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Formação da Consciência Política                                                                                                   4

 
Índice 

BREVÍSSIMA INTRODUÇÃO _______________________________________________________ 5

Consciência do brasileiro _______________________________________________________________ 5

1. POLÍTICA E VOTO ____________________________________________________________ 7

1.1. Um mundo assombrado por outros demônios ___________________________________________ 7

1.2. A participação do indivíduo na sociedade______________________________________________ 12

 1.3. Espaço público versus espaço privado: para onde foi a cidadania?__________________________ 13

1.4. O animal político _________________________________________________________________ 16

1.5. Crítica à democracia ______________________________________________________________ 16

1.6. Sem a ditadura, a liberdade para não participar ________________________________________ 19

1.7. O que é um político — uma visão etimológica sobre a questão _____________________________ 20

2. ASPECTOS DA FORMAÇÃO POLÍTICA BRASILEIRA _______________________________________ 22

2.1. O voto do analfabeto _____________________________________________________________ 22

2.2. O voto nulo e voto branco__________________________________________________________ 24

2.3. Grande quantidade de brancos e nulos: o que isso representa? ____________________________ 24

2.4. Critérios para a formação da consciêncie eleitoral_______________________________________ 25

2.5. Vantagens e Desvantagens para a Democracia? ________________________________________ 26

3.1. Gastos da política brasileira com campanhas___________________________________________ 27

CONCLUSÕES DO GRUPO _______________________________________________________ 31

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ____________________________________________________ 32
Formação da Consciência Política                                                                                                   5
 

BREVÍSSIMA INTRODUÇÃO 
A  maioria  não  tem  apreço 
pelo  que  entende,  e  o  que  não 
compreendem,  veneram.  Para  serem 
estimadas,  as  coisas  têm  de  custar:  será 
celebrado tudo o que não for entendido1.
Baltasar Gracían (1601-1658)

 Consciência do brasileiro 

O brasileiro que votará em 2010 é muito diferente do brasileiro que votou pela
primeira vez, com o fim da Ditadura Militar, quando as eleições diretas indicavam um novo e
próspero rumo para a situação do país. Nosso brasileiro de 2010 tem irrestrito acesso às
informações, vive no século da velocidade, da comunicação, da consciência ecológica e
política. Vive cercado, sitiado, afogado em conhecimentos. Respira informações. Todavia
falta algo...

Durante as campanhas para as eleições de 2010, as pesquisas indicavam que


Tiririca estava muito à frente dos outros candidatos. As pesquisas se confirmaram: elegeu-
se com 1.300.000 votos, o suficiente para
levar às cadeiras federais 3 outros
deputados2. Outros famosos, como Simony,
Vampeta, Ronaldo Esper, Mocir Franco e
Maguila, também tiveram grandes chances
de encontrar uma cadeira pública para
descansar suas carreiras. São famosos.
Isso já funciona como diferencial.

O cenário é claro: vive-se o momento da votação de mais um Big Brother Brasil. O


mais engraçado, o mais famoso, o mais tchop-tchura será eleito. Hoje, mais do que nunca, o
brasileiro pode expressar sua consciência política.

Marilena Chaui diz que “a  consciência  reflexiva  ou  o  sujeito  do  conhecimento  forma‐se 
como atividade de análise e síntese, de representação e de significação voltadas para a explicação, 
descrição  e  interpretação  da  realidade  e  das  outras  três  esferas  da  vida  consciente  (vida  psíquica, 
moral  e  política),  isto  é,  da  posição  do  mundo  natural  e  cultural  e  de  si  mesma  como  objetos  de 
conhecimento. Apóia‐se em métodos de conhecer e busca a verdade ou o verdadeiro. É o aspecto 

1
Baltasar Gracían (1601‐1658) resume cruamente o problema.  
2
  Segundo  o  site  www.espalhafato.com.br,  em  7/9/2010  ,  Romário,  Bebeto,  Myrian  Rios,  Roberto  Dinamite, 
Wagner Montes também conseguiram se eleger. Menos sorte tiveram Batoré, Vampeta, Frank Aguiar, Mulher 
Pêra, Raul Gil Jr, Kiko KLB, Leandro KLB. Ainda não foi desta vez. 
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intelectual  e  teórico  da  consciência.”3. Ora, não faltam informações. Todos podem ligar a TV,
ler jornais, acessar conteúdos da internet, mas, mesmo assim, ainda foi Tiririca quem
venceu nas urnas.

Talvez falte ao brasileiro educação, muitos diriam. Entretanto, não faltam vagas para
os jovens nas escolas. Há escola, logo há educação. Mas essa educação não tem garantido
haver, ao menos moral. E moral, substantivo há muito depreciado, fora de moda, é o
norteador de um povo.

A consciência moral (a pessoa) e a consciência política 
(o cidadão) formam‐se pelas relações entre as vivências do eu 
e  os  valores  e  as  instituições  de  sua  sociedade  ou  de  sua 
cultura. São as maneiras pelas quais nos relacionamos com os 
outros  por  meio  de  comportamentos  e  de  práticas 
determinados  pelos  códigos  morais  (que  definem  deveres, 
obrigações, virtudes) e políticos (que definem direitos, deveres 
e  instituições  coletivas  públicas),  a  partir  do  modo  como  uma 
cultura e uma sociedade determinadas definem o bem e o mal, 
o justo e o injusto, o legítimo e o ilegítimo, o legal e o ilegal, o 
privado e o público.4

A questão, na verdade, é bem mais complexa. A qualidade da educação brasileira é


baixa, mesmo em instituições particulares. A antiga Educação Moral e Cívica, disciplina
crucificada por ter sido instrumento da Ditadura Militar, ao desaparecer, não deixou
sucessor. O nacionalismo que existia durante a Ditadura, duramente criticado, ficou sem
herdeiros na pátria de chuteiras5, diria Nelson Rodrigues. Certamente, este seria mais um
caso, ainda segundo Rodrigues, de óbvio ululante.

Saber como surge a CONSCIÊNCIA POLÍTICA é uma questão tão interessante quanto
saber se o brasileiro, de fato, ao votar, usa essa mesma consciência. Este trabalho se
propõe a investigar essas duas questões.

3
 CHAUI, Convite à Filosofia, p. 148.  
4
 CHAUI, op. cit., p. 147. 
5
 A expressão, em rigor, é pátria em chuteiras.  
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1. POLÍTICA E VOTO
“Todo homem decente se envergonha 
do governo sob o qual vive.” 
Mencken6 

1.1. Um mundo assombrado por outros demônios7 

Carl Sagan, ao tratar da Ciência, trouxe também um cenário muito claro sobre a
Educação norte-americana (estadunidense, se se preferir), que nos inspira e nos guia,
nosso parâmetro de cultura:

Popularizar  a  ciência  —  tentar  fazer  acessíveis  seus 


métodos  e  descobrimentos  aos  não  cientistas  —  é  algo  que 
vem  a  seguir,  de  maneira  natural  e  imediata.  Não  explicar  a 
ciência  me  parece  perverso.  Quando  um  se  apaixona,  quer 
contá‐lo  ao  mundo.  Este  livro  é  uma  declaração  pessoal  que 
reflete minha relação de amor de toda a vida com a ciência. 

Mas há outra razão: a ciência é mais que um corpo de 
conhecimento, é uma maneira de pensar. Prevejo como será a 
América  da  época  de  meus  filhos  ou  netos:  Estados  Unidos 
será  uma  economia  de  serviço  e  informação;  quase  todas  as 
indústrias manufatureiras chave se deslocaram a outros países; 
os  temíveis  poderes  tecnológicos  estarão  em  mãos  de  uns 
poucos  e  ninguém  que  represente  o  interesse  público  se 
poderá  aproximar  sequer  aos  assuntos  importantes;  a  gente 
terá  perdido  a  capacidade  de  estabelecer  suas  prioridades  ou 
de  questionar  com  conhecimento  aos  que  exercem  a 
autoridade;  nós,  obstinados  a  nossos  cristais  e  consultando 
nervosos  nossos  horóscopos,  com  as  faculdades  críticas  em 
declive, incapazes de discernir entre o que nos faz sentir bem e 
o que é certo, iremos deslizando, quase sem nos dar conta, na 
superstição e a escuridão. 

