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A Literatura eletrônica: revisitando limites da teoria literária por meio das narrativas

locativas

Eloctronic Literature: revisiting literary theory limits through locative narratives


Vinícius Vita Gorender1
Vânia Lúcia de Menezes Torga2

Resumo:
O objetivo desse artigo é pensar sobre o relacionamento entre a literatura eletrônica e a teoria literária. Nos
propomos essa discussão, tendo as narrativas locativas como exemplo, a partir das seguintes hipóteses: se a)
esses objetos eletrônicos podem ser tidos como literários; b) as teorias literárias que analisam a literatura
impressa são suficientes para pensar, perceber, entender, julgar como literário ou não, o que é eletrônico; e c)
propor um ponto de partida teórico para pensar o uso do computador como objeto de construção do literário.
A literatura eletrônica é um grande gênero que abarca obras específicas dos meios eletrônicos, essas são
construídas como software e executadas por meio do processamento eletrônico de dados. As narrativas
locativas são dessas obras eletrônicas em que os processadores dos dados são as mídias locativas, que são
aparelhos móveis com sistemas de posicionamento e de processamento de dados.

Palavras-Chave: Crítica Literária; Literatura Eletrônica; Narrativas Locativas; Teoria


Literária;

Introdução

O objetivo desse artigo é discutir se a literatura eletrônica, em geral, e, as narrativas


locativas, mais especificamente, são objetos literários, ainda, se, a partir da crítica literária e
das teorias literárias atuais é possível entender os fenômenos em questão, e por fim
encontrar um campo teórico em que as forças centrípetas e centrífugas atuem para que
literário e o eletrônico possam ao menos se tangenciar.
Durante nossa pesquisa de mestrado realizamos a leitura e discussão da obra
locativa Haunted London, tendo como referencial teórico a filosofia da linguagem de
Bakhtin. Centralizamos nossas discussões nos conceitos de gêneros discursivos e
cronotopo, sem perder de vista, que os conceitos bakhtinianos não se isolam, mas se
interlaçam, se encontram e se afastam, se constroem em contato uns com os outros.
Durante o caminho, que culminou na escrita da dissertação, o próprio termo
“literatura eletrônica”, o qual escolhemos para nos referir ao fenômeno literário em
discussão nos guiou a um tal caminho: ignoramos, em nossas discussões, e hipóteses as

1 Mestre em letras: linguagens e representações pela Universidade Estadual de Santa Cruz. Email:
vgorender@gmail.com
2 Professora doutora aposentada do programa de pós graduação em letras linguagens e representações da

Universidade Estadual de Santa Cruz


questões que nos movem na construção desse artigo, já que nos parecia óbvio, que um
objeto chamado por críticos e teóricos de “literatura eletrônica” somente poderia ser um
objeto literário.
Ignoramos as possíveis dificuldades que essa determinação apriorística poderia
suscitar. Aceitamos sem questionar que o literário e o eletrônico se tocam tão
profundamente, nos fenômenos pesquisados, que não seriam necessárias discussões sobre
o status de literário de tais fenômenos. Percebemos, entretanto, que essa questão é
relevante, que as diversas linhas de crítica literária e teoria literária ainda não (re)conhecem
os objetos que discutimos.
Para esse artigo, levamos em consideração que a literatura, enquanto ciência, é
responsável, não só, pelo estudo de seus objetos, mas também, pela definição desses
objetos e, que não há consenso entre críticos, teóricos, escritores, pesquisadores sobre quais
seriam – ou não – esses objetos. Ainda assim, nos arriscaremos a adentrar essa seara, e
buscar um local possível para as obras eletrônicas. É possível que o lugar que encontremos
não seja o lugar da literatura, mas não é possível ignorar que esses objetos existem e
representam, talvez, uma nova possibilidade de movimento literário.
Para levar a termo a empreitada a qual nos propomos faremos uma revisão de
literatura sobre as narrativas locativas – apresentaremos conceitos, características em
comum com outros gêneros, características únicas que definem o gênero; em seguida
discutiremos as características que permitem que os críticos da literatura eletrônica a
definam como gênero literário; e por fim apresentaremos uma crítica ao cânone literário
que exclui obras modernas – e pós-modernas – como objeto de estudo da literatura.
No subtópico seguinte faremos um pequeno apanhado, principalmente a partir de
Ryan (2004) sobre a narrativa e sua relação com a ideia de mídia, já que o nosso objetivo
são narrativas em mídias específicas. Trataremos de aproximar a narrativa, não somente
enquanto gênero literário, mas como forma de organizar a experiência humana, das
tecnologias.

