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PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM NA CONSTRUÇÃO

DO TEXTO EM SALA DE AULA

INTRODUÇÃO

Este trabalho apresenta uma pesquisa que tem como foco principal
a produção textual em sala de aula, observando como o professor apresenta a
proposta ao aluno, qual o contexto em que os produtores textuais estão
inseridos e qual o nível de conhecimento destes escritores, com relação ao que
é proposto.

Para dar suporte teórico a essa pesquisa fizemos uso dos textos de
alguns autores, que tratam do assunto: Bakhtin, Geraldi, Chiappini, Coracini e
ainda os PCN’s (ensino médio, ano 2000). Tais escritores levantam, em seus
textos, questões relacionadas com a sala de aula, o processo de aquisição da
linguagem, a interação entre o eu e o tu, abordando ainda as concepções de
linguagem.

Com relação às concepções de linguagem os autores exploram


basicamente três tipos: linguagem como reflexo do pensamento; língua como
instrumento de comunicação; e concepção sócio-discursiva da linguagem.

Para essa pesquisa utilizamos como base a concepção sócio-


discursiva da linguagem, pois a língua é discursiva e a usamos em várias
instâncias, dando origem à interação social, que acaba por construir ou
modificar a língua. É também por meio deste processo de interação que a
língua é interiorizada. Geraldi coloca esta idéia em seu texto, veja:

“Mais do que ver a linguagem como uma capacidade humana de


construir sistemas simbólicos, concebe-se a linguagem como uma
atividade constitutiva, cujo lócus de realização é a interação verbal.
Nesta relacionam-se um eu e um tu e na relação constroem os
próprios instrumentos (a língua) que lhes permitem a
intercompreensão. Obviamente, nascemos num mundo onde muitos
eus e muitos tus já se encontram.”

(GERALDI, 1996, P: 67)


Os PCN’s reforçam a importância da interação social dentro da
escola, note:

“O aluno, ao compreender a linguagem como interação social,


amplia o reconhecimento do outro e de si próprio, aproximando-se
cada vez mais do entendimento mútuo.

Verificar o estatuto dos interlocutores participantes do processo


comunicativo, as escolhas discursivas, os recursos expressivos
utilizados pode permitir ao aluno o conhecimento da sua linguagem
como legítima, sem desmerecer as demais.”

(PCN’s, 2000, P: 10)

Para ampliar a teoria nesse estudo, levamos em consideração ainda


a importância dos diversos tipos de gêneros discursivos, escritos e orais,
tomando como definição que, os gêneros do discurso são tipos relativamente
estáveis de enunciados, elaborados pela esfera de utilização da língua.
Contudo, uma única esfera pode comportar inúmeros gêneros discursivos,
podendo estes ser modificados de acordo com as necessidades que vão
surgindo durante sua utilização. Bakhtin deixa isto explícito no texto “Os
gêneros do discurso”, observem abaixo:

“Qualquer enunciado considerado isoladamente é, claro, individual,


mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos
relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que
denominamos gêneros do discurso.

A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois


a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada
esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do
discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a
própria esfera se desenvolve e fica mais complexa.”

(BAKHTIN, 2000, P: 279)

Bakhtin acrescenta que os gêneros do discurso são mais simples


que as formas da língua. Porém, para o locutor estes gêneros são também
normativos, pois não é o indivíduo sozinho que os constroem, e sim a
sociedade.

No estudo realizado, foi observada uma turma de 1º ano do ensino


médio, de uma escola estadual de ensino fundamental e médio, de onde foram
recolhidas vinte produções escritas, construídas a partir de uma proposta
apresentada pelo professor. Porém, como corpora para o trabalho, fizemos uso
apenas de dois textos. Faz-se necessário deixar claro que, o texto 1 foi o
melhor texto produzido, já o texto 2 foi o que menos apresentou idéias
relacionadas ao comando dado pelo professor. (Ver anexos II e III)

O TEXTO DO ALUNO DIANTE DA IMPOSIÇÃO DE UM TEMA.

Com o suporte teórico dos textos estudados e a análise dos textos


produzidos pelos alunos durante a observação em sala, podemos considerar
que os alunos ainda sentem dificuldades na hora de produzir um texto, visto
que, na maioria das vezes é apresentado aos escritores um único tema, em
que todos devam desenvolver o “próprio pensamento” em torno do tema
proposto.

