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Elísio Estanque

SOCIOLOGIA E ENGAJAMENTO EM PORTUGAL:


reflexões a partir do trabalho e do sindicalismo

DOSSIÊ
Elísio Estanque*

O presente paper procura ser um exemplo da sociologia crítica-pública desenvolvida no Cen-


tro de Estudos Sociais (CES), da Universidade de Coimbra. A linha temática aqui tratada
(sociologia do trabalho e do sindicalismo) assume uma perspectiva crítica, quer do ponto de
vista teórico-reflexivo, quer como prática política do cientista social, consideradas duas faces
da mesma moeda. Partindo desse ponto de vista, discute-se a atual conjuntura de crise e analisa-
se o caso português à luz da questão do trabalho, realçando alguns dos traços estruturais do país
como semiperiferia da Europa e mostrando como alguns dos seus atuais problemas têm origens
muito antigas.
PALAVRAS-CHAVE: sociologia pública, crise, trabalho, sindicalismo, Portugal.

O ressurgimento relativo da sociedade por


tuguesa e os laços de proximidade entre Por-
tugal e o sul global, especialmente com a África e
zir ciências sociais numa perspectiva crítica,
transdisciplinar e assumidamente engajada.
a América Latina, herdados da era colonial, cria-
ram um dinamismo raro no nexo entre a sociolo- Embora não representativa do CES, que en-
gia crítica e a sociologia pública, desde os projetos
emancipatórios do Forum Social Mundial aos pro- volve hoje um numero de mais de cem pesquisado-
jetos feministas internacionais, passando pelas crí- res, setenta dos quais com doutorado, a perspecti-
ticas, ao estilo de Bourdieu, à dominação social e à
violência simbólica.” va crítica e a orientação politicamente engajada dos
M. Burawoy, 2007.
seus membros é parte integrante da identidade e da
tradição desse centro. Nem todos seguem, natural-

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A discussão em torno da chamada “public mente, o mesmo paradigma teórico-epistemológico
sociology”, desencadeada no mundo acadêmico oci- ou a mesma orientação politica do seu principal
dental a partir das contribuições de Michael Burawoy líder, Boaventura de Sousa Santos, mas a tendência
(2005, 2007), colocou-se perante a comunidade soci- geral da comunidade do CES é pautada pela preo-
ológica do Centro de Estudos de Sociologia (CES) cupação com a interdisciplinaridade, por um lado,
como uma teorização interessante – porventura ca- e com a intervenção pública e cívica, por outro, e
paz de imprimir um sentido mais engajado à socio- isso não apenas como cidadãos mas também como
logia estadunidense, onde pontificou o paradigma cientistas sociais.
funcionalista –, mas com pouca novidade para nós. Procura-se construir um conhecimento pro-
De fato, há cerca de três décadas que a comunidade gressista, transformador e emancipatório, destina-
sociológica de Coimbra vem se dedicando a produ- do a reforçar o espaço público. E pretende-se usá-
lo como auxiliar para ver para além do manto de
* Doutor em Sociologia. Professor de Sociologia da Uni- opacidade que as instituições e o poder hegemônico
versidade de Coimbra. Faculdade de Economia da Uni-
versidade de Coimbra - FEUC. Pesquisador do Centro tendem a lançar sobre a realidade, ou, pelo me-
de Estudos Sociais - CES.
Av. Dias da Silva, 165. Cep: 3004-512 Coimbra. Portugal. nos, aquela parte da realidade social tendente a
elisio. estanque@gmail.com pôr em causa as leituras dominantes e a incomo-

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dar a ordem estabelecida. Visualizar o invisível e paradigma ocidental da ciência moderna em favor
valorizar, a partir das margens, as múltiplas de uma visão cosmopolita, multiculturalista e
potencialidades emancipatórias que o centro tem emancipatória dos movimentos e dos fenômenos
vindo a apagar ou a excluir. Em outras palavras, sociais em geral que, nos últimos anos, afirmou-se
recusar limitar-se a justificar o que existe só por- na defesa da “ecologia dos saberes” e na opção pela
que existe, e estar atento às ausências e às emer- “epistemologia do Sul”, não obstante o seu interes-
gências (Santos, 2000 e 2002a). se filosófico e o seu potencial crítico sejam assun-
O presente artigo tem como objetivo forne- tos que se apresentam como mais controversos
cer uma amostra dos temas de estudos que temos entre os cientistas sociais, inclusive no seio da
desenvolvido, guiados por essa orientação, ou seja, comunidade do CES (Santos; Menezes, 2009).
procurando usar a reflexão e a análise sociológica Desse modo, a preocupação neste artigo é
para, a partir dela (e com base nos resultados de divulgar junto à comunidade brasileira dos cien-
diversos estudos em áreas distintas), intervir na tistas sociais algumas das leituras e diagnósticos
esfera pública, procurando dirigir o nosso conhe- que temos proposto sobre as tendências de mu-
cimento não apenas para as instituições (“policy dança no período recente, no campo das relações
making”), não apenas para a comunidade acadê- de trabalho e do sindicalismo. Tais temáticas são,
mica (numa perspectiva “profissional” ou “críti- no entanto, perspectivadas no seu sentido mais
ca”), mas para os públicos subalternos e plurais, abrangente, ou seja, como instâncias de eleição em
no sentido de disseminar informação e conheci- torno das quais qualquer estratégia de moderni-
mento inovador, capaz de instigar a participação e zação, tal como o próprio sistema democrático,
a cidadania ativa. Dando sequência a um dos prin- tanto se podem consolidar como entrar em colap-
cípios orientadores do CES, a filosofia subjacente so. Para além disso, importa referir que – nesse
aos trabalhos realizados nessas áreas – sobretudo campo como em muitos outros que integram as
a partir do Núcleo de Estudos do Trabalho e linhas de pesquisa do CES1 – as notas de refle-
Sindicalismo (NETSind) – preocupa-se em contri- xão que se seguem são fruto não apenas de resul-
buir para “democratizar a democracia” ou, por tados de pesquisas diversas, mas, ao mesmo tem-
outras palavras, ajudar a reinventá-la, de uma de- po, exprimem o diálogo que temos aprofundado
mocracia representativa e de baixa intensidade rumo com os atores sociais diretamente intervenientes
a uma democracia de alta intensidade, em que as nesse domínio, quer no âmbito institucional, os
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dimensões “representativa” e “participativa” se que são hoje reconhecidos como “parceiros” de


