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Anais do II Seminário Nacional

Movimentos Sociais, Participação e Democracia


25 a 27 de abril de 2007, UFSC, Florianópolis, Brasil
Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais - NPMS
ISSN 1982-4602

Movimentos e organizações formais e informais no horizonte migratório


internacional: trabalhadores brasileiros na Itália

João Carlos Tedesco


Universidade de Passo Fundo - RS
Doutor em Ciência Sociais

O texto é uma parte de uma estudo mais amplo que estamos realizando sobre
imigrantes brasileiros no norte e nordeste da Itália.1 Para o presente ensaio queremos
apenas discutir alguns aspectos envolvendo algumas redes formais e informais que
agregam e se integram ao movimento migratório para a Itália, seus papéis,
funcionalidades, implicações, etc.
A dinâmica da migração de brasileiros para a Itália em busca de trabalho está se
revelando, a cada ano, mais intensa; vínculos vão surgindo, canais informais e formais
se estruturam e buscam funcionalizar esse processo em correspondência ou não com a
legislação vigente. A região norte e nordeste da Itália (Vêneto e Lombardia) são as mais
procuradas por trabalhadores brasileiros em razão de sua dinâmica industrial e agrícola,
bem como pela maior identificação dos oriundi. É nesse sentido que as redes são
acionadas e encontram espaços para sua efetivação. É o que, de uma forma sintética,
vamos refletir.
O horizonte das redes
Já de primeira mão queremos dizer que não entendemos as redes como
explicativas e totalizantes do/no processo migratório. As redes não explicam tudo.
Entendemos sim que a dinâmica das redes pode agregar um conjunto de fatores
informais e que auxiliam na compreensão de um processo que cimenta relações,
decisões, obrigações (dívidas e dádivas), responsabilidades, dependências e na definição
da performance pública do imigrante.
As redes revelam que as migrações não podem ser unicamente consideradas como
simples êxito de decisões econômicas no âmbito das leis de oferta e procura, talvez
estejam em correspondência, imbricadas a esse processo. 2 Essa situação toda pode ir se
alterando em razão dos vínculos que os migrantes constituem; daí a importância dos
canais institucionais ou não de inserção. Sabemos que as migrações constituem uma
fonte de mudança social, mas também um efeito, principalmente porque são duas áreas

1
Ver TEDESCO, J. C. Imigração e integração cultural: interfaces. Brasileiros na região do Vêneto –
Itália. Passo Fundo/Santa Cruz do Sul: UPF Editora/Edunisc, 2006.
2
Vários autores no Brasil discutem sobre a questão das redes no processo de migração para os EUA;
dentre os mesmos, ver ASSIS, G. de O. Estar aqui..., estar lá... Uma cartografia da emigração valadarense
para os EUA. In: SALES, T.; REIS, R. R. (Orgs.). Cenas do Brasil migrante . São Paulo: Boitempo, p.
125-166, 1999.

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(espaços sócio-culturais e físicos) em questão: a de saída e a de chegada. As decisões de


emigrar não se processam num vazio de relações sociais.3
Nunca podemos esquecer que os imigrantes desenvolvem um papel ativo na
sociedade de origem e na de destino;4 há custos/beneficio, incorporação de capital
social, experiências, rupturas, saberes, reconhecimento e olhares externos e internos; as
mesmas lubrificam o campo da mobilidade social e espacial – fundamental no cenário
pós-fordista -, produzem relações heterogêneas, flexíveis e com objetivos diversos;
agem quase que a margem e, ao mesmo tempo, em correspondência/contraposição às
ações públicas referentes ao campo migratório principalmente em torno de processos
normatizadores, de integração, de inclusão e algumas vezes correndo riscos ou
promovendo gueticização e de integração subalterna.
É por isso que, mais recentemente, está em evidência no campo de análise social a
perspectiva das redes étnicas, as quais possuem vínculos pessoais e familiares. As redes
mostram-se em mercados de trabalho não mais favoráveis, mas que possuem pontos de
referência de amigos, parentes e os que permanecem na região de origem. As decisões
dos grupos sociais, os quais, em conjunto, contendo indivíduos e grupos distribuídos em
espaços diferentes, maximizam as suas oportunidades econômicas mediante formas
variadas de transferências que se retroalimentam (parentesco, apoio na viagem,
alojamento, busca de trabalho, amenização da dificuldade de ambientação…), ao
mesmo tempo, poderão amenizar a instabilidade, a precariedade e a dificuldade
econômica dos que permanecem nos locais de origem;5 vinculam migrantes e não-
migrantes, produzem e reproduzem relações sociais, orientam/motivam migrações para
um lugar e não para outro, veiculam um consistente fluxo de imigração irregular e
ilegal, alimentam um mercado submerso de trabalho em correspondência com as
dinâmicas pós-fordistas de flexibilidade, informalidade, desregulamentação pública e
jurídica do trabalho. Para ilustrar, segundo Stalker, em 1990, 30% dos brasileiros
emigrados para o Canadá eram hospedados por amigos, e 20% por parentes. Nesse
sentido, as redes relacionais favorecem a inserção no local e em determinadas atividades
laborais.6
Muitos migrantes só conseguem migrar porque sabem que podem contar com um
ponto de apoio, seja de conterrâneos, parentes, amigos e família; relação essa baseada
numa espécie de dádiva, de economia moral que alimenta também as migrações em
suas relações mais de fundo tais como a troca, reciprocidade, solidarismo, informação,
obrigações, alteridade, gratificações, sentimento de reconhecimento, sentido de
identificação social, etc.7
As redes favorecem também a imigração clandestina, movendo-se habilmente
entre canais legais e ilegais. Muitas dessas redes podem se transformar numa grande
intermediação de negócios internacionais, negócios do corpo, da burocracia pública e
jurídica, da intermediação financeira, do trabalho ilegal e clandestino, do contrabando
3
AMBROSINI, M. Migrazioni internazionali, reti etniche e mercato del lavoro: per una revisione degli
approcci teorici e delle letture correnti. In: SCIDA, G. (a cura di). I sociologi italiani e le dinamiche dei
processi migratori. Milano: Franco Angeli, 2000, cit., p. 50-51.
4
Idem.
5
AMBROSINI, M. Migrazioni....
6
STALKER, P. L’immigrazione. Roma: Carocci, 2003.
7
Ver SALES, T.; REIS, R. R. (Org.). Cenas do Brasil migrante...

