Professional Documents
Culture Documents
AS BATALHAS DE ZUMBI
Resumo
Instituído oficialmente no ano de 2011 durante o governo da então presidente da República
do Brasil Dilma Rousseff, o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra possibilita
refletirmos sobre as disputas de sujeitos históricos e eventos apropriados e ressignificados
por indivíduos plurais, oferecendo-nos elementos para que percebamos novos marcadores
sociais e temporais que, sinalizados na demanda da criação desses mitos, contemplam
anseios e legitimam protagonismos e lugares de atuação presente. Isto posto, propomos
neste ensaio uma reflexão sobre a criação do Dia da Consciência Negra tendo como mote o
artigo replicado pelo site “www.geledes.org.br", utilizando-nos, para tal exercício, de parte
da bibliografia sugerida na disciplina “Cultura e Poder".
Palavras-chaves: Comemoração, lutas, identidade, Zumbi
INTRODUÇÃO
1
Não pretendemos analisar teórica e metodologicamente o veículo de informação onde o artigo foi
originalmente publicado, no caso o jornal “Folha de São Paulo”, haja vista esta análise fugir do escopo
proposto pelo ensaio.
2
alguns indícios das memórias que serão reelaboradas, de maneira que a narrativa conduza
a criação de novos mitos e heróis, não apenas em relação ao período onde a escravidão de
etnias africanas e afrodescendentes era juridicamente permitida, mas também, quanto a
atuação de estudantes e intelectuais negros durante a década de 1970 e a reivindicação
contemporânea a julgar pela data de veiculação do artigo.
Entendemos que a fundação de uma data comemorativa e a realização de
rituais que a comemore possibilitam “[...] uma certa leitura da história, em que o passado,
seleccionado e modelado pelas necessidades ideológicas dos evocadores, se ergue como
um foco revivificador. ” (CATROGA, 1998, p. 230). Portanto, evocar em novembro de
2018 a morte de Zumbi ocorrida em 1695 e a atuação de acadêmicos porto-alegrenses no
período do regime militar, ganha novos significados e funções, não apenas no esforço de
revivificar e fortalecer a luta pela conquista e manutenção de direitos, mas também, como
uma maneira de fornecer “[...] certo número de chaves para a compreensão do presente [...]
através da qual pode parecer ordenar-se o caos desconcertante dos fatos e dos
acontecimentos. ” (GIRARDET, 1989, p.13)
O complô
Jesus e Exu
2
Utilizamos “arquétipo” significando modelos ideais a serem seguidos.
4
Conclusão
Sem a pretensão de produzir conhecimento sobre a questão étnica e racial, o
que demandaria uma amplitude e profundidade maior no debate, este ensaio buscou
realizar um exercício reflexivo sobre as relações de poder que perpassam a sociedade, que
alteram e são alteradas por sujeitos, utilizando como ponto de partida um artigo, mas não
se prendendo a ele, permitindo um movimento espacial e temporal de maneira que o
conteúdo apreendido através da bibliografia e debates em aulas servisse como chaves de
compreensão para a vida que transborda os muros da academia e alcança outras searas.
Anexo 1
Grupo que idealizou o Dia da Consciência Negra teve de dar explicações à ditadura
Ideia surgiu em 1971 durante uma reunião de universitários gaúchos em Porto Alegre
por Fernanda Canfore no Folha de São Paulo
uma emboscada e teve sua cabeça exibida em praça pública, depois de liderar a resistência
por quase duas décadas.
Por horas, no clube gaúcho, homens e mulheres falaram sobre a história dele e do outro rei
de Palmares, Ganga Zumba, sobre como os negros foram trazidos da África para o Brasil
e o que foi a escravidão aqui. Ainda recitaram poemas de Castro Alves e Solano Trindade.
A ideia havia nascido das conversas entre quatro universitários gaúchos: Oliveira Silveira,
Vilmar Nunes, Ilmo da Silva e Antônio Carlos Côrtes. Eles frequentavam rodas
que questionavam havia tempos a legitimidade da data do 13 de maio para o povo negro.
Uma publicação da editora Abril e mais algumas pesquisas sobre o quilombo dos
Palmares levaram o grupo à nova data: o 20 de novembro, da morte de Zumbi. Oliveira
Silveira, que se tornaria um dos intelectuais negros mais importantes do país, levou a ideia
aos amigos, que aprovaram.
Entre eles, o advogado Antônio Côrtes, 69, que ainda vive em Porto Alegre. Ele também
só descobriu Zumbi quando tinha cerca de 20 anos e participava das discussões com outros
jovens negros.
“Fizemos uma analogia com a construção mítica do Tiradentes. Em 1971, formalizamos
que, se a morte dele era lembrada, também tínhamos que lembrar a de Zumbi”, lembra o
advogado. “Estruturamos então a proposta de substituir o 13 de maio pelo 20 de novembro,
que seria uma data escolhida por nós, não pela oficialidade. Era uma tomada de
consciência.”
