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Prof. Dr. Luís Sérgio Peres

³A vida se tornaria insuportável se não nos proporcionasse mudanças´

(Joseph Murphy)

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O Brasil como nação, e antes disto como colônia portuguesa, passou ao


longo de sua história por várias e distintas fases. Cada uma delas determinada
por um conjunto de fatores que levaram a população brasileira a adquirir este
ou aquele comportamento. A cultura brasileira também se modificou e evoluiu à
medida que os comportamentos sociais iam se alterando. Isso fazia com que
certos hábitos e costumes fossem sendo reforçados e incorporados à cultura
vigente em cada época.

A sociedade como um todo, e não somente a brasileira, cria aparatos e


instituições que têm por função a valorização da cultura vigente. Uma destas
instituições é a escola, que historicamente serviu, entre outras coisas, para
perpetuar o modo de vida e a cultura deste país.

Dentro da escola, construíram-se aparatos que propiciavam o


desempenho de seu papel da melhor forma possível, dentre as quais as
disciplinas multisseriadas. A Educação Física brasileira, ao longo de sua
história, assumiu diversos papéis que se relacionaram ao momento histórico
pelo qual se norteou e pela concepção cultural vigente que a conduziu.

Neste sentido, torna-se importante localizar alguns elementos históricos


para entender o ensino da Educação Física no contexto escolar e também fora
do mesmo, como é o caso do exercício para fins militares, sua origem, suas
transformações e mudanças nos diferentes períodos, para compreender como
se chegou ao modelo atual.

Quando é realizado um estudo sobre a história da humanidade e se vai


um pouco mais além daquilo que os livros didáticos colocam como verdades
inquestionáveis, percebe-se, com um pouco de atenção, que os momentos
históricos foram, quase em sua totalidade, conduzidos por grupos que após
alcançarem o seu objetivo conduziam as intenções de forma com que fossem
aceitas as suas verdades.

Seguindo esta linha de raciocínio, e retomando o que já foi posto


anteriormente, a escola como instituição social e Educação Física como
disciplina. Logo se chega à conclusão de que esta disciplina pode ter sido
usada em períodos históricos para contemplar interesses nem sempre claros. E
o foram, como nos coloca Castellani Filho (1994, p. 11):
[...] a Educação Física tem sido utilizada politicamente como uma arma a serviço de
projetos que nem sempre apontam na direção das conquistas de melhores condições
existenciais para todos, de verdadeira democracia política, social e econômica, [...] ela
tem servido de poderoso instrumento ideológico e de manipulação para que as
pessoas continuem alienadas e impotentes diante da necessidade de verdadeiras
transformações no seio da sociedade.

Fica, pela colocação do autor, exposta claramente a vinculação da


Educação Física a determinadas correntes políticas ideológicas e culturais, que
faziam uso do condicionamento físico para fortalecer os seus ideais entre a
população. Não é o exercício pelo exercício, pelo bem do corpo, e sim o
condicionamento corporal e intelectual, necessário num determinado contexto
cultural, num determinado momento histórico para um determinado grupo
social.

Tendo clara a concepção de que a Educação Física tem sido utilizada


como ferramenta para reforçar determinados condicionamentos culturais em
meio à população, ou pelo menos se reflete na prática esportiva, os
condicionantes culturais dominantes dentr o de determinado grupo social, pode -
se agora realizar uma investigação sobre determinados períodos da história do
Brasil e como determinadas linhas de pensamento se refletiam dentro da
prática esportiva e do condicionamento físico da população.

No período compreendido entre 1889 a 1930, relativo politicamente à


Velha República e à política Café com Leite, a concepção de Educação Física
se caracterizava pelo princípio de aquisição e manutenção da saúde com a
finalidade de levá -la a ser um agente de saneamen to público, denominada
Higienista, onde se procurava a assepsia do corpo através da prática de
exercícios físicos e de esportes, transmitia -se também a idéia da assepsia
moral da sociedade. Para melhor entendimento verifica -se o que coloca
Ghiraldelli Júnior (1991, p. 17):

Para tal concepção, cabe à Educação Física um papel fundamental na formação de


homens e mulheres fortes, dispostos à ação. Mais do que isso, a Educação Física
Higienista não se responsabiliza somente pela saúde individual das pessoas. Em
verdade ela age como protagonista num projeto de assepsia social.

Esse período foi marcado por higienização, saúde e corpos fortes.


Serviu como elemento de extrema importância para a formação de homens
fortes, saudáveis e imunes a doenças e maus hábitos morais e higiênicos a fim
de instaurar a moralidade sanitária, indispensável para a implementação do
processo de desenvolvimento do país, que conforme Castellani Filho (1994, p.
39) naquela época, o país saído da condição de monarquia, buscava construir
seu próprio modo de vida através da república, o que necessariamente
passava pela disciplinação do corpo (e da mente) via atividade física.

Outro fator importante que marcou o período higienista foi o processo de


purificação da raça branca. Em 1888, o Brasil, através da Lei Áurea, dá
liberdade a todos os escravos. Conforme Castellani Filho (1994, p. 43) neste
período o país possuía a metade da sua população composta pelos escravos
negros. A partir deste contexto, se instaurou a grande preocupação em manter
a eugenia da raça branca via atividade física escolar, pois a escola da época
era para o branco, mais um componente cultural a ser considera do.

No período higienista, para a mulher é reservada a função de


reprodutora associada à imagem de mãe, ³o que é, pois, preciso, é ver na
menina que desabrocha a mãe de amanhã: formar fisicamente a mulher de
hoje é reformar a geração futura´ (CASTELLANI FILHO, 1994, p. 57). Assim
era atribuída à mulher a responsabilidade de procriação da raça branca para a
nova geração que herdaria a mesma força, vitalidade e saúde.

As mulheres neste período eram privadas de participar de atividades


físicas de igual para igual, tendo em vista que estas atividades eram instituídas
de formas diferentes para homens e mulheres. Para as mulheres reservavam -
se atividades leves que desenvolvessem nela graça, elegância, leveza,
características fundamentais para a feminilidade daqu ela época. Conforme
Fernando de Azevedo apud Castellani Filho (1994, p. 56) ³(era) preciso restituir
à mulher, a saúde fortemente comprometida, além da estabilidade e do
equilíbrio´, então era preciso de mulheres fortes e sadias que teriam condições
de gerar filhos saudáveis. Essa justificativa se dava para proporcionar à mulher
pelo menos atividades físicas de porte leve, diferenciadas das dos homens.

Aos homens eram possibilitadas atividades que desenvolvessem as


destrezas físicas, que espontassem qualidades como vigor, resistência,
competitividade, força de vários tipos. Deveria ser uma atividade física que
valorizasse a sua condição de chefe de família e que proporcionasse força,
tanto para garantir o sustento de sua família como para servir de exemplo aos
seus filhos. Portanto, além de ter uma série de exercícios que proporcionavam
o desenvolvimento do vigor físico, os esportes praticados serviam para dar uma
demonstração desse vigor.

A partir de 1930, época do Estado Novo e da ascensão de Getúlio


Vargas ao poder, as influências sobre a Educação Física foram marcadas por
militaristas que responsabilizavam-na pelo estabelecimento e manutenção da
ordem social e pela formação do cidadão -soldado. A tendência higienista
também se preocupava com a saúde dos indivíduos, tendo em vista que as
instituições militares sofreram influências com a preocupação do corpo
saudável para a promoção do vigor físico dos soldados. A intenção era
aumentar as potencialidades militares que estariam a serviço da nação, com a
preocupação em treinar fisicamente o povo para a guerra. Este período
coincide com os anos que antecedem a 2ª Guerra Mundial e durante a mesma.

A educação dos homens na atividade física se conjuga com a formação


de um sentimento patriótico firmemente alicerçad o na cidadania de cada
indivíduo. Nesse sentido, a Educação Física assume junto com a Educação
Moral e Cívica como sendo um dos seus objetivos principais, o dever de
estimular a consciência dos cidadãos, frente à sua obrigação, com a defesa da
nação, atrelada ao discurso de que cada cidadão tem sua parcela de
contribuição para com a pátria; assim a obrigatoriedade do ensino visava,
segundo transcreve Betti (1991, p. 67):

[...] a Educação Física visaria à µformação da consciência patriótica¶, a criação, nas


crianças e jovens, do sentido de que a µcada cidadão cabe uma parcela de
responsabilidade pela segurança e pelo engrandecimento da pátria¶; desenvolver o
amor ao dever militar, a consciência das responsabilidades do soldado e o
conhecimento elementar dos assuntos militares; e proporcionar ao sexo feminino a
aprendizagem da enfermagem como forma de cooperar na defesa nacional (BRASIL,
Presidência da República, 1940, p. 159).

Neste período a humanidade passou por uma série de mudanças em


nível global, com os preparativos para a guerra, a própria guerra em si e os
tratados que se seguiram à mesma fizeram uma verdadeira reforma no sistema
político do planeta. A nível nacional também teve destaque neste período as
profundas reformas econômicas e políticas promovidas pelas forças atuantes
na época. Neste contexto, a Educação Física Higienista bem como a Militarista
foram marcadas por grande relação no desenvolvimento de projetos que eram
de interesse do estado, como afirma Betti (1991, p. 89):

O apoio à Educação Física por parte do estado, do sistema militar e dos educadores no
período de 1930-1945 fazia parte do esforço maior de redenção do homem brasileiro,
de afirmação da nacionalidade e da busca do desenvolvimento sócio-econômico e
cultural do país, sob a condução da tutela autoritária.

Analisando todo o contexto pelo qual passou o planeta e também o país


pelas reformas que foram implantadas, cabe observar que embora alguns
aspectos da vida política, econômica e até mesmo cultural foram
profundamente modificados, outros apenas começaram a abrir o seu caminho
em busca de sua afirmação e aceitação pela sociedade como um todo.
Estamos falando do papel da mulher na sociedade que ainda estava
culturalmente determinada pela sua condição histórica, ou seja, de mulher e
dona de casa. O movimento feminista dava os seus primeiros passos neste
período. No contexto da Educação Física não foi diferente, e a mesma ainda
reafirmava a divisão dos sexos e contemplava, no caso dos homens, a
afirmação de seus valores masculinos.

