Conforme o referencial psicanalítico, a relação pai-bebé estabelecida durante
o período gestacional, por meio da construção de uma imagem mental do
bebê e da interação entre ambos, tem importante consequência para a relação pai-filho(a) após o nascimento. A relação do pai e da mãe com seu filho(a) já começa desde antes do período pré-natal, e se dá, basicamente, a partir das expectativas que eles têm sobre o bebê e da interação que estabelecem com ele. A imagem mental que cada membro do casal constrói a respeito do bebê, durante a gravidez, tem sua origem tanto em conteúdos inconscientes, representados pelas fantasias e desejos, como também em dados concretos já passíveis de serem conhecidos neste momento, como os movimentos fetais. Os pais tendem a nomear e atribuir características ao bebê antes mesmo do nascimento, como uma tentativa de tornar mais familiar este ser que já é tão íntimo e próximo, mas, ao mesmo tempo, ainda tão desconhecido. A partir deste movimento de se aproximar e conhecer o bebê, esperar respostas dele e oferecer de antemão um modelo de interação, estabelece-se um padrão de relação mãe-bebê e pai-bebê. Embora exista uma tradicional ênfase no estudo da relação gestante-bebê, algumas pesquisas têm destacado também a existência de uma relação específica pai-bebê ainda durante o período gestacional, estabelecida basicamente por meio da construção de uma imagem mental sobre o bebê, do exercício da paternidade e dos contatos interacionais entre ambos. as projeções e as expectativas de pais e mães em relação ao filho são muito semelhantes, apesar de as mulheres vivenciarem mais intensamente as transformações fisiológicas da gestação. Poder-se-ia pensar, então, que o conceito tradicional de bebê imaginário inicialmente formulado para explicar as expectativas e representações que a mãe constrói acerca do bebê mesmo antes de seu nascimento e até de sua concepção esteja também presente no psiquismo do pai. Entretanto, apesar desta tendência de inclusão cada vez maior do pai na vida do bebê, as diferenças entre maternidade e paternidade seguem existindo. A trajetória masculina rumo à parentalidade difere da feminina, pois somente a mulher pode sentir o filho crescer dentro de si, dar à luz e amamentá-lo. Por esta razão, de acordo com Maldonado, Dickstein e Nahoum (1997), alguns pais não conseguem criar um vínculo tão intenso e sólido com o bebê no período pré-natal. Para estes autores, a formação do vínculo entre pai e filho costuma ser mais lenta, consolidando-se gradualmente após o nascimento e ao longo do desenvolvimento da criança. Com isso, pode decorrer um sentimento de exclusão, comumente encontrado nos pais neste período. Além disso, durante a gestação muitos pais não sabem como interagir, como entrar em contato com seus bebês e estabelecer com eles uma relação. Shapiro (1987) ressaltou que, ainda que hoje os homens desejem e possam participar mais do processo da gravidez, eles, em sua maioria, não tiveram modelos de pais participativos. Soma-se a isto o fato de que nem todos os pais conseguem se sentir envolvidos com o bebê durante o período gestacional.
