Existe uma idéia vulgar de “poder” que precisa ser superada: a
idéia de faculdade da qual alguém se utiliza quando e se quiser. Esta idéia não se aplica aos Poderes da Administração. Poderes Administrativos não são favores nem privilégios exercidos aleatoriamente, ou não, pelo administrador público. Todo poder da AP traz uma função; os poderes são instrumentos dos deveres que lhe são impostos. Não se trata de mera faculdade, mas sim de dever que necessariamente deve ser exercido. São irrenunciáveis e seu exercício é contínuo e permanente. Assim, os poderes administrativos são instrumentos, prerrogativas, que tem o Estado para a busca de seus interesses. Poder é algo abstrato. Ele é materializado através da prática de atos administrativos. Atenção: não confundir Poder do Estado x Poder da Administração: os poderes do Estado são os elementos estruturais, orgânicos ou organizacionais do Estado (PE, PL, PJ); já os poderes da AP são prerrogativas, instrumentos (Poder Hierárquico, Poder Disciplinar, Poder Regulamentar e Poder de Polícia). Alguns autores falam também em “Poderes do Administrador” – são as prerrogativas do agente pessoa física (que tem o agente na qualidade de agente).
Obs.: é preciso identificar os vícios (não raros) que
podem impedir o exercício do poder da forma bastante e devida. São os seguintes:
a) Insuficiência: omissão, que pode ser parcial ou total,
do administrador no exercício de um poder da AP. A omissão total é um ilícito. Não é lícito ao agente permanecer inerte em relação a um problema depois de decorrido prazo razoável. O “nada” possui conseqüências jurídicas. A insuficiência é um vício de conteúdo do comportamento. b) Excesso de poder: ocorre quando o agente vai além dos limites da competência administrativa que detém, isto é, que o ordenamento jurídico lhe atribui. É um vício de sujeito, pois o sujeito extrapola suas atribuições. c) Desvio de poder (desvio de finalidade): ocorre quando o agente público, ao exercer o poder que o Ordenamento lhe confere,atua dentro dos limites de suas atribuições, mas para atingir uma finalidade diversa do fim legal (compromete, pois, a finalidade, à moralidade, etc.). É preciso provar a intenção do agente (aspecto anímico), o que é muito difícil. É um vício de finalidade. Atenção: a doutrina enumera como gênero do qual são espécies o excesso e desvio de poder, o abuso de poder. Mas atenção: não se pode confundir – um é vício de sujeito e o outro é vício de finalidade.
→ Espécies de Poderes Administrativos:
- Poder Hierárquico - Poder Disciplinar - Poder Regulamentar - Poder de Polícia.
Características:
a) É de exercício obrigatório: ou seja, trata-se de um poder-
dever, e não de uma mera faculdade; o Administrador está obrigado a agir. Atenção: CABM diz que o dever é mais importante do que o Poder, devendo aparecer em primeiro lugar – ele então fala em dever-poder. b) Os poderes são irrenunciáveis: o administrador não pode abrir mão da prerrogativa, do instrumento (o que, porém, não significa que ele tem que aplicá-lo sempre). Esta característica deriva da indisponibilidade do interesse público. A competência é ônus, é obrigação para a AP, por isso o administrador não pode abrir mão desta competência. A função pública não é privilégio, é um ônus, um encargo, uma obrigação do administrador, ele não pode renunciar esta função. Ademais, renunciar ao poder significaria criar entraves para um futuro administrador, que perderia o instrumento e o administrador de hoje não pode criar entraves, obstáculos para o administrador de amanhã (não se pode comprometer a administração futura). c) O exercício é limitado: a lei estabelece limites, define parâmetros para o exercício do poder. Ex.: regras de competência. Os limites são: necessidade, adequação e proporcionalidade. d) O exercício gera responsabilidade: o caso de ação indevida ou de omissão ensejará a responsabilização da AP.