Já por volta de 1945 a 1964, a Educação Física passou a ser chamada


Pedagogicista, tomando rumos que reafirmavam as tendências higienistas e
militaristas, porém agora com caráter pedagogizante. Situando este período na
história brasileira observa-se que o mesmo vai do final do Estado Novo ao
golpe militar que instituiu o período de ditadura militar no Brasil.

Neste período a Educação Física escolar passou a reafirmar os


conteúdos como meio de educação dos alunos, particularmente os esportes,
Ghiraldelli Júnior (1991, p. 27). Conforme Betti (1991, p. 93), a portaria nº 148,
do MEC, de 27 de abril de 1967, conceituou a Educação Física como ³um
conjunto de ginástica, jogos e desportos´ definindo -lhe como objetivos
principais:

[...] promover o desenvolvimento harmonioso do corpo e do espírito e, de modo


especial, fortalecer a vontade, formar e disciplinar hábitos sadios, adquirir habilidades,
equilibrar e conservar a saúde e incentivar o espírito de equipe de modo que seja
alcançado o máximo de resistência orgânica e eficiência individual.

Nesta concepção pedagogicista a Educação Física era encarada como


uma atividade educativa que poderia, através do movimento, contribuir com a
educação do indivíduo ± educação do movimento corporal, colaborando
também com a construção de valores (espírito de equipe, esportivos, etc), em
relação ao corpo e à utilização das horas de lazer de forma racional.

Na fase da Educação Física competivista, na qual o esporte de alto nível


e o atleta na escola são considerados os fatores m ais importantes para o
estado, a Educação Física fica reduzida a sua forma de ensino pelo viés do
desporto de rendimento.

Durante este período a Educação Física tomou outros aspectos como


fatores importantes dentro da escola sendo um deles, a seleção do a tleta
praticante de esportes de alto nível. O esporte se tornou a matéria-prima da
Educação Física, meio por onde era possível descobrir os talentos esportivos
capazes de representarem muito bem o país no exterior e trazer as tão
sonhadas medalhas olímpicas. Nelson apud Betti (1991, p. 112), afirma que
³mais acertado é buscar a revelação dos valores na escola, e não apenas no
clube, buscando o µponto culminante¶, ou seja, a escola fazendo, revelando e
preparando atletas, assim como o faz na preparação do cidadão comum´, e
complementa que a esportivação exerceu uma influência vital na organização
curricular e programática da Educação Física escolar.

No espaço destinado à Educação Física escolar passa a ser realizadas


práticas eminentemente esportivas, onde o interesse principal é de descobrir
atletas com potencial que se destacam na prática de esportes. Em função
dessas características específicas, começa então a ocorrer nos espaços
escolares a chamada elitização do esporte, onde só os ³bons´ são valorizados
e selecionados para garantir o interesse do estado em adquirir medalhas
olímpicas.

Esta conotação dada à Educação Física competivista, ainda hoje, está


muito presente no âmbito escolar, onde a prática esportiva é a principal
característica desta disciplina, e nesta prática acontecem seleções de acordo
com padrões de desempenho em relação aos resultados evidenciados.
Localiza-se por esta linha de raciocínio, a do esporte de excelência, tendo -se
um forte indicador de comportamento que poderá vir a auxiliar n o entendimento
de atitudes presentes nas aulas de Educação Física ministradas na atualidade.

Observa-se que um determinado tipo de atitude imposta a um grupo


social não desaparece tão logo cesse a imposição. O período em que foi
iniciada a implantação da Educação Física como fator de seleção de atletas,
principalmente para os esportes, embora tivesse acontecido há mais de meio
século, sua repercussão pode facilmente ter chegado aos dias atuais,
reproduzindo-se na sociedade, visto que o período militar acabou apenas há
pouco mais de duas décadas.

Neste tipo de orientação cada atleta tem que demonstrar todo o seu
potencial a um imaginário, porém possível, observador. E esse potencial terá
maior valor quanto maior for o adversário que se está enfrentando e ma is bem
estruturada estiver a equipe da qual se participa. Imagine -se isto posto dentro
de uma equipe mista de meninos e meninas. Por um lado o garoto perde a sua
masculinidade, por outro, a menina perde a sua feminilidade. Existem raízes
profundas que necessitam ser entendidas para poder compreender toda a
amplitude do comportamento que se estuda, heranças de períodos
ultrapassados, onde existiam divergências de igualdades e a exclusão era
predominante. Este período que ainda permanece vivo no nosso meio pe las
atitudes muitas vezes desenvolvidas pelos profissionais, em atividades no seu
dia-a-dia.

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A Educação Física, como já vimos, vem sofrendo influências na sua


evolução histórica no Brasil, visando assegurar uma mão-de-obra para o país
fisicamente adestrada e capacitada, recebendo assim a conotação de um fazer
prático sem significado de uma reflexão teórica, ou seja, de uma educação
mecânica e alienante.
Estes diferentes enfoques teóricos, estas pro postas situavam a
Educação Física como interdisciplinar, que forneceria a sustentação teórico -
científica para as práticas profissionais.

Porém, este caminho fragmentou o conhecimento, distanciando a teoria


(produção acadêmica) da prática (mundo profission al) nesta área. Segundo
Soares et al (1992) esta fragmentação vem consolidar -se em função de
necessidades sociais concretas, identificadas nos diferentes momentos
históricos. Esses, por sua vez, dão origem a diferentes entendimentos que esta
disciplina recebeu no decorrer da sua história.

Shigunov et al (2002, p. 78), citando Vásquez, acredita que toda práxis é


atividade, mas nem toda atividade é práxis. Para eles, práxis pode ser
entendida como:

Uma atividade material humana, transformadora do mundo e do próprio homem. Esta


atividade real, objetiva, é, ao mesmo tempo, ideal, subjetiva e consciente. Por isso
insistimos na unidade entre teoria e a prática, unidade que implica também em certa
distinção e relativa autonomia. A práxis não tem para nós um âmbito tão amplo que
possa inclusive englobar a atividade teórica em si, nem tão limitada que se reduza a
uma atividade meramente material.

Seguindo esta linha de pensamento, não devemos separar a teoria da


prática, porque toda a ação verdadeiramente humana requer certa consciência
de finalidade que se sujeita ao curso da própria atividade.

Assim, Vásquez apud Shigunov et al (2002, p. 79) define a atividade


prática como:

O caráter real, objetivo, da matéria-prima sobre a qual se atua, dos meios ou


instrumentos com que exerce a ação, e de seu resultado ou produto. Na atividade
prática, o sujeito age sobre uma matéria que existe independente de sua consciência e
das diversas operações ou manipulações exigidas para a sua transformação. A
transformação dessa matéria ± sobretudo o trabalho humano ± exige uma série de atos
físicos, corpóreos, sem os quais não se poderia levar a cabo a alteração ou destruição
de certas propriedades para tornar possível o aparecimento de um novo objeto, com
novas propriedades.

Os autores também analisam que:

Atividade teórica em seu conjunto ± como ideologia e ciência ± considerada também ao


longo de seu desenvolvimento histórico, só existe por e em relação a ela, já que nela
encontra seu desenvolvimento histórico, seu fundamento, suas finalidades e seu
critério de verdade. [...] Nela não se cumprem as condições que antes apontávamos
com relação à matéria-prima, a atividade e o resultado no processo prático. Falta aqui o
lado material, objetivo, da práxis, e por isso não consideramos legítimo falar de práxis
teórica. [...] Por seu objetivo, finalidades, meios e resultados, a atividade teórica se
distingue da prática.

Estes conceitos vêm, segundo os autores acima, contribuir para refletir -


se sobre os entendimentos diversificados que g iram em torno do pensamento e
da ação, entre teoria e prática, buscando uma outra compreensão de atividade
que supere-a como uma ação estritamente utilitária e imediata, servil e
humilhante. Assim, seguindo o pensamento de Barros e Lehfeld (1986, p. 9),
referindo-se a práxis, ³o conhecimento é uma atividade teórico -prática e/ou
prático-teórica, já que a teoria orienta a ação e a prática estrutura e/ou
realimenta a teoria´.

Como podemos observar a Educação Física não é simplesmente uma


atividade prática, mas uma disciplina que contempla uma vasta área do
conhecimento, e que se utiliza no seu desenvolvimento, na prática pedagógica
de ambas as atividades, tanto prática como teórica, porém devemos nos
preocupar em como fazer para que esta prática pedagógica sej a amplamente
adequada e aceita pelos nossos alunos.

Neste sentido Paulo Freire em suas obras relata saberes necessários à


prática docente, conforme veremos em algumas categorias essenciais na
postura do professor, descritas neste mesmo capítulo, onde nos coloca a
importância da curiosidade epistemológica (pesquisa) e da dialogicidade
(diálogo), pois:

Ensinar exige pesquisa, porém, não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino.
Esses que fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino contínuo
buscando, procurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me
indago. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a
novidade. (FREIRE, 1996, p. 32).

Isto justifica a necessidade de o professor procurar sempre a formação


permanente através de um ensino continuado, se especializando e adequando -
se para a prática pedagógica, pois através da pesquisa e desta prática,
obteremos conhecimento teórico, científico e técnico, onde juntamente com um
processo de reflexão consciente poderemos transformar nossa prática
pedagógica.

Seguindo este pensamento, Molina Neto (1998, p. 43) apresenta um


novo modelo de prática docente, resultado de um trabalho de campo realizado
em escolas públicas de Porto Alegre, onde divide a prátic a em quatro
categorias principais, sendo: práticas de conteúdo, práticas criativas, práticas
reflexivo-emancipatórias e práticas disciplinadoras.

