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Ganância. Usura. Ambição. Quando o sonho de qualquer jovem americano era tornar-se
um célebre e rico yuppie, eis que o peculiar diretor Oliver Stone lança, em 1987, um filme
crítico e moralizante sobre a fantástica fábrica de management financeiro: Wall Street.
Buddy Fox (Charlie Sheen) trabalha investindo dinheiro alheio em ações e, principalmente,
em junk-bonds. A vidinha ordinária de Buddy, com ganhos irrisórios para quem quer
sobreviver yuppiemente em Nova York, muda substancialmente quando ele consegue
convencer Gordon Gekko (Michael Douglas, cuja atuação rendeu-lhe um Oscar) a ser seu
cliente. Gekko ensina-lhe como ser bem sucedido na compra e venda de ações: obtenção
de informação através da espionagem financeira (inside information). Com princípios
absolutamente corruptíveis, Buddy cessa sua resistência à ilegalidade e começa a ganhar
muito dinheiro, rendendo milhões e milhões a Gekko. O problema surge quando Buddy
convence Gekko a comprar as ações da empresa aérea BlueStar. Este, quando se torna
acionista majoritário da empresa, decide liquidá-la em partes, demitindo todos os
funcionários – entre eles, o pai marxista de Buddy (Martin Sheen).
O filme começa no ano de 1985, mostrando cenas da “Big Apple” (o extinto World Trade
Center, o Empire State, as linhas de metrô, a ponte Brooklyn-Manhattan), ao som de “Fly
me to the moon”, interpretada por Frank Sinatra. Impossível não antever a indissociável
relação entre Nova York (com todo o seu “way of life” imortalizado pelo próprio Sinatra), o
mercado financeiro (Manhattan e Wall Street) e homens como Buddy e Gekko. Atendo-se
ainda às questões técnico-artísticas, Stone faz uso de um ousado jogo claro/escuro, com
tons negros e amarelados – o que enfatiza muito bem a questão moral.
Gekko, um mito no famigerado “mundo dos negócios”, simplesmente ilustra com maestria
toda a ideologia capitalista em sua melhor forma smíthica: “a mão livre do mercado” 1 (mas,
pelo próprio Gekko, nos é provado que essa mão é induzida a se mover, e nos é mostrado
também quem a empurra). Desde o começo do filme, ao citar Sun Tzu2, Gekko deixa
bastante claro que todas as transações financeiras são meras batalhas, e que Wall Street
nada mais é do que um campo bélico. Em uma das melhores cenas da história, Gekko e
Buddy discutem sobre ética, lucro, capital financeiro e democracia. A cena em questão se
1
Adam Smith – A riqueza das nações; Teoria sobre os sentimentos morais
2
Sun Tzu – A arte da guerra
dá quando Buddy vai tomar satisfações com Gekko em relação à liquidez da BlueStar
(uma vez que este havia prometido a reestruturação da empresa, e não a sua venda em
partes). Gekko explica seu ponto de vista em relação ao dinheiro: “Money itself isn’t lost or
made, it’s simply transferred from one perception to another, like magic. (…) Capitalism at
its finest” (Dinheiro não se ganha ou se perde; ele é simplesmente transferido de uma
perspectiva para outra, como mágica. Capitalismo na sua melhor forma). Com sua sutileza
típica, Stone coloca, ao fundo, um lavador de janelas fazendo o seu trabalho. Buddy e
Gekko discutindo o dinheiro e suas abstrações, enquanto um homem comum e qualquer
lava as janelas que permitem que Nova York seja o pano de fundo da discussão – não só
ideológico, mas estético. Stone ainda abre uma discussão sobre democracia, quando
Gekko pergunta, sarcasticamente: “You’re not naive enough to think we’re living in a
democracy, are you Buddy?” – acrescenta, categórico: “‘free market’ is not a democracy”
(Você não é ingênuo ao ponto de acreditar que vivemos em uma democracia, certo? – o
“mercado livre” não é uma democracia).
O pai de Buddy, Carl Fox, é líder sindical, e é importante enfatizar a importância dos
sindicatos para a economia americana. Stone criou uma personagem-salvação marxista
em plena Manhattan. O Carl Fox é um libertário, no sentido de “não medir o sucesso de
alguém pelo tamanho de sua carteira”, como ele mesmo diz em certo momento. Stone
evidencia o marxismo da personagem em dois momentos: Buddy referindo-se ao “discurso
‘trabalhadores uni-vos” de Carl e à crença paterna no “nascimento do sol ao leste”.
Insinuar uma dicotomia ‘Wall Street’ e ‘Marxismo’, logo após a perestroika russa e em um
filme americano e comercial ganhador de Oscar, é um desafio. Ainda mais quando se
mostra claramente a redenção da personagem que escolheu o caminho de especulação,
espionagem e ganho fácil de dinheiro, em contrapartida ao trabalho como subsistência, e
não como meio de “se tornar rico”.
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