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DA INTERPRETAÇÃO DO ART.

7º, XI DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

O art. 7º, XI da CF tem a seguinte redação:

Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a
melhoria de sua condição social:

XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e


excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei.’

Interpretando o dispositivo constitucional supra transcrito encontramos três correntes


doutrinárias. A primeira delas entende que existe a necessidade de prévia regulamentação
por lei ordinária, tanto da participação nos lucros ou resultados, como também da
participação na gestão da empresa para que o preceito constitucional pudesse ser
aplicado. A segunda corrente entende que a primeira parte do dispositivo sob comento é
auto-aplicável, dependendo de regulamentação apenas a segunda parte concernente à
gestão da empresa. E, por fim, existe uma terceira corrente entendendo que a primeira
parte do preceito constitucional é auto-aplicável apenas no que diz respeito à
desvinculação da PLR da remuneração.

Examinemos, mais de perto, o posicionamento esposado pela terceira corrente doutrinária,


que defende a auto-aplicabilidade da desvinculação da PLR da remuneração e que veio a
ser encampado pela jurisprudência de nossos tribunais.

Conforme preleciona o professor Amauri Mascaro do Nascimento:

A participação nos lucros assegurada aos trabalhadores pela Constituição Federal de


1988, art. 7º, XI, é desvinculada do salário. Nenhuma dúvida subsiste quanto à referida
desvinculação porque está literalmente declarada pela legislação, o que afasta dúvida
sobre a mesma. O art. 7º, XI, da Constituição Federal de 1988, na parte final, ao declarar
"conforme definido em lei", não está se referindo à participação nos lucros, mas,
apenas, à participação na gestão da empresa. Esta depende de lei que lhe dê
aplicabilidade. Aquela não. Com efeito, a norma que dispõe sobra a participação nos
lucros, ou nos resultados, é desvinculada do salário. A dependência da lei restringe-se
à participação na gestão. A segunda parte do texto é que está relacionada com a lei. Com
a primeira não ocorre o mesmo. É que pelas suas naturais implicações na empresa, a
participação do trabalhador na sua gestão é matéria complexa, que só se justifica
excepcionalmente.

As quantias pagas aos trabalhadores a título de participação nos lucros não têm
natureza jurídica salarial. Não são salários. Não se caracterizam como remuneração
do trabalho. Não integram o salário.

Fica afetada a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, que, através do Enunciado


n. 251, declara que "a parcela participação nos lucros de empresa, habitualmente paga,
tem natureza salarial, para todos os efeitos legais". Essa diretriz jurisprudencial,que até
agora tinha suporte no art. 457, § 1º, da CLT, segundo o qual as percentagens pagas a
empregado integram o salário, atrita-se com o princípio constitucional, de acordo com o
qual as parcelas atribuídas ao trabalhador são desvinculadas do salário. Constituem um
pagamento não salarial cuja natureza jurídica é expressada pelo seu nome, participação
nos lucros. Assim, as percentagens pagas ao empregado continuam computadas nos
salários, salvo a referente à participação nos lucros, por força do princípio constitucional.

................................................

A doutrina brasileira, influenciada pela legislação (CLT, art. 457, § 1º), que considera
percentagens salário, posicionou-se, pela natureza jurídica salarial, sendo essa opinião
até agora manifestada, dentre outros, por José Martins Catharino, para quem "no nosso
direito positivo é salário a participação determinada de acordo com a percentagem sobre
lucros ou em relação às entradas, toda vez que seja feito o contrato de trabalho"; por Luiz
José de Mesquita, ao afirmar que "esse pagamento incorpora-se, para o futuro na
remuneração"; e por Délio Maranhão, ao dizer que "a participação nos lucros é, pois,
salário".

Todavia, essas opiniões, ressalve-se, foram expendidas antes da nova Constituição, e


agora são diferentes, em razão da alteração da lei. Basta exemplificar com o magistério do
Min. Arnaldo Lopes Süssekind (Instituições de direito do trabalho, em co-autoria com Délio
Maranhão e Segadas Vianna, 13. ed., São Paulo, LTr, 1993, v. 1): "Modificação de
relevo ocorreu com a natureza jurídica da prestação paga ao empregado a título de
participação nos lucros da empresa. A doutrina e a jurisprudência dos nossos tribunais
sempre afirmaram sua natureza salarial (Súmula TST n. 251). Hoje, todavia, a prestação
paga como participação nos lucros ou nos resultados está expressamente
‘desvinculada da remuneração’, isto é, não constitui salário e, por via de conseqüência,
não pode ser computada: a) no pagamento do salário devido ao empregado; b) na base
de incidência dos depósitos do FGTS, das contribuições previdenciárias e de outros
tributos cujo fato gerador seja a remuneração do empregado; c) no cálculo de adicionais,
indenizações e outras prestações que incidam sobre a remuneração".