A  queda  na  estupidez  da  América  do  Norte  se  faz 


evidente principalmente na lenta decadência do conteúdo dos 
meios  de  comunicação,  de  enorme  influencia,  as  cunhas  de 

6
 MENCKLEN, p. 196. 
7
 Em refência ao título do livro de SAGAN, já que a pseudo‐política pode ser tão nociva quanto a pseudo‐ciência 
que ele combate. 
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som  de  trinta  segundos  (agora  reduzidas  a  dez  ou  menos),  a 
programação  de  nível  ínfimo,  as  crédulas  apresentações  de 
pseudociência e superstição, mas sobre tudo em uma espécie 
de  celebração  da  ignorância.  Nestes  momentos,  o  filme  em 
vídeo  que  mais  se  aluga  nos  Estados  Unidos  é  Dumb  and 
Dumber.  Beavis  e  Buttheadi  seguem  sendo  populares  (e 
influentes) entre os jovens espectadores de televisão. A moral 
mais  clara  é  que  o  estudo  e  o  conhecimento  —não  só  da 
ciência,  mas  também  de  algo—  são  dispensáveis,  inclusive 
indesejáveis.  

Preparamos  uma  civilização  global  em  que  os 


elementos  mais  cruciais  —o  transporte,  as  comunicações  e 
todas  as  demais  indústrias;  a  agricultura,  a  medicina,  a 
educação,  o  ócio,  o  amparo  do  meio  ambiente,  e  inclusive  a 
instituição  democrática  chave  das  eleições—  dependem 
profundamente da ciência e a tecnologia. Também dispusemos 
as  coisas  de  modo  que  ninguém  entenda  a  ciência  e  a 
tecnologia. Isso é uma garantia de desastre. Poderíamos seguir 
assim  uma  temporada  mas,  antes  ou  depois,  esta  mescla 
combustível de ignorância e poder nos explorará na Face8.

Sem educação, sem instrução, não se consegue entender que há escolhas. O povo,
então, sem saber que tem escolhas, submete-se ao líder. No Brasil, líderes políticos têm
caráter messiânico. Vencem pela propaganda, pela força de suas palavras – infelizmente,
nem sempre por suas ações. E o povo se escraviza, voluntariamente, submetendo-se
àqueles que já prometeram: “esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de
ninguém”.

Mais  uma  vez,  a  forças  e  os  interesses  contra  o  povo 


coordenaram‐se  e  novamente  se  desencadeiam  sobre  mim. 
Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não 
me  dão  o  direito  de  defesa.  Precisam  sufocar  a  minha  voz  e 
impedir  a  minha  ação,  para  que  eu  não  continue  a  defender, 
como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.  

8
 SAGAN, p. 34. 
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Sigo  o  destino  que  me  é  imposto.  Depois  de  decênios 
de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros 
internacionais, fiz‐me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o 
trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. 
Tive  de  renunciar.  Voltei  ao  governo  nos  braços  do  povo.  A 
campanha  subterrânea  dos  grupos  internacionais  aliou‐se  à 
dos  grupos  nacionais  revoltados  contra  o  regime  de  garantia 
do  trabalho.  A  lei  de  lucros  extraordinários  foi  detida  no 
Congresso.  Contra  a  justiça  da  revisão  do  salário  mínimo  se 
desencadearam  os  ódios.  Quis  criar  liberdade  nacional  na 
potencialização  das  nossas  riquezas  através  da  Petrobrás  e, 
mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A 
Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o 
trabalhador seja livre. 

Não querem  que o povo seja independente. Assumi o 
Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores 
do  trabalho.  Os  lucros  das  empresas  estrangeiras  alcançavam 
até  500%  ao  ano.  Nas  declarações  de  valores  do  que 
importávamos  existiam  fraudes  constatadas  de  mais  de  100 
milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou‐se o 
nosso  principal  produto.  Tentamos  defender  seu  preço  e  a 
resposta  foi  uma  violenta  pressão  sobre  a  nossa  economia,  a 
ponto de sermos obrigados a ceder. 

Tenho  lutado  mês  a  mês,  dia  a  dia,  hora  a  hora, 


resistindo  a  uma  pressão  constante,  incessante,  tudo 
suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim 
mesmo,  para  defender  o  povo,  que  agora  se  queda 
desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. 
Se  as  aves  de  rapina  querem  o  sangue  de  alguém,  querem 
continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto 
a minha vida. 

Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando 
vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. 
Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a 
energia  para  a  luta  por  vós  e  vossos  filhos.  Quando  vos 
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vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. 
Meu  sacrifício  vos  manterá  unidos  e  meu  nome  será  a  vossa 
bandeira  de  luta.  Cada  gota  de  meu  sangue  será  uma  chama 
imortal  na  vossa  consciência  e  manterá  a  vibração  sagrada 
para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão. 

E aos que pensam que me derrotaram respondo com a 
minha  vitória.  Era  escravo  do  povo  e  hoje  me  liberto  para  a 
vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será 
escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua 
alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a 
espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho 
lutado  de  peito  aberto.  O  ódio,  as  infâmias,  a  calúnia  não 
abateram  meu  ânimo.  Eu  vos  dei  a  minha  vida.  Agora  vos 
ofereço  a  minha  morte.  Nada  receio.  Serenamente  dou  o 
primeiro  passo  no  caminho  da  eternidade  e  saio  da  vida  para 
entrar na História.9 

Quase 60 anos depois da promessa, o povo ainda acredita que aquele homem, que
será eleito, é especial. O povo ainda quer ser guiado ao matadouro, como tantas vezes já se
cantou:

Vocês  que  fazem  parte  dessa  massa  /  Que  passa  nos 


projetos  do  futuro  /  É  duro  tanto  ter  que  caminhar  /  E  dar 
muito  mais  do  que  receber...  /    E  ter  que  demonstrar  sua 
coragem  /  À  margem  do  que  possa  parecer  /  E  ver  que  toda 
essa engrenagem / Já sente a ferrugem lhe comer.../ Êeeeeh! 
Oh! Oh! / Vida de gado / Povo marcado...  Êh! /Povo feliz!... / 
[...]  E  correm  através  da  madrugada/  A  única  velhice  que 
chegou / Demoram‐se na beira da estrada / E passam a contar 
o  que  sobrou.../  [...]  O  povo  foge  da  ignorância/  Apesar  de 
viver  tão  perto  dela  /  E  sonham  com  melhores  tempos  idos  / 
Contemplam  essa  vida  numa  cela...  /  Esperam  nova 

9
 Carta‐testamento de Getúlio Vargas, quando de seu suicídio. Recortes nesse texto poderiam prejudicar o que 
há de mais interessante: a retórica da salvação.   
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possibilidade  /  De  verem  esse  mundo  se  acabar/  A  Arca  de 
Noé, o dirigível / Não voam nem se pode flutuar 10 

Veja-se que essa canção popular – que já foi tema de novela em horário nobre11 –
traz algumas das questões mais importantes da discussão ora proposta: conformismo,
saudosismo (de um tempo nem tão melhor), promessas políticas vazias (dirigível e arca
muito claramente enunciam isso) e a ferrugem corrupta12 das engrenagens estatais.

A verdade é que o povo ainda acredita que o eleito fará as mudanças messiânicas,
cumprirá promessas impossíveis e mudará o universo. E parece sempre aceitar o preço
disso: 

Assim  deixais  que  vos  arrebatem  a  maior  e  melhor 


parte  das  vossas  riquezas,  que  devastem  os  vossos  campos, 
roubem  as  vossas  casas  e  vo‐las  despojem  até  das  antigas 
mobílias herdadas dos vossos pais!  

A  vida  que  levais  é  tal  que  (podeis  afirmá‐lo)  nada 


tendes de vosso.  

Mas parece que vos sentis felizes por serdes senhores 
apenas  de  metade  dos  vossos  haveres,  das  vossas  famílias  e 
das vossas vidas; e todo esse estrago, essa desgraça, essa ruína 
provêm  afinal  não  dos  seus  inimigos,  mas  de  um  só  inimigo, 
daquele mesmo cuja grandeza lhe é dada só por vós, por amor 
de  quem  marchais  corajosamente  para  a  guerra,  por  cuja 
grandeza  não  recusais  entregar  à  morte  as  vossas  próprias 
pessoas.  

