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I - INFRAÇÃO PENAL: CRIME E CONTRAVENÇÃO.

SUJEITOS DAS
INFRAÇÕES. CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA DE CRIMES.

1. Infração Penal

1.1 – Conceito de infração penal: ato ou efeito de infringir, violar uma lei, ordem ou
tratado. Caracteriza-se por ser ato típico e antijurídico.

1.2 – Elementos das infrações penais: verbo que descreve a conduta, objeto
material (pessoa ou coisa sobre as quais recai a conduta), objeto jurídico (bem
jurídico ou interesse protegido pela norma penal) sujeitos ativo e passivo.

1.3 – Espécies infrações penais: crimes ou delitos e contravenções.

1.4 – Conceito de crime: Dentre outras definições, crime pode ser entendido como
fato humano contrário à lei; qualquer ação legalmente punível; ação ou omissão
contrária ao direito, a que a lei atribui uma pena. De acordo com o art. 1º da Lei de
Introdução ao Código Penal: “considera-se crime a infração penal a que a lei
comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou
cumulativamente com a pena de multa”.

1.5.1 – Conceito formal: é um ato típico e antijurídico. É, portanto, toda conduta que
atente ou colide frontalmente contra a lei penal editada pelo Estado.

a) Ato típico: ato material que se amolda perfeitamente aos elementos constantes
do modelo previsto na lei penal.

b) Ato antijurídico: contrário à lei e por ela reprovado.

1.5.2 – Conceito material: é a ação ou omissão, imputável a uma pessoa, lesiva ou


perigosa a interesse penalmente protegido. É, portanto, a ação ou omissão que
expõe a perigo um bem jurídico protegido pela lei penal.

1.5.3 – Conceito analítico: ação típica, antijurídica e culpável. A culpabilidade é o


juízo de reprovação que se faz sobre a conduta ilícita do agente. São elementos
integrantes da culpabilidade: imputabilidade, potencial consciência da ilicitude do
fato e exigibilidade de conduta diversa.

Aos crimes a lei comina as seguintes penas:


a) reclusão
b) reclusão e multa
c) reclusão ou multa
d) detenção
e) detenção e multa
f) detenção ou multa

1.6 – Conceito de contravenção: infração causadora de menores danos e com


sanções de menor gravidade. Nélson Hungria definiu a contravenção como “crime
anão”. De acordo ainda com o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal:
“considera-se contravenção, a infração penal a que lei comina, isoladamente, pena
de prisão simples ou multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente”.

Para as contravenções a lei comina as penas de:


a) prisão simples
b) prisão simples e multa
c) prisão simples ou multa
d) multa

1.7 – Diferenças entre crime e contravenção:

CRIME CONTRAVENÇÃO
Ação pública incondicionada, condicionada Ação pública sempre incondicionada
ou privada
A peça inicial do processo é a denúncia ou a A peça inicial do processo é sempre a
queixa denúncia
A tentativa é punível A tentativa não é punível
O elemento subjetivo é o dolo ou a culpa Basta a voluntariedade

2 – Ilícito Penal e Ilícito Civil: quando se fala em ilicitude, refere-se à relação


de contrariedade entre a conduta do agente e o ordenamento jurídico. Temos
ilícitos de natureza penal, civil, administrativa, entretanto, não existe
basicamente diferenças entre ambos. Ocorre que o ilícito penal, justamente
pelo fato de o Direito Penal proteger os bens mais importantes e necessários à
vida em sociedade, é mais grave. O legislador, sempre observando os
princípios que norteiam o Direito Penal, fará a seleção dos bens que a este
interessam mais de perto, deixando a proteção dos demais a cargo dos outros
ramos do Direito. A diferença entre o ilícito penal e o civil, encontra-se também
na sua conseqüência. Ao ilícito penal, o legislador reservou uma pena, que
pode até chegar ao extremo de privar o agente de sua liberdade, tendo
destinado ao ilícito civil, contudo, como sua conseqüência, a obrigação de
reparar o dano, ou outras sanções de natureza civil.

3 – Sujeitos da Infração Penal

3.1 – Sujeito ativo do crime – é quem pratica o fato descrito na norma penal
incriminadora. Só o homem possui capacidade para delinqüir. A lei emprega várias
denominações para expressar o sujeito ativo do delito: agente; indiciado (durante o
inquérito policial); acusado ou réu (durante o processo), sentenciado, preso,
condenado, recluso ou detento (para quem sofreu condenação). Sob o ponto de
vista biopsíquico, recebe o nome de delinqüente.

Obs: a pessoa jurídica também pode ser sujeita ativa de crime. A Constituição
Federal em seus arts. 173, § 5º, e art. 225, § 3,º determina que a legislação
ordinária estabeleça a punição da pessoa jurídica nos atos cometidos contra a
economia popular, a ordem e econômica e financeira e o meio ambiente. A Lei nº
9.605/98, em seus arts. 3º e 21 a 24, prevê essa responsabilidade com relação
aos crimes ambientais.
3.2 – Sujeito passivo do crime – é o titular do bem jurídico lesado ou ameaçado
pela conduta criminosa. Em regra, toda pessoa humana pode ser sujeito passivo
de crime, mas há casos em que a lei se refere à vítima em suas condições
especiais.
Assim, o sujeito passivo de determinados delitos só pode ser um incapaz, como o
recém-nascido no crime infanticídio (art. 123); menor em idade escolar no
abandono intelectual (art. 246); a mulher, nos crimes de estupro (art. 213) e rapto
(art. 219); o cônjuge traído no crime de adultério (art. 240); o Estado no crime de
peculato (art. 312); a coletividade no crime de porte de arma (art. 14 da Lei nº
10.826/2003). A pessoa jurídica também pode ser sujeito passivo do delito, desde
que a descrição típica não pressuponha uma pessoa física. Assim, uma indústria
pode ser vítima de furto, de dano ou de violação de sua correspondência
comercial. Discordam os autores quanto à possibilidade de a pessoa jurídica ser
sujeito passivo de crime contra honra (calúnia, difamação e injúria). A doutrina
majoritária é no sentido de que a pessoa jurídica não pode ser vítima de calúnia e
injúria, pois não pode ser sujeito ativo do crime que a calúnia pressupõe, nem
possui honra subjetiva (objeto jurídico da injúria), podendo ser vítima de difamação
em face de possuir, inegavelmente, reputação, boa fama (honra objetiva). O
homem morto não pode ser sujeito passivo, pois não é titular de direitos, podendo
ser objeto material do delito. À primeira vista, parece que o morto pode ser vítima
de crimes contra a honra, em face do art. 138, § 2º, do CP dizer que é “punível a
calúnia contra os mortos”. Acontece, porém, que o ultraje à memória dos mortos
reflete nas pessoas de seus parentes, que são os sujeitos passivos. Nos crimes de
destruição, subtração, ocultação e vilipêndio a cadáver (arts. 211 e 212 do CP), o
sujeito passivo é a coletividade, e, em particular, a família do morto. O homem
pode ser sujeito passivo antes de nascer, pois o feto tem direito à vida, sendo esta
protegida pela punição do aborto (arts. 124, 125 e 126 do CP). Os animais e as
coisas inanimadas podem ser objeto material do delito, mas não sujeito passivo.
Disso resulta que em caso de lesão a coisas ou animais, sujeitos passivos são
seus proprietários (furto, dano, etc). Em certos casos é a coletividade, como na
contravenção de crueldade contra animais (LCP, art. 64).