Não sendo salários, os valores pagos a título de participação nos lucros não serão
considerados para efeito de incidência de ônus sociais, trabalhistas, previdenciários
ou fiscais.

A participação nos lucros não entra no salário-base do empregado para fins de


recolhimento do fundo de garantia, do cálculo de indenizações de 13º salário, de
remuneração das férias e do repouso semanal, de pagamento de adicionais salariais, de
gratificações, prêmios, abonos, de recolhimento de contribuições previdenciárias etc.’

No mesmo sentido a lição do ilustre mestre Arnaldo Süssekind, que assim afirma:

A obrigatoriedade da participação, tantos nos lucros, ou resultados, como na gestão, ficou


dependendo de lei regulamentadora dessa norma. Não obstante, ela gerou, desde logo,
efeitos jurídicos no tocante à natureza da prestação paga, a título de participação,
seja em virtude de convenção ou de acordo coletivo, seja em decorrência de estatuto ou
regulamento de empresa. Porque "desvinculada da remuneração", os valores da
participação nos lucros, ou nos resultados, não mais constituem salários e, assim,
não podem ser computados: a) para complementar o salário devido ao empregado; b)
da base de incidência dos depósitos do FGTS, das contribuições previdenciárias e de
outros tributos cujo fato gerador seja a remuneração do empregado; c) no cálculo de
adicionais, indenizações e outras prestações que incidem sobre a remuneração ou o
salário. Daí ter o TST cancelado o seu Enunciado n. 251.’’

Reafirmando a desvinculação da PLR da remuneração, o prof. Walter Ceneviva proclama:

Existente há decênios no direito brasileiro, mas sem aplicação útil, a participação nos
lucros, ou resultados, está no inc. XI. Seu conceito é sempre desvinculado da
remuneração, ou seja, constitui vantagem a mais, assegurada ao trabalhador, vedada a
compensação com verbas pagas a título salarial.’

Nesse sentido, também dispõe Valentin Carrion:

2. A participação nos lucros e nos resultados contém duas faculdades muito acertadas: a
desvinculação da remuneração as livrará do pesado ônus da integração às demais
verbas devidas ao empregado......a participação não substitui a remuneração, nem
pode ser base de incidência de encargo trabalhista ou previdenciário; pagamento
com periodicidade mínima de 6 meses....... "A nova disposição constitucional deixa
sem efeito o Enunciado 251 do Tribunal Superior do Trabalho" (Celso Bastos,
Comentários à Constituição, v. 2, p. 445).’

É, outrossim, entendimento pacífico na doutrina especializada de que na regulamentação


de norma constitucional auto-aplicável, o legislador ordinário deverá ater-se a explicitar o
seu conteúdo sem inovar quer diminuindo, quer aumentando o seu alcance.

Nesse sentido, muito bem preleciona o professor Celso Ribeiro Bastos:

Em outras palavras, as normas de aplicação são as normas ‘cheias’, que não


demandam complementação, e, muito pelo contrário, se forem complementadas,
deverão sê-lo com muita cautela, já que sua estrutura basta a si mesma, a qualquer
regulamentação posterior poderá extrapolar os limites da constitucionalidade. Já
salientamos alhures em obra com o Prof. Carlos Ayres de Brito que: ‘Logo, prescindem de
qualquer normação complementar, pois nada se pode introduzir em algo que já é, por
si só, compacto. Estamos diante de uma realidade normativa inelástica, insuscetível
de modelagem por outro cinzel que não o do próprio constituinte. Daí a sua absoluta
alergia e repúdio aos eventuais atentados da lei infraconstitucional, quanto àquele
núcleo mandamental compacto.’