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de clandestinos e de mercadorias, na facilitação das entradas fronteiriças, costas


marítimas e aeroportos.
Sabemos que o desenraizamento da comunidade, de uma terra, de um horizonte de
cultura de pertencimento faz com que o imigrante se aproxime ou tenha uma tendência
de identificar-se mais com o grupo étnico. As redes funcionam como suporte social para
os grupos e indivíduos em relação, como recurso nos momentos de emergência (doença,
empréstimos), sustentação emotiva, psicológica, suporte de amizade e de socialização
(reduz o stress da distância, da solidão, da dificuldade de comunicação), circulo social
que faz com que imigrantes se liberem do sentido de inferioridade que a eles é atribuído
na sociedade de destino, principalmente em situações em que imigrantes menos
qualificados são menos capazes de se mover no mercado de trabalho, consolidação
social de comunidades de co-nacionais (jornais, festas, cultos religiosos, telefone,
alimentos, produtos típicos, lanches, vestimentas, artesanato...), circulação de um capital
sócio-cultural que produz dinâmicas econômicas. 8
Irmandades inter-regionais

É bom que digamos que políticas “pipoqueiam” seguidamente pelos estados dos sul do
Brasil, muitas delas provenientes da região do Vêneto (financiados inclusive alguns pela
Lega Nord e associados aos seus afiliados nesse estado, a qual intenciona[va!]
reconstituir os valores ditos vênetos – trabalho e família....- e independizar o
norte/nordeste da Itália), outros por universidades que se aproveitam de uma dimensão
cultural inter-regional e que acabam, no fundo, sendo movidos e/ou se aproveitando e
maximizando imaginários, sonhos, representações, ufanismos.... desenvolvidos na
pátria-filha por mediadores institucionais e que, em termos práticos, não resulta em
grandes coisas, ou, pelo menos, até então.
A ligação com esse processo é a dinâmica familiar bem como seus vínculos com esferas
culturais, com passados de origens comuns, etc.; expressa-se pela necessidade de
alimentar redes e relações sociais nos contexto de proveniência, contribui para modelar
projetos, representações, pertencimentos, circulação entre dois territórios – comunidade
móvel – espaço circulatório (operário e precarizado na Itália, empreendedor no
país/região de origem, italiano no Brasil, extra-comunitário e estrangeiro na Itália!
Descendente de italiano que pouco sabe e que lhe é dito que precisa viajar na Pátria-mãe
para aprender).
O que queremos dizer nessa questão, além dessas questões mais no campo da
subjetividade e vida familiar, é que há um contexto que se produz, no qual culturas
estão em contato, redes se produzem, políticas públicas podem se alimentar disso, um
campo social ou sócio-cultural que põe em contato a realidade do imigrante ao cenário
mais amplo da imigração, porém sempre revelam o caráter temporário da mesma
(ambigüidade de estar em dois lugares ao mesmo tempo, de ir para retornar, de conhecer
a terra dos antepassados – de se sentir próximo e distante da mesma, de ser italiano no
Brasil e brasileiro na Itália, de ser visto com certa simpatia, tolerância e aceitação por
ser descendente/oriundi, ou de se sentir vangloriado no Brasil por ser descendente de
italiano e ser entendido por italianos como inferiores, cidadãos da Série B – segundona -
para fazer uma trocadilho com o que nos dois países se cultua muito, o futebol).

8
AMBROSINI, M. Migrazioni.....

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Nesse horizonte da transmigração, um exemplo que pode fortalecer essa dimensão são
as comunidades inter-étnicas entre países, os ditos oriundi, os rimpatri, os
gemellaggios, os contatos e intercâmbios freqüentes, alguns institucionalizados, outros
mais informais e alimentados por representações, imaginários, sonhos, irmandades
culturais inter-regionais.
Na região do Vêneto, esse processo é muito dinâmico, principalmente na província de
Vicenza. Projetos e mais projetos demonstram isso, comitivas e mais comitivas se
mobilizam no espaço inter-oceano, universidades se vinculam (ainda que seja para uma
visitinha, uma rápida palestra sobre temas sem muita contextualização... e um exagero
de declarações amorosas, de sentimentalismos, um tanto reprimidos pela modernidade
do mundo que os fez esquecer valores, tradições e contatos que não fossem os da
dimensão pragmático-mercantil e capitalista.....).
Representantes da famigerada Lega Nord em visita ao RS expressam muito bem isso,
inclusive fortalecendo imaginários e representações étnicas de um Vêneto que, no
fundo, não existe mais e que foi em muito auxiliado em sua ruptura pelos mesmos
representantes industriais membros da referida agremiação partidária e ideológica em
questão. Por isso, a exaltação à memória de tempos vividos deve ser sempre
contextualizada, quando não problematizada em termos de saber quem são seus
mediadores, qual o interesse em dinamizá-la tanto em períodos de crise de identidade de
uma forma geral e étnica em particular.

