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SOCIOLOGIA
SÉRIE
ENSINO
MÉDIO
CULTURA E IDEOLOGIA
1 Dois conceitos e suas definições . . . . . . . . . . . . . . . . 4
Os significados de cultura no cotidiano . . . . . . . . . . . . . .4
Cultura segundo a Antropologia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .4
Convivência com a diferença: o etnocentrismo . . . . . . . . .6
Trocas culturais e culturas híbridas . . . . . . . . . . . . . . . . .8
Cultura erudita e cultura popular . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9
A ideologia, suas origens e perspectivas . . . . . . . . . . . .10
A ideologia no cotidiano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .12
2 Mesclando cultura e ideologia. . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
Dominação e controle . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .19
Os meios de comunicação e a vida cotidiana . . . . . . . . .20
Está tudo dominado? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .22
O universo da internet . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .22
3 Cultura e indústria cultural no Brasil. . . . . . . . . . . . . 26
O que caracteriza nossa cultura? . . . . . . . . . . . . . . . . .26
Indústria cultural no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .27
A televisão brasileira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .30
A inclusão digital . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .33
Conexão de saberes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
Leituras e atividades. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
2137659 (PR)
1 Dois conceitos e
suas definições
Objetivos: Há várias definições para os conceitos de cultura e de ideologia. Neste capítulo, vamos examinar
os significados e usos desses dois conceitos de acordo com diferentes autores.
c Apresentar os
conceitos de cultura
e de ideologia,
OS SIGNIFICADOS DE CULTURA NO COTIDIANO
destacando as O emprego da palavra cultura, no cotidiano, é objeto de estudo de diversas ciências sociais.
especificidades de O pensador francês Félix Guattari (1930-1992) reuniu os diferentes significados de cultura em três
cada um deles e sua grupos, por ele designados cultura-valor, cultura-alma coletiva e cultura-mercadoria.
evolução ao longo do Cultura-valor é o sentido mais antigo e explicita-se na ideia de “cultivar o espírito”. É o que per-
tempo, de acordo com mite estabelecer a diferença entre quem tem cultura e quem não tem ou determinar se o indivíduo
as várias vertentes pertence a um meio culto ou inculto, definindo um julgamento de valor sobre essa situação. Nesse
teóricas. grupo inclui-se o uso do termo para identificar, por exemplo, quem tem ou não cultura clássica,
artística ou científica.
O segundo significado, designado cultura-alma coletiva, é sinônimo de “civilização”. Ele expres-
sa a ideia de que todas as pessoas, grupos e povos têm cultura e identidade cultural. Nessa acepção,
pode-se falar de cultura negra, cultura chinesa, cultura marginal etc. Tal expressão presta-se, assim,
aos mais diversos usos por aqueles que querem atribuir um sentido para a ação dos grupos aos quais
pertencem, com a intenção de caracterizá-los ou identificá-los.
O terceiro sentido, o de cultura-mercadoria, corresponde à “cultura de massa”. Nessa concep-
ção, cultura compreende bens ou equipamentos — por exemplo, os centros culturais, os cinemas,
as bibliotecas e as pessoas que trabalham nesses estabelecimentos — e os conteúdos teóricos e
ideológicos de produtos que estão à disposição de quem quer e pode comprá-los, ou seja, que estão
disponíveis no mercado, como filmes, discos e livros.
As três concepções de cultura estão presentes em nosso dia a dia, marcando sempre uma di-
ferença entre as pessoas — seja no sentido elitista (entre as que têm e as que não têm uma cultura
erudita, por exemplo), seja no sentido de identificação com algum grupo específico, seja ainda em
relação à possibilidade de consumir bens culturais. Todas essas concepções trazem uma carga va-
lorativa, dividindo indivíduos, grupos e povos entre os que têm e os que não têm cultura ou acesso
aos bens culturais, ou mesmo entre os que têm uma cultura considerada superior e os que têm uma
cultura considerada inferior.
4 Cultura e ideologia
Cultura e ideologia 5
“Exotismo” para consumo europeu: Umauás nas margens do rio Japurá, na Amazônia, fotografados
em 1865 pelo alemão Albert Frisch. Imagens como esta foram reproduzidas às centenas pela Casa
Leuzinger, a maior empresa de impressão e artes gráficas do Brasil no século XIX. Fizeram um grande
sucesso comercial e valeram ao editor, o suíço Georges Leuzinger, uma menção honrosa na Exposição
Universal de Paris de 1867.
6 Cultura e ideologia
Cultura e ideologia 7
muito mais ampla, assim como as possibilidades culturais. A cultura nacional passou a ter determi-
nada constituição e os valores e bens culturais de vários povos ou países cruzaram-se, com a conse-
quente ampliação das influências recíprocas.
No decorrer do século XX, com o desenvolvimento das tecnologias de comunicação, o cinema,
a televisão e a internet tornaram-se instrumentos de trocas culturais intensas, e os contatos indivi-
duais e sociais passaram a ter não um, mas múltiplos pontos de origem.
As expressões culturais de países dominantes, como os Estados Unidos e alguns países da Euro-
pa, proliferam em todo o mundo mescladas com elementos culturais de outros países, antes pouco
conhecidos, tudo ao mesmo tempo e em muitos lugares. Há assim uma enorme mistura de expres-
sões culturais, construindo culturas híbridas, que não podem mais ser caracterizadas como de um
país. Fazem parte de uma imensa cultura mundial.
Isso não significa que as expressões representativas de grupos, regiões ou até países tenham
desaparecido. Elas continuam presentes e ativas, mas coexistem com essas culturas híbridas que
atingem o cotidiano das pessoas por meios diversos, como a música, as artes plásticas, o cinema
e a literatura, normalmente fomentados pela concentração crescente dos meios de comunicação.
Culturas translocais
[…]
Estávamos na capital da Escócia [em outubro de 1996] a convite do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universi-
dade de Stirling, para falar sobre “as fronteiras entre culturas” diante de vários especialistas da Europa e da América Latina. Eu
me perguntava onde estariam agora as fronteiras interculturais ao comparar esse interesse crescente pela América Latina […].
Estava pensando […] enquanto jantava em um restaurante italiano de Edimburgo. Depois de ser obrigado a me comuni-
car no meu inglês de emergência com um garçom loquaz, descobri que ele era mexicano […].
Quando quis saber por que decidira ir morar em Edimburgo, ele me disse que sua mulher era escocesa […].
Por fim me disse que queria montar um restaurante mexicano de qualidade, mas não gostava das tortillas que eram ven-
didas nos restaurantes tex-mex de Edimburgo porque vinham da Dinamarca. […]
Então o garçom mexicano de Edimburgo me pediu que, ao voltar para o México, eu lhe mandasse uma boa receita de
tortillas. Pediu esse favor justo a mim, que sou argentino, cheguei faz duas décadas ao México […] e me estabeleci no país
porque estudei antropologia e fiquei fascinado com muitos costumes mexicanos, mas uma das minhas dificuldades de adap-
tação sempre foi a comida picante, e é justamente por isso que, ao escolher um restaurante, minha preferência costuma recair
nos italianos. Essa inclinação vem do fato de esse sistema precário chamado “cozinha argentina” ter-se formado com a forte
presença de imigrantes italianos, que se misturaram com espanhóis, judeus, árabes e gaúchos para formar uma nacionalidade.
Pertencer a uma identidade de fusão, de deslocados, ajudou este filósofo convertido em antropólogo a representar a identidade
mexicana perante um mexicano casado com uma escocesa, que representava a italianidade em um restaurante de Edimburgo.
8 Cultura e ideologia
Alguém poderia perguntar: por que essas formas particulares, grupais, regionais ou nacionais
deveriam existir no universo cultural mundial, já que vivemos num mundo globalizado? Em seu livro
Artes sob pressão: promovendo a diversidade cultural na era da globalização, o sociólogo holandês
Joost Smiers responde que assim haveria a possibilidade de uma diversidade cultural ainda maior e
mais significativa; haveria uma democracia cultural de fato à disposição de todos. Em suas palavras:
“A questão central é a dominação cultural, e isso precisa ser discutido com propostas alternativas
para preservar e promover a diversidade no mundo”.
A cultura erudita abrangeria expressões artísticas como a música erudita de padrão euro-
peu, as artes plásticas — escultura e pintura —, o teatro e a literatura de cunho universal. Esses
produtos culturais, como qualquer mercadoria, podem ser comprados e, em alguns casos, até
deixados de herança como bens físicos e imateriais.
A chamada cultura popular corresponde à manifestação genuína de um povo e encontra
expressão nos mitos e contos, danças, música e artesanato. Inclui também expressões urbanas
recentes, como os grafites, o hip-hop e os sincretismos musicais do interior ou das grandes
cidades, o que demonstra haver constante criação e recriação no universo cultural de base
popular. Nesse universo, quem cria é o povo, nas condições possíveis. A palavra folclore (do
inglês folklore: junção de folk, “povo”, e lore, “saber”) significa “discurso do povo”, “sabedoria do
povo” ou “conhecimento do povo”.
RODRIGO BOERIN/FOTOARENA
Cultura e ideologia 9
10 Cultura e ideologia
Cultura e ideologia 11
Esse discurso homogêneo não leva em conta a história e destaca categorias genéricas — a famí-
lia ou a juventude, por exemplo —, passando, em cada caso, uma ideia de unidade, de uniformidade.
Ora, existem famílias com constituições diferentes e em situações econômicas e sociais diversas. Há
jovens que vivem nas periferias das cidades ou na zona rural, enfrentando dificuldades, bem como
jovens que moram em bairros luxuosos ou condomínios fechados, desfrutando de privilegiada si-
tuação econômica ou educacional. Portanto, não existe a família e a juventude, mas famílias e jovens
diversos, cada qual com sua história.
Outra manifestação ideológica na sociedade capitalista é a ideia de que vivemos em uma co-
munidade sem muitos conflitos e contradições. As expressões mais claras disso são as concepções de
nação ou de região como determinado país ou espaço geográfico definido. Essas concepções passam
a visão de que há uma comunidade de interesses e propósitos partilhados por todos os que vivem
num país ou num espaço específico. Ficam assim obscurecidas as diferenças sociais, econômicas e
culturais, e os conflitos entre os vários grupos e classes, enfatizando-se uma unidade que não existe.
Um exemplo disso é a atribuição de determinadas características a toda uma região que tem em seu
interior uma diversidade muito grande.
É comum, por exemplo, pensar que existe no Brasil um “nordestino ou um sulista” típicos,
como se todas as pessoas que vivem no Nordeste ou no Sul fossem iguais, não havendo conflitos
e contradições. Essa ideia é uma construção ideológica, normalmente repleta de preconceitos que
impedem a compreensão da realidade social brasileira.
12 Cultura e ideologia
THINKSTOCK/GETTY IMAGES
SOCIOLOGIA
Cultura e ideologia 13
O culto ao sucesso
“Seja uma pessoa de sucesso!” Quantas vezes ouvimos essa afirmação nos últimos tempos? A maioria das propagandas
da sociedade atual leva-nos a acreditar que só existe o caminho da vitória.
Devemos sempre ser vencedores; para isso precisamos ter sempre a melhor performance, seja corporal, seja intelectual.
Ou temos um belo corpo ou um currículo composto somente de vitórias.
Quem não aceita essas ideias normalmente é considerado perdedor, uma pessoa que não corresponde às expectativas
sociais de sucesso e, portanto, não merece estar entre os vencedores. No Japão, por exemplo, alguns jovens que não conse-
guem aprovação na escola ou na universidade, sentindo-se perdedores, se suicidam.
O culto ao sucesso afeta desde cedo a vida das crianças, que se tornam “pequenos adultos superocupados”. Na ânsia
de fabricar futuros vencedores, os pais inscrevem os filhos em toda sorte de atividade — além da escola formal —, pois
estes precisam estar preparados para o sucesso. As crianças, então, deixam de brincar e passam a ter uma agenda com ati-
vidades como inglês, informática, natação, judô, música… tudo ao mesmo tempo.
Existem até escolas que estão ministrando aulas de “empreendedorismo” e “educação financeira” para alunos do ensi-
no fundamental, na perspectiva de prepará-los para o futuro, ou seja, para o sucesso financeiro.
Na juventude e na idade adulta, o culto à performance continua de várias formas. Cuidar do corpo, por exemplo,
deixa de ser uma questão de saúde e bem-estar e passa a ser um princípio exclusivo da estética. É comum vermos aca-
demias lotadas de pessoas à procura da tão sonhada performance. Essa busca leva alguns jovens ao absurdo de tomar
remédios indicados para bois e cavalos, buscando aumento da massa muscular. As jovens querem ter o padrão de beleza
mostrado na mídia, mesmo que isso signifique ficar sem comer e debilitar-se fisicamente. É comum ver os garotos alar-
deando seu desempenho sexual, mesmo que usem medicamentos indicados para disfunção erétil para demonstrar sua
(im)potência.
LEYA BRASIL EDITORA ABRIL
O currículo “vitaminado”
Você já deve estar pensando em fazer o seu curriculum vitae e sabe o que deverá incluir nele.
O documento que registra nossa passagem pela vida produtiva foi bem analisado pelo filósofo brasileiro Leandro Konder (1936-),
em um artigo intitulado “O curriculum mortis e a reabilitação da autocrítica”2. Nesse artigo, Konder diz que o curriculum vitae é a
ponta do iceberg de nossa visão triunfalista da vida, pois nele só escrevemos o que consideramos um sucesso em nossa carreira.
Em suas palavras:
O curriculum vitae […] é o elemento mais ostensivo de uma ideologia que nos envolve e nos educa nos princípios do
mercado capitalista; é a expressão de uma ideologia que inculca nas nossas cabeças aquela “mentalidade de cavalo de corrida”
a que se refere a escritora Dóris Lessing. Não devemos confessar o elevado coeficiente de fracasso de nossas existências, porque
devemos ser “competitivos”. Camões, o genial Camões, autor de tantos poemas líricos maravilhosos, não poderia colocar em
seu curriculum vitae o verso famoso: “Errei todo o discurso dos meus anos”.
2.
A Página da Educação, n. 174, jan. 2008. Disponível em: <www.apagina.pt/?aba=7&cat=174&doc=13017&mid=2>. Acesso em: 21 set. 2012
14 Cultura e ideologia
1 Considerando as desigualdades sociais que se observam no Brasil, indique possíveis efeitos do culto ao sucesso pessoal e das
exigências relacionadas ao currículo.
2 Dê exemplos de atividades fundamentais em nossa vida que não se resumem à performance e ao sucesso.
3 Escreva seu curriculum mortis, ou seja, a relação do que não deu certo em sua vida. Procure analisar as razões dos insucessos.
ANOTAÇÕES
SOCIOLOGIA
Cultura e ideologia 15
O aluno tem uma vasta gama de possibilidades para exemplificar tal processo. Por exemplo, na escola, ele está aprendendo a cultura científica,
ou seja, o modo bem particular do Ocidente perceber e conviver com o mundo. Também pode ser interessante analisar como se modifica e
amplia esse processo de transmissão da cultura ao longo da história e como essas diferenças, longe de se anularem, se acumulam e coexistem
(oralidade, escrita, internet etc.).
a) Se, como o texto aponta, a cultura não é herdada geneticamente, então como ela é transmitida de geração a geração? Dê
exemplos de acordo com suas experiências.
Talvez o primeiro e mais importante passo para se compreender a noção antropológica de cultura seja perceber que, em todos os autores, ela é
analisada independentemente das características físicas dos indivíduos e das etnias. Se não é herdada geneticamente, a cultura é transmitida por
meio de práticas sociais.
b) Já há algum tempo as ciências sociais vêm apontando que a cultura não pode ser definida como resultante das características
físicas e genéticas dos seres humanos. No campo da política, que implicações há em acreditar que a cultura é um mero reflexo
de características físicas e genéticas?
Se a cultura é tomada como um elemento inerente à nossa genética, então ela deve ser vista como predeterminada e praticamente imutável. Tal
“erro antropológico”, cometido tantas vezes na história das sociedades, necessariamente implica hierarquizações das culturas ou, no extremo,
políticas de genocídio.
2 No dia 25 de maio de 2009, o jornal Folha de S.Paulo publicou uma matéria sobre o “Dia do Orgulho Nerd”, comemorado nesse
dia em razão do lançamento do primeiro filme da série Guerra nas Estrelas, nessa mesma data, em 1977. Leia a matéria a seguir e
responda às questões sobre culturas híbridas, mídia e globalização.
16 Cultura e ideologia
Com base na leitura desse texto e das reflexões levantadas no livro, discuta a pertinência da seguinte afirmação: “A cultura nerd é
um exemplo de cultura híbrida em cuja formação os veículos de comunicação têm papel relevante”.
A questão permite que o aluno considere todos os tópicos trabalhados sobre cultura. Para começar, é preciso pensar se é possível falar de cultura
nerd. Se a cultura é uma “construção coletiva”, então como explicar que características dessa cultura já estivessem presentes em indivíduos antes de
eles constituírem um grupo (o que, pelo texto, acontece graças à internet)? Ou será que o “nerdismo”, o jeito nerd de ser, é apenas a manifestação
de um traço cultural das culturas ocidentais? É uma discussão aberta, possivelmente não haverá resposta conclusiva, mas é importante porque
mobiliza conceitos trabalhados no capítulo.
3 É possível afirmar que a cultura brasileira foi, algum dia, uma cultura “pura”? A partir de quando, e como, ela passa a ser uma cultura
híbrida? Em sua resposta, utilize exemplos de elementos de outras culturas que atualmente se incorporam à cultura brasileira.