Esse  que  tanto  vos  humilha  tem  só  dois  olhos  e  duas 
mãos, tem um só corpo e nada possui que o mais ínfimo entre 
os ínfimos habitantes das vossas cidades não possua também; 

10
 Composta por Zé Ramalho, Admirável Gado Novo já valeria per se uma análise à parte. Infelizmente, o curto 
tempo não permite.  
11
  Essa  informação  é  importantíssima,  já  que  as  novelas  são  a  paixão  do brasileiro.  Exatamente por  isso,  são 
louváveis  as  iniciativas  eventuais  de  trazer  às  novelas  discussões  socialmente  pertinentes.  Critique‐se  a 
superficialidade  da  discussão,  entretanto,  como  dizem  no  interior,  melhor  pingar  do  que  faltar  —  expressão 
que, note‐se, também acentua o caráter conformista do brasileiro.  
12
  Corrumpere,  não  por  acaso,  é  o  infinitivo  do  verbo  latino  que  significa  corromper/corroer,  tal  como  faz  a 
ferrugem,  e origem da palavra corrupção.  
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uma  só  coisa  ele  tem  mais  do  que  vós  e  é  o  poder  de  vos 
destruir, poder que vós lhe concedestes.13

E, quando não acredita, está profundamente decepcionado com a situação política


brasileira. Crê que os cargos do governo são ocupados por pessoas corruptas porque todo
mundo que vai para lá acaba assim. Parece, aos nossos olhos já decepcionados, haver
precisão nO Leviatã: bellum omnia omnes.14

 1.2. A participação do indivíduo na sociedade 

Não se pode, entretanto, esquecer que, ao fazer isso, rompe-se um importante termo
do contrato social: a participação do indivíduo na coletividade. O Contrato Social, segundo
Rousseau, considera que todos os homens nascem livres e iguais. O Estado, assim, é
objeto de um contrato no qual os indivíduos não renunciam a seus direitos naturais, mas, ao
contrário, aceitam acordo para a proteção desses direitos, por isso o Estado destinado
preservar esses mesmos direitos. O Estado é a unidade e, como tal, representa a vontade
geral — não necessariamente a vontade de todos, mas certamente nunca a vontade de um.
Por isso, assusta quando a vontade da maioria é eleger o Tiririca. Assusta também, e mais
ainda, quando a vontade do povo é abrir mão de seus direitos e de suas obrigações.
Quando isso acontece, tem-se o esfacelamento da sociedade — uma sociedade, hoje,
inexplicavelmente paradoxal até mesmo em sua caracterização: sociedade individualista.

Parece oportuno e necessário explicar: Tiririca foi eleito legitimamente pelo povo.
Fez-se valer a legitimidade do voto. Nada de estranho há nisso. Entretanto, terá sido a
eleição de Tiririca motivada pelos valores democráticos mais claros e corretos? Alguém que
transfere todo o patrimônio para o nome de parentes, antes da eleição, com medo de ter de
pagar alguma eventual dívida, é realmente um representante do povo? Se for, existe um
grave problema.

Quando se faz essa pergunta, imediatamente se ouve: depende de cada um. Não,
não depende. O norte das ações de um cidadão não pode ser diferente do benefício da
sociedade. Tudo o que se faz em sociedade, para a sociedade, deve ser em benefício da
sociedade. Exatamente por isso é inaceitável acreditar que a vida numa sociedade
individualista é normal. Não o é.

Quanto ao Palhaço-Político – terá surgido uma nova categoria, o paliatsoj

politikój, o palhaço político, que se opõe ao zwon politikón, animal político, de

Aristóteles? – , indigna que tenha sido eleito por representar a esculhambação do sistema.
13
 Trecho de Discurso da Servidão Voluntária, de E. de la Boetie. Grifo nosso.  
14
 Thomas Hobbes, para quem há uma guerra de todos contra todos.  
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Recebeu votos não por seu projeto político (porque não o tem) nem por representar uma
opção em relação aos demais candidatos. Elegeu-se por ser engraçado, carismático
(talvez), diferente (certamente) e palhaço. Afinal, votar em Tiririca é mais do que protestar: é
aceitar que pior do que tá não fica. Ninguém se preocupou em saber se há um projeto, um
plano de trabalho para garantir realmente que pior não fica.

Um indício claro disso são as pesquisas eleitorais. Em primeiro lugar, refletem


amostragem irrisória (risível até) da opinião dos entrevistados. Em recente pesquisa,
divulgada pelo Jornal Nacional, Datafolha afirmava ter entrevistado 2111 pessoas. O que
isso representa quanto aos quase 200 milhões de habitantes15?

Se isso não é suficiente, então vejam-se as pesquisas: curiosamente, determinados


candidatos ou determinada candidata, enfim, recebem gradual e crescente pontuação. Vê-
se como galga seus pontos, dia a dia, nas pesquisas. Todos acompanham a evolução, as
vitórias... De repente, na véspera da eleição, cai bruscamente o número de pontos. Nesta
eleição de 2010 foi assim. Na disputa passada, com a candidata Marta, também foi assim.
Naquela época, ela perdeu.

Como são feitas essas pesquisas? Seriam adaptadas à necessidade de um


candidato determinado? Ninguém sabe exatamente como alguém com 40% de aprovação
final tem, nas pesquisas, quase 60%. Pior ainda: por que, quando determinado candidato se
encontra na liderança, os indecisos (pelo menos) resolvem votar nele? Se as duas primeiras
questões têm resposta complicada, a última é simples: os brasileiros preferem votar em
quem está ganhando para evitar segundo turno. Os brasileiros não se interessam por
política. Isso é um fato. Nem a entendem, porque não entendem suas obrigações.

 1.3. Espaço público versus espaço privado: para onde foi a cidadania? 

Vive-se num
Antes: Hoje:
Espaço privado estava O espaço público “se tornou”
contido no espaço público momento em que o espaço privado

espaço público foi


esfacelado,
subdividido em
espaços particulares.
ESPAÇO PÚBLICO = ESPAÇO PÚBLICO =
DE TODOS Não existe o espaço SEM DONO

público. O que antes


ESPAÇO
PRIVADO
era público (do povo) ESPAÇO
PRIVADO

agora é público, mas

15
 Em 2009, 193.733.795 habitantes, segundo o IBGE. 
Formação da Consciência Política                                                                                                   14
 
significa de ninguém. Mais vale hoje o cartão de crédito do que o título de eleitor, e as
pessoas se contentam com direitos pelos quais podem pagar. Contentam-se em ter
segurança, saúde e educação particulares. Quando os hospitais públicos começaram a
falhar, correu-se para os planos de saúde; quando as escolas falharam, quem pôde
contratou escolas particulares; quando a segurança apresentou problemas, blindaram-se
carros à espera de que nunca a maldade humana alcançasse os portões dos condomínios.
Cada um apenas pensou nas vantagens que poderia ter, no bem que conseguiria para si
mesmo. O resultado não poderia ser outro. Como criticar pichações em muros se os muros
não são de ninguém? O Outro inexiste. O espaço público inexiste. Somente essa visão
explica o descaso com o Outro, com as leis, com o voto. Só isso explica urinar na rua,
apostar corrida em avenidas movimentadas, pôr em risco a vida do outro. E votar em
palhaços para que o circo esteja completo.

Periodicamente  os  brasileiros  afirmam  que  vivemos 


numa  democracia,  depois  de  concluída  uma  fase  de 
autoritarismo.  Por  democracia  entendem  a  existência  de 
eleições, de partidos políticos e da divisão republicana dos três 
poderes,  além  da  liberdade  de  pensamento  e  de  expressão. 
Por autoritarismo, entendem um regime de governo em que o 
Estado  é  ocupado  através  de  um  golpe  (em  geral  militar  ou 
com  apoio  militar),  não  há  eleições  nem  partidos  políticos,  o 
poder executivo domina o legislativo e o judiciário, há censura 
do  pensamento  e  da  expressão  (por  vezes  com  tortura  e 
morte)  dos  inimigos  políticos.  Em  suma,  democracia  e 
autoritarismo são vistos como algo que se realiza na esfera do 
Estado e este é identificado com o modo de governo. 

