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Práticas de interação nas redes sociais: o Facebook, a crise do pensamento crítico e a

intolerância.

Alessandra Guimarães Cabral


Mônica Monção Lopes
alessandra_g_cabral@hotmail.com
monicamonlopes@gmail.com
Tópicos especiais em estudos linguísticos – Carina Lessa

Resumo

O presente artigo busca destacar as práticas de interação nas redes sociais, tendo como foco de
estudo o Facebook, uma das principais plataformas de comunicação, trazendo para discussão
as causas e consequências da “democratização” de informações e de discursos de diferentes
naturezas, visto que grande parte dos usuários desse suporte compartilham e curtem sem fazer
uma reflexão no que de fato estão reproduzindo e/ou apoiando, gerando assim discussões
pautadas no senso comum que têm levado à intolerância.
Na era de profusão de informações, é fundamental que os indivíduos possuam um pensamento
crítico, ou seja, aquele que não acredita em tudo o que é dito, mas que desconfia e tenta verificar
o contexto e os elementos mais amplos dos discursos. Sendo assim, espera-se que o resultado
do presente trabalho possa contribuir para uma reflexão acerca da crise do pensamento crítico
em tempos de pós-verdade e redes sociais.
Palavras-chave: Redes Sociais. Facebook. Práticas discursivas. Pensamento crítico

Abstract
This article aims to highlight the practices of interaction in social networks, Focusing on
Facebook, one of the main communication platforms, bringing for discussion the causes and
consequences of the "democratization" of reports
information and speeches of different natures, since users of this support share and enjoy
without reflecting on what they are actually reproducing and/ or supporting, thus generating
discussions based on common sense that have led to intolerance.
In the era of profusion of information, it is fundamental that individuals have a critical thought,
in other words, who does not believe everything that is said, but that is suspicious and attempts
to ascertain the context and the broader elements of the speeches. Therefore, it is expected that
the result of this work can contribute to a reflection on the crisis of critical thinking in times of
post truth and social networks.
Key words: Social networks. Facebook. Discursive practices. Critical thinking.

1. Introdução

A inclusão das novas tecnologias de informação e comunicação trouxeram alterações


na maneira de se comunicar, sobretudo ao que se refere à leitura e à escrita. O volume de
informações é imenso e instantâneo, o que exige uma competência comunicativa capaz de
interpretar, concatenar e selecionar os conteúdos disponíveis no meio eletrônico e interação por
meio das redes sociais. Mídias sociais são “Ferramentas online que são usadas para divulgar
conteúdo ao mesmo tempo em que permitem alguma relação com outras pessoas”. Dentre as
mídias mais utilizadas nas redes, está o Facebook, onde discursos das mais variadas naturezas
circulam e, por esse motivo, será nosso objeto de pesquisa no que se refere às práticas
comunicativas e à crise do pensamento crítico, gerando a intolerância, uma vez que a
superficialidade da leitura de mundo e a reprodução acrítica de conteúdos se faz cada vez mais
presente.
Se por um lado as redes sociais são importantes ferramentas de inclusão digital e social,
dando voz às pessoas e possibilitando troca de experiências, por outro propiciou a difusão de
fake News e de discursos pautados no senso comum, gerando uma alienação política e social
que acabam por disseminar a intolerância. Sendo assim, faz-se necessário observar que esse
instrumento de veiculação não é neutro, como aparenta ser, por isso mesmo a informação, o
conhecimento e pensamento crítico são elementos essenciais aos cidadãos do mundo atual.