Para responder à questão, o aluno deverá considerar a formação cultural brasileira. A cultura brasileira nunca foi pura porque se formou a partir da
fusão de elementos de várias culturas diferentes: culturas africanas diversas, culturas indígenas diversas, cultura europeia, ou seja, sempre foi uma
cultura híbrida. No entanto, é possível argumentar que essa fusão deu origem a uma cultura única, original, distinta de todas as outras. Pode-se
também argumentar que, antes da descoberta do Brasil, haveria uma cultura “pura”, mas então não havia “Brasil”, havia vários povos indígenas e,
aí sim, cada qual com sua cultura própria.
4 No romance intitulado 1984, o inglês George Orwell (pseudônimo de Eric Arthur Blair) imagina uma Londres sob um regime totalitário
identificado como Grande Irmão (ou, no original, Big Brother). Após uma revolução, esse regime de partido único domina o poder e
estabelece uma série de mecanismos de controle das pessoas, como o que o escritor chamou de teletela, um dispositivo parecido
com uma televisão, instalado obrigatoriamente em todas as residências, por meio do qual o Estado não só lançava suas ideias às pes-
soas como também poderia vigiá-las. Narrada a partir da ótica do personagem Winston Smith, um sujeito comum que trabalha para
o governo, a obra de Orwell, lançada originalmente em 1948, é um dos grandes clássicos da literatura do século XX. A seguir, leia uma
passagem do livro na qual Winston reflete sobre as condições de vida sob o regime do Grande Irmão, e, então, responda às questões.
Como saber quais daquelas coisas eram mentiras? Talvez fosse verdade que as condições de vida do ser humano médio
fossem melhores hoje do que eram antes da Revolução. Os únicos indícios em contrário eram o protesto mudo que você
sentia nos ossos, a percepção instintiva de que suas condições de vida eram intoleráveis e de que era impossível que em
outros tempos elas não tivessem sido diferentes. Pensou que as únicas características indiscutíveis da vida moderna não
eram sua crueldade e falta de segurança, mas simplesmente sua precariedade, sua indignidade, sua indiferença. A vida — era
só olhar em torno para constatar — não tinha nada a ver com as mentiras que manavam das teletelas, tampouco com os SOCIOLOGIA
ideais que o Partido tentava atingir. [...] O ideal definido pelo Partido era uma coisa imensa, terrível e luminosa — um
mundo de aço e concreto cheio de máquinas monstruosas e armas aterrorizantes —, uma nação de guerreiros e fanáticos
avançando em perfeita sincronia, todos pensando os mesmos pensamentos e bradando os mesmos slogans, perpetuamente
trabalhando, lutando, triunfando, perseguindo — trezentos milhões de pessoas de rostos iguais. A realidade eram cidades
precárias se decompondo, nas quais pessoas subalimentadas se arrastavam de um lado para o outro em seus sapatos furados
no interior de casas do século XIX com reformas improvisadas, sempre cheirando a repolho e a banheiros degradados. [...]
ORWELL, George. 1984. São Paulo: Companhia
das Letras, 2009. p. 93.
Cultura e ideologia 17
b) É possível afirmar que esse trecho apresenta um exemplo de como a ideologia funciona? Por quê?
Sim, no sentido da produção de um discurso que sempre altera a realidade em favor de quem o produz. E é exatamente essa a reflexão do
personagem principal do livro 1984.
ANOTAÇÕES
18 Cultura e ideologia
2 Mesclando cultura
e ideologia
Objetivos: Vivemos em um mundo de comunicações: cotidianamente, entre outras atividades, vemos te-
levisão, fazemos pesquisas na internet, contatamos amigos por e-mail, mensagens instantâneas e sites
c Fornecer uma visão de relacionamento, ouvimos música em fones de ouvido enquanto andamos nas ruas, vemos filmes e
antropológica do propagandas, lemos jornais e revistas, escutamos rádio. Estamos mergulhados tanto na cultura como
conceito de cultura e na ideologia. Vamos tentar entender essa realidade à luz da Sociologia.
seu papel na análise
das sociedades
complexas.
DOMINAÇÃO E CONTROLE
Ao analisar a cultura e a ideologia, vários autores procuram demonstrar que esses dois conceitos
c Discernir os elementos não podem ser utilizados separadamente, pois há uma profunda relação entre eles, sobretudo no
essenciais do conceito que diz respeito ao processo de dominação nas sociedades capitalistas.
de ideologia e O pensador italiano Antonio Gramsci (1891-1937) analisa essa questão com base no conceito
compreender como de hegemonia (palavra de origem grega que significa “supremacia”, “preponderância”) e no que ele
ela permeia nosso chama de aparelhos de hegemonia.
cotidiano.
Por hegemonia pode-se entender o processo pelo qual uma classe dominante consegue que
seu projeto seja aceito pelos dominados, desarticulando a visão de mundo autônoma de cada grupo
potencialmente adversário. Isso é feito por meio dos aparelhos de hegemonia, que são instituições
no interior do Estado ou fora dele, como o sistema escolar, a igreja, os partidos políticos, os sindicatos
e os meios de comunicação. Nesse sentido, cada relação de hegemonia é sempre pedagógica, pois
envolve uma prática de convencimento, de ensino e aprendizagem.
Para Gramsci, uma classe se torna hegemônica quando, além do poder coercitivo e policial,
utiliza a persuasão, produz o consenso, que é desenvolvido mediante um sistema de ideias muito
bem elaborado por intelectuais a serviço do poder, para convencer a maioria das pessoas. Por esse
processo, cria-se uma “cultura dominante efetiva”, que deve penetrar no senso comum de um povo,
com o objetivo de demonstrar que a visão de mundo daquele que domina é a única possível.
A ideologia não é o lugar da ilusão e da mistificação, mas o espaço da dominação, que não se
estabelece somente com o uso legítimo da força pelo Estado, mas também pela direção moral e
intelectual da sociedade como um todo, baseada nos elementos culturais de cada povo.
ANGELI
Mas Gramsci aponta também a possibilidade de haver um processo de contra-hegemonia, de-
senvolvido por intelectuais orgânicos, vinculados à classe trabalhadora, na defesa de seus interesses.
Contrapondo-se à inculcação dos ideais burgueses por meio da escola, dos meios de comunicação
de massa etc., eles combatem nessas mesmas frentes, defendendo outra forma de “pensar, agir e
sentir” na sociedade em que vivem.
O sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002) desenvolveu o conceito de violência simbólica
para identificar formas culturais que impõem e fazem que aceitemos como normal (como verdade
que sempre existiu e não pode ser questionada) um conjunto de regras não escritas nem ditas. Ele
usa a palavra grega doxa (que significa “opinião”) para designar esse tipo de pensamento e prática SOCIOLOGIA
social estável, tradicional, em que o poder aparece como natural.
Dessa ideia nasce o que Bourdieu define como a naturalização da história, condição em que
os fatos sociais, independentemente de ser bons ou ruins, passam por naturais e tornam-se uma
“verdade” para todos. Um exemplo evidente é a dominação masculina, vista em nossa sociedade
como algo “natural”, já que as mulheres são “naturalmente” mais fracas e sensíveis e, portanto, devem
Cultura e ideologia 19
Televisão e ideologia
[…] Em primeiro lugar, compreendo “televisão como ideologia” […], ou seja, a tentativa de incutir nas pessoas uma falsa
consciência e um ocultamento da realidade, além de, como se costuma dizer tão bem, procurar-se impor às pessoas um conjunto
de valores como se fossem dogmaticamente positivos […]. Além disto, contudo, existe ainda um caráter ideológico-formal da
televisão, ou seja, desenvolve-se uma espécie de vício televisivo em que por fim a televisão, como também outros veículos de
comunicação de massa, converte-se pela sua simples existência no único conteúdo de consciência, desviando as pessoas por meio
da fartura de sua oferta daquilo que deveria se constituir propriamente como seu objeto e sua prioridade. […]
[…] Contudo quero destacar também o que considero ser o perigo específico. […] Trata-se dessas situações inacredita-
velmente falsas, em que aparentemente certos problemas são tratados, discutidos e apresentados […]. Tais problemas são
ocultos sobretudo na medida em que parece haver soluções para todos esses problemas, como se a amável vovó ou o bondoso
tio apenas precisassem irromper pela porta mais próxima para novamente consertar um casamento esfacelado. Eis aqui o ter-
rível mundo dos modelos ideais de uma “vida saudável”, dando aos homens uma imagem falsa do que seja a vida de verdade,
e que além disto dando a impressão de que as contradições presentes desde os primórdios de nossa sociedade poderiam ser
superadas e solucionadas no plano das relações inter-humanas, na medida em que tudo dependeria das pessoas. […]
ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. p. 79-84.
20 Cultura e ideologia
Cultura e ideologia 21
O UNIVERSO DA INTERNET
A internet originou-se de um projeto militar desenvolvido nos Estados Unidos, na década de
1960. Naquele período, questionava-se como as autoridades estadunidenses poderiam comunicar-se
caso houvesse uma guerra nuclear. Se isso acontecesse, toda a rede de comunicações poderia ser
destruída e haveria necessidade de um sistema sem controle central, baseado numa rede em que a
informação circularia sem uma autoridade única.
Assim nasceu um sistema no qual as informações são geradas em muitos pontos e não ficam
armazenadas em um único lugar, mas em todos os pontos de contato possíveis. Estes, por sua vez,
podem gerar informações independentes, de tal modo que, se fossem destruídos um ou mais pon-
tos, os outros continuariam retendo e gerando informações independentes. Posteriormente, esse
modelo foi utilizado para colocar em contato pesquisadores de diferentes universidades e acabou
22 Cultura e ideologia
ANOTAÇÕES
SOCIOLOGIA
Cultura e ideologia 23
ANGELA PRADA/FOLHAPRESS
Público de 80 mil pessoas assiste à filarmônica de Nova York no parque do Ibirapuera, em
São Paulo, SP, em junho de 2001: o prazer de ouvir uma peça musical tal qual foi concebida
pelo autor. Observe que o palco foi montado como uma reprodução da fachada do Theatro
Municipal da cidade de São Paulo, para passar a ideia de que se poderia nele estar.
Muitas pessoas não apreciam música sinfônica, pois normalmente a obra é longa, mas gostam de um ou outro trecho mais conhe-
cido. Podem então ouvir a sinfonia de Mozart no rádio ou comprar um CD com uma parte dela. Há, nesse caso, mais um corte das
possibilidades iniciais. Esse CD pode ser ouvido em casa ou no carro, e em cada caso as sensações serão diferentes. Se a opção for
comprar um CD com os movimentos mais conhecidos interpretados por apenas um pianista, a sensação será ainda outra.
O indivíduo que adquire e ouve esse último CD pode achar que está apreciando uma obra de Mozart, mas o que ele tem em mãos
— as partes que “comprou” — é algo bem diferente da obra original.
Observa-se fato semelhante quando uma obra literária de grande expressão, como a de Machado de Assis, por exemplo, é reduzi-
da a pedaços ou a resumos, como os difundidos nos cursinhos para que os alunos obtenham alguma informação que lhes permita
resolver as questões propostas nos vestibulares. Eles não terão o conhecimento ou a sensação que decorre da leitura integral de
um livro desse autor, mas até poderão “achar” que leram e conhecem Machado de Assis, quando apenas tiveram contato com
resumos e pedaços desconectados de uma obra. Esses alunos consumirão um sanduíche quando poderiam saborear com prazer
um jantar bem elaborado.
1 Com base em suas vivências e observações, identifique produtos da indústria cultural resultantes da fragmentação ou da desca-
racterização de obras de arte.
2 A indústria cultural, principalmente por meio da televisão e da internet, procura formar futuros clientes para os produtos de seus
patrocinadores, incentivando desejos e necessidades que parecem naturais. Aponte exemplos disso em seu cotidiano.
24 Cultura e ideologia
1 Em relação ao papel dos meios de comunicação no processo de dominação nas sociedades capitalistas, analise uma das mídias
abaixo, com base nas questões a seguir.
Mídias: Seria interessante que os alunos apoiassem e fundamen-
tassem suas respostas em exemplos concretos retirados
— Televisão (programa, comercial, novela, filme). desses meios de comunicação. Essa questão não mobiliza
— Impressos (revista, jornal, outdoor). apenas os conceitos sociológicos estudados. Por exemplo,
— Internet (sites, blogs). a análise da linguagem empregada por esses meios de co-
municação ao transmitir sua mensagem contribui enorme-
Questões: mente para responder às questões levantadas.
— Há uma “verdade” transmitida como única ou melhor para todos?
— Há distinção entre “cultos” e “incultos”?
— Visa apenas ao consumo e ao lucro?
— Ignora os conflitos e as desigualdades?
— As imagens contam mais que as palavras?
c) Considerando seus conhecimentos sobre os acontecimentos geopolíticos contemporâneos, é possível afirmar que a aproxima-
ção de culturas realiza-se de maneira harmoniosa? Por quê?
Para responder a essa questão, o aluno mobilizará seus conhecimentos prévios sobre aproximações culturais já ocorridas na História e contará
também com suas ponderações a respeito do que pode observar atualmente, na época da globalização. Perceberá que, ao longo da História, há
tanto conflitos quanto relações harmônicas entre as culturas. Além de conflitos étnicos, a aproximação de culturas diferentes está pautada pela
tensão entre, de um lado, a padronização cultural e, de outro, a resistência de culturas locais ao estrangeiro. O aluno poderá até retomar algumas
ideias do capítulo anterior, como o etnocentrismo, a pretensa superioridade de certas culturas sobre outras etc.
3 As manifestações culturais e opiniões dissonantes que vemos se multiplicarem pela internet podem ser consideradas uma forma SOCIOLOGIA
do que Gramsci chamou de contra-hegemonia?
Não se espera do aluno uma resposta conclusiva, bastando que levante hipóteses e se apoie em alguns exemplos. Um ponto importante a
considerar é se essas manifestações têm um caráter de movimento organizado de um grupo que pretende enfrentar uma ideologia dominante
ou resistir a ela, ou se são apenas manifestações que buscam seu lugar ao lado de outras já existentes, sem pretender “derrubá-las” (o que,
nesse último caso, não caracterizaria um processo de contra-hegemonia). É possível também ponderar que na internet há lugar para tudo: ma-
nifestações que podem ser caracterizadas como de contra-hegemonia e outras que simplesmente divulgam opiniões e visões diferentes, sem
maiores pretensões de transformação social.
Cultura e ideologia 25
3 Cultura e indústria
cultural no Brasil
Objetivos: A cultura no Brasil compreende uma quantidade e uma diversidade imensas de expressões
— como festas, danças, canções, esculturas, pinturas, gravuras, literatura (contos, romances, poesia,
c Discutir sobre o papel cordel), mitos, superstições, alimentação — presentes em nosso cotidiano e incorporadas ou não
da indústria cultural pela indústria cultural.
e suas relações com Essa diversidade foi estudada por Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), que registrou uma
as culturas erudita e amostra das expressões culturais brasileiras no Dicionário do folclore brasileiro, publicado em 1954.
popular. Outro estudioso do assunto foi Fernando de Azevedo (1894-1974), que apresentou no livro A cul-
c Compreendam as tura brasileira, publicado em 1943, um panorama de nossa cultura e uma análise histórica da vida
possíveis relações intelectual no Brasil. O trabalho desses dois autores, entre outros, ajuda-nos a entender a dificuldade
entre indústria cultural de formular uma única definição de cultura brasileira.
e ideologia.
O QUE CARACTERIZA NOSSA CULTURA?
Na América portuguesa, no século XVI, as culturas indígenas e africanas, apesar da presença
marcante, não eram reconhecidas pelos colonizadores e expressavam-se à margem da sociedade que
se constituía sob o domínio lusitano. Tal sociedade tinha como principal referência a cultura europeia.
O estudioso brasileiro Antonio Candido, em 1968, afirmou que “imitar, para nós, foi integrar,
foi nos incorporarmos à cultura ocidental, da qual a nossa era um débil ramo em crescimento. Foi
igualmente manifestar a tendência constante de nossa cultura, que sempre tomou os valores euro-
peus como meta e modelo”.
No entanto, se o colonizador e, depois, imigrantes de distintas origens forneceram elementos
essenciais para a construção de uma cultura difusa, esta não pode ser compreendida sem suas raízes
indígenas e africanas, que impregnaram o cotidiano brasileiro, influenciando a arquitetura, a comida,
a vestimenta, a dança, a pintura, a música etc.
Casal de mestre-sala e porta-bandeira
Na música brasileira, por exemplo, encontramos uma variedade imensa de ritmos, que são puros
no carnaval carioca de 2011: uma ou misturados, cópias ou (re)elaborações constantes, invenções e inovações, com os mais diversos
representação da nobreza europeia do instrumentos, sejam eles extremamente simples e artesanais, sejam sofisticados e eletrônicos. Pode-
século XVIII. mos citar, por exemplo, o lundu, a modinha, o choro, o
maxixe, o samba (e suas vertentes, como samba-can-
ção, samba-exaltação, samba de carnaval), a marcha, o
frevo, o baião, a valsa, a valsinha, o acalanto, a lambada,
o pagode, o samba-reggae, a axé music, a tchê music, o
mangue bit, a cantiga infantil, a música erudita, a ópera,
a música contemporânea, além de ritmos estrangeiros
como rock, blues, jazz, rap, fox, bolero e tango.
