas. Os espanhóis não
acreditaram.154
Uma parte do couro foi jogada na mesma lagoa, outra foi destruída e o
restante foi dividido entre os soldados que apreenderam o contrabando. Os
sujeitos que perderam o couro não eram os donos da embarcação. Ela pertencia
a Rafael Pinto Bandeira. O Comissário espanhol, Varela e Ulhoa, escreveu ao
Vice-rei do Brasil, Luis de Vasconcelos e Souza, acusando Rafael de manter um
contínuo contrabando. Para Vasconcelos isso não era nenhuma novidade. Mas é
neste contexto que Vasconcelos nos fornece algum indício para percebermos
quão forte estava o bando. Muito observador, o Vice-rei comentava que Rafael
se tinha...
153
F1245. 12v, 13. AHRS.
154
Ofício do vice-rei sobre o Rio Grande de São Pedro. Op cit. pg. 41-47.
174
“...conduz, com o respeito que tem, por ser irmão do Coronel acima dito
[Rafael] muitas tropas de contrabando, passando com elas por várias
guardas as quais lhe não põem embargo por estarem a maior parte delas
comandadas por oficiais seus parentes e outros do regimento [ilegível] do
dito Coronel e em outras partes passando em passos esquecidos como
158
veterano daquele país...”
155
Ofício do vice-rei sobre o Rio Grande de São Pedro. Op cit. pg. 45.
156
A Lagoa Mirim neste momento era declarada área neutra.
157
Cód. 104. Vol. 09. pg. 310. Arquivo Nacional.
158
Cód. 104. Vol. 09. pg. 314. Arquivo Nacional.
175
159
Inventário de Rafael Pinto Bandeira. 1º Cartório de Órfãos e ausentes de Porto Alegre. nº 211. maço
13. APERGS.
176
160
Depoimento de Antônio José Feijó. Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 333v. Arquivo Nacional.
161
Depoimento de José Vieira da Cunha. Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 336v. Arquivo
Nacional.
162
RMAPRGS. pg. 38 em diante.
163
OYARVIDE. Op cit. Vol VII. pg 341.
177
todas as referências à posse de canoas na mão de Rafael, veremos que ele lidou
com muitas destas embarcações, especialmente a partir dos anos 1780.
Isso demonstra o potencial de transporte de couros que Rafael possuía,
além de sugerir o quanto seu bando vinha investindo, cada vez mais, no negócio
de couros. Provavelmente porque era um produto que vinha sendo cada vez
mais requisitado no mercado exterior.164
Um dos principais personagens da devassa de 1787 é Custódio Ferreira,
cunhado de Rafael. Aparte todo tipo de acusações, o contrabando de gado foi
um dos pontos mais salientados. Segundo algumas testemunhas, era ele próprio
encarregado de coibir o contrabando em seu distrito, chamado “do Caí ”.165 Das
vinte e uma testemunhas, seis acusaram diretamente Custódio Ferreira de fazer
contrabandos.
Inácio Xavier Mariano e José Garcia contaram o pouco que sabiam.
Disseram que o furriel de Dragões Antonio do Couto e Silva fizera uma
apreensão de mulas contrabandeadas na estância de Custódio. Da mesma
forma, o meirinho da Fazenda Real, Joaquim José da Conceição, em seu
depoimento, dissera que havia participado de um confisco na propriedade de
Custódio. E dera detalhes. Segundo ele, o estancieiro estivera ocultando vinte e
cinco mulas de contrabando que pertenciam a um tropeiro de nome Antonio
Ribeiro de Andrade. As mulas foram apreendidas e levadas para extinção em
Porto Alegre.
O mesmo meirinho relatou outro ocorrido, desta vez com o sucesso de
Custódio. O oficial da Fazenda Real estava no Passo do Montenegro aguardando
uma tropa de mulas de contrabando, que por informações que tinha, deveria
passar por ali. Tendo sido avisado que o comandante do distrito, Custodio
Ferreira lhe chamava para uma conversa sobre assunto relativos ao serviço de
Sua Majestade, ao que o meirinho se encaminhou diretamente. Custódio lhe
ordenara que fosse imediatamente para Porto Alegre, onde o Provedor da
Fazenda, Inácio Osório Vieira, lhe aguardava com urgência. Ao chegar a Porto
Alegre, e ver o desagrado de Osório Vieira, o meirinho achou “...ser falsa...” a
164
OSÓRIO. Op cit.
165
Depoimentos de Inácio Xavier Mariano e Antonio da Silva Barros. Devassa de 1787. Cód. 104. Vol.
