Professional Documents
Culture Documents
3.3 O Neo-feminismo
A teologia feminista não é um bloco unitário: nela é possível identificar uma diversidade
de perspectivas e uma variedade de correntes, indicamos apenas três:
O teólogo americano John Cobb fez algumas observações críticas a Mary Daly
que afirmou haver profunda contradição entre a lógica inerente ao feminismo radical e a lógica
inerente ao sistema dos símbolos cristãos, a saber:
a) feminismo e cristianismo não são incompatíveis; o cristianismo é processo, é
movimento e assim continua sendo; portanto, mantém a capacidade de corrigir-se e de
renovar-se;
b) o movimento de libertação das mulheres nasceu num ambiente histórico
fecundado pela tradição judaico-cristã: “Creio que o processo de protesto profético está inscrito
no próprio coração da tradição”;
c) por fim, é difícil conservar a abertura à Transcendência, cortando completamente
os pontos com a tradição religiosa, da qual se provém e sem o ancoradouro numa comunidade
de fé.
Preocupada sobretudo com a busca espiritual das mulheres Carol Christ como se
exprimiu no ensaio “Por Que as Mulheres Tem Necessidade da Deusa”: “O símbolo da
deusa tem muito a oferecer às mulheres que lutam para liquidar aqueles estados de ânimo e
aquelas motivações potentes, persuasivas e persistentes de desvalorização do poder feminino,
de denegrição do corpo feminino, de desconfiança na vontade feminina, e de negação dos
vínculos e do patrimônio cultural das mulheres, que foram gerados pela religião patriarcal. E
visto que as mulheres estão lutando para criar uma cultura nova, na qual são celebrados o
poder, os corpos, a vontade e os vínculos das mulheres, parece natural que volte à tona a
Deusa como símbolo da renovada beleza, força e poder das mulheres”. Aqui são indicados
claramente quatro motivos da volta da Deusa na nova espiritualidade feminista, e
precisamente:
a) se os símbolos da religião patriarcal têm profundos efeitos psicológicos e políticos, e
servem para confirmar o poder do homem, o símbolo da Deusa significa a afirmação do poder
feminino como poder benéfico e criativo;
b) se a religião patriarcal denegriu as mulheres como mais carnais e mais ligadas aos
ciclos da natureza em sua corporeidade, o símbolo da Deusa significa uma afirmação positiva e
jubilosa do corpo feminino e dos seus ciclos;
c) se a religião patriarcal desvalorizou a vontade da mulher como passiva, remissiva e
mais sugestionável ao mal, o símbolo da Deusa significa afirmação positiva da vontade
feminina como energia que deve ser afirmada em harmonia com a energia e com a vontade
dos outros seres;
d) além disso, o símbolo da Deusa serve para fortalecer os vínculos que intercorrem
entre as mulheres e que se exprimem na irmandade.
A Deusa, aqui redescoberta, é vista por algumas feministas como divindade feminina que
personifica o poder das mulheres, e que pode ser também invocada na oração e no ritual; mas,
em geral, — como no texto citado de Carol Christ — é vista como símbolo do novo poder das
mulheres; é o nome transcendente da reencontrada identidade no caminho da auto-
transcendência.
Naomi Goldenberg que, na qualidade de psicanalista da escola de Jung, se interessa por
examinar sonhos e fantasias das mulheres como fonte de revelação, julga que, quando as
mulheres se revoltam e caem os símbolos religiosos patriarcais, acontece uma “mudança de
deuses”: “Quando os Pais morrem, nós todas reencontramos em nosso interior”, e o símbolo da
Deusa exprime uma religião “que traz força, a força divina ou sobrenatural, na pessoa”.
Inclui-se nessa corrente da “Golddess Religion”, mas com uma fisionomia própria, o
movimento Wicca ou seja, da “bruxaria”, cujas principais representantes são Starhawk
(pseudômino de Miriam Simos) e Zsuzsanna Budapest. A expressão Wicca deriva de uma
antiga palavra inglesa Wicclan, que equivale a witchcraft, a “arte da bruxaria”, entendida como
“arte das mulheres sábias e peritas”. Herdeiras da religião da Grande Mãe da época do
matriarcado, as bruxas eram peritas na arte da medicina, conheciam os segredos das ervas e
das poções, eram curandeiras e videntes. O movimento Wicca é a retomada desta “arte sábia”
e dispõe de rituais — com meditação, exercícios de respiração, cânticos, danças, bênçãos e
invocações à Deusa — orientados para o desenvolvimento da própria energia física, psíquica e
emotiva e à busca de harmonia com os ritmos da natureza e com os outros seres. A propósito
dos novos rituais feministas, escreve Zsuzsanna Budapest: “Os rituais (...) são uma forma de
exorcizar o policial patriarcal que está em nós, de purificar a profundidade da mente e de
enchê-la com imagens positivas da força e beleza das mulheres. Disto é símbolo a Deusa —
do divino que existe nas mulheres e de tudo o que é feminino no universo”.
Com a segunda e a terceira corrente encontramo-nos, mais do que com a teologia
feminista, com movimentos pós-cristãos de Espiritualidade Feminista, ainda que entre elas haja
muitas diferenças. Frente a estes movimentos, a atitude da teologia feminista pode ser fixada
assim:
a) antes de tudo, a teologia feminista utiliza análises e temas de reflexão, enquanto ela
oferece uma linguagem e um imaginário elaborados na perspectiva da mulher onde estão em
ação a sua capacidade de integração, seu senso da comunidade, sua proximidade com a
natureza, e portanto sirvam para superar distorções patriarcais e para criar interdependência;
b) a teologia feminista, contudo, imputa a estas correntes da Espiritualidade Feminista de
perderem o caráter de militância que caracteriza a teologia feminista como teologia da
libertação, e de refugiar-se, romanticamente, nos espaços separados e intercomunicáveis do
gino-centrismo, como acontece na filosofia do feminismo radical de Daly; ou, acriticamente,
de voltar á cultura retro-datada do matriarcado e à religião da Deusa;
c) a teologia feminista, além disso, considera que não se pode saltar o espaço cristão;
ela se situa, enquanto teologia, na linha profética da tradição cristã e pretende oferecer uma
contribuição crítica para uma teologia de integralidade.
Para a teologia feminista, a irmandade não é “anti-Igreja”, não é a liga gino-centrista dos
Eu; mas é um estar-junto das mulheres para um caminho de libertação, para uma Igreja que
seja comunidade de mulheres e homens e para uma prática de reciprocidade.
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA