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- Scientifi…
Reportagem
Logo no início, o ferro denso afundava no magma para formar o núcleo metálico, liberando
gravidade para derreter todo o planeta. Meteoritos continuaram a colidir com a Terra durante
centenas de milhões de anos.
Ao mesmo tempo, no núcleo da Terra, o decaimento de elementos radioativos produzia seis vezes
mais calor do que hoje. Essas condições infernais tinham de se acalmar para que as rochas
derretidas se solidificassem, para que os continentes se formassem, para que a atmosfera de
vapor se condensasse, e para que a primeira forma de vida pudesse evoluir. Mas, quão
rapidamente a superfície da Terra esfriou? A maioria dos cientistas assume que o ambiente
infernal durou 500 milhões de anos, uma era geológica batizada como Hadeana. O maior apoio
para tal visão vem da ausência de rochas intactas com mais de 4 bilhões de anos - e dos
primeiros sinais fossilizados de vida, que surgiram muito tempo depois.
Nos últimos anos, entretanto, geólogos - incluindo meu grupo da Universidade de Wisconsin-
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Madison - descobriram cristais de minério de zircão antigos cuja composição química está
mudando o conceito sobre os primórdios da Terra. As propriedades incomuns desses minerais
duráveis - cada um do tamanho do ponto final desta sentença - possibilitou aos cristais preservar
indícios sobre como teria sido o ambiente da Terra quando eles se formaram. Essas minúsculas
cápsulas do tempo carregam evidências de que oceanos habitáveis para a vida primordial e,
mesmo os continentes, poderiam ter surgido 400 milhões de anos antes do que geralmente se
pensava.
Resfriamento
Desde o século XIX cientistas vêm tentando calcular quão rapidamente a Terra se resfriou, mas
poucos esperavam descobrir evidências sólidas.
Embora os oceanos de magma, no início, estivessem com mais de 1.000oC, a idéia tentadora de
uma Terra primitiva temperada veio de cálculos da termodinâmica. Os números indicam que a
crosta poderia ter se solidificado na superfície em 10 milhões de anos. Como o planeta endureceu
externamente, a fina camada de rocha solidificada teria isolado o exterior das altas temperaturas
vindas do interior da Terra. Se houve períodos tranqüilos adequados entre os grandes impactos
de meteoritos, se a crosta era estável, e se o efeito estufa da atmosfera não aprisionou muito
calor, então as temperaturas poderiam ter caído rapidamente, abaixo do ponto de ebulição da
água. Além disso, o Sol primitivo era mais fraco e deve ter contribuído com menos energia.
Os cristais de zircão australianos não revelaram os seus segredos tão facilmente. Em primeiro
lugar, o conglomerado de Jack Hills está isolado na fronteira de imensas fazendas de ovelhas
situadas 800 km ao norte de Perth, a cidade mais isolada da Austrália. O conglomerado foi
depositado três bilhões de anos atrás e marca o limite noroeste de um conjunto de formações
rochosas, todas anteriores a 2,6 bilhões de anos. Para conseguir recuperar menos do que uma
pitada de cristais de zircão, coletamos centenas de quilos de rochas desses afloramentos remotos
e os transportamos até nosso laboratório para triturá-los e separá-los, como se estivéssemos
procurando grãos especiais na areia de uma praia.
Uma vez extraídos de sua rocha-fonte, os cristais individuais poderiam ser datados, já que os
zircões são excelentes cronômetros geológicos. Além da sua longevidade, contêm traços de
urânio radioativo, que decai para chumbo a um ritmo conhecido. Quando um cristal de zircão se
forma a partir de magma solidificado, átomos dos elementos zircônio, silício e oxigênio combinam-
se em proporções exatas (ZrSiO4) para criar uma estrutura cristalina exclusiva do zircão; o urânio
ocasionalmente os substitui como um traço de impureza. Átomos de chumbo, por outro lado, são
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muito grandes para substituir adequadamente qualquer dos elementos da composição, e por isso
os cristais de zircão nascem virtualmente livres de chumbo. O relógio urânio-chumbo começa a
funcionar tão logo o zircão se cristaliza, e a razão chumbo/urânio aumenta com a idade do cristal.