É importante lembrar, também, a advertência de Luis Roberto Barroso na interpretação


dos direitos fundamentais:

Essa tarefa exige boa dogmática constitucional e capacidade de trabalhar o direito


positivo. Para fugir do discurso vazio, é necessário ir à norma, interpretá-la, dissecá-la e
aplicá-la. Em matéria constitucional é fundamental que se diga, o apego ao texto
positivado não importa em reduzir o direito à norma, mas ao contrário, em elevá-lo à
condição de norma, pois ele tem sido menos que isso (v. supra). O resgate da
imperatividade do texto constitucional e sua interpretação à luz de boa dogmática jurídica,
por óbvio que possa parecer, é uma instigante novidade neste país acostumado a
maltratar as suas instituições.’

Ainda que se entenda que a primeira parte do dispositivo sob comento não é de eficácia
plena, é de se invocar a lição de José Afonso da Silva, que assim proclama:

A norma constitucional dependente de legislação também entra em vigor na data prevista


na Constituição. Sua eficácia integral é que fica na dependência da lei integrativa. A
distinção não é acadêmica. Tem consequëncias práticas de relevo. Pois tais normas,
desde que entram em vigor, são aplicáveis até onde possam, devendo notar-se que
muitas delas são quase de eficácia plena, interferindo o legislador ordinário tão-só para
aperfeiçoamento de sua aplicabilidade’.

Confirmando o entendimento doutrinário retro mencionado a jurisprudência de nossos


tribunais vem reafirmando a auto-aplicabilidade do art. 7º, XI da CF, na parte em que prevê
a desvinculação da PLR da remuneração, qualquer que seja a natureza da norma em
questão, conforme ementas abaixo transcritas:

EMENTA.

RECURSO ESPECIAL. ALÍNEA ‘A’. TRIBUTÁRIO. SALÁRIO-DE-CONTRIBUIÇÃO.


VERBAS PERCEBIDAS PELOS EMPREGADOS A TÍTULO DE PARTICIPAÇÃO NOS
LUCROS. NÃO INCIDÊNCIA DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ARTIGO 7°,
INCISO XI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMA DE EFICÁCIA CONTIDA, APENAS
EM PARTE. ART. 28, § 9°, LETRA ‘J’, DA LEI N. 8.212/91.

RECURSO NÃO CONHECIDO.

A questão merece ser apreciada no âmbito exclusivamente infraconstitucional,


notadamente à luz do art. 28, § 9°, letra j’, da Lei n. 8.212/91, com observância do inciso
XI do artigo 7° da Carta Magna.

Deve prevalecer o entendimento segundo o qual a análise da aplicação de uma lei federal
não é incompatível com o exame de questões constitucionais subjacentes ou adjacentes.
A competência somente seria deslocada para a Máxima Corte se a v. decisão recorrida
tivesse julgado o feito única e exclusivamente sob o prisma constitucional, o que se não
verifica na espécie.

A letra fria desse dispositivo da Carta Maior embora não totalmente auto-aplicável
ou de eficácia contida, é plenamente eficaz num ponto, mesmo antes da Medida
Provisória n. 794/94, de 29 de dezembro de 1994, ou seja, no que diz respeito à
desvinculação entre participação nos lucros e remuneração do trabalhador.

Recurso não conhecido.’ ( Resp nº 283.512, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 31-03-2003,
p. 190). No mesmo sentido os Resps ns. 381.246-RS, DJ de 23-6-2003, p. 312 e 438.712-
RS, DJ, de 12-5-2003, p. 284, ambos de relatoria do mesmo Min. Franciulli Netto).

EMENTA.
PREVIDENCIÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE PARTICIPAÇÃO DOS
EMPREGADOS NOS LUCROS DA EMPRESA. CARÁTER NÃO SALARIAL DA
PARTICIPAÇÃO.

1.O art. 7º inciso XI da CF é auto-aplicável no que se refere à desvinculação da


"remuneração" da "participação dos empregados nos lucros da empresa", porque
qualquer regulamentação que viesse a ser feita por lei ordinária não poderia dispor de
forma diferente quanto à desvinculação de ambos.

2.O parágrafo 4º do art. 201 da CF não se aplica à participação nos lucros porque esta,
ainda que paga continuamente por vários anos, jamais poderá ser considerada "habitual",
pois, pela sua natureza, estará sempre presente a possibilidade de que em determinado
exercício haja prejuízo ao invés de lucro.