Essa  visão  é  cega  para  algo  profundo  na  sociedade 


brasileira: o autoritarismo social. Nossa sociedade é autoritária 
porque  é  hierárquica,  pois  divide  as  pessoas,  em  qualquer 
circunstância,  em  inferiores,  que  devem  obedecer,  e 
superiores, que devem mandar. Não há percepção nem prática 
da  igualdade  como  um  direito.  Nossa  sociedade  também  é 
autoritária  porque  é  violenta  (nos  termos  em  que,  no  estudo 
da  ética,  definimos  a  violência):  nela  vigoram  racismo, 
machismo,  discriminação  religiosa  e  de  classe  social, 
desigualdades  econômicas  das  maiores  do  mundo,  exclusões 
Formação da Consciência Política                                                                                                   15
 
culturais e políticas. Não há percepção nem prática do direito à 
liberdade. [...] 

Assim,  por  exemplo,  os  partidos  políticos  costumam 


ser  de  três  tipos:  os  clientelistas,  que  mantêm  relações  de 
favor  com  seus  eleitores,  os  vanguardistas,  que  substituem 
seus  eleitores  pela  vontade  dos  dirigentes  partidários,  e  os 
populistas,  que  tratam  seus  eleitores  como  um  pai  de  família 
(o  despotes)  trata  seus  filhos  menores.  Favor,  substituição  e 
paternalismo evidenciam que a prática da participação política, 
através de representantes, não consegue se realizar no Brasil. 
Os  representantes,  em  lugar  de  cumprir  o  mandato  que  lhes 
foi  dado  pelos  representados,  surgem  como  chefes, 
mandantes,  detentores  de  favores  e  poderes,  submetendo  os 
representados,  transformando‐os  em  clientes  que  recebem 
favores dos mandantes. 

A “indústria política” – isto é, a criação da imagem dos 
políticos  pelos  meios  de  comunicação  de  massa  para  a  venda 
do  político  aos  eleitores‐consumidores  ‐,  aliada  à  estrutura 
social  do  país,  alimenta  um  imaginário  político  autoritário.  As 
lideranças  políticas  são  sempre  imaginadas  como  chefes 
salvadores da nação, verdadeiros messias escolhidos por Deus 
e referendados pelo voto dos eleitores. 

Na  verdade,  não  somos  realmente  eleitores  (os  que 


escolhem),  mas  meros  votantes  (os  que  dão  o  voto  para 
alguém).  A  imagem  populista  e  messiânica  dos  governantes 
indica que a concepção teocrática do poder não desapareceu: 
ainda se acredita no governante como enviado das divindades 
(o número de políticos ligados a astrólogos e videntes fala por 
si mesmo) e que sua vontade tem força de lei. 

As  leis,  porque  exprimem  ou  os  privilégios  dos 


poderosos  ou  a  vontade  pessoal  dos  governantes,  não  são 
vistas como expressão de direitos nem de vontades e decisões 
públicas coletivas. O poder judiciário aparece como misterioso, 
envolto num saber incompreensível e numa autoridade quase 
Formação da Consciência Política                                                                                                   16
 
mística.  Por  isso  mesmo,  aceita‐se  que  a  legalidade  seja,  por 
um  lado,  incompreensível,  e,  por  outro,  ineficiente  (a 
impunidade  não  reina  livre  e  solta?)  e  que  a  única  relação 
possível com ela seja a da transgressão (o famoso “jeitinho”).  

Como  se  observa,  a  democracia,  no  Brasil,  ainda  está 


por ser inventada16. 

Sobre essas questões se debruçam, há séculos, pensadores; a partir delas, este


grupo tentará alcançar o grande tema que motiva tais discussões: como se dá a formação
política do brasileiro.

1.4. O animal político 

Quando Aristóteles afirmou que ton "anqropon zwon politikón17,


estabeleceu um importante princípio sobre o qual toda análise precisa pautar-se: o homem é
político. O  conceito  democrático  [,contudo,]  não  pode  ser  aplicado  ao  mundo  antigo  com  as 
modernas  características18, e vice-versa. A democracia moderna, intimamente ligada à ideia
de liberdade, firmada na expressão da vontade de um povo19 votante, diverge em muitos
aspectos daquela antiga de Atenas. No Brasil, por exemplo, o animal político manifesta sua
opinião, seus interesses e seus desejos no sistema democrático.

Em nossa história recente, especialmente a partir dos anos 60, sob regime autoritário
e ditatorial, começou a proliferação da defesa da democracia – muito frequentemente
apoiada pelo discurso político capitalista20.

1.5. Crítica à democracia 

Crescidas longe da liberdade, as formações sociais totalitárias infligiam pungente


crítica à democracia, porquanto era considerada liberal e responsável  pela  desordem  e  pelos 
caos socioeconômicos, porque abandona a sociedade à cobiça ilimitada dos ricos e poderosos. [...] A 
democracia era o mal21.

16
 CHAUI, op. cit., pp. 435‐6.  
17
 O homem é um animal político.  
18
 SOUZA, p. 118. 
19
 Note‐se que em Atenas pequena parcela da população de fato tinha direito a voto. 
20
  Note‐se  que  a  defesa  da  escolha  é  um  requisito  capitalista,  ao  menos  quando  se  trata  da  relação  de 
consumo, da competitividade, da livre‐concorrência.  
21
 CHAUI, op. cit., p. 430. 
Formação da Consciência Política                                                                                                   17
 
É importante lembrar que a democracia já foi criticada muitas vezes, ao contrário da
impressão que se tem hoje, de que ela é o único sistema de governo aceitável.

Um  dos  méritos  da  democracia  é  bastante  óbvio:  é 


talvez  a  mais  charmosa  forma  de  governo  já  criada  pelo 
homem. O  motivo não é  difícil  de  descobrir.  Ela se baseia em 
proposições  palpavelmente  falsas  –  e  o  que  não  é  verdade, 
como  todo  mundo  sabe,  é  imensamente  mais  fascinante  e 
satisfatório  para  a  maioria  dos  homens  do  que  o  que  é 
verdadeiro. [...] Quando se vêem nas grandes emergências da 
vida,  voltam‐se  para  aquelas  velhas  promessas,  todas  falsas 
mas deliciosamente reconfortantes – e das quais a campeã é a 
que diz que os pobres herdarão a terra. [...] A democracia lhe 
dá uma certa aparência de verdade objetiva e demonstrável. O 
homem  comum,  funcionando  como  cidadão,  tem  a  sensação 
de que é realmente importante para o mundo – de  que é ele 
que  administra  as  coisas.  [...]  Da  democracia,  ele  extrai 
também  a  convicção  de  que  sabe  das  coisas,  de  que  suas 
opiniões  são  levadas  a  sério  pelos  maiorais  –  o  que  faz  a 
felicidade  dos  senadores,  das  quiromantes  e  dos  jovens 
intelectuais. Finalmente, dela sai também a consciência de um 
alto  dever  triunfantemente  cumprido  –  o  que  faz  a  felicidade 
dos carrascos e dos maridos. 

[...] Aqui, a ironia que jaz sob toda a aspiração humana 
se  revela:  a  busca  da  felicidade,  como  sempre,  traz  apenas  a 
infelicidade  no fim das  contas.  Mas dizer isto é o mesmo que 
dizer  que  o  verdadeiro  charme  de  democracia  não  é  para  o 
bico do democrata, e sim para o do espectador. 

Este  espectador,  me  parece,  tem  à  sua  frente  um 


espetáculo  de  primeira  classe.  Tenta  imaginar  alguma  mais 
heroicamente  absurda:  um  desfile  de  imbecilidades  óbvias, 
ambições  grotescas  e  fraudes  sem  fim!  Mas  quem  se  diverte 
com  a  fraude?  A  fraude  da  democracia  é  a  mais  divertida  de 
todas – mais até, deixando no chinelo, que a fraude da religião. 
[...] 
Formação da Consciência Política                                                                                                   18
 
[...]Todos os seus axiomas se resolvem em trovejantes 
paradoxos, muito reduzidos a contradições flagrantes em seus 
termos.  Dizem  eles:  “O  povo  é  competente  para  nos  guiar”  – 
desde  que  possamos  policiá‐lo  rigorosamente.  “Não  são  os 
homens  que  nos  governam,  mas  as  leis”  –  mas  são  homens 
sentados  em  banquinhos  que,  no  fim  das  contas,  decidem  o 
que á lei é ou o que deve ser22. “A função mais alta do cidadão 
é  servir  ao  Estado”—mas  a  primeira  constatação  que  lhe 
ocorre, quando tenta cumprir esta função, é a de sua desonra 
e  falta  de  habilidade.23  Esta  constatação  costuma  ter  suas 
razões? Então a farsa fica apenas ainda mais gloriosa. 