3.3 – Objeto jurídico do delito: é o bem ou interesse que a norma penal tutela.
É o bem jurídico, que se constitui em tudo o que é capaz de satisfazer as
necessidades do homem, como a vida, a integridade física, a honra, o
patrimônio, etc.

3.4 – Objeto material do delito: é a pessoa ou coisa sobre que recai a conduta
do sujeito ativo, como o homem vivo no homicídio, a coisa no furto, o
documento na falsificação. Às vezes, o sujeito passivo coincide com o objeto
material. É o que ocorre no homicídio, em que o homem é o titular do objeto
jurídico (direito à vida) e, ao mesmo tempo, objeto material sobre o qual a ação
incide materialmente. Mas, mesmo nesses casos, como observava Aníbal
Bruno, não se confundem as noções jurídicas do sujeito passivo e do objeto
material do crime. Já no furto, a coisa é o objeto material; o possuidor, o sujeito
passivo.

4 – Classificação doutrinária de crimes


4.1 – crime instantâneo: é aquele cuja consumação ocorre em um só instante, sem
continuidade temporal. Ex: no crime de estupro (art. 213), o crime se consuma no
instante em que é praticada a conjunção carnal.

4.2 – crime permanente: é aquele cujo momento consumativo se prolonga no


tempo por vontade do agente. Ex: no crime de seqüestro (art. 148), a consumação
ocorre no momento em que a vítima é privada de sua liberdade, mas a infração
continua consumando-se enquanto a vítima permanecer em poder do
seqüestrador.

4.3 – crime comissivo: aquele praticado através de uma ação. Ex: furto (art. 155)

4.4 – Crime omissivo: aquele que ocorre quando o agente deixa de praticar alguma
ação. Ex: omissão de socorro (art. 135)

4.5 – crime omissivo impróprio ou comissivo por omissão: é aquele em que o


agente, por uma omissão inicial, dá causa a um resultado posterior, que tinha o
dever jurídico de evitar. Ex: a mãe, que tinha o dever jurídico de alimentar seu filho,
deixa de fazê-lo, provocando a morte da criança. A simples conduta de deixar de
alimentar não constitui crime, mas o resultado morte que dela decorre constitui
infração penal.

4.6 – crimes materiais: são aqueles em relação aos quais a lei descreve uma ação
e um resultado, exige a ocorrência deste para que o crime esteja consumado. Ex:
no estelionato (art. 171), a lei descreve a ação (empregar fraude para induzir ou
manter alguém em erro) e o resultado (obter vantagem ilícita em prejuízo alheio), e,
pela forma como está redigido o dispositivo, pode-se concluir que o estelionato
somente se consuma no momento em que o agente obtém a vantagem ilícita por
ele visada.

4.7 – crimes formais: são aqueles em relação aos quais a lei descreve uma ação e
um resultado, mas a redação do dispositivo deixa claro que o crime consuma-se no
momento da ação, sendo o resultado mero exaurimento do delito. Ex: o art. 159 do
Código Penal descreve o crime de extorsão mediante seqüestro: seqüestrar
pessoa (ação) com o fim de obter qualquer vantagem como condição ou preço do
regaste (resultado). O crime, por ser formal, consuma-se no exato momento em
que a vítima é seqüestrada. A obtenção do resgate é irrelevante para o fim da
consumação, sendo, portanto, mero exaurimento.

4.8 – crimes de dano: são aqueles que pressupõem uma efetiva lesão ao bem
jurídico tutelado. Exs: homicídio, furto, etc.

4.9 – crimes de perigo: são os que se consumam com a mera situação de risco a
que fica exposto o objeto material do crime. Exs: periclitação da vida e da saúde
(art. 132), porte de arma (art. 14 da Lei nº 10.826/2003), etc.

4.10 – crimes comuns: são aqueles que podem ser praticados por qualquer
pessoa. Exs: furto, roubo, homicídio, etc.
4.11 – crimes próprios: são os que só podem ser cometidos por determinada
categoria de pessoas, por exigir o tipo penal certa qualidade ou característica do
sujeito ativo. Exs: infanticídio (art. 123), que só pode ser praticado pela mãe, sob a
influência do estado puerperal; corrupção passiva (art. 317), que só pode ser
cometido por funcionário público, etc.

4.12 – crimes de mão própria: são aquele cuja conduta descrita no tipo penal só
pode ser executada por uma única pessoa e, por isso, não admitem co-autoria.
Somente podem ser praticados pelo autor em pessoa Exs: falso testemunho (art.
342), pois ninguém pode mandar outrem praticar falso testemunho em seu lugar,
prevaricação (art. 319), dirigir veículo sem habilitação (art. 309 do CTB), pois só
pode ser cometido por quem está dirigindo o veículo.

4.13 – crimes principais: são aqueles que não dependem de qualquer outra
infração penal para que se configurem. Ex: homicídio, furto, etc.

4.14 – crimes acessórios: são aqueles que pressupõem a ocorrência de um delito


anterior. Ex: receptação (art. 180), que só se configura quando alguém adquire,
recebe, oculta, conduz ou transporta coisa que sabe ser produto de outro crime e
uso de documento falso (art. 304), que só se configura quando há falsificação
anterior de documento.

4.15 – crimes simples: protegem um único bem jurídico. Exs: no homicídio visa-se
a proteção da vida; no furto, protege-se o patrimônio.