3.Incabível, portanto, a cobrança de contribuição previdenciária sobre a participação


nos lucros da empresa.

-Apelação e remessa oficial improvidas.’ (TRF 5ª Região, AC nº 114325-SE, Rel. Juiz


Castro Meira, DJ de 23-2-2001, p. 468).

EMENTA.

CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. INCIDÊNCIA SOBRE PARCELAS RECEBIDAS


PELOS EMPREGADOS A TÍTULO DE PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS DA EMPRESA.
INADMISSIBILIDADE.

1. O artigo 7º, XI, da Constituição Federal confirma o direito dos trabalhadores urbanos e
rurais em participar nos lucros ou resultados da empresa, desvinculada da
remuneração. Nestes limites, a regra sempre foi plenamente eficaz, com
aplicabilidade imediata.

2. Existe a possibilidade desta eficácia ser contida mediante a superveniência de uma lei,
nos exatos termos do próprio dispositivo constitucional, mas que de forma alguma
poderá dispor sobre vincular a participação nos lucros à remuneração. O que poderá
ser feito, tão-somente, é regulamentar-se sobre a extensão desta participação nos lucros,
se maior ou menor, mas sempre desvinculada da remuneração.’ (TRF 4ª Região, AG nº
199804010117973-RS, Rel. Juiz Tania Terezinha Cardoso Escobar, DJU de 5-4-2000, p.
68).

EMENTA.

EXECUÇÃO FISCAL. PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS. ART. 7, XI DA CF. MP 794/94.

- A participação nos lucros ou resultados da empresa, conforme demonstrada nos autos, e


prevista no inciso XI do artigo 7º da Constituição Federal, não integra a base de cálculo
para o salário-de-contribuição, mesmo no período anterior ao advento da MP 794/94,
sob pena de se negar vigência ao direito do trabalhador constitucionalmente
previsto, e considerando-se ainda, que não há qualquer sustentação jurídica para que se
afirme que a distribuição de lucro ao trabalhador, tinha caráter remuneratório, ante a
ausência de disposição legal neste sentido.’ (REO nº 1999.71.11.002879-0/RS, Rel. Des.
Federal Maria Lúcia Luz Leiria, DJU de 17-12-2003, p. 308).

EMENTA.

PREVIDENCIÁRIO - CONTRIBUIÇÕES: INCIDÊNCIA - PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS


(CF ART. 7º, XI).

1. Concedida a participação nos lucros antes da regulamentação

legislativa, sobre tal parcela não incide a contribuição previdenciária.

2. Natureza jurídica do instituto, derivada da previsão constitucional de abrangência


plena.

3. A participação nos lucros não integra o salário. Revogado, no particular, o teor da


Súmula 251 do TST.

4. Recurso e remessa improvidos.’ (TRF 1ª Região, AC nº 1998.01.00.057692-1/MG, Rel.


Juíza Eliana Calmon, DJ de 23-4-1999, p. 287).

EMENTA.

TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONAL. PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS: NATUREZA


JURÍDICA. NÃO-INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. CF/88, ART.
7º, INCISO XI.

I - A participação nos lucros preconizada na Constituição Federal de 1988, art. 7º, inciso
XI, não tem caráter salarial, razão por que não devem incidir contribuições previdenciárias
sobre ela.

II - O inciso XI do art. 7º da Constituição é norma programática de eficácia contida,


pendente de regulamentação, mas dotado de normatividade.

III - Apelação e remessa improvidas.’ (TRF 1ª Região, AC nº 1998.01.00.061612-3-MG,


Rel. Juiz Candido Ribeiro, DJ de 17-8-2001, p. 32).

Conforme se vê, parcela ponderável dos doutrinadores é pela auto-aplicabilidade da


primeira parte do inciso XI do art. 7º sob comento.

