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Impressões de uma viajante

Maria Thereza Oliva Marcilio

Consultora da Avante-Educação e Mobilização Social

Global Leader for Young Children-2009

Setembro na Itália, mais precisamente naregião da Emilia


Romana, é uma bela época. O verão se despede, a temperatura
é amena, nem o excessivo calor característico do verão
mediterrâneo nem o frio do inverno ao pé dos Apeninos. Bela
estaão, belas cores.

Foi neste período que fui a cidade de Reggio Emilia para um


encontro dos Global Leaders for Young Children (GL), um
projeto da World Forum Foundation (WFF), do qual faço parte. A
cidade plena de monumentos e integrando a história do Império
Romano, é hoje uma das cinco mais afluentes da Itália, com
índices baixíssimos de desemprego, oferecendo ótimas
condições de vida e, portanto atraindo muitos migrantes, tanto
do exterior quanto de outras regiões do país.

O encontro em si já me trazia muita expectativa e boas


memórias. Este grupo, formado em 2009, reuniu-se pela
primeira vez no World Forum Foundation for Early Childhood
Care and Education, realizado em Belfast-Irlanda do Norte.
Éramos 23 pessoas dos cinco

continentes, indicadas por instituições dos seus países para


integrar este projeto. Do Brasil, eu e Gustavo Amora, à época
secretário executivo da Rede Nacional Primeira Infância (RNPI).
O objetivo do projeto é a promoção e defesa dos direitos da
criança pelo desenvolvimento de projetos a serem realizados
pelos Global Leaders. No encontro há oficinas sobre advocacy,
relatos de boas práticas e apresentação de cada um dos
participantes sobre o estado da arte em seus respectivos
países. Ao final do encontro e em sessões de orientação, cada
grupo nacional apresenta o esboço do seu projeto que deve ser
submetido à apreciação final dois meses após. O prazo para a
execução é de um ano, findo o qual o grupo se reúne para a
apresentação dos resultados e uma sessão de avaliação e
contribuições para os futuros grupos, já que cada coorte de
Global Leaders tem esta duração.

Foi exatamente este segundo encontro que se deu em Reggio


Emilia. Faz parte da filosofia do projeto GL que as reuniões
propiciem um variado leque de oportunidades de
aprendizagens. Para tanto, a localização é escolhida com muito
critério o que envolve planejamento e negociações.
Afortunadamente, a escolha do nosso local foi Reggio Emilia e a
programação envolvia visitas, apresentações e entrevistas com
diferentes representantes dessa

experiência municipal, já de algum tempo reconhecida


internacionalmente.

Foi nesse contexto, de amizade, respeito, sintonia de ideais e


princípios partilhados pelo grupo, que se deu o contato ao vivo
com algo já conhecido e admirado a partir de livros, publicações
e relatos.

As reuniões aconteciam no Centro Internacional Loris


Malaguzzi, instituição criada para valorizar a cultura e
criatividade de crianças, pais e professores sob a inspiração do
próprio Malaguzzi, sem dúvida um dos principais sustentadores
do que acontece em Reggio Emilia. A experiência política e
pedagógica possui algumas marcas que a distinguem: o foco na
criança como sujeito e no apoio à construção dasua autonomia,
a pesquisa como eixo do trabalho pedagógico – vale notar a
importância da observação, da reflexão e do registro do
pensamento e das ações das crianças - a arte e a estética como
fundamentais para a proposta pedagógica a ser desenvolvida.

A primeira e forte impressão que fica é do que eu chamarei de


uma verdadeira política pública. Este é um termo que vem
sendo utilizado com muita freqüência aqui no Brasil. Lá o que
pude constatar é que a opção pelo investimento constante e
continuo na criança pequena teve o seu início no imediato pós-
guerra, em uma situação de faltas e necessidades graves e

múltiplas. Muito pela ação das mulheres, a opção de reconstruir


a cidade significou investir no cuidado e na educação das
crianças pequenas. Desde então, 1946, ininterruptamente a
cidade não só manteve o compromisso inicial como ele cresceu
em termos de aportes financeiros públicos, responsabilidade
municipal com os serviços, atuação da sociedade civil, aumento
de instituições e programas relacionados aos cuidados e
educação da primeira infância. A combinação desses elementos
é o que me leva a definir o que acontece em Reggio Emilia
como uma verdadeira política pública, guia para todos os que
anseiam por algo semelhante.

Um aspecto que emerge quase simultaneamente, por estar


essencialmente imbricado nas opções feitas e ações em curso,
é o enraizamento teórico da proposta. Nesse plano, a figura de
Loris Malaguzzi se destaca como fomentador, impulsionador e
desenhista da utopia. Trata-se de uma reflexão filosófica e
teórica contemporânea, sintonizada com as mudanças que
ocorrem e caracteriza-se pela sua profunda dedicação à
pesquisa e à experimentação. Centra-se na imagem de uma
criança dotada de enorme potencial e sujeito de direitos,
destaca a importância dos ambientes e dos espaços como
elemento formador, assim como a necessidade de usar várias
linguagens expressivas e pontos de vista em que mãos, mente
e emoções estejam

ativas simultaneamente, valorizando a expressividade e


criatividade de cada criança.

A fundamentação teórica levou a uma prática pedagógica e a


uma organização institucional em que o trabalho se desenvolve
com base no coletivo e nas relações. Nesse sentido, reconhece-
se o a importância dos profissionais da educação assim como
valoriza-se a co-participação da família e da comunidade na
gestão; ademais, pressupõe diálogo permanente com a cultura
da cidade e com as experiências mais ricas da pesquisa.

Como resumo diria que escutar diferentes pessoas com


distintas participações e responsabilidades relacionadas à
primeira infância em Reggio Emilia, i.e. prefeito, secretária
municipal de educação, coordenadoras de diferentes espaços,
professoras, deu-me a possibilidade de constatar a coerência, o
alinhamento e a verossimilhança da relação discurso.-prática.
A visita aos centros e o próprio Centro Internacional Loris
Malaguzzi foi uma oportunidade de Vicência estética que
resultou em encantamento. Beleza, organicidade, simplicidade
que traduzem respeito e cuidado com todos: crianças,
trabalhadores e comunidade.

O sentimento que me acompanha desde então é o de trabalhar


para vencer a brecha que existe no nosso país entre intenção e
gesto, teoria e prática, discurso e ação. Este sentimento é
alimentado pela compreensão da urgência desta tarefa e pelo
desafio em concretizá-la.

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