2. A desinformação na era da informação

A informação e o conhecimento são essenciais tanto do ponto de vista acadêmico,


quanto social, pois quando transformados em ação, tornam-se competências essenciais ao
desenvolvimento socioeconômico e cultural. Hoje, as redes sociais constituem umas das
estratégias subjacentes utilizadas para compartilhar informação e conhecimento. No entanto,
cada indivíduo tem sua função e identidade cultural.
As redes sociais, segundo Marteleto, representam “[...] um conjunto de participantes
autônomos, unindo ideias e recursos em torno de valores e interesses compartilhados”. Nesse
sentido, o intercâmbio de ideias, opiniões e crenças possibilita o compartilhamento de
conhecimento. Entretanto, embora o acesso à informação seja muito maior atualmente, ter
possibilidades múltiplas de acesso não se traduz em acessar informações de qualidade, analisa-
las e ter capacidade de utilizá-las e compartilha-las como meio racional de qualificação cultural
e intelectual. O que observamos é que cada vez mais, com o advento das redes sociais, em
especial o Facebook, grande parte dos usuários recebe como verdade informações pré-
formatadas, seguindo ideologias e influências e reproduzindo determinados assuntos
conceituados por outras pessoas (e que nem sempre são verdadeiramente informações), sem
pesquisar se elas são ou não verdadeiras, se são oriundas de fontes confiáveis. Absorvem tais
opiniões sem nenhum olhar de contestação, sem nenhum olhar crítico, tornando-se meros
reprodutores.
Sendo assim, grande parte das pessoas está sendo guiada pela visão de quem lapida a
informação, tratando-a como fonte inicial de um processo de formação de conceitos. E essa
formação de conceitos segue o viés de quem o forma, da sua ideologia e das influências que
seu meio tem.
Evidentemente, formar opinião própria sobre os inúmeros conceitos e fatos sociais é
tarefa árdua e requer uma leitura que ultrapasse o senso comum.

3. Autoria e performance

Foucault, em “ O que é o autor? ” indaga o estatuto da autoria, sugerindo que o autor não
é um simples elemento a mais no discurso, mas um dispositivo de controle discursivo “a função-
autor é, portanto, característica do modo de existência, de circulação e de funcionamento de
alguns discursos no interior de uma sociedade” (FOUCAULT, 1994, 798), ou seja, o lugar do
autor como produto e não como origem do discurso.
Não se trata de negar a existência da figura do autor que assina a obra, mas de repensar a
função-autor como “uma pluralidade de egos, múltiplas posições de sujeito”. Sendo assim, a
função de autoria assume diversas facetas, transformando o autor naquele que representa
diferentes papeis para se fazer percebido.
Nesse sentido, ao correlacionar a função autoral com o advento das novas tecnologias e
proliferação de escritas em redes sociais, infere-se que cada vez mais o autor, além de assumir
os papéis de escritor, participa das tramas dos textos escritos, se constitui naquilo que enuncia
e se utiliza das mídias como plataforma para ecoar a sua voz.
Ao refletir sobre os novos meios de enunciação utilizados pelas pessoas para apresentação
de si e de suas visões de mundo, nos apoiamos no conceito de performance.
Para Judith Butler (1990), uma performance deve ser entendida como sendo atravessada
pela historicidade inerente ao gesto ou à fala. Sendo assim, o desempenho performático
caracteriza-se por personificar citações de outros discursos. O que o sujeito-autor enuncia não
é a expressão daquilo que lhe é intrínseco, mas é performativamente produzida pelo que é dito
e feito socialmente. A essência do que se diz é, portanto, um efeito de performances repetidas
que, de certa forma, vão (re) atualizando os discursos histórico e culturalmente produzidos.
Relacionando os atos discursivos nas redes sociais ao conceito de performance podemos
observar a questão de autoria como posição desse sujeito-autor que atua de diversas formas:
encenando ou falando a verdade? Usando seus argumentos ou de outros? Sendo preconceituoso
e excludente ou defensor das minorias? Reproduzindo ou criando? Ou seja, há uma relação
intrínseca entre o texto que se produz e o meio cultural do seu produtor. Como argumenta
Cameron (1997):

Ao entender a linguagem como performance não devemos considerar que


falamos/escrevemos A, B ou C porque somos X, Y ou Z. Ao invés disso, devemos
focar nossa atenção nas dinâmicas sócio-histórico-discursivas que fazem com que
ao falarmos/escrevermos X, Y ou Z sejamos percebidos/as como A, B ou C; ou
seja, os recursos linguísticos (e identitários) são produtos de processos históricos,
políticos, filosóficos e culturais específicos e sua utilização nos insere nessas
dinâmicas.