Poder Vinculado e Poder Discricionário:
Na verdade a doutrina moderna discute esta terminologia,
afirmando que o que é vinculado ou discricionário não é o poder e sim o ato administrativo praticado no exercício daquele poder. Um mesmo poder pode, inclusive, ser ora vinculado, ora discricionário. Assim, discricionariedade e vinculação são apenas características da atuação administrativa, que também incide sobre os poderes. O que interessa é saber o que é vinculação e discricionariedade. Trata-se de uma divisão quanto ao grau de liberdade do administrador. Ser vinculado quer dizer que o administrador se prende aos termos da lei, cumpre os termos da lei sem liberdade de atuação – é uma conduta, atuação ou decisão do administrador que não tem liberdade, não tem juízo de valor, não tem conveniência e oportunidade; preenchidos os requisitos legais, o administrador é obrigado a praticar o ato. Ex.: concessão de aposentadoria (servidor que cumpriu os requisitos legais tem direito a aposentar-se e o administrador tem obrigação de conceder a aposentadoria); licença para construir; licença para dirigir. Discricionário, por sua vez, diz respeito àquele que tem juízo de valor, liberdade de escolha, conveniência e oportunidade; ocorre quando o administrador tem escolhas, possibilidades, liberdade, dentro dos limites da lei, é claro. Inclusive, se o administrador extrapolar os limites da lei configurar-se-á exercício arbitrário, que é nulo. Ex.: permissão de uso da calçada para colocação de mesas de um bar; autorização para circulação de veículos acima do peso e da medida em determinadas áreas.
Poder Regulamentar:
MSZDP chama de Poder Normativo.
O poder regulamentar é o poder conferido ao administrador, em regra, chefe do Poder Executivo, para a edição de normas complementares à lei, permitindo a sua fiel execução. A AP não tem capacidade legislativa, não tem capacidade política. O poder regulamentar tem como objetivo normatizar, regulamentar definindo normas complementares, estabelecer regras complementares à previsão legal. Quando se complementa a lei se viabiliza a sua fiel execução, sua melhor aplicação. O exercício deste poder guarda algumas semelhanças com a função legiferante, apesar de não se confundirem, pois ambos emanam normas gerais, atos com efeitos erga omnes e abstratos. Ex.: a Lei 10.520/02 (Lei do Pregão) estabelece que o pregão deve ser utilizado para bens e serviços comuns. Ela completa dizendo que bem e serviço comum é aquele que pode ser definido no edital com expressão usual de mercado. É, pois, uma lei que, para sua fiel execução, precisa de um ato regulamentar para complementar a previsão legal, dizendo especificamente o que é bem e serviço comum, ou seja, permitindo sua aplicação correta, verdadeira, da melhor maneira possível. Ato normativo é todo ato emanado do Estado que visa regular determinada situação de forma geral e abstrata, complementando previsão constitucional ou legal. Os atos normativos podem ser classificados de diversas maneiras. Segundo Miguel Reale, eles podem ser divididos em: - originários: quando emanados de um órgão estatal em virtude de competência própria, outorgada imediatamente pela Constituição, para a edição de regras instituidoras de direito novo; - derivados: quando têm por objetivo a explicitação ou especificação de um conteúdo normativo preexistente, visando à sua execução no plano da práxis, como é o caso do regulamento. O Regulamento é o principal ato no exercício do poder regulamentar. Mas podemos citar também as Portarias, Instruções, Resoluções, Deliberações e Regimentos. → Regulamento x Decreto Regulamentar: sempre que um ato vai normatizar, disciplinar uma situação, damos a ele o nome de Regulamento (decorre do conteúdo do ato – se no conteúdo do ato estamos regulamentando uma situação, será um Regulamento). Ocorre que este ato, ao ir para o Diário Oficial deve ganhar um formato, uma moldura, a que chamamos de Decreto (Decreto é, pois, a forma). Nem todo Decreto é regulamentar. Mas se o decreto tiver como conteúdo um regulamento, será um Decreto Regulamentar. Pode vir também com o nome de Decreto Autônomo, ou Decreto Regulamentar Autônomo. → Regulamento x Lei: regulamento se diferencia da lei em 2 aspectos: a) a lei é feita por meio de um processo legislativo rigoroso, com muitas formalidades; um regulamento é feito sem qualquer formalidade, não tem formalismo algum; b) quem faz lei é a Casa Legislativa, o legislador (o CN, no qual há vários interesses, já que há representantes do ente político e do povo – há uma pluralidade muito grande de interesses, e, por isso, é, em tese muito mais representativa), já quem faz o Regulamento, especialmente o Decreto Regulamentar, é o Chefe do PE (PR), ou seja, com uma representatividade infinitamente menor. Assim, é melhor para o nosso Ordenamento a atuação por lei. Diante disso, o regulamento não pode ser a atuação regra (que é a lei); ele nasce como Regulamento Executivo, justamente para complementar a lei, permitindo a sua fiel execução. Para a doutrina, são