Pensando a narrativa por meio das mídias

Existe uma dificuldade, relacionada a própria espécie de texto, em definir o que é


narrativa. Percebemos essa dificuldade não só no trânsito entre as diversas linhas teóricas
da literatura, mas na filosofia da linguagem, e em outras áreas que estudam o uso da
língua(gem). A dificuldade vai além da conceituação, mas do próprio entendimento desse
tipo de texto: algumas escolas enxergam a narrativa como um gênero literário, outras como
um tipo de texto.
Iniciamos a construção do nosso conceito partindo de Ricoeur (1994) que trata a
narrativa como a forma humana de organizar o tempo. Concordando com essa citação
abrimos um grande parêntese, que apenas é respondido pelo autor nos tomos II e III de
sua grande obra Tempo e Narrativa. Pensar a narrativa como forma de organização
temporal significa que qualquer contar já é uma narrativa.
Ryan (2004) explica que narrativa não é um gênero literário em si, mas que
the narrativity of a text would be born by sentences that imply the temporal succession of their
referents, as is the case with the evocation of events and actions, as opposed to those sentences
that refer to simultaneously existing entities, to general laws, to static properties, or to the
narrator's personal opinions. The degree of narravity of a text could thus be measured by the
proportion of properly narrative sentence3
Falando em narratividade de um texto a autora apresenta três ideias: a primeira de
que o texto narrativo pode estar em qualquer gênero literário; a segunda de que a
narratividade se opõe a outras formas textuais pois, nessa há referências temporais claras; e
por fim que é possível medir o grau de narratividade de um texto de acordo com a
quantidade de sentenças claramente narrativas que esse texto contenha, ou seja, sentenças
com referências temporais.
Ryan (2004) propõe três características, que seguiremos nesse artigo, para
representar o que possa ser qualificado de narrativo.
1. A narrative text must create a world and populate it with characters and objects. Logically
speaking, this condition means that the narrative text is based on propositions asserting the existence of
individuals and on propositions ascribing properties to these existents4.
2. The world referred to by the text must undergo “changes of state" that are caused by
nonhabitual physical events: either accidents ("happenings") or deliberate human actions. These changes
create a temporal dimension and place the narrative world in the flux of history.
3. The text must allow the reconstrucltion of an interpretive network of goals, plans, causal
relations, and psychological motivations around the narrated events. This implicit network gives coherence
and intelligibility to the physical events and turns them into a plot.
O texto narrativo precisa, minimamente, cumprir os pré-requisitos que a teoria

3 A narratividade em um texto surge a partir de sentenças que indicam sucessão temporal de seus referents,
como no caso de eventos e acontecimentos evocados, diferente de sentenças que se referem a entidades que
existem simultaneamente, leis gerais, propriedades estáticas, ou para opiniões pessoais do narrador. O grau de
narratividade de um texto poderia então ser medido em proporção com as sentenças verdadeiramente
narrativas.
4 Um texto narrative deve criar um mundo e preenche-lo com personagens e objetos. Logicamente, essa