reforcem mutuamente no aprofundamento da cul- diálogo e concertação social (Estado, sindicatos e
tura democrática (Estanque, 2007; Santos, 1988, empresários), quer os representantes e ativistas
1998, 2000, 2005, 2007). que lideram o movimento sindical mais combativo,
Pode dizer-se que o desenvolvimento do CES quer ainda outros líderes associativos do campo
– e de várias das suas linhas de pesquisa numa estudantil e do trabalho.
perspectiva engajada e emancipatória – obedeceu a A reflexão sobre a questão laboral e social,
uma opção estratégica. Aquela que mais diretamen- de uma maneira geral, não poderia, evidentemen-
te carrega a marca teórica e epistemológica da sua
principal referência, Boaventura de Sousa Santos, 1
Ver o site do CES em: www.ces.uc.pt. No nosso caso
que vem em estreita continuidade com a primazia particular, vale a pena referir que, para além desses te-
mas, também a análise das classes e desigualdades soci-
das relações de cooperação com os países de língua ais (Estanque e Mendes, 1997), do trabalho e do colectivo
operário, em articulação com as identidades comunitári-
oficial portuguesa, especialmente o Brasil e as ex- as, analisado a partir da observação participante numa
empresa de calçados (Estanque, 2000), e os movimen-
colônias africanas, que, por essa via, se foi esten- tos sociais e estudantis (Estanque e Bebiano, 2007) têm
dendo a toda a América Latina. Em especial a pers- condensado as principais preocupações analíticas e
interventivas.(ver: www.ces.uc.pt/investigadores/cv/
pectiva epistemológica de crítica frontal ao elisio_estanque.php)

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te, deixar de ser observada sem se levar em conta A noção de “crise” encerra em si mesma
alguns dos traços específicos da sociedade portu- uma enorme variedade de significados e, no caso
guesa, mostrando as suas vulnerabilidades parti- vertente – em que se pensa, sobretudo nas ten-
culares, que remetem para a história recente do dências negativas na esfera financeira, econômica
país e para as dificuldades que vem enfrentando e no emprego –, ela recobre todo um leque de rea-
na aproximação aos padrões europeus. lidades bem diferentes, muitas das quais já anti-
gas. Por outro lado, a própria crise econômica foi
suscitada por um conjunto complexo de fatores
DA CRISE E PARA ALÉM DELA: dilemas e sociais, uns mais estruturais outros mais contin-
dificuldades estruturais gentes. Diversas instâncias políticas e interesses
econômicos desencadearam, desde há cerca de trin-
Numa época de crise internacional que atingeta anos, um programa de iniciativas que significou
todos os cantos do mundo, é fundamental que nos uma aposta sem precedentes no comércio livre, na
questionemos sobre os seus impactos, em especi- especulação nas bolsas de valores, nas offshores e
al no setor do trabalho, que se assumiu como a na economia financeira, fatores que serviriam de
infraestrutura fundamental do sistema social e barômetro para o crescimento econômico. Os mer-
político das sociedades industriais modernas. cados assegurariam um crescimento ilimitado e,
Começarei por chamar a atenção para dois pontos portanto, quanto menos regulação e intervenção
prévios: em primeiro lugar, existe um conjunto de estatal, tanto melhor. A “bondade” do mercado glo-
aspectos relacionados às transformações ocorridas bal parecia garantir o sucesso.
nas últimas décadas, em especial no que tange às Embora sejam esses alguns dos lemas que
grandes mutações socioeconômicas e sua incidên- conduziram à erupção da atual crise, certos mentores
cia nas relações de trabalho e nos processos pro- teóricos importantes, como Alan Greenspan, fize-
dutivos, que devem ser previamente equacionados ram mea culpa e assumiram o “erro”. Com efeito,
a fim de se compreender como os impactos da atu- foram os Estados e as economias mais ricas do
al crise se fazem sentir de modo muito distinto em mundo, fortemente apoiadas pelos mercados in-
diferentes contextos e sociedades particulares; em ternacionais e pelas novas tecnologias da informa-
segundo lugar, é necessário relativizar a tendência ção e comunicação, que impuseram, como regra, a
para se pensar e discutir todos os assuntos em abertura total das fronteiras ao comércio mundial,

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torno da “crise”, como se o mundo tivesse come- a competitividade deixada ao sabor do mercado
çado em 2008. Tal atitude pode provocar distorções etc., envolvendo tudo isso na conhecida retórica
de índole diversa, inclusive perder de vista a com- neoliberal, que prometia um mundo de oportuni-
plexidade dos fatores estruturais inerentes à socie-dades para os mais competentes e uma “nova eco-
dade portuguesa, e que definem não só os contor- nomia” capaz de assegurar o bem-estar, senão de
nos que a crise assume entre nós, mas também os todos, pelo menos daqueles – países, economias e
possíveis caminhos para sair dela e enfrentar um indivíduos – que decidissem guiar-se pela aposta
cenário pós-crise. Qualquer diagnóstico que se faça nas qualificações, na inovação e na competição. Os
acerca da questão do trabalho – seja ele com respei-resultados desastrosos estão hoje à vista de todos.
to ao caso português, brasileiro ou outro –, na difí-
cil conjuntura internacional que hoje vivemos, não
pode circunscrever-se à realidade presente (na ver- GLOBALIZAÇÃO E TRANSFORMAÇÕES NO
dade, apenas o passado se deixa conhecer), deven- TRABALHO
do antes colocá-la em perspectiva no quadro de um
processo histórico mais amplo e de um quadro es- Do mesmo modo que a crise, também a
trutural mais vasto e profundo. “globalização” tem suscitado muita controvérsia