09. pg. 327 em diante. Arquivo Nacional.
178
ordem que recebera de Custódio. Logo depois soube que assim que se retirou do
Passo do Montenegro, a tropa esperada, de um tropeiro chamado Domingos
Gonçalves passou sem nenhum embaraço.
Estes dois casos narrados pelo meirinho e por outros contemporâneos
nos demonstram algumas das artimanhas de que Custódio se valia para fazer
passar sua mercadoria. Ainda que fracassasse em algumas de suas investidas,
deveria ter bons motivos para continuar investindo no negócio. Já vimos que
neste mesmo período a Fazenda Real tentou confiscar também gado de Evaristo
Pinto Bandeira, com total insucesso. Ainda que deixasse pistas, o bando tinha
cacife para bancar seus negócios. Talvez o provedor Osório Vieira estivesse
tentando uma reação ao contrabando que se mostrou pouco eficiente. Para este
período encontramos vários documentos produzidos pelo provedor. Neles,
Osório Vieira denuncia a falta de condições de perseguir os contrabandistas, a
ambição dos estancieiros que ajudavam os delinqüentes e algumas das
artimanhas dos negociantes. Aponta, inclusive, o fluxo de mulas para os
domínios lusos, e o contra-fluxo de fumo para os territórios espanhóis.166
Outras testemunhas acusaram Custódio de se valer de seu posto para
confiscar para si alguns animais e cobrar de outros tropeiros para não efetuar o
confisco. Alguns destes tropeiros que andavam com contrabandos acabaram
sendo pegos em outros lugares. Custódio não deveria estar interessado em
proteger estes tropeiros, até porque poderiam tornar-se concorrentes. Mas o
embolso de alguma quantia lhe interessava, pelo que se apresenta. Estes casos
são também indicativos do controle que este membro do bando de Rafael
possuía em seu distrito. Alguns contam, inclusive, que obrigava a alguns
tropeiros a comprar seus animais, ou, em algum caso mais específico, casar com
alguma de suas filhas bastardas. Isso aconteceu com o tropeiro Antonio de
Almeida, que acabou levando para São Paulo, junto das mulas, uma índia filha
de Custódio.167 Mas isso são coisas que contavam...
Outro membro do bando, Vasco Pinto Bandeira, irmão de Rafael,
também fora citado na devassa. Ele teria vendido um lote de couros “...da
campanha...” (em geral se referia a couros contrabandeados) a um negociante
166
Códice 104, Vol. 10. pg. 397 e Vol. 09. pg. 260. Arquivo Nacional. e também F1245. 170. AHRS.
167
Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 336v. Arquivo Nacional.
179
de Rio Grande chamado Nicolau Cosme dos Reis, por doze tostões cada um.
Quem informou isso fora o próprio Nicolau, que testemunhara na devassa, além
de outro depoente, Antônio José Feijó.168 A narrativa de Nicolau é mais
detalhada e interessante. Acordara com Vasco que este, após receber o
pagamento, procederia a “quintação”, ou seja, pagaria o quinto Régio. Nicolau
ficou surpreso, pois temia que os couros fossem confiscados, já que o próprio
Rafael Pinto Bandeira ordenara que os couros da campanha fossem confiscados
quando da sua quintação. Contudo, os couros de Nicolau não foram confiscados,
assim como ocorreu com outros, segundo dissera a testemunha.
Vasco chamou para si a responsabilidade de “legalizar” os couros, ou seja,
transformar contrabando em mercadoria. O fato de Vasco, e não Nicolau, ter ido
“quintar” os couros, nos indica o quanto esta “legalização” dos couros estava
determinada pelas redes de relacionamentos. O bando detinha um especial
conhecimento desta alquimia.
Rafael também praticava cotidianamente esta mágica. Um tropeiro de
nome João José comprou de Rafael uma grande tropa de animais de
contrabando e a passou, sem problemas, até as Minas, segundo dissera Antonio
da Silva Barros em seu depoimento da devassa. Mas nem sempre havia total
êxito do negócio. Inácio Xavier Mariano contou que um tal José Bernardes fora
ao continente do Rio Grande fazer uma tropa de animais. Rafael lhe teria
vendido algum gado de contrabando com promessas de que passaria sem
problemas pelo registro. A tropa, contudo, acabou apreendida pela Fazenda
Real.169
A devassa de 1787 foi a última grande investigação no século XVIII de
que tivemos notícia naquela fronteira. Até onde sabemos, ela não teve efeito.