Prosseguindo com o exemplo da música e lem-
brando que a cultura é o resultado de um trabalho (é
uma obra), pode-se observar que o trabalho cultural
brasileiro é desenvolvido tanto por iletrados, sem ne-
nhuma formação musical, como por músicos com for-
mação clássica, conhecidos ou anônimos. A produção
musical brasileira tem traços de origem marcadamente
africana, indígena, sertaneja e europeia (sem classificar
o que é mais ou menos importante, simples ou com-
WAGNER MEIER/AE
26 Cultura e ideologia
SOCIOLOGIA
Cultura e ideologia 27
JOÃO WAINER/FOLHAPRESS
Radialista em emissora
clandestina na zona sul
de São Paulo, em 2007.
28 Cultura e ideologia
modo de andar, o modo de visitar e ser visitado, as romarias, as promessas, as festas de padroeiro, o modo de criar galinha e
porco, os modos de plantar feijão, milho e mandioca, o conhecimento do tempo, o modo de rir e de chorar, de agredir e de
consolar…
[...]
Bosi, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 320-324.
Cultura e ideologia 29
A TELEVISÃO BRASILEIRA
A televisão chegou ao Brasil no início da década de 1950, quando o jornalista Assis Chateau-
briand inaugurou a primeira emissora brasileira, a TV Tupi, de São Paulo. No início, a emissora contava
com a assessoria de técnicos estadunidenses e com profissionais oriundos das redes de rádio. Ela
expandiu-se e, em 1955, já havia estações dos Diários e Emissoras Associadas (nome do grupo de
Chateaubriand) no Rio de Janeiro, em Porto Alegre, em Curitiba, em Salvador, em Recife, em Campina
Grande, em Fortaleza, em São Luís, em Belém, em Goiânia e em Belo Horizonte. Assim, nos primeiros
20 anos de história, a rede de Chateaubriand liderou o mercado de televisão, mas enfrentou a con-
corrência de outras emissoras praticamente desde o início da empreitada.
Depois da implantação da TV Tupi, foram inauguradas a TV Paulista, em 1952, a Record, de São
Paulo, em 1955, a TV Itacolomi, de Belo Horizonte, e a TV Rio, em 1958. Isso não significou, entre-
tanto, uma grande expansão junto ao público: em 1960, em apenas 4,6% dos domicílios brasileiros
havia aparelho de televisão, a maioria deles no Sudeste, o que correspondia a 12,44% dos domicílios
da região. Veja, no quadro a seguir, a evolução da quantidade de casas brasileiras com televisores.
30 Cultura e ideologia
A programação da televisão
A televisão é, no Brasil, o principal veículo de difusão cultural e de informação. Apesar de o rádio
ter maior abrangência, principalmente por causa do baixo custo e do pequeno porte dos aparelhos, a
televisão atinge quase a totalidade do território nacional. Os produtos que ela desenvolve de alguma
forma definem o que é importante e o que não é, ou seja, o gosto, a sexualidade, a opção política, o
desejo de consumo e outros sentimentos são promovidos prioritariamente pela televisão comercial.
A influência da televisão pode ser facilmente constatada nas conversas do dia a dia, nas quais se SOCIOLOGIA
observa a frequente adoção de gírias, expressões e gracejos criados por personagens dos programas
de maior audiência.
Essa influência é bastante preocupante, pois existem graves problemas relacionados à infor-
mação e à formação de opinião. Há, por exemplo, programas de crônica urbana e policial nos quais
julgamentos são feitos sem nenhuma possibilidade de revisão. Alguns deles apresentam e analisam
(sem pesquisar) os fatos, e normalmente formulam um veredicto para os casos policiais, ou seja, fa-
zem julgamento precipitado e muitas vezes errado. Outros reconstituem casos criminais (assassinatos,
Cultura e ideologia 31
32 Cultura e ideologia
Público crítico
[...] O melhor modo de controlar os excessos da TV é ter um público que seja crítico. E o único modo de tê-lo é fazendo
que ele conheça os vários meios — que seja alfabetizado em livros, em jornais, em rádio, em computação, em artes.
A própria TV, a TV boa, como a cultural, ou os nichos de inteligência que há nos canais comerciais, pode ajudar nisso.
Não precisa dar aulas. Mas pode aprofundar questões, mostrar dois lados da mesma situação, dar a seu público um pouco do
grande patrimônio mundial. Pode também vencer seu complexo de inferioridade e parar de falar mal da “velha” mídia, dos
livros e bibliotecas. Há lugar para tudo na cultura, e só ganha quem aposta em tudo.
RIBEIRO, Renato Janine. O afeto autoritário: televisão, ética e democracia. Cotia: Ateliê Editorial, 2004. p. 35.
Proporção de domicílios com acesso à internet no Brasil — 2008-2010 (%) equipamento inacessível.
20
Charge de Laerte.
Urbana 27
31
Área
4
Rural 6
6 2008
25
Sudeste 33
36 2009
7
Nordeste 10
11
2010
Região
20
Sul 29
30
7
Norte 10
14
21
Centro-Oeste 25
33
91 Fonte: Barbosa, Alexandre F. (coord.). Pesquisa sobre o uso
A 90
das tecnologias de informação e comunicação no Brasil: TIC
90
58
Domicílios e TIC Empresas 2010. São Paulo: Comitê Gestor da
Classe
B 64
65
C
16
21 Internet no Brasil, 2011. p. 145. Disponível em: <http://op.ceptro.
24
1 br/cgi-bin/indicadores-cgibr-2010?pais=brasil&estado=pr&a
DE 3
3 cademia=academia&age=mais-de-60-anos&education=pos-
0 20 40 60 80 100 doutorado&purpose=pesquisa-academica>. Acesso em: 21 set. 2012.
Há muito a fazer para que a maior parte da população tenha pleno acesso à internet. Mas acesso
não significa democratização; é apenas um passo para que isso aconteça.
Como vimos, boa parte da trajetória da indústria cultural no Brasil se desenvolveu à sombra de SOCIOLOGIA
governos autoritários ou sob regras rígidas, que não permitiram sua democratização até os dias de
hoje, mas sempre houve brechas nas quais foi possível veicular conteúdos críticos e de boa qualidade.
Autores e atores, jornalistas e comentaristas demonstraram, por meio de filmes, novelas e debates,
que não há espaço totalmente controlado. A própria concorrência entre os meios de comunicação
muitas vezes propicia a veiculação de produtos que instigam a reflexão sobre a situação nacional.
Nesse processo, a internet caracteriza-se como um meio que proporciona uma liberdade sem
igual. Pode-se dizer, assim, que existe um potencial de liberdade em cada meio de comunicação e,
principalmente, na internet, que nenhum sistema de dominação pode conter ou calar.
Cultura e ideologia 33
Antes o mundo não existia verdadeiro ele passa a fazer parte do acervo dos nossos
[...] cantos. Mas um engenheiro florestal olha a floresta e cal-
Quando eu vejo as narrativas, mesmo as narrativas cula quantos milhares de metros cúbicos de madeira ele
chamadas antigas, do Ocidente, as mais antigas, elas sem- pode ter. Ali não tem música, a montanha não tem humor,
pre são datadas. Nas narrativas tradicionais do nosso povo, e o rio não tem nome. É tudo coisa. Essa mesma cultura,
das nossas tribos, não tem data, é quando foi criado o essa mesma tradição, que transforma a natureza em coisa,
fogo, é quando foi criada a Lua, quando nasceram as es- ela transforma os eventos em datas, tem antes e depois.
trelas, quando nasceram as montanhas, quando nasceram Data tudo, tem velho e tem novo. Velho geralmente é algo
os rios. Antes, antes, já existe uma memória puxando o que você joga fora, descarta, o novo é algo que você ex-
sentido das coisas, relacionando o sentido dessa fundação plora, usa. Não há reverência, não existe o sentido das
do mundo com a vida, com o comportamento nosso, com coisas sagradas. Eu fiquei com medo. Eu fiquei pensando:
aquilo que pode ser entendido como o jeito de viver. Esse e agora?
jeito de viver que informa nossa arquitetura, nossa medi- Parecia que eu estava vendo um grande granito pa-
cina, a nossa arte, as nossas músicas, nossos cantos. rado na minha frente . Eu não podia olhar. Fiquei muitos
Nós não temos uma moda, porque nós não podemos dias sem graça até que eu ganhei um sonho. Ganhei um
inventar modas. Nós temos tradição, e ela está fincada em sonho desses que eu falei com vocês que não é só uma
uma memória da antiguidade do mundo, quando nós nos impressão de estar vendo coisas dormindo. Mas para nós
fazemos parentes, irmãos, primos, cunhados, da montanha o sonho é um sonho de verdade [...]. Você toma, aprende
que forma o vale onde estão nossas moradias, nossas vidas, como se estivesse dentro de um rio. Este rio, você fica
nosso território. Aí, onde os igarapé, as cachoeira, são nos- olhando ele, depois você volta, aí você olha. Não é o
sos parentes, ele está ligado a um clã, está ligado a outro, mesmo rio que você está vendo, mas é o mesmo. Porque
ele está relacionado com seres que são aquilo que chama- se você fica olhando o rio, a alma dele está correndo,
ria de fauna, está ligado com os seres da água, do vento, passando, passando... mas o rio está ali. Então ele é sem-
do ar, do céu, que liga cada um dos nossos clãs, e de cada pre, ele não foi, é sempre. Não existiu uma criação do
um das nossas grandes famílias no sentido universal da mundo e acabou! Todo instante, todo momento, o
criação. [...] tempo todo é a criação do mundo. [...]
KRENAK, Ailton. Antes o mundo não existia. In: NOVAES, Adauto (org.). Tempo
Alguns anos atrás, quando eu vi o quanto que a ciên- e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 202-203.
cia dos brancos estava desenvolvida, com seus
aviões, máquinas, computadores, mísseis, eu fiquei um
pouco assustado. Eu comecei a duvidar que a tradição do
O que esse tipo de visão de mundo pode ensinar para as
meu povo, que a memória ancestral do meu povo, pudes-
pessoas que vivem em nossa sociedade, no século XXI?
se subsistir num mundo dominado pela tecnologia pesada,
concreta. E que talvez a gente fosse um povo como a folha
que cai. E que a nossa cultura, os nossos valores, fossem
muito frágeis para subsistirem num mundo preciso, práti-
Estragou a televisão
co: onde os homens organizam seu poder e submetem a — Iiiih...
natureza, derrubam as montanhas. Onde um homem olha — E agora?
uma montanha e calcula quantos milhões de toneladas de — Vamos ter que conversar.
cassiterita, bauxita, ouro ali pode ter. Enquanto meu pai, — Vamos ter que o quê?
meu avô, meus primos olham aquela montanha e veem o — Conversar. É quando um fala com o outro.
humor da montanha e veem se ela está triste, feliz ou — Fala o quê?
ameaçadora, e fazem cerimônia para a montanha, cantam — Qualquer coisa. Bobagem.
para ela, cantam para o rio... mas o cientista olha o rio e — Perder tempo com bobagem?
calcula quantos megawatts ele vai produzir construindo — E a televisão, o que é?
uma hidrelétrica, uma barragem. — Sim, mas aí é a bobagem dos outros. A gente só
Nós acampamos no mato, e ficamos esperando o ven- assiste. Um falar com o outro, assim, ao vivo... Sei não...
to nas folhas das árvores, para ver se ele ensina uma can- — Vamos ter que improvisar nossa própria bobagem.
tiga nova, um canto cerimonial novo, se ele ensina, e você — Então começa você.
ouve, você repete muitas vezes esse canto, até você apren- — Gostei do seu cabelo assim.
der. E depois você mostra esse canto para os seus parentes, — Ele está assim há meses, Eduardo. Você é que não
para ver se ele é reconhecido, se ele é verdadeiro. Se ele é tinha...
34 Cultura e ideologia
Cultura e ideologia 35
portuguesa do que às influências indígenas e africanas. 2 Acerca do rádio no Brasil durante a primeira metade do sécu-
lo XX, leia o texto a seguir e responda à questão.
Leia a seguir dois trechos dele e responda às questões.
Os objetivos de controlar a informação e de promover a ima-
Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economica-
gem do governo Vargas não nasceram com o Estado Novo,
mente. Filosoficamente.
tendo sido vislumbrados desde os primeiros tempos, quando
[...]
em 1931 foi criado o Departamento Oficial de Publicidade.
Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei
Não parece ser estranho a essa iniciativa o surgimento de
do antropófago.
canções populares exaltando a figura de Getúlio, dentre as
ANDRADE, Oswald de. Manifesto Antropófago.
Disponível em: <www.lumiarte.com>. Acesso em: nov. 2013. quais se destaca “Gê-Gê (seu Getúlio)”, de Lamartine Babo,
composta em 1931 e cantada por Almirante, com estes ver-
a) Obviamente, a antropofagia está sendo usada como uma sos de abertura:
metáfora nesses trechos. Considerando a influência dos di- Só mesmo com revolução,
versos povos e etnias na formação cultural do Brasil, como graças ao rádio e ao parabelo,
se pode entender o uso da ideia de antropofagia para des- nós vamos ter transformação
crever a cultura brasileira? neste Brasil verde e amarelo.
A ideia de Oswald é apresentar a cultura brasileira como uma mistu- FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso.
ra de várias culturas, ideia essa que, por mais normal que possa ser São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 116.
atualmente, representava uma grande ruptura com as ideias sobre
o Brasil do começo do século XX, principalmente por dar valor às
Quanto ao uso dos meios tecnológicos de comunicação,
culturas das sociedades indígenas e africanas que aqui estavam
e vieram. Assim, a noção de antropofagia, usada como metáfora, quais características do governo de Getúlio Vargas permitem
denota a capacidade da cultura brasileira de assimilar tudo o que ao compositor da canção citada se referir ao rádio como um
vem de fora e, num processo de síntese, formar sua própria cultura instrumento de transformação?
com base na mistura. Se a maioria das identidades nacionais se
É importante ressaltar que o governo de Getúlio Vargas, quando esta-
forma na escolha de elementos únicos, que geralmente excluem
beleceu na propaganda política um de seus pilares de atuação, teve
inúmeras tradições culturais manifestadas em tal país, o Brasil, na
que estimular a consolidação do rádio no país, esse meio de comu-
visão de Oswald, marca sua cultura como constantemente plural e
nicação que podia ser facilmente compreendido por analfabetos, a
inclusiva do outro.
maioria da população brasileira na época. Para tanto, Getúlio permitiu
b) Cite uma manifestação cultural brasileira (musical, artís- seu uso como veículo publicitário. Essa mudança atrai dinheiro, gera
a concorrência e impulsiona o crescimento do rádio. As características
tica, gastronômica, esportiva, de festas populares, entre
da programação sofrem grandes mudanças, passando do erudito ao
outras) que possa exemplificar a concepção de cultura popular e buscando levar às pessoas lazer e diversão. Popularizando
brasileira expressa no Manifesto Antropófago. Explique o rádio no Brasil, Getúlio soube utilizá-lo como instrumento de pro-
por que escolheu tal exemplo. moção das supostas virtudes transformadoras do seu governo, bem
como para silenciar as vozes opositoras. Ou seja, soube usar o rádio
como instrumento ideológico.
36 Cultura e ideologia
Cultura e ideologia 37
38 Cultura e ideologia
ANOTAÇÕES
SOCIOLOGIA
Cultura e ideologia 39
Praticamente vestido
com as cores da
bandeira dos Estados
Unidos, o kryptoniano
Super -Homem utiliza
seus superpoderes para
proteger a humanidade.
Os enredos que
protagoniza deixam
claro que esse
empenho é fruto de uma
formação fundamentada
nos mais tradicionais
valores da sociedade
William Moulton Marston era um psicólogo
estadunidense.
militante do movimento feminista e criou a
personagem com o intuito de trabalhar os
valores de igualdade entre homens e mulheres.
Não por coincidência ela rapidamente alcançou
bastante sucesso no mesmo ano em que os
Estados Unidos entraram na Segunda Guerra
(1941) e as mulheres foram convocadas a
O personagem Tony Stark ocupar os postos de trabalho dos homens
Courtesy Everett Collection/Grupo Keystone
básica no capitalismo
industrial. Suas fábricas Usado na
vendem armas ao Segunda Guerra
G Mundial
governo estadunidense, como uma re representação do
ainda que a armadura
patriotismo e ddo heroísmo
seja de uso exclusivo seu.
O Homem de Titânio era o estadunidense nan luta contra o
seu contraponto socialista, nazismo.
criado para ser o Até hoje su
suas histórias
personagem da União envolv
envolvem conflitos com
Soviética, antagônico naz
nazistas, neonazistas e
política e ideologicamente or
organizações racistas
ao herói dos Estados e c
conservadoras.
Unidos, nos anos 1960 e
1970. Nas histórias de
Photos 12 - Cinema/Archives du 7e Art/
norte-americano levava a
melhor.
Homer Simpson é impulsivo, egoísta, preconceituoso, preguiçoso, com péssimos hábitos de saúde; ao
mesmo tempo, é extremamente leal, bonachão, patriota, fiel à esposa e dedicado à família. Trata-se de um
personagem ambíguo: ao mesmo tempo que satiriza a sociedade estadunidense, contribui para tornar
m o de
aceitáveis, por meio d sua
su simpatia e comicidade, alguns dos valores e comportamentos dessa sociedade.