4.16 – crimes complexos: surgem quando há fusão de dois ou mais tipos penais,
ou quando um tipo penal funciona como qualificadora de outro. Nesses casos, a
norma penal tutela dois ou mais bens jurídicos. Exs; extorsão mediante seqüestro
(art. 159) surge da fusão dos crimes de seqüestro (art. 148) e extorsão (art. 158) e,
portanto, tutela o patrimônio e a liberdade individual; o crime de latrocínio (art. 157,
§ 3º) é um roubo qualificado pela morte e, assim, atinge também dois bens
jurídicos, o patrimônio e a vida.

4.17 – crimes progressivos: ocorrem quando o sujeito, para alcançar um resultado


mais grave, passa por um crime menos grave. Ex: para causar a morte da vítima, o
agente, necessariamente tem de lesioná-la.

4.18 – delito putativo: dá-se quando o agente imagina que a conduta por ele
praticada constitui crime, mas, em verdade, é um fato atípico

4.19 – crime falho: ocorre quando o agente percorre o iter criminis, mas não
consegue consumar o crime. É também chamado de tentativa perfeita.
4.20 – crimes vagos: são os que têm como sujeito passivo entidades sem
personalidade jurídica, como família, a sociedade, etc.

4.21 – crime privilegiado: quando o legislador, após a descrição do delito,


estabelece circunstâncias com o condão de reduzir a pena. Ex: se o homicídio for
praticado por motivo de relevante valor social ou moral, a pena será reduzida de
1/6 a 1/3 (art. 121, § 1°).
4.22 – crime qualificado: quando a lei acrescenta circunstâncias que alteram a
própria pena em abstrato para patamar mais elevado. Ex: a pena do homicídio
simples é de reclusão, de 06 a 20 anos. Se for praticado por motivo fútil (art. 121, §
2º, II), a qualificadora fará com que a pena passe a ser a reclusão, de 12 a 30
anos.

4.23 – crimes de ação múltipla ou de conteúdo variado: são aqueles em relação


aos quais a lei descreve várias condutas (possui vários verbos) separados pela
conjunção alternativa “ou”. Nesses casos, a prática de mais de uma conduta, em
relação à mesma vítima, constitui crime único. Ex: o crime de participação em
suicídio (art. 122) ocorre quando alguém induz, instiga ou auxilia outrem a cometer
suicídio. Assim, se o sujeito realiza as três condutas em relação à mesma vítima,
pratica um único delito.

4.24 – crimes de ação livre: são aqueles que podem ser praticados por qualquer
meio de execução, uma vez que a lei não exige comportamento específico. Ex: o
homicídio pode ser cometido através de disparo de arma de fogo, golpe de faca,
com emprego de fogo, veneno, explosão, asfixia, etc.

4.25 – crimes de ação vinculada: são aqueles em relação aos quais a lei descreve
o meio de execução de forma pormenorizada. Ex: o crime de maus-tratos (art.
136), no qual a lei descreve em que devem consistir os maus-tratos para que
caracterizem o delito.

4.26 – crime habitual: é aquele cuja caracterização pressupõe uma reiteração de


atos, sendo apenas uma ação isolada não é suficiente para configurar o delito. Ex:
curandeirismo (art. 284).

4.27 – crimes conexos: a conexão pressupõe a existência de pelo menos duas


infrações penais, entre as quais exista um vínculo qualquer. Por conseqüência,
haverá a exasperação da pena e a necessidade de apuração dos delitos em um só
processo. As hipóteses de conexão estão descritas no art. 76 do Código de
Processo Penal.

4.28 – crimes a distância: são aqueles em relação aos quais a execução ocorre
num país e o resultado em outro.

4.29 – crimes plurilocais: são aqueles em que a execução ocorre em uma


localidade e o resultado em outra, dentro do mesmo país.

4.30 – crimes a prazo: ocorre quando a caracterização do crime ou de uma


qualificadora depende do decurso de determinado tempo. Exs: o crime de
apropriação de coisa achada (art. 169, parágrafo único, II) somente se aperfeiçoa
se o agente não devolve o bem à vítima depois de quinze dias do achado; o crime
de extorsão mediante seqüestro é qualificado se a privação da liberdade dura mais
de vinte e quatro horas (art. 159, § 1º).

4.31 – crime unissubsistente: é aquele cuja ação é composta por um só ato e, por
isso, não admite tentativa. Ex: crime de injuria (art. 140)
4.32 – crime plurissubsistente: é aquele cuja ação é representada por vários atos,
formando um processo executivo que pode ser fracionado e, assim, admite
tentativa. Ex: homicídio, furto.
4.33 – crime doloso (art. 18, I do CP): é aquele cujo agente tem vontade de realizar
a conduta e produzir o resultado.

4.34 – crime culposo: (art. 18, II do CP): é aquele cujo agente não quer e nem
assume o risco de produzir o resultado, mas a ele dá causa por imprudência,
negligência ou imperícia.

4.35 – crime consumado (art. 14, I do CP): é aquele que ocorre quando reúne
todos os elementos do tipo incriminador.

4.36 – crime tentado (art. 14, II do CP): é aquele que ocorre quando o agente inicia
a execução mas não consegue consumar o crime por circunstâncias alheias à sua
vontade.

4.37 – crime impossível (art. 17 do CP): é aquele cuja conduta do agente jamais
poderia levar o crime à consumação, quer pela ineficácia absoluta do meio, quer
pela impropriedade absoluta do objeto. É também chamado de quase-crime.

II - CONDUTA

1. Conduta

1.1 – Conceito: é a ação ou omissão humana, consciente e voluntária, dirigida a


uma finalidade. O Direito Penal só empresta relevo aos comportamentos humanos
que tenham na vontade a sua força motriz. As pessoas humanas, como seres
racionais, conhecedoras que são da lei natural de causa e efeito, sabem
perfeitamente que de cada comportamento pode resultar um efeito distinto, e
conhecedoras que são dos processos causais, e sendo dotadas de razão e livre
arbítrio, as pessoas podem escolher entre um e outro comportamento. É com isso
que se preocupa o Direito Penal. Por essa razão, onde não houver vontade, não
haverá conduta perante o ordenamento jurídico repressivo. Não se preocupa o
Direito Penal com os resultados decorrentes de caso fortuito ou força maior, nem
com a conduta praticada mediante coação física, ou mesmo com atos derivados de
puro reflexo, porque nenhum deles poderia ter sido evitado. Na observação de
Assis Toledo, “como não se pode punir uma pedra que cai, ou um raio que mata,
não se deve igualmente punir quem não age, mas ‘é agido’”. A conduta pode
ocorrer de forma dolosa ou culposa. Portanto, ocorrendo conduta voluntária e
finalística, que produza um resultado doloso ou culposo, previsto na lei penal como
crime, surgirá um fato relevante sob a ótica do direito penal. Por essa razão,
chega-se à seguinte conclusão: conduta penalmente relevante é toda ação ou
omissão humana, consciente e voluntária, dolosa ou culposa, voltada a uma
finalidade que produz ou tenta produzir um resultado previsto na lei como crime.