A funcionalidade dos imaginários e representações étnico-regionais

Sabemos que a memória coletiva/grupal (no caso vêneta, friulana...) não é


estanque, nem pura ou isenta de interesses. Numa sociedade estratificada que luta por
espaços, a memória não passa à margem disso tudo. O campo da memória é um espaço
de conflito/tensão, de estratificação, de fragmentos diversos de memória, de traços
ocultos, de testemunhos os quais sobrevivem imagens do passado. Essas se apresentam
num jogo, cuja legitimação está em sua capacidade de justificação da ordem das coisas
presentes da legitimidade e da tradição, que almejam presentificar no futuro.
É por isso que a memória coletiva manifesta um conjunto de representações do
passado que permanecem conservadas e transmitidas entre seus membros, pela sua
função prática de integração. Daí advém a idéia de pertencer. Pertencer dá idéia de uma
ressonância moral, de vizinhança, de compartilhar do mesmo sangue, do mesmo espaço,
de uma contratualidade cultural e simbólica acima de tudo, de cooperação solidária,
afetiva e parental, identidade coletiva, genealógica, política (através da língua, do
dialeto, da origem, da cultura...).
A idéia de pertencimento carrega consigo a necessidade de ancorar o
grupo/comunidade a algo que de garantia de continuidade, de eternidade tanto para o
futuro quanto para o passado ainda que esse processo possua uma base histórico-
temporal de curta duração e uma tradição não de base comum como é caso de Vênetos,
ou seja, nem todos os vênetos são iguais, mesmo em termos dialetais.
O pertencer pode se dar pela simples identificação identitária, cultural,
imaginária… e sua temporalidade se altera, se renova e se entrecruza, porém, há sempre
interação de uma “situação de contemporaneidade” (no caso, ser descendente de
italiano, falar o dialeto, enfrentar os mesmos desafios culturais e físicos, “migrar sem
nada”, “trouxemos de lá muito do que temos aqui”, ou insistir em falar no genérico

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“cultura italiana” em vez de “cultura de descendentes de italianos”). É por isso que,


sentir-se pertencendo, carrega uma simbologia que une indivíduo a uma totalidade
histórico-cultural e temporal.
As noções de comunidade e de proximidade são importantes para tornar legítimo o
espaço da memória – daí os muitos gemellaggios! Desse modo, a memória coletiva é
caracterizada por um intenso componente afetivo. Esse nasce da estreita interação e seu
conseqüente intercâmbio de experiências entre os membros do grupo.
Nesse processo de naturalização da identidade étnica, a memória exerce um papel
importante através da manifestação de símbolos evocativos de pertencimento, de
seleção, de esquecimento, ou, melhor, de uma construção de memória em questão, de
representação que são ativadas e provocadas num cenário onde existem simbologias de
etnicidade e vontades manifestas de estabelecerem diferenças. A dimensão épica e
ufanista da memória étnica colabora para fortalecer essas representações.
A manipulação do imaginário social é particularmente importante em momentos
de mudança social e cultural, em momentos de redefinição de grupos e coletividades
étnicas especialmente quando são de expressão regional (Vêneto por exemplo).

Algumas das várias redes formais...

O Vêneto Community, por exemplo, não muito diferente dos demais, é um projeto que
agrega forças e representações de várias ordens na região do Vêneto no sentido de
valorizar, resgatar e fortalecer a chamada cultura vêneta. Vinculado a ele está o Projeto
Rientro, o qual também objetiva manter e facilitar o retorno e a inserção no território do
Vêneto aos cidadãos italianos emigrados, nascidos na região; garantir a manutenção da
identidade vêneta e melhorar o conhecimento da cultura de origem, desenvolver
iniciativas culturais, organizar processos de equilíbrio entre oferta e demanda de
trabalho na referida região.9
Nesse sentido, segundo seus líderes, o mesmo possui finalidades formativas em
adequação com títulos e qualificações profissionais, orientação no mercado de trabalho,
enfrentamento da noção de emergência que fizeram da imigração para um projeto
político, favorecer trocas e relações interculturais.
Segundo Zanon (Assessor Regional para Assuntos de Imigração - Vêneto) diz que para
a Junta Veneta, o tema do retorno dos imigrantes vênetos no Vêneto é de fundamental
importância, “retorno que se configura como uma prioridade política e um dever moral
para o governo da região. [...]. São prioridades as quais os vênetos terão de responder a
uma dívida histórica, política e cultural com relação aos milhões e conterrâneos que, no
século passado, tiveram de deixar suas terras. [...]. Hoje empreendedores vênetos
solicitam a viva voz a disponibilidade de mão-de-obra em suas empresas”.10
Coordenadores do Veneto Community deixam claras suas intenções: “retorno facilitado
para nossos emigrantes no Vêneto, iniciativas de informação, instrução e cultura a favor
dos vênetos no mundo; agregar redes associacionísticas dos emigrantes vênetos, auxílio-
casa para todos os que vêm do estrangeiro”.11

9
Sobre as especificidades do Projeto em seus vários temas, ver www.consiglioveneto.it/leggi/2003.
10
Revista Vicentini nel Mondo, ano XLVIII, n. 9, jan. 2001, p. 7.
11
Assessor Zanon, in: Vicentini nel Mondo, a. 52, n. 4, april, 2004, p. 8.