Enquanto a devassa ocorria, Rafael estava no Rio de Janeiro, de onde partiria
depois para Lisboa, onde receberia, por seus préstimos de vassalo, o posto de
Brigadeiro das mãos da Rainha. Em seu retorno ao Rio Grande de São Pedro,
Rafael assumiu o posto interino de governador, que ocupou com freqüência até
sua morte, em 1795.170
168
Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 336v. Arquivo Nacional.
169
Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 336v. Arquivo Nacional.
170
SILVA. Op cit.
180
171
AHU-RS. Cx. 03. doc. 291.
172
AHU–RS. Cx. 09. doc. 570.
181
173
AHU–RS. Cx. 09. Doc. 570.
182
O escoamento da “produção”.
1
OSÓRIO, Helen. Estancieiros, Lavradores e Comerciantes na Constituição da Estremadura
Portuguesa na América. Rio Grande de São Pedro, 1737-1822. Niterói: - PPGHIS/UFF, 1999. (tese
de doutoramento Inédita).
184
“...vindo a este continente José Bernardes a fazer uma tropa de bestas, lhas
vendera o coronel Rafael Pinto Bandeira, e porque eram de contrabando
lhe foram confiscadas pela Fazenda Real, o que só lhe consta por ter
2
ouvido a diversas pessoas.”
2
Depoimento de Inácio Xavier Mariano. Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 339. Arquivo Nacional.
3
Depoimento de Antonio da Silva Barros. Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 342v. Arquivo
Nacional.
4
Lista Geral dos Habitantes que existem na Freguesia de Santo Antonio da Lapa. 1798. AESP.
5
Idem.
185
Fazenda Real, Custódio tomou-os para si, e os mandou conduzir para uma de
suas propriedades...
É possível que este tal filho do capitão fulano Carneiro fosse Luciano
Carneiro Lobo, filho de Francisco Carneiro Lobo, Capitão de Auxiliares do terço
de Paranaguá, que atuou na conquista de Guarapuava e fundação da freguesia
de Castro em 1779.7 Luciano teria idade para andar pelo Rio Grande em 1787,
quando da devassa e, mais importante, atuava com freqüência na condução de
tropas de gado, especialmente entre Curitiba e Sorocaba. Ele aparece em uma
lista de controle do “Registro de Sorocaba” como tendo passado três vezes: a
primeira em 1793, sob o nº 1223, pagando 56$590 réis em direitos ao registro. A
segunda e a terceira devem ter sido posteriores a janeiro de 1794, e deixaram
respectivamente 179$290 e 170$460 réis8 em direitos. Nada sabemos sobre os
animais que levava,9 mas é possível que tivesse ido a Viamão e proximidades
para buscá-los, quando teve seus desentendimentos com Custódio.
A única forma que tivemos de verificar as relações entre os “produtores” e
os tropeiros foi através da análise destes conflitos que vimos. Isso, de certo
modo, nos confirma a idéia de que os “produtores” não levavam suas
mercadorias para Curitiba. Esta movimentação era feita por outros sujeitos, que
vinham aos pastos da fronteira atrás de gado. Tomamos o cuidado de só
apresentar casos em que houvesse relações entre comerciantes de gado e
sujeitos que realmente estavam associados ao contrabando, ou seja, que além da
produção animal, obtinham seu gado de outras maneiras que eram proibidas e
exigiam uma elaboração mais refinada, baseada em relações sociais. Isso nos
6
Depoimento de Manuel Carvalho de Souza. Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 350. Arquivo
Nacional.
7
NEGRÃO, Francisco. Genealogia Paranaense. Curitiba: Impressora Paranaense, 1926. Agradeço a
Cuca Machado pelo auxilio prestado, sobre famílias do Paraná no século XVIII.
8
Seguindo os preços cobrados no Registro, 56590 réis corresponderiam a mais de 45 mulas; 179290
corresponderiam a mais de 140 mulas; 170460 corresponderiam a mais de 135 mulas. Os preços
cobrados por volta de 1790 eram: 1250 por mula, 1000 por cavalo, 480 por égua e 240 por rês (preços
em réis). II – 35, 25, 62. Seção de Manuscritos. Biblioteca Nacional.
9
II – 35, 25, 25-27. Seção de Manuscritos. Biblioteca Nacional.
186
10
Carta do Coronel José Félix para o Capitão Antônio Pinto Carneiro. APUD: REGO MONTEIRO,
Jônathas da Costa. A Dominação Espanhola no Rio Grande do Sul (1763-1777). Rio de Janeiro:
IHGB/IGHMB, 1979. pg. 134.
11
II – 35, 25, 25-27 e também II – 35, 25, 92. Seção de Manuscritos. Biblioteca Nacional.