40 Cultura e ideologia
Televisão e sexualidade
O autor de novelas Agnaldo Silva, ao responder se o bombardeio de sexo na televisão aberta pode, de alguma maneira, estimu-
lar a sexualidade precoce nas crianças, escreveu o seguinte:
Não é só na TV aberta. No Brasil, houve um momento em que esse negócio de sexo exacerbou de tal maneira que
as meninas de 12 anos agora são moças! [...] É uma coisa pavorosa, porque você vê crianças com um apelo sexual incrí-
vel! Está errado! Isso foi uma mudança cultural no Brasil dos anos 1980 para cá que ainda não foi devidamente estudada
pelos antropólogos e sociólogos de plantão, que estão mais preocupados com a política do que com qualquer outra coi-
sa e não percebem que isso também é política. [...] A brasileira não é diferente de nenhuma outra mulher do mundo, mas
a levaram a acreditar que ela é um vulcão de sensualidade, e agora a maioria se comporta como tal. Vi em várias ocasiões
pais que incentivavam filhas de 7 anos a dançar na boquinha da garrafa! Essas coisas estão na TV, nas revistas, em todos
os lugares! Aonde é que vamos parar? Foi por isso que botei aquela personagem adolescente grávida na novela, porque
passei três vezes na frente de uma maternidade do Estado e vi que na fila das grávidas, onde havia umas 30 mulheres,
pelo menos 20 eram adolescentes, e pelo menos duas não teriam mais que 11 anos. Todas lá, com o barrigão de fora,
como se dissessem com orgulho “olha até onde me levou a minha sensualidade!”.
SILVA, Agnaldo. In: DANNEMANN, Fernanda. A próxima atração. Cult: Revista Brasileira de Literatura. São Paulo: Bregantini, n. 91, abr. 2005, p. 8-11.
TV GLOBO/GIANNE CARVALHO
1 Em sua opinião, a situação descrita por Agnaldo Silva é apenas uma visão pessoal ou é algo concreto, que pode ser observado
no cotidiano?
2 Como os programas de televisão dedicados às crianças podem influenciar o comportamento delas em relação às questões
SOCIOLOGIA
3 Ao explorar cenas de sexo, as novelas formam uma visão distorcida da vida sexual do brasileiro? Que interesse haveria em cons-
truir a imagem da mulher brasileira como “um vulcão de sensualidade”?
Cultura e ideologia 41
Percentual dos municípios brasileiros que possuem equipamentos culturais e meios de comunicação,
segundo o tipo (1999-2009)
Equipamentos culturais e meios
1999 2001 2006 2009
de comunicação
Bibliotecas públicas 76,3 78,7 89,1 93,2
Cinemas 7,2 7,5 8,7 9,1
Teatros ou salas de espetáculos 13,7 18,8 21,2 21,1
Museus 15,5 17,3 21,9 23,3
Estações de rádio AM 20,2 20,6 21,2 21,3
Estações de rádio FM 33,9 38,2 34,3 35
Livrarias 35,5 42,7 30 28
Provedores de internet 16,4 22,7 45,6 55,6
Unidades de ensino superior - 19,6 39,8 38,3
Videolocadoras 63,9 64,1 82 69,5
Estádios e ginásios esportivos 65,0 75,9 82,4 86,6
Lojas de disco, CDs, fitas e DVDs 34,4 49,2 59,8 44,9
FONTE: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). SALA DE IMPRENSA. PERFIL DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS — CULTURA 2006.
IBGE INVESTIGA A CULTURA NOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS. DISPONÍVEL EM: <WWW.IBGE.GOV.BR/HOME/PRESIDENCIA/NOTICIAS/NOTICIA_VISUALIZA.
PHP?ID_NOTICIA=980>; PERFIL DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS 2009. DISPONÍVEL EM: <WWW.IBGE.GOV.BR/HOME/ESTATISTICA/ECONOMIA/PERFILMU-
NIC/2009/TABELAS_PDF/TABELA_MUNIC_84.PDF>. ACESSOS EM: 21 SET. 2012.
1 Analise o quadro com base nos conceitos de cultura popular, de cultura erudita e de indústria cultural.
2 Quais são as alternativas para haver democratização dos meios de comunicação de massa no Brasil?
PARA
PARA PESQUISAR
PRATICAR
1 Junte-se a alguns colegas. Selecionem uma ou mais peças publicitárias (cartaz, outdoor, propaganda de rádio ou televisão,
anúncio de jornal, revista ou clipe na internet) e indiquem os elementos presentes no material pesquisado que contribuem
para a padronização de opiniões, gostos ou comportamentos. Se for possível, convidem um profissional de comunicação para
fazer a análise dos anúncios.
2 Escolha uma novela que esteja em exibição na TV e destaque alguns elementos do enredo que possam introduzir a discussão
de um problema social. Destaque, também, alguns preconceitos que estão presentes, mesmo que veladamente, nessa novela.
42 Cultura e ideologia
EDITORA BRASILIENSE
EDITORA PERSEU ABRAMOCidadania cultural. O direito à rardo P. Guimarães Rocha. São Pau-
cultura, de Marilena Chaui. São lo: Brasiliense.
Paulo: Perseu Abramo. Nesse livro, o autor explica de modo
A filósofa e historiadora Marilena claro o conceito de etnocentrismo,
Chaui faz uma reflexão a respeito além de analisar os muitos cami-
da democratização da cultura e nhos que a antropologia percorreu
do direito à memória, avaliando na busca da superação dessa visão
as condições de produção e di- de mundo.
fusão culturais. A autora destaca
a dimensão crítica e reflexiva do O que é ideologia, de Marilena
EDITORA BRASILIENSE
pensamento das artes e analisa e questiona a concepção Chaui. São Paulo: Brasiliense.
instrumental da cultura própria da sociedade capitalista. A leitura não é muito simples, mas,
se for bem orientada, poderá ser
Culturas da rebeldia. A juventu- compensadora. Dos gregos, passan-
EDITORA SENAC
Cultura e ideologia 43
16-08236 CDD-301
Impressão e acabamento
Uma publicação
44 Cultura e ideologia
MUDANÇA SOCIAL
1 Mudança social e sociologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
A mudança social para os clássicos da Sociologia . . . . . .4
Outras análises sociológicas sobre a mudança social . . .8
2 Mudança e revolução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
Grandes processos de transformação de
alcance mundial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .14
Revoluções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .16
3 A mudança social no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
Duas “revoluções” no Brasil do século XX . . . . . . . . . . .27
“Modernização conservadora” . . . . . . . . . . . . . . . . . . .29
Mudanças nos últimos anos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .31
Conexão de saberes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
Leituras e atividades. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
Apêndice | História da Sociologia: pressupostos,
origem e desenvolvimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
2137659 (PR)
Objetivos: A Sociologia nasceu da crise provocada pela desagregação do sistema feudal e pelo surgimento
do capitalismo. As transformações decorrentes desse processo abalaram todos os setores da socieda-
c Compreender que a de europeia e depois atingiram a maior parte do mundo. Muitos autores se esforçaram para entender
Sociologia nasceu e o que estava ocorrendo.
se desenvolveu em
momentos de crise e
mudança social.
A MUDANÇA SOCIAL PARA OS CLÁSSICOS DA
SOCIOLOGIA
c Demonstrar que
As transformações e crises nas diversas sociedades constituem um dos principais objetos da
determinadas
Sociologia. No século XIX, uma das ideias que orientavam as discussões sobre esse tema era a de
sociedades devem ser
progresso. Conforme o sociólogo estadunidense Robert Nisbet (1913-1996), a ideia de progresso
vistas como ideais a
tinha raízes no pensamento grego e, desde a Antiguidade, esteve presente no imaginário de todas
atingir.
as sociedades, mas no século XVIII, com o surgimento do Iluminismo, e no XIX ela ocupou um lugar
c Mostrar que as destacado e permeou o pensamento da maioria dos autores clássicos da Sociologia.
sociedades não
puderam transformar- Auguste Comte (1798-1857)
se por causa Auguste Comte foi um dos pensadores do século XIX que mais influenciaram o pensamento
da relação de social posterior. Desde cedo, ele rompeu com a tradição familiar, monarquista e católica, tornou-se
dependência existente republicano, adotando as ideias liberais, e passou a desenvolver uma atividade política e literária que
entre as colônias e as lhe permitiu elaborar uma proposta para resolver os problemas da sociedade de sua época.
metrópoles. Sua obra está permeada pelos acontecimentos da França pós-revolucionária. Defendendo sem-
pre o espírito da Revolução Francesa de 1789 e criticando a restauração da monarquia, Comte se
preocupou fundamentalmente com a relação entre a ordem social e a mudança ou progresso.
Para Comte, o progresso se fundamenta na qualidade e na quantidade de conhecimentos das
sociedades. Com base nisso, ele afirmou que a humanidade percorreu três estágios no processo da
evolução do conhecimento:
Primeiro estágio — teológico. As pessoas atribuíam a entidades e forças sobrenaturais as respon-
sabilidades pelos acontecimentos. Essas entidades podiam ser os espíritos dos objetos, animais e
plantas (fetichismo), vários deuses (politeísmo) ou um deus único e onipotente (monoteísmo).
Segundo estágio — metafísico. Nesse estágio, as entidades sobrenaturais foram substituídas por
ideias e causas abstratas e, portanto, racionais. Seria o momento da Filosofia.
Terceiro estágio — positivo. Correspondeu à era da ciência e da industrialização, na qual se invo-
caram leis com base na observação empírica, na comparação e na experiência. Seria o momento
da Sociologia.
Em termos sociológicos, Comte dividiu seu sistema em dois campos: o da estática (ordem) e
o da dinâmica (progresso). Ao estabelecer a relação entre ambos, destacou a ideia de que toda mu-
dança deveria estar condicionada pela manutenção da ordem social. Nesse sentido, sua opção era
conservadora, pois admitia a mudança (progresso), mas limitava-a a circunstâncias que não alteras-
sem profundamente a situação vigente (ordem). A expressão que pode resumir bem seu pensamento
é: “nem restauração nem revolução”, isto é, não devemos voltar à situação feudal nem almejar uma
sociedade diferente desta em que vivemos.
Para nós, brasileiros, a relação entre estática e dinâmica social proposta por Comte é muito clara,
pois, desde a instauração da República, assumiu-se no país o lema positivista “ordem e progresso”,
que norteia as ações dos que dominam nossa sociedade.
4 Mudança social
Mudança social 5
6 Mudança social
Teorias da modernização
As teorias da modernização baseiam-se no pressuposto de que as sociedades partem de um
estágio inicial, considerado tradicional, para um estágio superior, considerado moderno, em uma
escala de aperfeiçoamento contínuo.
Essas teorias utilizam alguns elementos das análises de Émile Durkheim e de Max Weber, mas
procuram dar-lhes uma nova roupagem. De acordo com essas teorias, as sociedades são tradicionais
ou modernas conforme as características que as identificam. O padrão de modernidade é dado
pelas sociedades norte-americanas — do Canadá e dos Estados Unidos — e pelas europeias oci-
dentais — principalmente da França, da Inglaterra e da Alemanha.
Vários sociólogos dos Estados Unidos, como Talcott Parsons (1902-1979), David McClelland
(1917-1998) e Everett E. Hagen (1906-1986), e também o ítalo-argentino Gino Germani (1911-1979),
utilizaram esquemas muito parecidos para caracterizar cada tipo de sociedade.
De acordo com esses sociólogos, a mudança social ocorreria quando os indivíduos e os gru-
pos — isto é, as sociedades — deixassem as características tradicionais e passassem a internalizar as
modernas. Assim, desde que os valores tradicionais fossem superados, ocorreria a evolução social
modernizante.
De acordo com as críticas mais gerais, as teorias da modernização são etnocêntricas, pois têm
como referência as sociedades consideradas desenvolvidas economicamente e com determinado
8 Mudança social
Tradicionais Modernas
Particularismo Universalismo
Orientação para a atribuição Orientação para a realização
Difusão funcional Especificidade funcional
Pouca motivação para o desempenho Muita motivação para o desempenho
Nenhuma abertura à experiência Grande abertura à experiência
Hierarquia profissional Especialização profissional
Pouca imaginação criadora Muita imaginação criadora
Pequena mobilidade social Grande mobilidade social
Resistência às mudanças Abertura às mudanças
Fotografias de 2012: à esquerda, aragem
da terra com o uso de tração animal em
A história é tratada por essas teorias como um processo único, um caminho de mão única e São Paulo; abaixo, colheita mecanizada
destino igualmente único determinado pelo “estágio” de desenvolvimento alcançado pelas socieda- de milho no Mato Grosso do Sul. Para
des tomadas como modelo. A ênfase é posta na cultura, na visão de mundo e no comportamento passar de uma situação a outra, do
tradicional ao moderno, basta mudar
das pessoas e dos grupos sociais, deixando de lado as estruturas econômicas e políticas.
atitudes e comportamentos?
Subdesenvolvimento e dependência
Mudança social 9
10 Mudança social
“Tudo o que era sólido e estável se des- mais impossíveis; das numerosas literaturas nacionais e
mancha no ar” locais nasce uma literatura universal. […]
Sob pena de ruína total, ela [a burguesia] obriga todas
Em 1848, dois jovens, um com 29 anos e outro com 27, es- as nações a adotarem o modo burguês de produção, cons-
creveram um panfleto que se tornou um dos documentos trangendo-as a abraçar a chamada civilização, isto é, a se
que mais influenciaram os movimentos sociais no mundo. tornarem burguesas. Em uma palavra, cria um mundo à
Eles não foram “profetas” ou “visionários”; apenas utilizaram a sua imagem e semelhança.
capacidade de refletir sobre seu tempo e fizeram projeções MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto comunista.
com base em elementos que indicavam as mudanças que São Paulo: Boitempo, 1998. p. 43-44.
viriam. Leia um trecho do panfleto escrito por esses jovens:
[…] 1 Como foi possível aos autores perceber por alguns indícios,
A burguesia não pode existir sem revolucionar inces- há mais de 150 anos, aspectos que caracterizariam o mundo
santemente os instrumentos de produção, por conseguin- globalizado do final do século XX e início do XXI?
te, as relações de produção e, com isso, todas as relações
sociais. […] Essa subversão contínua da produção, esse 2 Identifique alguns desses aspectos abordados no texto.
abalo constante de todo o sistema social, essa agitação per-
manente e essa falta de segurança distinguem a época bur- O capitalismo está no fim?
guesa de todas as precedentes. Dissolvem-se todas as rela- As notícias sobre a morte do capitalismo são, parafra-
ções sociais antigas e cristalizadas, com seu cortejo de seando Mark Twain, um pouco exageradas. A capacidade
concepções e de ideias secularmente veneradas; as relações surpreendente de ressurreição e regeneração é inerente ao
que as substituem tornam-se antiquadas antes de se con- capitalismo. Uma capacidade parecida com a dos parasitas
solidarem. Tudo o que era sólido e estável se desmancha —
no ar, tudo o que era sagrado é profanado e os homens são organismos que se alimentam de outros organismos, es-
obrigados finalmente a encarar sem ilusões a sua posição tando agregados a outras espécies. Depois de exaurir com-
social e as suas relações com os outros homens. pleta ou quase completamente um organismo hospedeiro,
Impelida pela necessidade de mercados sempre no- o parasita normalmente procura outro, que o nutra por
vos, a burguesia invade todo o globo terrestre. Necessita mais algum tempo.
estabelecer-se em toda parte, explorar em toda parte, criar Há cem anos, Rosa Luxemburgo compreendeu o se-
vínculos em toda parte. gredo da misteriosa habilidade do sistema em ressurgir das
Pela exploração do mercado mundial, a burguesia im- cinzas repetidamente, assim como uma fênix; uma habili-
prime um caráter cosmopolita à produção e ao consumo dade que deixa atrás de si traços de devastação — a histó-
em todos os países. Para desespero dos reacionários, ela ria do capitalismo é marcada pelos túmulos de organismos
roubou da indústria sua base nacional. As velhas indústrias que tiveram suas vidas sugadas até a exaustão. Luxembur-
nacionais foram destruídas e continuam a ser destruídas go, no entanto, restringiu o conjunto dos organismos que
diariamente. São suplantadas por novas indústrias, cuja aguardavam em fila, esperando a conhecida visita do pa-
introdução se torna uma questão vital para todas as na- rasita, às “economias pré-capitalistas”, cujo número era
çõescivilizadas — indústrias que já não empregam maté- limitado e em constante regressão, sob o impacto da ex-
rias-primas nacionais, mas sim matérias-primas vindas das pansão imperialista.
regiões mais distantes, e cujos produtos se consomem não […]
somente no próprio país mas em todas as partes do mun- Hoje o capitalismo já atingiu uma dimensão global,
do. Ao invés das antigas necessidades, satisfeitas pelos ou está muito próximo disso — um cenário que Luxem-
produtos nacionais, surgem novas demandas, que recla- burgo via em horizonte distante. Sua previsão estará a
mam para sua satisfação os produtos das regiões mais lon- ponto de se concretizar? Penso que não. Nos últimos 50 SOCIOLOGIA
gínquas e de climas os mais diversos. No lugar do antigo anos, o capitalismo aprendeu a inimaginável e desconhe-
isolamento de regiões e nações autossuficientes, desenvol- cida arte de criar novas “terras intocadas”, em vez de se
vem--se um intercâmbio universal e uma universal inter- limitar às já existentes. Essa nova arte tornou-se possível
dependência das nações. E isto se refere tanto à produção porque o sistema viveu uma transição. A “sociedade de
material como à produção intelectual. As criações intelec- produtores” converteu-se numa “sociedade de consumi-
tuais de uma nação tornam-se patrimônio comum. A es- dores”. E a fonte principal da “agregação de valor” já não
treiteza e a unilateralidade nacionais tornam-se cada vez está na relação capital-trabalho, mas na que há entre mer-
Mudança social 11
1 O historiador José Murilo de Carvalho, comentando a manei- 2 O escritor estadunidense Edmund Wilson, tratando do con-
ra como Auguste Comte concebia a República, escreve: teúdo de obras como A ideologia alemã e o Manifesto comu-
A República entrava nessa concepção como fator es- nista, comenta:
sencial da transição orgânica para a fase final. Ela marcaria Marx e Engels — que assimilaram com extraordiná-
o início da transição, por superar a fase metafísica em que ria rapidez o pensamento social e histórico de sua época
elementos externos (monarquias hereditárias com base no — elaboraram, portanto, uma teoria completa e coerente,
direito divino dos reis) ainda perturbavam a evolução hu- que explicava mais mistérios do passado, simplificava
mana. Repúblicas deveriam ser verdadeiras comunidades, mais complicações do presente e abria para o futuro um
extensões da família. [...] caminho aparentemente mais prático do que qualquer
CARVALHO, José Murilo. A formação das almas: o imaginário da República no outra teoria dessa espécie jamais proposta. E fizeram mais:
Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 131.
apresentaram um “princípio dinâmico” [...] que impulsio-
Considerando o texto de José Murilo de Carvalho e os co- nava todo o sistema, motivava de modo convincente uma
nhecimentos sobre os três estágios ou fases em que Comte progressão na história, como nenhuma outra generaliza-
dividia o processo das mudanças sociais, a instalação da Re- ção histórica fizera antes, e que não apenas despertava o
pública, para o pensador francês, representaria qual transfor- interesse do leitor num grande drama, mas também o
mação no processo da evolução humana? obrigava a reconhecer que ele próprio era parte dele e o
O aluno precisa identificar a fase final da qual o texto fala com o estimulava a desempenhar um papel nobre.
estágio positivo do pensamento de Comte. Portanto, a instalação da WILSON, Edmund. Rumo à Estação Finlândia.