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Em geral, até então, segundo jornais que revisamos, são contemplados e selecionados
jovens entre 20-35 anos, são propiciados cursos de formação técnica, viabilizados
alojamentos temporários e documentação de permanência temporária - “si costruiscono
nuovi allogi per immigrati ed emigrati di ritorno”-.12
Na prática, a divulgação e o marketing são superiores às atividades propriamente ditas.
Algumas atividades de intercâmbio foram ou são desenvolvidas em Vicenza com mais
intensidade, porém, no todo geral da imigração brasileira e mesmo gaúcha (de oriundi)
para a região do Vêneto a ação dessas instituições é praticamente nula.
Pesquisamos algumas edições de jornais, em especial o Il Giornale di Vicenza por ser
esse mais expressivo nessas questões migratórias e por estarem em Vicenza as sedes de
associações venetas de repercussão internacional. Nossa intenção era tentar perceber
que dimensões são dadas às notícias sobre imigração e emigrações referentes ao Brasil.
Pude ver que há grande dimensão desenvolvida da nostalgia, do sonho da Itália, do
desejo de conhecer a terra/local de origem de nonos/bisnonos13, da emoção da chegada,
do desejo dos imigrantes de trabalhar na Itália, a alegria dos italianos que os recebem ao
ouvir falar o dialeto vêneto, etc.
Porém, apresentam-se várias noticias sobre a imigração brasileira e seu descontrole, sua
mediação por atravessadores que exploram seus conterrâneos, os quais lhes fazem
promessas não cumpridas, não conseguem emprego e acabam produzindo um problema
social, pois precisam ser auxiliados pela comuna da cidade e, de certa forma,
envergonhando os vênetos vicentinos.14
Sobre a promoção de cursos de aperfeiçoamento é o que mais se apresenta: é o caso de
enfermeiras do Rio Grande do Sul chegaram a Thiena para fazer um estágio de trabalho
na estrutura sanitária mediadas por empresas e a expressão de seu desejo de
permanecerem na Itália, pois possuem dupla cidadania e/ou em fase de obtenção da
mesma15; curso de confeitaria a Bassano por um grupo de gaúchos,16 para que “essas
pessoas possam encontrar ocupação rápida no Brasil ou, quem sabem, permanecer na
Itália como muitos prefeririam”.17
De uma forma nostálgica, descendentes expressam publicamente seus desejos e sonhos:
“A saudade da Itália, nunca conhecida, é muita. Tem sido para mim e para toda a nossa
família uma grande alegria receber o jornal de Dueville. É como receber a notícia de um
amigo que a muito não se enxerga. Nunca estive na Itália. Para mim é um sonho ainda
de realizar. Mas se um dia conseguir quero ir a Dueville e procurar algum parente que
ficou por lá. Não tivemos mais notícias dos irmãos do bisnono”. 18 O objetivo disso nas
palavras do Assessor provincial, é “reatar as relações com os emigrantes no sul da
América e dar novas oportunidades aos descendentes de vicentinos partidos para o
Brasil”.19 “Nem sempre aonde tem trabalho tem trabalhador. Buscamos suprimir a
carência de profissionais solicitados do setor sanitário e assistencial, dando

12
Vicentini nel Mondo, Vicenza, n. , a. 51, giug., 2003, p. 9.
13
“Ricerca di radici”, é o caso de 3 professoras de Caxias do Sul que foram a Sovizzo – Vicenza, em Il
Giornale di Vicenza, 24/10/95.
14
Il Giornale di Vicenza , 20/07/05.
15
Il Giornale di Vicenza , 26/01/03, p. 20.
16
Il Giornale di Vicenza, 29/10/02, p. 31.
17
Il Giornale di Vicenza . Renato Lora, professor e idealizador da iniciativa, em 6/6/03.
18
Depoimento de Ângela Malucelli, de Florianópolis – SC em carta endereçada ao prefeito de Dueville –
Vicenza. Il Giornale di Vicenza, 21/03/00, p. 18.
19
Alessandro Testolin, Assessor Provincial.

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possibilidade aos enfermeiros brasileiros, melhor se com descendentes de italianos, de


fazer uma experiência formativa e sucessivamente de trabalho na Itália”, é o caso de
120 descendentes de imigrantes italianos, 80 enfermeiros, 40 mecânicos para cursos.
Diz o Presidente do Comitato Vicentini nel Mondo, “em vez de buscar em outro lugar,
isso de fazer retornar nossa gente é não só um nosso dever moral, mas também um
modo de haver nas nossas fábricas mão-de-obra”.20.
As notícias sobre o Brasil do referido Jornal, em geral, fortalecem a idéia da seleção e
prioridade dos imigrantes vênetos justificando que “tantos filhos nossos, velhos
camponeses, estão espalhados pelo mundo. Mas que retornem aqui, aqui trabalhamos
juntos! Esta iniciativa é uma divida de reconhecimento. Agora vocês se sentem longe de
casa, sabemos disso, mas tendes o nosso afeto, vocês se encontram na terra de vossos
nonos e queremos que vocês se sintam em vossas casas”.21
O projeto “Ritorno al Lavoro” levou a Bassano 20 brasileiros, descendentes de italianos
e em especial da referida região para curso de aperfeiçoamento de trabalhadores em
madeira. O administrador da região se referiu ao passado migrante da Itália para o
Brasil dizendo que “desejo que a vossa estrada seja menos dura daquela afrontada pelos
vossos bisnonos quando deixaram as nossas terras para buscar fortuna no sul da
América”.22
Viagens de intercâmbio cultural são muito comuns principalmente de grupos do Rio
Grande do Sul para a região do Vêneto, inclusive grupos de expressão da dita cultura
gaúcha, expressa em danças e em outros rituais nos espaços de CTGs. “Não
esqueceremos mais das nossas origens, pois para nós a família é muito importante, e,
não obstante, a distancia geográfica, nos recordamos todos os dias da pátria de nossos
nonos. [...]. Uma Itália que consideramos a nossa extensão geográfica”.23
Inúmeros gemellaggios24 acontecem e são acordados entre cidades do Vêneto e cidades
do Brasil Meridional (quase sempre justificadas pela idéia de investimento comercial,
industrial, turístico, lingüístico e migrante/mão-de-obra) “O RS é aquele estado que nos
últimos anos tem registrado o maior desenvolvimento de toda a federação e é rico de
pequenas e médias empresas. (...). O acordo alegra o Brasil e também nós, e a escolha
não foi casual. [...]. [O acordo] tem o objetivo de permitir percursos concretos relativos
a casa, ao trabalho, a aposentadoria e a simplificação burocrática para os vênetos que
decidirão de retornar ao Vêneto”.25
O “Progetto Rientro in Veneto” teve certa importância entre os anos 2000-2001, no
sentido de tentar viabilizar o rientro dos oriundos vênetos e de seus descendentes26 ; fez
mediação entre ofícios para serviços e assistência na ocupação, compras e estruturação
da moradia, reserva de 10% nos alojamentos e casas públicas para migrantes em geral,