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 c ± é aquela onde o professorado de
Educação Física, com os meios materiais de que dispõe, e de acordo
com suas preferências pessoais, programa os conteúdos possíveis,
(geralmente esportes coletivos ou aulas de ginástica geral) e os
desenvolve usando estratégias convencionais e uma concepção
esportiva tradicional. Sua preocupação está centrada em desenvolver o
conteúdo programado e que os alunos o aprendam. Preocupa -se com a
iniciação desportiva e envolve-se pouco na integração de sua disciplina
com o projeto pedagógico da escola. É um tipo de prática onde a
Educação Física não incomoda.
(     ± também não causa contratempos ao sistema
educativo. Diante das circunstâncias adversas e dos desafios que lhe
impõem na escola, sem amparo institucional, busca ajuda em colegas
mais experientes e propõe alternativas criativas para atender às
necessidades dos alunos e os objetivos da escola. É uma prática de
elevado valor pessoal e docente, mas limitada por desconsiderar o
questionamento das razões e os por quês da imposição destas
condições e destes desafios. O professor dá aulas e, inclusive, colabora
com outras atividades dentro da rotina da escola. É uma prática docente
com elevado grau de compromisso e interação com os alunos, e se
caracteriza principalmente pelo ativismo. Além de conhecimentos
específicos desenvolve, sobretudo, um conhecimento do como fazer,
como solucionar os problemas de ensino que são propostos a ele.
(      c ± Desenvolvida com mais freqüência no
ensino primário. Caracteriza -se pelo exercício da autoridade institucional
sobre os alunos, controlando as formas e a circulação dos alunos na
escola. É uma prática que busca educar as atitudes, os valores e
comportamentos do aluno através da disciplina corporal. Tem forte
compromisso com a escola e em como socializar os alunos para a
adaptação e aceitação das normas institucionais. Está em plena
contradição com os desejos de democratização pelos quais luta o
professorado de Educação Física. Tem pouca interação com os alunos e
desenvolve um conhecimento do controle e do manejo de grupo, tendo
inclusive a pretensão de controlar os hábitos de postura corporal dos
alunos.
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 ± é uma prática onde o professo rado de
Educação Física questiona o seu papel e o de sua disciplina na escola.
Usa sua especificidade e sua relação com o aluno para propor questões
sobre a experiência vivida por ambos, seus limites e as possibilidades
de intervenção. Busca, sobretudo, a integração da Educação Física com
o conjunto das práticas educativas do currículo. Aprofunda sua crítica ao
sistema educativo e seus efeitos concretos sobre as diferentes parcelas
da comunidade escolar, convertendo -se em um incômodo para grandes
parcelas da administração da escola e do sistema educativo. Também é
uma prática que tem elevado grau de compromisso e integração com os
alunos, mas que, sobretudo, caracteriza-se pela reflexão de sua ação
prática.

Estes modelos descritos por Molina Neto (1998) repr esentam os


diferentes entendimentos que os profissionais têm em relação à teoria e prática
no ensino da Educação Física, que se refletem diretamente no trabalho
pedagógico dos professores no contexto escolar.
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As novas bases materiais que caracterizam a produção, a economia e a


política trazem profundas implicações para a educação no início deste novo
século, uma vez que cada estágio de desenvolvimento das forças produtivas
gesta um projeto pedagógico que corresponde às suas demandas de formação
de intelectuais, tanto dirigentes quanto trabalhadores.

Aos educadores cabe a construção de alternativas que articulem a


educação aos demais processos de desenvolvimento e consolidação de
relações sociais verdadeiramente democráticas. Isto significa que ao
profissional de educação compete: buscar nas demais áreas do conhecimento
as necessárias ferramentas para construir categorias de análise que permitam
aprender e compreender as diferentes concepções e práticas pedagógicas, que
se desenvolvem nas relações sociais e produtivas de cada época; transformar
o conhecimento social e historicamente produzido em saber escolar,
selecionando e organizando conteúdos a serem trabalhados por meio de
formas metodológicas adequadas; construir formas de organização e gestão
dos sistemas de ensino nos vários níveis e modalidades; e, finalmente, ao
tornar o processo de produção de conhecimento, um processo coletivo,
participar como um dos atores da organização de projetos educativos,
escolares e não-escolares, que expressem os anseios da sociedade
(KUENZER, 1999, p. 146).

Por isso, compreender as dimensões pedagógicas das relações sociais,


bem como suas formas de realização através de diferentes práticas
institucionais e não-institucionais que produzem o conhecimento pedagógico, é
tarefa do profissional da educação, o qual, para realizá -la com competência,
deverá apropriar-se das diferentes formas de interpretação da realidade que se
constituem em objeto dos vários campos do conhecimento, bem como
estabelecer interlocução com os vários especialistas. Mas isso não é suficiente.
Usando tais ferramentas, é preciso construir categorias de análise, a partir de
uma síntese peculiar que tome como eixo os processos educativos, que
permitam dialeticamente compreender as concepções e intervir nas práticas no
sentido da transformação da realidade.

O educador não é apenas um distribuidor dos conhecimentos


socialmente produzidos. Há, na especificidade de sua função, uma forte
exigência de: produção da ciência pedagógica, cujo objeto são as concepções
e as práticas pedagógicas escolares e não -escolares determinadas pelas
relações sociais e produtivas e seus respectivos fundamentos; domínio dos
conteúdos escolares, como ³traduções´ do conhec imento científico-tecnológico
e histórico-crítico em expressões assimiláveis dadas as características de cada
educando e as finalidades e estratégias de cada modalidade de educação;
escolha das formas metodológicas adequadas a cada conteúdo, a cada
finalidade, a cada educando; familiaridade com as formas de organização e
gestão, escolares e não -escolares, institucionalizadas e não institucionalizadas
que os processos pedagógicos assumirão dadas as suas distintas finalidades:
a capacidade de entender e inter vir nas políticas educacionais; e dar conta dos
processos de formação do profissional de educação na dupla dimensão de
produtor/difusor do conhecimento pedagógico.

Os processos de formação dos profissionais da educação necessitam ter


organicidade a partir de uma base comum ± os processos educativos em sua
dimensão de totalidade - sobre a qual se darão os recortes específicos, em
termos de aprofundamento, pois o profissional através da sua formação deverá
estar preparado para:

( Compreender a realidade sempre em mudança, apoiando-se nas


distintas áreas do conhecimento, para produzir ciência pedagógica que
permita orientar as novas práticas educativas;
( Ser capaz de transformar a teoria pedagógica em prática pedagógica
escolar, selecionando e organizando conteúd os que superem a atual
organização curricular em disciplinas estanques, através da construção
coletiva de formas pedagógicas que tomem a transdisciplinaridade como
princípio;
( Buscar a articulação entre a escola e o mundo das relações sociais e
produtivas por intermédio de procedimentos metodológicos apoiados em
bases epistemológicas adequadas;
( Ser o organizador de experiências pedagógicas escolares e não -
escolares cujo significado seja definido pelos fins da educação enquanto
expressão do desejo coletivo da sociedade na superação da exclusão.

Assim, segundo Bozzetto (2000, p. 34), o profissional da educação,


deverá ter um perfil de

Profundo conhecimento da dinâmica da sociedade e da educação, dos sistemas de


ensino e da escola como realidades concretas de um contexto histórico-social, nas
dimensões afetiva, individual e grupal. O que se deseja é a formação de um
profissional profundamente comprometido com a dimensão pública da educação, capaz
de enfrentar problemas referentes à prática educativa em suas diferentes modalidades;
que use o conhecimento pedagógico para gerar e difundir novas tecnologias e inovar o
trabalho educativo na escola e em outros espaços organizacionais e comunidades
educativas; que investigue e produza conhecimentos sobre a natureza e asfinalidades
da educação numa determinada sociedade, bem como sobre os meios apropriados de
formação humana dos indivíduos.

As competências e habilidades básicas de um profissional com esse


perfil, cuja formação não deve apenas atender às exigências imedia tas do
mercado de trabalho, mas contribuir para a intervenção social na construção da
cidadania podem ser definidas nas seguintes dimensões:

(  : Domínio de conhecimento científico para o desenvolvimento do


trabalho pedagógico;
( !" : Capacidade de pensar, coordenar, propor, orientar e executar o
trabalho pedagógico no âmbito da escola e em outros contextos sociais;
( #$%"#&'# $: Compreensão que a prática profissional está inserida
num contexto social mais amplo, na construção de uma sociedade
autônoma e includente;
( ("&$ #( $: Compreensão dos profissionais como seres sociais
que se entendem a si mesmos e ao grupo social na dinâmica afetiva.

Com a formação do profissional de educação que contemple as


dimensões acima, ter-se-á um ser crítico de problemas socioculturais e
educacionais capaz de propor ações criativas para enfrentar as questões de
qualidade do ensino e medidas que visem superar a exclusão social.

A formação do profissional de educação se dará na articulação da


prática pedagógica com as relações sociais e produtivas. Para isto, contudo,
durante a formação inicial, urge fazer a crítica às atuais formas de organização
e concepção de formação de educadores, para que se resgate a positividade
de seu desenvolvimento histórico, identifiq uem-se suas limitações e elaborem-
se novas propostas, como sínteses superadoras dos tradicionais princípios
educativos.

Assim, a primeira tarefa da universidade é buscar articulações internas e


externas como:

( ("( ' : com os demais cursos e docentes da universidade, quer


propiciando estratégias de qualificação permanente para seus próprios
professores quer oferecendo subsídios à discussão dos novos currículos
que são exigidos por essa etapa de desenvolvimento do processo
produtivo, pesquisando as relações pedagógicas que estão presentes
nas diferentes relações estabelecidas no mundo do trabalho, em cada
área;
(
)"( ' : Com as secretarias de educação, com a rede de escolas e
seus docentes, com os movimentos sociais organizados e com os
processos e instituições pedagógicas não-tradicionais, oferecendo
cursos de qualificações, assessorias, auxiliando-os e orientando-os no
desenvolvimento de atividades de cunho pedagógico -científico através
de uma educação continuada.

A partir dessas articulações transformar o profissional de educação e de


produção do conhecimento, definindo seus problemas de investigação não
apenas a partir da ciência pedagógica, mas principalmente a partir da prática
social, como forma de responder às questões que a realidade bra sileira coloca
à educação neste momento. Um profissional que busque organizações
curriculares que privilegiem a transdisciplinaridade presente nas Diretrizes e
Parâmetros Curriculares para o ensino fundamental e médio; que atue em
processos pedagógicos escolares e não-escolares como: processos
produtivos, em movimentos sociais, nas ruas, nos sindicatos e assim por
diante. E engajar-se também na qualificação permanente dos profissionais que
pertencem aos quadros efetivos das redes de ensino, inclusive superi or.