1.2 – Teorias sobre a conduta: existem três teorias acerca da conduta: naturalista
ou causal, finalista e social.
a) Teoria naturalista ou causal – essa teoria foi exposta por Franz von Liszt. Para
essa teoria a ação é considerada um puro fator de causalidade, uma simples
produção do resultado, mediante o emprego de forças físicas. A conduta é, assim,
tratada como uma simples exteriorização de movimento ou abstenção de
comportamento, desprovida de qualquer finalidade. Segundo essa teoria, é
totalmente desnecessário, para efeito de caracterização do crime, saber se o
resultado foi produzido pela vontade do agente ou se decorreu de sua atuação
culposa, interessando apenas indagar quem foi o seu causador material. O único
nexo que importa estabelecer é o natural (causa e efeito), desprezando-se os
elementos volitivo (dolo) e normativo (culpa). Desse modo se, por exemplo, um
sujeito estivesse conduzindo seu veículo com absoluta prudência em via pública,
quando sem que pudesse esperar ou prever, um suicida se precipitasse sob as
rodas de seu carro e, em conseqüência, viesse a falecer, para a teoria naturalista,
o motorista, que não quis matar a vítima nem teve culpa nessa morte, cometeu um
homicídio. Em outras palavras, basta a relação natural de causa e efeito entre
conduta e resultado para a existência de crime. O dolo e a culpa são irrelevantes
para o enquadramento típico da conduta. Essa teoria acabou sendo largamente
empregada, até com certo desvirtuamento de seus fins, pelos regimes totalitários,
nos quais o Direito Penal tinha função precipuamente utilitária, atuando como
mecanismo de prevenção social contra o crime.

b) Teoria finalista – o conceito finalista de ação começou a ser elaborado no final


da década de 20 e início da de 30, cujo defensor mais extremado foi Hans Welzel.
Para essa teoria, atualmente adotada, não se pode dissociar a ação da vontade do
agente, já que a conduta é precedida de um raciocínio que o leva a realizá-la ou
não. Como a conduta é o comportamento humano, voluntário e consciente (dolo ou
culpa) dirigido a uma finalidade, sendo o dolo e a culpa integrantes da conduta,
ausentes, o fato é atípico. Para a teoria finalista da ação, como todo
comportamento do homem tem uma finalidade, a conduta é uma atividade final
humana e não um comportamento simplesmente causal. Como ela é um fazer (ou
não fazer) voluntário, implica necessariamente uma finalidade. Não se concebe
vontade de nada ou para nada, e sim dirigida a um fim. A conduta realiza-se
mediante a manifestação da vontade dirigida a um fim. No crime doloso, a
finalidade da conduta é a vontade de concretizar um fato ilícito. No crime culposo, o
fim da conduta não está dirigido ao final lesivo, mas o agente é autor de fato típico
por não ter empregado em seu comportamento os cuidados necessários para
evitar o evento. Assim, para os finalistas, na hipótese de ter o agente apertado o
gatilho voluntariamente, efetuando o disparo e atingindo outra pessoa que vem a
morrer, somente terá praticado um fato típico se tinha como fim esse resultado ou
se assumiu conscientemente o risco de produzi-lo (homicídio doloso) ou se não
tomou as cautelas necessárias ao manejar a arma para dispará-la, limpá-la, etc.
(homicídio culposo). Não haveria fato típico se o agente, por exemplo, com as
cautelas exigíveis, estivesse praticando tiro ao alvo, vindo a atingir uma pessoa
que se escondera atrás do alvo por estar sendo perseguida por um desafeto.

c) Teoria social – para essa teoria, que tem como um dos maiores expoentes
Hans-Heinrich Jescheck, a ação é a causação de um resultado socialmente
relevante. Assim, o Direito só deve cuidar daquelas condutas voluntárias que
produzam resultados típicos de relevância social. A partir da idéia de que o tipo
legal abarca sempre uma ação ou omissão anti-social, decorre uma importante
conseqüência: se o aspecto social integra o fato típico, para que o agente pratique
uma infração penal é preciso que, além da vontade de realizar todos os elementos
contidos na norma penal, tenha também a intenção de produzir um resultado
socialmente relevante. Pode-se dizer que a finalidade vai além da produção de um
resultado previsto em lei: é necessário, ainda, que o agente queira se comportar de
modo socialmente inadequado, produzindo um dano ou perigo de relevância.
Assim, se um comportamento, embora objetiva e subjetivamente típico, não
afrontar o sentimento de justiça, o senso de normalidade ou de adequação social
do povo, não se pode considerá-lo relevante para o Direito Penal. Por exemplo, um
jogador de futebol que, no calor de uma disputa, desfere um pontapé por trás no
seu oponente quando este se encaminhava com a bola em direção à meta do
agressor. A conduta, embora voluntária e finalística, produziu um resultado que,
apesar de típico, insere-se dentro do que o cidadão médio considera socialmente
compreensível. As críticas feitas a esta teoria residem na dificuldade de conceituar-
se o que seja relevância social da conduta, pois tal exigiria um juízo de valor, ético.

1.3 – Elementos da conduta – vontade, finalidade, exteriorização (inexiste quando


enclausurada na mente) e consciência. Só as pessoas humanas podem realizar
conduta, pois são as únicas dotadas de vontade e consciência para buscar uma
finalidade. Animais irracionais não realizam condutas, e fenômenos da natureza
não as constituem.

1.4 – Diferença entre ato e conduta – a conduta é a realização material da vontade


humana, mediante a prática de um ou mais atos. Por exemplo: o agente deseja
matar a vítima; a sua conduta pode ser composta de um único ato (um disparo fatal
contra a cabeça) ou uma pluralidade desses atos (95 estiletadas na região
abdominal). Já o ato é apenas uma parte da conduta, quando esta se apresenta
sob a forma de ação.

1.5 – Formas de conduta – ação: comportamento positivo, movimentação corpórea;


omissão: comportamento negativo, abstenção de movimento.

