Professional Documents
Culture Documents
Empreitada
Do art. 1207 resulta que são três os elementos do contrato de empreitada:
Sujeitos
São partes neste contra o dono da obra e o empreiteiro (que será uma pessoa singular ou colectiva
a quem foi encomendada a execução de uma obra).
Legitimidade em relação ao dono da obra: Coloca-se esta Bem locado: O proprietário pode
questão quando está em causa a modificação, manutenção ou mandar reparar ou modificar. Mas
reparação de bens existentes. Temos de verificar se o dono da não impede que o locatário se
obra tem poderes para mandar executar aqueles trabalhos. A coloque na posição de dono da obra.
falta de legitimidade não invalida o contrato de empreitada. No Mas se não for um caso de urgência,
entanto, pode dar azo a responsabilidade tanto em relação a terá de indemnizar a contraparte por
terceiros, como ao próprio empreiteiro. violação do contrato de
arrendamento e do direito de
propriedade.
Direitos do dono da obra
Que no prazo acordado seja entregue uma obra realizada nos moldes convencionados
(direito subjectivo a exigir do empreiteiro a obtenção do resultado a que ele se obrigou).
2. O dono da obra verifica que os materiais a empregar não são da qualidade assegurada – não
pode exigir a sua substituição se este direito não tiver sido contratualmente estabelecido. Nestes
1
Sara Rodrigues 2016/2017
casos, o comitente deve indicar a falha à contraparte e se esta não substituir os materiais o
contrato pode ser resolvido antes da conclusão da obra, caso se verifiquem os pressupostos.
Aceitação da obra depois de concluída: Tem de ser executada sem defeito (ou com defeitos
insignificantes) e nos termos acordados. O comitente não está obrigado aceitar a obra por partes
se isso não foi acordado (art. 763.º/1): a aceitação por partes pode ter interesse, designadamente
no caso de tardar a realização de parte da obra ou se detectarem defeitos numa parte que não
afecta o todo. Qual é a importância da aceitação?
Vencimento da renumeração (art. 1211.º/2);
Vencimento: Trata-se de uma regra supletiva, uma vez que no caso de coisas imóveis costuma-se
estabelecer que o preço seja pago escalonadamente, podendo-se acordar um preço a efectuar em
períodos determinados ou em função do trabalho executado. No caso de aceitarmos a obra por
partes, o pagamento também deve ser fraccionado.
É nesta altura que se transfere a propriedade da obra para o comitente (art. 1212.º/1);
Transferência da propriedade: Só discutimos esta questão nas obras de construção e não nas obras
de alteração ou reparação. O art. 408.º estabelece o princípio geral, mas o nº2 diz-nos que este
não se aplica ao contrato de empreitada.
Coisas móveis (art. 1212.º/1): Temos de ver se as matérias foram fornecidas pelo
empreiteiro (a transferência para o dono da obra dá-se com a aceitação por parte deste)
ou pelo dono da obra (se o comitente forneceu parte reduzida dos materiais, então perde
a respectiva propriedade quando forem incorporados na obra, ficando credor pelo preço
dos mesmos – o prof. entende que neste caso o dono da obra adquire a propriedade dos
materiais através do instituto da acessão industrial mobiliária (art. 1333.º); agora se ele
forneceu no todo ou em parte os materiais, a obra surge logo na propriedade do
comitente – o prof. entende que a transferência da propriedade verifica-se com a
conclusão da obra, sendo a aceitação irrelevante).
2
Sara Rodrigues 2016/2017
A aceitação pode ser expressa, tácita (art. 217.º) ou presumida por lei (art. 218.º):
Expressa: Protocolo assinado pelas partes;
Tácita: Informa-se o empreiteiro de que a obra foi executada segundo o convencionado e
sem vício ou, por ex, quando o comitente vai buscar à oficina o veículo que lá foi reparado;
Presumida: Na falta de verificação ou de comunicação.