Com o intuito de melhor elucidar o que foi dito, faz-se relevante observar a seguinte
postagem retirada do Facebook a fim de ser analisada discursivamente:

Ser negro, favelado e de cabelo duro é literalmente muito duro. Tenho tido essa
comprovação na pele diariamente, por meio das minhas vivências e experiências que até
aqui só meu eu íntimo e o meu travesseiro sabemos.
Deixei meu cabelo crescer e me vi. Vi, inclusive, que o florescer natural de meu cabelo na
medida em que ele se tona mais e mais "black power", incomoda e acentua minha negritude.
Negritude esta, recebida por outros de olhos tortos com uma mistura de estranhamento,
medo e curiosidade.
Todavia, isso é passado. Há pouco, cortei parte de meu cabelo. Me vi outro, e também me
vêem como outro. Parece que quanto mais corta-se o cabelo duro, mais afáveis são as
recepções dos olhares da multidão.
Contudo, isso é passado. Há pouco, voltei a usar boina. No dia de hoje, resolvi esconder
meu já curto cabelo embaixo do pequeno chapéu. Me vi outro de novo. Agora me olham
sorrindo e se possível, piscam um dos olhos simbolizando um flerte.
E agora, José? Havia uma pedra no meio do caminho? ou no meio do caminho havia uma
pedra?

A performance do texto acima acontece quando o narrador organiza, seleciona, escolhe


como irá performatizar uma dada narrativa. Sendo assim, ele passa de narrador para autor do
texto.
Há claramente uma oposição entre o ato discursivo-identitário de um autor
pertencente a comunidade negra e os efeitos performativos dos discursos que constituem os
diversos atos de falas também performativas da sociedade em geral, discursos raciais e de
inferiorização dos negros.
Já no início do texto há marcas dos efeitos performativos dos discursos que o constituem
como sujeito social: NEGRO, FAVELADO E DE CABELO DURO.
Afinal, ser negro ou branco não seria o resultado dos efeitos semânticos dos diversos
atos de fala performativos a que todos nós (negros ou brancos) somos expostos desde o
nascimento? Podemos então dizer que aprendemos a ser negros ou brancos por meio dos vários
discursos do que é ser negro ou branco. O negro é culturalmente associado ao “cabelo duro” ,
aos “ traços grosseiros” e às “favelas”; enquanto os brancos ao modelos eurocêntricos.
No decorrer de seu relato, o sujeito-autor vai deixando evidências das marcas
performáticas contidas no texto: O “BLACK POWER” que atrai olhares de reprovação, pois
acentua a NEGRITUDE associada ao preconceito e ao medo. Negritude essa, que vai se
apagando conforme o cabelo é cortado e por fim escondido. E ele ainda termina seu texto
parafraseando Drummond ao mesmo tempo que deixa mais uma marca do efeito performativo
contido nos discursos: o negro como uma pedra no caminho ou seria o preconceito seria essa
pedra?
Enunciados como: “ Que cabelo é esse?”, “Até que ele é um negro bonito”, “Todo negro
é favelado”, “Tinha que ser preto!” e tantos outros, iniciaram um processo de generalização que
vem sendo propagado através dos discursos. Sendo assim, tal generalização vai sendo difundida
irrefletidamente ou intencionalmente por muitos atos de fala. Nesse sentido, as identidades
performativas de raça, de sexo, de gênero e muitas outras são constituídas na/pela linguagem.
Nesse sentido, entender a identidade como uma prática [...] significante é compreender sujeitos
culturalmente inteligíveis como efeitos resultantes de um discurso amarrado por regras, e que
se insere nos atos disseminados e corriqueiros da vida linguística (Butler, 2003:208).
Em vista disso, os performativos não funcionam apenas pela intenção de um enunciador,
mas porque encarnam formas linguísticas que já existiam socialmente, ou seja, antes do falante
usá-las. Desse modo, a performance linguística funciona pelo mecanismo da citacionalidade,
isto é, são as citações e recitações que fazem com que os performativos sejam inteligíveis e que,
consequentemente, sejam propagados.