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justamente devido à sua polissemia. Muito embo- para milhões de trabalhadores de diversos conti-
ra se tenha percebido que, afinal, o comércio glo- nentes. E o caso particular da Europa é aquele em
bal é já uma velha história, da qual existem marcas que as alterações em curso representam um fla-
indeléveis há mais de cinco séculos, a reviravolta grante retrocesso em face das conquistas alcançadas
ocorrida há cerca de três décadas suscitou uma desde o século XIX, com a decisiva contribuição
fantástica multiplicação das transações e fluxos de do movimento operário e do sindicalismo. Porque
pessoas, bens e serviços de todos os tipos, dando a Europa é justamente a região “referência” e o ber-
lugar a profundas transformações tanto no plano ço da civilização Ocidental, é necessário pensar
prático como no plano teórico e conceptual. Com em toda a sua tradição humanista e emancipatória,
a massificação da indústria turística e a democrati- na qual encontraremos a gênese das principais dou-
zação dos transportes aéreos, o mundo ficou menor trinas progressistas, revoluções e movimentos so-
e passou a ser olhado sob novas perspectivas. As ciais. O projeto da modernidade e a democracia
velhas noções de modernidade, desenvolvimento e política assentaram promessas de grande potenci-
progresso deram lugar à ideia de pós-modernidade, al utópico rumo a uma sociedade mais justa e igua-
de imprevisibilidade e de incerteza quanto ao senti- litária. Porém, os velhos lemas do iluminismo –
do da história e da mudança social. A intensifica- Liberdade, Igualdade e Fraternidade – foram, nas
ção das trocas comerciais na escala transnacional, últimas décadas, secundarizados, se não mesmo
com a ajuda da revolução informática, tecnológica e desprezados ostensivamente, no discurso
comunicacional, aceleraram e multiplicaram os institucional de governantes e dirigentes (inclusi-
processos de mercantilização da vida e das socie- ve de correntes como a social-democracia, cuja
dades, ao mesmo tempo em que os Estados e as história e referências éticas e doutrinárias se ins-
economias nacionais perderam parte da sua antiga crevem em projetos e ideologias desse teor). Os
soberania, autonomia e capacidade reguladora. efeitos da globalização induziram novas formas de
Porém, ao contrário da retórica liberal e trabalho cada vez mais desreguladas, num quadro
tecnocrática de muitos teóricos e experts, o novo social marcado pela flexibilidade, subcontratação,
liberalismo que avassalou o mundo desde os anos desemprego, individualização e precariedade do
1980, não só não atenuou os problemas humanos trabalho. Assistiu-se a uma progressiva redução
e os riscos sociais como os agravou drasticamente. de direitos trabalhistas e sociais, e ao aumento da
É verdade que as oportunidades de negócio e as insegurança e do risco, num processo que se reve-
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vantagens lucrativas se mostraram fantásticas para lou devastador para a classe trabalhadora e o
uma ínfima minoria – sobretudo dos que já eram sindicalismo os finais do século XX (Castells,
ricos e poderosos –, mas, em contrapartida, a larga 1999; Beck, 2000; Estanque, 2007).
maioria das populações e das classes trabalhado- A realidade do mundo do trabalho, nos últi-
ras, incluindo amplos setores da classe média, vêm mos tempos, atualizou visões críticas do capitalismo
se debatendo com o agravamento das suas condi- até há pouco julgadas ultrapassadas. Karl Marx e a
ções de vida e de trabalho. Hoje, muitos consta- sua obra maior, O Capital, voltou a suscitar as aten-
tam a intensificação das desigualdades e injusti- ções do mundo, quer por parte de acadêmicos, quer
ças sociais, e mesmo aqueles que mais ativamente por parte da opinião pública em geral. Mas, se o
glorificaram o mercado livre e as infinitas pensamento marxista parece ganhar nova atualida-
potencialidades da economia financeira voltam-se de, não é porque se pretenda recuperar a ortodoxia
agora para o Estado pedindo auxílio. leninista ou reincidir em modelos comprovadamente
O campo do trabalho é, sem dúvida, aquele falidos, como o soviético. É sim porque o mercado
em que os impactos desestruturadores da desregulado, a intensificação da exploração – sob
globalização têm se mostrado mais problemáticos. velhas ou novas formas – e todo o conjunto de pro-
As consequências disso tornaram-se devastadoras blemas socioeconômicos que a atual crise

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aprofundou (em muitos casos pondo a nu o que já mesmo tempo que se combina sob diferentes lógi-
lá estava, mas ainda imperceptível) comprovaram cas e formas mais instáveis (metamorfoseia-se) e,
a falência do paradigma neoliberal e requerem, por em muitos casos, mais penosas para quem tem de
isso, que se repensem os modelos de mercado que viver de qualquer trabalho. Tornou-se clara a ver-
guiaram a economia mundial nos últimos tempos. satilidade, a instabilidade e a multiplicidade de
Em especial no campo do emprego, temos formas e de sentidos que envolvem o trabalho e
assistido a um efeito de pêndulo, em que cada vez seus mundos no início do século XXI. Muito em-
menos trabalhadores se encontram numa situação bora se tenha esbatido como potência criadora e
de emprego seguro, estável e com direitos, enquan- espaço de consolidação de “subjetividades de clas-
to existem cada vez mais pessoas desempregadas se” dirigidas para a ação transformadora, o traba-
que se debatem com o iminente risco de pobreza e lho, material e imaterial permanece como o módulo
exclusão. Como os vagabundos do século XVIII central no processo de acumulação capitalista
europeu ou os chamados malteses alentejanos de (Antunes, 2006).
meados do século XX, essa gente vê negados os O flagelo do desemprego, associado a um
direitos mais elementares. São atirados ao mundo “individualismo negativo” (Castel, 1998), que se
em uma busca desesperada de subsistência e obri- assemelha a fenômenos que ocorreram na Europa
gados a aceitar quaisquer condições de trabalho e do século XVIII, resultante dessa precariedade –
a se entregarem à vontade gananciosa de patrões geradora das mais diversas formas de dependên-
sem escrúpulos. Excluídos, de fato, do estatuto de cia, insegurança, resignação e medo – permite todo
cidadania, são por vezes eles próprios que se ne- o tipo de prepotências e abusos. No atual panora-
gam a si mesmos o direito de procurar um traba- ma, já não são os direitos trabalhistas aquilo que
lho digno, aceitando ser tratados como sub-huma- se pretende defender, mas, do ponto de vista de
nos ou como os novos escravos da economia glo- milhões de assalariados, tão só o emprego a todo o
bal do século XXI. custo, pois “o pior dos empregos é sempre prefe-
Os processos recentes de fragmentação e rível ao desemprego” – o que traduz bem a debili-
precarização das relações e formas de trabalho atin- dade em que se encontra hoje o trabalhador. Des-
giram o conjunto das classes trabalhadoras e pulve- mantelou-se o velho compromisso entre capital e
rizaram as próprias estruturas contratuais e trabalho, e a concertação social – a negociação
organizacionais do sistema produtivo. Perante o tri- “tripartite” –, essa velha conquista do fordismo e

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unfo do neoliberalismo econômico e o acentuar de do Estado de Bem-Estar europeu, tornou-se uma
novas formas de opressão e exploração, alguns dos mera figura de retórica em que já nem as forças
velhos conceitos e dicotomias de Marx – tais como políticas herdeiras da social-democracia parecem
as divisões entre capital fixo e capital circulante; acreditar, sobretudo quando alcançam o poder.
trabalho vivo e trabalho morto; trabalho material e
trabalho imaterial; atividades produtivas e impro-
dutivas – são hoje reconceitualizados à luz da nova A SOCIEDADE PORTUGUESA NO CONTEXTO
dinâmica do capitalismo global. As atuais tendên- EUROPEU
cias permitem mostrar como aquelas divisões fo-
ram reconvertidas e se imbricam hoje dialeticamente A esse respeito convém apresentar alguns
umas nas outras, contribuindo, assim, para inten- traços particulares da sociedade portuguesa. Por-
sificar e expandir novas formas de “estranhamento” tugal é, como todos reconhecemos, um país peri-
e “alienação” das classes trabalhadoras e dos no- férico da Europa, cujas dificuldades se devem a
vos segmentos precarizados. Porém o trabalho, em um tardio e incipiente desenvolvimento industri-
vez de desaparecer e se diluir para dar lugar ao al, bem como a um processo de democratização
lazer e ao consumo, ganha nova centralidade, ao igualmente recente e repleto de contradições. Com

