Valores contemporâneos e consumo de drogas: para propor aos jovens a crítica social e a construção de uma nova sociabilidade
Vilmar Ezequiel dos Santos vilmar@usp.br Sheila Aparecida Ferreira Lachtim shamf@usp.br Cássia Baldini Soares cassiaso@usp.br
Correspondência: Cássia Baldini Soares Escola de Enfermagem da USP Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 05403-000 – São Paulo – SP Telefone: (11) 30617652 Sobre os Autores Os autores desse artigo partic
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Valores contemporâneos e consumo de drogas - Vilmar dos Santos-Sheila Iachtim
Valores contemporâneos e consumo de drogas: para propor aos jovens a crítica social e a construção de uma nova sociabilidade
Vilmar Ezequiel dos Santos vilmar@usp.br Sheila Aparecida Ferreira Lachtim shamf@usp.br Cássia Baldini Soares cassiaso@usp.br
Correspondência: Cássia Baldini Soares Escola de Enfermagem da USP Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 05403-000 – São Paulo – SP Telefone: (11) 30617652 Sobre os Autores Os autores desse artigo partic
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Vilmar Ezequiel dos Santos vilmar@usp.br Sheila Aparecida Ferreira Lachtim shamf@usp.br Cássia Baldini Soares cassiaso@usp.br
Correspondência: Cássia Baldini Soares Escola de Enfermagem da USP Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 05403-000 – São Paulo – SP Telefone: (11) 30617652 Sobre os Autores Os autores desse artigo partic
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Vilmar Ezequiel dos Santos
vilmar@usp.br
Sheila Aparecida Ferreira Lachtim
shamf@usp.br
Cássia Baldini Soares
cassiaso@usp.br
Correspondência:
Cássia Baldini Soares
Escola de Enfermagem da USP
Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva
Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419
05403-000 – São Paulo – SP
Telefone: (11) 30617652
Sobre os Autores
Os autores desse artigo participam do grupo de pesquisa filiado ao
Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da EEUSP denominado “Fortalecimento e desgaste no trabalho e na vida: bases para a intervenção em Saúde Coletiva”. O grupo é composto por duas professoras doutoras e alunos de pós-graduação em mestrado e doutorado, que vem desenvolvendo um projeto de pesquisa financiado pela FAPESP intitulado “Jovens, valores e consumo de drogas: políticas públicas na perspectiva da Saúde Coletiva”. Este tem como objetivo principal sistematizar um arcabouço teórico-metodológico e operacional para subsidiar políticas públicas voltadas ao fortalecimento dos jovens. A Professora coordenadora do grupo é a Cássia Baldini Soares, sendo que os demais autores são alunos sob sua orientação: Vilmar é aluno de doutorado e Sheila é aluna de mestrado. Valores contemporâneos e consumo de drogas: para propor aos jovens a crítica social e a construção de uma nova sociabilidade 1. Introdução No presente trabalho os autores têm por objetivo traçar correlações entre a formação e o fomento de novos valores na contemporaneidade e o consumo prejudicial de substâncias psicoativas, principalmente no que tange à juventude. Tomou-se como ponto de partida o conhecimento acumulado por vários estudos realizados pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID), que apontam tendência de aumento significativo de utilização de psicoativos, com início de uso em idade cada vez mais precoce. Essa tendência refere-se tanto às drogas propagadas pela indústria lícita do álcool, tabaco e medicamentos psicotrópicos, quanto às disseminadas pelo narcotráfico, que fomentam o mercado das drogas ilícitas. Considerou-se ainda os estudos que referem críticas às respostas tradicionais em termos de políticas públicas de drogas, que se revelam ainda insuficientes e muitas vezes simplistas, ineficazes e contraditórias, como é o caso da política de guerra às drogas e das políticas de enfrentamento ao marketing das indústrias lícitas. Tomou-se como referência teórica os estudos provenientes da Saúde Coletiva, que procuram oferecer as bases de compreensão da correlação entre as transformações do capitalismo atual, a construção e/ou exarcebação de valores correspondentes e o consumo de psicoativos por jovens. 