República representaria o começo do terceiro estágio da evolução São Paulo: Companhia das Letras, 1986. p. 153.
humana, no qual a humanidade teria alcançado a plenitude de seu
desenvolvimento através do pensamento empírico. Dessa maneira,
a questão retoma também a posição de Comte perante os aconteci-
mentos franceses do século XIX.
12 Mudança social
b) Na teoria de Marx e Engels, qual seria esse “princípio dinâ- a) Segundo as teorias da modernização, sociedades vistas
mico” ao qual o texto se refere? como atrasadas e subdesenvolvidas, para se industrializar,
O “princípio dinâmico”, o fator que define a transformação his- deveriam deixar suas características tradicionais e seguir
tórica é a luta de classes, na concepção de Marx e Engels. É o exemplo de outras sociedades, vistas como mais desen-
útil apontar ao aluno, na correção, qual é o papel do indivíduo volvidas. Essa visão é compartilhada pelo autor do texto?
nesse processo, tão bem salientado no texto de Wilson. Na me-
Por quê?
dida em que os sujeitos percebem suas posições nas relações
sociais de produção, ou seja, sua condição de classe, eles dão Não, o autor do texto entende que, por mais avassaladora que
o primeiro passo para participar efetivamente do processo de seja a industrialização de um país, ela acontece a partir do con-
transformação. texto específico desse país. A industrialização causa, sim, pro-
3 Em uma perspectiva que procura na história a formação fundas mudanças; estas, porém, não solapam completamente
a realidade social e cultural. Desenvolvendo uma resposta que
dos sentidos que os indivíduos dão às suas ações, qual é a contenha essa reflexão, o aluno estará apto a perceber que
relação apontada por Max Weber entre a conduta de vida não existe um padrão ideal de industrialização, tal como as
prescrita pelo protestantismo e a consolidação de uma cul- teorias da modernização indicavam, mas realidades distintas
que vão sendo alteradas de acordo com suas características a
tura do capitalismo? partir da industrialização.
Diferentemente de Marx e Durkheim, Weber entende que a formação
do capitalismo melhor se explicará se as motivações individuais de b) De acordo com os conhecimentos sobre a industrializa-
acumulação de capital e impulso ao trabalho forem explicadas. Essas ção brasileira, é possível afirmar que a modernização do
são as razões que fazem da teoria de Weber mais interessada em
sentidos e significados. O capitalismo é explicado à medida que se país forçou o completo desaparecimento de suas carac-
explicam as razões que fazem as pessoas viverem de maneira capi- terísticas sociais e culturais? Explique.
talista. O protestantismo, formulado na ética da ascese (que é a ética
Trata-se da mesma reflexão proposta no primeiro item, mas
do investimento: gastar para ter mais retorno) e do trabalho como
direcionada ao caso brasileiro. As características culturais e
redentor, é visto por Weber como o berço desse espírito capitalista
sociais brasileiras, produzidas e reproduzidas ao longo da his-
— foi preciso apenas que, ao longo dos anos, esses valores religiosos
tória do país, ainda estão sendo vivenciadas atualmente, em
se transformassem em valores econômicos. A relação entre conduta
conjunto com nossa industrialização. Porém, houve alterações
de vida protestante e cultura do capitalismo é assim uma relação
profundas. A desigualdade social, fruto da nossa história, se
de causa e efeito, mas não a única, pois Weber sempre respeitou
aprofundou, ou no mínimo não se alterou, com a chegada das
a ideia de múltiplas relações de causa e efeito na conformação das
indústrias. Assim como as supostas revoluções no país não
realidades sociais.
alteraram estruturalmente as relações de poder, a moderniza-
4 Sobre as relações entre industrialização, modernização e ção da economia não alterou nossos problemas econômicos.
Mudança social 13
2 Mudança e revolução
Objetivos: Abordaremos neste capítulo mudanças sociais de dois tipos: as que envolveram um longo
processo de transformação, afetando toda a humanidade, e as que atingiram determinada socie-
c Discutir e compreender dade, alterando suas estruturas. A Sociologia e a Ciência Política conceituam como revolução as do
o alcance dos segundo tipo.
movimentos
revolucionários, seus
métodos e o resultado
GRANDES PROCESSOS DE TRANSFORMAÇÃO DE
de cada um. ALCANCE MUNDIAL
Para analisar os grandes processos de mudança que alteraram substancialmente a vida da hu-
c Discutir sobre as
manidade, vamos tomar três exemplos, cada qual de um momento distinto da história: as chamadas
muitas revoluções
“revoluções” Agrícola, Industrial e tecnológica.
assistidas nos
períodos moderno e
A Revolução Agrícola
contemporâneo.
O domínio da agricultura transformou radicalmente a forma como as populações humanas
produziam alimentos. A expressão “revolução agrícola” foi criada pelo arqueólogo australiano Gordon
Childe (1892-1957) para denominar o processo de sedentarização (fixação em algum lugar e dimi-
nuição dos deslocamentos) de boa parte dos grupos humanos, que passaram a viver em pequenas
aglomerações, depois em vilas e mais tarde em núcleos urbanos.
Essa revolução não ocorreu ao mesmo tempo em todos os lugares. Ela teve início no Oriente
Médio há 9 ou 10 mil anos, no Egito há 9 mil anos, na Índia há 8 mil anos, na China há 7 mil anos,
na Europa há 6,5 mil anos, na África tropical há 5 mil anos e na América, principalmente nas regiões
onde hoje se localizam o México e o Peru, há 4,5 mil anos.
O processo foi longo. Inicialmente, os seres humanos perceberam que, no local em que as
sementes caíam, nasciam novas plantas. Por meio da experiência e da observação, passaram a plan-
tar as sementes, obtendo uma oferta regular de alimentos e tornando-se menos dependentes da
caça e da coleta. Como não precisavam mais se deslocar constantemente em busca de alimentos,
grupos e famílias passaram a permanecer em lugares onde o solo era fértil. Foi assim que surgiram
as primeiras aldeias.
Com o decorrer do tempo, os seres humanos começaram a produzir trigo, cevada, milho, arroz,
tubérculos (tipos de batata) variados e árvores frutíferas. Puderam, também, selecionar sementes e
mudas, além de identificar a melhor época para plantar e o tipo de solo adequado para cada cultivo.
Além disso, passaram a confeccionar alguns instrumentos, como foices e arados, que facilitaram o
plantio e a colheita.
Outros elementos essenciais do processo de sedentarização foram a domesticação e a criação
de animais, que proporcionaram aos grupos humanos a obtenção regular de carne, peles e leite. A
domesticação deve ter surgido espontaneamente em vários locais, resultado do processo de apro-
ximação e observação dos animais no decurso das caçadas.
Por meio de um intenso processo de subdivisões e deslocamentos dos grupos humanos, difun-
diram-se as técnicas agrícolas e a atividade pastoril.
A maioria das sociedades ainda pratica a agricultura e o pastoreio. Há povos caçadores e coleto-
res em vários lugares, mas a maioria deles também pratica a agricultura e a domesticação de animais.
A Revolução Industrial
O que se chama de Revolução Industrial na Europa nos séculos XVIII e XIX não começou re-
14 Mudança social
Mudança social 15
REVOLUÇÕES
Na Sociologia, o termo revolução é utilizado para designar a transformação radical das estrutu-
ras sociais, políticas e econômicas de uma sociedade. Outros tipos de alteração podem ser chamados
de reformas sociais ou de mudanças parciais. De acordo com o pensador italiano Umberto Melotti
(1940-), tanto o reformador quanto o revolucionário almejam mudanças sociais. Entretanto, as mu-
danças propostas pelos reformadores não se contrapõem aos interesses das classes dominantes,
podendo até ser utilizadas para consolidar sua permanência no poder. Já uma revolução se opõe aos
interesses das classes dominantes, pois tem por objetivo tirá-las do poder.
Os reformadores procuram alterar elementos não essenciais, reparando determinados proble-
mas para garantir a manutenção da situação vigente. As reformas ocorrem em muitos países sempre
que se instala uma crise política ou econômica. O revolucionário, por sua vez, objetiva destruir o
existente para reconstruir a sociedade em novas bases.
16 Mudança social
Mudança social 17
18 Mudança social
SOCIOLOGIA
A Revolução Russa
Enquanto os mexicanos conquistavam sua Constituição, na Rússia a sociedade fervilhava. A
maior parte dos russos, tanto no campo como na cidade, vivia em condições precárias e, desde 1905,
lutava pela construção de uma nova ordem social.
A Revolução Russa de 1917 começou com a derrubada do czar, em feverei-
ro, e culminou com a tomada do poder pelos bolcheviques, liderados por Vladimir Ilitch
Mudança social 19
urbanos e os soldados.
Os revolucionários organizavam-se em conselhos populares que expressavam a proposta de
uma sociedade que se orientasse pela vontade da maioria. Esses conselhos populares eram chamados
de sovietes e constituíram o fato mais inovador da revolução.
Após a tomada do poder, com a constituição de uma nova estrutura estatal, os sovietes per-
deram pouco a pouco o poder. O termo, no entanto, ficou gravado no nome da unidade política e
nacional formada em consequência da revolução: República Soviética.
A situação na Rússia, que era terrível por causa da Primeira Guerra Mundial, tornou-se ainda pior
no período de afirmação da revolução. Mesmo assim, a propriedade privada foi extinta e procurou-se
alterar a estrutura estatal e de serviços, como a educação, a saúde, o transporte ferroviário e o sistema
bancário. A grande dificuldade foi mudar a estrutura da propriedade rural, que ainda era medieval, e
a condição dos camponeses, precária em todos os sentidos. Assim, foi necessário primeiro privatizar
De fevereiro a outubro de 1917, seguidos a terra para depois torná-la coletiva. Isso foi possível com a concentração do poder pelo Partido
levantes populares impulsionaram Comunista e pelo Estado.
o processo revolucionário que se Em 1922 foi criada a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), formada por 12 repúbli-
desenrolava na Rússia. Na foto, cena cas, todas sob o comando político e militar da República Soviética Russa. Depois da Segunda Guerra
da repressão desencadeada pelo
Governo Provisório contra milhares Mundial, mais três repúblicas foram incorporadas à URSS.
de trabalhadores e soldados que se Em 1924, com a morte de Lênin, Josef Stálin assumiu o comando da URSS e aprofundou a con-
insurgiram em julho, na então capital centração do poder no Partido Comunista e no Estado, eliminando a oposição. A partir de então,
Petrogrado (atual São Petersburgo). uma revolução que nascera com o propósito de transformar o sistema anterior e garantir a liberdade
para todos gerou uma sociedade que teve parte dos problemas econômicos resolvidos, mas à custa
da submissão a um Estado autoritário que oprimiu a maioria da população.
DPA/AFP
População
comemora
a queda do
Muro de Berlim,
em 11 de
novembro de
1989.
20 Mudança social
AFP
Tropas de Mao Tsé-tung desfilam em Pequim, Populares comemoram a vitória da revolução nas ruas de Havana,
China, em junho de 1949, em ação de propaganda Cuba, em janeiro de 1959.
revolucionária.
Um breve balanço
Como se pode perceber, uma coisa é o início de uma revolução, com seus propósitos transfor-
madores; outra é a situação pós-revolucionária ou a institucionalização da revolução, em que o mo-
mento inicial de tomada do poder e alteração das estruturas políticas, econômicas e sociais precisa
ser deixado para trás. É necessário, então, criar novas instituições ou reformular as antigas para que
a revolução possa se desenvolver.
Com o passar dos anos, a liderança muda e as situações interna e externa se modificam; apare-
cem interesses novos e são necessárias novas ações, que podem gerar maior emancipação ou não.
Algumas revoluções, como a do México, são populares, mas depois do momento inicial as
demandas da maioria do povo são deixadas de lado e, em nome delas, há uma reorganização das
classes dominantes para continuar no poder.
Os exemplos analisados aqui são de sociedades que alteraram sua estrutura e seu modo de vida,
mas avançaram pouco no processo de liberdade e emancipação. Podemos, então, dizer que não são
parâmetros para futuras mudanças.
Mudança social 21
22 Mudança social
Mudança social 23
24 Mudança social
1 Em um livro escrito nos últimos anos do século XX, o historiador cubano estabeleceu sólidas relações políticas e econômi-
inglês Eric Hobsbawm, fazendo uma comparação da Revolução cas com a União Soviética e realizou na ilha caribenha po-
Russa de 1917, ou, como ele denomina, Revolução de Outubro, líticas públicas claramente associadas ao que se entendia,
com a Revolução Francesa iniciada em 1789, defende que o na época, como comunismo. Mesmo Fidel Castro, já em
acontecimento russo 1960, diz ser comunista.
[...] Tornou-se portanto tão fundamental para a his- Considerando essas informações, situe a Revolução Cuba-
tória deste século quanto a Revolução Francesa de 1789 na no contexto das relações internacionais da segunda
para o século XIX. [...] metade do século XX e explique os fatores que contribuí-
Contudo, a Revolução de Outubro teve repercussões ram para a adoção do comunismo pelo governo de Fidel
muito mais profundas e globais que sua ancestral. Pois se Castro.
as ideias da Revolução Francesa, como é hoje evidente, du-
O contexto internacional da Revolução Cubana é a Guerra Fria, uma
raram mais do que o bolchevismo, as consequências práticas
dualidade econômica, política, ideológica e militar que basicamente
de 1917 foram muito maiores e mais duradouras que as cindiu o globo em duas partes ao longo da segunda metade do século
de 1789. XX. Sabe-se que era praticamente impossível, para um país periférico,
HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos. não se alinhar a uma das duas potências da Guerra Fria, Estados Unidos
São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 62. e União Soviética. Fidel Castro liderou uma revolução eminentemente
a) Por que ele afirma que as ideias da Revolução Francesa de anti-imperialista, interessada em realizar reformas sociais que
promovessem a igualdade na ilha caribenha. Porém, tomado o poder,
1789 duraram mais do que o bolchevismo, ou seja, do que
Fidel constatou que não conseguiria realizar satisfatoriamente suas
as ideias e posturas políticas vencedoras da Revolução Rus- reformas sem o apoio externo e com o bloqueio comercial dos Estados
sa de 1917? Unidos e seus aliados. Daí sua guinada ao polo soviético, mesmo
estando a menos de 100 quilômetros da costa dos Estados Unidos.
As ideias da Revolução Francesa são as ideias do Ocidente moderno
ou, se preferir, da sociedade burguesa: liberdade, no sentido de um
Estado de direito que defenda juridicamente as liberdades individuais,
3 Sobre as mudanças sociais na atualidade, leia o texto a se-
e igualdade, no sentido de não haver princípios morais que prescrevam guir e responda às questões.
desigualdades entre os indivíduos, ideias ainda vivas. O bolchevismo
ficou em 1991 com o fim da União Soviética. Já não se fala em uma
Geração Y
alternativa mais igualitária em relação ao sistema capitalista, mas, sim, Eles já foram acusados de tudo: distraídos, superficiais e
em uma promoção da igualdade no sistema capitalista. até egoístas. Mas se preocupam com o ambiente, têm fortes
valores morais e estão prontos para mudar o mundo
b) Baseado em quais fatos Hobsbawm entende que as “con- Priscila só faz o que gosta. Francis não consegue
sequências práticas” da Revolução Russa, de 1917, foram passar mais de três meses no mesmo trabalho. E Felipe
bem mais significativas do que as da Revolução Francesa, leva a sério esse papo de cuidar do meio ambiente. Eles
de 1789? são impacientes, preocupados com si próprios, interes-
sados em construir um mundo melhor e, em pouco
Hobsbawm se refere, primeiramente, ao fato de que a Revolução Russa
inspirou, e muitas vezes incentivou com financiamento e treinamento, tempo, vão tomar conta do planeta.
outras revoluções de cunho socialista/comunista ao longo do século XX Com 20 e poucos anos, esses jovens são os repre-
e, em segundo lugar, ao fato de que tal acontecimento estabelece o sentantes da chamada Geração Y, um grupo que está,
marco de origem da Guerra Fria, o grande cenário político, econômico,
aos poucos, provocando uma revolução silenciosa. Sem
militar e ideológico do século passado. Ou seja, enquanto a Revolução
Francesa causou alterações de ordem simbólica muito mais contundentes as bandeiras e o estardalhaço das gerações dos anos 60
no século XIX, a Russa modificou muito mais materialmente todo o e 70, mas com a mesma força poderosa de mudança,
século XX. eles sabem que as normas do passado não funcionam
— e as novas estão inventando sozinhos. “Tudo é pos-
2 Em 1956, no começo do processo que ficará conhecido sível para esses jovens”, diz Anderson Sant’Anna, pro-
como Revolução Cubana, de 1959, o líder Fidel Castro se de- fessor de comportamento humano da Fundação Dom
SOCIOLOGIA
clarava abertamente não comunista. Aliás, o Partido Comu- Cabral. “Eles querem dar sentido à vida, e rápido, en-
nista cubano foi contra a luta armada que Fidel organizou. quanto fazem outras dez coisas ao mesmo tempo.”