Contudo, em relação à desvinculação da PLR da remuneração tanto a doutrina como a


jurisprudência de nossos tribunais, com exceção a do Supremo Tribunal Federal, que
analisou a questão sob outro enfoque, como adiante se verá, são unânimes no sentido da
auto-aplicabilidade. E nem poderia ser de outra forma, pois o conceito de
desvinculação da PLR da remuneração é unívoco. Nenhuma lei infraconstitucional
poderia considerar vinculado, total ou parcialmente, aquilo que a Lei Maior desvinculou.
Registre-se, todavia, a bem da verdade, que a decisão monocrática proferida pelo Min.
Gilmar Mendes do STF ((RE 380.636-SC, DJ de 24-10-2005, p. 0057), com base no que
teria sido assentado no Mandado de Injunção nº 102 impetrado pelo Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Pombos (Rel. p/ acórdão Min. Carlos Velloso, DJ de 25-10-
2002) chegou a dizer que a ‘regulamentação do art. 7º, XI da Constituição somente
ocorreu com a edição da Medida Provisória nº 794, de 1994, que implementou o direito
dos trabalhadores na participação nos lucros da empresa. Desse modo, a participação nos
lucros somente pode ser considerada desvinculada da remuneração (art. 7º, XI da
Constituição Federal) após a edição da citada Medida Provisória’.

No mesmo sentido a decisão monocrática proferida no RE 351.506-RS de que foi Relator


o Min. Eros Grau.

É curioso notar, no entanto, que no invocado Mandado de Injunção, o Plenário da Corte


Suprema não chegou a examinar o mérito do pedido, julgando prejudicada a ação
conforme ementa do V. Acórdão:

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal


Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por votação majoritária, reconhecer a legitimidade ativa da entidade sindical
para impetrar mandado de injunção coletivo, vencido o Ministro Relator. Prosseguindo no
julgamento, o Tribunal, também por votação majoritária, julgou prejudicada a ação de
mandado de injunção, em face da superveniência de medida provisória disciplinando o art.
7º, inciso XI, da Constituição Federal, vencido o Ministro Sepúlveda Pertence.(MI nº 102,
Rel. p/ Acórdão Min. Carlos Velloso, DJ de 25-10-2002).

Seja como for, para o caso sob consulta, cujo período de autuação fiscal é posterior à
regulamentação pela MP nº 794/94, é indiferente o posicionamento doutrinário e
jurisprudencial no que se refere à auto-aplicabilidade ou não do preceito constitucional
objeto de análise. O importante é que a própria Corte Suprema deixou bem claro que,
a partir do advento da MP nº 794/94, o dispositivo constitucional que determina a
desvinculação dos lucros ou resultados da remuneração percebida pelos
empregados, passou a ter plena eficácia. É o que basta.

DA NATUREZA JURÍDICA DA DESVINCULAÇÃO DA PLR DO CONCEITO DE


REMUNERAÇÃO E SUA CONSEQÜÊNCIA

Transcrevamos novamente o inciso XI do art. 7º da Constituição Federal para melhor


exame:

XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e,


excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei;

É o próprio texto constitucional que exclui, de forma expressa, a natureza remuneratória


das participações dos empregados nos lucros, ou resultados auferidos pela empresa. Não
bastasse a auto-aplicabilidade da expressão ‘desvinculada da remuneração’, o STF veio
espancar qualquer dúvida a respeito proclamando expressamente que, com o advento
da MP nº 794/94, a participação nos lucros ficou desvinculada da remuneração.
Ora, se a PLR está excluída do conceito de remuneração, por óbvio, a contribuição social
de que trata o art. 195, I, a da CF incidente sobre a ‘folha de salários e demais
rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe
preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício’, não poderá levar em conta aquela PLR
na definição do fato gerador da contribuição previdenciária. Em outras palavras, a
participação nos lucros ou nos resultados não poderá servir de suporte fático da tributação.

Se é certo que cabe ao legislador infra-constitucional definir o fato gerador dos tributos,
também é certo que essa definição legal não poderá desrespeitar as limitações
constitucionais ao poder de tributar. E uma dessas limitações é exatamente a imunidade
tributária. Não importa a denominação ‘imunidade’, ‘isenção’, ‘não-incidência’, ou
quaisquer outros vocábulos ou termos utilizados na Constituição Federal. Basta simples
exame dos textos constitucionais para verificar que o legislador constituinte utilizou-se de
diferentes expressões, ao estatuir, dentre outras, as seguintes imunidades: a imunidade de
custas judiciais na ação popular (art. 5º, LXXVIII da CF); a imunidade de taxas, aos
reconhecidamente pobres, para expedição de registro civil de nascimento e de óbito (art.
5º, LXXVI, a e b da CF); imunidade recíproca (art. 150, VI, a da CF); imunidade genérica
dos partidos políticos, das instituições de educação e de assistência social, dos sindicatos,
dos templos e do livro (art. 150, VI, b e c da CF); imunidade do IPI (art. 153, § 3º, III da
CF); imunidade do ITR sobre pequenas glebas rurais (art. 153, § 4º da CF); imunidade das
contribuições sociais (art. 195, § 7º da CF) etc.