A produção do conhecimento e formação do professor são dimensões


indissociáveis, posto que tomam como eixo à ação docente em suas distintas
formas de materialização. Ao mesmo tempo, já é consenso entre
pesquisadores e docentes que,

Quanto mais intenso o processo de exclusão social, mais mediações são necessárias
ao exercício da cidadania. Isso inclui a participação no processo produtivo pelo
trabalho, onde a tarefa específica, concebida como função social cada vez mais
demandada pela sociedade contemporânea, de preparar as novas gerações para
enfrentar cientificamente e eticamente, com autonomia intelectual e moral, os desafios
postos pela sociedade contemporânea, é trabalho que exige sólida formação
científico/tecnológica e sócio-histórica no campo da educação. (BOZZETTO, 2000, p.
52).

Assim, o profissional, atualmente, no contexto social em que vive, com


toda a tecnologia em desenvolvimento, deve não somente usar a formação
acadêmica, mas buscar uma formação reflexiva, voltada para a pesquisa de
sua ação para uma nova ação, desenvolvendo uma análise do seu
desempenho e repensando o seu modo de ensinar, tendo sempre em vista sua
prática profissional.

Partindo de sua sala de aula, o professor, deve verificar e transformar


sua ação pedagógica para uma m aior compreensão e facilidade da
aprendizagem pelo aluno, buscando sempre novos métodos e formas de
transmitir o conhecimento.

Gómez (1992) coloca que o professor deve ser um investigador na sala


de aula, tendo o ensino como arte, como arte moral, o profe ssor como
profissional clínico, o ensino como um processo de planejamento e tomada de
decisões, o ensino como processo interativo e, o professor como profissional
reflexivo, para assim, superar a relação existente entre o conhecimento
técnico-científico e a prática na sala de aula.

Para superar esta relação existente entre o conhecimento técnico -


científico e a prática na sala de aula, é necessário analisar as práticas dos
professores quando os mesmos enfrentam a complexidade da vida escolar,
tentando compreender suas formas e meios de utilização dos procedimentos
pedagógicos.
Durante o transcurso do dia, deve realizar uma ³análise´ crítica do seu
desempenho, reportando-se à sala de aula e verificando se agiu certo,
corretamente, coerentemente, ³repensando e reestruturando´ sua prática
através da sua vivência, para que no outro dia, consiga uma transformação do
seu procedimento pedagógico, quanto à forma de ensinar, numa nova forma de
pensar a educação.

Refletir sobre a prática, no entanto, requer mais do qu e simples


disposição e competência para análise individual ou coletiva. É necessário ser
capaz de olhar introspectivamente, de forma crítica, para pensar e decidir sobre
o que acontece no processo educativo; buscar explicações no conhecimento
científico e pedagógico disponível, tirando conclusões e agindo de forma a
confirmar ou evitar resultados determinados por processos e atitudes adotadas,
são disposições necessárias ao professor como profissional reflexivo (SCHÖN,
1992, p. 83).

A reflexão não é um processo mecânico, nem simplesmente um


exercício criativo de construção de novas idéias, antes é uma prática que
exprime o nosso poder para reconstruir a vida social, ao participar na
comunicação, na tomada de decisões e na ação social (GÓMEZ, 1992, p. 103 ).

Para formar o professor reflexivo, torna -se necessário o


desenvolvimento de habilidades empíricas, analíticas, avaliativas, estratégicas
e de comunicação. Não basta, no entanto, conhecer os métodos, é preciso
querer empregá-los, para tanto, precisa o professor ter atitudes de entusiasmo,
responsabilidade e mentalidade aberta (GARCIA, 1992, p. 62 -63).

O entusiasmo é visto como uma predisposição do professor para


afrontar a atividade com curiosidade, energia, capacidade de renovação e de
luta contra a rotina. A mentalidade aberta caracteriza a pessoa livre de
preconceitos, imparcial, de mente aberta para considerar novos problemas e
assumir novas idéias, disposta a ouvir diferentes interpretações, a colher fatos
sem restrições às fontes, e ser capaz de absorver críticas ao próprio trabalho,
reconhecendo seus erros mesmo quando acreditar estar certo. A
responsabilidade intelectual transparece na coerência, ou seja, na harmonia
entre o discurso e a prática.

Assim, estaremos formando um profissional preparad o para a sua


prática, para um questionamento constante, para a identificação e solução de
problemas, para a competência metodológica não do ensinar, mas do aprender
a aprender, pois é refletindo sobre a própria prática que é possível reconstruí -
la, reconstruindo também o conhecimento dela e sobre ela. Isso nos
encaminha para a competência em pesquisa e escrita, muito importante para
que o professor teorize a prática, compreendendo sua complexidade
(PERRENOUD, 1993, p. 180).
Os futuros professores e os professores pesquisadores têm
oportunidade de reconstruir suas concepções de mundo e compreender os
processos implicados nas construções do seu conhecimento, reconstruindo sua
própria prática. Assim, formar professores, na pós-modernidade, não consiste
em ensinar-lhes respostas corretas e conhecimentos pesquisados por outros
especialistas, mas capacitá-los para que no confronto com a sala de aula
concreta, imprevisível e complexa, aprendam a construir e reconstruir seu
próprio conhecimento. Essa constante recon strução é a evidência da
provisoriedade do conhecimento que possibilita a reinvenção do futuro pela
articulação do sentido (KINCHELOE, 1997, p. 43 -44).

Para ser possível aos professores fazerem parte do mundo vivido da


sala de aula e ultrapassar o abismo entre o ensinar e o aprender, descobrindo
os processos utilizados pelos estudantes na construção de sentidos, é
necessário que eles saibam compreender os impactos sócio -cognitivos
causados pelos processos de ensino.

Este profissional deve ter sempre em mente seus saberes, suas


vivências, que se subdividem em ³tradição´, ou seja, aqueles procedimentos
utilizados no dia-a-dia, corriqueiros, em uma perspectiva de mera transmissão,
³experiências´ adquiridas, ou seja, reportar -se ao passado e transformá-lo em
presente, vivências que deram certo e que estão presentes hoje, e por meio
destas experiências, modificar sua ação de uma forma reflexiva e de uma outra
questão ³pedagógica´, ou seja, os saberes adquiridos por meios pedagógicos,
durante o curso de formação, com conhecimentos adequados, com um ensino
coerente, próprio para cada situação, onde o ser humano seja humano,
conforme nos coloca Nóvoa (1992), que o professor além de ser professor é
pessoa, e como tal, é humano, tem sentimentos, vivências e estas vivências
devem ser aproveitadas também para que a educação se complete.

Morin (2000, p. 17) coloca que a educação contemporânea deve basear -


se em quatro pilares fundamentais que são ³aprender a ser, a fazer, a viver
junto e conhecer´, pilares estes indispens áveis para a aprendizagem, e
continua o autor, ³que uma educação só pode ser viável se for uma educação
integral do ser humano. Uma educação que se dirige à totalidade aberta do ser
humano e não apenas a um dos seus componentes. A educação do futuro
deve tratar toda a sociedade e em todas as culturas, sem exclusividade nem
rejeição, segundo modelos e regras próprias de cada sociedade e a cada
cultura´.

Arroyo (1996, p. 47) diz que

Repensar a formação de professores tem-se concentrado em repensar os centros de


sua formação, pois temos qualificado e requalificado os mestres, porém se não temos
escola de qualidade é porque falta qualidade profissional, principalmente na estrutura
escolar que desqualifica nossos educadores. Desta forma, a formação de professores
será destacada, necessitando constituir-se em processo contínuo ao longo da sua
carreira, onde a reflexão e a investigação-ação serão preponderantes na sua
qualificação profissional.

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A questão da formação profissional se constitui em um daqueles temas


em discussão contínua. Afinal, a cada dia, a cada ano, as mudanças ocorridas
na sociedade estruturam tanto as concepções quanto a visão do homem sobre
a mesma. Assim, é de se esperar que mudem os alunos, ou seja, aqueles a
quem a formação profissional se dirige, e que mudem as necessidades da
sociedade quanto a este profissional e, finalmente, que mudem os próprios
professores encarregados da formação destes profissionais. ³A dinâmica do
processo deve ser a característica básica dos cursos de formação profissional
de Educação Física´. (PELLEGRINI apud PASSOS et al, 1988).

A formação dos profissionais de Educação Física, em nível de


graduação, até recentemente, deteve -se exclusivamente aos cursos de
licenciatura voltados para as escolas de ensino fundamental e médio, porém,
em completa desarticulação com estes segmentos, privilegiando a formação
esportiva mecanicista, abstrata, desvinculada da realidade social concreta,
identificada com os valores de esporte institu cionalizado, levando, muitas
vezes, o aluno a graduar-se como um profissional tecnicamente competente
sem estar, no entanto, com suas competências político-sociais sequer
despertadas (OLIVEIRA apud PASSOS et al, 1988, p. 10).

Desarticulação esta, que após grandes estudos e discussões, decidiu -se


na reestruturação da formação do profissional de Educação Física. Assim, em
algumas Universidades atualmente encontramos cursos de formação
generalistas (Licenciatura) e especialistas (Bacharelado).

Entende-se o professor generalista como o profissional formado sob


uma perspectiva humanística, possuidor de Licenciatura Plena em Educação
Física, grau universitário, que dá ao seu portador a faculdade de atuar tanto em
sistemas de educação formais quanto em não-formais (clubes, associações,
academias e instituições afins) programas, projetos, campanhas e eventos. Por
especialista (habilitado, bacharel) tem sido entendido o profissional que se
dedica a um ramo da Educação Física (desportos, dança, recreação, etc...),
formado sob uma ótica pragmática e tecnicista, possuída de um grau (superior,
pleno, habilitado bacharel, etc...) que lhe faculta a atuação em função
especializada em sistemas formais e não-formais de educação.
Situação esta que Faria Júnior citado por Oliv eira nos chama atenção,
pois,

A distinção entre formação geral e formação especial (habilitado, bacharel) não se


justifica, pois quando se trata de formar e educar o geral e o específico são partes
integrantes e indissociáveis da formação pedagógica. (FARIA JÚNIOR apud
OLIVEIRA, 1987, p. 28).

