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Vivemos a maior crise econômica dos últimos 80 anos. No último trimestre de 2008 e
primeiro de 2009 ocorreu uma queda abrupta da economia internacional com índices
semelhantes aos da depressão de 1929. No segundo trimestre de 2009, existiu uma
recuperação parcial e conjuntural da economia, que foi apresentada por uma campanha
gigantesca da mídia de todo o mundo como o fim da crise.
Mas para poder apontar a dinâmica da crise é preciso analisá-la com horizontes mais
amplos. Trata-se de uma discussão cuja profundidade escapa aos economistas burgueses,
em geral preocupados em encontrar “brotos verdes” e quaisquer sinais que indiquem uma
recuperação rápida da economia. No fundo não apresentam análises e previsões reais, e
sim peças de propaganda, em geral muito bem pagas.
A primeira definição necessária sobre o tema é que estamos perante uma crise cíclica de
superprodução, das que ocorrem a cada período de 6-9 anos no capitalismo. Uma clara
expressão da gravidade da crise de superprodução foram os índices de queda da produção
industrial, entre 15 e 25% nos países imperialistas.
A situação da indústria automobilística, o carro chefe da produção industrial mundial,
confirma claramente a superprodução:
“A previsão é que em 2009 quase 10 milhões de veículos deixem de ser produzidos,
reflexo da mais aguda crise atravessada pela indústria nas ultimas décadas. A produção
de 2009 deve chegar a 51 milhões se aproximando da mesma marca de 1990 quando não
havia produção na China. Considerando as vendas de 2007 de 65 milhões de veículos,
haverá uma queda de 14 milhões de veículos o que significa que 140 fabricas com
produção media de 100000 veículos estarão paradas ou fechadas o equivalente a 5 anos
de paralisação de toda a produção de veículos no Brasil.” (Luís Carlos Prates, A crise do
setor automobilístico mundial e a agonia da GM)
Mas, logo após essa primeira definição, é preciso negá-la parcialmente: não se trata de
mais uma crise cíclica. Houve uma combinação com uma descomunal crise financeira - o
estouro de uma grande bolha internacional, deflagrada pela crise imobiliária
norteamericana que rapidamente se estendeu ao conjunto do sistema financeiro
imperialista- que agravou fortemente a crise cíclica, abrindo um período maior recessivo
na economia.
A recuperação atual, parcial e conjuntural, alardeada como o sinal do fim da crise, não
reverte este quadro recessivo.
Mesmo no longo período depressivo aberto em 1929 houve recuperações parciais. Houve
uma queda abrupta em 29, uma leve recuperação no meio de 1930, e logo depois uma
nova a mais violenta queda, que foi até 33. Veio uma recuperação maior entre 1933 e 37,
e depois uma outra queda. O final do longo período recessivo só terminaria com a
segunda guerra mundial.
Estamos perante uma recuperação parcial, parte de uma tendência global recessiva, que
pode levar a duas hipóteses bem diferentes: uma depressão como a de 1929 (ou ainda
mais grave) ou uma recessão seguida de recuperações frágeis e outras graves crises
posteriores. Ao contrário dos economistas burgueses, estamos apontando para uma onda
longa recessiva, que pode durar 15 ou 20 anos. Dentro dessa ótica podem ocorrer
recuperações parciais e mesmo novos ciclos de crescimento, frágeis e com maiores
crises.
Em qualquer uma dessas variantes está se abrindo uma nova situação mundial, e é
necessário encarar a discussão sobre as perspectivas da economia e suas relações com a
luta de classes.
É isso que nos exige revisitar a polêmica sobre as ondas longas, que necessáriamente nos
leva a uma discussão mais de fundo dentro dos critérios da economia marxista. A
hipótese teórica que está aqui desenhada é a seguinte: a globalização não seria em si uma
onda longa do capitalismo, que teve seu auge e agora seu declínio?
Existe um grande debate entre os marxistas sobre a origem das crises cíclicas do
capitalismo, em boa parte porque o próprio Marx não chegou a completar com clareza
uma teoria das crises.
Existe uma corrente marxista com peso razoável ( a sua mais notável defensora foi
Rosa Luxemburgo) que atribui as crises ao subconsumo das massas, ou uma “brecha de
demanda”. No capitalismo, o valor produzido pelos trabalhadores é sempre maior que os
seus salários, pela existência da mais valia, ou seja, da parte do valor embolsada pelos
capitalistas como lucros. Quanto maior for a participação dos lucros no valor total
produzido, maior seria a brecha da demanda. Ou seja, para os “subconsumistas”, as crises
seriam originadas pelo fato dos trabalhadores não poderem consumir todos os bens que
produzem. Isso ocasionaria a superprodução, queda nos lucros e a crise.