condição significa que um texto narrative é baseado em proposições sobre a existência de individuos e
proposições que atribuam propriedades a essa existência.
estruturalista define: A existência de uma história/discurso – acontecimentos/enredo; um
narrador ou pessoa que fala; personagens; espaço e tempo.
Definindo, elementarmente, “narrativa” como um tipo de texto, Ryan (2004, p. 15)
faz uma analogia entre ler uma narrativa e experimentar uma obra de arquitetura “in the case
of architecture a metaphorical interpretation may draw na analogy between the temporality of plot and the
experience of walkin through a building”. O tempo da narrativa torna-se o tempo do caminhar.
O mesmo tempo do caminhar que também existe nas narrativas locativas, o tempo do
concreto, de ir de um local a outro local.
Em seguida, trataremos brevemente do atual lugar da teoria literária, não nos
propomos aqui a atingir o estado da arte sobre o assunto. Algumas teorias nos
aprofundaremos mais enquanto outras pincelaremos brevemente, trataremos com maior
detalhes as teorias que julgarmos mais relevantes para o objeto em estudo.

Literatura: teorias, críticas e a definição do que é objeto literário

Cada teoria, cada crítico literário, cada temporalidade específica define por meio de
critérios mais ou menos estáveis o que considera ou não literatura.
Sempre partindo de regras e conceitos específicos as escolas literárias constroem conceitos
que de acordo com Zilberman ( ) exercem a dupla função de definir o que é objeto literário
e ao mesmo tempo excluir o que não é objeto literário.
Para Zilberman ( ) o
Uma dessas teorias parece guiar muitos dos críticos e teóricos que se afastam das
teorias mais contemporâneas, como o pós-colonialismo ou desconstrução, é a teoria crítica.
Fazemos essa afirmação baseado na ideia, mesma, de que a separação construída pela teoria
crítica entre alta cultura e baixa cultura atinge os objetos literários a ponto de definir o que
é ou não literatura.
Fry (2009)
What is literature, how do we know when we see it, how do we define it?
(...) Definitions based on form, circularity, simethry, economy of form,
lack of economy of form, repetition, they are definitions based on
phsycological complexities, phsycological balancies, phsycological
harmony, sometimes phsycological imbalancies and desarmony, there are
also definitions which exists as somehow epistemological difference
between literature and other kinds of utterances, whereas most
utterances preport to be saying something true about the actual state of
things in the world, literare utterances are not under such obligation, the
argument goes and on properly to be understood as fiction making it up
as opposing to reffering
Fry (2009)
but at the same time, even as I rattle of this list of possibilities you may
find yourself na absurd of schepscism, and say ‘I can easy find
exceptions to all those rules, it is ridiculous to think that literature could
be define in anyone of those ways or even in a combination of all of
them, literature is many things and it simple can not be trapped in a
definition of that kind’ (...) it gives rise to a sense that possibly, after all,
literature just is not anything at all, in other words, that literature may not
be succeptible of definition (...) that it is rather wathever you say it is, or
more precisely whatever your interpretative community says it is
Definição é importante de qualquer forma.
Foucault (2001) vai além e, ao questionar o que é o autor, como consequência,
questiona o que é uma obra. O filósofo francês levanta questões como “o que é uma obra?
O que é, pois, essa curiosa unidade que se designa com o nome obra? De quais elementos
ela se compõe? Uma obra não é aquilo que é escrito por aquele que é um autor?”,
prossegue “se um indivíduo nçao fosse um autor, será que poderia dizer que o que ele
escreveu, ou disse, ou deixou em seus papéis, o que se pode relatar de suas exposições,
poderia ser chamado de obra?”. Termina afirmando que “a palavra ‘obra’ e a unidade que
ela designa são provavelmente tão problemáticas quanto a individualidade do autor”.
No subtópico seguinte, discutiremos a teoria literária que já alcança os objetos
eletrônicos, que já enxergam esse fenômeno como literário. Apresentaremos conceitos, e
algumas das diversas possibilidades de perceber a literatura eletrônica.

