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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO E BIBLIOTECONOMIA


COMUNICAÇÃO SOCIAL – PUBLICIDADE E PROPAGANDA

ANÁLISE DO FILME “CRASH”, DE PAUL HAGGIS


A perda de identidade como consequência da mídia do consumismo.

Artur Pistili de Faria


Gabriel Rezende Mota
Vanessa Santana Costa

GOIÂNIA
Abril/2009
Vivemos a transição de dois momentos sociais tratados no capítulo sétimo do
livro A Cultura da Mídia, de Douglas Keller: o modernismo, caracterizado por uma
busca de identidade ainda fixa em identidades tradicionais; e o pós-modernismo, onde
as pessoas se perdem cada vez mais no grande número de identidades a que estão
expostas. Temos vários fatores como cerne desse problema, mas a mídia e o consumo
têm papel de destaque.
Muitos filmes abordam tal tema, essa busca pelo material, pelo consumismo
exacerbado e suas consequências sociais. Não diferente é o que acontece em Crash – No
Limite (Crash, de Paul Haggis, 2004). Com uma abordagem perturbadora, o filme
mostra uma sociedade pós 11 de Setembro amedrontada e fechada em seus preconceitos
étnicos e raciais.
Douglas Kellner, ao analisar em seu livro a série Miami Vice, afirma que “À
medida que as narrativas se desenrolam, Miami Vice apresenta algumas visões
reveladoras sobre a problemática da identidade nas sociedades capitalistas
tecnológicas contemporâneas.” (pág. 309). Esta passagem ilustra muito bem a sinopse
do filme em questão e nos permite dar início ao paralelo entre o texto de Kellner e o
filme de Haggis.
O que uma dona de casa e seu marido, um promotor público, uma lojista de
origem árabe, dois detetives da polícia, um diretor afro-americano e sua esposa, dois
policiais, um chaveiro mexicano, dois ladrões de carros e um casal coreano têm em
comum com a mídia consumista? O preconceito. É certo que preconceitos estão há
muitos séculos enraizados na sociedade, mas atualmente a mídia e o consumismo
funcionam como combustível que alimenta essas ideologias.
Uma das personagens do filme, um negro ladrão de carros, vive criticando a
sociedade que o abomina. Na verdade ele não sofre preconceito algum, mas o vê por
toda a parte, um gesto de uma mulher branca já é suficiente para que ele crie polêmicas
afirmando que tal mulher se sentiu ofendida pela sua cor. Mesmo se sentindo
injustiçado, ele não abre mão de certos “luxos” que a sociedade impõe: roubar carros
para vendê-los e até não querer andar de ônibus por achar que esta é uma forma de
preconceito.
Em vários momentos no filme é visível o uso do “você sabe com quem está
falando?” como forma de limitar uma espécie de barreira social, onde os melhores estão
no topo e supostamente têm o poder de dominação. É o caso da reação da mulher do
cineasta quando ambos são parados em uma blitz e, de uma forma ainda mais nítida, nas
atitudes da personagem de Sandra Bullock, com sua postura de superioridade que beira
a arrogância.
Um policial que se utiliza da farda para fazer o que bem entender, inclusive
assediar a esposa do cineasta durante a blitz; a mãe do promotor e de um dos ladrões,
que vive com sérias limitações, passando por problemas financeiros sem contar com a
ajuda do filho que obteve “sucesso” na carreira profissional; o chaveiro mexicano que
muda de casa em busca de segurança para a família. Várias histórias enraizadas na
ideologia étnica e racial, sofrendo na pele as consequências impostas por rótulos
midiáticos e consumistas.
Podemos analisar a questão da mídia do consumismo ao tentarmos entender a
origem de todo esse preconceito. Se uma pessoa impõe seu padrão de vida como certo,
isso vem de estereótipos criados de que quem tem mais dinheiro tem mais poder, quem
é branco é melhor do que negro, americanos têm total poder sobre coreanos, árabes e
mexicanos.
Vemos esses estereótipos a todo o momento. A mídia consumista precisa de
público consumidor. Ela vende ideias que acabam criando necessidades antes não
necessárias. Esse poder de consumismo separa pessoas em ideologias erradas e as faz
preconceituosas com pessoas ideologicamente diferentes. Brilhantemente analisado no
filme, o medo pós 11 de Setembro acentuou ainda mais essas identidades erradas. As
pessoas veem a necessidade de criar barreiras limitando seus espaços ao mesmo tempo
em que procuram se mostrar poderosas.
Mas qual é o ponto chave capaz de relacionar o filme com o texto de Keller?
As origens das questões raciais e étnicas tratadas no filme se deram a partir do momento
em que se separaram "melhores" de "piores" - que é exatamente o que a mídia do
consumo faz atualmente – levando as pessoas a agirem de forma irracional e intolerante.
É certo que essa divisão de classes vem de muito tempo, mas a mídia e o consumo as
elevam a patamares altíssimos, favorecendo quem tem dinheiro (poder de compra) em
detrimento daqueles que não o tem.
Além da mídia de consumo, o texto de Douglas Kellner tem foco na questão da
busca de identidade no período pós-moderno, ainda quando as identidades do
modernismo continuam vivas. O resultado é o que pode ser visto em Crash, pessoas
com medo, fracas. No primeiro diálogo do filme, uma das personagens questiona como
as pessoas vivem atualmente, centradas no “eu”, apressadas, sem contato físico. As
pessoas se fecham em seus mundos (identidades) e não conseguem mais retornar ao que
Kellner afirma ser as identidades tribais. É isso que significa o pós-modernismo
analisado em seu livro.
Na última cena de Crash, imigrantes ilegais da Coreia chegam em Los Angeles
e são libertados pelo mesmo ladrão que roubava carros no início do filme. Em uma
atitude louvável, ele os deixa em uma rua de comércio da cidade, dá 40 dólares para um
dos coreanos comprar comida para os outros e vai embora. Um outro coreano para em
frente a uma das inúmeras vitrines da rua e fica deslumbrado com o que vê: muitos
produtos, muitas cores e a movimentação do comércio noturno de L.A. E é nesse
momento que podemos finalizar a análise do filme com o texto de Kellner. Essa última
cena ilustra perfeitamente a correria, o consumismo e o suposto poder das pessoas
consumistas criadas pela mídia.

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