20
Bepi Grotto, Il Giornale di Vicenza, 6/10/89.
21
Prefeito da cidade de Vittorio Veneto, Attilio Schneck. Exaltação do prefeito aos descendentes de
imigrantes vênetos pela sua qualidade empreendedora e pela sua profissionalização, o qual disse que “é
desses que teremos de fazer chegar à Itália e não os albaneses ou dos Bálcãs”, o qual diz que encontrou
um outro Nordeste italiano na região colonial do RS. Il Giornale di Vicenza, 23/09/04, p. 44.
22
Il Giornale di Vicenza, 20/5/00, p. 28.
23
Discurso pronunciado pelo coordenador do grupo folclórico ítalo-gaúcho Galpão da Saudade de
Serafina Corrêa RS em apresentação na região do Vêneto. Il Giornale di Vicenza, 6/11/00, p. 11.
24
Gemellaggio entre Valdastico e Encantado. Il Giornale di Vicenza, 16/03/95, p. 21, dentre vários
outros.
25
Il Giornale di Vicenza. Palavras do Assessor Provincial Raffaele Zanon, 20/6/01.
26
WWW.regioneveneto.it

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contribuição financeira para auxílio empreenditorial, iniciativas de orientação formação


e inserção escolar de filhos de imigrantes vênetos no Vêneto, cursos de re-qualificação
profissional, auxílio nas despesas de viagem, etc. Zanon (assessor na região do Vêneto
para assuntos de imigração) fala do projeto como forma de pagar um “debito storico”
com os vênetos do passado que foram obrigados a abandonar suas terras; fala em
prioridade política.
Os textos, tanto de revistas como de jornais, analisados enfatizam o cidadão oriundo do
Vêneto como trabalhador, com certa auto-centralidade étnico-cultural vêneta tanto na
Itália pós-unificação quanto fora (formada por vênetos que moram no Vêneto e mais 5
milhões que vivem em todo o mundo), em outra palavras, valores da identidade vêneta,
comunidade vêneta no mundo com certo purismo racial, cultural e genético
extemporâneo, imutável e reificante!).
A Revista Vicentini nel Mondo é farte em histórias pessoais e familiares; epopéias e
sacrifícios não faltam! Alguns até, paradoxalmente, com final não muito feliz, mas em
geral todos com exaltação pós-sacrifício da emigração e do trabalho árduo,
principalmente em termos econômicos e de prestígio social, pioneiros, trabalhadores,
etc.27
Enfim, não questionamos a necessidade de projetos, colocamos em dúvida suas
premissas que, ao nosso ver, não condizem com a noção de intercâmbio, pois existe um
espaço que se presume seja desenvolvido, para ensinar e, um outro espaço,
preconceituadamente, concebido como ineficiente e atrasado, para aprender. Além
disso, discordamos imensamente dos critérios de seleção por julgá-los discriminatórios
(assim como entendemos que todos os processos de seleção sejam, de certa forma,
excludentes, porém não pelo viés do pertencimento regional e cultural de um passado
que já é tão longínquo!), movidos por uma concepção essencialista e reificada de
cultura, de etnia (parece que a noção de descendência leva em conta uma trajetória
unilinear, unidimensional e purista de identidade étnica) e de identidade regional, dentre
uma série de outros requisitos (dupla cidadania, testes de conhecimentos baseados em
pressupostos de uma filosofia de gerenciamento e de cooperativismo adaptado a uma
outra realidade), além de não contribuir em muito para uma grande questão atual que
envolve a interculturalidade, a abertura para o outro, para culturas e nacionalidades
diversas com concepção de crescimento recíproco.

A produção de espaços
Indivíduos, instituições oficiais, mediações informais, grupos, demandas e ofertas
vão produzindo espaços, criando vínculos, maximizando relações, definindo a
identidade e/ou identificações de imigrantes trabalhadores (as) em situações
heterogêneas. Não foram poucos os imigrantes que se aproximaram de nós por
entenderem que, pelo fato de sermos professores, amigos de italianos e/ou amparados
que éramos pela Universidade de Verona ou por entidades de Igreja, poderíamos
interceder junto a alguém para favorecê-los em alguma coisa, em geral, em torno do
trabalho e moradia.
Nessa questão da imigração, não dá para esquecer da família. Por mais que a
imigração atual tenha grande performance de indivíduos singulares e não de famílias,
27
Ver Rivista Vicentini nel Mondo, vários números.