A proposta apresentada pelo professor aos alunos da turma


observada, consiste na elaboração de um diálogo entre duas amigas, a partir
do reencontro das mesmas após vinte anos de separação. (Ver anexo I)

Faz-se necessário frisar que tal proposta foi passada aos alunos
sem nenhum contexto ou motivação para que eles produzissem um texto. Este
processo de produção escrita não é um meio seguro de se adquirir uma
resposta positiva por parte do escritor, pois o texto não pode ser repassado
solto ao produtor, mas a partir de um objetivo que, conseqüentemente dará
origem a outro tema, que ao ser desenvolvido provocará o surgimento de outra
proposta, e assim por diante, em um processo contínuo de construção.
Esse método de construção contínua é bem utilizado pelos
pesquisadores que contribuíram para o texto de Chiappini, como pode ser
observado abaixo:

“Na escola A, os alunos da 7ª série estavam desenvolvendo


atividades segundo um planejamento que tem por meta distinguir os
processos de comunicação veiculados no interior da escola. No
desenrolar dessas atividades, a elaboração de convites para peças
teatrais fez emergir o interesse pelo texto teatral. Os alunos então
passaram a produzir suas “peças” sob a orientação da professora
de Português.”

(CHIAPPINI, 2000, P: 40)

Partindo do trabalho realizado pelos pesquisadores que contribuíram


para sua obra, Chiappini apresenta a seguinte definição:

“O presente trabalho ancora-se no pressuposto de que os caminhos


que levam o aluno a dominar a escrita passam por um compromisso
de trabalho com a linguagem. Não se trata, portanto, de um
exercitar aleatório de propostas eventuais que pretendem estimular
o aluno a escrever e a desenvolver o texto. O que se coloca é uma
outra perspectiva: aquela segundo a qual a produção e a leitura de
textos devem estar ligadas a uma seqüência planejada de
atividades com objetivos definidos e que demandam escritas,
leituras e reescritas, além de uma avaliação do que foi produzido.”

(CHIAPPINI, 2000, P: 120-121)

Analisando o texto 1 é possível observar que mesmo não sendo o


melhor processo, o aplicado pelo professor, o produtor textual conseguiu
desenvolver algumas idéias correspondentes ao comando do tema. Observe a
passagem a seguir:

“...

− Oi você é a Tamires
− Sim, sou eu.

− Tudo bem eu sou a Kaline lembra

− Claro, como poderia esquecer aquele pacto com Chantili

− Como você está bonita

− Você também está muito elegante.

...”

Veja que mesmo conseguindo desenvolver um diálogo entre as duas


amigas, o escritor não corresponde completamente às expectativas, pois um
reencontro entre duas grandes amigas após vinte anos, deveria ser no mínimo
agitado, com inúmeras expressões de alegria. Além disso, o diálogo não se
estende muito, logo em seguida as “grandes amigas”, colocadas pelo escritor,
despedem-se dando fim à história. Lembre-se de que este texto foi a melhor
produção elaborada pelos alunos da turma diante do tema dado pelo mestre.

Quando observamos o texto 2, notamos que o nível de dificuldades


encontradas pelo produtor deste texto foi bem maior.

O texto foi desenvolvido no decorrer de 30 linhas, sendo que, até a


19ª linha o escritor apenas fez uso do enunciado utilizado pelo professor na
construção do tema. Somente a partir da 20ª linha é que aparece o diálogo
entre as amigas, construído pelo autor.

Logo em seguida, na linha 25, o escritor faz uma paráfrase de um


trecho da proposta, trecho este que já havia sido utilizado anteriormente por
ele. Veja a seguir os dois usos feitos pelo aluno:

“− Eu? não fiz nada. não namorei, não me formei, nada.

Estou com 35 anos e ainda não tive uma vida.” (linhas 15 e 16)
“− Uh! não tem quase nada para te contar, acredita que eu estou
com 35 anos e ainda não casei, não namorei, nada. Estou
trabalhando de fachineira.” (linhas 25, 26 e 27)

O principal motivo da deficiência dos produtores textuais dentro da


sala de aula, talvez, seja o velho hábito de “escrita-reprodução”, isto é, os
alunos estão acostumados a copiar respostas e idéias prontas e superficiais,
com isso, não são/estão capazes de desenvolver um texto rico em idéias
significantes.

O tema apresentado pelo docente não é tão complexo para quem


tem o domínio da escrita, mas, neste caso, em que a maioria dos alunos
envolvidos não teve orientações quanto ao processo de produção escrita, o
educador poderia ter passado uma produção de tema livre e aos poucos iria
orientando a classe.

Ao analisarmos textos como esses (textos 1 e 2) vemos que a


escola está trabalhando com os alunos de forma mecânica, considerando
somente a gramática normativa e as regras de produção, descartando de
imediato o conhecimento pragmático dos alunos.

A escola precisa proporcionar ao aluno, meios para ele produzir


textos a partir de assuntos que sejam do nível de conhecimento de quem vai
escrever. Para isto, faz-se necessário a realização de pesquisas, por parte da
escola e professores, sobre os principais gêneros textuais que circulam dentro
e fora do âmbito escolar, desde que tais gêneros sejam do cotidiano da classe
escolar.

Quando o conteúdo é de domínio do estudante fica nítido o aumento


da qualidade de seu texto. À medida que o aluno for progredindo em sua
escrita, a escola/professor poderá, aos poucos, aumentar a complexidade das
propostas, pois com certeza o alunado terá uma base mais sólida para realizar
a produção textual, baseando-se em diversos tipos de gêneros.