No entanto, essa teoria tem vários equívocos. Em primeiro lugar, sua conclusão
lógica é que os aumentos salariais ajudam o capitalismo a sair da crise. Apesar de
popular entre os defensores do “mercado interno” como saída para a crise, isso não tem
nada a ver com a realidade do capital. A crise em geral estoura nos momentos do auge,
quando muitas vezes os salários estão mais altos. E a saída para os capitalistas é sempre a
mesma: o aumento da mais valia pela redução dos salários.
Além disso, segundo Shaikh: “Dentro de um quadro assim, é evidente que
qualquer intervenção econômica que reforce e dirija os fatores expansionistas pode
superar, em princípio, a ameaça de estagnação. A economia keynesiana, por exemplo,
proclama que o estado, seja por conta de seus próprios gastos, seja estimulando o gasto
privado, pode alcançar os níveis socialmente desejados de produção e emprego e desse
modo determinar, em última instância, as leis de movimento da economia capitalista.”
(Valor, acumulação e crise, pg. 60)
Os subconsumistas não teriam como explicar a situação atual da crise capitalista.
Com a maior intervenção dos estados imperialistas de todos os tempos, uma espécie de
keynesianismo brutal, não haveria razão para não se superar a crise atual do capital.
Nunca houve na história nada semelhante à injeção de verbas públicas feita nesse
momento. E, pelo menos a nosso ver, a crise não foi resolvida.
Mas a interpretação marxista mais sólida para as crises capitalistas é a que as
relaciona com a tendência à queda das taxas de lucros. Essa interpretação inclui a questão
do consumo dos trabalhadores, mas dentro de outra ótica mais ampla, a lógica da taxa de
lucros.
Marx dizia: “o aumento gradual do capital constante em relação ao capital variável
tem como resultado uma diminuição gradual da taxa geral de lucros, sempre e quando a
taxa de mais-valia, ou seja, o grau de exploração do trabalho pelo capital, permanecer
invariável”.
Os capitalistas desenvolvem duas guerras ao mesmo tempo- contra os
trabalhadores e na concorrência contra outros capitalistas- para garantir o móvel central
de sua atividade que é a obtenção do maior lucro possível.
A batalha contra os trabalhadores é para reduzir o chamado capital variável,
composto pelos salários pagos. Uma parte fundamental da batalha da concorrência, para
aumentar a produtividade, é o investimento na mecanização e em matérias primas. Isso
aumenta a outra parte do capital, chamado capital constante. Assim a dupla guerra dos
capitalistas pode ser resumida na redução do capital variável (os salários dos
trabalhadores) e ampliação do capital constante (pela mecanização).
A taxa de lucro relaciona o lucro e o total do capital investido (capital variável
mais o capital constante). Essa taxa é multimplicada pela quantidade de mercadorias
vendidas resultando na massa de lucros.
Dentro dos ciclos, nas fases de expansão, as grandes empresas investem na
mecanização, aumentam a produtividade, para produzir com preços mais baixos que as
concorrentes. Isso possibilita a abertura de novas fábricas ou ampliação das existentes.
Mas as outras empresas reagem com o mesmo tipo de iniciativa, o que leva a uma forte
disputa pelo mercado.
A produção é cada vez maior e acaba superando a massa salarial disponível para
consumir os produtos a um preço que possa fornecer o lucro médio esperado. A taxa de
lucros começa a cair, e quando afeta a massa geral dos lucros, os capitalistas param de
investir. A queda da taxa de lucro não compensa novos investimentos, e vem a crise de
superprodução.
Aqui a massa salarial e sua capacidade de consumo têm importância, mas não
decidem a crise. Só quando a taxa e a massa de lucros caem é que ocorre a crise.
Nesse momento do ciclo, ocorre destruição do capital constante ( fechamento de
fábricas) e de capital variável (redução de salários e desemprego), como pré-condição
para se restabelecer o aumento da mais valia e da taxa de lucros.
