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CLASSE :5146 – REINTEGRAÇÃO DE POSSE

PROCESSO N. :30388-06.2010.4.01.3900
REQUERENTE :INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E
REFORMA AGRÁRIA - INCRA
REQUERIDOS :ZAQUEU PARDINHO DA SILVA E OUTROS

DECISÃO

Trata-se de Ação de Reintegração de Posse ajuizada


por INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA
– INCRA em face de ZAQUEU PARDINHO DA SILVA E OUTROS,
pleiteando em sede de liminar,”(1)A expedição de mandado de
liminar de reintegração de posse, determinando a restituição, no
prazo de 10 (dez) dias, da parte da área destinada à reserva legal
do Projeto de Desenvolvimento Sustentável Anapu I, localizada no
lote 55, Gleba Bacajá, Município de Anapu/PA, pelos réus, ao autor,
sob pena de multa diária fixada em R$2.000,00 (dois mil reais) e
desocupação forçada do imóvel, a ser feita por dois Oficiais de
Justiça deste Juízo com apoio de força policial”.
Alega que tem domínio do imóvel rural Gleba
Bacajá, onde foi criado o Projeto de Desenvolvimento Sustentável
Anapu I, no município de Anapu/PA, sendo que a este PDS foi
incluído, posteriormente, o lote 55, de acordo com as Portarias nº.
39, de 13/11/2002 e 18, de 26/04/2005, respectivamente. Deste
modo, foram afetadas terras públicas para uma destinação
específica, ou seja, a realização de assentamento de populações
cuja subsistência é baseada no extrativismo, na agricultura familiar
e em outras atividades de baixo impacto ambiental, mediante
concessão de uso, em regime comunial, segundo a forma decidida
pelas comunidades concessionárias – associativista, condominial
ou cooperativista.
Sustenta que a área de Reserva Legal do PDS está
sendo ocupada irregularmente por 22 (vinte e duas) famílias,
correspondentes aos réus, sendo que tal situação não é nova, e
que com o passar do tempo apenas se agravou, chegando a este
número atual de pessoas, além do que nesta área está ocorrendo
verdadeiro mercado de compra, venda e troca de terras,
parcelamentos arbitrários e exploração irregular de madeira.
Afirma estar configurada a perda da posse, uma vez
que o esbulho praticado pelos réus estaria obstando a autarquia de
utilizar as terras por eles ocupadas para a implantação do projeto,
destinando-as ao uso por parte dos beneficiários do PDS.

É o relatório.
Decido.