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essa não pode ser ignorada. A família, se não migra, não significa que esteja ausente
objetiva e subjetivamente. Aspectos financeiros, demográficos e afetivos estão presentes
na condivisão dos que emigram e dos que ficam. Muitas vezes, a fragmentação, a saída
de alguém serve para propiciar a permanência de outros e/ou para manter a unidade
familiar, para melhorar as condições de existência do todo, ou então, para arrastar
todos os membros da família no processo, ou para fazer com que no futuro outros não
precisem fazer o mesmo (filhos e/ou irmãos).
Deixar esposa e filhos, ou deixar marido e filhos, deixar filhos com avós, deslocar
toda a família para espaços novos significa produzir processos de rompimento,
redefinições, nostalgias, preocupações, novas experiências, novos desafios, desejos de
permanência e de retorno, produzir distanciamentos (amigos, parentes, outros vínculos
afetivos) e novas aproximações, solidão, isolamento social, novas relações sociais, faz
repensar o conceito de família (comumente mais heterogêneo); pode auxiliar no
matrimônio interétnico; assume o desafio de uma dupla mediação entre dois horizontes
culturais, revelando-se para alguns como um pequeno laboratório intercultural.
Ganhar dinheiro, muitas vezes a qualquer custo ou de qualquer maneira faz com
que muitos cometam irregularidades, no limite envolvam-se com tráfico de drogas,
acabam sendo presos e/ou expatriados. Há muitos casos nesse sentido. Alterações
culturais são exigidas de muitos para fazer frente e se adaptar às situações de trabalho e
de vida social; realidades essas escondidas, pouco explícitas enquanto expressão das
formas variadas e das artimanhas para o sustento. Há um mundo vivido que não é
expresso para os seus familiares, nem amigos, nem parentes em cartas e em contatos
telefônicos. Não é incomum brasileiros dormirem em monolocales (kitnetes) que não
dão para mais de quatro pessoas, estarem ao redor de dez, dormirem em baixo da mesa,
em camas de casal todos juntos. A realidade vivida no campo de trabalho como
temporário, de necessidade de reduzir custos, de irregular, etc., produz horizontes de
relações que jamais seriam concebidas se vividas no espaço de origem. Em geral, o
envio de dinheiro esconde, ameniza, legitima, justifica e acomoda situações não visíveis
de relacionamentos, dependências, obrigações, instrumentalização do imigrado pelos
que ficam e pelos que as vivenciam.
Em Igrejas, após as missas mensais, há festas mais institucionalizadas, “festas do
Brasil” com ritmos, culinária, apresentação em geral de capoeira, samba (diz um
brasileiro que servem “para muitos brasileiros lucrarem”), atraem outras nacionalidades;
os ritmos musicais em geral são do eixo Bahia-Rio de Janeiro. Nesses momentos, a
cultura brasileira incorpora capital simbólico de identificação de alteridade num
horizonte multi-étnico e multi-cultural. Os momentos festivos mais organizados atraem
grupos latino-americanos em maior expressão. É nesses encontros com os seus e com os
outros que brasileiros, em seu caráter relacional, reafirmam sua identificação de povo
alegre e simpático, festeiro, acolhedor e solidário.
As igrejas passam a ser espaços de integração entre imigrantes. Participamos de
vários rituais religiosos no interior da Igreja Assembléia de Deus do Brasil em Verona
para termos uma noção de alguns dos processos que se desenvolviam internamente com
brasileiros. Apresentamos ao pastor nossas intenções e solicitamos seu auxílio. Temos
de confessar que não fomos bem recebidos em razão de nossa imediata pragmaticidade
do momento e por, ingenuidade, entendermos que o pastor pudesse ser um mediador

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para nossos objetivos de pesquisa. No fundo, ao nos apresentarmos ao mesmo, logo


compreendemos que havíamos precipitado as coisas. Dificilmente poderíamos contar
com seu apoio, ainda que em nosso questionário não houvesse nenhuma indagação
sobre a dimensão religiosa e suas funções e intenções no cotidiano dos imigrantes. O
pastor logo entendeu que nossa presença nos cultos não era mais do que um
aproveitamento funcional de um momento de agrupamento coletivo e que estaríamos
em desacordo com seus objetivos.
No entanto, é bom que se diga que na região do Vêneto, as várias igrejas buscam
atrair os contingentes de imigrantes que nela se inserem, sejam eles grupos nacionais
e/ou de nacionalidades múltiplas. Para o caso brasileiro, o que nos chamou muito a
atenção foi a presença e importância da Igreja Evangélica. Sabemos que as migrações
causam perdas, inquietação e desamparo. As igrejas sabem disso e, desse modo, buscam
oferecer apoio e garantir um mercado das almas, um público-alvo significativo! Seus
rituais emotivos, enfocando problemas, conflitos, superações, enfrentamentos, histórias
pessoais, etc, congrega grupos e os atrai para a presença e participação constantes.
Os imigrantes também atuam na perspectiva da comunidade de interesse; sabem
que nas igrejas é possível encontrar apoio e informações para espaços de trabalho,
auxílio em termos de documentação, aluguel, ajuda pessoal (alimentação, vestuário,
atendimento assistencial, escuta), orientação e esperança de melhoria de vida;
desenvolvem espírito de solidariedade, auxílio, acolhida, sentimento de conforto e
segurança, momento de convívio, ligação de amizades, a língua materna, etc. Não há
dúvida de que visto por esse ângulo, as igrejas exercem um grande papel no processo de
adaptação do imigrante ao novo contexto.28 Constatamos isso nos cultos evangélicos
que fomos, bem como nas missas com nigerianos celebrada por um padre nigeriano que,
aos poucos, tornou-se nosso amigo e passou a nos relatar situações preocupantes que
co-nacionais seus enfrentam, produzem e são identificados, como é o caso de
prostitutas, de exploração de negócios ilegais que membros de seu país se vinculam.
Vimos também dimensões de solidariedade, de companheirismo e de exteriorização de
inter-ajuda em momentos de rituais litúrgicos mensais (missa e integração no último
sábado de cada mês) entre brasileiros em Verona.
Porém, sabemos que, ao mesmo tempo, as Igrejas exercem controles, instituem a
solidariedade, certos vínculos comunitários. As igrejas evangélicas, em especial,
favorecem a dimensão da ascensão social, valorização do individualismo econômico; ao
mesmo tempo, buscam combater o predomínio de uma lógica egoísta e anti-solidária
embutida nessas dimensões; o ambiente acolhedor das igrejas é o contraponto com o
vivido cotidiano externo.29