2. Tendências do Consumo de Drogas Psicotrópicas entre Jovens Conforme indicam os estudos sobre prevalência realizados pelo Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID, 2001, 2005), o consumo de drogas psicotrópicas, lícitas e ilícitas, se configura no cenário atual com características particulares. A partir da comparação de dois grandes levantamentos domiciliares nas 108 maiores cidades do Brasil sobre o uso de drogas psicotrópicas, verificou-se que, em 2001, 19,4% dos entrevistados já haviam usado algum tipo de droga e, em 2005, esse número foi para 22,8%, excluindo-se da análise o álcool e o tabaco. Em relação aos vários tipos de drogas observou-se o seguinte quadro de mudanças de 2001 para 2005: maconha de 6,9% para 8,8%; benzodiazepínicos de 3,3% para 5,6%; estimulantes de 1,5% para 3,2%; solventes de 5,8% para 6,1% e cocaína (2,3% para 2,9%). Pode-se notar que para três drogas houve aumento importante (maconha, benzodiazepínicos e estimulantes). Por outro lado, observa-se uma pequena diminuição do uso na vida de orexígenos (4,3% para 4,1%) e xaropes à base de codeína (2,0% para 1,9%). Em relação ao álcool quando se considera o uso na vida a porcentagem migrou de 68,7% para 74,6%. Em relação aos outros países, foi inferior aos 86,5% observados no Chile e 82,4% nos EUA. Em relação a um tipo de consumo que pode ser considerado abusivo, a pesquisa revelou, em 2001, a porcentagem de 11,2% e, em 2005, a de 12,3%, portanto também com uma tendência de aumento. No caso do tabaco o uso na vida teve uma prevalência de 44,0% da população entrevistada, ao passo que no levantamento domiciliar de 2001 foi de 41,1%. Quando se considera o consumo considerado dependente a partir de critérios diagnósticos psiquiátricos, os dados também apontam uma variação de 9,0%, em 2001, para 10,1%, em 2005. A análise comparativa entre os levantamentos domiciliares tece ainda comparações entre alguns países. Apesar dos diferentes índices, observa-se uma tendência geral de aumento do consumo das várias drogas psicotrópicas e de problemas sociais e de saúde relacionados. Em outro levantamento, realizado pelo CEBRID (2004) entre estudantes, observou-se que as drogas legais, álcool e tabaco, foram as que apresentaram a menor média de idade para o primeiro uso (12,5 anos e 12,8 anos, respectivamente). A maconha aparece com média de 13,9 anos e a cocaína com média de 14,4 anos, para o primeiro uso. 3. Políticas Públicas e Respostas Oficiais: De Psicoativo à Mercadoria No âmbito das políticas globais e respostas sociais para fazer frente às constatações do aumento do consumo e de problemas relacionados, a vertente principal que orienta as ações é a jurídica, que através de mecanismos legais e de consensos e convenções internacionais adotam um sistema de proibição, criminalização e repressão da produção, comércio e consumo de um conjunto de drogas e de restrição ao consumo e formas de punição para os excessos no caso das drogas lícitas, ou seja, focalizando a droga em si ou o usuário, tomado na sua condição individual. No setor da saúde em particular, as políticas se voltam para o tratamento de dependentes e iniciativas de prevenção para afastar as pessoas das drogas, tendo como pressupostos a eliminação ou impedimento da doença. Isto resulta, conforme aponta Velho (1999, p.61), em formulações de caráter ideológico como a idéia de que a droga enfraquece a moral, fazendo com que os indivíduos sejam mais facilmente seduzidos, corrompidos ou enganados. Também reforça, no campo da saúde, a idéia do drogado como um doente e sua relação com a anormalidade, o “desvio”, e a doença mental. Essas concepções comungam do fundamento de que o problema central está na droga (como substância perigosa do ponto de vista dos seus efeitos no sistema nervoso central) e/ou simplesmente no sujeito (devido a uma fragilidade ou vulnerabilidade inerente à sua herança genética ou familiar). Portanto o que se compreende nessa perspectiva é que as políticas deveriam se voltar para eliminar as drogas da sociedade e tratar os sujeitos vulneráveis através da criminalização e penas “alternativas”, devido à utilização de drogas ilícitas, ou através do tratamento visando à diminuição ou à abstinência do uso de qualquer substância. Tal perspectiva não leva em conta que a droga, como qualquer produto ou mercadoria, tem valor e função na sociedade que a produz e comercializa, para servir a propósitos e finalidades do sistema e não como uma substância que apresenta riscos por conta de suas propriedades farmacológicas. É por esse motivo que a constatação do aumento do consumo não se restringe ao sistema das drogas lícitas ou ilícitas, compreendidos separadamente, mas à relação que se estabelece entre ambos quando se percebe na droga uma mercadoria, a serviço do lucro indiscriminado que, descolado dos objetivos e valores humanos