Até mesmo o governo estadunidense, sempre antenado Folgados, distraídos, superficiais e insubordinados
com o que acontecia na América Latina e no Caribe, chegou são outros adjetivos menos simpáticos para classificar os
à conclusão de que o movimento de Fidel Castro não era nascidos entre 1978 e 1990. Concebidos na era digital,
comunista. Porém, como se sabe, a partir de 1959 o governo democrática e da ruptura da família tradicional, essa ga-
Mudança social 25
ANOTAÇÕES
26 Mudança social
Objetivos: Quando se fala sobre mudança social no Brasil, uma pergunta presente nos escritos de muitos
pensadores é: Por que existe tanta resistência às mudanças no país?
c Discutir a questão das Algumas explicações são anteriores à constituição do Brasil como país independente. Na edição
mudanças sociais no de 11 de maio de 1811 do Correio Braziliense, jornal que publicava em Londres, o liberal Hipólito da
Brasil. Costa afirmou: “Ninguém deseja mais do que nós as reformas úteis; mas ninguém aborrece mais do
que nós, que essas reformas sejam feitas pelo povo”.
c Ressaltar que as
Poucos anos após a independência, em 1832, outro liberal, Evaristo da Veiga, ao defender emen-
mudanças tecnológicas
das de caráter federalista à Constituição brasileira, exortou em seu jornal, Aurora Fluminense: “Modi-
nas mais diversas
fique-se o pacto social, mas conserve-se a essência do sistema adotado. […] Faça-se tudo quanto é
áreas do cotidiano
têm exercido
preciso, mas evite-se a revolução”.
papel significativo
A fala dos dois liberais ajuda a entender por que a independência do Brasil não significou uma
nos processos de revolução: apesar de o país se tornar independente de Portugal, suas estruturas políticas, sociais e
mudanças sociais e econômicas praticamente não foram afetadas. Enquanto em toda a América Latina aconteceram
comportamentais. transformações com o processo da independência dos países — que se tornaram repúblicas e extin-
guiram a escravidão —, o Brasil continuou sendo uma monarquia e manteve a escravidão. A expres-
são de dom Pedro I serve de exemplo: “Tudo farei pelo povo e para o povo, mas nada com o povo”.
Além disso, quando analisamos a instalação da república no Brasil, constatamos que houve
mudança nas estruturas políticas e na organização do poder, mas os que dominavam no império
continuaram dominando na república.
Talvez a frase que melhor sintetize esse tipo de conduta e pensamento dominante desde a
independência seja a de Antonio Carlos, que foi governador de Minas Gerais e presidente do Partido
Charge de K. Lixto publicada em edição Republicano Mineiro (PRM) um pouco antes do movimento de 1930: “Façamos a revolução antes
da revista Fon-Fon de 1909. A Monarquia que o povo a faça”. Quem domina o país faz de tudo para continuar no controle, mesmo havendo
e a República comentam a mudança do mudança. Assim, os termos modernização ou reforma seriam mais apropriados para caracterizar
regime político. Diz a Monarquia: “Não
é por falar mal, mas com franqueza... o tipo de mudança que tem ocorrido no Brasil, embora muitos eventos políticos sejam chamados
eu esperava outra coisa”. A República de “revolução”.
responde: “Eu também!”.
No século XX, o Brasil conviveu com muitos movimentos políticos localizados. Dois foram mais
duradouros e tiveram repercussões significativas na vida dos brasileiros: as “revoluções” de 1930 e
de 1964.
“Revolução” de 1930
Como já vimos, o movimento cívico-militar, chamado de “revolução” de 1930, que desembocou
na tomada do poder por Getúlio Vargas foi apenas uma mudança de grupos na estrutura de poder
do Estado brasileiro. SOCIOLOGIA
Na década de 1920, os grupos que dominavam a política nacional eram os mesmos desde o
império. No quadro socioeconômico, dois elementos sinalizavam mudança: uma pequena indus-
trialização nas cidades grandes e um significativo movimento de trabalhadores que tinha por base
as ideias anarquistas. Com a crise internacional de 1929, entretanto, a situação no Brasil piorou,
pois muitas fábricas fecharam e o café deixou de ser exportado. Houve desemprego no campo e
na cidade, além de fome e desamparo do Estado. Foi nesse contexto que se desenvolveu o movi-
mento que alterou os grupos no poder.
Mudança social 27
“Revolução” de 1964
Getúlio Vargas em Itararé, SP, a caminho A “revolução” de 1964, desenca-
do Rio de Janeiro, em 24 de outubro de deada por um golpe liderado pelos militares que derrubou o governo constitucional de João Goulart,
1930, dia em que Washington Luís foi foi de fato uma contrarrevolução. Os movimentos sociais (de trabalhadores do campo e da cidade)
deposto da presidência.
vinham se organizando gradativamente desde meados dos anos 1950 e estavam conquistando mui-
tos direitos, o que significava uma mudança importante no Brasil. Embora não se configurasse um
processo revolucionário capaz de transformar radicalmente o sistema político e econômico, havia
um grande avanço na participação dos setores populares na condução dos destinos do país.
Isso não era interessante para os grandes proprietários do campo, nem para os industriais das
cidades, nem para as empresas estrangeiras instaladas no Brasil. Essas forças, então, organizaram-se e,
com o apoio de militares conservadores e de parte da classe média, que temia a presença das “classes
perigosas” e do “comunismo” na cena política, propiciaram o golpe militar de 1.o de abril de 1964.
Os militares reprimiram intensamente todos os movimentos populares e, depois, estabeleceram
a censura aos meios de comunicação. Gradativamente retiraram uma série de direitos dos trabalha-
dores e ampliaram muito a presença do capital estrangeiro no Brasil. No final do período de ditadura
militar, a inflação brasileira era maior do que em 1964, e configurou-se uma desigualdade social nunca
vista. Além disso, foi contraída uma dívida externa gigantesca, o que colocava o país nas mãos dos
grupos financeiros internacionais.
AE
Marcha da Família
com Deus pela
Liberdade, no
Recife, em 1964.
28 Mudança social
Entretanto, nesse período ditatorial, o país se modernizou, pois foram ampliadas as bases in-
dustriais que, desde a década de 1950, eram internacionalizadas. Desenvolveu-se a infraestrutura
na área de energia e transportes e alterou-se profundamente a agricultura nacional, que se tornou
uma atividade capitalista significativa. Com essas medidas, criaram-se as bases para que houvesse a
presença capitalista em todos os setores da sociedade, mesmo que isso significasse a marginalização
da maior parte da população, tanto econômica quanto política e socialmente.
Mas a grande mudança ocorreu no modo de vida da população urbana. Essa mudança, oca-
sionada pela produção em massa dos mais diversos artigos industriais, como alimentos, roupas,
eletrodomésticos e automóveis, foi coroada pela expansão das comunicações telefônicas e, princi-
palmente, pela presença marcante da televisão, que se estendeu por quase todo o território nacional
e, de alguma forma, criou novos comportamentos e valores.
FOLHAPRESS
“MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA”
Considerando processos históricos como os que abordamos anteriormente, muitos autores
caracterizam a mudança social no Brasil como “modernização conservadora”, pois ocorre sempre por
meio do Estado, ou seja, de cima para baixo e, na maioria dos casos, sob controle deste.
Os pensadores Francisco José de Oliveira Vianna (1883-1951), Sérgio Buarque de Holanda (1902-
1982), Azevedo Amaral (1881-1942) e Nestor Duarte Guimarães (1902-1970) foram os primeiros a
analisar a questão da “modernização” no Brasil, no período de 1920 a 1940. Pode-se dizer que para
todos eles, de uma forma ou de outra, havia uma ligação entre o passado colonial e a situação daque-
SOCIOLOGIA
le momento. O passado colonial deveria ser eliminado para que o Brasil saísse do atraso e pudessem
se abrir possibilidades de mudança social.
Sérgio Buarque de Holanda, em seu livro Raízes do Brasil (1936), fez uma crítica às elites anacrô-
nicas brasileiras e procurou discutir a possibilidade da promoção da modernização no contexto de
uma organização social nova e de uma efetiva democracia.
Em vários escritos, mas principalmente em seu livro Instituições políticas brasileiras (1949), Oli-
veira Vianna atribuiu à estrutura do poder e da sociedade na Primeira República — que estava ba-
Mudança social 29
seada no latifúndio e no poder local dos coronéis — a razão de nosso atraso. Para a superação dessa
situação, Vianna propunha uma série de reformas e um poder central forte, que faria oposição às
oligarquias locais e regionais, além de garantir a unidade e o desenvolvimento nacionais.
Azevedo Amaral, no livro O Estado autoritário e a realidade nacional (1938), defendeu uma in-
dustrialização brasileira que só poderia ser realizada com a presença de um Estado forte e autoritário.
Já Nestor Duarte Guimarães, no livro A ordem privada e a organização política nacional (1939),
destacou a visão privatista como um dos traços culturais do país. Para ele, o Estado era fraco, apesar
de o governo ser forte. O que havia era o domínio privado do Estado, que sempre ficou nas mãos
das grandes oligarquias.
Esses quatro autores ressaltaram que, de uma forma ou de outra, nossos problemas estavam
no passado colonial, mas sobretudo na visão de que sempre havia um empecilho para o desenvol-
vimento e era necessário um Estado forte (para Vianna e Amaral) ou uma sociedade democrática
(para Holanda e Duarte) que pudesse promover a modernização do país.
Nas décadas posteriores, vários autores se mostraram preocupados com a questão das mudan-
ças sociais no Brasil. A maioria deles procurava demonstrar que havia uma vinculação entre o passado
colonial brasileiro, principalmente a escravidão, e a situação social que se vivia. Apesar de todas as
mudanças ocorridas, esse passado estava evidente na estruturação das classes sociais e do Estado,
sempre a serviço dos que detinham o poder econômico: além dos grandes proprietários de terras,
os industriais nacionais e estrangeiros e o setor financeiro.
Divisão política do “trono” presidencial
entre as oligarquias de Minas e
de São Paulo, em charge de
Storni, 1925: o domínio privado do Estado
Modernidade sem modernização no Brasil
como empecilho à democracia e à […] Temos vivido, como nação, atormentados pelos “males” modernos e pelos
modernização. “males” do passado, pelo velho e pelo novo, sem termos podido conhecer uma histó-
ria de rupturas revolucionárias. Não que não tenhamos nos modernizado e chegado
ao desenvolvimento. Fizemos isso de modo expressivo, mas não eliminamos relações,
estruturas e procedimentos contrários ao espírito do tempo. Nossa modernização tem
sido conservadora, aliás, duplamente conservadora. Em primeiro lugar, porque tem
se feito com base na preservação de expressivos elementos do passado, que são assi-
milados, modernizados e tornados funcionais, alcançando tamanha força de reprodu-
ção que conseguem condicionar todo o ritmo e a qualidade mesma da mudança […].
Trata-se, para ficar num exemplo fácil, do peso paralisante adquirido no curso do
nosso capitalismo pelo latifúndio, capaz de resistir por décadas seja ao desenvolvi-
mento nacionalista e popular de Vargas, seja à modernização autoritária do regime de
64. Em segundo lugar, porque tem se feito de modo não democrático, sem participa-
ção popular e sob o comando do Estado, desdobrando-se quase sempre de modo a
ser hegemonizada por interesses conservadores. Foi assim que chegamos à época do
capitalismo e da indústria e é assim que estamos caminhando para o século XXI. […]
NOGUEIRA, Marco Aurélio. As possibilidades da política: ideias para a reforma democrática do Estado. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1998. p. 266-267.
Entre os autores que mantiveram constante preocupação com a mudança social no Brasil, des-
tacamos Florestan Fernandes (1920-1995), um dos maiores sociólogos brasileiros. Tal preocupação foi
expressa nos livros Mudanças sociais no Brasil (1974) e A revolução burguesa no Brasil: ensaio de inter-
pretação sociológica (1975), entre outros.
Diante do golpe militar de 1964, Florestan Fernandes procurou uma explicação sociológica para
a sociedade brasileira que fosse além da visão tradicional e conciliadora, cultivada pelos intelectuais
vinculados às classes dominantes. Para ele, a sociedade de classes constituída no Brasil pelo capitalismo
é incompatível com o que se considera universal no que concerne aos direitos humanos, pois resulta
numa democracia restrita, no contexto de um Estado autoritário-burguês, no qual as mudanças só
ocorrem em benefício de uma minoria privilegiada nacional articulada com os interesses estrangeiros. E
isso porque o passado escravista está presente nas relações sociais, principalmente nas de trabalho, em
que o preconceito ainda é muito forte e as pessoas são excluídas por serem pobres, negras ou mulheres.
30 Mudança social
Assembleia de trabalhadores em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, SP, em 1979.
Segundo Florestan, não haveria a possibilidade de uma revolução no Brasil se essa carga do pas-
sado, que envolvia o escravismo e suas consequências, não fosse abolida e a visão da política como
relação de favor e arte de se manter no poder não fosse substituída por práticas políticas e relações
pelo menos democráticas. Para ele, era necessária a adoção de uma democracia de base ampliada
que fosse além do voto e permitisse a participação efetiva do povo nos destinos do país.
Já no fim da ditadura militar, em 1980, quando as greves e manifestações sociais voltavam à
cena, Florestan Fernandes escreveu, em seu livro Brasil: em compasso de espera (São Paulo: Hucitec,
1980. p. 33):
O protesto operário está nos tirando do pântano colonial em que o despotismo bur-
guês nos deixou atolados, mesmo nove décadas após a proclamação da República. A his-
tória volta a ter, de novo, uma face de esperança, embora tudo ainda seja muito frágil,
incerto e obscuro.
O sociólogo estava atento ao que acontecia, mas não era um entusiasta, pois sabia que o poder
dos conservadores era muito grande e a possibilidade de uma democracia no Brasil era frágil e incerta.
Mesmo assim, Florestan Fernandes sempre procurou criticar as iniquidades da sociedade brasileira.
Como vimos até aqui, muitas coisas mudaram no Brasil e muitas outras foram conservadas
ou não mudaram de modo significativo. Podemos observar que em alguns lugares o modo de vida
assemelha-se ao das sociedades industrializadas de qualquer parte do mundo, tanto nas áreas ur-
banas como nas áreas rurais. Nas grandes cidades as duas situações convivem. Há no mesmo lugar
extrema riqueza e extrema pobreza: gente que mora em condomínios fechados luxuosos e gente
que vive embaixo de viadutos.
Mudança social 31
32 Mudança social
ANOTAÇÕES
SOCIOLOGIA
Mudança social 33
1 Considerando que ambíguo é aquilo que permite duas in- porque a própria sociedade deixava de secretar suas ener-
gias democráticas). No conjunto, o golpe de Estado ex-
terpretações diferentes e até mesmo opostas, é o que tem
traía a sua vitalidade e a sua autojustificação de argumen-
dois sentidos distintos, pesquise e responda: por que Getúlio
tos que nada tinham a ver com “o consentimento” ou com
Vargas e a “Revolução” de 1930, no que diz respeito às mu-
“as necessidades” da Nação como um todo. Ele se voltava
danças sociais no Brasil, podem ser considerados ambíguos?
contra ela porque uma parte precisava anular e submeter
A questão propõe um exercício de reflexão sobre a “Revolução” de 1930 a partir
da última frase do trecho do nosso livro que trata do assunto. A ambiguidade
a outra à sua vontade e discrição pela força bruta [...].
está no fato de que, por um lado, o governo de Getúlio aprofundou o processo Nessa conjuntura, confundir os espíritos quanto ao sig-
de industrialização no Brasil a tal ponto que, pela primeira vez na história nificado de determinadas palavras-chave vinha a ser fun-
do país, as atividades industriais rivalizaram com a produção de matérias- damental. É por aí que começa a inversão das relações
-primas agrícolas. Por outro lado, o governo de Getúlio manteve, e sofisticou,
a prática do Estado autoritário. Suas leis trabalhistas visavam amainar os
normais de dominação. Fica mais difícil para o domina-
ímpetos participativos da população, técnica essa que acabava se ocultando do entender o que está acontecendo e mais fácil defender
sob o carisma de Vargas. Eis a ambiguidade: o dinamismo inovador da os abusos e as violações cometidas pelos donos do poder.
industrialização convivendo com práticas antigas de autoritarismo. FERNANDES, Florestan. O que é revolução.