Literatura Eletrônica: computadores que fazem arte

A literatura eletrônica é definida pela ELO – Electronic Literature Organization – como


obras de valor literário que utilizem das funcionalidades de computadores, em rede ou
não, na construção ou recepção – grifo nosso. Pensamos que essa conceituação nos indica
dois caminhos, criados a partir das duas sentenças do conceito, que precisam ser pensados:
1) Obras de valor literário;
2) Obras que se utilizem das funcionalidades de computadores;
A primeira sentença causa algum incômodo, pois retoma à discussão do tópico
anterior sobre como definir o objeto da literatura, como definir o que tem valor literário,
estaria esse valor no uso da linguagem; ou na questão do sentido e construção de
identidades; ou ainda na desconstrução do uso da linguagem e das identidades.
A segunda sentença da definição é mais simples, pois delimita o formato em que a
obra se apresenta. Todas as obras eletrônicas são softwares, programas de computador,
executados em máquinas comuns ou em qualquer aparelho capaz de processar dados. Por
exemplo, a obra avaliada, Haunted London é um aplicativo específico para iPhone, o que
significa na prática que é um programa desenvolvido para o sistema operacional iOs.
A ELO além de conceituar, propor eventos, aproximar pesquisadores, trabalha
como museu, ou seja, escolhe obras, a partir do conceito, e as agrega em um mesmo local5.
Atua com o duplo objetivo de selecionar e manter. Ao selecionar, a ELO decide quais são
as obras eletrônicas que possuem valor literário; com manter, a organização pensa na rápida
evolução da tecnologia que impossibilita o acesso a tecnologias anteriores6.
A definição proposta pela ELO também induz os pesquisadores a um trabalho de
delimitações de gêneros a partir da sentença que define as obras eletrônicas a partir de
tecnologias específicas dos computadores. Temos então, que cada uso específico das
tecnologias determina, ou, ao menos, indica, a existência de um gênero de literatura
eletrônica também específico.
Hayles (2008) faz um apanhado relativamente extenso 7 de gêneros. Essa autora
(2008) divide a literatura eletrônica em gêneros de acordo com a tecnologia usada. De
acordo com esse padrão, as narrativas locativas são aquelas que utilizam das tecnologias das
mídias locativas; já os poemas em flash são poemas programados em flash, e assim por
diante.
Mesmo com a tecnologia por padrão definidor, é possível perceber que os gêneros
textuais clássicos continuam influenciando também nos formatos eletrônicos, já que temos
tanto poemas em flash, quanto narrativas em flash, sendo que, cada um dos dois gêneros é
diferente. As mesmas problemáticas apresentadas pela literatura impressão, em relação a
delimitação de gêneros, se estende para a literatura eletrônica.

5 Uma obra digital é guardada em um local digital. As obras são mantidas no site da organização e em cds. Em
períodos específicos a ELO seleciona obras de cada gênero da literature eletrônica e cria um conjunto de
obras como numa exposição.
6 Programas específicos para Windows 95, por exemplo, não rodam em Windows 8 ou 10. A ELO cria

ferramentas para que essas obras não se percam.


7 Desde os trabalhos citados até hoje novas tecnologias avançaram muito. Cito como exemplo as tecnologias

de simulação, realidade virtual, 3D e 4D.


Já Ricardo (2009) faz o aporte discursivo sobre a literatura eletrônica a partir de um
outro ponto de vista. Para esse autor (2009) o próprio dístico “literatura” é discutível
quando se trata das obras apresentadas; ele propõe arte digital, arte eletrônica, literatura
digital, ciberliteratura, todos como sinônimos. Para esse autor essa questão das definições
são o menos importante, o grande ponto de relevância da literatura eletrônica8 é a discussão
que ela promove nas referências sobre o caráter estético, e também nas bases de definições
da própria literatura.
Apesar da diferença nas abordagens ambos os autores citados no parágrafo anterior
concordam que a literatura eletrônica traz algo de novo para esse grande campo de estudo,
seja para a teoria literária ou para a crítica literária. Relevante notar, que esse “algo de novo”
é, tanto para Hayles (2007) quanto para Ricardo (2009) invisível para as lentes da teoria
literária

No próximo subtópico apresentamos e exploramos as narrativas locativas,


apresentaremos brevemente um conceito e o que as diferencia de ouros formatos
narrativos; apresentaremos alguns resultados que encontramos em nossa pesquisa de
mestrado que auxiliam no entendimento da construção do sentido, do espaço e o do tempo
nessas obras.