Sociabilidades em redes
As redes sociais revelam as vantagens dos laços sociais no contexto migratório, ao
mesmo tempo revelam que fatores econômicos e individuais deixam de ser exclusivos

28
MARTES, A. C. B. Os imigrantes brasileiros e as Igrejas em Massachusetts. SALES, T.; REIS, R. R.
Cenas do Brasil..., p. 87-122.
29
Ver SILVA, S. A presença da Igreja entre os imigrantes latino-americanos em São Paulo. In:
PATARRA, N. Emigração e imigração internacionais no Brasil contemporâneo. Campinas: FNUAP, v.
1, 1995.

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na explicação do fenômeno; são conexões sociais que envolvem parentesco, amizade,


origem comum, uma gama de contatos entre locais de origem e destino; são “pontes
sociais” além das fronteiras nacionais, fatores de interação; refletem um quadro
informal de expectativas, mútuas bases de relacionamentos reforçadas por interações
regulares e associações e grupos variados, em geral, no campo do voluntariado;
produzem micro “comunidades filhas” (fruto do amadurecimento das redes migratórias,
locais e regiões direcionadas e especificas), “canalização” de imigrantes as quais
revelam o efeito orientador das relações e laços sociais.30 Não há dúvida que as mesmas
não se bastam a si mesmo, exigem, sim, confiança, unindo origem e destino.
As redes sociais criam reserva de mão-de-obra para ocupações específicas,
dificultam a mobilidade ocupacional, socializam informações a respeito de vagas,
influenciam no comportamento do imigrante. Porém, as redes não se identificam
necessariamente com solidariedade étnica, pois no interior das mesmas existe
solidariedade e conflito e, ambas as dimensões vão se alternando dependendo das
circunstâncias e de seu objeto em questão.31
A aproximação produzida pelas redes formais e informais (que faz algumas etnias
produzir associações, núcleos nacionais, espaços específicos de trabalho) contribui para
sustentar certo sentido identitário, além de, em tese, facilitar a satisfação de certas
necessidades (materiais, afetivas, tradições, história, informações, etc.) dos sujeitos
migrantes. É por isso que as redes de co-nacionais representam um valor simbólico de
grande importância (como regularização micro-social, espontâneo e informal), pois
realimentam em espaços onde a presença dos limites e da precariedade das condições e
formas pré-modernas de patrocínio e de favores; revelam como determinadas relações
sociais podem intervir e produzir ações econômicas (reciprocidade, confiança, lealdade,
gratidão, etc.). Diz Ambrosini que a percepção da diversidade e da discriminação mais
ou menos explícita auxilia a reforçar os confins do pertencimento, a esfera da rede de
co-nacionais e grupos étnicos; ou seja, as redes sociais são uma combinação de
fragilidade (na hierarquia social, são subalternas) de forças (busca reforçar o
pertencimento e a identidade de grupo), de possibilidade de encontrar e informar
campos de trabalho ainda que possa produzir e caracterizar nichos de especialização
étnica e de iniciativas empreendedoras.32
Algumas associações étnicas fornecem assistência no aspecto burocrático e da
legislação do contexto social de residência, pressionam para o reconhecimento de
determinadas políticas sociais, favorecem para reduzir a situação negativa de
estranhamento do recém-chegado a um contexto social que demanda sua reinvenção
(alimentação, alojamento, relações afetivas, ressocialização e novos conhecimentos),
orientação no mundo do trabalho.
Enfim...

30
FUSCO, W. Redes sociais na migração internacional. O caso de Governador Valadares. Campinas:
Unicamp, 2001. Dissertação.
31
Idem.
32
AMBROSINI, M. Per un inquadramento teorico del tema: il modello italiano di immigrazione e le
funzioni delle reti etniche. In: LA ROSA.M.; ZANFRINI, L. Percorsi migratori tra reti etniche,
istituzioni e mercato del lavoro. Milano: Franco Angeli, 2003, p. 9-23.

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As associações e entidades variadas constituindo um elo dessa cadeia de redes,