[...]A  longo  prazo,  pode  ser  que  a  velhacaria  [que


ocorre em ambiente democrático]  seja  uma  necessidade 
inerradicável de qualquer governo e até da própria civilização – 
ou que, no fundo, a civilização não passa de um colossal calote. 
Não sei. Só sei que, quando os chupa‐sangues estão se dando 
bem, o espetáculo fica hilariante. [...] O que me intriga é como 
um  homem  que  é  a  favor  deles  e  se  sente  como  eles  pode 
acreditar  em  democracia,  e  até  se  compadece  que  os  vê 
expostos como um bando de sacanas. 

Como um homem que é sinceramente democrata pode 
ser democrata?24 

O exceto de MENCKLEN, ainda que de maneira um tanto exagerada, expõe a visão de


quem vê na democracia causa de muitos dos males que se abatem na sociedade moderna.
O povo não estaria apto a eleger representantes; os representantes eleitos não estariam
aptos a governar – sequer estariam aptos a representar o povo.

Os Estados capitalistas, por sua vez, promoviam o combate ao totalitarismo como


uma luta à opressão e pela liberdade: era o embate entre a ditadura e a democracia. Com o
fim da Ditadura Militar no Brasil, sob olhar vigilante de Ulisses Guimarães e com a
esperança em Tancredo Neves, o País tornou-se uma democracia. Veio o voto, com as

22
  Não  faltam  exemplos  de  leis  que  não  representem  a  vontade  do  povo:  lei  que  proíba  o  uso  de  nomes  de 
pessoas em animais domésticos, lei que proíba propagandas de trazerem termos em inglês ou outra língua que 
não o Português etc..  
23
 Grifo nosso. 
24
 MENCKLEN, pp. 93‐5. 
Formação da Consciência Política                                                                                                   19
 
Diretas, Já!, vieram os políticos de carreira e, gradativamente, parecia que todas as
conquistas haviam sido feitas. Não sobrou algo por que lutar.

Por fim, afastado das urnas, o brasileiro não parece compreender o que significa o
voto. Mais tecnologia, urnas eletrônicas, propagandas contínuas na TV e no rádio também
não parecem resolver um problema que assola o país: não se entende o que significa um
político.

1.6. Sem a ditadura, a liberdade para não participar 

Se, no passado, vencida a Ditadura, eram eleitos aqueles que apresentassem


projetos de governo mais ou menos inteligíveis, confiáveis, ligados à realidade nacional,
gradualmente as pessoas passaram a se desiludir com o que acontecia dentro das salas,
dos gabinetes, do senado, das câmaras. E a entender que a política era mais um tipo de
assunto que não dizia respeito ao brasileiro. Ou, na pior das hipóteses, que era divertido ver
tudo o que acontece, como se fosse um reality show. Foi assim durante as CPIs: houve
quem torcesse, nos bares, nos restaurantes, para saber quem seria o eliminado daquela
semana. Tenso e excitante, como um Big Brother Brasil. Infelizmente, só isso.

O brasileiro não compreende mais a política. É algo chato. E chato é também quem
discute política. O brasileiro não entende a política, afinal ela parece perverter valores éticos
e, ainda assim, é correta. Rouba, mas faz, diz-se. Roubar é errado, certo? Ou errado? A
verdade é que roubar é errado – na lei e na tradição – , mas, ao ser usado como referência
de caráter – rouba, mas faz –, roubar se torna um ato corriqueiro, dirimido pelo fazer. Assim
também ocorre com outros ilícitos, afinal estupre, mas não mate. Roubar e estuprar, assim,
não podem ser crimes. Todavia os presídios estão lotados daqueles que roubaram, mas
fizeram (um pé de meia, uma casa para a família, uma festança com drogas...); que
estupraram, mas não mataram.

A noção distorcida de imunidade confundiu-se com impunidade, e esta última se


ligou à política de tal forma que ser político passou a significar não precisar submeter-se às
leis. E os que são punidos? A política brasileira tratou de nomeá-los: bode expiatório, laranja
etc.. Diante desse cenário, como esperar que o brasileiro queira participar da política – ao
menos, sem má fé. Aqueles que querem estão interessados em privilégios25 e vantagens.
Esse é outro estereótipo cultivado e adubado neste país.

No mais, não resta ao cidadão comum nada além de super-herois ou messias e


tantas outras personagens de quadrinhos ou pseudo-religiosas. Nisso resultou a democracia

25
 Lex priuata: leis que valham apenas para uns poucos ou para um.  
Formação da Consciência Política                                                                                                   20
 
no Brasil, ao menos na visão de muitíssimos brasileiros desacreditados, decepcionados e,
amiúde, iludidos com novos salvadores sebastianistas.

1.7. O que é um político — uma visão etimológica sobre a questão

Muitas pessoas criticam os POLÍTICOS. É natural. É natural? Por quê? Parece que o
brasileiro se acostumou a criticar (apenas) aqueles que ele próprio elege como seus
representantes. Será que ele sabe o que é um político?

Político26:  
 adjetivo 
1  relativo ou pertencente à política. Ex.: partido p.  
2  relativo aos negócios públicos, ao governo. Exs.: reformas p.;  crise p.  
3  que se ocupa de assuntos públicos. Exs.: classe p.;  carreira p.  
4  relativo ou pertinente à cidadania. Ex.: deveres p.  
5  cuidadoso, prudente ou ladino em coisas práticas; diplomático. Ex.: 
tato p.  
 adjetivo e substantivo masculino 
6  que ou aquele que trata ou se ocupa da política 
7  que ou aquele que revela polidez, cortesia.  
8  Derivação: sentido figurado. que ou aquele que revela esperteza, 
astúcia 
Se alguém perguntasse a um transeunte o que é um político?, há uma grande
chance de a definição ser diferente dessa que o Dicionário traz. É provável que se ouça algo
como “político é quem está no poder” ou “políticos são os caras que mandam”. Político, na
verdade, é (ou deveria ser) cada um, cada cidadão, cada brasileiro. O POLÍTICO deveria ser
aquele cidadão disposto a lutar por seu país — do gr. politiko&j, “político”, de poli&thj,
“cidadão”, ou seja, o brasileiro deveria ser político, interessar-se por política, por sua Po&lh
ou Po&lij, sua “Pólis”, seu país.

O HOUAISS, curiosamente, não contempla um sentido que “político” vem recebendo já


há algum tempo: trapaceiro, mau-caráter, enganador, pessoa que mais fala do que faz etc..
Hoje, um político não é mais aquele que deseja lutar pela população, ao menos na visão da
maioria. Político é aquele quem tem AMBIÇÃO.

Ambição27: 
 substantivo feminino 
1  forte desejo de poder ou riquezas, honras ou glórias; cobiça; cupidez. 
Ex.: sua a. abriu‐lhe as portas da alta sociedade  
2  anseio veemente de alcançar determinado objetivo, de obter sucesso; 
aspiração, pretensão. Ex.: sua a. era tornar‐se um grande pintor  

26
 HOUAISS, s.u..  
27
 Idem, s.u.. 
Formação da Consciência Política                                                                                                   21
 
A Língua Portuguesa nasceu do Latim. Muitas ideias do Direito Brasileiro também
nasceram do Direito Romano. Muitos significados de termos latinos acompanham, ainda
hoje, palavras da última flor do Lácio. Mesmo em Latim, ambição é uma característica dos
políticos:

ambitio,onis, subs.  f.  I  —  Na  lingua  política:  1)  Solicitaçāo,  pretensāo, 


cabala  (referindo‐se  às  manobras  dos  candidatos  a  cargos,  a  fim  de 
conseguirem votos) (Cíc. Sull. 11). II — Daí, na língua comum: 2) Ambiçāo (de 
um modo geral) (Cic. Of. 1, 87). 3) Desejo de popularidade (Cíc. Of. 1, 108). 4) 
Desejo  de  agradar,  lisonja,  adulaçāo  (Tác.  Hist.  1,  1).  5)  Ostentaçāo,  pompa 
(Tác. Germ. 27)28.