Assim, temos que ter em mente, no momento em que se pretende


abordar a questão da formação profissional, os compromissos básicos da
Universidade, que deverão sempre estar centrados no ensino, pesquisa e
extensão, para termos uma formação pedagógica adequada. Para tanto, a
Universidade assume o papel de transmissão do saber já conquistado e
acumulado. Mas a simples transmissão desse saber distanciaria a
Universidade do compromisso social que é a transformação e melhori a do
contexto social na qual ela está inserida. ³A Universidade não pode continuar
sendo o centro de transmissão de formação de um pensamento sedimentado,
mas o pólo de convergências de idéias e contestação teórica em um
permanente processo de formação de novas idéias´. (PASSOS, 1988, p. 215).

Nesta perspectiva, mesmo sendo na linha do bacharelado ou da


licenciatura, o ensino na Universidade deve assumir uma dimensão muito mais
ampla do que a simples transmissão de conhecimento numa visão tecnicista e
imediatista. Assim sendo, o professor universitário assume a função de
orientador e facilitador do processo de ensino aprendizagem, apresentando
situações onde o acadêmico passa a se descobrir, descobrir o outro e o mundo
para se engajar na vida a fim de transformar o seu meio num verdadeiro
empreendimento humano. Mas toda essa visão de ensino, de formação
generalista e do professor orientador, não está refletida nas atuais escolas de
Educação Física do país. (GREVE apud OLIVEIRA, 1987).

Transformações estas necessárias para evidenciarmos o fato de que a


pesquisa e a ciência (e esta última sem as visões positivistas a que estamos
acostumados) deverão motivar os trabalhos tanto dos professores quanto dos
acadêmicos, pois,

Só tem algo a ensinar aquele que, por meio de pesquisa, constrói uma personalidade
própria científica, aquele que tem uma contribuição original; caso contrário, não vai
além de narrar aos estudantes o que leu por aí. E se atribuímos à Universidade um
compromisso com a qual está inserida, para que não fique apenas na teoria, mas
consiga descer à prática, isto se consegue da melhor maneira possível, se a
intervenção na realidade estiver baseada em pesquisa prévia, porque não se pode
influenciar o que não se conhece. (DEMO, 1987, P. 8).

Pesquisas como foram desenvolvidas, devido ao abafamento da


Educação Física pelo desporto de competição (final dos anos 60 e início dos
anos 70) e os estímulos dados pelos governos militares que o usavam como
autopromoção, onde o Poder Público investiu massivamente nos labora tórios
de psicologia do exercício resultando em saltos quantitativos e qualitativos das
pesquisas nas áreas de antropometria e biomecânica. Neste contexto, a figura
do técnico desportivo prevalecia sobre a do professor de Educação Física
(FARIA JÚNIOR, 1992).

Sabemos hoje, que a divisão do saber e o conhecimento dos


especialistas nas suas próprias áreas de conhecimento constituem postulados
± inconscientes ou não ± de qualquer setor conservantista (MENDES apud
OLIVEIRA, 1987), porém a formação geral aparece revalorizada na sociedade
contemporânea, apresentando -se como mais importante do que a formação
puramente técnica, profissionalizante. A formação geral prepara o profissional,
proporcionando-lhe simultaneamente, a condição de ultrapassá -la, mediante o
exercício da consciência reflexiva e crítica que lhe faculte a formulação de seu
próprio projeto, dentro do espaço social e histórico em que está inserido.

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A influência do professor de Educação Física deve ser de orientar


vivências, sendo um elemento crítico e questionador de valores,
desenvolvendo o espírito crítico dos alunos, auxiliando -os a estruturar sua
personalidade.

O professor de Educação Física tem a função catalisadora de crítica e


de formação de idéias e valores mais conscientes nos alunos, justificando-se,
então, ser considerado como elemento integrante e essencial do processo da
educação e ficando perfeitamente caracterizada sua função de participar
ativamente no processo de crescimento e desenvolvimento pess oal e social de
seus alunos (HURTADO, 1988, p. 77).

Outra função específica do professor de Educação Física é a de


vivência, de convivência. A influência da personalidade do professor de
Educação Física é de pessoa para pessoa, num inter -relacionamento amigo,
de compreensão, aceitação e respeito mútuo, levando sempre em conta a
liberdade interior e personalidade do outro. Ele precisa representar, na situação
educacional, um desafio à superação não só de si mesmo como também dos
alunos. Despertando essa din âmica de crescimento contínuo e integrado,
estará desempenhando uma função relevante em prol da educação
permanente.

De modo geral o professor de Educação Física é um elemento


moderador da atividade didática nas situações educativo -físicas, devendo
cuidar para que cada um assuma sua função específica no processo global da
educação e da aprendizagem. Somente a distribuição de responsabilidades e a
valorização de todos os indivíduos envolvidos tornará o processo da educação
um elemento valioso para a realiza ção humana de todos (professores e
alunos). (HURTADO, 1988, p. 78).

A personalidade do professor é decisiva para a realização harmoniosa


do processo educacional. Como o processo de relacionamento professor ±
aluno é uma situação recíproca de dar e receber , tanto o professor se beneficia
dele, como oferece benefícios aos seus alunos. O professor de Educação
Física é um educador profissional e, como tal, não lhe compete apenas
transmitir os conteúdos de ensino de sua disciplina, pois, antes e acima de
tudo, ele faz parte integrante e ativa do processo educacional. Nesse caso, sua
personalidade, suas características pessoais e sociais e conseqüente atuação
exercem considerável influência na forma de educar seus alunos e na forma do
relacionamento entre ambos.

Assim, o professor deve ter algumas características, como:

( Ser uma pessoa não apenas de boas intenções e de boa vontade, mas
também de grande capacidade de adaptação e inteligência prática,
prevendo e organizando as atividades a serem feitas pelos alunos,
determinando as circunstâncias em que serão realizadas e
especificando os objetivos a serem atingidos ; em suma, deve fazer com
que os alunos ajam, com que trabalhem. Portanto, o professor de
Educação Física entra no processo da educação não apenas como
executor de tarefas externas, mas como integrante do próprio processo.
Daí exigir-se dele uma grande dose de responsabilidade, a qual é
proveniente da convicção de que sua presença e atuação no processo
educativo não são realmente apenas decorativas, mas de plena
participação.
( Ser capaz de manter um bom relacionamento com seus alunos, pois
sendo a educação e a atividade pedagógica uma situação de
relacionamento humano, quanto maior for a capacidade de compreender
os alunos, maior e melhor será o resultado educacional; nesse caso,
deve criar uma situação de bem-estar entre os educandos, a fim de que
todos se sintam à vontade na presença e nas situações educativo -físicas
e desportivas que forem propostas.
( Saber preparar e incentivar seus alunos para realizarem o que lhes é
solicitado, sem lhes impor suas idéias, procurando sempre novas
atividades e experiências para atender aos seus interesses emergentes
ou para provocar-lhes novos interesses.
( Saber transmitir segurança aos alunos na execução de atividades
educativo-físicas, visando a estimular-lhes o ardor e a energia,
corrigindo-os em suas falhas ou ajudando-os a descobrir suas próprias
deficiências, a fim de que eles mesmos possam atingir o nível ideal de
destreza fornecendo-lhes os elementos e os meios para tal.
( Ajudar os alunos a descobrirem os motivos para agirem e realizarem as
tarefas propostas ou procurarem outras, criando uma gama variada de
estímulos e colocando os alunos em situações desafiadoras para que se
interessem pela aprendizagem; em outras pal avras, deve criar situações
estimuladoras ou estimulantes que predisponham os alunos à
aprendizagem. Isso, porém, só ocorrerá se eles encontrarem um
ambiente de liberdade, sinceridade, franqueza e responsabilidade pelo
qual o professor de Educação Física d eve zelar e manter.
( Acreditar na sua função educativa preparando -se para ela, usando os
melhores meios de exercê-la, buscando sempre oportunidade de auto -
aperfeiçoamento e especialmente estudando cada vez mais a fundo as
características de seus alunos, para que sua atuação corresponda
àquilo que a família, a escola e a sociedade dele esperam.
( Adotar posição e atitude críticas não aderindo precipitadamente a todos
os modismos educacionais surgidos ou que venham a surgir, mas
refletindo sobre se essas teorias ou princípios correspondem ao que ele
e seus alunos esperam, avaliando-os com objetividade e espírito
científico para decidir sobre a pertinência ou não de adotá -los.

Uma das maiores virtudes do professor de Educação Física deve ser a


prudência, uma forma de sabedoria que provém da madura reflexão e
compreensão da responsabilidade que tem perante a própria personalidade da
criança e do adolescente, perante a família, perante os sistemas educacionais
e sociedade.

Através desta reflexão, desta responsabilid ade crítica de profissional,


deve tornar-se um organizador e construtor de um novo projeto de sociedade
que venha ao encontro dos anseios da sociedade, na garantia não só de
condições materiais mínimas de sobrevivência, mas também de liberdade, da
participação política e do resgate de sua cidadania.

Para isto, é necessário o professor ser competente, dentro da escola e,


sobretudo, a importância da sua militância fora do contexto escolar, atuando
nos diferentes movimentos sociais que se identificam com o rompimento da
atual situação de dominação à qual a classe trabalhadora está submetida,
tendo em vista que a escola desempenha um papel fundamental na
manutenção da lógica do capital ao servir as classes dominantes, tanto na
reprodução dos valores sociais como na produção de mão -de-obra.

Frente a essa perspectiva, é essencial resgatar o papel do professor


enquanto cidadão comprometido efetivamente com transformação rumo a um
novo socialismo, onde não se tenham garantidas apenas as condições
materiais de existência, mas, sobretudo, a liberdade de participar
democraticamente daquilo que se constrói, como também a vivência onde o
imaginário tenha lugar e o sonho de ser livre não seja apenas uma utopia.
O professor, portanto, ao exercer a função de intele ctual organicamente
vinculado à classe trabalhadora, deve necessariamente solidarizar -se e unir-se
a outros segmentos sociais e categorias que lutam em prol da superação da
dominação e opressão impingidas a essa classe. O seu agir deve, a partir
disso, vislumbrar uma nova dimensão. Não se deter apenas ao político -
pedagógico da escola e às relações que se criam em torno dela, mas,
sobretudo, no exercer do político -pedagógico presente nos movimentos sociais,
sejam eles partidários, comunitários, sindicais, em defesa das minorias, etc. Ou
seja, resgatar o político-pedagógico presente nas reivindicações dos homens e
mulheres, nas suas conquistas, nos avanços e rumos da luta popular e disso
fazer a sua luta.