Os cientistas conseguem determinar a idade de um cristal de zircão não danificado com 1% de
exatidão. No caso da Terra primitiva isso representa margem de erro de 40 milhões de anos.
A datação de partes específicas de um único cristal foi realizada pela primeira vez no início dos
anos 1980, quando William Compston e colegas da Universidade Nacional Australiana em
Canberra inventaram um tipo de microssonda iônica, um instrumento bastante grande que
batizaram de Shrimp (sigla em inglês para microssonda iônica sensitiva de alta resolução). Embora
a maioria dos cristais de zircão seja quase invisível a olho nu, a microssonda iônica lança um raio
de íons tão estreitamente focado que pode arrancar um pequeno número de átomos de qualquer
alvo na superfície do cristal. Um espectrômetro de massa mede então a composição desses
átomos ao comparar suas massas. Foi o grupo de Compston - trabalhando com Robert Pidgeon,
Simon A. Wilde e John Baxter, da Universidade Curtin de Tecnologia, também na Austrália - que
primeiro datou os zircões de Jack Hills, em 1986.
Sabendo disso, abordei Wilde. Ele concordou em reinvestigar as datações por urânio-chumbo dos
cristais de zircão de Jack Hills como parte da tese de doutorado de William H. Peck, meu aluno,
hoje professor assistente da Universidade Colgate. Em 1999, Wilde analisou 56 cristais não-
datados usando uma Shrimp aprimorada na Universidade de Curtin.
Descobriu que cinco desses cristais apresentavam idade superior a 4 bilhões de anos. Para nossa
grande surpresa, a idade do mais velho deles superava 4,4 bilhões de anos. Algumas amostras
provenientes da Lua e de Marte têm idade similar, e os meteoritos são, geralmente, mais antigos;
mas nada com essa idade tinha sido descoberto na Terra, nem mesmo se esperava descobrir.
Quase todos achavam que, se esses antigos cristais de zircão tivessem existido, a dinâmica das
condições dos Hadeanos teria destruído a todos. Nem desconfiávamos que a mais excitante das
descobertas ainda estava por vir.
Velhos Oceanos
Peck e eu fomos atrás dos zircões de Wilde, do oeste da Austrália, porque estávamos de olho em
uma amostra bem preservada do oxigênio mais antigo da Terra. Sabíamos que os cristais de
zircão poderiam reter evidências, não apenas de quando sua rocha hospedeira teria se formado,
mas também de como isso ocorreu. Em especial, estávamos usando as proporções de diferentes
isótopos de oxigênio para estimar as temperaturas dos processos que teriam levado à formação
de magmas e rochas.
Os geoquímicos medem a proporção de oxigênio 18 (18O, um raro isótopo com oito prótons e dez
nêutrons, que representa cerca de 0,2% de todo o oxigênio da Terra) para o oxigênio 16 (16O, o
isótopo mais comum, que compreende 99,8% do total). Esses átomos são chamados de isótopos
estáveis porque não sofrem decaimento radioativo e, desse modo, não mudam espontaneamente
com o passar do tempo. Entretanto, a proporção de 18O e 16O incorporada dentro do cristal
durante a sua formação varia de acordo com a temperatura ambiente na época em que o cristal
se formou.
A razão 18O/16O é bem conhecida para o manto da Terra (a camada de 2.800 km de espessura
embaixo da fina camada de 5 km a 40 km dos continentes e da crosta oceânica). Magmas que se
formam no manto sempre apresentam quase a mesma proporção de isótopo de oxigênio. Por
questão de simplicidade, os geoquímicos ajustam essas proporções relativas àquela da água do
mar e expressam-na naquilo que é chamado de notação delta (?). O ?18O do oceano é 0 por
definição, e o ?18O do zircão do manto é 5,3, o que significa que tem uma razão 18O/16O maior
que a da água do mar.
Por isso Peck e eu esperávamos descobrir um valor de 5,3 para o manto primitivo, quando
levamos os cristais de zircão de Jack Hills analisados por Wilde, incluindo os cinco mais antigos,
até a Universidade de Edimburgo, naquele mesmo verão. Lá, John Craven e Colin Graham nos
auxiliaram a usar um tipo diferente de microssonda iônica, especialmente projetada para medir as
proporções do isótopo de oxigênio. Havíamos trabalhado juntos muitas vezes nas décadas
precedentes, para aperfeiçoar a técnica e poder analisar amostras um milhão de vezes menores
do que aquelas analisadas no meu laboratório em Wisconsin.