reconhecidos 2 tipos de regulamentos: o primeiro deles, o Regulamento Executivo, que complementa a lei, contendo normas para a sua fiel execução, conforme a previsão do art. 84, IV, CR/88. esse regulamento não pode inovar a ordem jurídica, criando direitos, obrigações, proibições, em razão do Princípio da Legalidade pelo qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Este tipo de regulamento é, pois, a regra no Brasil. Inclusive, excluída a hipótese do art. 84, IV, CR/88, é pacífico na doutrina que só existe no direito brasileiro o regulamento de execução, hierarquicamente subordinado a uma lei, sendo ato de competência privativa do Chefe do Poder Executivo. Ocorre que no Direito Comparado e hoje também no Brasil, encontramos o chamado Regulamento Autônomo ou independente, que é uma exceção, não podendo ser tido como regra. Ele, ao invés de complementar e executar a lei, substitui a lei, fazendo o papel da própria lei. Ele tem o poder de inovar a ordem jurídica, estabelecendo normas sobre matérias não disciplinadas em lei, não completando nem desenvolvendo nenhuma lei anterior, ou seja, podendo criar obrigações que não estão previstas em lei. No Brasil há uma grande divergência sobre a possibilidade de decretos e regulamentos autônomos. Todavia, para a grande maioria da doutrina, o texto constitucional de 1988 limitou consideravelmente o poder regulamentar, não deixando espaço para os regulamentos autônomos. Em verdade, o Decreto Autônomo tem o seu fundamento de validade na própria CR. Via de regra, a criação de cargos é feita por lei. Se se cria por lei, a regra é se extinguir também por lei. Mas se a própria CR diz que pode se extinguir por Dec. Autônomo, será possível. Essa não é a orientação do texto original da CR. Foi a EC 32 que trouxe esta possibilidade, alterando o art. 84, VI, CR, que passou a admitir o Dec. Autônomo no Brasil → o PR poderá, por meio de Dec. Autônomo, organizar a estrutura da AP e extinguir cargo vago. HLM diz que o Regulamento ou Dec. Autônomo é possível em qualquer circunstancia – trata-se de uma faculdade implícita no poder de chefia da AP, para suprir as omissões do legislador. CABM diz que o Regulamento ou Dec. Autônomo não é possível nunca, porque é um perigo para o exercício da democracia – segundo ele, o regulamento é ato inferior, subordinado e dependente da lei, não podendo criar direitos ou restrições à liberdade, propriedade e atividades dos indivíduos que já não estejam estabelecidos e restringidos na lei. Os defensores da impossibilidade do decreto autônomo no ordenamento jurídico pátrio não admitem que o art. 84, VI, CR/88 confira ao PR uma esfera de liberdade que excepcione a sua vedação. Alegam que a disciplina, resultante do exercício dessa competência, não poderá implicar imposição de obrigações a terceiros, sob pena de violação à legalidade. Segundo CABM, é preciso ter cuidado com os enganos que concedem mais poderes ao Executivo do que os previstos na CR, que podem colocar em risco a nossa própria democracia nacional. O STF decidiu esta questão, afirmando que o Dec. Autônomo é possível sim, mas somente em caráter excepcionalíssimo. Apesar da doutrina ainda divergir, a melhor aceitação é, portanto, a do texto legal – hipóteses previstas no art. 84, VI, a e b, CR: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; e b) extinção de funções ou cargos públicos quando vagos.
De se ressaltar, ainda, que o Poder Regulamentar se expressa –
além dos regulamentos, que são de competência do Chefe do Poder Executivo – por intermédio de resoluções, portarias, deliberações, instruções e os regimentos, editados por diversas autoridades, inclusive de escalões mais baixos. Todos esses atos estão sujeitos a limites e estabelecem normas que têm alcance restrito ao âmbito de atuação do órgão expedidor, é dizer, não têm o mesmo alcance nem a mesma natureza que os regulamentos. É tranqüila a subordinação desses atos à lei, assim como aos próprios regulamentos. Os atos normativos estão sujeitos a controle do Poder Legislativo, quando se tratar de atos normativos editados pelo Poder Executivo, podendo o CN sustá-los quando exorbitarem o seu poder regulamentar, retirando sua eficácia, nos termos do art. 49, V, CR/88. Esses atos também podem ser controlados pelo Poder Judiciário, quando no exercício do controle de constitucionalidade, que abrange tanto a lei quanto os demais atos normativos. A jurisprudência reconhece, ainda, a possibilidade de controle pelo Poder Judiciário quando o ato administrativo abstrato, no exercício do poder regulamentar, produzir efeitos concretos e contiver em sua concepção uma ilegalidade, admitindo-se, inclusive, a discussão via MS. Importante também é o controle realizado pelo Judiciário em razão da omissão, previsto no art. 5º, LXXI e art. 103, §2º, CR, o que se faz por meio de MI ou da ADI por omissão, lembrando-se que, quando a ausência for de ato legislativo, será feita a comunicação ao Poder competente para as devidas providencias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em 30 dias.