A partir dessa concepção se faz possível uma educação para a


cidadania

No sentido de que luta pela cidadania, pelo legítimo, pelo direito é o espaço
pedagógico onde se dá o verdadeiro processo de formação e constituição do educador.
A educação não é uma pré-condição para a democracia e participação, mas parte, fruto
e expressão do processo de sua constituição. (ARROYO, 2000, p. 79).

O professor tem o compromisso de através de seu agir pedagógico


formar o aluno como um sujeito ativo na dinâmica social, tendo clareza e uma
postura ideológica e conceitual b astante séria ao estabelecer objetivos,
selecionar conteúdos, adotar metodologias, enfim, desenvolver sua práxis
educativa. Portanto, o cidadão que se forma na escola mediado pelo processo
educativo, enquanto ser autônomo lutará por melhores condições de vida, por
participar politicamente, pois, conforme Gutierréz (1988, p. 53),

Opção política é, portanto, tomar partido frente à realidade social, é não ficar indiferente
ante à justiça atropelada, à liberdade infringida, aos direitos violados, ao trabalhador
explorado. Tomar partido pela justiça, pela liberdade, pela democracia, pela ética, pelo
bem comum é opção política, é o fazer político.

O professor necessita ter uma postura axiológica bastante clara, uma


vez que, ao inserir-se dentro da sociedade, a escola como instituição formal
está permeada de valores éticos, religiosos, lógicos, morais, estéticos,
políticos, etc, da classe que detém o capital material e cultural que por sua vez
são perpassados pela ação do professor. Este, então, deve atuar na tent ativa
de desmistificação desses valores que asseguram a dominação, deve trabalhar
com a esfera simbólica, desvinculando-se da lógica forma, privilegiando uma
dialética de ação/reflexão.

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O que tem levado os educad ores dos diferentes locais a discutir a
formação de professores é, sem dúvida, o ³descaminhar´ em que se encontra o
processo de ensino que existe dentro das escolas, seja em que modalidade for,
ou por despreparo do professor, falta de compromisso, da sua p rópria
competência ao realizar sua docência ou, principalmente, ³desilusão´ com seu
³fazer´ educativo, insatisfação que talvez seja própria da atividade educativa,
insatisfação de não atingir plenamente a totalidade do seu papel.

Paulo Freire dizia que o papel do educador não pode ser reduzido a algo
imutável, pois não se pode dizer ³este é o papel do educador´, isto porque
através da leitura de Pedagogia: Diálogo e conflito, as discussões e colocações
aí apresentadas nos remetem ao papel político do educa dor como reacionário
e/ou revolucionário.

Apesar de tantos anos passados, estas duas posições ainda se


encontram em evidência, contudo, com outra denominação, o educador voltado
para uma pedagogia da ³esperança´ e, de outro lado, o educador desiludido e
acomodado.

Quando a prática educativa se processa num marasmo acomodado, as


ações acontecem sem reflexão, o professor aliena -se em seu próprio trabalho
e, na maioria das vezes, é impelido a cumprir um papel no qual se reconhece
como aquele que deve ensinar, mas que apenas reproduz; a escola deixa de
ser considerada como um espaço de produção do saber, mas apenas de
reprodução.

Ao discutir os cursos de formação de professores, precisa -se, com


certeza, levar em conta que tipo de curso serão estes efetivados. O que se tem
observado desde há muito tempo é, como dizia Paulo Freire, que ao invés de
se fazer uma boa política de capacitação (formação em serviço), ³a saída mais
fácil é reunir pequenas equipes que se apropriam do método e colocam nos
livros, guias para serem reproduzidos pelos professores mal capacitados´
(FREIRE, 2000, p. 48).

O modelo ou paradigma de formação foi mantido durante muito tempo e,


irresponsavelmente, preparou professores com uma auto -imagem reduzida e
fechada da função social deles e da escola.

A imagem que a sociedade faz e que muitos o fazem de sua função


como educador é a de transmitir saberes escolares, ensinar competências e
habilidades, dar notas, aprovar ou reprovar e isto tem pouco de profissional e
específico e julga-se, portanto, que qualquer um pode fazer estas tarefas desde
que saiba estes ³saberes´ e seja treinado.

Paulo Freire enfatiza sempre nos seus escritos a importância da reflexão


sobre a nossa prática e o enriquecimento de nossa visão enquanto educadores
e enquanto sujeitos que precisam falar o que fazem e também sonham,
comparam, valorizam, decidem e rompem, especialmente com o que nos
oprime, limita e intervém em nossas escolhas. Reafirma a necessidade de que
o educador se convença definitivamente de que ³ensinar não é transferir
conhecimento, mas criar as possibilidades para sua produção ou a sua
construção´ e ainda que o ³ensinar inexiste sem o aprender e vice -versa´, pois,
social e historicamente, o homem vem aprendendo, descobrindo, tentando,
inventando e acreditando que ensinar é possível e mudar é preciso (FREIRE ,
1996).

É fundamental que tudo aconteça de forma autêntica e plena, que a


prática seja uma experiência político -pedagógica verdadeira. Quando se ensina
algo é porque se aprendeu, mas esse aprender está sempre inacabado; se
algo sei e me proponho a ensinar, necessita -se cada vez mais da busca, da
pesquisa, da indagação e da curiosidade que se faz vital para o ensino -
aprendizagem e para constatar que o caminho certo se faz através da reflexão
sobre as idas e vindas, numa demonstração clara e objetiva de respeito ao
saber do educando. Essa curiosidade, esse buscar, essa indagação, leva ao
exercício da criatividade, ao eterno movimento e à certeza de juntos (educador
± educando) estarem oferecendo ao mundo algo para sua transformação e
adequação. Entretanto, nenhuma transformação ocorrerá se junto a essa
curiosidade, não estiver a criticidade que contradiz a aceitação passiva, a falta
de ética e a ingenuidade que empobrecem a relação educador ± educando e
vice-versa (FREIRE, 1996, p. 38).

Sem a curiosidade que nos torna seres em permanente disponibilidade à indagação,


seres da pergunta ± bem feita ou mal fundada, não importa ± não haveria a atividade
gnosiológica, expressão concreta da nossa possibilidade de conhecer (FREIRE, 1996,
p. 52).

Um dos conceitos fundamentais da proposta educativa de Paulo Freire é


a que reafirma a natureza fundamental da experiência dialógica no
desenvolvimento da construção da curiosidade epistemológica.

³São constitutivas desta, a postura crítica que o diálogo implica, a sua


preocupação em aprender a razão de ser do objeto que medeia os sujeitos
dialógicos´ (FREIRE, 1995, p. 29).

A partir destas considerações é importante enfatizar a necessidade da


mudança e da inovação. A possibilidade de inovação, entretanto, não pode ser
proposta seriamente sem um novo conceito de profissionalização do professor.

Para que isto aconteça é preciso que o professor mude sua


interpretação de mundo, previsto num discurso apoiado numa pedagogia
realista, que tem privilegiada a memorização e a reprodução mecânica de
conteúdos rígidos, fixos e distantes da realidade.
Libâneo (1986) aponta algumas atitudes docentes necessárias diante
das realidades do mundo contemporâneo: assumir o ensino como mediaç ão; a
aprendizagem ativa do aluno com ajuda pedagógica do professor, a busca de
uma prática interdisciplinar e transdisciplinar; conhecer estratégias do ensinar a
pensar; ensinar a aprender, a aprender a empenhar -se em auxiliar os alunos a
buscarem uma perspectiva crítica dos conteúdos e a apreenderem as
realidades enfocadas nos conteúdos escolares de forma crítico -reflexiva;
assumir o trabalho de sala de aula como processo comunicacional e
desenvolver capacidade comunicativa; reconhecer o impacto de novas
tecnologias de comunicação e da informação na sala de aula; atender à
diversidade cultural e respeitar as diferenças no contexto da escola e da sala
de aula; investir na atualização científica, técnica e cultural, como integrantes
do processo de formação continuada; integrar no exercício da docência a
dimensão afetiva e desenvolver comportamento ético, sabendo orientar os
alunos em valores e atitudes em relação à vida, ao ambiente, às relações
humanas.

E ainda como dizia Paulo Freire, em educação é preciso ³ousar´ para


que ela se efetive com sucesso, isto é, essa ousadia faz, por que não, sentir
alegria ao construir comum projeto de capacitação.

Ao assumir o compromisso de ensinar não nos deve importar o quanto


tenhamos de experimentar desapontamentos e sofrimentos, mas devemos sim
transformá-los em alegria e esperança.

Há uma relação entre a alegria necessária à atividade educativa e a esperança. Há


esperança de que o professor e alunos possam juntos aprender, ensinar, inquietar-nos,
produzir e, juntos igualmente, resistir aos obstáculos à nossa alegria. Na verdade, do
ponto de vista da natureza humana, a esperança não é algo que a ela se justaponha. A
esperança faz parte da natureza humana. (FREIRE, 2000, p. 38).

A sociedade da forma que está organiza da, apesar de difundir um


ideário democrático, ou seja, oportunidades e equidade, onde cada um possa
exercer o seu direito de cidadão, segundo suas condições e potencialidades,
não tem contemplado esse aspecto fundamental. A pessoa humana encontra -
se fragmentada e de certa forma alienada através da inculcação da ideologia
dominante que tem predominado mediante os processos de relação sociais
desiguais.