Por isso, os capitalistas recorrem a reduções dos salários para escapar da crise, para
voltar a elevar seus lucros. E por isto, por mais que os governos injetem dinheiro na
economia, enquanto não se queimar o capital excedente (com a falência das empresas
mais fracas) e se reestabelecer a taxa de lucros das empresas, não se retomará o
crescimento.
Esse é o mecanismo básico das crises cíclicas, que tem uma determinação
endógena, dos próprios elementos da economia capitalista. Esses ciclos têm uma duração
determinada entre 5 e 10 anos. A polêmica é saber se, além desses ciclos curtos, existem
também ondas longas, de maior duração, que incoporariam os ciclos menores dentro de
uma dinâmica determinada.
A nosso ver, a crise atual tem um duplo caráter: é uma crise cíclica, mas por outro
lado, também faz uma inflexão entre uma onda longa ascendente e outra descendente. É
isso que veremos a seguir.
3- A posição de Trotsky
Trotsky reconhecia a existência de períodos mais longos na economia capitalista:
"Observamos na história que os ciclos homogêneos agrupam-se em séries. Existem
épocas inteiras do desenvolvimento capitalista quando diversos ciclos são
caracterizados por fases de prosperidade nitidamente delineadas e por crises fracas de
curta duração. Como resultado, temos um movimento com elevação acentuada da curva
básica de desenvolvimento capitalista. Ocorrem períodos de estagnação nos quais essa
curva, mesmo que passando por oscilações cíclicas parciais, permanece
aproximadamente no mesmo nível durante décadas. Finalmente, durante certos períodos
históricos, a curva básica (ainda que passando como sempre por oscilações cíclicas),
precipita-se para baixo em seu conjunto, indicando o declínio das forças produtivas”.1
Com esta perspectiva, ele vai periodizar os ciclos de uma maneira praticamente
idêntica à de Kondratiev: "Portanto, a curva do desenvolvimento econômico é composta
de dois movimentos: um movimento primário que expressa a elevação geral do
capitalismo; e um movimento secundário que consiste nas oscilações periódicas
constantes correspondentes aos vários ciclos industriais. Se analisarmos a curva mais
detalhadamente, podemos verificar que ela se divide em cinco segmentos, cinco períodos
distintos e diferentes. De 1783 a 1851, o desenvolvimento é muito lento, raramente
ocorre um movimento observável; depois da revolução de 1848, que ampliou as bases do
mercado europeu, ocorre um ponto de inflexão. Entre 1851 e 1873, a curva sobe
abruptamente. Após 1873 segue-se uma época de depressão. De 1973 até
aproximadamente 1894 notamos uma estagnação no comércio inglês. Então vem outro
boom, que se estende até 1913. Finalmente, a partir de 1914 inicia-se o quinto período –
o período de destruição da economia capitalista."2
Mas a partir desse reconhecimento, Trotsky polemizou com Kondratiev: "É
possível refutar antecipadamente a tentativa do professor Kondratiev de identificar
épocas por ele rotuladas de ciclos maiores com o mesmíssimo “ritmo rigidamente legal”
que é verificável nos ciclos menores; trata-se de uma generalização evidentemente falsa
a partir de uma analogia formal. A repetição periódica de ciclos menores é
condicionada pela dinâmica interna das forças capitalistas e sempre se manifesta e por
todas as partes, desde que o mercado passou a existir. No que se refere aos segmentos
longos da curva de desenvolvimento capitalista (cinqüenta anos), que o professor
Kondratiev imprudentemente propõe designar também como ciclos, seu caráter e
duração são determinados não pela ação recíproca das forças internas do capitalismo,
mas por aquelas condições exteriores que servem de canal ao fluxo do desenvolvimento
capitalista. A aquisição pelo capitalismo de novos países e continentes, o descobrimento
de novos recursos naturais e, devido a tudo isso, alguns fatos importantes de ordem
‘superestrutural’ como guerras e revoluções, determinam o caráter e a sucessão de
épocas ascendentes, de estancamento ou declinantes do desenvolvimento capitalista".3
Ou seja, para Trotsky as “curvas do desenvolvimento capitalista” com períodos
longos de ascensão e declínio existiam, mas não eram determinados endogenamente
como os ciclos curtos. Não eram determinados por leis da própria evolução econômica do
capitalismo, mas por outros fatores exteriores, relacionados à luta de classes (revoluções,
guerras), expansão (obtenção de novos territórios), ou evolução tecnológica. Tratava-se,
portanto, de outro enfoque para explicar os períodos longos, bem distinto de Kondratiev,
com uma outra determinação de causa e sem uma fixação rígida dos prazos.