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a instauração da democracia em 1974, consolida- que esses setores recém-urbanizados começassem


ram-se as classes trabalhadoras vinculadas à a estruturar padrões de vida subjetivamente
industria, além dos setores da nova classe média projetados numa imaginária “classe média”, ou,
assalariada (setor administrativo, saúde, educação, em outras palavras, numa categoria supostamente
poder local e funcionalismo público em geral) que “distintiva” e “superior”, por comparação com os
rapidamente se expandiram – apesar de, no seu grupos de referência originários, isto é, os que re-
conjunto, a classe média portuguesa ter permane- metiam para um mundo rural e pobre, que se pre-
cido débil – sob o impulso de um Estado de Bem- tendia ver ultrapassado. Assim, como alguns es-
Estar Social em rápido crescimento, apesar de ele tudos mostraram (Estanque, 2003; Cabral, 2003),
próprio ser fraco. Aliás, convém lembrar que Por- uma parte significativa da própria classe trabalha-
tugal começou a construir o seu Estado social numa dora manual, incluindo alguns dos seus segmen-
altura em que já estavam a emergir os sinais de tos mais precarizados, percebia-se como perten-
crise desse modelo na Europa, ou seja, tentou-se cendo à “classe média”.
alcançar o comboio quando ele já chegava ao fim Ora, se o consumismo desenfreado e as ex-
da viagem. pectativas de mobilidade ascendente puderam ali-
Daí que as transformações sociais desenca- mentar tais ilusões durante algum tempo, com a
deadas com o 25 de Abril de 1974 – e, de certo entrada no novo milênio e, sobretudo, perante o
modo, consignado na constituição “socialista” de reforço da competitividade global, a contenção de
1976 –, sendo, sem dúvida, profundas em muitos custos e as pressões para a flexibilização e
aspectos, nunca deixaram de evidenciar os con- privatização (mesmo nos setores onde o emprego
trastes que persistiam e persistem na sociedade se mantinha relativamente seguro) deram início a
portuguesa. A modernização das infraestruturas, uma profunda mudança na esfera do emprego,
em especial após a adesão à União Europeia, em evidenciando, assim, uma vez mais, o caráter per-
1986, trouxe progressos inquestionáveis, mas, no sistente e estrutural das nossas debilidades. Pro-
plano social, as dificuldades, injustiças e bloque- blemas supostamente resolvidos há décadas res-
ios persistiram. Muito embora os trabalhadores e surgiram, tais como a pobreza, a falta de qualifica-
as classes subalternas em geral tenham melhorado ção de trabalhadores e empresários, as elevadas
substancialmente as suas condições de vida, em taxas de evasão escolar, o crescimento brutal das
comparação com a miséria em que viviam há 30 desigualdades sociais, o aumento do desemprego
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ou 40 anos, o certo é que as elites – em especial as e da pobreza, as desigualdades de gênero e uma


novas elites privilegiadas, ligadas à indústria e ao rápida precarização do trabalho, que atingiu em
comércio – ascenderam muito rapidamente, dis- especial os setores mais jovens (incluindo os mais
tanciando-se dos níveis de vida da classe média e escolarizados).
dos trabalhadores manuais. A “classe média” cres- Temos, portanto, sobre os nossos ombros,
ceu até finais do século, em boa medida à sombra um passado recente marcado por inúmeros con-
do crescimento do Estado, como se disse, mas, ao trastes, e é neles que porventura repousam as cau-
mesmo tempo, permaneceu instável e internamente sas mais decisivas do nosso atraso estrutural. A
muito diferenciada. cultura tradicional do país e a escassa qualificação
Pode até dizer-se que a classe média portu- dos agentes econômicos (empresários e trabalha-
guesa foi mais importante pelo seu papel como dores) espelham ainda os atributos de uma socie-
referência simbólica no imaginário coletivo do que dade subdesenvolvida, amarrada às mentalidades
por ser um segmento social consistente e dotado atávicas e paroquiais, aqui e ali deixando ainda
de índices elevados de bem-estar. Foi, sobretudo, transparecer alguns resquícios de feudalismo e de
o resultado de uma rápida concentração urbana e salazarismo. Prevalecem os modelos de gestão de
da facilitação do crédito, aspectos decisivos para natureza despótica, lado a lado com dependênci-

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as e tutelas de todos os tipos, que se adaptam de tória e o significado das lutas sociais dos trabalha-
modo perverso à vida moderna, corroendo o fun- dores europeus ao longo dos últimos cento e
cionamento das empresas e instituições e travan- cinquenta ou duzentos anos, jamais compreende-
do as potencialidades de modernização econômi- remos a diferença entre o modelo social europeu e
ca e de aprofundamento democrático. o mercantilismo individualista dos países anglo-
Mantêm-se ou intensificam-se os velhos saxônicos. Se houve efetivamente progressos fun-
dualismos, tais como a divisão entre o interior e o damentais na Europa ao longo de todo esse tem-
litoral ou entre o rural e o urbano, muito embora po, eles se devem essencialmente à capacidade de
tais divisões conservem fortes imbricações recípro- organização e de luta coletiva da classe trabalhado-
cas. Essas antigas contradições continuam a per- ra e do movimento operário nos países industria-
sistir, embora se adaptem aos tempos atuais. Os lizados. Esse é, de resto, um patrimônio que é rei-
setores protegidos do emprego tornam-se cada vez vindicado por toda a esquerda, desde a social-de-
mais raros, enquanto o emprego precário subiu mocracia até o movimento comunista.
acima dos 20% (22% em 2007 para os trabalhado- Se hoje temos mecanismos de regulação dos
res com menos de 35 anos) e, nas camadas mais conflitos e uma ordem jurídica que privilegia o
jovens, atinge cerca do dobro desse percentual, o diálogo e a concertação entre os diferentes parcei-
que, por sua vez, exprime a contradição geracional ros e classes sociais, isso se deve aos grandes sa-
entre uma juventude mais qualificada, mas tam- crifícios e às lutas do movimento operário. Nesse
bém mais precária, e as condições de trabalho dos sentido, o direito do trabalho foi (e é) um instru-
seus pais ou avós. O discurso da privatização foi, mento decisivo a serviço dos trabalhadores, desti-
durante décadas, elevado ao estatuto de único le- nado a reequilibrar as relações sociais entre capital
gítimo, pois apoiado na competitividade, e, ao abri- e trabalho, que são, como se sabe, estruturalmente
go desse discurso – erigido em pensamento único assimétricas. No entanto, apesar dos avanços al-
por parte do poder –, desencadearam-se diversas cançados, em muitos países persistiram, ao longo
reformas nos serviços públicos em diversas áreas, dos tempos, inúmeras formas de trabalho fora de
tais como a saúde, o funcionalismo público, a edu- qualquer proteção jurídica, e a erosão dos direitos
cação e outras, justificando-se tais mudanças com sociais e econômicos dos trabalhadores suplantou
base num suposto privilégio dos trabalhadores e largamente a força da lei. Como sabemos, isso ain-
funcionários da administração pública, por con- da ocorre em diversas regiões do globo.