Fica claro que esse processo tem toda uma trajetória histórica social,
cultural e política que se origina através dos tempos e dos interesses elitistas
que predominam determinada época. Assim, poderíamos afirmar que vivemos
em uma sociedade excludente onde o ser humano muitas vezes passa de
sujeito para objeto de consumo ou de utilização alheia conforme os en foques
ideológicos de dominação e das necessidades capitalistas do momento
histórico.
O educador, como ser social, aparece neste contexto tomado por
determinadas atitudes que dizem respeito a sua posição ideológica e política.
Contudo, mediante os mecanis mos reprodutores, os quais também foram
submetidos muitas vezes, torna-se difícil o discernimento de certas posturas e
condutas que comumente ratificam-se no cotidiano escolar. Ou seja, a
instituição escolar, enquanto aparelho ideológico de estado represen ta
socialmente um determinado ideário.

A idéia de que supostamente a escola era um organismo neutro, foi com


o passar dos tempos sendo desmascarada através de seus próprios propósitos
carregados de intencionalidade e de comprometimentos político -sociais,
representantes de uma minoritária camada social que detém o monopólio e tem
o poder manifesto através de representantes legitimados, desta maneira é
ingênuo pensar em uma neutralidade dos profissionais da educação.

Na medida em que, como educadores, temos a dimensão deste papel,


ou seja, fazemos o ³desvelamento´ dessas verdades, podemos reconhecer
uma outra vertente da realidade, tornando -se imprescindível o posicionamento
político indagando: ³para quem eu falo, o que falo e aonde quero chegar [...]´
certamente esta opção definirá que tipo de educador representaremos dentro
do sistema educacional, logo, no âmbito cultural e social.

Na medida em que dimensionamos e reconhecemos a possibilidade de


influência que o educador tem na vida das pessoas, podemos im aginariamente
deduzir o poder que ele exerce, tanto para transformar e mobilizar a realidade,
como também para ratificar o modelo ideológico socialmente implícito e
construído intencionalmente.

Acreditamos fundamentalmente que o papel do educador seja de


importância vital para a transformação social do sujeito, colaborando
sobremaneira na reconstrução social; onde de fato o estado democrático,
através da escola possa realizar a redescoberta da cidadania, o
reconhecimento à diversidade e à pluralidade, poss ibilitando de fato e de direito
as mudanças sociais a partir do respeito ao ser humano mediante suas
potencialidades. Paulo Freire, nas suas falas e escritos, diz que devemos
acreditar nas mudanças, nas transformações sociais, com oportunidades iguais
para todos em busca de uma sociedade livre e para todos.

  
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A escola tem por finalidade dedicar -se aos alunos. Como parte de sua
função, a escola também tenta consolidar a impla ntação dos valores da
sociedade que ela representa e da realidade na qual os alunos estão inseridos.

Neste sentido alguns cuidados devem ser tomados, tanto por parte da
escola propriamente dita como por parte dos professores que estão inseridos
neste contexto. A escola não é uma máquina para transmitir informações, ela
atua sempre como guia do desenvolvimento, embora em diferentes graus de
eficácia. Algumas deixarão margens bastantes para que seus alunos se
desenvolvam a seu próprio modo, outras atuam como funis coercivos para que
o jovem que passou por eles, possa ser visto atuando da maneira aprovada.

O desrespeito à educação, aos educandos, aos educadores e às educadoras corrói ou


deteriora em nós, de um lado, a sensibilidade ou a abertura ao bem querer da própria
prática educativa; de outro, a alegria necessária ao que fazer docente (FREIRE, 1996,
p. 160-161).

Os efeitos da escolaridade repressiva podem ser observados no trabalho


criativo das crianças, as tentativas de ajustá -las ao sistema produz vário s
exercícios monótonos, escritos com esmero e corretamente redigidos,
repetindo-se de criança em criança as mesmas frases de maneira reprodutora,
para que elas sejam simplesmente meras receptoras.

Numa escola que atribui importância dominante à transferên cia de


informação, em conjunto com uma assinalável imposição de disciplina, o bom
desempenho do papel escolar resumir-se-á ao que parece, a estar atento e
aprender. Mas a falta de verdadeira autodisciplina e sufocação da curiosidade
inteligente nos alunos é um triste preço educacional para que uma instituição
funcione sem novidades. ³O elevado comportamento moral manifestado pelo
bom desempenho do papel escolar não é necessariamente o de uma
verdadeira consciência social -moral´ (FREEMAN, 1977, p. 65).

A afetividade não se acha excluída da cognoscibilidade. O que não posso obviamente


permitir é minha afetividade interfira no cumprimento ético de meu dever de professor
no exercício de minha autoridade. Não posso condicionar a avaliação do trabalho
escolar de um aluno ao maior ou menor bem querer que tenha por ele. (FREIRE, 1996,
p. 160).

Mas é preciso que, permanecendo e amorosamente cumprindo o seu


dever, não deixe de lutar politicamente por seus direitos e pelo respeito à
dignidade de sua tarefa, assim co mo pelo zelo devido ao espaço pedagógico
em que atua com seus alunos. É preciso, por outro lado, ³reinsistir em que não
se pense que a prática educativa vivida com afetividade e alegria, prescinda da
formação científica séria e da clareza política dos educ adores ou educadoras´.
(FREIRE, 1996, p. 161).

A autêntica consciência da conduta social é produto de amadurecimento


e experiência. É um aspecto do pensamento racional e funcional
independentemente das exigências sociais externas, como Piaget e outros
demonstraram em seus estudos.

O professor deve ter consciência dos caminhos educacionais, suas


irregularidades, individualidade e como modificar os métodos de ensino para
habilitar os alunos a progredirem, apesar dos obstáculos e dificuldades.

Para isto o profissional da educação deve seguir sempre duas


abordagens fundamentais: uma que é o que repassar para o aluno (conteúdo)
e a outra é a forma de como repassar tal conhecimento (metodologia). Assim, o
bom ensino é tanto uma ciência em seu uso da técnica, como uma arte criada
através da habilidade, experiência e personalidade do professor. Um bom
professor está habilitado e disposto a apurar os resultados publicados das
pesquisas psicológicas, educacionais e, possivelmente, a incorporar no ensino
algumas de suas implicações práticas.

Hoje, porém, a educação sistemática ofertada à população, dá a


impressão de que só incorporou os defeitos da massificação, não conseguindo
incorporar as vantagens da democratização. Tem -se proclamado nos discursos
teóricos, nos textos legais e na retórica oficial, que o objetivo final de toda a
educação é a plena realização do homem, o desenvolvimento de todas as suas
potencialidades. Trata-se de uma colocação de objetivos de modo genérico e
abstrato, impossível de ser contraditada enquanto dimensão humanista,
referindo-se a um ideal que se quer alcançar. Assim, ela visa a uma maior
humanização, a planificação da existência humana, para que se esclareça
concretamente os caminhos a seguir na realidade histórica.

Luck e Carneiro (1983) e Fernandes (1990) colocam que a escola, além


das várias disciplinas obrigatórias, tem por obrigação desenvolver valores,
atitudes e interesses, mesmo aqueles que são difíceis de serem postos em
prática, como igualdade social para todas as pessoas, am or, amizade,
honestidade, preservação do meio e muitos outros possíveis.

Então, para a contemplação desta posição da escola, cabe ao professor,


como elo entre a escola e o aluno, ser o agente de transformação, e para
conseguir atingir seus objetivos, deve tratar a todos com afetividade, carinho,
amor e dedicação.

A afetividade segundo Freire (1985) é o território dos sentimentos, das


paixões, das emoções, onde transita o medo, o sofrimento, o interesse, a
alegria e o afeto. Seguindo esta linha de pensamen to, Mosqueira (1974) coloca
que a afetividade e o amor ocupam a terceira escala na sua teoria da
hierarquia das necessidades e sem satisfação da mesma o homem não teria o
seu desenvolvimento integral como ser humano.
Notamos com isso que a afetividade é, sem dúvida, um aspecto
importante no desenvolvimento integral do ser humano. Mas apesar da
importância da afetividade no processo de interação dos seres humanos, esse
aspecto é negligenciado pela literatura e pelas escolas.

Para que o educando tenha um de senvolvimento integral, a escola deve


comprometer-se com atividades que promovam ações do mundo interior, a
partir das quais o educando possa desenvolver atitudes, valores e ideais.
Mesmo assim encontramos nas escolas hoje em dia, muitas crianças
revoltadas, agressivas, demonstrando um grande problema de relacionamento
grupal, descarregando em colegas e professores ³ódio e raiva´, demonstrando
conflitos no processo educacional, expressando muitas vezes seus
sentimentos através de reflexos de nível social, f amiliar e cultural.

A afetividade ou a falta desta é uma das causas destes distúrbios, pois


ela é responsável pelas emoções, pelo sofrimento, pelo medo, pelo sentimento.
Conforme Mosqueira (1974) nos diz que afetividade é o conjunto de fenômenos
psíquicos que se manifestam sob forma de emoções, sentimentos e paixões
acompanhados sempre da tonalidade dor e prazer, satisfação ou insatisfação,
agrado ou desagrado, alegria ou tristeza, amor ou ódio.

Assim, é graças também à afetividade que nos ligamos aos out ros, ao
mundo, a nós mesmos. É, na verdade, a afetividade que dá aos nossos atos e
aos nossos pensamentos o encanto, a razão de ser, o impulso vital. É o
fundamento da nossa personalidade, o que temos de mais íntimo. Não é,
porém, um mundo fechado, porque é a mesma afetividade que nos liga aos
outros.

A afetividade está relacionada ao amor, ao carinho, ao respeito e à


aceitação do ser humano consigo mesmo e com os outros, será a semente de
uma vida escolar saudável.

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Paulo Freire (1996, p. 51) dizia, ³não posso saber se minha leitura do
mundo está correta a não ser que a compare com a leitura do mundo de outras
pessoas´. O diálogo não é apenas uma estratégia pedagógica. É um critério de
verdade. A veracidade do meu ponto de vista, do meu olhar, depende do olhar
do outro, da comunicação, da intercomunicação. Só o olhar do outro pode dar
veracidade ao meu olhar. O diálogo com o outro não exclui o conflito. A
verdade não nasce da conformação do meu olhar com o olhar do outro, nasce
do diálogo-conflito com o olhar do outro. O confronto de olhares é necessário
para se chegar à verdade comum. Caso contrário a verdade a que se chega é
ingênua, não crítica e criticizada. O outro sempre está presente na busca da
verdade. Esse segundo passo leva à solidariedade. O meu conhecimento só é
válido quando eu o compartilho com alguém. A ação comunicativa é parte da
busca do conhecimento. Não é um ato generoso de compreensão humana do
outro. É uma necessidade ontológica e epistemológica.