Parece, na verdade, que a ambição nasceu no berço político: “Solicitaçāo, pretensāo, 


cabala (referindo‐se às manobras dos candidatos a cargos, a fim de conseguirem votos)”. A ambição
de um político é o VOTO. E o que é o voto?

votum, -i, subs.  n.  I‐  Sent.  próprio:  1)  voto,  promessa,  oferenda 
feita  aos  deuses  (por  um  benefício  pedido  ou  concedido),  súplica,  orações 
(Cíc. Leg. 2, 22). Daí: 2) Coisa desejada, desejo expresso, desejo (Hor. Sát. 2, 
6, 1). [...] 

Votum vem de uoueo:


voveo, -es, -ere, vovi, votum. v.  intr.  e  trans..  I  –  Fazer 
um voto, prometer por um voto, devotar, consagrar, dedicar a. [...] 

Há uma clara relação entre o voto e o sagrado, entre a CONFIANÇA depositada pelo
eleitor e o político, que recebe o voto. Confiar, de confidere, é fazer algo com fé. A crença

de que o eleito vai ajudar, vai trabalhar pelo país. Entretanto, falta ao brasileiro a
CONSCIÊNCIA de que eleger não basta. É preciso participar ativamente das atividades
políticas, cobrar, incentivar, pagar os impostos honestamente, exigir do governo mudanças e
propor mudanças ao governo. Enfim, é preciso ser mais do que marionete em tempos de
eleição.

28
 FARIA, s.u.. 
Formação da Consciência Política                                                                                                   22
 
2. ASPECTOS DA FORMAÇÃO POLÍTICA BRASILEIRA 
“A democracia é a arte e a ciência de administrar 
o circo a partir da jaula dos macacos.” 
Mencklen29 

2.1. O voto do analfabeto 

É possível analisar o direito do voto pelo analfabeto a partir da concepção jurídica de


cidadania, como sendo esta um conjunto de direitos que atribui à pessoa a possibilidade de
participar da vida e do governo de seu povo, tornando aquele que não possui essa
cidadania um indivíduo excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando em uma
posição de inferioridade dentro do grupo social.

Podemos tentar compreender o fenômeno do analfabetismo no Brasil a partir de causas


históricas, sociais, culturais, políticas e econômicas. O analfabetismo decorre de uma
estrutura social que não privilegia a educação e atinge principalmente as pessoas que vivem
em situação de miséria, estando essas pessoas à margem da sociedade devido às
dificuldades advindas de sua situação extra-social.Tal situação é impulsionada pela falta de
oportunidades aos analfabetos, transformando essa situação num ciclo vicioso através do
qual a pobreza e a exclusão social se perpetue.

O voto é feito pelo eleitor com a consciência de que está fazendo a melhor escolha para a
sociedade, a qualidade de um voto mede-se pela reflexão e análise exigidas, e não pelo
gesto mecânico do cumprimento de um dever. Portanto o analfabeto pode exercitar seu
direito de voto com o afã de colaborar com a melhora do Estado, como fazem associações
comunitárias, que dentre outras ações , reivindicam realizações dos que foram investidos
através do voto, tornando equivocada a generalização de que o voto analfabeto é
desprovido de qualidade, e legitimando-o como forma de exigir uma educação eficaz com
programas de erradicação de analfabetismo que priorizem a condição humana de e poder
julgar conscientemente o que seja melhor para a sociedade, como cita o presidente Castello
Branco em sua Mensagem ao Congresso de 24 de junho de 1964:

“O analfabeto que permanece nesse estágio em virtude das omissões de ação estatal
precisa ser integrado na comunhão social pelo reconhecimento de sua condição
humana...Nada impede que desde já se reconheça que a coerência como princípio da
universidade do sufrágio nos deve levas a alargar o mais possível o exercício desse direito.”

A exclusão dos analfabetos talvez não fosse discriminatória se tivessem à sua disposição
escolas gratuitas. Embora nossa Constituição e numerosos documentos internacionais

29
Op. cit., p. 196.
Formação da Consciência Política                                                                                                   23
 
falem do direito à educação e da obrigatoriedade do curso primário, na realidade, como
regra geral, os analfabetos, sobretudo na idade escolar, não tiveram condições físicas e
sociais de matricular-se em um estabelecimento de estudo. Como analisamos
anteriormente, o analfabetismo em geral é conseqüência de situações econômicas e sociais
diversas.

O analfabeto adulto tem reconhecida em lei sua capacidade jurídica para os atos em geral
da vida civil e pública, ele pode comprar e vender bens, pagar impostos, alugar moradia,
lutar em guerras, empregar-se e ter empregados, contrair matrimônio e tornar-se pai ou mãe
de família. Está submetido à responsabilidade civil e criminal em diversos setores da vida
jurídica, sujeito à obrigações cívicas e deveres sociais como o alfabetizado.
Como os demais homens o analfabeto está sujeito a ser inadequado, mas muitas vezes a
sua condição de iletrado contribui para que seja mais atento e cauteloso. Analfabetismo não
é sinônimo de ignorância, vem a propósito citar uma passagem do discurso de 1 de junho de
1880 do líder liberal Joaquim Saldanha Marinho:

“O poder marital, o pátrio poder, a faculdade de testar são direitos elevados 
a  importantíssimas  prerrogativas;  para  isso  é  indispensável  maior  soma  de 
critério,  de  boa  fé  e  de  sinceridade,  e  ainda  ninguém  se  lembrou  de  excluir 
dos respectivos exercícios os que não sabem ler e escrever. Por que, pois, a 
lei política há de excluir a presunção geral de discernimento em que se funda 
a  lei  civil  (  )O  chefe  de  família  tem  interesses  muitas  vezes  complicados  a 
dirigir,  e  a  lei  o  reconhece  capaz;  tem  grandes  deveres  morais  a  cumprir, 
deveres  de  proteção  a  mulher,  deveres  de  autoridade  e  de  educação  para 
com  os  filhos,  e  a  lei  reconhece  o  analfabeto  capaz  de  os  desempenhar; 
entretanto, é a esse mesmo homem que a lei política nega o discernimento  
preciso para escolher um candidato entre os mais honrados, inteligentes e de 
melhor  conceito;  a  liberdade  de  consciência  não  é  negada  ao  analfabeto;  a 
própria  Constituição  lhe  dá  o  direito  de  escolha  de  religião;  a  Constituição 
reconhece  em  todo  discernimento  necessário  para  crer  o  que  melhor  lhe 
convier  e  quer‐se  agora  negar‐lhe  o  discernimento  para  a  escolha  de  um 
candidato em quem mais confie. O analfabeto, ante a lei criminal, ‐ apto para 
reconhecê‐la  ter  vontade  de  indispensável  conhecimento  para  proceder  de 
uma ou outra forma, e alie política há de privá‐lo até do sendo comum para 
votar em um que lhe pareça melhor ? Só não tem inteligência para exercer 
um simples direito político ?” 

O analfabeto tem direito ao voto e à escola. Governantes, mesmo bem intencionados,


freqüentemente, não deram atenção suficiente aos problemas daqueles privados dos
Formação da Consciência Política                                                                                                   24
 
direitos políticos em geral e do direito do voto em particular. Os candidatos mais facilmente
estudam os problemas de se sua possíveis eleitores e, quando eleitos, atendem as suas
reivindicações.

Embora a ampliação das escolas tenha sido meta de sucessivos governos no Brasil e
embora tendo havido progressos, as estatísticas ainda nos falam de mais de 20 milhões
de analfabetos. A informação é muito necessária para a boa escolha dos candidatos,
sobretudo em períodos eleitorais, de diversos candidatos aos meios de comunicação ,
permitirá analfabetos e alfabetizados opções mais esclarecidas. Desta maneira diminui
muito a importância relativa da palavra escrita como fonte de informação já que a leitura
certamente não é o único veículo de aquisição de conhecimento.