1.6 – Ausência de conduta – se a vontade constitui elemento da conduta, é


evidente que esta não ocorre quando o ato é involuntário. Daí não ocorrer conduta
tipicamente relevante no reflexo, que é uma reação automática de ação ou inibição
que ocorre imediatamente após a excitação de um órgão sensitivo. Assim, se
alguém, por causa de um reflexo, danificar um objeto, não cometerá crime de dano,
pois não haverá conduta. É que, neste caso, o movimento corporal não foi
voluntário. Como exemplos de ausência de conduta podem ser citados os casos de
movimentos praticados durante o sono ou sonambulismo, sob hipnose ou em
estado de inconsciência.

III - RELAÇÃO DE CAUSALIDADE

1 – Nexo de causalidade (nexo causal): é o elo físico que se estabelece entre a


conduta do agente e o resultado.

2 – Teoria da equivalência dos antecedentes: o Código Penal adotou a teoria da


equivalência dos antecedentes, conhecida como teoria da conditio sine qua non,
segundo a qual causa é toda ação ou omissão anterior que contribui para a
produção do resultado, ou seja, sem a qual o resultado não teria ocorrido (art. 13,
caput). De acordo com ela tudo o que concorre para a produção do resultado deve
ser considerado como sua causa. A lei atribui relevância causal a todos os
antecedentes do resultado, considerando que nenhum elemento de que depende a
sua produção pode ser excluído da linha do desdobramento do nexo causal. Tudo,
portanto, que, retirado da cadeia de causa e efeito, provocar exclusão do resultado,
considera-se sua causa. Essa situação é bem retratada neste preciso exemplo de
Damásio de Jesus: “Suponha-se que ‘A’ tenha matado ‘B’. A conduta típica do
homicídio possui uma série de fatos, alguns antecedentes, dentre os quais
sugerem-se os seguintes: 1) a produção do revólver pela indústria; 2) aquisição da
arma pelo comerciante; 3) compra do revólver pelo agente; 4) refeição feita pelo
homicida; 5) emboscada; 6) disparo dos projéteis na vítima; 7) resultado morte.
Dentro dessa cadeia, excluindo-se os fatos sob os números 1 a 3, 5 e 6, o
resultado não teria ocorrido. Logo, são considerados causa. Excluindo-se o fato
sob o número 4, ainda assim o resultado teria ocorrido. Logo, a refeição feita pelo
sujeito não é considerada causa”. A esse sistema, preconizado por Thyrén, de
aferição, dá-se o nome de “procedimento hipotético de eliminação”. Existe uma
indagação sobre se não haveria uma responsabilização muito ampla, utilizando-se
a teoria da equivalência dos antecedentes, na medida em que são alcançados
todos os fatos anteriores ao crime. Sendo assim, os pais poderiam responder pelos
crimes praticados pelo filho? Afinal, sem os pais, este não existiria e, não existindo,
jamais poderia ser praticado o crime. A resposta há de ser negativa. Assim, é claro
que o pai e a mãe, do ponto de vista naturalístico, deram causa ao crime cometido
pelo filho, pois, se este não existisse, não teria realizado o delito. Não podem,
contudo, serem responsabilizados por essa conduta, ante a total ausência de
voluntariedade. Se não concorreram para a infração, com dolo ou culpa, não
existiu, de sua parte, conduta relevante para o Direito Penal, pois não existe ação
ou omissão típica que não seja dolosa ou culposa.

3 – Superveniência causal: o art. 13, § 1º do CP, dispõe que a superveniência de


causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o
resultado.

3.1 – Causa – é toda condição que atua paralelamente à conduta, interferindo no


processo causal.

3.2 – Causa dependente – é aquela que, originando-se da conduta, insere-se


dentro da linha normal de desdobramento causal da conduta. Por exemplo, na
conduta de atirar em direção à vítima, são desdobramentos normais de causa e
efeito: a perfuração em órgão vital produzida pelo impacto do projétil contra o corpo
humano; a lesão em órgão vital; a hemorragia interna aguda traumática; a parada
cárdio-respiratória; a morte. Há uma relação de interdependência entre os
fenômenos, de modo que sem o anterior não haveria o posterior e assim por
diante.

3.3 – Causa independente – é aquela que refoge ao desdobramento causal da


conduta, produzindo por si só, o resultado. Seu surgimento não é uma decorrência
esperada, lógica, natural do fato anterior, mas, ao contrário, um fenômeno
totalmente inusitado, imprevisível. Por exemplo, não é uma conseqüência normal
de um simples susto a morte por parada cardíaca.
4 – Causas absolutamente independentes: são aquelas que têm origem
totalmente diversa da conduta. O advérbio de modo “absolutamente” serve para
designar que a causa não partiu da conduta, mas de forma totalmente distinta.
Além disso, por serem independentes, tais causas atuam como se tivessem, por si
sós, produzido o resultado, situando-se fora da linha de desdobramento causal da
conduta.

4.1 – Espécies de causas absolutamente independentes

a) preexistentes: atuam antes da conduta. Ex: “A” atira em “B” e este não morre em
conseqüência dos tiros, mas de um envenenamento provocado por “C” no dia
anterior. O envenenamento não possui relação com a conduta de “A”, sendo
diversa de sua origem. Além disso, produziu por si só o resultado, já que a causa
mortis foi a intoxicação aguda provocada pelo veneno, e não a hemorragia interna
traumática produzida pelos disparos. Por ser anterior à conduta, denomina-se
preexistente. Assim, independente, porque não derivou da conduta; e é
preexistente porque atuou antes da conduta.

b) concomitantes: atuam no mesmo tempo da conduta. Ex: “A” e “B”, um


desconhecendo a conduta do outro, atiram ao mesmo tempo em “C”, tendo este
morrido em conseqüência dos tiros de “B”. A conduta de “B” tem origem totalmente
diversa da conduta de “A”, estando inteiramente desvinculada de sua linha de
desdobramento causal. É independente porque, por si só, produziu o resultado; é
absolutamente independente porque teve origem diversa da conduta de “A”; e é
concomitante porque atuou ao mesmo tempo da conduta de “A”.

b) supervenientes: atuam após a conduta. Ex: “A” envenena “B”, que morre
posteriormente assassinado a facadas. O fato posterior não tem qualquer relação
com a conduta de “A”. É independente porque produziu, por si só, o resultado; é
absolutamente independente porque a facada não guarda nenhuma relação com o
envenenamento; é superveniente, porque atuou após a conduta.