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traste com os do setor privado, servindo esse ar- Sendo expressão das relações políticas numa
gumento para uma clara estratégia de nivelamento sociedade, a ordem jurídica funcionou, ao longo
por baixo. da história, como meio de legitimação de relações
Porém, quer a capacidade de realizar as re- de poder fortemente desequilibradas, impondo-se
formas, quer as possibilidades de lhes resistir, bem geralmente sobre uma força de trabalho submissa
como a razoabilidade com que as mesmas são con- e destituída dos direitos mais elementares, sem
cebidas e levadas à cabo são parte de processos mais um salário digno ou proteção social e sem acesso
complexos que só poderemos interpretar se forem aos direitos humanos mais elementares. No en-
situados no devido contexto e na própria historia. tanto, a transformação histórica obteve importan-
E é justamente a essa luz que as propostas legislativas tes resultados de sentido emancipatório, em parti-
de alteração do sistema de relações laborais, para cular nos países mais avançados. O direito do tra-
terem sucesso, deveriam começar por diagnosticar balho triunfou nos países europeus e é uma ban-
a realidade que temos, não com base em juízos deira fundamental para trabalhadores dos mais
ideológicos, mas tendo presente o contexto onde diversos continentes, justamente porque representa
nos inserimos e o património sociocultural que uma poderosa arma a serviço das classes subalter-
herdamos do passado. Sem considerarmos a his- nas, defendida, desde sempre, pelo movimento

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sindical internacional e veiculada por organizações corroem as nossas instituições, desestimulando o


internacionais como a OIT, que tem prestado um trabalhador dedicado. Em vez do mérito e da inici-
inestimável papel na defesa dos direitos humanos ativa individual, prevalecem as posturas e atitu-
no trabalho, em todos os continentes. É precisa- des de bajulação e resignação perante a autorida-
mente à luz desse patrimônio histórico, de que a de; em vez do ambiente de exigência e de estímulo
Europa é um palco privilegiado, que as mudanças à criatividade e à co-responsabilização (individual
impostas pelos poderes dominantes nessa matéria e coletiva), cultiva-se o “seguidismo” e a mediocri-
– no sentido de uma flexibilidade ditada pela con- dade; em vez de cidadãos livres e autônomos, pro-
corrência desregrada, pelos requisitos do mercado move-se o oportunismo e a delação. Tudo isso é o
global e pelas exigências do grande capital – cor- contrário de uma sociedade democrática avança-
rem o risco de representar uma regressão inaceitá- da. Tudo isso se opõe aos valores do socialismo
vel para os trabalhadores europeus. democrático. E a tudo isso é possível fazer frente.
Portugal, com todas as suas especificidades, A questão está em saber se os governos e a classe
insere-se justamente nesse quadro. E é por isso dirigente pretendem inverter esse rumo ou contri-
que as alterações que o novo Código do Trabalho2 buir para que ele se torne irreversível e nos em-
vem introduzir são, em variadas matérias (ou me- purre de novo para o abismo.
lhor, nos seus aspectos mais decisivos), motivo Ora, perante esse panorama – e como diver-
de grande apreensão para aqueles que assumem a sos estudos internacionais têm mostrado –, a ques-
defesa da classe trabalhadora contra a exploração tão da estabilidade e da segurança no emprego cons-
capitalista (cerca de cento e quarenta anos após a titui o principal motivo de preocupação dos traba-
1ª edição do livro 1 de O Capital) e contra outras lhadores. Encontrar um primeiro emprego é a pri-
formas de opressão e de injustiça social. Acresce meira das prioridades dos estudantes do ensino
que as condições de subdesenvolvimento já refe- superior (Estanque; Bebiano, 2007).
ridas colocam a sociedade portuguesa – e a sua Hoje, se é “jovem” até muito além dos 30,
força de trabalho assalariada – numa situação de porque muito ficam dependentes da família até
especial vulnerabilidade, visto que estamos longe muito tarde, mas se é por vezes considerado “ve-
de garantir plenamente os direitos de cidadania. lho” quando, trabalhadores desempregados, com
Como muitos de nós temos apontado repetidamen- quarenta e poucos anos, são preteridos devido à
te, existem medos incrustados nas instituições, que idade. A perda do emprego é a principal ansieda-
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impedem o fortalecimento da esfera pública e ten- de frente à qual muitas outras exigências, mesmos
dem a inibir qualquer ação reivindicativa no campo as mais evidentes, podem ser sacrificadas. Exis-
profissional, onde imperam os constrangimentos e tem empresas, nos EUA e na Europa, que estabele-
a mentalidade autoritária de empresários e chefias. cem um salário máximo, pedindo aos candidatos
A presença de culturas autocráticas, de tutelas e a um posto de trabalho que indiquem quanto “pre-
compadrios dos mais diversos tipos, onde deveri- tendem” ganhar, até esse nível máximo (por exem-
am prevalecer a transparência, as estratégias de ges- plo, oito euros por hora), o que induz a um cons-
tão e lideranças democráticas, são ingredientes que tante rebaixamento salarial indicado pelos preten-
dentes ao emprego (os que indicam quatro euros
2
Designação atribuída ao pacote legislativo na área traba-
lhista, que teve uma primeira versão em 2003, no gover- ou menos serão naturalmente os preferidos). É a
no do PSD, dirigido por Durão Barroso, e que mais re- lógica da autonegação da dignidade, produzida pelo
centemente foi reformulado e aprovado pela Assembleia
da República, em 2008. A nova orientação, defendida espectro do desemprego e da miséria. O clima de
pelo PS de José Sócrates, teve, porém, uma forte oposi-
ção, sobretudo por parte dos partidos à sua esquerda (o angústia que o atual cenário de crise tem acentua-
Partido Comunista e o Bloco de Esquerda) e também por
parte do campo sindical (em especial a central sindical do só contribui para que tais sintomas “patológi-
mais representativa e combativa, a CGTP), que mobili- cos” se tornem ainda mais dramáticos do que até
zou, em 2008, várias manifestações de rua em Lisboa,
algumas delas com mais de duzentos mil participantes. agora temos conhecido.