Poder Hierárquico:
CABM prefere chamar de “Poder do Hierarca”.
O poder hierárquico é conferido ao administrador a fim de distribuir e escalonar as funções dos seus órgãos, ordenar e rever a atuação de seus agentes, estabelecendo uma relação de hierarquia, de subordinação. O poder hierárquico é , pois, uma prerrogativa que representa o exercício da hierarquia. Utilizando este poder, é possível estruturar, escalonar, hierarquizar os quadros da AP (criando a própria hierarquia da AP), definindo quem manda e quem obedece, quem é chefe e quem é subordinado. A organização administrativa é baseada em dois pressupostos fundamentais: distribuição de competências e hierarquia. Estabelecida a hierarquia, o administrador chefe pode dar ordens, no exercício do poder hierárquico. Além disso, também no exercício desse poder, o administrador pode delegar e avocar funções; bem como fiscalizar, controlar a atuação dos seus subordinados. O chefe tem também, a possibilidade de fazer a revisão dos atos de seus subordinados. Nesse exercício, se verificada uma infração funcional, o administrador deverá punir, aplicar sanção por infração funcional, no exercício do poder hierárquico, mas também no exercício do poder disciplinar, que é decorrência do primeiro. O poder disciplinar, portanto, é resultado, é conseqüência do poder hierárquico. É relevante diferenciar hierarquia de vinculação. Hierarquia é uma relação interna que ocorre nos diversos órgãos, dentro de uma mesma pessoa jurídica, tipificando uma relação hierárquica. A vinculação, por sua vez, é uma relação que ocorre entre os entes da AP Direta e Indireta, não tipificando hierarquia, tratando-se tão somente de um controle de legalidade, seja em face de suas finalidades ou do cumprimento de regras orçamentárias quanto às receitas ou despesas, além de outros aspectos legais. A hierarquia é uma característica peculiar da função administrativa, independentemente do poder que a exerce. Entretanto, inexiste esse mesmo aspecto quando se trata de agentes no exercício da função jurisdicional ou legislativa. No caso de agentes no exercício de função jurisdicional, aplica-se o princípio do livre convencimento do juiz, agindo este com independência perante os demais órgãos do Judiciário. É oportuno lembrar que a EC 45/05 acabou mitigando essa liberdade, quando definiu as chamadas súmulas vinculantes, exigindo que os órgãos do Judiciário decidam em conformidade com a orientação contida na súmula, o que, de certo modo, não deixa de ser um caráter hierárquico. Já no caso da função legislativa, o exercício é orientado por uma repartição constitucional de competência, definindo as atribuições de cada ente da federação, não existindo qualquer poder de comando de uma ordem política em face da outra e, se desrespeitado o campo de atuação de cada ente, a norma será inconstitucional.