4. Representação, sentido e linguagem

Era da informação é o termo utilizado para designar um período inaugurado no final do


século XX, referente à dinamização dos fluxos informacionais pelo mundo. Podemos dizer que
a era digital manifesta-se também como era da interação a partir do surgimento das redes
sociais, um ambiente de construção colaborativa de relacionamentos. Sendo assim, o conceito
de representação torna-se fundamental, visto que representação é uma parte essencial do
processo pelo qual o sentido é produzido e trocado entre membros de uma cultura.
O Shorter Oxford English Dictionary sugere dois sentidos relevantes para a palavra
representação:
1 Representar algo é descrevê-lo ou retratá-lo, trazê-lo à mente por descrição ou retrato
ou imaginação; fazer uma relação com algo que tínhamos em nossas mentes ou sentidos
previamente; como, por exemplo, na sentença, ‘Essa imagem representa o assassinato
de Abel por Caim’.

2 Representar também significa simbolizar, responder por,ser uma amostra de, ou


substituir; como na sentença, ‘No Cristianismo, a cruz representa o sofrimento e a
crucificação de Cristo’.

A representação, portanto, é a conexão do conceito com o sentido, a linguagem e a


cultura. Há três teorias que focam na representação: a reflexiva (reflete o verdadeiro sentido de
objetos, pessoas, eventos etc. tais como existem); a intencional (as palavras significam o que o
autor ou falante impõem ou pretendem que signifiquem) e a construtivista (as coisas não
significam, nós damos sentido a elas.)
Focaremos na abordagem construtivista da linguagem em que o significado é construído
na linguagem por meio da própria linguagem. Em sua pesquisa Hall apresenta duas visões
construtivistas: a semiótica de Ferdinand Saussure e a discursiva, associada a Michel Foucault.
De acordo com a visão saussuriana, o signo pode ser representado por dois elementos –
o significante que a forma como a informação se apresenta (sequencia fônica “moto” / código:
m.o.t.o) e o significado (representação mental). Os dois são necessários para produzirem
sentido, mas é a relação entre eles, de acordo com determinada cultura, código ou linguagem
que dá base à representação.
Uma característica muito importante apresentada por Hall, a partir dos estudos
semióticos, é a de que o significado de um signo muda de acordo com o contexto e com o
tempo, portanto nunca apresenta um sentido fixo ou essencial.
Já, em consonância com a abordagem discursiva de Foucault, o autor destaca o conceito
de discurso, sua relação com o poder e a questão do sujeito. É através da linguagem que o
discurso está relacionado à produção de sentido, sendo assim, segundo Foucault só podemos
ter conhecimento das coisas se elas tiverem sentido e, conhecimento é uma forma de poder.
Esse poder, por sua vez, é exercido como em uma rede, operando em todos os campos da vida
e níveis sociais.
Então, há dois processos de representação por meio da linguagem, o primeiro, diz
respeito, a grosso modo, a um conjunto de conceitos ou representações mentais que nós
carregamos em nossas cabeças. São eles que nos permite interpretar o mundo
significativamente. O segundo, depende de que se construa um conjunto de correspondências
entre nosso mapa conceitual e um conjunto de signos organizados em várias linguagens que
respondem por ou representam aqueles conceitos: produção de sentido nas relações de
linguagem, gerando conhecimento como forma de poder.

4.1. Representação, cultura e a formação de estereótipos

Segundo Hall (2016), o compartilhamento de significados entre os membros de um


grupo ou de uma sociedade, ou seja, a produção e intercâmbio de sentido diz respeito à cultura.
Isso equivale a dizer que membros pertencentes a uma mesma cultura interpretam o mundo de
forma semelhante, desse modo a cultura dependerá de como os participantes de um determinado
grupo interpreta o que acontece ao seu redor e atribua-lhe sentido de forma semelhante.
Este foco em “significados compartilhados” pode, algumas vezes, fazer a cultura soar
demasiado unitária e cognitiva. Porém em toda cultura há sempre uma grande diversidade de
significados a respeito de qualquer tema e mais de uma maneira de representá-lo ou interpretá-
lo. Além disso, a cultura se relaciona a sentimentos, emoções, a senso de pertencimento, bem
como a conceitos e a ideias.
Sendo assim, a cultura é o local de criação e troca de significados através da linguagem,
visto que é por meio dela que pensamentos, ideias e sentimento são representados. Entretanto,
esses significados não são fixos e podem ser mais contundentes na presença de vários discursos.
A partir daí Hall discute a questão das diferenças, chegando ao conceito de estereótipo, que
reduz, naturaliza e fixa o diferente, além de tender a ocorrer onde existem maiores
desigualdades de poder. Desse modo, podemos perceber como os discursos vão sendo
construídos culturalmente para conservação do poder. Nesse sentido, Hall afirma que as
representações podem ser modificadas pelo fato de elas não serem fixas. A apropriação de um
significado existente, pode ser substituída por um novo significado através da linguagem.
Entretanto, as representações somente mudam quando atingem as esferas do poder econômico
e cultural.