318
Elísio Estanque

Porém, quando o trabalhador (ou o cida- postamente, se pode dialogar e os outros, ditos con-
dão) é sistematicamente reprimido e impedido de servadores ou “ao serviço de...”), seremos levados
manifestar a sua vontade ou de exigir o cumpri- a perceber o papel social e transformador do
mento de direitos, o que acontece é o aumento do sindicalismo (e tanto a contestação como a negocia-
descontentamento e da contrariedade no trabalho ção são vias igualmente válidas no plano social) e
e na sociedade. Daí resulta, então, uma de duas talvez então se possa aceitar que o sindicalismo
posições: ou se acentua a resignação e o medo, ou combativo e de movimento é aquele que maior con-
aumenta a crispação e o sentimento de revolta. Esse tribuição deu e pode dar ao progresso social.
ambiente – agravado com as múltiplas formas de É sobretudo em períodos de crise e de difi-
recomposição, desmembramento, flexibilidade, culdades para as classes trabalhadoras que ocor-
deslocalização e fechamento de empresas, rem as grandes reviravoltas históricas, normalmente
precarização do trabalho, fragmentação dos pro- acompanhadas de novos movimentos e da emer-
cessos produtivos etc. – tem conduzido a classe gência de novas lideranças. Na Inglaterra do sécu-
trabalhadora a uma cultura de impotência e de lo XIX e noutros contextos históricos mais recen-
conformismo. Uma “classe” cada vez mais hetero- tes – de que pode ser exemplo o 25 de abril de
gênea e frágil, que se depara com tremendas difi- 1974 –, a mobilização popular não se deveu ape-
culdades em agir coletivamente. Há muito que as nas a motivações políticas e econômicas (nem a
identidades de classe perderam fulgor em favor de causas racionais, da ordem da “consciência” ou
outras identidades rivais e de outras formas de dos “interesses”), mas também, talvez, sobretudo,
ação coletiva (e de inação), num processo que se a fatores culturais e identitários. A identidade pre-
acentuou enormemente com o colapso do regime cede os interesses. Mas estes, quando fundados
soviético e, no caso português, após a saturação em fortes carências e necessidades básicas por sa-
da linguagem marxista e “de classe” de que se usou tisfazer, podem produzir rebeliões radicais e de
e abusou no período da Revolução dos Cravos massas, ainda que não sejam orientadas por ne-
(1974). Perante o refluxo da ação coletiva e do dis- nhuma motivação política explícita (ou inspiradas
curso ideológico, os sindicatos perderam força e numa ideologia identificável).
capacidade de organização e de mobilização, nome- A classe trabalhadora deixou há muito de ser
adamente junto dos segmentos mais fragilizados e homogênea (porventura nunca chegou a sê-lo, a não
mais jovens da força de trabalho. Para além de um ser em contextos muito particulares), mas a difusão

CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 311-324, Maio/Ago. 2009


contexto social e político pouco favorável à partici- da precarização e do trabalho sem estatuto e sem dig-
pação coletiva e associativa – e sem esquecer as pró- nidade pode conduzir a novas homogeneizações, que,
prias dificuldades de renovação do sindicalismo embora de base trans-classista, sejam capazes de
(Estanque, 2008) –, o reforço do poder patronal e a se unificar na defesa de uma identidade agredida e
retirada de condições favoráveis à ação sindical vêm ofendida nos locais de trabalho, mas também na
agravar ainda mais essas tendências. comunidade de residência ou na relação com os
serviços públicos. Mesmo a participação, a solida-
riedade e a partilha coletiva da indignação podem
SINDICALISMO E AÇÃO COLETIVA, ANTES E recuperar um certo sentido de recompensa simbó-
APÓS A CRISE lica, estimulando o desejo de reconstrução comu-
nitária, quer se esteja voltado para um passado
Nessa discussão, torna-se incontornável nostálgico e em nome das “raízes” (por exemplo, o
equacionar a questão sindical. Se nos despirmos nacionalismo ou o bairrismo), quer se projete num
de juízos de valor e, sobretudo, se formos capazes futuro promissor e “emancipatório” como, por
de evitar a tendência de classificar os sindicatos exemplo, o socialismo (Tilly, 1978; Morris, 1996;
entres os “bons” e os “maus” (uns com quem, su- Estanque, 2000).

319
SOCIOLOGIA E ENGAJAMENTO EM PORTUGAL...

Tomados por muitos como fatores de blo- gor o princípio da “válvula de escape”, mas os
queio ao crescimento econômico e ao desenvolvi- seus efeitos são politicamente incertos. As ondas
mento, os sindicatos queixam-se, com razão, de de protesto e o discurso de indignação que as acom-
que, em diversas regiões do mundo, as formas de panha, exacerbados por um poder (institucional,
trabalho parecem ter regressado aos tempos “satâ- empresarial ou governamental) de viés autoritário,
nicos” de Marx. Mas, apesar da mítica classe ope- podem ganhar um efeito mimético de proporções
rária estar em desagregação, não surge no horizon- imprevisíveis, se para tal as condições sociais se
te nenhuma outra identidade capaz de congregar a tornarem propícias.
unidade dos assalariados. As atuais pressões do O atual contexto de crise, ao mesmo tempo
mercado e da economia global deixam aos sindica- em que ameaça desfazer um conjunto de laços soci-
tos uma margem de manobra cada vez mais estrei- ais que até aqui garantiam a coesão mínima da soci-
ta, mas, por outro lado, o esforço de atualização edade, pode – precisamente porque o sistema soci-
por parte das estruturas sindicais tem sido dimi- al tem horror ao vazio – galvanizar de novo as mul-
nuto e insuficiente para responder aos problemas tidões que se sentem ressentidas e desprotegidas. E
da atualidade. Sobra, então, espaço para novos o fato de o sindicalismo apenas timidamente se
atores e movimentos. envolver nesse tipo de iniciativas, até agora, não
Nas últimas décadas, enquanto a economia garante que elas continuem a ter uma expressão
e os mercados deixaram de estar confinados às fron- modesta. Até porque, se o presente é fortemente
teiras nacionais, o movimento sindical revelou marcado pela contingência, tanto pode acontecer
enormes dificuldades em agir para além do âmbito que expressões de grupos minoritários (sejam eles
nacional (e, muitas vezes, do próprio âmbito os MayDay, os FERVE ou outros3) possam repenti-
setorial). A globalização revelou-se contraditória e namente se alastrar, como a própria intensificação
gerou múltiplos efeitos paradoxais, nomeadamen- da pressão pode levar a que o sindicalismo radicalize
te ondas sucessivas de protestos juvenis e movi- o seu discurso e consiga mobilizar a massa de pre-
mentos sociais que se reclamaram de “alter- cários e desempregados que tem vindo a engrossar
globalização”. Desde a cúpula da Organização e ameaça expandir-se ao longo de 2009.
Mundial do Comércio (OMC) em Seattle, em 1999, Diversos autores e acadêmicos têm formu-
passando pelos encontros do Fórum Social Mun- lado a necessidade de se criarem novas alianças e
dial, em Porto Alegre e outras cidades, esse ativismo
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– largamente apoiado pelas redes virtuais do 3