Poder Disciplinar:
É, basicamente, a possibilidade de aplicação de sanção por
infração funcional, ou seja, em caso de infração no exercício de uma função pública. O poder disciplinar conferido à AP lhe permite punir, apenar a prática de infrações funcionais dos servidores e de todos que estiverem sujeitos à disciplina dos órgãos e serviços da AP, como é o caso daqueles que com ela contratam. Ele atinge aqueles que estão exercitando, praticando uma função pública. Não abrange as infrações cometidas fora da função. A punição é aplicada àqueles que estão na intimidade da Administração. Atenção: a independência funcional dos magistrados e membros do MP não afasta o exercício do poder disciplinar. É de suma importância ressaltar que esse poder não abrange as sanções impostas aos particulares, já que eles não estão sujeitos à disciplina interna da AP e, nesse caso, as medidas punitivas encontram seu fundamento no Poder de Polícia do Estado. Quanto aos servidores públicos, a possibilidade de aplicação de sanção decorre da existência de hierarquia, afinal a disciplina decorre do sistema hierárquico da AP. Da mesma forma, admite-se a aplicação de penalidade por infração para os membros do MP e os Magistrados. Apesar de inexistir hierarquia quanto ao exercício de suas funções institucionais, essa penalidade existe no tocante ao aspecto funcional da relação de trabalho, ficando os seus membros sujeitos à disciplina interna da instituição. O poder disciplinar é discricionário ou vinculado? HLM afirmava que o poder disciplinar é discricionário. Atualmente o melhor a se afirmar é que em regra ele é um poder discricionário, mas é uma questão bastante discutida na doutrina moderna. Hoje não se pode dizer que o poder disciplinar é absolutamente discricionário. A partir do momento em que fica provado que a infração aconteceu, a escolha da sanção para esta conduta é uma decisão vinculada e não discricionária. O administrador, ao aplicar a pena, não terá liberdade. Ademais, a AP não tem liberdade de escolha entre punir ou não: uma vez tendo conhecimento da infração, tem a obrigação de instaurar o processo administrativo disciplinar. Trata-se, portanto, de ato vinculado, sob pena de prática de crime de condescendência criminosa (art. 320, CP) e improbidade administrativa (art. 11, II, Lei 8.429/92). Entretanto, a discricionariedade existe limitadamente em alguns aspectos de sua aplicação, tendo em vista que os estatutos dos servidores não estabelecem regras rígidas como as que se impõem na esfera criminal, sem contar que a lei costuma dar à AP o poder de levar em consideração, na escolha da pena, a natureza e a gravidade da infração e os danos que dela provierem para o serviço público. Pra completar, a lei, em inúmeras circunstancias, estabelece expressões imprecisas, os chamados conceitos indeterminados, conceitos vagos, como por ex. “conduta escandalosa”, “procedimento irregular”, “ineficiência do serviço”, ou “falta grave”. Nesses casos, a lei acabada deixando para a AP a possibilidade de enquadrar os casos concretos em uma ou outra infração. Não é possível definir com exatidão o que representa tais expressões; depende de cada caso concreto, é preciso, pois, fazer um juízo de valor. Assim, definir a conduta escandalosa é uma decisão discricionária, observando-se, é claro, a proporcionalidade e a razoabilidade. De se ressaltar, ainda, que nenhuma penalidade poderá ser aplicada sem prévio procedimento legal, respeitados o contraditório e a ampla defesa. Não se deve confundir a natureza jurídica dos ilícitos penais, civis e administrativos. Sendo assim, diante de um caso concreto será possível a tipificação dos 3 ilícitos, isto é, uma mesma conduta poderá configurar um ilícito civil, administrativo e penal, admitindo-se a instauração dos 3 processos com competências diferentes, os quais se submetem à regra da independência das instancias, salvo casos excepcionais. Por fim, de se dizer, ainda, que o poder disciplinar também está sujeito ao controle pelo Judiciário, sempre que a conduta do administrador contrariar a regra legal.
Poder de Polícia:
Apesar do nome, não está ligado à atividade da Polícia. Significa
um equilíbrio, uma compatibilização dos interesses com o bem estar social (o que quer o interesse coletivo + o que quer o interesse individual). Para HLM, significa um instrumento conferido ao administrador que lhe permite condicionar, restringir, limitar, frenar o exercício de atividade e o uso e gozo de bens e direitos pelo particular em nome do interesse público. É possível conceituar Poder de Polícia como a atividade da AP que se expressa por meio de atos normativos ou concretos, com fundamento na supremacia geral e, na forma da lei, de condicionar a liberdade e a propriedade dos indivíduos mediante ações fiscalizadoras, preventivas e repressivas, impondo aos administrados comportamentos compatíveis com os interesses sociais sedimentados no sistema normativo. O CTN estabelece todo o conceito e demais detalhes sobre o exercício do Poder de Polícia. ☺art. 78, CTN: “Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do poder público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”.