fundamentais, sobrepõe e estampa os valores do capital. Carneiro (2002, p.115) refere que as drogas passaram do início do século XX em diante a ser objeto de grande interesse internacional, adquirindo o papel de principal ramo do comércio mundial quando se considera “os cerca de 500 bilhões de dólares do tráfico ilícito”, e acrescentando “os capitais das drogas legais, como o álcool e o tabaco, mas também o café, o chá, etc., além das drogas da indústria farmacêutica”. Ainda acrescenta que o século XX foi o “momento em que esse consumo alcançou a sua maior extensão mercantil, por um lado, e o maior proibicionismo oficial por outro”. No entanto, segundo Rodrigues (2005, p.293), antes de se consolidar o proibicionismo como uma política oficial, algumas drogas, hoje proibidas (como cocaína e heroína), eram disputadas nos mercados lícitos de vários países, fazendo parte de um “lucrativo comércio legal que envolvia interesses de potências do período, suas indústrias farmacêuticas e suas estratégias geopolíticas no globo”. A aliança entre práticas moralistas e controle social também se faz presente no proibicionismo e no trato com as drogas, relacionando determinados psicoativos a “minorias vistas como perigosas por seus hábitos e procedências. Assim, chineses eram relacionados ao uso abusivo de ópio, negros ao de cocaína, irlandeses ao de álcool, hispânicos ao de maconha” (Rodrigues, 2005, p. 294). Lançam assim as bases que justificam os principais argumentos oficiais para dar contorno político e social ao campo das substâncias psicoativas: as drogas como ameaça moral, como questão de saúde pública e como problema de segurança pública. Os efeitos das políticas oficiais para o campo das drogas já foram bem estudados por diversos autores (Ribeiro, Seibel, 1977; Escohotado, 1989; Bucher, 1992; Zaluar, 2005; Ott, 2000; Carneiro, 2002; Karam, 2003; Carneiro, 2005), que demonstraram as adversidades, as contradições e as insuficiências dessas práticas para obter os resultados humanos esperados. O que se destaca aqui é um ponto comum que une o universo das substâncias lícitas e ilícitas: a produção, o comércio e o consumo seguiram-se ampliando apesar de todos os esforços jurídicos e sanitários. Também se desenvolveram novas drogas, novas formas de disponibilização para o consumo para atingir públicos específicos (crianças, jovens, adultos, homens, mulheres) e em diversos contextos e condições socioeconômicas. É nesse cenário contemporâneo que se resgata o caráter da droga ou substância psicoativa como um produto inserido na dinâmica do capitalismo, uma “mercadoria potente para responder a essas necessidades de valorização do fugaz e de enaltecimento do prazer imediato. Não é à toa que ela vem se colocando como uma opção de consumo importante para mitigar os desgastes advindos do desemprego e da flexibilização do trabalho, da desproteção social e da substituição dos laços de solidariedade pelas armadilhas da competição” (Soares, 2007, p. 53). Tratando da relação capitalismo-droga, Baratta (1994, p. 39) assinala que a mercantilização selvagem de certas drogas tem relação direta com a mercantilização geral de todas as coisas, resultado de um sistema de relações de produção em que prevalece a lógica da reprodução do sistema em detrimento das necessidades reais dos homens. Nesse sentido a demanda pelo consumo de drogas na atualidade estaria diretamente relacionada com os mecanismos do capital, “como tributária da necessidade de evadir-se das angústias produzidas pela realidade.” Uma análise de Kaplan (1997, p. 44) sobre tráfico de drogas, soberania estatal e segurança nacional permite traçar correlações entre o fenômeno atual do narcotráfico e a crise global gerada pelo capitalismo. Segundo esse autor o narcotráfico deve ser considerado, por um lado, como um componente do contexto global representado pelo alto grau de concentração de poder em escala mundial, pela mutação do neocapitalismo nos centros desenvolvidos, pela transnacionalização, pela nova divisão mundial do trabalho e pela terceira revolução industrial e técnico-científica. Globalização esta na qual os países de capitalismo periférico se inserem e da qual provém poderosa restrição externa a seus interesses nacionais e à sua transformação progressiva. Ainda se consideram as situações, processos e crises estruturais desses países, os limites encontrados e os fracassos e efeitos negativos de seus esforços de desenvolvimento. Nesse cenário, de insuficiências e distorções de crescimento econômico