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Roberto de Albuquerque Cezar

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A Orientação Sexual como Sistema de


Prevenção de Saúde

Diante de inúmeros problemas de saúde pública que poderiam ser


contornados com projetos de prevenção adequados, fica evidente a
necessidade de investimento em Orientação Sexual. De acordo com uma
pesquisa do Instituto DataFolha realizada em dez capitais brasileiras e
divulgada em junho de 1993, 86% das pessoas ouvidas são favoráveis à
inclusão de Orientação Sexual nos currículos escolares. Apesar disto,
somente 32% dos pais conversam sobre sexo com seus filhos e metade
deles nunca chegaram a tocar neste assunto. Alguns anos antes, a Editora
FTD realizou uma pesquisa enviando carta-resposta comercial para dez mil
professores. Das cartas respondidas, 84,3% acham que não tiveram boa
educação sexual ou a tiveram mais ou menos, contra 13% que se
declararam satisfeitos. Para 42,8%, as pessoas mais procuradas para
conversar eram amigos e colegas, sendo que somente 6,2% procuravam os
pais ou orientadores da escola. A grande maioria declarou que não era
permitido falar de sexo na escola onde estudara.

Diante desta realidade, "Guia de Orientação Sexual - Diretrizes e


Metodologia", traduzido e adaptado do original "Guidelines for
Comprehensive Sexuality Education", pelo Grupo de Trabalho e Pesquisa em
Orientação Sexual, Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS e Centro
de Estudos e Comunicação em Sexualidade e Reprodução Humana, conclui
que apesar de todos perceberem a sua necessidade, o trabalho de
Orientação Sexual ainda é muito incipiente no país, mesmo que já se
tenham passado alguns anos desde a realização destas pesquisas. De lá
para cá, muito se avançou, principalmente com a conscientização de
realidades muito duras, como a disseminação da AIDS, que provocaram
uma avalanche de ONGs (Organizações Não-Governamentais) e campanhas
na mídia que falavam de sexualidade. Ainda assim, o debate sobre os
modelos de prevenção, o papel das escolas, dos governos, da mídia e das
famílias continua em pauta. "A discrepância entre a prática e os desejos da
população passam por razões diversas na rede pública e particular. Tem que
existir, em primeiro, uma vontade política (por parte dos governantes) de
assumir programas desse tipo. Isso implica reconhecer como prioridade
investimentos na área da saúde e educação da criança e do adolescente",
define o Guia.

O que é educação sexual


Cabe, em primeiro lugar, definir Orientação Sexual. Segundo o programa
Multirio, do Governo do Rio de Janeiro, a Orientação Sexual caracteriza-se,
inicialmente, "por um conjunto de orientações desenvolvidas de forma
assistemática sobre sexualidade". Este processo, prossegue o texto
publicado na página governamental, "é global, não intencional, e envolve
toda a ação exercida sobre o indivíduo, no seu cotidiano, desde o
nascimento, com repercussão direta ou indireta sobre a sua vida sexual, ao
longo da vida".

A Educação Sexual, de acordo com o Multirio, pode ser tanto informal


quanto formal. A informal, surge no seio da família e tende a reproduzir nos
jovens, conforme o órgão carioca, os padrões de moralidade, numa dada
sociedade. Além disso, a veiculação de informações citadas pelos meios de
comunicação de massa (jornais, revistas, TV, rádio, etc) também podem ser
consideradas partes integrantes de uma educação informal sobre
sexualidade.

A Educação Sexual considerada formal, por outro lado, "ganha o espaço


institucional das escolas e centros comunitários, sob a forma de ações,
programas e projetos deliberados. Esta abordagem também pode reafirmar
conceitos ou, numa segunda visão, promover a difusão de informações
relativas à sexualidade, acompanhadas de questionamentos e discussão
sobre a sexualidade", explica o órgão governamental.

Estes conceitos vão se subdividindo e tornando-se ainda mais complexos na


explicação do Multirio. Eles distinguem, por exemplo, dois novos conceitos
de educação sexual, segundo outros autores: o primeiro se denomina
intelectual e preocupa-se com conceitos e clarezas de definições. O outro é
mais combativo e procura recrutar para as lutas mundiais de transformação
dos padrões de relacionamento sexual.