O importante é que as imunidades externam vedações absolutas ao poder de tributar


certas pessoas (subjetivas) ou certos bens (objetivas), ou ainda, uns e outros. Por isso,
elas tornam inconstitucionais as leis ordinárias que as afrontam.

No caso sob exame, o legislador constituinte, objetivando incentivar as empresas a


repartirem seus lucros ou resultados com os seus empregados, promovendo a
‘socialização dos lucros’ como meio de alcançar o justo equilíbrio entre o capital e o
trabalho, prescreveu no inciso XI do art. 7º da Carta Política, que a PLR fica desvinculada
da remuneração. Em outras palavras, retirou do campo do exercício da competência
impositiva prevista no art. 195, I, a da CF tudo o que for pago pela empresa a título de
participação nos lucros, ou resultados. Forçoso é concluir que o inciso I do art. 22 da Lei nº
8.212/91, que define a contribuição a cargo da empresa em ‘vinte por cento sobre o total
das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos
segurados empregados...’, há de ser interpretado com a exclusão das parcelas
correspondentes à participação nos lucros ou resultados. A PLR, uma vez imunizada
pela Constituição, jamais poderia integrar a base de cálculo da contribuição previdenciária,
sem gravíssima ofensa ao texto constitucional.

Nesse sentido, muito bem preleciona o professor Paulo de Barros Carvalho:

Os preceitos que definem a adjudicação de competências tributárias hão de preceder os


dispositivos editados em função dos poderes outorgados. E a proposição não admite
comutatividade. Seria incompreensível analisar a norma jurídica que cria o tributo e,
portanto, define a incidência, sem antes observar, atentamente, os canais que a
Constituição elegeu para esse fim.’
Assim, rui por terra a invocação do art. 28, § 9º, j, da Lei nº 8.212/91 feita pela r. decisão
recorrida no sentido de que apenas a PLR ‘paga ou creditada de acordo com a lei
específica’ deixa de integrar o salário-de-contribuição para os fins de tributação.

Ora, a exclusão da participação nos lucros ou resultados do conceito de remuneração não


é algo que dependa de definição legal. Implementada a norma imunizante, a PLR fica ipso
fato excluída do conceito de remuneração. E já vimos que essa implementação, na pior
das hipóteses, deu-se com o advento da MP 794/94 não bastasse a auto-aplicabilidade do
conceito de desvinculação salarial.

A toda evidência, o texto constitucional obstou o exercício da atividade legislativa da União


para impor contribuição previdenciária sobre lucros ou resultados distribuídos pela
empresa a seus empregados. Difere completamente da isenção ou incentivo fiscal que se
dá no plano infraconstitucional.

Daí porque, ‘data máxima vênia’, juridicamente irrelevantes tanto a invocação feita pelo
fisco do § 6º do art. 150 da CF, que cuida da especialidade da lei isentiva, como também
do apego ao art. 111 do CTN, que prescreve um método de interpretação literal para
normas que instituem isenções.

Por isso, obediente ao preceito constitucional, a MP nº 794/94 veio prescrever em seu art.
3º:

Art. 3º. A participação de que trata o art. 2º não substitui ou complementa a remuneração
devida a qualquer empregado, nem constitui base de incidência de qualquer encargo
trabalhista ou previdenciário.’

DO EXAME DA LEI Nº 10.101/00, ANTIGA MP Nº 794/94

Procurando não interferir nas relações entre a empresa e seus empregados e atento ao
disposto no art. 11 e no § 4º do art. 218 da CF e, sobretudo, procurando respeitar o
verdadeiro conteúdo do inciso XI do art. 7º da Carta Política, de sorte a não extrapolar os
limites da constitucionalidade, o legislador ordinário, no art. 2º da Lei nº 10.101, de 19 de
dezembro de 2000, fruto da conversão da Medida Provisória nº 1.982/77, de 23 de
novembro de 2000, por sua vez, mera reedição da Medida Provisória nº 794/94, limitou-
se a indicar duas alternativas para a participação nos lucros ou resultados:

Art. 2º A participação nos lucros ou resultados será objeto de negociação entre a empresa
e seus empregados, mediante um dos procedimentos a seguir descritos, escolhidos
pelas partes de comum acordo:

I – comissão escolhida pelas partes, integrada, também, por um representante indicado


pelo sindicato da respectiva categoria;

II – convenção ou acordo coletivo.