Este conceito aparece de forma expressa no CTN porque em
matéria tributária o Poder de Polícia tem grande relevância, visto que possibilita a cobrança de uma espécie tributária, a taxa de polícia, sendo o seu fato gerador. Atenção: a taxa de polícia se distingue da taxa de serviço, já que a taxa de polícia é cobrada no custo da diligência, é vinculada ao preço da diligencia (ex.: licença para construir). Não obstante a definição dada pelo CTN, a doutrina alerta que a atuação do Poder de Polícia não representa limitações administrativas ao direito de propriedade e ao direito de liberdade, uma vez que essas restrições integram o desenho do próprio perfil do direito, fazendo parte da definição dessa garantia constitucional e definindo os seus contornos. Em alguns casos, esses direitos individuais já se encontram plenamente delineados pela lei, devendo a AP, nessa hipótese, assegurar-lhes o respeito, fiscalizando a sua observância e impedindo qualquer violação. Em outros casos, a lei incumbe ao administrador averiguar, no caso concreto, a efetiva extensão que possuem, em razão da definição legal, genérica e imprecisa. Nesse caso, a AP não restringe nem limita o âmbito de tais direitos; somente aplica a vontade da lei, visando a compatibilizá-lo com o bem-estar social. O fundamento para o exercício deste instrumento é o Princípio da Predominância do Interesse Público sobre o particular, que dá à AP posição de hegemonia sobre os administrados, caracterizando-se como exercício da supremacia geral, o que autoriza a sua atuação indistintamente sobre todos os cidadãos que estejam sob o império das leis administrativas. O poder de polícia pode ser preventivo, repressivo ou fiscalizador.
→ Características do Poder de Polícia:
a) ele representa a busca do bem estar social, a
compatibilização dos interesses, regulando, disciplinando, basicamente, dois direitos: liberdade e propriedade (ex.: velocidade numa determinada avenida; licença para construir; limitação administrativa que estabeleça, por ex., que a beira mar só se pode construir até 8 andares, estabelecimento de regras sanitárias ou urbanísticas, etc.). b) dever de indenizar: o poder de polícia não tem caráter oneroso, não institui uma onerosidade, é só uma regulação; assim, se a AP só regula o uso da propriedade ou liberdade, sem instituir uma obrigação, impedir o exercício do direito ou gerar uma onerosidade, não há o dever de indenizar. O Poder de Polícia não é impeditivo, oneroso e, por isso, não gera por si o dever de indenizar. c) O exercício do Poder de Polícia não atinge diretamente às pessoas, mas sim os direitos, bens e interesses exercidos por essa pessoa. d) Execução do poder de polícia: o Poder de Polícia pode se dar por meio de atos normativos, mas não só por eles. Também se encontra o exercício deste poder em atos punitivos (ex.: multa de trânsito por desrespeito à velocidade permitida na via; embargo de obra que desrespeitou regras urbanísticas, destruição de mercadoria por falta de documentação, etc.). e) Espécies: o Poder de Polícia aparece tanto quando a AP normatiza, como quando aplica sanções punitivas. Este poder pode, pois, ser exercido no seu caráter preventivo (ex.: regulamentação do trânsito), pode ser fiscalizador (ex.: controle alfandegário, controle do cumprimento das regras sanitárias em uma empresa), ou pode ser ainda repressivo (ex.: multa de trânsito, demolição de uma obra). f) O Poder de Polícia é negativo: na sua maioria estabelece uma abstenção (ex.: não construir acima de tantos andares, não ultrapassar certa velocidade, não descumprir regras sanitárias, etc.). Ou seja, traz um não fazer. Por isso a doutrina o chama de poder negativo, apesar de não ser sempre assim. g) Fundamento para o exercício do Poder de Polícia: não existe entre a AP e o destinatário um vínculo jurídico, relação contratual; o Poder de polícia tem como fundamento a chamada “Supremacia Geral”, que é diferente da Supremacia Especial. A supremacia geral significa que a atuação do Estado independe de vínculo ou relação jurídica com o destinatário (como ocorre, por ex., em caso de concessões de serviços públicos, ou no em relação ao aluno matriculado e a escola pública). A supremacia geral se diferencia da especial porque esta última exige uma relação jurídica