insuficiente, é que o narcotráfico encontra um terreno propício para o seu fortalecimento e desenvolvimento. È importante salientar, conforme aponta Franch (2003, p. 54-63), que “as motivações para o envolvimento dos jovens no comércio clandestino de armas e drogas são usualmente atribuídas ao impacto da sociedade de consumo entre os jovens de periferia (embora não apenas entre estes) e à perda de importância do trabalho como referencial moral, entre outros aspectos.” No capitalismo contemporâneo, o trabalho perdeu o prestígio moral que exibia anteriomente. Para o jovem, a referência do modelo voltado para o presente implica em valorizar as oportunidades imediatas em detrimento da construção continuada, da carreira. A perspectiva profissional dos jovens passou a ser composta pelas ocupações relacionadas aos setores mais avançados na economia (Sennett, 2006). “Dessa forma, pode-se dizer que as ocupações em destaque, as que são atualmente procuradas pelos jovens, são aquelas encarregadas de agregar valor de compra e venda às mercadorias, que, a despeito de terem a mesma utilidade, tornam-se mais caras conforme a marca e a capacidade de veiculação midiática. Veja-se por exemplo a variabilidade dos preços de jeans no mercado atual. Assim, os valores desejáveis às ocupações são qualificados como: valor de mercado, tecnologia, patente, design e griffe.” (Soares, 2009a, p. 72). Soares (2007, p. 55), se apoiando nos fundamentos do campo da Saúde Coletiva, organiza um conjunto de conhecimentos que buscam fundamentar as relações entre consumo de droga e capitalismo, numa perspectiva histórica e contextualizada. Assim “explicar o consumo de drogas inserido na dinâmica social – na sua dimensão estrutural – requer, portanto, em primeiro lugar, situar a condição histórica que inscreve a droga como uma mercadoria, ora lícita – proveniente de uma indústria com lucros aviltantes, ora ilícita – produzida e distribuída pelo narcotráfico. Em segundo lugar, é necessário compreender o processo contemporâneo de produção e distribuição da mercadoria droga como conseqüência das formas atuais de acumulação capitalista”. Não se pretende aqui desconsiderar os processos individuais, biológicos e psicológicos, que contribuem para a realização das necessidades de alteração da psicoatividade e que o consumo, ao longo de um período significativo da vida das pessoas, condiciona hábitos arraigados e dependências. Avalia-se, no entanto, que esses processos são, em primeira instância, determinados pelos condicionantes sociais atrelados ao sistema de “valores hegemônicos” (Viana, 2007), que moldam as diferentes formas em que o consumo se apresenta e se desenvolve socialmente. 4. Juventude e Novos Cenários O reconhecimento da adolescência enquanto uma etapa da vida com características peculiares é muito recente, remontando no ocidente ao desenvolvimento da industrialização e conseqüentemente às mudanças sociais trazidas pela necessidade de maior capacitação técnica para o trabalho. O aumento dos anos escolares e o maior acesso à escola colaboraram para o florescimento de uma cultura jovem, despertando o interesse da sociologia pelos “novos” processos de socialização, bem como da psicologia, que buscou compreender a formação da personalidade através dos processos de identificação (Soares, 1997). O aparecimento de grupos jovens com interesses próprios despertou a necessidade de reuniões não somente no espaço restrito da escola, mas também no tempo de lazer. A partir desse ponto, os jovens passaram a desenvolver então um estilo próprio de roupas, gírias e preferência de consumo, perfazendo toda uma simbologia que os distinguem como grupos (Abramo, 1994). Diferenças conceituais acompanham os termos adolescência e juventude, sendo que a primeira está relacionada à idéia de ciclo vital, cronologicamente associada a modificações físicas/biológicas (puberdade) e psicológicas. Já o termo juventude remete a um sujeito histórico, com participação social, sendo um período necessário ao processo de socialização visando à incorporação do sujeito à sociedade, através da interação com as agências socializadoras, tais como escola, família e os próprios pares (Soares, 2007). Assumir o termo juventude como categoria social associa-se à compreensão de que embora os jovens façam parte da mesma geração, eles não se apresentam homogeneamente, ou seja, passam por diferentes processos de socialização e de reprodução social a depender da classe social em que suas famílias estão inseridas. Nessa perspectiva, a juventude, assim como as demais fases da vida, não é universal, mas depende dos processos que ocorrem nas classes sociais que suas famílias estão inseridas (Soares, 2009). 