Muitas gestantes ainda se referem à gravidez com exclusividade, utilizando-
se de expressões que, consciente e inconscientemente, transmitem a mensagem que são questões puramente femininas, como se o homem fosse apenas continente de suas angústias e ansiedades e, paradoxalmente, ressentem-se pela indiferença de seus parceiros. Tais atitudes refletem posturas ancestrais quando, de fato, o homem era excluído da relação e sua participação terminasse no momento em que o bebê era concebido. Felizmente os tempos mudaram, e o que vemos atualmente é que cada vez mais aumenta o número de homens que desejam participar ativamente do processo da paternidade, constituindo-se num elemento-chave indispensável da equação pré-natal. Assim, não se considera apenas a mulher grávida, mas o casal grávido. Durante os meses de gestação, o feto ouve a voz paterna e percebe a influência que exerce em sua mãe, através dos batimentos cardíacos, produção hormonal e corrente sangüínea. Tudo quanto afeta positiva e negativamente sua mãe, afeta-o também e as questões conjugais entram em jogo com um grande peso, já que são as que mais atingem emocionalmente a gestante. A voz paterna é tão importante para a criança que se o pai se comunicar com ela ainda in útero, a criança é capaz de reconhecê-la e de reagir, logo ao nascer. Assim, se por qualquer obstáculo mãe e bebê são separados após o nascimento, e se a mãe estiver impossibilitada de acompanhar sua recuperação, o pai deve assumir e estabelecer contato com ele para que não perca seus referenciais intra-uterinos, podendo sentir-se novamente em segurança. É' verdade que fisiologicamente o homem está em desvantagem, já que quem gesta o bebê é a mulher, porém, se ela puder ajudá-lo e conseguir introduzi-lo nesta relação tão íntima, fazendo-lhe um lugar, este pai poderá assumir a função que lhe é de direito e de amor e o vínculo paterno-filial irá se fortalecendo com o passar do tempo, aumentando seu envolvimento e prazer em acompanhar o desenvolvimento da gestação. No exato instante em que a mulher anuncia ao homem que está grávida, implicitamente anuncia o nome de família que esta criança terá. O impacto da notícia depende da história do casal e do tipo de relação que une o homem e a mulher, que pode ter vários efeitos, desde uma felicidade extrema e compartilhada, até separações, afastamentos e conflitos. O modo como o homem vivencia a gravidez é diferente da mulher. Mesmo as emoções, apesar de as mesmas, também são vivenciadas diferentemente. E é por isso que as gestantes não compreendem e até se ressentem quando seus parceiros não se manifestam com a intensidade esperada, inclusive quando a gravidez foi planejada e desejada por eles. Em primeiro lugar, porque desejar um filho é completamente diferente de se projetar como pai. E isto é válido também para a mulher. Enquanto o desejo de um filho situa-se no plano da fantasia, onde todas as expectativas são idealizadas, projetar-se como pai remete-o à realidade das responsabilidades que deverão ser assumidas e pelas quais também se percebe inseguro e despreparado. Em segundo lugar, porque também se encontra em estado regressivo, quando os conflitos infantis, conscientes e inconscientes, são reatualizados, principalmente no tocante à relação com os pais de origem, em especial, com a figura paterna. Embora o homem e a mulher contribuam igualmente para a concepção do filho, é a mulher que vai vivenciar as transformações físicas e sentir o bebê crescer dentro de seu corpo. Isto causa muita inveja e ciúme no homem por não poder participar diretamente da díade mãe-bebê, o que pode levá-lo a sentir-se excluído da relação. Para se fazer um lugar, produzem-se os sintomas que são expressões inconscientes desse desejo. Aparecem, então, sensações semelhantes às da mulher, como aumento de apetite, problemas digestivos, intestinais, aumento de sono... Muitas vezes procura inteirar-se de todas as informações possíveis sobre a gravidez, parto e puerpério, como também de captar a cada instante os movimentos fetais, colocando a mão no ventre da parceira. Outros homens excluem-se da relação, como se não pudessem ou devessem ter acesso à gravidez. Culturalmente, ainda se lhes encontra enraizado que a demonstração de ternura e os cuidados para com um bebê vão contra o conceito de masculinidade. Outros, ainda, sentem-se incompreendidos e desamparados em suas angústias e ansiedades, pois também se percebem fragilizados, cheios de dúvidas e com medodo futuro e, sem ninguém para ouvi-los, uma vez que o ambiente mais próximopermanece voltado apenas para a gestante, saem