2.2. O voto nulo e voto branco 

O voto nulo é um protesto válido. Significa que o eleitor não está satisfeito com a proposta
de nenhum candidato e se recusa a votar em qualquer um dos candidatos. Esse tipo de voto
é importante e é o que efetivamente faz a democracia, pois a existência dele permite que o
eleitor manifeste a sua insatisfação.

Para anular o voto,é preciso que o eleitos digite um número inexistente no número do
candidato. Se um eleitor tentar votar em branco, o terminal eletrônico avisa "Você está
votando em branco" e então o eleitor pode confirmar, ou corrigir. Agora, se o eleitor coloca
um número inexistente num terminal, ele acusa "Número incorreto, corrija seu voto". Assim,
os votos nulos são desencorajados.

Os votos em branco significam indiferença, e são acrescentados ao candidato de maior


votação no último turno. Ou seja, se existem dois candidatos, candidato A e candidato B, o
candidato A termina com 52% dos votos, o candidato B recebe 35% dos votos, 10% são
votos em branco e 3% são nulos. Isso significa que 3% dos eleitores não querem nem o
candidato A nem B no poder, mas 10% dos eleitores estão satisfeitos tanto com candidato
A como com B. Neste exemplo, o candidato A tem uma aceitação de 62% do
eleitorado,(52% dos votos direcionados a ele + 10% dos votos em branco). O voto em
branco é um ato de conformismo.

2.3. Grande quantidade de brancos e nulos: o que isso representa? 

A grande quantidade de votos brancos em uma eleição mostra um quadro de satisfação dos
eleitores para ambos os candidatos que a disputam, e por isso os eleitores direcionam seus
votos a qualquer um dos candidatos que receba a maioria de votos.
Formação da Consciência Política                                                                                                   25
 
Já a grande quantidade de votos nulos mostra a insatisfação dos eleitores pelos candidatos
que disputam as eleições. Se na eleição entre candidato A e candidato B, e o candidato A
terminasse as eleições com 42% dos votos e o candidato B com 30%, 10% de brancos e
18% nulos as eleições teriam que ser repetidas e nem candidato A e nem candidato B
poderiam participar das eleições naquele ano. Ou seja, o voto nulo, do qual ninguém fala e
que o terminal acusa como "incorreto”, é o único voto que pode anular uma eleição inteira e
remover do cenário todos os candidatos daquela eleição de uma só vez.

Se nenhum dos candidatos conseguir maioria de votos(mais de 50%) no último turno, as


eleições têm que ser canceladas. Os candidatos são trocados e novas eleições devem
ocorrer.

Isso contribui para a campanha do voto consciente, se alguém estiver votando no candidato
A ou no candidato B, mas preferia não votar em nenhum dos dois, pode optar pelo voto
nulo.
Nenhum eleitor é obrigado a colocar no poder qualquer candidato que não corresponda
ao perfil desejado por ele.

2.4. Critérios para a formação da consciêncie eleitoral 

Não há cidadão onde não há consciência política. Não há consciência política onde não há
instrução. Não há instrução onde não se tem um governo disposto a realmente fazer seu
país melhor. O Brasil atende a todas as condições anteriores.

Neste país, há muito faltam iniciativas honestas em busca de formação política do povo.
Não se investe em Educação, mas em construção de escolas; não se investe em formação
de professores, mas em produção de professores. Alheios ao que acontece de fato no país,
os governantes lançam ideias esdrúxulas para problemas reais – nem sempre os mais
urgentes.

O povo, por seu lado, contenta-se com medidas emergenciais, com esmolas, porque crê
que pior do que está não fica. E fica. A cada dia, mais e mais pessoas se afastam da
política, dos políticos, dos direitos. E isso acontece até porque não houve, num país de
liberdade de expressão e mortal inimigo da ditadura e de tudo o que houve durante a
ditadura, incentivo político, afinal, a política está sempre nas mãos das oligarquias
opressoras.

E, enquanto se reclama dos políticos em filas de ônibus, em filas de hospitais, reclama-se


apenas lá, nas filas. E só. Ninguém aprendeu a cobrar dos políticos os compromissos
assumidos em campanha. Esqueceu-se de que pressionar, mandar cartas, e-mail, telefonar,
enfim, exigir de seu candidato é Direito do cidadão.
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2.5. Vantagens e Desvantagens para a Democracia? 

Barry Levinson, em 1996, dirigiu Dustin Hoffman e Robert De Niro em Wag the Dog, uma
produção tímida e impressionante. Para tentar salvar a Democracia Americana, ou seja,
para reeleger o presidente – que se envolveu com uma bandeirante e suscitou um
escândalo que poria tudo a perder – , propõe-se uma guerra fictícia, de efeitos especiais,
contra a Albânia. Assim, por causa do espetáculo, em defesa da sociedade americana, o
presidente recuperou a popularidade e foi eleito. A vida imita as telas e, em 2001, Bush
conseguiu o mesmo com sua GUERRA CONTRA O TERROR.

Infelizmente, num ambiente democrático, às vezes a emoção contamina o povo, e o povo


vota menos conscientemente do que deveria. Ainda assim, uox populi uox dei. Isso
significa, em última análise, que a maior vantagem da democracia é representatividade –
tratando-se de uma democracia com voto direto, como é a nossa. Por outro lado, em
havendo falta de instrução política, a chance de políticos despreparados ou mal
intencionados ascender aos altos cargos públicos não é pequena. Representariam o desejo
da população, mas não o desejo político da população.
Formação da Consciência Política                                                                                                   27
 
3. DADOS DA POLÍTICA BRASILEIRA 
“A única limitação válida que se concebe para 
a liberdade é a imposta pela verdade.” 
Émile Zola 

3.1. Gastos da política brasileira com campanhas 

A época de eleições é um momento em que “marketeiros” trabalham arduamente em busca


de votos para candidatos. Os gastos em época de eleição, de partidos, coligações é
extremamente alto. Toda essa produção em busca da vitória e também em busca da
recuperação desse investimento durante o mandato. Os gastos mais expressivos nas
campanhas eleitorais são dos candidatos a presidente, já que necessitam atingir um grande
número de pessoas com várias viagens e comícios. E cada grupo, cada região possui uma
característica diferente, um costume diferente, conseqüentemente uma propaganda e um
discurso diferente.

A candidata a presidente Dilma Rousseff, do PT, em sua campanha tinha previsão para
gastar 110 milhões no primeiro turno e 47 milhões no segundo turno. Totalizando 157
milhões. No entanto, o partido pede um aumento para cerca de 176 milhões de reais. José
Serra, candidato do PSDB, tem gastos semelhantes. O seu partido pretende gastar cerca de
180 milhões de reais em sua candidatura30. Marina Silva, do PV, gastou cerca de 90 milhões
somente no primeiro turno, com o forte investimento de seu vice, Guilherme Leal,
proprietário de varias empresas, entre elas, a “Natura”. Colocando em foco a
sustentabilidade.31

De onde vem tanto dinheiro? Pelo menos na teoria, a maior parte do dinheiro arrecadado
pelos partidos vem de pessoas físicas (pessoas comuns, como seu pai, seu vizinho)
qualquer um pode contribuir. 10% dos ganhos declarados à Receita no ano anterior à
eleição. Já as pessoas jurídicas podem doar 2% de seu faturamento bruto. O TSE exige que
se faça uma previsão de gastos, e se essa previsão for ultrapassada o partido tem de pagar
uma multa.

Vamos inserir como exemplo os gastos e arrecadações da campanha de Lula em 2006.

PESSOAS E EMPRESAS 

Há duas maneiras de cidadãos e empresas financiarem uma campanha: doar 
diretamente  ao  candidato  ou  fazer  um  depósito  para  o  comitê  do  partido, 

30
http://www.formadoresdeopiniao.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=6302:a‐
campanha‐eleitoral‐de‐jose‐serra‐preve‐gastos‐de‐180‐milhoes&catid=77:politica‐economia‐e‐
direito&Itemid=106 
31
 http://www.clicksergipe.com.br/blog.asp?pagina=1&postagem=17001&tipo=politica2010 
Formação da Consciência Política                                                                                                   28
 
que distribui o dinheiro aos vários candidatos da legenda. As doações diretas 
a  Lula  somaram  1,8%  do  total,  contra  79,8%  dos  que  preferiram  fazer 
doações ao comitê. Militantes também contribuem como pessoas físicas. 