Com os três amigos, Côrtes fundou então o Grupo Palmares, uma associação cultural para
promover estudos de história e arte sobre o papel dos negros e mestiços no Brasil. Foi em
uma reunião na casa dos pais dele que escolheram o nome em alusão ao quilombo que
resistiu por quase cem anos.
A época, porém, era de ditadura militar. O AI-5 havia endurecido ainda mais o regime, três
anos antes. Quando uma nota foi publicada no jornal, com o título “Zumbi – A
homenagem dos negros do teatro”, para anunciar o ato evocativo programado para o dia
20, o nome do grupo, talvez confundido com a organização armada VAR-Palmares,
chamou a atenção.
Côrtes e Oliveira Silveira foram intimados pela Polícia Federal. Para serem liberados pela
censura, tiveram que descrever todo o roteiro do encontro e convencer os agentes de que
8
REPERCUSSÃO
Dois anos depois da primeira celebração, o questionamento do grupo gaúcho virou notícia
nacional. ”Esse foi o momento mais glorioso da história do povo negro no Brasil e,
infelizmente, nossa historiografia o diminui no tempo e até na apresentação dos fatos
principais”, dizia Oliveira Silveira ao Jornal do Brasil.
A partir dali, atos relembrando figuras negras históricas e esquecidas passaram a ser
replicados em outros cantos do país, todo mês de novembro.
“Quando eles propõem essa data, mais do que uma alternativa, estão propondo a ideia de
liberdade conquistada. Isso marca o movimento negro contemporâneo no Brasil em
manifestações importantes, como a marcha pelo aniversário de 300 anos de Zumbi, que
aconteceu em 1995″, explica o pesquisador Deivison Campos, que estuda o movimento
negro e a história do Grupo Palmares.
Em 1978, quando o Movimento Negro Unificado lançou o manifesto adotando a data como
nacional, o Palmares encerrou suas atividades. “Vimos que já tínhamos alcançado o
objetivo. O importante era que a data e seu simbolismo estavam firmados”, diz Côrtes.
Ele se tornou advogado de causas por racismo e injúria racial, pegando ocorrências
engavetadas nas delegacias de polícia e levando a juízo.Côrtes afirma que perdeu as contas
de quantos casos defendeu, mas que passam de 200. Oliveira, mesmo com um trabalho
importante de pesquisa e literatura, acabou sendo reconhecido mais depois da morte do que
foi em vida.
FERIADO NACIONAL
Em 2003, o Dia da Consciência Negra entrou no calendário escolar com a lei que obriga o
ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas. Oito anos depois, a então presidente
Dilma Rousseff (PT) oficializou a data como Dia Nacional de Zumbi e da Consciência
Negra.
9
Nessa data, porém, só é feriado em locais com leis municipais ou estaduais específicas,
como na cidade de São Paulo.
No Rio Grande do Sul, por exemplo, onde surgiu o Grupo Palmares, apesar de uma lei de
1987 ter incluído o dia no calendário oficial, não é feriado. Segundo o Ipea (Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada), em um relatório publicado em 2017, a capital gaúcha é a
cidade brasileira com maior desigualdade entre negros e brancos no Brasil.
Desde 2015, tramita na Câmara dos Deputados uma lei que propõe firmar a data como
feriado nacional definitivo. O autor é o deputado Valmir Assunção (PT-BA). Duas
comissões —a de Cultura e a de Constituição, Justiça e Cidadania— deram parecer
favorável à proposta. Na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e
Serviços, porém, ela foi rejeitada. O próximo passo é a análise em plenário.
“[Ver se tornar feriado nacional] é um sonho. Um sonho que eu quero alcançar em vida. O
Brasil só vai ser uma grande nação no dia em que o negro conseguir ter seu espaço”, diz
Côrtes.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Ana Rafaela Sales de; BEZERRA, Midinai Gomes; OLIVEIRA, Henry Poncio
Cruz de. Arquitetura da informação no website Geledés: a mulher negra em foco. Inf.
Pauta, Fortaleza, CE, v. 3, n. 1, jan./jun. 2018, p. 97 – 112. Disponível em: <
http://www.periodicos.ufc.br/informacaoempauta/article/view/32480/72987> Acesso em 4
jun 2019
CANOFRE, Fernanda. Grupo que idealizou o Dia da Consciência Negra teve de dar
explicações à ditadura. In: Afro-brasileiros e suas lutas. [S.l.} 20 nov 2018. Disponível
em: <https://www.geledes.org.br/grupo-que-idealizou-o-dia-da-consciencia-negra-teve-de-
dar-explicacoes-ditadura/> Acesso em : 24 maio 2019
FERRO, Marc. A História Vigiada. São Paulo, Martins Fontes, 1989 (Coleção o homem e
a história)
GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. São Paulo: Companhia das Letras,
1989.