Mostra-se possível a concessão de liminar em Ação


de Reintegração de Posse, nos termos do art. 927 do CPC, quando
presentes os requisitos legais concernentes ao fumus boni iuris e
periculum in mora, consubstanciados, respectivamente, na
presença da plausibilidade jurídica do direito invocado pela parte
requerente e na possibilidade de risco de ineficácia do provimento
final ou da ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação,
em caso de demora na efetivação da tutela jurisdicional
pretendida.
Versa a presente demanda acerca de Projeto de
Desenvolvimento Sustentável aprovado pelo Incra, denominado
PDS Anapu I, localizado na região da rodovia Transamazônica (BR-
230), na gleba Bacajá, gleba esta arrecadada e registrada em
nome da União Federal, no município de Anapu/PA, sendo o
registro efetuado no cartório da comarca de Pacajá/PA, sob a
matrícula nº. 678, livro 2AB e folha 078, com área
aproximadamente de 253.600,00 hectares, conforme se verifica no
Relatório de Vistoria juntado aos autos (fl. 36).
A Portaria nº. 39, publicada no Diário Oficial da
União de 13/11/12 (fl. 22), que aprovou a criação de quatro
Projetos de Desenvolvimento Sustentável em Anapu, denominados
Anapu I, II, III e IV, bem como a portaria nº. 18, publicada no DOU
de 03/05/2005 (fl. 18), que aprovou a proposta de ampliação do
PDS ANAPU I, também denominado de PDS Esperança, com a
inclusão do imóvel rural denominado “Lote 55 da Gleba Bacajá”,
com área de 2.992,5048 ha (dois mil novecentos e noventa e dois
hectares, cinquenta ares e quarenta e oito centiares) apontam a
regularidade quanto a existência de destinação especial às
respectivas áreas, uma vez que referido projeto tem como
finalidade o assentamento de populações que baseiam a sua
subsistência no extrativismo, na agricultura familiar e em outras
atividades de baixo impacto ambiental.
Depreende-se do Relatório Circunstanciado de
Vistorias da Supervisão Ocupacional no PDS Anapu I (SM0067000),
carreado aos autos às fls. 28/80, que a área em que se situa
referido projeto possui a maior parte (62,5%) ocupada de forma
irregular. Assim, durante a vistoria foram identificadas 40
(quarenta) parcelas “ocupadas irregularmente por transmissão
sem anuência do Incra”, caracterizadas como sendo alvo de
compra e venda de terra pública no interior do PDS; 61 (sessenta e
uma) parcelas “ocupadas irregularmente por agricultores que
integram público de Reforma Agrária”; 02 (duas) parcelas
“ocupada irregularmente por permuta entre assentados,sem
anuência do Incra”; e, ainda, 01 (uma) parcela “ocupada
irregularmente por preposto”.
No que concerne ao lote 55, do PDS Anapu I, objeto
da presente lide, verifica-se que o mesmo é palco de diversos
conflitos fundiários. A área em questão predestina-se à criação de
uma agrovila com substituição da pastagem pelo plantio de cacau
pelas famílias assentadas nas 30 (trinta) parcelas individuais,
sendo que já foram identificadas no local cerca de 23 (vinte e três)
pessoas que têm pretensão de serem assentadas nas referidas
parcelas, além das 18 (dezoito) pessoas que já constam na
Relação de Beneficiário – RB do PDS ANAPU I, sendo que estas
ainda não foram de fato assentadas.
Ocorre que foi constatada pela equipe técnica do
Incra a existência de 22 (vinte e duas) pessoas ou famílias que
vêm ocupando a área definida como Reserva Legal – RL do PDS,
especificamente a reserva legal do Lote 55. Em meados de 2008,
foi inicialmente identificado 16 (dezesseis) pessoas ocupando esta
área, sendo na oportunidade advertidas que deveriam abandonar
o local, uma vez que se tratava de Reserva Legal além de não
possuírem anuência do Incra para ali permanecerem, tendo esse
número atualmente elevado para 22 (vinte e dois), por falta de
ação que pudesse retirá-los do local.
O relatório aponta, ainda, que nessa área “há um
intenso mercado de compra, venda e troca de terra”, que “tais
pessoas vêm demarcando parcelas de 100 hectares fazendo
derrubada de floresta para a introdução de roças com o objetivo
de estabelecerem-se na área de reserva legal do PDS”, indicando
ainda a existência de ramal aberto pelos invasores sem
autorização alguma do Incra ou de outro órgão ambiental, com o
objetivo expresso de exploração ilegal de madeira.
Em relação à retirada de madeira no local, cumpre
transcrever alguns trechos do Relatório de Vistoria (fls. 53/54):
“Foi verificada uma intensa movimentação de tratores de
esteira e caminhões transportando madeira em tora, tábuas
e ‘portais’ nas vicinais que cortam o PDS. Na vicinal 01 esta
movimentação é mais intensa, sobretudo no período noturno
e, se caracteriza pela exploração de ‘portais’ e madeira em
tora, retirados tanto da área do PDS como lotes sub-judice
adjacentes ao projeto. A retirada de ‘portais’ pode ser
verificada pela presença de inúmeras pilhas destes ao longo
da vicinal, assim como pelos restos de inúmeras árvores
desdobradas no interior do PDS
(...)
Na vicinal 00, foi identificada a retirada de tábuas para a
construção de casas (no interior do PDS), portais e madeira
para a construção de pontes (pilares, travesseiros e
longarinas). Foi identificada uma serraria portátil pertencente
à AEPDSA
(...)
Na vicinal 02 foram identificados pontos de retirada de
tábuas, portais e madeira para a construção das pontes.
Além da madeira seca, foram encontradas diversas árvores
(jaranas) recém derrubadas cuja madeira foi (seria) vendida
para a empresa que está construindo a ponte sobre o rio
água preta.
Vemos que 08 ocupantes do PDS são identificados como
tendo participação direta na extração e comercialização de
madeiras em toras.”

Resta, portanto, inconteste o esbulho sofrido em


desfavor da parte autora, que vem perdendo a gestão ambiental
do PDS Anapu I, em especial, no lote 55, em face dos invasores
que hoje estão no local.
É válido lembrar, que a situação conflitante na área
em questão já foi amplamente divulgada na imprensa, inclusive
com repercussão internacional, em razão do assassinato brutal da
missionária norte-americana Dorothy Stang, em 2005, dentro do
lote 55 do PDS Anapu I, por moradores da região.
Postadas tais premissas, concluo restarem
configurados os requisitos do art. 927 do CPC, eis que provados na
forma do art. 334, I, do CPC, por se tratarem de fatos notórios a
posse e a propriedade da Requerente sobre o bem objeto desta
ação e o esbulho praticado pelos Requeridos, configurado está o
fumus boni iuris.