FUNDO PARTIDÁRIO 

Todo ano os partidos recebem uma verba do Fundo Partidário, dinheiro que 
vem do orçamento do governo federal. Uma parte  é distribuída  igualmente 
entre  todos  os  partidos,  e  outra  parte  leva  em  conta  o  número  de 
representantes que cada um elegeu: quanto mais eleitos, mais dinheiro. Em 
2006,  o  fundo  distribuiu  R$  148  milhões  aos  partidos  do  país.  
 
EVENTOS E PRODUTOS 

Outra  maneira  de  conseguir  grana  é  promover  eventos,  palestras  e 


seminários,  shows  e  jantares  para  empresários  com  venda  de  convite.  Há 
ainda o licenciamento de marcas e produtos: chaveiros em forma de tucano, 
broches  em  forma  de  estrela,  canetas,  bonés  e  bugigangas  em  geral.  Hoje 
essa fonte de recursos é pouco utilizada nas campanhas 

Publicidade por material impresso ‐ R$18 985 368,27 

Publicidade por faixas, estandartes e placas ‐ R$15 754 820,75 

Produção de programas de rádio, televisão ou vídeo ‐ R$12 000 160 

Despesas com transporte ‐ R$10 019 704,80 

Pesquisas e testes eleitorais ‐ R$6 575 897 

Locação de mão‐de‐obra de terceiros ‐ R$6 101 036,13 

Comícios ‐ R$4 271 013,21 

Recursos de partido político ‐ R$3 239 019,11 

Recursos de outros candidatos/comitês ‐ R$2 380 829,15 

Publicidade por marketing ‐ R$2 121 000 

Outros gastos ‐ R$10 041 822,29 

TOTAL DE DESPESAS DE CAMPANHA: R$91 490 670,71 

 
Formação da Consciência Política                                                                                                   29
 
O  Estado  brasileiro  também  tem  vários  gastos  previstos  para  a  época  de 
eleição.  O  TSE,  na  eleição  de  2010  gastou  R$  480  milhões,  e  ainda  ficou 
abaixo  da  previsão,  que  era  de  R$  549  milhões.  O  valor  corresponde  a  R$ 
3,56  por  pessoa,  considerando  os  135.804.433  eleitores,  distribuídos  em 
5.567  municípios.  Somente  em  logística  gastou‐se  cerca  de  R$  35  milhões. 
São usadas 420 mil urnas eletrônicas nas seções. 

O gasto também compreende a utilização de equipamentos eletrônicos como 
satélites, montagem de redes de comunicação, etc. Esse investimento gerou 
uma velocidade 600% maior em relação a eleição de 2008. Os gastos com os 
mesários  também  estão  nesta  conta.  São  2,1  milhões  de  mesários  e  R$  82 
milhões com o pagamento de lanche. Além disso, cada mesário recebe R$ 20 
por turno de votação. 

Outro  fato  que  traz  discussão  por  parte  da  imprensa  e  da  população  é  o 
recesso  parlamentar,  por  causa  do  segundo  turno  o  congresso  atrasa 
votações  e  faz  um  “recesso  branco”  de  quase  três  meses.  Existe  um  ditado 
popular onde” tempo é dinheiro”. Este é o maior exemplo. Os congressistas 
declararam  um  recesso  e  continuam  recebendo  suas  verbas  de  gabinete  e 
salários  normalmente,  mas  não  são  obrigados  a  cumprir  suas  jornadas  de 
trabalho  .  Nesse  período,  apenas  uma  medida  com  benefício  para  a 
população foi aprovada. O aumento da licença maternidade de quatro para 
seis meses. 

Cada um dos 513 deputados recebe, todo mês, um salário de R$ 16.512, mais 
auxílio  moradia  de  R$  3000,  uma  verba  de  gabinete  de  R$  60.000(para 
contratar até 25 funcionários), mais uma ajuda de custo que varia de R$ 23 
mil a R$ 35 mil todo mês ( para passagens aéreas, combustível, material).32 

    Os  congressistas  apareceram  em  Brasília  somente  na  campanha 


presidencial  ao  lado  dos  presidenciáveis,  justamente  para  arrecadar  votos. 
Foram escalados aquelas com maior influencia junto a população. 

A  população  paga  um  funcionário  que  está  de  recesso  simplesmente  por 
interesse  de  promover  um  candidato  e  ainda  tem  a  “cara  de  pau”  de  dizer 
que  a  população  está  focada  apenas  nas  eleições  assim  como  os 
parlamentares,  que  estão  focados  nas  campanhas.  Segundo  o  canal  de 
notícias  (Portal  R7),  “Após  a  decisão,  em  entrevista  à  TV  Câmara,  o  vice‐

32
 http://blogs.diariodepernambuco.com.br/politica/?p=9458 
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presidente da Casa, deputado Marco Maia (PT‐RS), atribuiu a prorrogação ao 
interesse  da  sociedade  pelas  eleições.  [A  sociedade  brasileira,  os 
parlamentares,  a  própria  imprensa,  todo  mundo  está  na  expectativa  do 
resultado  que  terá  o  segundo  turno.  A  grande  maioria  dos  parlamentares 
está nos seus Estados, empenhados na campanha.]”33 

33
http://www.formadoresdeopiniao.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=6302:a‐
campanha‐eleitoral‐de‐jose‐serra‐preve‐gastos‐de‐180‐milhoes&catid=77:politica‐economia‐e‐
direito&Itemid=106 
Formação da Consciência Política                                                                                                   31
 
CONCLUSÕES DO GRUPO
Não há como entender a formação política de um povo desvinculada da prática
política. É incoerente, impossível. No Brasil, e não só aqui, o voto precisa ser muito mais
bem entendido para ser voto de fato.

Berry Levinson, há mais de uma década, dirigiu Wag the Dog (renomeado , no Brasil,
para Mera Coincidência). Nesse filme, que trata da tentativa de reeleição de um presidente
estadunidense envolvido com escândalo sexual, vê-se o diálogo de intelectuais, artistas e
políticos numa cena, no mínimo, antológica: perguntam-se (entre eles) para quem irá o voto.
Um a um, eles respondem: “há muito não vou até às urnas”. Nenhum deles vota. Todos
criticam o país em que vivem, todos criticam os políticos que governam a terra da liberdade,
mas nenhum deles vota.

Ora, de que adianta a (pseudo-)consciência política daqueles que não têm


consciência política para entender seu papel social, sua obrigação em relação a seu povo?
O filme ilustra, no voto facultativo, o que vemos no voto obrigatório: total desapego aos
princípios democráticos.

Desvalorizar o voto é desvalorizar centenas de anos de lutas mundiais. É ignorar o


sangue que correu em defesa do direito de escolher um representante, em vez de aceitar
que a terra sobre a qual se anda foi dada por Deus a um ilustre predileto.

A maior vantagem, para a democracia, do voto universal – que inclui o do analfabeto


– é o fato de representar, de maneira incomparável, a escolha de um povo. Feliz ou
infelizmente, à luz dessa mesma manifestação democrática, vê-se um povo cansado de ser
obrigado a escolher dentre não-escolhas, até por entender que a melhor escolha há muito
não está disponível. Então, este mesmo povo, alegre, abençoado por Deus e bonito por
natureza, esconde-se sob o estigma do protesto (estulto), da brincadeira pueril, da
inutilidade política, e elege quem melhor representa aquilo que ninguém leva a sério.

Não é para menos que, eleição após eleição, o que se tem visto é a gradual e
incisiva chegada de mais e mais artistas ao poder. O Big Brother Brasil é nas urnas. Só se
conhece quem tem vida pública em novelas ou espetáculos musicais. Não se pode discutir
passado com quem mal entende o presente político.

Despreparados, os artistas seguem para as cadeiras do Estado um a um.


Despreparado, desanimado, desiludido, o povo vota no mais engraçado, no corpo mais
bonito, na pessoa mais conhecida. Porque parou de conhecer seus políticos. Porque
começou o irreversível processo de despolitização. Apolítico, despolitizado, avesso aos
assuntos sérios que envolvam seu país, obrigatoriamente, o brasileiro ainda vota – quando
não justifica seu voto porque o sol está quentinho lá na praia.

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