entre o Estado e o destinatário e a sanção decorrerá do contrato, da relação jurídica e não do exercício do Poder de Polícia. O Poder de Polícia só existe quando existir supremacia geral. h) Delegação do Poder de Polícia: o administrador não pode delegar o Poder de polícia, a delegação do Poder de Polícia não é possível em nome da segurança jurídica (☺ADI 1717, que discute os Conselhos de Classe). O Poder de Polícia, por si só, não pode ser delegado. Mas e os atos materiais no exercício do Poder de Polícia, podem ser delegados? Existem os atos materiais anteriores ao exercício ou posteriores ao exercício do poder. Ex.: o particular (uma empresa privada) pode bater a foto do radar (já que este é um simples ato material), mas não pode aplicar a multa de trânsito. Ou seja, o simples ato material (ato material anterior, que é também chamado ato preparatório ou instrumental, ou mesmo o ato material posterior) pode ser delegado. i) O exercício do Poder de polícia institui a chamada Polícia Administrativa, que se difere da polícia Judiciária. Na primeira o que se quer é a busca do bem estar social, enquanto nesta última se fala em controle, contenção e punição do crime. Quem exerce a Polícia Judiciária é um órgão especializado, uma corporação própria (Polícia Civil); quem exerce a Polícia Administrativa, por outro lado, pode ser exercida por qualquer órgão, dentro de sua finalidade e competência (todos os órgãos da AP podem proteger o bem estar social). j) Atributos do Poder de Polícia: - Discricionariedade, em regra – ex.: autorização (mas excepcionalmente o Poder de Polícia pode ser vinculado – ex.: licença, preenchidos os requisitos a AP está obrigada a conceder); - Auto-executoriedade: a AP pode executar o Poder de Polícia sem a presença do Poder Judiciário; a auto- executoriedade dispensa o controle pelo PJ, mas não o impede (ele pode controlar no que tange à legalidade do ato). A auto-executoriedade, contudo, não dispensa o formalismo. Atenção: o Poder de Polícia não é sempre auto-executável (em caso de sanção pecuniária, por ex., não há como dispensar a influência do PJ). Parte da doutrina divide a auto-executoriedade em: exigibilidade (é o poder de decidir sem o PJ, todo ato administrativo tem exigibilidade, é natural do ato) e executoriedade (é a execução do que foi decidido – ex.: após a aplicação da multa, a AP não pode ir atrás do patrimônio daquele que não pagou a multa – a executoriedade só pode aparecer quando estiver prevista em lei ou quando se tratar de uma situação urgente, caso contrário é preciso a intervenção do PJ – no caso da sanção pecuniária a regra é justamente a não executoriedade). Assim, nem toda atuação do Poder de Polícia é auto-executável, já que a auto-executoriedade depende de duas bases, exigibilidade e executoriedade, e nem todo ato tem executoriedade; - Imperatividade ou Coercibilidade: significa que o ato no exercício do Poder de Polícia é imperativo, impositivo, imperatório, coercitivo.
→ Exemplos de poder de polícia: Polícia Edilícia; Polícia de caça e
pesca; Controle de divertimentos públicos, de trânsito e tráfico, pesos e medidas; Polícia Sanitária; Polícia de Medicamentos.
Quadro Sinóptico:
- Poderes Administrativos são elementos indispensáveis para a
características: Conceitos e
persecução do interesse público. Surgem como instrumentos,
por meio dos quais o Poder Público irá perseguir esse interesse. - Características: trata-se de um poder-dever e não mera faculdade. São irrenunciáveis, estão condicionados aos limites legais, inclusive quanto à regra de competência, devendo a autoridade ser responsabilizada em caso de abuso de poder, seja por conduta comissiva ou omissiva. - Poder Vinculado ou regrado é aquele que estabelece um único Discricionário: Poder Vinculado e P. comportamento possível a ser tomado pelo administrador diante de casos concretos, sem nenhuma liberdade para um juízo de conveniência e oportunidade. - Poder Discricionário é aquele em que o administrador tem liberdade para atuar de acordo com um juízo de conveniência e oportunidade, de tal forma que, havendo duas alternativas, ele pode optar por aquela que, no seu entendimento, preserva melhor o interesse público. Também está subordinado à lei, diferenciado do arbitrário que é praticado contrário à lei.