É importante observar que não se deve dizer, de imediato, ao aluno


que o texto produzido por ele está errado, pois isto poderá desestimulá-lo a
escrever. Além disso, antes de analisar os “erros” gramaticais devemos
observar o conhecimento que este produtor possui sobre o que está sendo
tratado em seu texto, como ele organiza suas idéias e, acima de tudo, quais
são as dificuldades que este aluno tem em relação à norma gramatical. Esta é
uma proposta já trazida pelos PCN’s, veja a transcrição abaixo:

“O desenvolvimento da competência lingüística do aluno no ensino


médio, dentro dessa perspectiva, não está pautado na exclusividade
do domínio técnico de uso da língua legitimada pela norma padrão,
mas, principalmente, no saber utiliza a língua, em situações
subjetivas e/ou objetivas que exijam graus de distanciamento e
reflexão sobre contextos e estatutos de interlocutores – a
competência comunicativa vista pelo prisma da referência do valor
social e simbólico da atividade lingüística e dos inúmeros discursos
concorrentes.”

(PCN’s, 2000, P: 11)

Com base nas dificuldades dos alunos é que devemos ensinar,


dentro do contexto das produções escritas, a gramática normativa, com ênfase
nas deficiências encontradas nos textos. Além disso, é dever do professor de
língua materna propiciar aos alunos, através da interação verbal, o
desenvolvimento de suas capacidades cognitivas. Este é outro fato que os
PCN’s abordam:

“Integrada à área Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, por sua


natureza basicamente transdisciplinar de linguagem entre as
linguagens que estrutura e é estruturada no social e que regula o
pensamento para certo sentido, o estudo da língua materna deve,
pela interação verbal, permitir o desenvolvimento das capacidades
cognitivas dos alunos.”

(PCN’s, 2000, P: 17)

A leitura, assim como a escrita, é essencial ao aprendizado dentro


da sala de aula, pois é através dela que surgem os debates e diálogos, que
ajudam a dar origem à interação verbal mencionada acima. Tal interação (fala,
escrita, etc.) consiste na oscilação da palavra entre o locutor e o interlocutor,
sendo a palavra produto da interação, podendo ter dois ou mais sentidos,
dependendo do contexto em que ela esteja inserida. A interação não se limita
apenas à verbalização, mas qualquer contato entre o eu e o tu.

Na sala de aula a interação ocorre entre o eu e o tu, onde o


professor é o mediador entre o texto e os alunos, fazendo o discente
reconhecer nos textos as marcas textuais que dão sentido ao texto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a realização da pesquisa podemos dizer que, a “escola” ainda


não está preocupada em formar cidadãos pensantes, capazes de desenvolver
o pensamento e produzir criticamente um texto, mas sim homens com o nível
de conhecimento restrito, voltado apenas para as exigências imediatas do
mercado de trabalho.

As péssimas condições de trabalho às quais o professor está


submetido, desde a estrutura da escola até o salário nada compensador, fazem
a qualidade do ensino cair. Devido a estes motivos, na maioria das vezes, o
professor não dispõe de tempo necessário para a realização de um estudo
voltado para a descoberta dos gêneros mais freqüentes entre os alunos, ou
ainda, para realizar o acompanhamento de uma determinada produção que
poderia ser aprimorada pelo estudante, pois tem que dividir o seu tempo entre
2 ou 3 empregos, com isso, os alunos não são estimulados a produzir um texto
de qualidade.
Sem qualquer estímulo para produzir, os alunos não se interessam
pela produção, apenas cumprem uma obrigação, e consequentemente, produz
um texto de baixa qualidade, pois como é colocado por Geraldi, para que o
autor produza um bom texto é necessário que: ele tenha o que dizer; para
quem dizer; e porque dizer. Quando o produtor dispõe destes mecanismos, dá-
se origem a uma excelente produção textual.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, M. “A interação verbal”. In: Marxismo e Filosofia da

Linguagem. São Paulo. Huicitec. 1988.

BAKHTIN, M. “Os Gêneros do Discurso”. In: Estética da Criação

Verbal. São Paulo. Martins Fontes. 2000.

CHIAPPINI, L. “Escrevendo e falando na sala de aula”; “A escrita na

sala de aula: vivências e possibilidades”. In: Aprender e ensinar

com textos de alunos. São Paulo. Cortez. 2000.

CORACINI, M. J. R. F. “Pergunta-resposta na aula de leitura: um

jogo de imagens”. In: O jogo discursivo na aula de leitura: lígua


materna e língua estrangeira. Campinas, SP. Pontes. 1995.

GERALDI, J. W. “Da sala de aula à construção externa da aula”. In

Mímeo.

GERALDI, J. W. Linguagem e ensino: exercícios de militância e

divulgação. Campinas, SP. Mercado de letras. 1996

PCN’s. Ensino Médio. Brasília. 2000.

Fernando Daniel P. Alves

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