Narrativas Locativas: porque as afirmamos literatura

O conceito de narrativas locativas parte de uma premissa simples: narrativas nas


quais o local de recepção é determinado pela própria obra. A obra impõe a estadia em um
espaço geográfico específico, e o receptor, ativo ou não, precisa estar nesse lugar para que o
processo de recepção se inicie. Alguns exemplos como o teatro participativo, guias
turísticos, audiowalks, instalações, entre outros.
Nesses formatos, citados acima, é preciso que o receptor esteja em contato com os
locais físicos para que a narrativa recebida se realize por completo. Para narrativas locativas,
Gorender (2016) propõe que sejam apenas consideradas as que são recebidas por meio de
mídias locativas. As mídias locativas são celulares, tablets, smartphones conectados a redes
com acesso a algum tipo de sistema de posicionamento, para que possa determinar a
localização geográfica do receptor.
As obras de que tratamos são aplicativos para celular. Um aplicativo consiste em

8 Usaremos sempre o termo literatura eletrônica para nos referirmos às obras em questão.
"um programa que desempenha atividades e aplicações (comerciais ou pessoais) específicas
para um usuário"(CAIÇARA JÚNIOR, 2007). Haunted London é um aplicativo disponível
apenas para iPhones que conta uma história de terror em Londres. Os autores apresentam
duas motivações para sua construção:
1) Apresentar um roteiro turístico menos usual da cidade de Londres.
2) Utilizar da fama de Londres como uma das cidades mais assombradas do mundo
para contar uma história de terror.
Ao analisar a narrativa locativa Haunted London, Gorender (2016) demonstra que a
história é contada principalmente por meio de texto em áudio. Existe pouco texto verbal,
outros formatos como vídeo e formatos específicos do instrumento como realidade
aumentada e GPs. O texto verbal aparece majoritariamente como instrução para a
recepção, como exemplo a tela inicial apresenta o texto "start walk".
Ricoeur (1994) afirma que a narrativa é a forma humana de organiza sua
experiência e sua relação com o tempo. Seja essa narrativa histórica, completamente
ficcional, ou ainda uma mistura de ambas existe sempre uma relação do homem com o
tempo. No gênero em discussão essa relação temporal é duplicada, pois existe o tempo
narrativo e o tempo de recepção, ou como trata Eco (1994) o tempo ficcional e o tempo de
leitura.
O destaque do tempo é relevante pois a recepção está relacionada com a interação
dos receptores com objetos do cotidiano. A leitura da história acontece no tempo
cronológico em que os leitores se movimentam pelos caminhos indicados, realizam as
tarefas orientadas. Concomitantemente a este tempo, que Gorender (2016) chamou de
tempo locativo, o tempo ficcional se desenrola e é organizado por meio da narrativa.
Além do tempo, Gorender (2016) também destaca o espaço nas narrativas locativas.
Esse autor destaca que no gênero discutido o espaço é híbrido:
a) Concreto: É o espaço geográfico físico pelo qual os receptores se movimentam
b) Virtual: É um espaço real em potência.
c) Narrativo: É o espaço em que a narrativa acontece.
Apesar do autor (2016) diferenciar essas três vertentes do espaço, reiteramos que
na verdade são facetas do mesmo espaço que se hibridiza no tempo da narrativa.
Eco (1994, p. 93) cita em uma de suas palestras um encontro com um leitor que
tentou transformar, nas palavras do semioticista italiano “a Paris ‘real’ num lugar de meu
livro e, dentre todas as coisas que poderiam encontrar na cidade, selecionaram somente os
aspectos que correspondiam as minhas descrições”. Na opinião desse autor, os leitores
buscaram somente os mesmos aspectos para que o mundo real correspondesse ao mundo
ficcional.
Eco (1994) explica que na leitura de ficção há o que Coleridge (2004, Chapter
XIV) definira como suspensão temporária de descrença. O poeta e crítico britânico
afirmara (2004, Chapter XIV) que “yet so as to transfer from our inward nature a human
interest and a semblance of truth sufficient to procure for these shadows of imagination
that willing suspension of disbelief for the moment, which constitutes poetic Faith”. Para
nós a suspensão da descrença trata das possibilidades de imersão e hibridação do real e
ficcional. Em que cada um permanece em separada, mas a leitura do universo ficcional
deixa de ser realizada em função do que acreditamos ser possível ou impossível no real.
Discutiremos mais a fundo essa questão num capítulo específico sobre as narrativas.
Nesse ponto, torna-se relevante para nós perceber que nas narrativas locativas a
necessidade de suspensão de descrença é atenuada pela semelhança – ou exatidão – do
espaço real e ficcional. Reid et al (2005) apresenta um experimento com a obra Riot! 1831,
baseado nos motins que aconteceram em uma praça pública na cidade britânica de Bristol
em 1831.
O experimento é um estudo sobre o que Reid et al (2005, p. 1) chamam de magic
moments, definido como “those moments which are deemed to be both moving and
memorable and thus are those that people really value” e ainda “you are tuning into history,
eavesdropping on a magic parallel world. It’s full of surprises, it’s funny, poignant, moving
and it brings history alive”. No nosso entendimento um estado de imersão completo na
história, que vai além da suspensão da descrença. Talvez, aqui apontamos uma
possibilidade, esse estado de imersão seja possível mesmo enquanto ocorra descrença.
Nesse estudo Reid et al (2005) recriaram, em um museu, o cenário da batalha.
Durante três semanas mais de 700 pessoas experimentaram a obra, e responderam a
questionários ao fim. Ao mesmo tempo em que um ambiente foi recriado, simulando a
realidade, as pessoas recebiam aparelhos com GPs e fones de ouvido em que sons de
batalha soavam constantemente. Torna-se óbvio perceber que o local em 1831 era diferente
do momento em que os pesquisadores apresentaram a obra. Entretanto, apesar de algumas
dificuldades, relacionadas a usabilidade e gênese do instrumento, os autores citados (2005)
perceberam pela análise dos questionários que existia o sentimento de “experimentar”
literatura.
Bibliografia