São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 7-9.
2 Sobre os usos sociais da palavra revolução, leia o texto a se-
guir, de Florestan Fernandes, e responda à questão. Segundo o texto, quais eram as intenções dos agentes do
A palavra revolução tem sido empregada de modo a golpe de Estado de 1964 no Brasil ao empregar o termo re-
provocar confusões. Por exemplo, quando se fala de “re- volução para designar esse acontecimento?
volução institucional”, com referência ao golpe de Estado Espera-se que o aluno seja capaz de inferir duas ideias básicas
de 1964. É patente que aí se pretendia acobertar o que apresentadas no texto, referentes ao aspecto ideológico com que
ocorreu de fato, o uso da violência militar para impedir a se aplica o termo revolução. A primeira é o reconhecimento de que
o emprego de “revolução” para nomear o golpe de 1964 implica o
continuidade da revolução democrática (a palavra correta entendimento de que não se tratou de uma interrupção do processo
seria contrarrevolução: mas quais são os contrarrevolucio- democrático. Ao contrário, chamar de “revolução” esse golpe de Estado
nários que gostam de se ver na própria pele?). Além disso, é, segundo Florestan, criar a ideia de que foi feita em nome dos
a palavra “revolução” encontra empregos correntes para interesses da nação. A segunda ideia é a de que o significado do termo
“revolução” convence de maneira mais fácil os dominados em relação à
designar alterações contínuas ou súbitas que ocorrem na sua submissão e, inclusive, à defesa que se possa fazer dela, exatamente
natureza ou na cultura [...]. No essencial, porém, há pou- porque não se percebe suas reais intenções contrarrevolucionárias.
ca confusão quanto ao seu significado central: mesmo na
3 Leia o texto a seguir sobre as mudanças sociais no Brasil.
linguagem de senso comum, sabe-se que a palavra se apli-
ca para designar mudanças drásticas e violentas da estru- Ao contrário de outros países da América Latina,
tura da sociedade. Daí o contraste frequente de “mudança como México, Bolívia, Cuba e Nicarágua, o Brasil nunca
gradual” e “mudança revolucionária”, que sublinha o teor conheceu uma verdadeira revolução social. A indepen-
da revolução como uma mudança que “mexe nas estrutu- dência de 1822 foi um assunto entre pai (d. João VI) e
ras”, que subverte a ordem social imperante na sociedade. filho (d. Pedro I), como sabe qualquer aluno de ensino
O debate terminológico não nos interessa por si mes- médio. A República, um pronunciamento militar contra
mo. É que o uso das palavras traduz relações de poder e d. Pedro II. A assim chamada Revolução de 1930, con-
relações de dominação. Se um golpe de Estado é descrito flito entre oligarquias regionais (Rio Grande do Sul e
como “revolução”, isso não acontece por acaso. Em pri- Minas Gerais contra São Paulo), tinha muito pouco de
meiro lugar, há uma intenção: a de simular que a revolu- revolucionária — apesar das veleidades democráticas de
ção democrática não teria sido interrompida. Portanto, os alguns dos jovens “tenentes” que apoiaram Getúlio Var-
agentes do golpe de Estado estariam servindo à Nação gas — e poderia, no máximo, ser considerada, segundo
como um todo (e não privando a Nação de uma ordem o termo irônico de Gramsci, uma “revolução passiva”,
política legítima com fins estritamente egoísticos e antina- isto é, uma mudança sociopolítica “de cima para baixo”,
cionais). Em segundo lugar, há uma intimidação: uma sem participação popular. A queda de Getúlio Vargas em
revolução dita as suas leis, os seus limites e o que ela ex- 1945 e o fim do Estado Novo foram outro assunto de-
tingue ou não tolera (em suma, golpe de Estado criou uma cidido entre militares. A pretensa Revolução de 31 de
ordem ilegítima que se inculcava redentora; mas, na rea- março de 1964 não passou de um golpe militar reacio-
lidade, o “império da lei” abolia o direito e implantava a nário e antipopular patrocinado pelos Estados Unidos.
“força das baionetas”: não há mais aparências de anarquia, E, por fim, a redemocratização de 1985 deu-se sem rup-
34 Mudança social
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ANOTAÇÕES
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SOCIOLOGIA
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38 Mudança social
SOCIOLOGIA
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40 Mudança social
EDITORA ATUAL
Miceli. São Paulo: Atual.
4 Qual é o ritmo da mudança? A mudança é lenta e pouco Por que a Revolução Francesa é con-
perceptível, ou rápida e ocasionada, por exemplo, por uma siderada o modelo clássico de revolu-
guerra, em que são destruídas muitas coisas, ou rápida e ção democrático-burguesa? Por que
ocasionada por transformações tecnológicas, como a infor- a Revolução Inglesa, após atingir um
mática, por exemplo? ponto máximo de radicalismo, recuou
e não avançou mais? O autor desse
5 Por que ocorreu tal mudança? Quais são as causas da mu- livro analisa a ascensão burguesa e
dança? Há uma causa apenas ou um conjunto delas? seu significado para as sociedades
contemporâneas, estabelecendo a relação histórica entre
6 Quais são os fatores objetivos e subjetivos que concor-
revolução burguesa e revolução socialista.
rem para a mudança? Fatores objetivos são, por exemplo,
a propriedade da terra, a estrutura da industrialização, a
O que é revolução, de Florestan Fer-
EDITORA BRASILIENSE
estrutura de poder e o processo de exploração em deter-
nandes. São Paulo: Brasiliense.
minada sociedade; fatores subjetivos são, por exemplo, a
questão individual (liderança), os valores contestados, as O autor procura discutir a revolução
ideias presentes no processo de mudança. e a contrarrevolução como realida-
des históricas. Analisando o conceito
Essas seis questões podem ajudá-lo a entender qualquer marxista de revolução, evidencia as
processo de mudança social, seja apenas uma alteração no diferentes características de uma re-
comportamento, seja a transformação de uma sociedade. volução burguesa e de uma revolução
Escolha uma situação de mudança social estudada nesta proletária.
unidade (a Revolução Industrial, a Revolução Russa ou a re-
volução tecnológica do século XXI, por exemplo) e, com
base nela, responda a essas questões.
SUGESTÃO
PARA DE FILMES
PRATICAR
PARA
PARA PESQUISAR
PRATICAR
Blade Runner: O caçador de androi-
WARNER BROTHERS/EVERETT COLLECTION/
KEYSTONE
uma vida sustentável, de Fritjof Capra. humanos que os caçam parecem adquirir, cada vez mais, SOCIOLOGIA
Fritjof Capra discute nesse livro as re- características desumanas. Esse filme é excelente para mo-
des complexas nas quais se integram tivar a reflexão sobre as questões que envolvem o uso de
as dimensões biológica e social da novas tecnologias.
vida humana e propõe a promoção da
mudança do sistema de valores que
determina a economia global para
Mudança social 41
dos Santos
Esse documentário aborda as transformações mundiais após a Segun- Todos os direitos reservados por SOMOS Educação S.A.
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O diretor percorreu 15 países, nos quais entrevistou personagens que (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
participaram ativamente de acontecimentos que marcaram a história Tomazi, Nelson Dacio
do século XX. Sistema de ensino ser : sociologia : 3º ano :
professor / Nelson Dacio Tomazi. — 3. ed. —
São Paulo : Ática, 2017.
16-08236 CDD-301
ANOTAÇÕES Índices para catálogo sistemático:
1. Sociologia : Ensino médio 301
2016
ISBN 978 85 08 18424 8 (AL)
ISBN 978 85 08 18425 5 (PR)
3ª edição
1ª impressão
Impressão e acabamento
Uma publicação
42 Mudança social
AFP
Barricada na Comuna de Paris, em 1871.
Para compreender como a Sociologia nasceu e se desenvolveu, devemos analisar as transformações que ocorreram a partir
do século XIV, na Europa ocidental, marcando a passagem da sociedade feudal para a sociedade capitalista, ou a passagem
da sociedade medieval para a sociedade moderna. Por isso, vamos fazer uma pequena viagem histórica.
Em cada sociedade, em todos os tempos, os seres humanos elaboraram explicações religiosas, míticas, culturais, étnicas
etc. para as situações que viviam. No século XIX, a busca de outro tipo de explicação para os fenômenos da sociedade — a
explicação científica — deu origem à Sociologia. Por que essa “nova ciência” surgiu justamente nesse momento?
Para demonstrar como o pensamento social organizou-se historicamente e como a Sociologia estruturou o saber sobre a
sociedade humana, analisaremos neste apêndice alguns autores que se sobressaíram no processo de desenvolvimento da
disciplina.
Procuraremos demonstrar que, para entender as ideias de um autor e de determinada época, é fundamental contextualizá- SOCIOLOGIA
-las historicamente. Podemos dizer que os indivíduos e grupos concebem a sociedade em que vivem por meio de catego-
rias do pensamento que emergem das tradições, do universo religioso, das raízes filosóficas e do conhecimento científico.
Vamos, a seguir, contextualizar o surgimento da Sociologia.
Spinoza (1632-1677).
Os conhecimentos desses precursores alimentaram
outros pensadores, como John Locke (1632-1704), Gottfried
Leibniz (1646-1716) e Isaac Newton (1643-1727), que propu-
seram novos princípios para a compreensão da sociedade e
da natureza.
Na tela A liberdade guiando o povo (1830), o pintor Eugène Delacroix representou a liberdade como uma mulher que
conduz o povo à luta em defesa da República, simbolizada pela bandeira tricolor. O regime republicano foi estabelecido
na França em 1792, em meio ao processo revolucionário que levou a burguesia ao poder.
LEEMAGE/COLEÇÃO PARTICULAR
A CONSOLIDAÇÃO DA tes (1816-1817), O
SOCIEDADE CAPITALISTA E A organizador (1819),
CIÊNCIA DA SOCIEDADE O sistema industrial
No século XIX, ocorreram transformações impulsionadas (1821-1823), O ca-
pela emergência de novas fontes energéticas (eletricidade e pe- tecismo dos indus-
tróleo), por novos ramos industriais e pela alteração profunda triais (1822-1824) e
nos processos produtivos, com a introdução de novas máquinas O novo cristianismo
e equipamentos. (1824).
Inauguração da iluminação elétrica no
Depois de 300 anos de exploração por parte das nações S aint-Simon cais Vitória, de Londres, no século XIX.
europeias, iniciou-se, principalmente nas colônias latino-ameri- influenciou Augus- Ilustração de Jules David, de 1879.
canas, um processo intenso de lutas pela independência. te Comte, Émile
É no século XIX, já com a consolidação do sistema capitalis- Durkheim (por meio de algumas obras que tratam da organi-
ta na Europa, que se encontra a herança intelectual mais próxima zação de uma nova sociedade e da formulação de uma ciência
da qual surgirá a Sociologia como ciência particular. No início da sociedade) e Karl Marx (que considerava Saint-Simon um
desse século, as ideias do Conde de Saint-Simon (1760-1825), de reformador social e um socialista utópico).
Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), de David Ricardo Leia a seguir uma síntese de suas principais ideias.
(1772-1823) e de Charles Darwin (1809-1882), entre outros, fo- Concepção de história
ram o elo para que Alexis de Tocqueville (1805-1859), Auguste
Na visão de Saint-Simon, a história marcha através de uma
Comte (1798-1857), Karl Marx (1818-1883) e Herbert Spencer
série de afirmações e negações que dão lugar a momentos mais
(1820-1903) desenvolvessem reflexões sobre a sociedade de seu
elevados. Ele defendia a ideia de que o apogeu de um sistema
tempo.
coincide com o início de sua decadência. Para ele, existiram três
Esses pensadores lançaram as bases do pensamento socio-
grandes momentos na história ocidental, divididos em épocas
lógico e de duas grandes tradições — a positivista e a socialista
orgânicas (assentadas em crenças e valores bem estabelecidos)
— que muito influenciaram o desenvolvimento da Sociologia
e críticas (momentos de crise). A primeira época orgânica foi
no Brasil. Vamos estudar alguns deles, começando por um autor
a Antiguidade greco-romana e a primeira época crítica, a das
que exerceu influência sobre as duas vertentes mencionadas: o
invasões “bárbaras”. A segunda época orgânica foi a da Idade
Conde de Saint-Simon.
Média e a segunda época crítica compreendeu o Renascimento
Saint-Simon e a nova ciência da e a Revolução Francesa. A terceira época orgânica seria a que
ele vislumbrava: a do industrialismo.
sociedade
Claude-Henri de Rouvroy — o Conde de Saint-Simon As classes sociais
— era descendente de uma família aristocrática muito antiga Em todas as épocas históricas houve uma divisão entre
na França e, por isso, teve uma educação aprimorada. Aos 18 dominantes e dominados, segundo Saint-Simon, e a história da
anos, juntou-se ao exército, do qual chegou a se tornar coronel. humanidade se explicaria pelas contradições entre essas cama-
Durante sua carreira militar, participou da luta pela indepen- das sociais. Ele não pensava em uma sociedade igualitária, pois
dência dos Estados Unidos. imaginava haver a possibilidade de uma harmonização entre as
Saint-Simon defendeu a Revolução Francesa de 1789, pois camadas sociais. Afirmava que, na sociedade francesa em par-
entusiasmou-se com os ideais de liberdade, igualdade e fraterni- ticular, existiam duas grandes camadas: a dos ociosos (a realeza,
dade. Além disso, acreditava que o Antigo Regime estava corrom- a aristocracia e o clero, os militares e a burocracia que adminis-
pido e não podia durar muito mais. Não aceitava, entretanto, a trava a estrutura dos que nada produziam) e a dos produtores
violência e a destruição que o movimento revolucionário infligia. ou industriais (cientistas, engenheiros, médicos, banqueiros,
No início do século XIX, procurou formular uma filosofia da comerciantes, industriais, artesãos, agricultores, trabalhadores
ciência capaz de unificar todos os fenômenos naturais e sociais braçais, enfim, todos os cidadãos úteis para o desenvolvimento
e propôs a reorganização das sociedades europeias tendo por da França).
fundamento a ciência e a indústria.
Novos dirigentes
No fim da vida, Saint-Simon formulou as bases de uma for-
SOCIOLOGIA
ma de religiosidade — um cristianismo mais dinâmico — que De acordo com Saint-Simon, para que a sociedade pós-re-
teria por objetivo fundamental a elevação física e moral da classe volucionária na França se firmasse, seria necessário que a ciência
mais numerosa e pobre da sociedade. tomasse o lugar da autoridade religiosa da Igreja, formando-se
Suas obras mais importantes, do ponto de vista socioló- assim uma nova elite: a científica. A ciência deveria substituir
gico, são: Reorganização da sociedade europeia (com Augustin a religião como força de coesão. Os cientistas substituiriam os
Thierry, 1814), A indústria ou discussões políticas, morais e filo- clérigos e os industriais substituiriam os senhores feudais. Os
sóficas no interesse de todos os homens livres e trabalhadores cientistas porque estudam a sociedade e os industriais porque
pensador, a Sociologia, como as ciências naturais, deve sempre go, Marx mudou-se para
procurar a reconciliação entre os aspectos estáticos e os dinâmi- Paris, na França. Ali escre-
cos do mundo natural ou, no caso da sociedade humana, entre veu, em 1844, os Manus-
a ordem e o progresso. critos econômico-filosóficos
O lema da “filosofia positiva” proposta por Comte era “co- (só publicados em 1932).
nhecer para prever, prever para prover”, ou seja, o conhecimento Entre 1845 e 1847, exilou-
é necessário para fazer previsões e também para solucionar pos- -se em Bruxelas, na Bélgica,
síveis problemas. onde escreveu A ideologia
A influência de Comte no desenvolvimento da Sociologia alemã (em parceria com
foi marcante, sobretudo, na escola francesa, evidenciando-se
em Émile Durkheim e seus contemporâneos e seguidores. Seu
Marx em representação
pensamento esteve presente em muitas das tentativas de criar de autoria desconhecida.
SOCIOLOGIA
BOITEMPO
científico da realidade só tem sentido quando visa à transforma- brasileira de 2005 do
ção dessa mesma realidade. A separação entre teoria e prática Manifesto comunista,
não é discutida, pois a “verdade histórica” não é algo abstrato e com caricatura de Marx
que se define teoricamente; sua verificação está na prática. e Engels assinada por
Maringoni. Lançado
Apesar de haver algumas diferenças em seus escritos, os inicialmente em 1848,
elementos essenciais do pensamento de Marx e Engels podem com o título Manifesto
ser assim sintetizados: do partido comunista, o
historicidade das ações humanas — crítica ao idealismo ale- livro é considerado um
dos tratados políticos
mão; com maior influência
divisão social do trabalho e o surgimento das classes sociais na sociedade de seu
— a luta de classes; tempo, difundindo
o fetichismo da mercadoria e o processo de alienação; uma concepção de
história que teria
crítica à economia política e ao capitalismo; presença marcante
transformação social e revolução; nas universidades e
utopia — sociedade comunista. no desenvolvimento
A obra desses dois autores é muito vasta, mas podemos do pensamento
sociológico.
destacar alguns livros e escritos, além dos que já citamos: A sagra-
da família (Karl Marx e Friedrich Engels, 1845), Manifesto comu-
nista (Karl Marx e Friedrich Engels, 1848), O 18 Brumário de Luís DESENVOLVIMENTO DA
Bonaparte (Karl Marx, 1852), Contribuição à crítica da economia
política (Karl Marx, 1857). SOCIOLOGIA
Essa obra não ficou vinculada estritamente aos movimen- A partir do último quartel do século XIX, a Sociologia
tos sociais dos trabalhadores. Pouco a pouco foi introduzida como saber acadêmico, isto é, universitário, desenvolveu-se es-
nas universidades como parte do estudo em diferentes áreas pecialmente na França, na Alemanha e nos Estados Unidos. Em
do conhecimento. Estudiosos de Filosofia, Sociologia, Ciência outros lugares também se desenvolveu um saber sociológico,
Política, Economia, História e Geografia, entre outras áreas, fo- mas não tão vigoroso nem tão amplo quanto nesses países.
ram influenciados por ela. Na Sociologia, como afirma Irving M.