4.2. O Facebook e a propagação de estereótipos, da intolerância e do senso comum

Como representação é o processo pelo qual membros de uma cultura usam a linguagem
para instituir significados, podemos inferir que nós, em sociedade que atribuímos sentidos às
coisas. No entanto, algumas representações ganham maior visibilidade e passam a ser
consideradas como expressão da realidade social. Em nossa sociedade e em tantas outras as
representações que têm ganhado força estão sendo construídas por discursos proeminentes que
representam um grupo em detrimento de outros. Estabelecendo formas padrões ligadas aos
conceitos de superioridade/inferioridade. Sendo assim, a criação de estereótipos consiste na
generalização e atribuição de valor a algumas características de um grupo, reduzindo-o a essas
características e definindo os “lugares de poder” a serem ocupados. Essa generalização tem
caráter subjetivo e pré-conceitual, motivado por um pensamento unilateral que gera
intolerância.
O problema dos estereótipos e da intolerância, embora não seja algo novo, é uma
crescente tendência proveniente da falta de um pensamento crítico e vem ganhando espaços
cada vez mais amplos devido às redes sociais.
A internet tornou-se o meio mais utilizado para troca de informações e diálogos através
das mídias sociais. Este é o cenário no qual a tecnologia e o excesso de informação aparecem,
por um lado como propulsores do conhecimento e por outro como entraves desse processo, uma
vez que acaba gerando leitores superficiais e, consequentemente, reprodutores acríticos de
conceitos.
Na sociedade atual as novas mídias estão extremamente presentes no nosso dia-a-dia de
forma a influenciar o pensamento e comportamento das pessoas, através da possibilidade de
produção e compartilhamento de informações e opiniões.

Com o objetivo de contribuir para o enriquecimento da pesquisa, trouxemos a postagem


abaixo e alguns comentários retirados do Facebook para esclarecer os aspectos teóricos
abordados.

Postagem: “Tipos que não gostam do Bolsonaro: assassinos, pederastas, pedófilos,


comunistas, socialistas, partidos políticos sujos, nazistas, maconheiros, bandidos,
assaltantes, terroristas, ditadores. Enfim, com exceção da parte podre do país, 100% dos
brasileiros honestos e do bem apoiam Jair Bolsonaro e homens como ele”.

Comentário 1: “Quando vejo que tudo o que não presta são contra o 17, aí é que tenho
ainda mais certeza do meu voto para presidente”.

Comentário 2: “Isso! E que se lasquem esses bandidos de esquerda. Somos todos


Bolsonaro”.

Comentário 3: “Bolsonaro para acabar com o comunismo no Brasil!”.

Comentário 4: “Me dá dó dessas pessoas negras defendendo o Bolsonaro”.

Comentário 5: (resposta ao comentário 4). “Me dá dó de ver uma gorda, como você
defendendo o comunismo, olha o exemplo Venezuela tá sem alimento”.

Comentário 6: “Como sempre esquerlóides passando vergonha”.

Comentário 7: “VAMOS ENFIAR O TACAPE NO RABO DOS COMUNAS”


Comentário 8: “Aguardem marginais”.

Comentário 9: “ Não vou votar no Bolsonaro, mas não me enquadro em nenhuma das
características atribuídas àqueles que não votarão nesse ‘cidadão de bem’. A propósito,
cidadãos de bem não instauram e nem propagam ódio por aí. Acordem!!!”