Ficamos atordoados. O que poderia significar essa alta proporção isotópica? Nas rochas mais
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jovens a resposta seria óbvia, porque amostras assim são comuns. Um cenário previsível é o de
que as rochas a baixas temperaturas na superfície da Terra podem adquirir tal característica se
interagirem quimicamente com água de chuva ou do oceano. As rochas com alto 1?8O, quando
soterradas e fundidas, formam o magma que retém esse alto valor, que é então passado aos
zircões durante a cristalização. Desse modo, a água líquida e as baixas temperaturas são
necessárias na superfície da Terra para formar zircões e magmas com altos ?18O; não se conhece
nenhum outro processo que resulte nisso.
As possíveis implicações dos achados acerca do zircão propagaram entusiasmo no meio científico.
Na violência superaquecida de um mundo Hadeano, nenhuma amostra teria sobrevivido para que
os geólogos pudessem estudá-la. Mas esses cristais de zircão indicavam um mundo mais ameno e
familiar, além de fornecer meios para esclarecer os seus segredos. Se o clima da Terra era frio o
bastante para que existissem oceanos de água logo no começo, então talvez os cristais de zircão
pudessem nos revelar se os continentes e outros aspectos da Terra moderna já existiam também
naquele tempo. Para tanto, tínhamos de olhar mais fundo nos cristais.
Mesmo o menor dos cristais de zircão contém outros materiais encapsulados. Esse conteúdo, bem
como o padrão de crescimento dos cristais e a composição das impurezas, podem revelar muito
sobre o local de origem do zircão. Quando Peck e eu estudamos cristais de 4,4 bilhões de anos,
por exemplo, descobrimos que continham partes de outros minerais, inclusive quartzo. Isso nos
causou surpresa, já que o quartzo é raro nas rochas primitivas e provavelmente não existia na
primeira crosta que se formou sobre a Terra. A maior parte do quartzo vem de rochas graníticas,
comuns em crosta continental que se formou posteriormente.
Se os cristais de zircão do conglomerado de Jack Hill vieram de uma rocha granítica, tal evidência
daria suporte à hipótese de que são amostras do primeiro continente criado no mundo. Mas é
preciso ter cautela, pois uma pequena quantidade de quartzo pode se formar nos últimos
estágios da cristalização do magma, mesmo se a rocha matriz não for granítica. Por exemplo,
cristais de zircão e uns poucos grãos de quartzo foram descobertos na Lua, onde nunca surgiu
uma crosta granítica do tipo continental. Causaria surpresa a alguns cientistas se os cristais de
zircão mais antigos da Terra tivessem se formado num ambiente parecido com o da Lua primitiva
ou, então, por algum outro meio que hoje já não é mais comum, como o impacto de meteoritos
gigantes ou vulcanismo profundo. Até agora, porém, não descobrimos evidências convincentes
para essas hipóteses.
Há indícios, contudo, a favor da crosta continental nos elementos-traço (aqueles que substituem o
zircão em níveis abaixo de 1%). Os cristais do conglomerado de Jack Hills têm elevada
concentração desses elementos, bem como padrões de európio e cério que são mais comumentes
formados durante a cristalização da crosta, o que significa que os zircões foram constituídos
próximos à superfície da Terra e não no manto. Além disso, as proporções dos isótopos
radioativos de neodímio e háfnio - dois elementos usados para determinar o tempo dos eventos
de criação da crosta continental - sugerem que partes significativas da crosta continental
formaram-se já há 4,4 bilhões de anos.