A aceitação pode ser feita com ou sem reservas. Portanto, se o comitente detectar vícios aparentes
ou desconformidades com o convencionado poderá aceitar a obra com reserva, indicando essas
deficiências. No caso de ele considerar que a obra foi realizada a seu contento, aceitá-la-á sem
reserva – acarreta a liberação da responsabilidade do empreiteiro com respeito aos vícios
conhecidos (art. 1219.º/1). “vícios conhecidos”: o dono da obra sabia, bem como os defeitos
aparentes relativamente aos quais o comitente deveria ter tomado conhecimento, usando a
diligência normal (art. 1219.º/2). Neste nº2 estabeleceu-me uma presunção iuris tantum quanto ao
conhecimento do defeito, porque se considera aparentes os que são conhecidos do dono da obra.
Colaborar na execução do trabalho do empreiteiro para que este possa realizar a obra. Ex:
comunicar instruções, fornecer materiais. O empreiteiro não pode exigir a colaboração
necessária, mas o facto de não ser prestada espontaneamente dá-lhe o direito de invocar a
excepção de não cumprimento, pedir uma indemnização ou até usar a condição resolutiva
tácita (art. 801.º/2). No caso do dono da obra entrar em mora quanto a esta colaboração
tem de ser concedido ao empreiteiro um correspondente aumento de prazo para executar
a obra.
Incide sobre bens de terceiros: no caso de o
dono da obra ser locatário, adquirente com
Direitos do empreiteiro
reserva de propriedade ou ser realizada
Direito de retenção sobre coisas criadas ou
uma sub-empreitada da obra nada obsta a
modificadas como garantia do pagamento do
que o direito de retenção tanto recaia sobre
coisas propriedade do dono da obra como
3
de terceiro (com base num título legítimo),
pois o art. 754.º apenas faz referência a que
a coisa seja certa (não faz restrição quanto à
propriedade).
Sara Rodrigues 2016/2017
O direito de retenção só pode ser exercido “contra o seu credor” – o empreiteiro não pode exigir o
pagamento a terceiro (o princípio da relatividade dos contratos não é alterado). Ex: o sub-
empreiteiro que goza do direito de retenção contra o empreiteiro não tem legitimidade de reter a
coisa para exigir o pagamento do preço ao dono da obra.
Deveres do empreiteiro
Realizar uma obra (art. 1207.º) em conformidade com o convencionado e sem vícios (art.
1208.º). Além disso, o contrato deve ser cumprido pontualmente (art. 406.º) e de boa-fé
(art. 762.º/2). Também importa ter em conta os deveres de cuidado e os deveres de
informação, designadamente os vícios do projecto ou dos materiais fornecidos pelo dono
da obra, de um iminente excesso do orçamento. Se o lugar do cumprimento do dever de
realizar a obra não tiver sido acordado ou não estiver na dependência da natureza dos
trabalhos a efectuar (ex: reparação de uma casa) deve ficar à descrição do empreiteiro,
uma vez que ele sabe qual é o melhor lugar para realizar a tarefa (ex: na sua oficina).
Conservar a obra realizada até entregá-la ao comitente. Este dever existe na medida em
que o empreiteiro se obriga a efectuar a prestação de uma coisa, mas também quanto aos
materiais fornecidos pelo comitente até à sua incorporação na obra.
Proceder à entrega da coisa no prazo estipulado ou após a respectiva aceitação. Se não for
acordado, então será entregue após a conclusão da obra. Em regra as despesas da entrega
correm por conta do empreiteiro, porque são despesas do cumprimento. Esta entrega
pode ser efectiva (ex: transferência da posse do automóvel) ou simbólica (ex: entrega das
chaves). Quanto ao lugar este depende do objecto da prestação – imóvel: deve ser no
lugar onde esta se encontra, mas pode haver uma entrega simbólica num lugar diferente;
móvel: deve ser entregue no local onde foi realizada (interpretação extensiva do art.
773.º/1).
4
Sara Rodrigues 2016/2017
No entanto, é um critério delimitativo que não apresenta uma solução definitiva, porque a
distinção entre coisas corpóreas imateriais e coisas incorpóreas não corresponde a um aspecto
intrínseco das mesmas; temos de determinar com base na interpretação da vontade das partes,
porque a mesma prestação pode corresponder a uma coisa corpórea imaterial ou a uma coisa
incorpórea.
Ex:
Alguém encarrega um pintar para lhe pintar a casa – o contrato é de empreitada; o facto
de esse pintor ser um artista e ter sido encarregue de desenhar e pintar figuras
geométricas não altera a natureza do contrato.