12
ELLIS JUNIOR, Alfredo. O Ciclo do Muar. Revista de História. v. 1, 1 (1950). p. 73-80.
13
BACELLAR, Carlos de Almeida P. Viver e sobreviver em uma vila colonial. Sorocaba, século
XVIII e XIX. São Paulo: Fapesp/Annablume, 2001.
187
14
HAMEISTER. Op cit. pg. 218.
15
A listagem de tropeiros não informa a data que Manuel passou, mas os registros anteriores são de finais
de 1793.
16
WESTPHALEN, Cecília Maria. O Barão dos Campos Gerais e o comércio de Tropas. Curitiba: CD
Editora, 1995.
188
17
OSÓRIO. Op cit. pg. 180. A autora faz uma análise quantitativa demonstrando a importância dos
couros na economia colonial e suas flutuações.
18
DL 47, 05. IHGB.
19
AHU-RS. Cx. 3. doc. 291.
189
“...o coronel Rafael Pinto Bandeira fora a casa dele informante e lhe
confiscara quatrocentos couros que ali tinha, e que para os passar na
guarda do Beca tinha ele informante dado ao furriel de cavalaria ligeira
fulano Figueiredo que naquele tempo comandava a dita guarda a quantia
de vinte três mil réis em fazendas que o dito furriel tomou, e em alugueres
de uma casa dele informante em que morava o dito furriel, de que ele
informante se deu por pago.”23
20
Cód. 104. Vol. 06. pg. 122. Arquivo Nacional.
21
Cód. 104. Vol. 09. pg. 310. Arquivo Nacional.
22
Depoimento de Antonio José Feijó. Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 334v. Arquivo Nacional.
23
Depoimento de José Vieira da Cunha. Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. Pg. 336v. Arquivo
Nacional.
190
24
Devassa de 1784. Cód. 104. Vol. 06. pg. 140. Arquivo Nacional.
25
Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 336v. Arquivo Nacional.
26
Inventário de José Vieira da Cunha. 1º Cartório de Órfãos e Ausentes de Jaguarão. APERGS.
27
OSÓRIO. Op cit. pg. 242.
191
28
Devassa de 1784. Cód. 104. Vol. 06. pg. 140. Arquivo Nacional
29
Inventário de José Vieira da Cunha. 1º Cartório de Órfãos e Ausentes de Jaguarão. APERGS.
30
Devassa de 1787. Cód. 104. Vol. 09. pg. 336v. Arquivo Nacional.
192
31
AHU-RS. Cx. 7. Docs. 493 e 498.
32
Revista Genealógica Latina, Numero 6.
33
Depoimento de Antonio de Araújo. Devassa de 1773. RMAPRGS. pg. 316.
34
OSÓRIO. Op cit.
35
Juan Pedro de Aguirre é citado em TEJERINA, Marcela. La apertura comercial del Río de la Plata a
fines del Antiguo Régimen y su impacto en la plaza mercantil porteña: la presencia portuguesa.
Seminario Mercantilismo y comercio en el mundo ibérico. Universidad Argentina de la Empresa,
Buenos Aires. 2001. pg. 3. nota. 8.
193
36
Cód. 104. Vol. 06. pg. 143.Arquivo Nacional.
194
GRÁFICO 8
195
37
AHU-RS. Cx. 3. Doc. 189.
38
F1244. 144v. AHRS.
39
Marcelino era português, e veio para o Brasil, com o auxílio de Pombal, para escapar da pena de morte
por ter assassinado um oficial inglês. Maiores informações em SILVA. Op cit.
196
40
RMAPRGS. pg. 11-12. Grifo nosso.
41
Tribunal Militar. Cf. HESPANHA. História de Portugal. Op cit. pg. 162.
42
RMAPRGS. pg. 199. Grifo nosso.
43
RMAPRGS. pg. 200.
44
Idem. Grifo nosso.
197
45
FRAGOSO, João. A formação da economia colonial no Rio de Janeiro e de sua primeira elite
senhorial (séculos XVI e XVII). IN: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda & GOUVÊA,
Maria de Fátima. O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-
XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. pg. 59 e 60.
46
GREENE, Jack. Negotiated authorities. Essays in colonial political and constitutional history.
Charlottesville & London: The University Press of Virginia, 1994. e PUJOL, Xavier Gil. Centralismo
e Localismo? Sobre as Relações Políticas e Culturais entre Capital e Territórios nas Monarquias
Européias dos Séculos XVI e XVII. Penélope - Fazer e desfazer a história. v. 6 (1991). p. 119-144.
47
F1243. 23. AHRS.