5. Formação de Novos Valores Atrelados ao Consumo de Psicoativos Como Resultado das Transformações do Capitalismo Na perspectiva do capitalismo, a droga, considerada na sua amplitude como produto histórico-social e na qualidade de psicoativo, tem força e valor de mercadoria para fazer frente às novas necessidades imprimidas no cenário social contemporâneo e naturalizadas pela dinâmica do marketing a serviço do capital. A necessidade de reprodução cada vez mais ampliada do capital impõe a criação e disseminação de mecanismos sofisticados na transformação dos produtos em fetiches da forma-mercadoria aliada à proliferação e naturalização de novas respostas humanas e estilos de vida. Para Carneiro (2002, p.12-3) “o consumo das mercadorias fetiches é estimulado por complexos e cada vez mais poderosos mecanismos de criação de comportamentos de consumo compulsivo”. Assim, segundo o autor, se instaura um ideal de uma sociedade cada vez mais viciada: “em alimentos, em roupas, em carros”. Onde “diversas práticas sociais tomam características compulsivas: as torcidas esportivas viciam-se em seus times e adotam comportamentos de dependência, os próprios esportistas, pressionados pela indústria da quebra dos recordes, viciam-se literalmente em suas próprias endorfinas, quando não tomam simplesmente aditivos hormonais ou excitantes. Diversas práticas como o alpinismo ou a direção de carros velozes, tomam a mesma dimensão viciante e socialmente arriscada de certos consumos de drogas”. Diante dessas transformações, atenção especial deve ser dada aos jovens, uma vez que mudaram também os modelos de identificação, que passaram da família, da escola e do grupo de pares para a cultura de massas, resultando um novo modelo de identificação baseado no amor, no prazer e bem–estar da vida privada, na juventude e no presente. “A juventude, o presente e o prazer são, no modelo contemporâneo, os objetivos a serem alcançados, caracterizando-se assim como uma cultura hedonista (Soares, 2009a, p.69).” No caso da indústria de medicamentos psicotrópicos se observa que o marketing se vale de promessas de soluções mágicas para problemas humanos complexos e de difícil solução. Um exemplo é a promessa do corpo perfeito, que estimulou o crescimento em grande escala do consumo de anfetaminas por mulheres com a finalidade de emagrecimento rápido, resultando, muitas vezes, em graves problemas de saúde. Ou seja, a busca insaciável e desenfreada pela multiplicação e reprodução do lucro se alia a um sistema de valores do capital: ter o corpo perfeito a partir de determinados padrões sociais e de um ideal da aparência e valorização do externo. Também se observa a expansão e crescimento da indústria de drogas lícitas, com a produção em grande escala de bebidas alcoólicas e tabaco, a partir da correlação entre o consumo da substância e as sensações de status, segurança, sucesso, ascensão, prazer, etc. Assim, as bebidas mais caras dão maior status e vice-versa, existindo assim padrões diferentes de consumo de álcool dependendo do lugar que o jovem ocupa na estrutura social. Ou dizer que “certas mercadorias representam, para eles (os jovens), estilos de vida, marcas de poder que garantem prestígio junto aos iguais e sucesso nas conquistas amorosas: roupas, carros e também certas bebidas e drogas como o whisky e a cocaína”. Ainda a “força econômica das empresas de bebidas pode ser vista pela quantidade e qualidade de propagandas em todas as mídias, onde o consumo de álcool aparece associado ao glamour, à juventude, à beleza e à alegria” (Franch, 2003: 54-63). O consumo de mercadorias, além de incentivado e propagado para instauração de “culturas de consumo”, assume características compulsivas na contemporaneidade. Birman (2006, p. 181, 191) destaca algumas modalidades de compulsão que se naturalizam, não restrita às drogas ilegais, mas também aquelas “legitimadas cientificamente pela medicina e pela psiquiatria”, como no caso os “medicamentos psicotrópicos (ansiolíticos, antidepressivos, estimulantes), que são receitados pelos médicos e psiquiatras, para regular o mal-estar dos indivíduos, além, é claro, dos analgésicos de potência variável”. A subjetividade se apresentaria então como “essencialmente narcísica, não se abrindo para o outro, de forma a fazer um apelo”. Porque “na cultura do narcisismo, as insuficiências não