1º Dos instrumentos decorrentes da negociação deverão constar regras claras e objetivas
quanto à fixação dos direitos substantivos da participação e das regras adjetivas, inclusive
mecanismos de aferição das informações pertinentes ao cumprimento do acordado,
periodicidade da distribuição, período de vigência e prazos para revisão do acordo,
podendo ser considerados, entre outros, os seguintes critérios e condições:

I – índices de produtividade, qualidade ou lucratividade da empresa;

II – Programas de metas, resultados e prazos, pactuados previamente.

2º O instrumento de acordo celebrado será arquivado na entidade sindical dos


trabalhadores.’

O caput facultou às partes a escolha de um dos procedimentos. No caso da consulente, foi


escolhida a Comissão de Empregados com a interveniência do sindicato da classe. O seu
§ 1º, por sua vez, facultou a inclusão nos instrumentos de acordo, dos critérios indicados
nos incisos I e II a título meramente exemplificativo. A redação do referido dispositivo
não deixa dúvidas de que os critérios elencados, exemplificativamente, nos incisos I e II,
não são obrigatórios, ao utilizar a expressão ‘podendo ser considerados, entre outros’.

Nesse sentido é a lição do ilustre Professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

A exigência da participação direta, desde a Constituição anterior, desapareceu. Existe,


por isso, toda a flexibilidade, hoje, para o encontro da fórmula adequada para a
participação do trabalhador nos lucros da empresa. Essa participação, ressalte-se,
não deve visar ao aumento da remuneração do trabalhador, mas sim contribuir para a sua
integração á empresa.’

Cumpre observar, ainda, que o § 3º, do art. 3º, da Lei nº 10.101/2000 dispõe:

3º Todos os pagamentos efetuados em decorrência de planos de participação nos lucros


ou resultados, mantidos espontaneamente pela empresa, poderão ser compensados
com as obrigações decorrentes de acordos ou convenções coletivas de trabalho atinentes
à participação nos lucros ou resultados.’

Esse parágrafo, na verdade, parte do princípio da auto-aplicabilidade da primeira parte


do inciso XI do art. 7º da CF/88 ao permitir a compensação dos pagamentos
espontaneamente feitos pela empresa, a título de participação nos lucros e resultados,
com as obrigações decorrentes de acordos ou convenções coletivas de trabalho atinentes
ao mesmo tipo de participação.

Ora, se a lei está permitindo a compensação de valores pagos espontaneamente, desde


que não tenham natureza salarial, com aqueles referentes ao cumprimento da obrigação
resultante de acordos e convenções retro referidos, é porque aqueles valores têm a
mesma natureza jurídica desses últimos.

Sintetizando, podemos afirmar que a Lei nº 10.101/2000, que tem origem na MP 794/94,
explicitou a aplicabililidade plena do preceito constitucional em questão, na parte
que desvincula a participação nos lucros ou resultados da remuneração do
trabalhador.

EMENTA: PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS. NATUREZA SALARIAL. Não se pode olvidar que a verba
quitada a título de participação nos lucros e resultados das empresas, em regra, possui cunho indenizatório.
Nesse sentido, o art. 7º, XI da Constituição da República é claro no sentido de que a verba participação nos
lucros e resultados não integra a remuneração do empregado, razão pela qual não repercute em outras
parcelas. Todavia, pactuando as partes, mediante negociação coletiva, a quitação mensal da verba participação
nos lucros e resultados, ultrapassando-se o limite expressamente previsto no § 2º do artigo 3º da Lei
10.101/2000, o qual dispõe ser "vedado o pagamento de qualquer antecipação ou distribuição de valores a
título de participação nos lucros ou resultados da empresa em periodicidade inferior a um semestre civil, ou
mais de duas vezes no mesmo ano civil", tem-se por desvirtuada a natureza do instituto, possuindo a verba
cunho eminentemente salarial, devendo ser integrada à remuneração para todos o 2. De mais a m

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