A distribuição dos cristais de zircão antigos nos forneceu evidências adicionais. A proporção de
cristais de zircão com mais de 4 bilhões de anos excede 10% em algumas amostras do
conglomerado de Jack Hills. Além disso, sua superfície está altamente desgastada, e as faces
originalmente angulosas estão arredondadas, sugerindo que os cristais foram impelidos para
longe de sua rocha originária. Como puderam viajar centenas ou milhares de quilômetros, em
forma de areia levada pelo vento, e ainda assim se concentrar em um mesmo local, a menos que
houvesse uma grande quantidade deles? Como escaparam de ser soterrados e fundidos no calor
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do manto a menos que uma fina crosta de tipo continental fosse estável o bastante para
preservá-los? Essas descobertas implicam que os cristais de zircão já foram abundantes e se
originaram em uma região ampla, possivelmente uma massa de terra continental. Se foi assim, é
provável que as rochas daquele tempo ainda existam; uma perspectiva entusiasmante, pois seria
possível aprender muito com uma rocha intacta dessa idade.
Além do mais, a distribuição por idade dos zircões antigos é desigual. As datações se aglomeram
em certos períodos de tempo, e nenhum cristal de outras eras foi descoberto. Meu ex-aluno de
graduação Aaron J. Cavosie, hoje professor assistente da Universidade de Porto Rico, descobriu
tal evidência mesmo em zircões de zona única, nos quais o núcleo se formou mais cedo, há cerca
de 4,3 bilhões, com crescimento circundante posterior, entre 3,3 bilhões e 3,7 bilhões de anos
atrás. Na borda, o zircão é mais jovem do que no núcleo, já que os cristais crescem
concentricamente pela adição de material aos grãos que estão na parte mais externa. Mas a
grande diferença etária, com lapsos de tempo, entre os centros e as bordas desses cristais de
zircão indica que dois eventos distintos ocorreram, separados por um intervalo maior. Nos cristais
de zircão mais jovens, fáceis de obter, esse tipo de relação etária do centro para a borda resulta
dos processos tectônicos que derretem a crosta continental e reciclam os cristais que estão no
seu interior. Muitos cientistas tentam testar se condições similares produziram os antigos cristais
de zircão do conglomerado de Jack Hills.
Centenas de cristais de zircão recentemente descobertos vieram de várias localidades com idade
entre 4 bilhões e 4,4 bilhões de anos. Alguns foram achados 300 km ao sul do conglomerado de
Jack Hills. Geoquímicos examinam outras antigas regiões da Terra, na esperança de descobrir os
primeiros cristais de zircão anteriores a 4,1 bilhões de anos fora da Austrália.
A intensificação das buscas está estimulando o aperfeiçoamento das tecnologias. Cavosie obteve
análises com mais exatidão e identificou mais de 20 cristais de zircão do conglomerado de Jack
Hills com alta proporção de isótopos de oxigênio, o que indica temperaturas mais frias na
superfície e a presença de oceanos há 4,2 bilhões de anos. Meus colegas e eu continuamos as
buscas, com o auxílio do primeiro modelo da mais nova geração de microssonda iônica, a Cameca
IMS-128, instalada no meu laboratório em março passado.
Muitas questões serão respondidas se pedaços das rochas originais que formam os cristais de
zircão puderem ser identificados. Mas, mesmo que isso não ocorra, ainda temos muito o que
aprender com essas minúsculas cápsulas do tempo.
Para conhecer mais
A cool early Earth. John W. Valley, William H. Peck, Elizabeth M. King e Simon A. Wilde, em
Geology, vol. 30, no 4, págs. 351-354, abril de 2002.
Magmatic d18O in 4400-3900 Ma detrital zircons: a record of the alteration and recycling of
crust in the early Archean. Aaron. J. Cavosie, J. W. Valley, S. A. Wilde e the Edinburgh Ion
Microprobe Facility, em Earth and Planetary Science Letters, vol. 235, no 3, págs. 663-681, 15 de
julho de 2005.
O website do autor, "Zircons are forever" está no endereço www .geology.w isc.edu/zircon/zircon-
home.html
John W. Valley Completou o doutorado em 1980 pela Universidade de Michigan em Ann Arbor,
onde começou a se interessar pela Terra em seu estado primitivo. Ele e seus alunos passaram a
explorar o registro das rochas mais antigas por toda a América do Norte e Austrália, Groenlândia
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e Escócia. Hoje, Valley é presidente da Sociedade Mineralógica da América e professor de
geologia da Universidade de Wisconsin-Madison, onde fundou o sofisticado laboratório
WiscSIMS.
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