podem existir, já que essas desqualificam a subjetividade, que deve ser auto-suficiente”. Aqui se encontra um terreno propício onde “a psiquiatria biológica pode florescer, já que com os psicofármacos pode fazer o curto-circuito do sofrimento e atender diretamente aos reclamos da dor, sem qualquer apelo” (Birman, 2006, p.191-2). A partir da reflexão sobre a formação das subjetividades contemporâneas, tendo a primazia no ideal da aparência e do culto ao externo, observa-se a afirmação de valores alicerçados no modo de produção capitalista como metas de ascensão e reconhecimento social e ainda de “realização” humana: ser o melhor, o número um, ter o corpo ideal, a saúde perfeita, obter o sucesso e status sociais. Nesse sentido se observa as várias manifestações do consumo de psicoativos como produto e resultado da vida e do mal estar contemporâneo: a compulsividade como resposta primordial; o consumo abusivo de anfetaminas e a relação com o ideal da busca de um corpo “perfeito”; da cocaína como ideal de potência e capacidade ilimitadas; dos antidepressivos, ansiolíticos e estabilizadores de humor como soluções mágicas para os problemas da vida de difícil solução; do consumo de álcool e tabaco como artifícios de sociabilidade; enfim de formas ilimitadas de medicalização da vida social e entorpecimento da capacidade de pensamento, reflexão e crítica quando esta se volta para objetivos de transformação das condições mais gerais da vida. Historicamente observa-se que uso de drogas responde “às finalidades de busca de prazer, de desempenho, de sociabilidade, de transcendência, de alteração de percepções e sensações só que agora numa ambiência cultural que valoriza a intimidade, que despreza o espaço público e as ações coletivas, que valoriza o espetáculo e estimula o consumo ilimitado de imagens e de produtos como únicas formas de satisfação de necessidades” (Brites, 2006, p. l65). Cabe ressaltar que do ponto de vista da Saúde Coletiva os valores em relação ao consumo de substâncias psicoativas devem estar referidos às diferenças enquanto classe social. Assim sugere-se que “as abordagens sobre o uso de drogas são, como todas as demais modalidades de práxis, saturadas de posições de valor que necessitam ser desveladas. Em primeiro lugar porque na sociedade capitalista os valores podem objetivar interesses de classes” (Brites, 2006, p. 72). Essa tendência é mais bem compreendida a partir da dinâmica que se instalou nas sociedades a partir da crise do capitalismo dos anos 70 propagadora de condições de vida cada vez mais desiguais entre as classes sociais, com a produção em grande escala de diversos bens e produtos e, ao mesmo tempo, dificuldades de acesso a esses bens pela maioria das populações do mundo. Observou-se até aqui que os diferentes psicoativos, nas suas várias modalidades e formas de consumo (compulsivo, abusivo, habitual, eventual, medicinal, etc.) para atingir objetivos humanos (prazer, minimização da dor, sociabilidade, etc.) e resultando em diferentes problemas de saúde e sociais (dependências, doenças físicas e psíquicas, mortes por homicídios, etc.), situados dentro da lógica e dos objetivos do capital reproduzem primordialmente a sua função de mercadoria, relegando o ser humano ao segundo plano. Isto significa um distanciamento de “valores fundamentais autênticos” (Viana, 2007) que refletem a natureza humana e não variam de acordo com os interesses ou a história, como àqueles relacionados à solidariedade, às formas de cooperação com interesse no bem comum; reproduzindo os valores “fundamentais inautênticos” (Viana, 2007) que são construídos socialmente, a depender do momento histórico, em contradição com a natureza humana, tais como, o culto ao individualismo e à competição como formas naturais de se dar bem na vida. Segundo Viana (2007, p.67) “todo objeto é um objeto-valor” e “a produção de objetos, em nossa sociedade é uma produção capitalista de mercadorias”. Ainda “o valor de uso de uma mercadoria revela sua utilidade no seu uso”, “o seu valor de troca no seu preço” e “o seu valor cultural no próprio fato de ser uma mercadoria”. Assim podemos compreender a droga como um objeto onde se incorpora valores à qual tem função de uma mercadoria em sintonia com os objetivos do capital. Portanto a busca ou motivação para o consumo pode estar alienada do seu real valor para os objetivos humanos. Ou seja, a procura por drogas pode estar sendo motivada pelo desejo de status ou por pressões resultantes da vida de relação (estar com o outro