atuam em geral num espaço semi-submerso de mediação de informação, atestado de
confiança; inclusive, em algumas situações, funcionam como pré-condição num cenário
de mercado de trabalho fragmentário; influenciam no recrutamento e seleção; ocupam
nichos de mercado, porém, em geral, não auxiliam em muito na mobilidade social do
trabalho, pois o reduzem a um circuito étnico nacional; mas mesmo assim, têm a função
de auxílio, sustentação emotiva, solução de problemas cotidianos (stress, acolhimento,
família,); auxiliam na entrada de ambientes da sociedade italiana (instituições sociais,
solidariedade), inserem em atividade ilegais ou socialmente estigmatizadas, favorecem
em termos de recursos intelectuais e profissionais dos imigrantes, trabalho e casa, curso
de língua, formação profissional, equilíbrio flexível e inteligente de assimilação do
imigrante à sociedade (importância do terceiro setor, do voluntariado e da mediação
intercultural).33
As redes podem auxiliar, também, nas mínimas condições de vida no local de
destino. No entanto, movem-se por uma ótica de ambivalência entre solidariedade e
auxílio, divisão, concorrência e conflito. Voltamos a dizer, as redes produzem um
capital social, uma espécie de sistema de posição no interior do grupo, correlações que
acionam ligações entre atores sociais entre grupos e ambientes diversos, envolvendo
primeiramente co-nacionais (cultura italiana, descendência, etnia), sendo, portanto, um
processo em cadeia em vez de ser solitário; sua importância e amplidão estão em
correlação com sua funcionalidade, com o tempo de permanência no país, com o tipo de
relações que mantém na Itália (poderia dizer uma espécie de mercado relacional
pragmático) para satisfazer performance temporal e individual.34
Graças às redes de relações interpessoais entre imigrantes e potenciais imigrantes,
os processos migratórios podem permanecer em condições de mercado de trabalho não
favoráveis.35 A imigração, por esse viés, desenvolve um sistema de relações ativo,
integra-se em vários níveis sociais e culturais, conecta aspectos macro e micro, exerce
uma grande influência sobre sucessivos desenvolvimentos do processo; funciona como
cadeia familiar, auxilia na decisão de partir, no local de destinação, enfim, “processo
mediante o qual os imigrantes criam e reproduzem relações sociais que conectam a sua
sociedade de origem com a de inserção”.36
Desse modo, imaginar um mercado de trabalho livre, amplo e com concorrência
normal, aberto e fluído aos novos imigrantes é uma abstração. Sem as redes, os mesmos
seriam ainda mais frágeis, marginais e explorados, haveria maior risco de exclusão e
dos circuitos ilegais.
É bom ter claro que as formas de inserção dos imigrantes na realidade econômica
dos países hospedeiros apresentam níveis e formatos de uma realidade fragmentada e
dinâmica; pode ser uma inserção suplementar (ocupar espaços vazios deixados “pelos
outros” de uma forma consciente e proposital), complementar (fruto da dinâmica de
setores produtivos que demandam mão-de-obra), adicional (trabalhos em espaços pouco

33
AMBROSINI, M. Migrazioni....
34
AMBROSINI, M. Migrazioni...., p. 224.
35
AMBROSINI, M.; BOCCAGNI, P. Un´integrazione precária. Immigrazione e lavoro a Rimini. Rimini:
Fara Editore, 2000, p. 22.
36
AMBROSINI, M. BOCCAGNI, P. Un´integrazione..., p. 24.

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atrativos e de baixa concorrência como é o caso da agricultura e da construção civil),


independente (como empreendedor ou prestador de serviços) e marginal (espaços
deslocados da dinâmica entre oferta e demanda e trabalhos submersos).37
A imigração possui uma cadeia de vínculos inter-espaciais, ou seja, há os que
migram e os que ficam; ganha-se dinheiro num lugar e pensa-se em utilizá-lo em outro.
A questão da distância física, a possibilidade de rompimento de alianças afetivas e
culturais em ambos os espaços, os vínculos nostálgicos entre a área de origem e a de
destino atual, fazem da presença de imigrantes um horizonte de desenvolvimento de
uma dialética entre aceitação e desejo de expulsão, como fonte de renda, de consumo e
de produção e de serviços a custo baixo, mas, também, como sujeito promotor de
alteração da paisagem cultural, física, demográfica, étnica, segurança social e privada.38
De tudo o que dissemos, fazemos questão de não esquecer uma coisa, ou seja, de
que a solidariedade e ajuda mútua, quando se fazem concretas, convivem com o
egoísmo, a discriminação e o conflito interno: constituem duas faces da mesma moeda.
A noção de favor, de dádiva, de dívida (essa comumente produzida por empréstimos
monetários - é comum brasileiro endividado com brasileiro principalmente nos
momentos de chegada. Há também uma possibilidade de dinamizar informalmente o
setor usurário), a relação de dependência para a de servidão (compatriotas explorando
outros), o papel dos intermediários na Itália e no Brasil, no seu conjunto, complexificam
a realidade de imigrante. Não dá para olhar só o aspecto de trabalho, por mais que seja
fundamental, sem perceber outros canais a ele ou não interligados e que constituem a
organização de vida do imigrante. Esse processo, muitas vezes, esconde trajetórias,
estratégias, racionalidades internas e muitos sacrifícios, os quais seriam impensados não
fossem o desejo e o fato de se proporem a viver como imigrante.
De uma forma geral, o que se evidencia pelos dados e análises recentes39 é que
imigrantes estão reagindo às discriminações culturais e no espaço de trabalho adotando
estratégias de auto-emprego e atividades independentes, de micro-empresários,
atividades informais, aproveitando-se da sinergia cultural, de um mercado em grande
parte consolidado para determinados serviços e ofertas de produtos em correspondência
com demandas promovidas pelo contingente migratório de determinados países
(alimentação, vestuário, produtos de lazer, telefonia, importação…).
No entanto, ainda assim mesmo há grande dificuldade de regularização em
correspondência com as normas, de instituições públicas, de pressão de setores
organizados, hostilidades, etc. As formas organizativas informais, étnicas, associativas,
solidárias e institucionais poderão auxiliar na amenização desses traumas.
Referências bibliográficas
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37
AMBROSINI, M. Utili invasori. L’inserimento degli immigrati nel mercato del lavoro italiano. Milano:
Franco Angeli, 1999.
38
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internacional em Valadares e Ipatinga. Belo Horizonte, UFMG, 2002. Tese Doutorado em Demografia.
Ver, também, MAXINE, L. M. Na virada do milênio: A emigração para os Estados Unidos. In:
MARTES, A. C. B.; FLEISHER, R. (Org.). Fronteiras cruzadas: etnicidade, gênero e redes sociais. São
Paulo: Paz e Terra, p. 51-72, 2003.
39
Ver AMBROSINI, M. La fabrica dei giovani. Rimini: Edizione Solidarietà, 1999; ver, também,
BAPTISTE, F. L’imprenditorialità immigrata nell’area milanese. Quaderni ISMU, n. 4, 1994.

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processi migratori. Milano: Franco Angeli, 2000.
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