4.2 – Conseqüência das causas absolutamente independentes – rompem


totalmente o nexo causal, e o agente só responde até então praticados. Nos três
exemplos, “A” responderá por tentativa de homicídio.

5 – Causas relativamente independentes: como são causas independentes,


produzem por si só o resultado, não se situando dentro da linha de desdobramento
causal da conduta. Por serem, no entanto, apenas relativamente independentes,
encontram sua origem na própria conduta praticada pelo agente.

5.1 – Espécies de causas relativamente independentes

a) preexistentes: atuam antes da conduta. Ex: “A” desfere um golpe de faca na


vítima, que é hemofílica e vem a morrer em face da conduta, somada à
contribuição de seu peculiar estado fisiológico. No caso, o golpe isoladamente seria
insuficiente para produzir o resultado fatal, de forma que a hemofilia atuou de forma
independente, produzindo por si só o resultado. O processo patológico, conduto, só
foi detonado a partir da conduta, razão pela qual sua independência é apenas
relativa. Como se trata de causa que já existia, antes da agressão, denomina-se
preexistente.

b) concomitantes: atuam no mesmo tempo da conduta. Ex: “A” atira na vítima que,
assustada, sofre um ataque cardíaco e morre. O tiro provocou o susto e,
indiretamente, a morte. A causa do óbito foi a parada cardíaca, e não a hemorragia
traumática provocada pelo disparo. Trata-se de causa que, por si só, produziu o
resultado (independente), mas que se originou a partir da conduta (relativamente),
tendo atuado ao mesmo tempo desta (concomitante).

b) supervenientes: atuam após a conduta. Ex: a vítima sofre um atentado e, levada


ao hospital, sobre um acidente no trajeto, vindo, por esse motivo, falecer. A causa
é independente, porque que a morte foi provocada pelo acidente e não pelo
atentado, mas a independência é relativa, já que, não fosse o atentado, a vítima
não estaria na ambulância acidentada e não morreria. Tendo atuado
posteriormente à conduta, denomina-se causa superveniente.

5.2 – Conseqüência das causas relativamente independentes – aplicando-se o


critério da eliminação hipotética, pode-se afirmar que nenhuma causa
relativamente independente tem o condão de romper o nexo causal.
Experimentemos tirar da cadeia de causalidade o corte no braço do hemofílico, o
tiro gerador do susto homicida e o atentado que colocou a infortúnia vítima na
ambulância. O resultado teria ocorrido? Evidentemente que não. Essas causas,
portanto, ao contrário das absolutamente independentes, mantêm íntegra a relação
casual entre conduta e resultado. No caso das causas preexistentes e
concomitantes, como existe nexo causal, o agente responderá pelo resultado, a
menos que não tenha concorrido para o mesmo com dolo ou culpa. Sim, porque
dizer que existe nexo causal não dispensa a presença do elemento psicológico
(dolo) ou normativo (culpa) da conduta, sem os quais o fato será atípico. Na
hipótese das supervenientes, embora exista nexo físico-naturalístico, a lei, por
expressa disposição do art. 13, § 1º, manda desconsiderá-lo, quando a causa
posterior, por si só, produzir o resultado, não respondendo o agente, jamais, pelo
resultado, mas tão-somente pela tentativa. É o caso da vítima que sofre um
acidente a caminho do hospital e morre, após ter sofrido anteriormente um
atentado.

6 – Relevância causal da omissão (art. 13, § 2º): o art. 13, § 2º, do Código Penal
trata da questão do nexo de causalidade nos denominados crimes omissivos
impróprios, também chamados de comissivos por omissão. Nessa espécie de
delito, a simples omissão seria atípica, mas, como o agente tinha um dever de
evitar o resultado e não o fez, responde pelo resultado delituoso que deveria ter
evitado. Estabelece o dispositivo que a omissão é penalmente relevante quando o
omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a
quem:

6.1 tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância. Ex: dever de
proteção e assistência para com os filhos. A imposição resulta da lei civil. Assim, o
pai que intencionalmente deixa de alimentar seu filho recém-nascido, causando
sua morte, responde pelo homicídio doloso. O simples fato de não alimentar a
criança uma única vez é atípico, mas, na medida em que o pai tem o dever legal de
alimentá-la e deixou de fazê-lo, provocando com isso a sua morte, responde pelo
crime.

6.2 de outra forma assumiu a responsabilidade de impedir o resultado: pode


resultar de relação contratual, profissão ou quando, por qualquer outra forma,
assumiu a pessoa a posição de garantidora (garante) de que o resultado não
ocorreria. O dever jurídico não decorre da lei, mas de uma situação fática. Ex:
salva-vidas que zela pela segurança de um clube.

6.3 com o seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado:


Ex: aquele que, por brincadeira, joga uma pessoa na piscina e, posteriormente,
percebe-se que esta não sabe nadar tem o dever de salvá-la. Se não fizer,
responde pelo crime.

IV - TIPICIDADE. TIPO PENAL. ERRO DE TIPO. ERRO DE PROIBIÇÃO.


DESCRIMINANTES PUTATIVAS. DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA.
ARREPENDIMENTO EFICAZ. ARREPENDIMENTO POSTERIOR.

1 – Tipicidade

1.1 – Conceito – é o enquadramento, a correspondência entre uma conduta


praticada pelo agente e o modelo descrito na lei (tipo penal). Em suma, para que
haja crime, é necessário que o sujeito realize, no caso concreto, todos os
elementos componentes da descrição típica. Quando ocorre esse enquadramento
existe tipicidade (adequação típica).

1.2 – Adequação típica – como já mencionado, é a possibilidade de se enquadrar a


conduta ao tipo legal. A adequação típica pode dar-se de duas maneiras:

a) Imediata ou direta – quando houver uma correspondência total da conduta ao


tipo. Ela decorre da autoria (realização da conduta descrita no tipo) e da
consumação do ilícito penal.

b) Mediata ou indireta – quando a materialização da tipicidade exige a utilização de


uma norma de extensão, sem a qual seria absolutamente impossível enquadrar a
conduta no tipo. É o que ocorre nas hipóteses de participação (art. 29) e tentativa
(art. 14, II).