em busca de amigos, ficandocada vez mais afastados do ambiente doméstico, e o que é pior : sofrendo sozinhos. Mas a psicologia pré-natal, com seus estudos cada vez mais avançados, tem demonstrado claramente a importância para o feto do contato precoce com a figura paterna. Quanto mais cedo o vínculo é formado, tanto pelo contato físico no ventre da mulher quanto pela emissão de palavras, maiores benefícios emocionais trarão após o nascimento, pois o bebê necessita tanto dos cuidados maternos quanto dos paternos, visto ser receptivo e sensível a estes, principalmente se tiveram início na vida intra-uterina. Como a criança já guarda lembranças na vida pré-natal e é capaz de retê- las, a ligação profunda e intensa pai-feto é essencial para o continuum do vínculo pós-nascimento. Este pai, então, deixa de ser mero provedor para compartilhar dos cuidados básicos com o bebê, bem como de sua educação e desenvolvimento físico-emocional. Mas os limites de cada um devem ser respeitados. Há pais que por não conseguirem experienciar a troca de fraldas, assumem outras tarefas como dar banho, alimentar, levar a passear. Sendo assim, podem revezar com a mulher, deixando de sobrecarregá-la e de se sobrecarregar, ficando ambos mais disponíveis emocionalmente para o bebê. Além do contato com ele, o homem também tem uma função importante como companheiro, pois transmitindo amor e segurança à mulher, colaborará para que ela acolha mais intensamente seu próprio filho. Muitos homens se decepcionam com a parceira e vice-versa, por não corresponderem ao ideal de pais que construíram, o que pode gerar novos conflitos ou romper um equilíbrio que já era frágil. Se as expectativas forem irreais, há de se refletir para encontrar um meio de reassegurar o bom entendimento, através de muita compreensão e de ajudas mútuas para sobrepujar as dificuldades que porventura surjam. O reatamento das relações sexuais também são fonte de grande angústia do homem, visto ainda estar em estado regressivo. O temor de machucar a mulher ressurge com a mesma intensidade que na adolescência, o que causa grande insegurança na parceira por perceber este distanciamento como uma rejeição a si mesma. Alguns homens se afastam da mulher por estarem ainda ressentidos pelo abandono sofrido durante todo o processo da gestação, o que lhes causou sentimentos de intenso ciúme e rivalidade para com o filho, tal como ocorrem quando nasce um irmão. Outros, ainda, por sua história pessoal, modelos parentais ou culturais, vêem em suas parceiras apenas a imagem materna, o que tornam as relações sexuais inviáveis. Para outros, ao contrário, a parceira fica ainda mais sedutora, pois foi quem gestou seu filho, prova viva de sua virilidade. A presença ou não do homem na sala de parto, é outra questão que surge e que depende do desejo e disponibilidade do futuro papai. Há homens que não se sentem à vontade para assistir o parto, pois além de revivenciarem a reatualização da angústia do próprio nascimento, teriam que suportar a culpa e responsabilidade, que muitas vezes surgem, ao se depararem com o que a parceira está vivenciando fisicamente. Outros assumem a tarefa sem dificuldade, funcionando como suporte emocional da mulher e de acolhimento ao bebê nesta sua vinda ao mundo aéreo. Mas o direito de estar presente na sala de parto, não deve transformar-se em obrigação. Deve ser negociado entre o casal e decidido de comum acordo, o que é melhor para cada um. Assim como a puérpera, o homem também experiencia a depressão pós- parto, temendo não ser capaz de assumir a nova família, de ser bom pai e, principalmente, temendo perder o lugar que tem junto à companheira, pois sabe que seu filho irá exigir toda sua atenção e cuidados nos primeiros meses. Mas, essencialmente, o baby blues tem origem no trauma da angústia de separação da mãe e que se funda na cesura do cordão umbilical, no momento do próprio nascimento, que é reatualizado com profunda e intensa ansiedade. De qualquer maneira, homem nenhum passa imune ao processo de gestação e do nascimento de um filho. Com a evolução dos estudos sobre a relação paterno-filial, desde a vida intra-uterina, muitos homens estão se conscientizando e assumindo a paternidade de modo mais responsável, valorizando a importância de sua participação na vinda e na vida de seus filhos. Com isto, homens e mulheres poderão estabelecer vínculos mais solidários e sólidos, independentemente da sitiuação do vínculo afetivo, o que certamente irá produzir gerações futuras de crianças emocionalmente mais ajustadas, estáveis, seguras e, portanto, muito mais felizes.