Nahuel Moreno também aceitava a existência das ondas longas, relacionando-as da
mesma forma que Trotsky, a fatores que transcendem o automatismo dos ciclos menores,
como a evolução de novos ramos na economia.
Para Trotsky, não se tratava de uma questão menor em relação às perspectivas da
luta revolucionária. No terceiro congresso da III Internacional ocorreu um debate com
setores que, a partir de uma visão catastrofista da evolução do capitalismo, não
percebiam os sinais claros de reativação econômica e reestabilização política da
burguesia na Europa. Da apreciação de Trotsky (e Lenin) veio a defesa da tática de frente
única para ganhar as massas e preparar uma futura ofensiva.
Mas, além desta apreciação conjuntural, Trotsky também apontava que as
perspectivas de longo prazo seriam de uma curva descendente do capitalismo:
“A revolução de 1848, parcial e indecisa, varreu, contudo, os últimos restos do
regime de servilismo e de corporações e alargou a base para o desenvolvimento
capitalista. Unicamente nestas condições a expansão de 1851 pôde marcar o princípio
de uma época inteira de prosperidade capitalista que durou até o ano de 1873.
Podemos esperar que os mesmos efeitos sigam a expansão econômica de 1919-
1920? De maneira nenhuma. O alargamento da base de desenvolvimento capitalista nem
está em jogo aqui. Isto quer dizer que uma nova expansão comercial-industrial está
excluída no futuro? Também não! Já disse que enquanto o capitalismo permanecer vivo
ele continuará a inalar e expirar. Mas no período em que ingressamos - época de
retribuição pela sangria e destruição da guerra, época de nivelamento por baixo - toda
expansão só pode ter um caráter superficial e primariamente especulativo, enquanto as
crises tornam-se mais longas e profundas.
Em tal caso, o restabelecimento do equilíbrio capitalista sobre novas bases é
possível? Se por um momento – e só por um momento - admitirmos a falha da classe
operária em lançar-se numa luta revolucionária, permitindo à burguesia a oportunidade
de dirigir os destinos do mundo por longos anos - digamos duas ou três décadas – então
certamente algum tipo de novo equilíbrio será estabelecido. A Europa sofrerá
retrocessos violentos. Milhões de operários europeus morrerão pelo desemprego e pela
fome. Os Estados Unidos serão forçados a orientar-se ao mercado mundial, reconverter
sua indústria, retroceder por um período considerável. Por fim, depois que uma nova
divisão mundial do trabalho for estabelecida dolorosamente por quinze, vinte, vinte e
cinco anos, uma nova época de expansão capitalista poderia ter lugar.”4
Trata-se de um prognóstico que se revelou preciso. O capitalismo viveu um ciclo
descendente, que incluiu a sua pior crise na história, a depressão de 1929. Só depois
disso, viria um novo ciclo de ascensão capitalista.
4- A posição de Mandel
de 29.
Segundo José Martins, os professores dizem que: “Entre as grandes potências, as
quedas atuais da produção na Itália, França e Japão, pela ordem, são nitidamente mais
catastróficas do que no mesmo ponto da Grande Depressão. Na Itália, por exemplo, a
velocidade atual da queda tem sido cinco vezes mais rápida que nos anos 1930 – onze
meses depois de iniciada a queda, em 1930 a produção industrial tinha caído cerca de 5
pontos percentuais. Agora, no mesmo intervalo de meses, já caiu cerca de 25 pontos. Na
Alemanha e nos Estados Unidos, as respectivas taxas de desabamento da produção
industrial acompanham bem de perto aquelas ocorridas no mesmo intervalo de tempo de
1929/1930. Isto também pode ser tomado como a demonstração que estas duas indústrias
nacionais (maior ênfase para a estadunidense) são verdadeiramente as indústrias
reguladoras mundiais.”
“Mas o volume do comércio mundial já caiu cerca de 15 pontos percentuais na fase
atual, frente a cerca de 4 pontos no mesmo estágio depressivo de 1930. Os anos 1930
estão marcados por inúmeras “recuperações” deste tipo. E tanto lá, como agora, os
capitalistas se apressam a decretar bombasticamente que “o pior já passou”, “a recessão
está terminando” e outras ilusões rapidamente desmentidas pela realidade do ciclo
depressivo.”