Com efeito, o art. 121 do Código Penal, ao tratar do crime de homicídio, descreve a
conduta de matar alguém. Assim, quem efetua um disparo e provoca a morte da
vítima tem uma adequação típica direta ou imediata, pois ele a matou. Suponha-se,
entretanto, que alguém tenha apenas emprestado a arma para que o sujeito
matasse a vítima. Ora, quem emprestou a arma não matou ninguém e, em
princípio, não poderia ser punido. A tipicidade de sua conduta, entretanto, decorre
da norma de extensão do art. 29 do Código Penal: quem, de qualquer modo
concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida de sua
culpabilidade. Assim, ocorre a adequação típica mediata ou indireta do partícipe,
havendo extensão ao tipo do art. 121. Da mesma maneira, a tentativa seria atípica
não fosse a norma e extensão do art. 14, II, do Código Penal, uma vez que o art.
121, em tese, só pune quem mata e não quem tenta matar mas não consegue.
2 – Tipo penal: é uma norma que descreve condutas criminosas em abstrato.
Quando alguém, na vida real, comete uma conduta descrita no tipo penal, ocorre a
chamada tipicidade. Os tipos penais estatuem proibições de condutas na vida em
sociedade, estabelecendo penas àqueles que venham a desrespeitá-las. Assim,
quando o legislador estabelece uma pena de reclusão, de 6 a 20 anos, para quem
mata alguém, está, em verdade, proibindo a conduta de matar. O tipo penal, para
que consiga descrever a conduta incriminada, serve-se de elementares e
circunstâncias.

2.1 – Elementares – são componentes fundamentais da figura típica. As


elementares estão sempre no caput do tipo incriminador, por essa razão é
chamado de tipo fundamental. São as seguintes as espécies de elementares ou
elementos:

a) elementos objetivos ou descritivos: são aqueles que cujo significado se extrai da


mera observação. São elementos que existem concretamente no mundo cujo
significado não demanda nenhum juízo de valor. Exs: matar (art. 121), coisa móvel
(art. 155), conjunção carnal (art. 213), etc.

b) elementos normativos: são aqueles cujo significado não se extrai da mera


observação, dependendo de uma interpretação, isto é, de uma valoração. Quando
o significado do elemento depende de um valor moral, social, consuetudinário, etc,
é chamado de elemento normativo moral ou extrajurídico. Quando o juízo de valor
depende de uma interpretação jurídica, o elemento é chamado de elemento
normativo jurídico. Exs: mulher honesta (art. 219), dignidade ou decoro (art. 140)
são elementos normativos morais (extrajurídico); documento público (art. 297), é
um elemento normativo jurídico.

c) elementos subjetivos do tipo: existem quando o tipo penal exige alguma


finalidade específica por parte do agente ao cometer o crime. É portanto, a
finalidade especial descrita no tipo. Exs: raptar mulher honesta para fim libidinoso
(art. 219): o fim libidinoso é o elemento subjetivo do crime, é a finalidade especial
do autor do rapto; seqüestrar pessoa com o fim de obter qualquer vantagem como
condição ou preço (art. 159): a intenção ou preço do resgate em troca da libertação
da vítima é o elemento subjetivo do crime de extorsão mediante seqüestro.

2.2 – Circunstâncias – são todos os dados acessórios da figura típica, cuja


ausência não a elimina. Sua função não é constituir o crime, mas tão somente de
influir no montante da pena. Exs: a pena do estupro é aumentada de ¼ se o agente
era casado ao tempo da ação (art. 226, II); a pena do furto é aumentada de 1/3 se
a subtração é praticada durante o repouso noturno (art. 155, § 1º); a pena do
estelionato é aumentada de 1/3 se o crime é cometido em detrimento de entidade
de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou
beneficência (art. 171, § 3º). São, portanto, dados acessórios que influem na
aplicação da pena.

3 – Erro de Tipo
Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo,
mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.

O erro de tipo é aquele que faz com que o agente, no caso concreto, imagine não
estar presente uma elementar ou uma circunstância componente da figura.
Assim, como conseqüência do erro do tipo, temos a exclusão do dolo. Se a
conduta recai sobre uma qualificadora ou causa de aumento de pena,
desconsideram-se estas. Ex: uma pessoa casa com pessoa já casada, sem
conhecer a existência do casamento anterior. Ela não responde pelo crime, por não
ter agido com dolo, uma vez que desconhecia o fato de já ser casada a outra
pessoa; alguém recebe um veículo idêntico ao seu das mãos do manobrista e o
leva. Não comete o crime de furto porque imagina que o veículo era seu; matar um
homem com um tiro pensando ser um animal.

3.1 – Erro de tipo e delito putativo por erro de tipo – no erro de tipo, o agente não
quer praticar o crime, mas por erro acaba cometendo-o. O agente não sabe que
está cometendo o delito e, portanto, não responde por este. No delito putativo
(imaginário) por erro de tipo ocorre a situação inversa, ou seja, o sujeito quer
praticar o crime, mas por uma errônea percepção da realidade, executa uma
conduta atípica. Ex: uma pessoa quer furtar um objeto que supõe ser alheio, mas
se apodera de um objeto que lhe pertence. Nessa hipótese não se aperfeiçoa a
figura típica do furto, que exige a subtração de coisa alheia móvel e, por isso,
também não há crime. Segundo a doutrina, podem ocorrer as seguintes hipóteses
de delitos putativos:

a) delito putativo por erro de tipo: ocorre quando o agente, por equívoco, imagina
estar praticando todas as elementares de um crime, quando, na verdade, não está.
É o caso da pessoa que furto coisa sua, achando que era alheia e da mulher ingere
substância abortiva sem estar grávida.

b) delito putativo por erro de proibição: ocorre quando o agente supõe estar
praticando um crime, mas, na realidade, não há norma incriminadora definindo o
fato. O erro aqui se refere à existência da norma penal incriminadora. Exs: sujeito
pratica ato no Brasil achando que é crime quando, na realidade, é crime em outro
país;

c) delito putativo por obra do agente provocador: pela Súmula 145 do Supremo
Tribunal Federal, não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna
impossível sua consumação. Trata-se do flagrante preparado. Em resumo, tem-se
entendido que, havendo flagrante por ter sido o agente provocado pela Polícia, há
crime impossível.

3.2 – Formas de erro de tipo

a) Erro essencial: é o que incide sobre elementares ou circunstâncias do crime, de


forma que o agente não tem consciência de que está cometendo um delito. O erro
de tipo essencial, por sua vez, pode ser:

- Erro de tipo vencível ou inescusável: quando o agente poderia ter evitado o crime
se agisse com o cuidado necessário no caso concreto. Nessa modalidade, o erro
de tipo exclui o dolo, mas o agente responde por crime culposo, se houver
previsão legal.