- Ou Poder Normativo, é o poder conferido ao administrador, em
regra chefe do PE, para a edição de normas complementares à lei, permitindo a sua fiel execução. - O exercício do poder normativo poderá efetivar-se por intermédio de atos legislativos ou atos administrativos, como os Poder Regulamentar:
regulamentos, sendo ambos abstratos e gerais, mas com
diferenças marcantes quanto à sua origem, processo de elaboração, posição hierárquica da lei, em face do regulamento, e a possibilidade desta de inovar o ordenamento jurídico. - Os regulamentos podem ser executivos, o que é a regra, ou autônomos. Aqueles complementam a lei, enquanto estes exercem o próprio papel da lei independentemente de sua existência anterior (e no Brasil discute-se muito a sua possibilidade). - Pode ser praticado por regulamentos, resoluções, instruções, portarias, etc. - Esses atos estão sujeitos a controle, seja pelo PL ou pelo PJ, inclusive quanto à omissão. Também é possível a imputação de crime de responsabilidade ao PR (art. 85, VII). - É o conferido ao administrador para distribuir e escalonar as Poder Hierárquico:
funções dos seus órgãos, ordenar e rever a atuação de seus
agentes, estabelecendo uma relação de hierarquia, de subordinação, o que é peculiar da função administrativa do Estado. - Efeitos da hierarquia: poder de comando, dever de obediência, dever de fiscalização das atividades desenvolvidas por agentes de plano hierárquico inferior, poder de revisão dos atos praticados pelos subordinados, possibilidade, em caráter excepcional, de delegação e avocação de suas atribuições. - O poder disciplinar conferido à AP lhe permite punir, apenar a Disciplinar: Poder prática de infrações funcionais dos servidores e de todos que estiverem sujeitos à disciplina dos órgãos e serviços da AP, como é o caso daqueles que com ela contratam. - Este poder decorre da existência de relação hierárquica, portanto não admite a aplicação de penalidade aos particulares. - Para muitos, trata-se de um poder discricionário, entretanto essa não é regra absoluta. - É a atividade da AP que se expressa mediante atos normativos ou concretos, com fundamento na supremacia geral e na forma da lei, com objetivo de condicionar a liberdade e a propriedade dos indivíduos por meio de ações fiscalizadoras, preventivas e repressivas, impondo aos administrados comportamentos compatíveis com os interesses sociais, sedimentados no sistema normativo. ☺Conceito similar no art. 78, CTN. - Esse poder se expressa, quando no caráter preventivo, por meio de leis ou atos normativos, como é o caso dos regulamentos e portarias, e por injunções concretas quando em seu caráter repressivo e fiscalizador. - O exercício desse poder exige proporcionalidade entre a medida adotada e a finalidade legal a ser atingida, bem como a proporcionalidade entre a intensidade e a extensão da medida Poder de Polícia:
aplicada, além da exigência de ser a medida eficiente.
- Delegação: para a maioria, o poder de polícia é indelegável, sob pena de causar uma instabilidade social, admitindo-se possível, em circunstancias excepcionais, somente quando se tratar de ato material preparatório ou sucessivo a ato jurídico de polícia, hipótese que deve ser analisada com inúmeras limitações e ressalvas. - Atributos: a discricionariedade, a auto-executoriedade e a coercibilidade. - Controle: os atos de polícia administrativa são atos administrativos e, como tais, submetem-se aos controles vigentes, tanto ao controle administrativo, quanto ao judicial. - Distinção: polícia administrativa não pode ser confundida com polícia judiciária. A primeira visa ao bem-estar social, incidindo sobre bens, direitos ou atividades dos particulares, caracterizando ilícito puramente admnistrativo, podendo ser exercida por diversos órgãos da AP. de outro lado, a polícia judiciária visa à proteção da ordem pública, incidindo sobre pessoas, punindo o ilícito penal, sendo regida pela legislação penal e processual penal, e seu exercício é privativo das corporações especializadas como é o caso da polícia civil. - Deveres do administrador: principalmente o dever de eficiência Administradores: Poderes e Deveres dos o dever de probidade e o de prestar contas, além de muitos outros. - Uso e abuso do poder: usar normalmente o poder é uma prerrogativa; é empregá-lo segundo as normas legais, a moral da instituição, a finalidade do ato e as exigências do interesse público, devendo ser utilizado sempre em benefício da coletividade administrativa. No entanto, nem sempre o administrador utiliza adequadamente esses instrumentos, caracterizando o que se denomina abuso de poder, levando à ilegalidade do ato praticado. São formas de abuso de poder: o excesso de poder que ocorre quando o agente exorbita no uso de usas faculdades administrativas, e o desvio de finalidade que se verifica quando o agente público, embora dentro de sua competência, afasta-se do interesse público ou da finalidade prevista na lei para a prática do ato.