Se alguém encarrega um pintor, para com toda a liberdade e com base no seu espírito
artístico e criativo, pintar uma parede – o contrato não é de empreitada.
Pagamento do preço
Esta retribuição é um elemento essencial, uma vez que se não for estabelecido um preço estar-se-á
perante um contrato gratuito de prestação de serviço – o código civil fala em preço como o valor
expresso em unidades monetárias (Soares Martinez), pelo que na empreitada o dono da obra não
fica obrigado a uma prestação em géneros. Assim, se no momento da conclusão do contrato, a
retribuição não for estabelecida em dinheiro estamos perante um contrato misto acoplados,
germinados ou duplo tipo, porque uma das partes se obriga à prestação típica de outro contrato e
outra parte à prestação típica de outro contrato. Ex: O proprietário de certo prédio antigo bem
localizado numa cidade e de um terreno nos arredores contrata um empreiteiro para este lhe
construir um edifício neste terreno, recebendo em contrapartida o velho prédio. Aplicamos o
regime da empreitada na parte correspondente à execução de uma obra.
Fixação do preço
Normalmente é fixado até ao momento da celebração do negócio jurídico.
As partes podem estabelecer que o preço da obra é determinado por cada artigo (ex: o
empreiteiro obriga-se a fazer 20 cadeiras a X€ por objecto) – implica a perfeita
diferenciação e divisão das partes que integram a obra, com respeito ao todo a obter. Mas
também podem estabelecer que o preço é determinado por medida, caso em que o preço
total depende da dimensão que estar tiver depois de concluída (ex: o empreiteiro obriga-
se a rasgar uma estrada por Xkm) – aqui não há uma absoluta identidade e continuidade
qualitativa do todo, mas com partes quantitativamente determinadas em razão da sua
extensão.
A renumeração também pode ser feita em função do tempo No mesmo contrato de
de trabalho (ex: o empreiteiro obriga-se a fazer um muro e empreitada podem-se
combinar duas ou mais
formas de fixação do5
preço!
Sara Rodrigues 2016/2017
Caso as partes não estabeleçam uma forma de fixar o preço ou se o orçamento tem como finalidade
uma mera orientação tem que se estabelecer um critério para assentar o valor desta prestação do
dono da obra. O prof. Romano Martinez, tendo em conta o art. 1211.º, entende que a perfeição do
contrato não depende da fixação do preço, pelo que este, apesar de ser um elemento integrador
da noção de empreitada, pode ser determinado em momento ulterior ao do ajuste.
Revisão
Quando é estabelecido um preço o empreiteiro não pode pedir qualquer acréscimo, mesmo que os
salários ou os materiais tenham aumentado. No entanto, as partes podem estipular uma cláusula
de revisão de preços – neste caso, a renumeração será alterada em função dos condicionalismos e
na medida do critério acordado. Não havendo esta cláusula, o prof. Romano Martinez entende que
se aplica unicamente as regras gerais respeitantes à resolução ou modificação dos contratos por
alteração das circunstâncias (art. 437.º e ss). O que impede, tendo em conta a alteração anormal e
os riscos próprios do contrato, que se restabeleça o equilíbrio entre prestações.
Nos contratos em que o preço tenha sido determinado por medida, unidade, tempo de trabalho
esta autorização não tem que ser por escrito – pode ser verbal (art. 222.º/2). A prova de que a
autorização foi dada cabe ao empreiteiro (art. 342.º/1).
Se a autorização for válida, o comitente deve aceitar a obra com modificações introduzidas
no plano e o empreiteiro tem o direito de exigir o respectivo aumento do preço.
Se a autorização não for válida, a obra é havida como defeituosa. Mesmo assim, se o
comitente a aceitar não lhe pode ser exigido qualquer aumento do preço (nem qualquer
indemnização com base no enriquecimento sem causa – art. 1214.º/2).
6
Sara Rodrigues 2016/2017
Alterações necessárias
Para evitar imperfeições da obra ou em consequência de direitos de terceiros há que proceder a
alterações (art. 1215.º/1) – estas alterações necessárias podem não ser imputáveis a nenhuma das
partes; mas sendo imputável a uma das partes, esta ou a contraparte, pode recorrer ao art. 1215.º,
mas o culpado suporta os danos resultantes dos erros ou omissões do projecto.