- Erro de tipo invencível ou escusável: quando se verifica que o agente não poderia
ter evitado o crime, uma vez que empregou as diligências normais na hipótese
concreta. Nesse caso, exclui-se o dolo e a culpa.

b) Erro acidental: é aquele que recai sobre elementos secundários e irrelevantes da


figura típica e não impede a responsabilização do agente, que sabe estar
cometendo uma infração penal. Por isso, o agente responde pelo crime. O erro de
tipo acidental possui as seguintes espécies:

– Erro sobre o objeto: o agente imagina estar atingindo um objeto material, mas
atinge outro. Ex: alguém, querendo furtar um aparelho de videocassete, entra na
casa da vítima e, por engano, acaba pegando o aparelho de som. O erro é
irrelevante e o sujeito responde pelo crime.

– Erro sobre a pessoa: o agente com a conduta criminosa visa a certa pessoa, mas
por equívoco, atinge outra. Ex: querendo matar João, o sujeito efetua um disparo
contra Antonio, que muito se assemelha a João. Nesse caso, o sujeito responde
pelo crime.

– Erro na execução (aberratio ictos): ocorre quando o agente, querendo atingir


determinada pessoa, efetua o golpe, mas, por má pontaria ou por outro motivo
qualquer, acaba atingindo pessoa diversa da que pretendia. Nesse caso, o art. 73
do Código Penal estabelece que o sujeito responderá pelo crime, levando-se em
conta, porém, as condições da vítima que o agente pretenda atingir.

– Resultado diverso do pretendido (aberratio criminis): o agente quer atingir um


bem jurídico, mas atinge bem de natureza diversa. Ex: uma pessoa, querendo
cometer crime de dano, atira a pedra em direção a um bem, mas, por erro de
pontaria, atinge uma pessoa que sofre lesões corporais.

– Erro sobre o nexo causal (aberratio causae): ocorre quando o agente,


imaginando já ter cometido o crime, pratica nova conduta, que vem a ser a causa
efetiva da consumação. Ex: supondo já ter matado a vítima com emprego de
veneno, o agente cava um buraco no quintal de sua casa e a enterra, vindo esta a
falecer apenas nesse instante, em razão de asfixia.

4 – Erro sobre a ilicitude do fato – Erro de proibição

Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato,


se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um
terço.
Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a
consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou
atingir essa consciência.

Enquanto que no erro de tipo há erro quanto aos elementos constitutivos do tipo
penal, no erro de proibição não há essa falsa percepção da realidade, mas,
simplesmente, uma não apreensão do caráter criminoso do comportamento, ou
seja, o agente careceria da consciência de atuar contrariamente ao direito
(consciência da ilicitude). Assim, por exemplo, um estrangeiro que portasse
pequena quantidade de entorpecente para consumo pessoal, imaginando que tal
fosse permitido entre nós, à semelhança de seu país de origem. Há portanto, erro
de proibição quando o autor supõe, por erro, que seu comportamento é lícito.
Nessa hipótese, o agente atua voluntariamente e, portanto, dolosamente, porque
seu erro não incide sobre elementos do tipo; mas não há culpabilidade, já que
pratica o fato por erro quanto à ilicitude da conduta. Não é possível censurar-se de
culpabilidade o autor de um fato típico penal quando ele próprio, por não ter tido
sequer a possibilidade de conhecer o injusto de sua ação, cometeu o fato sem se
dar conta de estar infringindo alguma proibição. O agente, no erro de proibição, faz
um juízo equivocado sobre aquilo que lhe é permitido fazer na vida em sociedade.

5 – Descriminantes putativas (art. 20, § 1º): Descriminante: é a causa que


descrimina, isto é, que exclui o crime. Em outras palavras, é causa que exclui a
ilicitude do fato típico. Putativa: origina-se da palavra latina putare, que significa
errar, ou putativum (imaginário). Descriminante putativa é a causa excludente de
ilicitude erroneamente imaginada pelo agente. Ela não existe na realidade, mas o
agente pensa que sim, porque está errado. Só existe, portanto, na mente, na
imaginação do sujeito. Por essa razão, é também conhecida como descriminante
imaginária ou erroneamente suposta. Compreende a legítima defesa putativa (ou
imaginária), quando o agente supõe, por equívoco, estar em legítima defesa;
estado de necessidade putativo (ou imaginário), quando imagina estar em estado
de necessidade; o exercício regular do direito putativo (ou imaginário) e o estrito
cumprimento do dever legal putativo (ou imaginário), quando erroneamente
supostos.

6 – Desistência voluntária e arrependimento eficaz

Art. 15 - O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou


impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.

6.1 – Desistência voluntária (art. 15, 1ª parte) – o agente inicia a execução do


crime e, podendo prosseguir até a consumação, resolve, por ato voluntário,
interromper o iter criminis. Neste caso, a lei determina que a punição seja em
relação apenas aos fatos já praticados. Ex: visando furtar o toca-fitas de um
automóvel, o agente quebra o vidro deste, mas, antes de se apossar do bem,
desiste de cometer o crime e vai embora. Não se trata de tentativa, pois para que
ela ocorra é necessário que o agente não tenha conseguido a consumação por
circunstâncias alheias à sua vontade.

6.2 – Arrependimento eficaz (art. 15, 2ª parte) – o agente, já tendo realizado todos
os atos da execução, mas antes da consumação, pratica uma nova ação, que evita
a produção do resultado. Neste caso, o agente também não responde pela
tentativa, mas apenas pelos atos já praticados. Ex: o agente quebra o vidro de um
carro para furtar o toca-fitas. Após retirá-lo do painel, ele imediatamente resolve
colocá-lo de volta no local.
7 – Arrependimento posterior: é causa obrigatória de redução de pena aplicável
(nos termos do art. 16 do Código Penal) aos crimes cometidos sem violência ou
grave ameaça à pessoa, em que o agente, por ato voluntário, repara o dano ou
restitui a coisa antes do recebimento da denúncia ou queixa. Ex: o agente quebra o
vidro de um carro, furta o toca-fitas, levando-o consigo, entretanto, antes da
denúncia ou queixa resolve devolvê-lo ao proprietário. Se o agente resolve reparar
dano somente após o recebimento da denúncia ou queixa, incidirá apenas a
atenuante genérica do art. 65, III, “b”.

Art. 16 - Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado
o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato
voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.

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