Em relação à exigência do art. 924, do CPC, de que


é imprescindível a prova de que a turbação ou esbulho tenha
ocorrido dentro de ano e dia para que seja possível o deferimento
de medida liminar, é pacífico o entendimento jurisprudencial de
sua inaplicabilidade em relação aos bens de domínio público.

Neste sentido é o entendimento do c. Tribunal


Regional Federal da 1ª Região.

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMÓVEL


RURAL DOADO À UNIVERSIDADE FEDERAL DE
GOIÁS (UFG). RETENÇÃO. ACORDO. PAGAMENTO DE
INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS. NOTIFICAÇÃO
PARA DESOCUPAÇÃO. DESCUMPRIMENTO.
AJUIZAMENTO DE AÇÃO POSSESSÓRIA. LIMINAR
PARA REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CONCESSÃO.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALEGAÇÃO DE POSSE
VELHA. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ART. 924.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESPROVIMENTO. 1. A
não-devolução do imóvel rural, após o pagamento
de indenização por benfeitorias e a notificação para
a sua desocupação, configura esbulho possessório,
não havendo que se perscrutar acerca de
posse velha ou posse nova, institutos que não
se aplicam aos bens públicos. 2. Agravo
desprovido.(Ag 200501000004898, Relator
Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro, Trf1
Sexta Turma Dj Data:12/02/2007 Pagina:141).

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO.


REINTEGRAÇÃO DE POSSE DE FORÇA VELHA.
REQUISITOS PROCESSUAIS. PRESENÇA.
DESMATAMENTO INDISCRIMINADO E DESRESPEITO
AO CÓDIGO FLORESTAL. 1. Na ação de
reintegração e posse de força velha, a medida
liminar requerida deve ser deferida se
presentes os requisitos previstos no artigo
273 do Código de Processo Civil. 2. Comprovado
o indiscriminado desmatamento, sem o imediato
aproveitamento do solo, bem como o desrespeito
ao Código Florestal por assentado beneficiado pelo
programa de reforma agrária, é de ser deferida a
imediata reintegração, eis que presentes os
requisitos previstos na norma processual. 3. Agravo
de instrumento provido. (Ag 200104010794741,
Relatora Marga Inge Barth Tessler, TRF4, Terceira
Turma, DJ 03/04/2002, Página: 552).

Deste modo, não traz prejuízo ao deferimento da


liminar ora ventilada o fato de ter sido constatada a existência dos
invasores cuja posse é velha, ou seja, dura mais de ano e dia.

Uma vez já caracterizado o fumus boni iuris, resta


apenas identificar o periculum in mora, estando este clarividente
no risco de ineficácia do provimento final ou da ocorrência de dano
de difícil reparação, na medida em que a permanência dos
requeridos na área objeto de esbulho além de dificultar a
implantação do Projeto de Desenvolvimento Sustentável Anapu I,
no lote 55, traz inúmeros danos sócioambientais, haja vista o
latente desmatamento que vem ocorrendo na área em razão da
extração de madeiras ilegais, conflitos fundiários entre os
invasores e os beneficiários do PDS, o que pode acarretar,
inclusive, em mais mortes no local.

Diante do exposto, defiro em parte a liminar, na


forma do art. 928 do CPC, determinando a reintegração na posse
da Requerente na parte da área destinada à reserva legal do
Projeto de Desenvolvimento Sustentável Anapu I, localizada no lote
55, Gleba Bacajá, Município de Anapu I, município de Anapu/PA,
devendo os Requeridos desocupar a área voluntariamente, no
prazo de 10 (dez) dias a contar da ciência desta decisão.

Depreque-se a diligência para a Subseção


Judiciária de Altamira, expedindo o competente mandado
de reintegração de posse, a ser cumprido por dois oficiais
de justiça, devendo ainda ser enviado ofício à
Superintendência da Polícia Federal, para acompanhar a
desocupação da área e, depois de decorrido o prazo referido,
utilizando-se dos meios postos a sua disposição pela lei, promova a
imediata desocupação do bem público.
Depreque-se, também, a citação dos requeridos
para, no prazo legal, apresentarem resposta.

Intime-se o Incra a juntar a certidão de domínio do


imóvel rural denominado gleba Bacajá, no prazo de 10 (dez) dias.

Cumpra-se com urgência.

Belém, 04/11/2010.

original assinado
CARLOS EDUARDO CASTRO MARTINS
Juiz Federal da 9ª Vara

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