Quem suporta os prejuízos da alteração? Temos de ter em conta o risco da obra (art. 1228.º).
A lei não exige que as alterações ordenadas pelo dono da obra sejam dadas por escrito.
Há aqui um princípio de equivalência das prestações (art. 1216.º/2 e 3) – estas
modificações levam a que o empreiteiro tenha direito a um aumento do preço proporcional
ao acréscimo das despesas e a um prolongamento se se justificar. Mas se destas alterações
resultar uma diminuição das despesas ou do custo do trabalho então o empreiteiro tem
direito ao preço inicialmente estipulado.
Se as alterações implicaram uma inutilização de trabalhos já efectuados estes não são
deduzidos ao montante do preço total da empreitada, mas o comitente tem de pagar a
importância despendida com as demolições a que houver procedido.
O empreiteiro pode recusar-se a realizar quaisquer obras novas e alterações posteriores à entrega
da iniciativa do comitente. Mas se o empreiteiro estiver de acordo em executar aquilo que lhe é
proposto pelo dono da obra, e não exigido, estar-se-á perante um novo contrato de empreitada.
7
Sara Rodrigues 2016/2017
No caso do empreiteiro, por sua iniciativa e sem autorização da contraparte, realizar uma obra
autónoma ou introduzir alterações na obra depois de a ter entregado, o comitente poderá recusá-
la ou exigir a sua eliminação caso seja possível (art. 1217.º/2).
Impossibilidade de cumprimento
Impossibilidade originária: produz a nulidade do negócio (art. 401.º/1) – sendo o contrato
nulo não há que discutir o sue problema de incumprimento. Esta questão liga-se à
invalidade física do objecto. Ex: o empreiteiro obriga-se a reparar o telhado de uma casa
que fica destruída num incêndio. Mas temos de ter em atenção, pois esta impossibilidade
verifica-se apenas no caso de a obra não ser de todo realizável e não no caso de puder ser
realizada com defeitos. Assim, a impossibilidade da prestação relativamente à pessoa do
empreiteiro não acarreta a nulidade (art. 401.º/3), há incumprimento. Ademais, também
não é nulo o negócio que as partes celebraram na expectativa de vir a ser possível (art.
401.º/2).
Risco: Repartição do risco por impossibilidade de execução da prestação (art. 1227.º, 2ª parte –
devemos aplicar na impossibilidade de execução da obra, mas também das alterações necessárias
por analogia. Ex: se tivermos que demolir parte da obra já construída, o dono da obra tem de
pagar essa fracção, deduzindo o valor proporcional correspondente ao lucro do empreiteiro) vs
risco por perda da coisa (art. 1228.º/1 – aqui temos de verificar quem é o dono da obra. A regra é
que o risco corre por conta do proprietário aplicando-se à obra, mas também aos materiais que
nela incorporar).
2. Construção de coisa móvel com materiais fornecidos pelo dono da obra e a obra perece por
causa não imputável a nenhuma das partes:
3. Construção de coisa imóvel em que o solo é propriedade do dono da obra e a obra perece por
causa não imputável a nenhuma das partes:
4. Construção de coisa imóvel em que o solo é propriedade do empreiteiro e a obra perece por
causa não imputável a nenhuma das partes:
O dono da obra pode desistir da empreitada a todo o tempo (art. 1229.º) – nos termos da lei, pode
haver uma desistência depois de a obra estar concluída, mas antes de ser aceite. Se a obra não
padecer de defeitos a indemnização corresponde ao preço total da obra. Esta desistência é uma
faculdade discricionária, não carece de fundamento, apresenta-se como insusceptível de
apreciação judicial e não carece de qualquer pré-aviso, nem de forma especial.
8
Sara Rodrigues 2016/2017
Extinção do contrato
Verificação da obra
Depois de concluída, o empreiteiro deve avisar o dono da obra que ela está em condições de ser
verificada. O comitente verifica se foi realizada nas condições convencionadas e se não apresenta
vícios (art. 1218.º/1) – a falta de verificação importa a aceitação da obra sem reservas (art.
1218.º/2 e 5).
Depois de verificada, o resultado deve ser comunicado ao empreiteiro (art. 1218.º/4). Se não
comunicar: aceitação da obra sem reservas.