Identificamos claramente a representação da imagem de Bolsonaro como “homem de


bem” em detrimento da imagem construída para aqueles que não o apoiam, criando assim uma
oposição de estereótipos. A argumentação baseia-se na rigidez dessa oposição, ou seja, aquele
que não apoia o candidato citado recebe rótulos por meio do recurso da adjetivação utilizada
pelo autor. Sendo assim, os signos linguísticos (significantes) utilizados constroem a imagem
(significado) daqueles que não serão eleitores de Bolsonaro, assim como daqueles que irão votar
nele. Nesse sentido verificamos duas abordagens da representação da linguagem: a intencional
(por meio dos adjetivos o autor impõe sua intenção comunicativa) e a construtivista (o receptor
do texto atribui sentido ao texto de acordo com seu conhecimento de mundo, conhecimento
linguístico, contexto social e cultural em que está inserido etc.). Podemos perceber que a
representação dos estereótipos foi aceita pela maior parte das pessoas que comentaram o post.
Entretanto, no último comentário podemos notar que a atribuição de sentido para o post foi
justamente a percepção do uso desses rótulos e de sua força argumentativa, gerando lugar de
poder (bem em detrimento do mal), pensamento engessado e unilateral, acarretando, desse
modo, a intolerância e austeridade presentes nos comentários anteriores.

Conclusão:

O Facebook tornou-se uma importante ferramenta de comunicação e difusão de


informação. Por outro lado, a desinformação e a manipulação contribui para a ignorância e
inviabiliza o debate democrático, propiciando a propagação em massa de ideias prontas,
estereótipos e intolerância. Em contrapartida, as redes sociais, de modo geral, são instrumentos
importantes para o engajamento e politização do cidadão, contudo é relevante o acesso à
informação e necessária uma leitura crítica das mesmas a fim da formação de opiniões críticas
em lugar da viralização do senso comum.
Em nosso dia a dia estamos sempre em contato com diversas formas de argumentações.
Para chegarmos a formar uma opinião embasada em fatos, temos que analisar aquilo que nos é
informado. Nesse sentido, reconhecer as formas de como os discursos são construídos, assim
como o papel do autor desses discursos é fundamental para identificar as ideologias contidas
nos enunciados.
A noção de autoria como a figura daquele que escreve e da performance como algo
culturalmente construída nos leva à conclusão de que somos produtos dos discursos e que
repetir esses discursos não é somente copiá-los e reproduzi-los, mas que temos aí possibilidades
de repetições subversivas, ou seja, de quebrar esses paradigmas.
A habilidade de analisar com criticidade o que é dito, tanto no âmbito das redes sociais
quanto na vida pessoal requer o desenvolvimento de competências que vão além da cognição,
é preciso focar nos significados alternativos ao longo das nossas repetições a fim de produzir e
reproduzir repetições que subvertam os estereótipos já engessados socialmente.
Falar e escrever sobre/para/com alguém, assim como receber esses textos denotam
posições do sujeito através da linguagem performativa e é preciso estar atento a isso nas práticas
de interações discursivas. O importante é focalizar a história social que produz as categorias
identitárias e linguísticas, os atos de fala, as interpelações e seus efeitos pragmáticos.
Hoje, há um crescimento considerável de pessoas envolvidas em conflitos de opiniões
nas redes sociais, caracterizados por incitar a discriminação contra pessoas que compartilham
de grupos identitários comuns, animosidades e discussões políticas acaloradas, promotores de
brigas e ofensas por discordâncias. Por isso, é preciso pensar na importância de se refletir sobre
esses discursos e diante da crescente manifestação de intolerância faz-se necessário buscar
perspectivas de aprimoramento do senso crítico.
Sendo assim, para que se diminua a crise do pensamento crítico que tem gerado as
manifestações de intolerância, é preciso compreender que o significado de um texto e seus
efeitos não está preso a fronteiras textuais, mas sim construído por aquilo que vem antes dos
textos (o que possibilita as performances), é preciso perceber as performances identitárias, as
relações intertextuais e os efeitos que as performances linguísticas produzem nos interlocutores
a fim de desconstruir sentidos normatizados e ,por meio da linguagem, reinventá-los.

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