Ninguém vive plenamente a democracia nem tampouco a ajuda a crescer; primeiro, se


é interditado no seu direito de falar, de ter voz, de fazer o seu discurso crítico; segundo,
se não se engaja, de uma ou de outra forma, na briga em defesa deste direito que, no
fundo, é o direito também a atuar. (FREIRE, 1993, p. 57).

Assim, porém, como liberdade do educando, na classe, precisa de


limites para que não se perca na licenciosidade, a voz da educadora e dos
educandos carece de limites éticos para que não resvale para o absu rdo. ³É
tão imoral ter nossa voz silenciada, nosso corpo interditado quanto imoral é o
uso da voz para falsear a verdade, para mentir, enganar, deformar´. (FREIRE,
1993, p. 88).

Para Paulo Freire é impossível qualquer ação humana sem uma


comunicação dialógica. Esta comunicação dialógica é horizontal, posto que se
trata de sujeitos sociais que compartilham a experiência de ser homem em
transformação e transformando o mundo.

Como educadoras e educadores, somos políticos, fazemos política ao fazer educação.


E se sonhamos com a democracia, que lutemos, dia e noite, por uma escola em que
falemos aos e com os educandos para que, ouvindo-os, possamos se por eles ser
ouvidos também. (FREIRE, 1993, p. 92).

Sabe-se que o diálogo, não apenas em torno dos conteúdos a serem


ensinados, mas sobre a vida mesmo, se verdadeiro, não somente é válido do
ponto de vista do ato de ensinar, mas formador também de um clima aberto e
livre no ambiente de sua classe.

É importante entender que a comunicação em Paulo Freire é sempre u m


ato de reflexão-ação em eu com o outro e o mundo. Trata-se então de uma
experiência de socialização do conhecimento e da ação transformadora do
outro, de mim e do mundo.

É preciso e até urgente que a escola se vá tornando um espaço acolhedor e


multiplicador de certos gostos democráticos como o de ouvir os outros, não por puro
favor, mas por dever, o de respeitá-los, o da tolerância, o do acatamento às decisões
tomadas pela maioria a que não falte, contudo o direito de quem diverge de exprimir
sua contrariedade. (FREIRE, 1993, p. 89).

Estimular à pergunta, à reflexão crítica sobre a própria pergunta, o que


se pretende com esta ou com aquela pergunta em lugar da passividade em
face das explicações discursivas do professor, são atividades que devem ser
desenvolvidas por ele. Isto não significa realmente que devamos reduzir a
atividade docente em nome da defesa da curiosidade necessária, a puro va i-e-
vem de perguntas e respostas, que burocraticamente se esterilizam. A
dialogicidade não nega a validade de mome ntos explicativos, narrativos em
que o professor expõe o objeto ou fala dele. O fundamental é que o professor e
alunos saibam que a postura deles, do professor e dos alunos, é dialógica,
aberta, curiosa, indagadora e não passiva, enquanto fala ou enquanto escuta.
O que importa é que professor e alunos se assumam epistemologicamente
curiosos. (FREIRE, 1996, p. 96).

A dialogicidade verdadeira, em que os sujeitos dialógicos aprendem e crescem na


diferença, sobretudo, no respeito a ela, é a forma de estar sendo coerentemente
exigida por seres que, inacabados, assumindo-se como tais, se tornam radicalmente
éticos. (FREIRE, 1996, p. 67).

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Paulo Freire insistiu a vida toda nesse conceito do seu pensamento, ³o


primeiro passo do seu método de apropriação do conhecimento é a leitura do
mundo´, onde a curiosidade é pré -condição do conhecimento. É o aprendiz que
conhece o aluno através de sua autonomia de buscar conhecimento conforme
sua identidade e dignidade. Paulo Freire não humilhav a ninguém, não
considerava o educador superior ao educando. Para ele jamais um educador
poderia ser arrogante (nada menos freireano do que um educador arrogante,
prepotente), tinha raiva de intelectuais arrogantes.

Paulo Freire (1996, p. 94) nos colocava que

O educador que, entregue a procedimentos autoritários ou paternalistas que impedem


ou dificultam o exercício da curiosidade do educando, termina por igualmente tolher
sua própria curiosidade. Nenhuma curiosidade se sustenta eticamente no exercício da
negação da outra curiosidade.

Dizia ainda, que

O exercício da curiosidade a faz mais criticamente curiosa, mais metodicamente


µperseguidora¶ do seu objeto. Quanto mais a curiosidade espontânea se intensifica,
mas, sobretudo, se µrigoriza¶, tanto mais epistemológica ela vai se tornando. (FREIRE,
1996, p. 97).

Um dos saberes fundamentais, segundo Paulo Freire, à prática


educativo-crítica é o que ³me adverte da necessária promoção da curiosidade
espontânea para a curiosidade epistemológica´. Homens e mulhe res são
³programados para aprender´, portanto, para ensinar e, em conseqüência para
conhecer, se autenticarão tanto mais quando desenvolvam a curiosidade que
ele chama de epistemológica. É enquanto epistemologicamente curiosos que
conhecemos no sentido de que produzimos o conhecimento e não apenas o
armazenamento na memória.

A construção ou a produção do conhecimento do objeto implica o exercício da


curiosidade, sua capacidade crítica de µtomar distância¶ do objeto, de observá-lo, de
delimitá-lo, de cindi-lo, de µcercar¶ o objeto ou fazer sua aproximação metódica, sua
capacidade de comparar, de perguntar. (FREIRE, 1996, p. 95).

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³O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético


e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros´. (FREIRE,
1996, p. 66).

Paulo Freire coloca sempre em seus escritos que o outro saber


necessário à prática educativa é o que fala do respeito devido à autonomia do
³ser´ do educando (criança, jovem ou adulto). Como educadores devemos
estar constantemente advertidos com relação a este respeito que implica
igualmente o que devo ter mim mesmo. O respeito, a autonomia, a dignidade
de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não
conhecer uns aos outros.

É esta percepção do homem e da mulher como seres ³programados, mas para


aprender´ e, portanto, para ensinar, para conhecer, para investir, que me faz entender
a prática educativa como um exercício constante em favor da produção e do
desenvolvimento da autonomia de educadores e educandos. (FREIRE, 1996, p. 164).

3"

Paulo Freire nos leva a refletir sobre a prática profissional, quando diz
que ³não sendo superior nem inferior a outra prática profissional, a minha, que
é a prática docente, exige de mim um alto nível de responsabilidade ética de
que a minha própria capacitação científica faz parte.

É que lido com gente. Lido, por isso mesmo, independentemente do discurso
ideológico negador dos sonhos e das utopias, com os sonhos, as esperanças tímidas,
às vezes; mas às vezes, fortes, dos educandos. Se não posso, de um lado, estimular
os sonhos impossíveis, não devo, de outro, negar a quem sonha o direito de sonhar.
(FREIRE, 1996, p. 163).

Paulo Freire fala sempre da ética universal do ser humano que condena
a exploração da força de trabalho deste ser, que condena acusar por ouvir
dizer, afirmar que alguém falou.
A tarefa docente precisa ser embasada na reflexão crítica sobre a
prática e os saberes necessários para o verdadeiro educador que cria
possibilidade para a produção e construção do conhecimento, fundamentando -
se na responsabilidade ética no e xercício da tarefa docente.

A ética de que Paulo Freire fala é a que se sabe afrontada na manifestação


discriminatória de raça, de gênero, de classe. É por esta ética, inseparável da prática
educativa, não importa se trabalhamos com criança, jovens ou adultos, que devemos
lutar. E a melhor maneira de por ela lutar é vivê-la em nossa prática, é testemunhá-la
vivaz aos educandos em nossas relações com eles. (FREIRE e SHOR, 1986, p. 17).

O professor que desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto


estético, a sua inquietude, a sua linguagem, mais precisamente a sua sintaxe e
a sua prosódia; o professor que ironiza o aluno, que o minimiza, que manda
que µele se ponha em seu lugar¶ ao mais tênue sinal de rebeldia legítima, tanto
quanto o professor que se exime do cumprimento de seu dever de ensinar, de
estar respeitosamente presente à experiência formadora do educando,
transgride os princípios fundamentalmente éticos de nossa existência.
(FREIRE, 2000, p. 66).

Não é possível pensar os seres humanos longe, sequer, da ética, quanto


mais fora dela. Estar longe ou pior, fora da ética, entre nós, mulheres e
homens, é uma transgressão. Todo o profissional deve cuidar para não tê -la,
pois através de atitudes equivocadas ou errôneas poderá prejudicar a si e aos
que estão a seu cuidado, principalmente crianças em fase de formação.

³É preciso deixar claro que a transgressão da eticidade jamais pode ser


vista ou entendida como virtude, mas como ruptura com a decência´. (FREIRE,
1996, p. 67).

Neste sentido o profissional de Educação Física, estando inserido nestas


categorias de Paulo Freire, desenvolvendo suas atividades com afetividade,
sendo carinhoso com seus alunos, atencioso, cuidadoso, tendo a ética
profissional como meio de sustentação para a sua prática pedagó gica, estando
interessado e buscando novos meios de ensinar, se atualizando, através de
uma educação continuada, demonstrando capacidade de ouvir, respeitando e
conversando com seus alunos num mesmo nível, de forma harmoniosa e
humilde, através do diálogo e da autonomia, poderá criar novas atividades para
o desenvolvimento integral do aluno, dando liberdade para que este se
expresse gerando oportunidades de um relacionamento de confiança entre
aluno e professor.

Através desta postura, com nova dinâmica de desenvolvimento de sua


prática, vivenciando e valorizando a criatividade nas aulas de Educação Física,
o professor poderá elaborar novas estratégias para o desenvolvimento de suas
atividades, priorizando o corpo de forma adequada. Este corpo é a base para o
bem-estar do indivíduo, que muitas vezes é maltratado, desrespeitado nas
suas aulas, não sendo valorizado na sua totalidade, tornando -se como
veremos a seguir, como ponto inicial das violências sofridas pelos alunos no
contexto escolar.

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