MayDay: um movimento autônomo ativado por grupos
de trabalhadores precários em vários países europeus, com
ciberespaço – revelou novas e inovadoras formas influência da extrema-esquerda, que há cerca de três anos
de denúncia e de intervenção pública, que até ago- se estendeu a Portugal e começou a organizar manifesta-
ções no dia 1 de maio. Já o FERVE – Fartos d’ Estes Reci-
ra têm marcado as formas de ativismo global do bos Verdes – é uma organização ou movimento que sur-
giu de forma espontânea a partir de um grupo de jovens
século XXI. As mais recentes ondas de contestação trabalhadores, com contratos precários, cujo estatuto de
prestações e registo fiscal é feito com base nos “Recibos
dos jovens (França, Grécia, Catalunha), invocam, Verdes”, ou seja, um livro de recibos fornecido pela repar-
por vezes, o Maio de 68, até porque as condições tição de finanças para trabalhadores autônomos ou pro-
fissionais liberais (como advogados, técnicos de contas,
sociais são igualmente ativadas por condições se- canalizadores etc). O regime de recibo verde foi concebido
para trabalhos pontuais, mas em Portugal, como até re-
melhantes, em que os grupos e as comunidades de centemente, a legislação trabalhista era considerada mui-
to rígida (na proteção ao trabalhador e, sobretudo, na pre-
jovens se afirmam, mobilizando-se contra um venção da demissão ilegal) e começou a generalizar-se nas
opositor, ou um “inimigo” identificado. Mas são empresas o recurso a esse tipo de prestação, desde os anos
90, como forma de contornar o direito do trabalho e faci-
fenômenos muito distintos. Enquanto, naquela épo- litar as demissões. Daí surgiram os chamados “falsos reci-
bos verdes”, isto é, situações em que o mesmo trabalha-
ca, era a consciência política e as autoproclamadas dor permanecia com esse estatuto precário (e poupando
os encargos às empresas) durante anos, contribuindo para
“vanguardas” que assumiam a liderança da luta, aumentar, juntamente com os contratos a prazo, o volu-
agora a ação coletiva perdeu parte do seu conteú- me de assalariados nessa situação (que se situa hoje entre
18 a 20% da força de trabalho, mas bem acima disso nas
do político. Dito de outro modo, continua em vi- camadas mais jovens).

320
Elísio Estanque

dinâmicas internacionalistas, como condição para te do sindicalismo de hoje se deixou enredar. Exi-
revitalizar o sindicalismo perante o agravamento ge uma reflexão séria e uma atitude autocrítica e
das desigualdades e injustiças sociais em todos os porventura mais humilde da parte das atuais lide-
continentes, alegando que a mobilidade global – ranças sindicais, associativas e institucionais, em
de capitais e de empresas funcionando em rede – todos os domínios da nossa vida social.
exige respostas sindicais também em rede e igual- Por exemplo, a extraordinária capacidade da
mente articuladas na escala transnacional internet e do ciberespaço constitui um enorme
(Waterman, 2002; Estanque, 2007). Ao contrário potencial ainda subaproveitado. A facilidade para
de outros países e regiões, como o Brasil e a Amé- aceder à informação, para acumular e divulgar co-
rica Latina, onde a cooperação entre as universi- nhecimento em frações de segundo poderia ser uma
dades, os acadêmicos e os centros de pesquisa, de poderosa arma a serviço do movimento sindical e
um lado, e os movimentos sociais e sindicais, de da democracia em geral (Ribeiro, 2000; Waterman,
outro, são uma constante, em Portugal essa tradi- 2002). O problema não reside, portanto, na
ção praticamente não existe. tecnologia ou na sua ausência. O problema é que os
As novas redes e estruturas transnacionais atributos socioculturais que enunciei anteriormen-
de organização política são cada vez mais necessári- te se refletem e se reproduzem nos mais diversos
as. Não apenas na União Europeia, onde as famíli- meios e instâncias organizacionais, inibindo, assim,
as políticas possuem ainda pouca eficácia e os pró- uma maior transparência na gestão das instituições
prias estruturas sindicais são incipientes. Para en- e travando, sem sabermos até onde, o processo de
frentar os atuais desafios (que a crise apenas veio consolidação e aprofundamento democrático.
acelerar), o sindicalismo de hoje terá de se reinventar
ou se reestruturar profundamente. Um sindicalismo
de movimento social global, orientado para a in- CONCLUSÃO
tervenção cidadã, terá de se estender para além da
esfera laboral; terá de passar das solidariedades Concluindo, a crise que nos surpreendeu
nacionais para as transnacionais, de dentro para no final de 2008 tem causas bem mais profundas e
fora, dos países avançados para os países pobres. longínquas do que pode parecer. E o modo como
Precisamos de um sindicalismo que não abdique setores decisivos, como o do emprego, são ou não
da defesa dos valores democráticos, mas em que capazes de responder às dificuldades e problemas

CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 311-324, Maio/Ago. 2009


eles se alarguem à democracia participativa (nas do presente deriva, em boa medida, da capacidade
empresas, escolas, cidades, comunidades etc.); que que tenha de reconverter algumas das velhas pechas
coloque as questões ambientais e a defesa dos con- do nosso sistema produtivo em potencialidades de
sumidores, dos saberes e tradições culturais lo- mudança. Mudança para um outro paradigma. E
cais no centro das suas lutas e negociações; que isso depende muito dos agentes econômicos em
resista ao capitalismo destrutivo através de um posições de liderança e da capacidade do próprio
maior controle sobre o processo produtivo, os in- poder político de aceitar o surgimento de novos
vestimentos, a inovação tecnológica e as políticas protagonistas e de novas posturas com sentido éti-
de formação e qualificação profissional; que pense co, animados pela defesa da causa pública, em
os problemas laborais no quadro mais vasto da busca do bem-estar geral e da construção de vín-
sociedade, da cultura ao consumo, do trabalho ao culos de solidariedade com as classes subalternas.
lazer, da empresa à família, do local ao global (Es- Essa visão resulta, como indicamos no iní-
tanque, 2004; Hyman, 2002). cio deste artigo, de um conjunto de atividades, de
Mas tudo isso pressupõe uma estratégia pesquisa e de intervenção, que temos desenvolvi-
ambiciosa que rompa com a prática de acomoda- do no CES há cerca de 20 anos. A preocupação
ção ao funcionamento burocrático em que boa par- em levar a sociologia para fora dos muros da uni-

321
SOCIOLOGIA E ENGAJAMENTO EM PORTUGAL...

versidade não é nova para nós. E, no campo con- REFERÊNCIAS


creto do sindicalismo e do trabalho, talvez não seja
um mero acaso que as pessoas que integram a equi- ANTUNES, Ricardo (Org.). Riqueza e miséria do trabalho
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mas também o engajamento em associações de de- gualdades e da justiça em Portugal numa perspectiva com-
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global. In: SANTOS, Boaventura S. (Org.). Trabalhar o
os movimentos dirigidos pelo ex-candidato presi- mundo: os caminhos do novo internacionalismo operá-
dencial e poeta das canções de Coimbra, Manuel rio. Porto: Afrontamento, p. 297-334, 2004.
Alegre) são todos eles domínios de intervenção ________. A questão social e a democracia no início do
século XXI: participação cívica, desigualdades sociais e
onde a sociologia se conjuga estreitamente com o sindicalismo, Finisterra – Revista de Reflexão Crítica, Lis-
boa, v. 55/56/57, p. 77-99, 2007.
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Se é verdade que a ciência social deve procu- perplexidades e Entre os velhos e os novos activismos:
tensões e desafios do movimento sindical. Revista JANUS
rar a objetividade e ser teórica e metodologicamente – Anuário de Relações Internacionais, v. 20. Lisboa, UAL/
rigorosa – sem se deixar confundir com a ideolo- Jornal Público, p. 184-187, 2008.
gia e, menos ainda, com a ortodoxia –, também é ________. Jovens, estudantes e ‘repúblicos’: culturas es-
CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 311-324, Maio/Ago. 2009

tudantis e crise do associativismo em Coimbra, Revista


necessário não esquecer que, entre a realidade e a Crítica de Ciências Sociais, n. 81, p. 9-41, 2008a.
imaginação sociológica, não há qualquer incompa- ________; MENDES, José Manuel. Classes e desigualda-
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tibilidade. Antes pelo contrário: as zonas ocultas Afrontamento, 1997.
da primeira só podem ser iluminadas com o auxí- ________; BEBIANO, Rui. Do activismo à indiferença: mo-
vimentos estudantis em Coimbra. Lisboa: ICS, 2007.
lio da segunda. E saber de que lado estamos nesse
HYMAN, Richard. Europeização ou erosão das relações
mundo de contrastes e de injustiças é uma opção laborais?. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 62.
Coimbra: CES, p. 7-32, 2002.
que não pode ser ditada por critérios científicos,
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mas pelos valores e princípios éticos que guiam o HEELAS, Paul et al. (Eds.), Detraditionalization. Oxford:
cientista social nas suas escolhas e na sua ação Blackwell, 223-249, 1996.
(como cientista e como cidadão). RIBEIRO, Gustavo Lins. Política cibercultural: ativismo po-
lítico à distância na comunidade transnacional imaginada-
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Cultura e política nos movimentos sociais latino-america-
nos. Belo Horizonte: Editora UFMG, p. 465-502, 2000.
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322
Elísio Estanque

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323
SOCIOLOGIA E ENGAJAMENTO EM PORTUGAL...

SOCIOLOGY AND ENGAGEMENT IN THE LA SOCIOLOGIE ET L’ENGAGEMENT AU


PORTUGAL: critical reflection on labour and PORTUGAL: réflexions à partir du travail et du
trade unionism in a time of crisis syndicalisme
Elísio Estanque Elísio Estanque
This paper aims to be an example of the Ce paper (travail) essaie d’être un exemple
critical-public sociology that is produced at CES de la sociologie critique publique développée par
– Centre for Social Studies of the University of le Centre d’Etudes Sociales (CES) de l’Université
Coimbra. Focusing one specific research area de Coimbra. Le thème que l’on aborde ici
(sociology of work and trade unionism), the (sociologie du travail et du syndicalisme) assume
critical perspective is assumed, both in une perspective critique autant d’un point de vue
theoretical and reflective terms, as well as théorique et réflexif que d’une pratique politique
political praxis of the social scientist. Considering des sciences sociales, aspects considérés comme
this framework, the current crisis is taken as the les deux faces d’une même médaille. Partant de ce
starting point to discuss the portuguese case on point de vue, l’actuelle conjoncture de crise est
the labour issue, stressing some structural lines mise en discussion et le cas portugais est analysé
of the country as a European semi-periphery and à la lumière de la question du travail. Certains traits
showing that some of its current problems have structuraux du pays sont mis en évidence tel que
ancient roots. celui de semi périphérie de l’Europe et montrent
combien quelques problèmes actuels ont une ori-
gine très ancienne.

KEY-WORDS: public sociology, crisis, labour, trade MOTS-CLÉS: sociologie publique, crise, travail,
unionism, Portugal. syndicalisme, Portugal.
CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 311-324, Maio/Ago. 2009

Elísio Estanque - Doutor em Sociologia pelo ISCTE. Pesquisador do CES – Centro de Estudos Sociais e
Professor de Sociologia na Universidade de Coimbra. Coordenador dos Programas de Pós-Graduação em
Relações de Trabalho, Desigualdades Sociais e Sindicalismo. Desenvolve pesquisas nas áreas de Sociologia
do Trabalho, Classes e Desiguadades Sociais, Movimentos Sociais e Estudantis. Publicou, entre outros, Entre
a Fábrica e a Comunidade (Porto, Afrontramento, 2000); Mudanças no Trabalho e Ação Sindical: Portugal,
Brasil e o contexto transnacional. (Co-autor. São Paulo: Cortez, 2005; e Do Activismo à Indiferença: movimen-
tos estudantis em Coimbra (em co-autoria com Rui Bebiano, Lisboa, Ed. ICS, 2007).

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