O programa de Educação Ambiental e Saúde da Secretaria Municipal de


Educação do Rio de Janeiro considera a educação sexual como "o conjunto
de teorias ou práticas, formais ou informais, que abordam, numa
perspectiva educativa, aspectos da sexualidade humana com crianças e
adolescentes". Para a secretaria carioca, o objetivo de um trabalho de
educação sexual é "permitir que crianças e adolescentes entendam a
sexualidade como aspecto positivo e natural da vida humana, propiciando-
se a livre discussão de normas e padrões de comportamento em relação ao
sexo e o debate das atitudes pessoais frente a própria sexualidade".

Segundo o Guia de Orientação Sexual, o trabalho de Orientação Sexual


procura "ajudar crianças e adolescentes a terem uma visão positiva da
sexualidade, a desenvolverem uma comunicação clara nas relações
interpessoais, a elaborarem seus próprios valores a partir de um
pensamento crítico, a compreenderem o seu comportamento e o do outro e
a tomarem decisões responsáveis a respeito de sua vida sexual, agora e no
futuro".
A AIDS como justificativa para a Orientação Sexual

Com o advento da AIDS, ficou mais do que evidente a necessidade de


investimentos em prevenção, visto ser esta a única forma disponível para
conter a epidemia. A Orientação Sexual ganhou força como política pública
de saúde a partir desta realidade, sendo necessário, portanto, entender sua
extensão e impacto na disseminação deste tema nos currículos escolares e
nas conversas em família, além da sua constante presença na mídia. Na
dissertação de Mestrado "Escola e AIDS: Um olhar para o sentido do
trabalho do professor na prevenção à AIDS", na PUC/SP, do psicólogo
Marcelo Sodelli, diretor técnico do Netpsi - Núcleo de Estudos e Temas em
Psicologia, consta que o Ministério da Saúde, em 1996, divulgava que o
Brasil contava com 62.634.791 habitantes com idade entre 5 e 24 anos,
sendo que 47 milhões são alfabetizados e 15 milhões não freqüentam a
escola.

Por outro lado, a partir do segundo boletim epidemiológico de 1999, Marcelo


mostra que dos 155.590 casos de Aids notificados desde o início da
epidemia até fevereiro daquele ano, 41.678 referem-se às faixas etárias
compreendidas entre o nascimento e a idade de 29 anos e a maior parte
dos casos vêm ocorrendo entre pessoas de 20 a 40 anos de idade, sendo
que a transmissão do HIV vem ocorrendo principalmente pela via sexual e
através do uso compartilhado de seringas ou agulhas entre usuários de
drogas injetáveis.

Paralelamente, explica Marcelo, a gestação indesejada na adolescência vem


aumentando consideravelmente, o que desencadeia um maior número de
abortos e amplia a problemática entre as adolescentes de baixa renda. Além
disso, a alta incidência das DSTs nesta faixa etária indica a prática sexual
desprotegida, ou seja, sem uso de preservativo.

"Analisando todos estes dados, percebemos que os adolescentes têm se


mostrado despreparados para elaborar assuntos referentes à sexualidade,
criando barreiras para a promoção da sua saúde sexual, tornando-se mais
propensos à sérios problemas", considera Marcelo, que já trabalhou em
diversos programas de Orientação Sexual e de Prevenção à AIDS. Em sua
tese, ele indica que "a falta de diálogo familiar, a crescente oferta de drogas
(lícitas e ilícitas), a sensação de invulnerabilidade, a suscetibilidade às
pressões grupais, e a transgressão são alguns aspectos determinantes da
vulnerabilidade individual, institucional e social dessa população".

Como solução, Marcelo levanta que, baseado em todos estes dados, a


escola é o melhor espaço para realizar trabalhos preventivos para esta faixa
etária. Ele lembra, em sua tese, o que afirma o Ministério da Educação:

"Devido ao tempo de permanência dos jovens nas escolas e às


oportunidades de trocas, convívio social e relacionamentos amorosos, a
escola não pode se omitir frente à relevância dessas questões, constituindo-
se em local privilegiado para a abordagem da prevenção às doenças
sexualmente transmissíveis / AIDS ."

Marcelo lembra ainda que também a Organização Mundial de Saúde (1989)


considera que a escola é um dos principais centros para a educação no
setor de saúde. "Ao criar esse espaço de socialização do saber, estaria
contribuindo para a promoção e divulgação de medidas preventivas ao
combate à AIDS", diz.

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