significa comungar dos mesmos desejos e hábitos) ou pela violência do marketing e das propagandas através dos meios de comunicação de massa. Sugere-se que a perspectiva do sujeito histórico, portanto produtor e produto das mudanças sociais, portador de “valores autênticos” e ao mesmo tempo condicionados pelos valores capitalistas em ascensão, revela o caráter de uma “crise de valores decorrente das perversidades sociais introduzidas pelo processo de globalização e do neoliberalismo, formas atuais de funcionamento da sociedade de mercado. Tal situação de crise dificultaria valorizar o que é público e coletivo, perspectivar sua participação na riqueza socialmente produzida e num projeto utópico de sociedade com liberdade, igualdade e solidariedade” (Soares, 2007, p.115). Parte desses valores, considerados como uma categoria mediadora entre estrutura e dinâmica sociais e os problemas juvenis contemporâneos, possivelmente perpassa as classes, mas é possível também que parcela deles possa expressar diferenças entre as distintas classes sociais e até mesmo representar alguma forma de resistência ou até de antagonismo (Soares, 2007). Para tanto também se considera aqui a condição de grupo ou classe social quando esta determina diferentes processos relacionados ao consumo de psicoativos, corroborando diferentes formas de consumo, diferentes contextos de relações no circuito do mercado dos psicoativos e diferentes desfechos relacionados. 6. Para Desenvolver uma Cultura do Bem-comum através da Educação Emancipatória Jovens do mundo todo estão vivenciando o conjunto de valores que perfazem a cultura do capitalismo contemporâneo, cuja diretriz fundamental está relacionada ao desempenho individual e não ao bem-comum. Os matizes que esses valores assumem nas diferentes classes sociais encaminham processos de socialização e defechos quanto ao consumo de psicoativos muito distintos para os jovens. A nossa proposta, diante das mudanças contemporâneas, é que as agências de socialização revejam criticamente o conjunto de valores transmitidos diante da força do capital e de suas novas formas de reprodução. Conforme vimos esses valores estão imbricados com o consumo prejudicial de drogas, mas não só, se relacionam também a um certo conjunto de problemas que vem afetando a sociedade em geral e os jovens em particular: a gravidez em estágios de formação; formas de se alimentar inadequadas, como bulemia e anorexia; modificações estéticas artificiais desnecessárias; frustações por não conseguir consumir bens da moda; certas formas de violência dirigida às agências de socialização, como contra a escola, entre outros (Soares, 2009a). Assim, as políticas sociais públicas devem incentivar a discussão de valores de construção de uma nova cultura (Sennett, 2006) e de uma nova sociabilidade . “(...) nossa proposta é que nossos jovens sejam incentivados a “contar suas histórias” à maneira de uma narrativa, ou seja, que tenham um espaço de recomposição de suas narrativas pessoais, permitindo-lhes agregar explicações; que sejam incentivados a trabalhar em grupos e a organizar atividades solidárias” (Soares, 2009a, p.77). Principalmente, que tenham espaços de socialização capazes de proporcionar a resignificação do espaço público e o exercício do bem-comum. Nesse sentido, o processo educativo é instrumento básico. Apostamos na perspectiva educacional emancipatória, que toma o sujeito da ação educativa como um sujeito social e político capaz de intervir na realidade social. As estratégias e técnicas do processo educativo são escolhidas para propiciar a compreensão da vida em sociedade e despertar para possíveis soluções de transformação. O arcabouço operacional com o qual vimos trabalhando com jovens o tema do consumo de drogas vem sendo construído no diálogo com diversos autores da área da educação que têm se posicionado criticamente em relação à educação tradicional propondo uma pedagogia fundamentada na perspectiva dialética. Procura-se desenvolver um processo de reflexão que criticamente ponha às claras os processos sociais envolvidos no consumo prejudicial de drogas. Espera-se que ao conhecer as raízes histórico-sociais desse consumo, os jovens tenham mais elementos para buscar caminhos alternativos. Nesse sentido, a discussão dos valores em jogo é elemento-chave do processo educativo (Soares et al, 2009c). 7. Referências Bibliográficas Baratta A. Introdução a uma sociologia da droga. In: Mesquita F, Bastos FI, organizadores. 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