Zeitlin, no livro Ideología y teoría sociológica, tanto Max Weber A Sociologia na França
quanto Émile Durkheim fizeram em suas obras um debate com No início do século XX, a França ainda estava sob a sombra
as ideias de Karl Marx. da Guerra Franco-Prussiana (1870-1871) e de seus desdobramen-
Pelas análises da sociedade capitalista de seu tempo e a tos. A derrota nessa guerra e o aniquilamento da Comuna de
repercussão que tiveram em todo o mundo, principalmente no Paris deixaram marcas profundas na sociedade francesa, deman-
século XX, nos movimentos sociais e nas universidades, Marx dando a reformulação de sua estrutura produtiva, tecnológica e
e Engels são considerados autores clássicos da Sociologia. No educacional.
campo dessa disciplina, porém, o pensamento deles ficou um A chamada Terceira República Francesa (1871-1940),
pouco restrito, pois perdeu aquela relação entre teoria e prática declarada durante a Guerra Franco-Prussiana, caracterizou-se
(práxis), ou seja, entre a análise crítica e a prática revolucionária. pela radicalização das posições políticas e foi marcada por es-
Essa relação esteve presente, por exemplo, na vida e na obra cândalos e crises políticas. Durante esse período, a miséria e o
dos russos Vladimir Ilitch Ulianov, conhecido como Lênin (1870- desemprego conviveram com uma grande expansão industrial,
1924), e Leon D. Bronstein, conhecido como Trotsky (1879-1940), ocasionando o fortalecimento das associações e organizações
da alemã Rosa Luxemburgo (1871-1919) e do italiano Antonio de trabalhadores e, consequentemente, a eclosão de greves e
Gramsci (1891-1937), que tiveram significativa influência no mo- o aguçamento das lutas sociais, campo propício ao desenvolvi-
vimento operário do século XX. mento das teorias socialistas.
Sociologia na França. Destacam-se, entre outros, Frédéric Le Play Em 1882 graduou-se trabalho social, de Émile Durkheim,
em edição de 2010. Nessa obra,
(1806-1882), René Worms (1869-1926), Jean-Gabriel de Tarde em Filosofia. A fim de am- o autor avalia positivamente
(1843-1904) e Émile Durkheim (1858-1917). pliar sua formação, viajou a crescente especialização do
Leia a seguir algumas informações sobre esses dois últimos para a Alemanha em 1885, trabalho, argumentando que ela
onde permaneceu durante cria solidariedade e propicia a
pensadores. coesão social.
um ano. Lá, teve aulas com
Jean-Gabriel de Tarde
Wilhelm Maximilian Wundt (1832-1920) e conheceu as obras
De família nobre, Jean-Gabriel de Tarde nasceu na cidade
de Wilhelm Dilthey (1833-1911), de Ferdinand Tönnies (1855-
francesa de Sarlat em 1843 e morreu em Paris em 1904. Obteve o
1936) e de George Simmel (1858-1918).
bacharelado em Letras em 1860 e em Direito em 1867. A partir de
Em 1887, tornou-se professor na Faculdade de Letras de
então seguiu carreira na magistratura. Nessa posição desenvolveu
Bordeaux, onde lecionou Pedagogia e Ciência Social até 1902.
investigações sobre criminologia, publicando vários artigos em
Em 1896, fundou a revista L’année Sociologique, em torno da
revistas da época. Posteriormente foi designado diretor da seção
qual se congregaram jovens colaboradores que posteriormente
de estatística criminal do Ministério da Justiça em Paris, cargo
dariam continuidade a seu trabalho. Em 1906 assumiu a cadeira
que conservou por toda a vida. Paralelamente, manteve intenso
de Ciência da Educação na Universidade de Sorbonne e, em
trabalho de investigação nas ciências sociais e humanas. Foi um
1910, conseguiu transformá-la em cátedra de Sociologia.
dos pensadores mais influentes na França de seu tempo.
De 1893 a 1899, Durkheim publicou três de seus principais
Para Jean-Gabriel de Tarde, do ponto de vista sociológico,
livros — Da divisão do trabalho social (1893), As regras do méto-
não há vida social sem imitação. Em sua definição, sociedade é
do sociológico (1895) e O suicídio (1897). Nessas obras e também
uma coleção de seres com tendência a imitar uns aos outros ou
em As formas elementares da vida religiosa, de 1912, conforme o
que, sem se imitar, se parecem, com qualidades comuns que são
sociólogo francês Raymond Aron (1905-1983), a argumentação
cópias antigas de um mesmo modelo. Assim, a imitação seria o
de Durkheim segue um roteiro preciso:
processo elementar de construção do social, pois ela é a ação de
Como ponto de partida, define-se o fenômeno a ser analisado.
SOCIOLOGIA
um indivíduo sobre outro e de uma subjetividade sobre outra. As
A seguir, refutam-se todas as interpretações anteriores.
oposições e adaptações representariam os processos de criação
Por último, desenvolve-se uma explicação propriamente so-
e transformação social.
ciológica do fenômeno considerado.
As obras de Jean-Gabriel de Tarde vêm sendo objeto de
Entre outras obras expressivas de Émile Durkheim, publi-
reedições e comentários, pois sua temática, ao discutir a imitação,
cadas por ele ou organizadas e publicadas posteriormente por
a invenção, o público, as multidões e os meios de comunicação,
seus alunos e seguidores, encontram-se Educação e sociologia
mostra-se de uma atualidade significativa. As principais são: La
(1905), Sociologia e filosofia (1924), A educação moral (1902) e
ULLSTEIN BILD
nuances […]. com os escritos de Immanuel
WAIZBORT, Leopoldo. As aventuras de Georg Simmel. São Paulo: USP,
Curso de Pós-Graduação em Sociologia/Ed. 34, 2000. p. 11.
Kant e com neokantianos, os
quais nunca deixou de lado em
Simmel foi o último
THE GRANGER COLLECTION, NOVA YORK, ESTADOS UNIDOS/OTHER IMAGES
FRANK MAY/AFP
veram-se em atividade após a Primeira
Guerra Mundial, como Ferdinand Tönnies,
Leopold von Wiese (1876-1969), Hans
Freyer (1887-1969) e Franz Oppenheimer
(1864-1943), que fundou, em 1919, a pri-
meira cátedra de Sociologia na Alemanha, SOCIOLOGIA
em Frankfurt.
Em contrapartida, houve a urbanização das terras do oeste e influenciados principalmente pela tradição religiosa protestante
das áreas centrais do país, o que contribuiu para o crescimento da disseminada em quase todo o território, pelo liberalismo eco-
economia e a expansão industrial. No norte, graças ao esforço de nômico clássico conservador, do tipo laissez-faire, pelo evolucio-
guerra, houve um grande crescimento, principalmente na meta- nismo do inglês Charles Darwin (1809-1882) e pelo darwinismo
lurgia, no transporte ferroviário, na indústria de armamentos e na social de Herbert Spencer (1820-1903). Acrescente-se a essas
indústria naval. O comércio também se expandiu de maneira ex- concepções de mundo e ciência o pragmatismo do filósofo e
ponencial em todo o território estadunidense. O padrão de cultura psicólogo William James (1842-1910) e do filósofo Charles Pierce
dos Estados Unidos passou a ser o ideal nortista de “trabalho duro, (1839-1914).
educação e liberdade econômica a todos”. Houve ainda um grande Essa herança permite compreender as duas grandes carac-
desenvolvimento de escolas e instituições de ensino superior. terísticas da Sociologia nos Estados Unidos:
O segundo grande evento que marcou a história estaduni- Multiplicidade de temas, problemas e propostas e diversidade
dense foi a chegada em massa de estrangeiros. Entre 1860 e 1900, teórica e metodológica.
os Estados Unidos passaram de país agrícola, com população em Desenvolvimento desse campo do conhecimento em univer-
torno de 30 milhões, para país industrial, com uma das maiores sidades, nas quais as atividades eram financiadas pelo Estado
economias do mundo e com 75 milhões de habitantes. e pelo setor privado (Fundação Rockefeller, comitês e associa-
O incremento populacional e a industrialização redundaram ções normalmente religiosas).
em um processo de urbanização sem precedentes que continuou Por causa dessa segunda característica, optamos por analisar
até a década de 1930. Para se ter uma ideia, em 1860 viviam em o desenvolvimento da Sociologia nos Estados Unidos em três
Chicago 102.260 pessoas; em 1900, a população da cidade passou importantes universidades estadunidenses: a de Chicago, Harvard
a 1.698.575 e, em 1930, a 3.375.329. e Columbia.
Em virtude desses fatores, consolidaram-se nos Estados Uni-
dos uma burguesia industrial, comercial e financeira significativa, Universidade de Chicago
uma classe trabalhadora majoritariamente formada por imigran- A Universidade de Chicago foi fundada em 1890 pelo
tes e uma classe média em ascensão. As principais cidades passa- magnata do petróleo John D. Rockefeller e recebeu os primeiros
ram a ser um espaço de conflito e alvo de preocupações. Temas alunos em 1892. Nela foi criado o primeiro departamento de
como imigração, aculturação, conflitos étnicos, comportamentos Sociologia dos Estados Unidos, sob a direção de Albion Wood-
desviantes e políticas públicas foram importantes na Sociologia bury Small.
desenvolvida inicialmente no país. No início de seus trabalhos sociológicos, a Universidade
Entre os principais fundadores da Sociologia nos Estados de Chicago deu primazia à pesquisa empírica, procurando co-
Unidos estão William Graham Sumner (1840-1910), Lester Frank nhecer, por meio da observação direta, a dinâmica das rela-
Ward (1841-1913), Albion Woodbury Small (1854-1926), Franklin ções sociais. Desenvolveu uma forte tendência pragmática e
Henry Giddings (1855-1931), Thorstein Bunde Veblen (1857-1929), microssociológica, que viria a ser conhecida como a Escola de
William Isaac Thomas (1863-1947), Robert Ezra Park (1864-1944), Chicago. A maior preocupação dos integrantes dessa Escola foi
Charles Horton Cooley (1864-1929) e George Herbert Mead (1863- com os problemas das grandes cidades dos Estados Unidos,
1931). como a marginalidade social, o alcoolismo, as drogas, a segre-
A herança cultural desses fundadores é muito diversa: foram gação racial e a delinquência, estabelecendo uma relação entre
EDITORA VOZES
na sociedade. Os sociólogos de Chicago também se dedicaram de de Toronto, em 1945, e
ao que chamaram de ecologia humana em oposição à ecologia concluiu o mestrado (1949)
animal e vegetal. e o doutorado (1953) na
Universidade de Chicago,
onde estudou Sociologia
Em 1895, Albion Woodbury Small fundou o American Jour-
e Antropologia Social. Em
nal of Sociology e, em 1907, participou ativamente da fundação
1958, tornou-se professor
da Sociedade Americana de Sociologia. Ele publicou, com Geor-
da Universidade da Califór-
ges Vincent, em 1894, talvez o primeiro manual de Sociologia
nia e, em 1968, ingressou na
para estudantes, intitulado
Introdução ao estudo da socie- Universidade da Pensilvânia,
dade. Tendo estudado na Ale- onde foi professor de Antro-
manha, Small foi o principal pologia e Sociologia. Entre
divulgador do pensamento 1981 e 1982, foi presidente
de Georg Simmel nos Estados da Sociedade Americana de
Unidos. Sociologia.
Goffman realizou pes- Capa do livro Comportamento em
lugares públicos, de Erving Goffman,
JOHNSON REPRINT CORPORATION
AFP
Em 1930, obteve a cidadania estadunidense e se tornou o
A King’s Col-
primeiro professor de Sociologia da Universidade Harvard. Foi
lege foi fundada
também o primeiro presidente do Departamento de Sociologia
em 1754, em Nova
dessa instituição, cargo que ocupou até 1944, quando foi substi-
York, nos Estados
tuído por Talcott Edgar Frederick Parsons. Permaneceu em Har-
Unidos. Quando
vard até a morte, em 1968.
as colônias ingle-
A base teórica de Sorokin vincula-se a autores europeus
sas declararam-se
e não à tradição estadunidense. Ele desenvolveu estudos sobre
independentes da
as teorias da dinâmica social e dos processos de mobilidade e
Grã-Bretanha, a
mudança sociais. Suas principais obras foram: Sociologia da revo-
instituição passou
lução (1925), Mobilidade social (1927), Dinâmica social e cultural
a se chamar Uni-
(1937-1941), A crise de nosso tempo (1941), Sociedade, cultura e
versidade Colum-
personalidade (1947) e Novas teorias sociológicas (1966). As três
últimas foram publicadas no Brasil.
Talcott Parsons nasceu no Colorado, nos Estados Uni-
dos. Em 1924, graduou-se em Biologia e Filosofia na Faculdade
Amherst. Em 1925, pós-graduou-se em Ciências Sociais na Escola Universidade
Columbia. Fotografia
de Economia de Londres, na Inglaterra, e, em seguida, doutorou- de 2011.
GETTY IMAGES
ram uma postura críti- no qual discute a corrida nuclear, e A Revolução em Cuba
ca diante da realidade. (1960), em que analisa a fase inicial da Revolução Cubana.
Atribuindo aos so- Outros sociólogos que defendem uma postura crítica na
ciólogos a responsabili- Sociologia estadunidense, continuadores ou não de Charles
dade de agentes ativos Wright Mills, são Irving Louis Horowitz (1929-2012), Martin
na sociedade, cabendo- Nicolaus (1928-) e Alvin Gouldner (1920-1980).
-lhes tomar parte nos
debates públicos de sua A SOCIOLOGIA
época, Mills defendia a
ideia de que a Sociolo- CONTEMPORÂNEA
gia deveria ser acessí- Se até a década de 1960 podia-se falar em uma Sociolo-
vel à compreensão do gia dividida por países, após essa década, tendo em vista um
grande público. processo significativo de circulação de informações pelos mais
C. Wright Mills
Para ele, a ciência em 1960. variados meios de comunicação, pode-se dizer que os princi-
social era inseparável da pais cientistas sociais se tornaram globalizados, assim como a
vida pessoal do cientista: a intuição, a imaginação e o compro- literatura sociológica.
metimento com o tempo em que se vivia eram fundamentais As questões sociais, que até então podiam estar localiza-
para compreender cientificamente a sociedade. Suas obras das em países ou em blocos de países, também se tornaram
foram publicadas em vários idiomas. Além da citada anterior- mundializadas, e vários pensadores passaram a refletir sobre
mente, as mais importantes são: A nova classe média (1951), A temas chamados de pós-modernos, hipermodernos ou sim-
elite do poder (1956), Sobre o artesanato intelectual (1959) e plesmente contemporâneos, e que afetam um país, uma região
Os marxistas (1962). ou todo o mundo.
Escreveu também artigos em revistas e dois livros que tive-
ram grande exposição na mídia dos Estados Unidos, por seu ca-
ZAHAR
ZAHAR
DFA/AFP
À esquerda, Zygmunt Bauman por ocasião do Congresso do Futuro promovido pelo Partido Verde alemão, em 2006. À direita, reprodução da capa de
duas obras de Bauman: Globalização: as consequências humanas e Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Em Globalização, Bauman faz uma
análise do modo de vida da sociedade contemporânea; em Amor líquido, o autor apresenta reflexões sobre o amor na era digital.
A Sociologia contemporânea, porém, mantém uma relação a weberiana ou compreensiva, com o desenvolvimento da
significativa com as grandes vertentes da Sociologia anterior: fenomenologia e da hermenêutica;
a marxista ou histórico-estrutural, com suas variações; a teórica e pragmática estadunidense, com variadas linhas.
a durkheimiana ou funcionalista, com o desenvolvimento de Além dessas vertentes, pensadores como Jean-Gabriel de
um neofuncionalismo; Tarde e Georg Simmel, que estavam um tanto esquecidos, pelo
COLEÇÃO PARTICULAR
(1934-2013), Richard Sennett (1943-
), Serge Moscovici (1928-), Thomas
Luckmann (1927-), Zygmunt Bau-
man (1925-).
A SOCIOLOGIA
NO BRASIL
Experiências no ensino
médio
Como na França de Émile Dur-
kheim, os primeiros passos da Socio-
logia no Brasil, em termos institucio-
nais, corresponderam a iniciativas
para a inclusão dessa disciplina no en- SOCIOLOGIA
sino secundário. A primeira tentativa
ocorreu em 1890, logo após a procla-
mação da República, com a reforma
educacional de Benjamin Constant,
que defendia o ensino laico em todos
os níveis. O ensino secundário tinha A Escola Livre de Sociologia e Política nas páginas do Correio paulistano.
Na fotografia, o prédio que abrigou a escola, no largo São Francisco, na capital de São Paulo, até 1954.
por objetivo a formação intelectual
16-08236 CDD-301
Impressão e acabamento
Uma publicação