CAIÇARA JÚNIOR, Cícero. Informática internet e aplicativos. Curitiba - Ibpex, 2007.


267p.
COLERIDGE, Samuel Taylor. Biographia literaria. Project Gutemberg. 2012. Disponível
em: http://www.classicistranieri.com/coleridge/cache/generated/6081/pg6081.txt.utf8
Acessado em 10 de abril de 2017.
ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. Campinas: Editora Companhia
das Letras, 1994.
ELO. What is E-Lit. 1999-2003. Disponível em: http://eliterature.org/what-is-e-lit/.
Acessado em: 14 de maio de 2014.
HAYLES, N. Katherine. Electronic literature: New horizons for the literary. University
of Notre Dame Press, 2008.
FOUCAULT, Michel. O que é o um autor?. In: FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos:
Estética, literatura e pintura, música e cinema (vol. III) Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2001, p. 264-298
GORENDER, Vinícius. Discussão dialógica de narrativas locativas. 2016. 64f.
Dissertação – Programa de Pós-Graduação em Letras: Linguagens e Representações,
Universidade Estadual de Santa Cruz. Ilhéus, 2016.
RICOEUR, Paul. Tempo e narrativa (tomo 1). Tradução: Constança Marcondes César –
Campinas, SP: papirus, 1994.
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Moments in situated mediascapes. In: Proceedings of the 2005 ACM SIGCHI
International Conference on Advances in computer entertainment technology. ACM, 2005.
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ENGL 3000 – 6:57 à 7:47 disponível em https://www.youtube.com/watch?v=4YY4CTS
Q8nY&list=PL4C05F7AD7120291F

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