48
F1243. 139v. AHRS.
49
Osório Vieira pediu afastamento em 1790, ainda que tenha sido consultado e mesmo referido como
Provedor nos anos seguintes.
198
50
Dito por Fábio Kühn, em comunicação pessoal.
51
F1244. 188v. AHRS.
52
RMAPRGS. pg. 11-12.
53
Carta de Rafael Pinto Bandeira a Luís de Vasconcelos. APUD: SILVA. Op cit. pg. 122.
54
Cód. 104. Vol. 6. Pg. 560. Arquivo Nacional.
199
após a volta de Rafael Pinto Bandeira da Corte, onde havia sido feito Brigadeiro
pela Rainha.
De fato, não temos evidências concretas de que Rafael tivesse boas
relações com Resende. Mas tampouco temos a mínima referência de que
houvesse algum atrito. Apenas uma carta, escrita por Manuel Marques de Souza
em 1795, sugere que Rafael fosse “...protegido...” daquele Vice-rei. 55 A mesma
coisa acontecia com o Secretário de Estado e Ultramar, Martinho de Melo e
Castro. É certo que Luís de Vasconcelos informava com vigor ao dito Secretário
dos “abusos” feitos por Rafael, sem que tenhamos a mínima ordem de controle
por parte deste oficial de Lisboa. Pelo contrário. Silva nos apresenta um
documento em que o Secretário de Estado e Ultramar dá ordem ao Vice-rei
(ainda Luis de Vasconcelos) para que abone o valor de dois cavalos ao agora
Brigadeiro Rafael Pinto Bandeira, e somente a ele, pois “...só o suplicante se faz
merecedor pelos seus relevantes serviços.”56
Um outro aspecto das relações entre as autoridades régias e o “bando”
foram as remessas e o cuidado que Rafael Pinto Bandeira manteve com os
“objetos da história natural”. Em algumas das cartas que ao Secretário de
Estado e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, e mesmo ao Vice-rei, Luis de
Vasconcelos, Rafael comenta que tem se dedicado a buscar coisas daquilo que
chama de história natural, como se fosse inquirido sobre isso, e estivesse
respondendo com satisfação: “A remessa das folhas para essa cidade
continuarei como tenho feito enquanto houverem os insetos e da mesma forma
o que puder adquirir para a estória natural do que é falto este continente.”57.
Em 1792, ele anunciou que estava velho e pedia para se aposentar de seu
cargo, além de informar que uma galera feita no Rio Grande de São Pedro
estaria em breve chegando à Lisboa, com “algumas coisas curiosas para a
história natural”.58
A partir da década de 1770 despertou em Portugal um grande interesse
pelo estudo das potencialidades existentes no Império Português, com o
55
AHU-RS Cx. 3. doc. 291.
56
Carta de Martinho de Melo e Castro a Luis de Vasconcelos. APUD: SILVA. Op cit. pg. 136.
57
Cód. 104. Vol. 06. pg. 122-127.
58
AHU-Brasil Limites. cx. 3 doc. 253.
200
59
GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. Poder político e administração na formação do complexo
atlântico português. IN: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda & GOUVÊA, Maria de
Fátima. O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, v. 2001. pg. 311.
60
Ciência em Portugal. Instituto Camões. Site www.instituto-camoes.pt/cvc/cultura.html. Consultado em
24-12-2002.
CONCLUSÃO
Sigla Descrição
FONTES PRIMÁRIAS
FONTES IMPRESSAS
Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Vol. 01. Porto Alegre: AHRS,
1977.
Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Vol. 11. Porto Alegre: AHRS,
1995.
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Capitalismo Pastoril. Porto Alegre: EST - SLB, 1980.
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Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Ano IX.
1929.
FONTES MANUSCRITAS
Lista Geral dos Habitantes que existem na Freguesia de Santo Antonio da Lapa.
1798.
ARQUIVO NACIONAL
Autos Matrimoniais.
SITES
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GOMES, Flávio dos Santos & NOGUEIRA, Shirley Maria Silva. Outras
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Amazônia Setecentista. IN: Nas Terras do Cabo Norte. Fronteiras,
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GOMES, Flávio dos Santos & QUEIROZ, Jonas Marçal de. Entre fronteiras e
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XVIII e XIX. Estudos Ibero-Americanos. v. XXVIII, 1 (2002). p. 21-50.
QUEIROZ, Maria Luiza Bertuline. A Vila do Rio Grande de São Pedro. Rio
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RIBEIRO, Júlio Cézar & GONÇALVES, Marcelino Andrade. Região: uma busca
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