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2019 - 03 - 18

Processo Administrativo - Ed. 2018


Processo Administrativo - Lei 9.784/1999 - Comentada
Capítulo XV. DO RECURSO ADMINISTRATIVO E DA REVISÃO

Capítulo XV
DO RECURSO ADMINISTRATIVO E DA REVISÃO

Thiago Marrara

Art. 56. Das decisões administrativas cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito.

§ 1º O recurso será dirigido à autoridade que proferiu a decisão, a qual, se não a


reconsiderar no prazo de 5 (cinco) dias, o encaminhará à autoridade superior.

§ 2º Salvo exigência legal, a interposição de recurso administrativo independe de caução.

§ 3º Se o recorrente alegar que a decisão administrativa contraria enunciado da súmula


vinculante, caberá à autoridade prolatora da decisão impugnada, se não a reconsiderar,
explicitar, antes de encaminhar o recurso à autoridade superior, as razões da aplicabilidade
ou inaplicabilidade da súmula, conforme o caso.

ART. 56, CAPUT

Recursos administrativos: tipologia e função

Sob o ponto de vista procedimental e em sentido amplíssimo, o recurso constitui um


instrumento que suscita a reavaliação de uma decisão administrativa. Dentro dessa categoria,
enquadram-se a reconsideração, o recurso administrativo em sentido estrito, a revisão, além de
recursos de ofício, que serão definidos e comentados oportunamente.

O art. 56, caput da LPA trata mais especificamente do recurso administrativo em sentido estrito,
também conhecido como recurso administrativo voluntário ou recurso hierárquico. Esses nomes
têm uma razão clara de ser. Diz-se que o recurso em sentido estrito é voluntário, pois ele decorre
da iniciativa do administrado, ou seja, depende de seu interesse em colocar a matéria em reexame.

No ordenamento brasileiro, qualquer interessado pode ou se valer do recurso perante a


Administração Pública ou recorrer diretamente ao Judiciário, tendo em vista o princípio
constitucional da unicidade da jurisdição, ancorado no art. 5º, inciso XXXV da Constituição da
República. Não há um dever geral de esgotamento da instância administrativa. Não obstante, a
desvantagem de recorrer ao Judiciário antes de utilizar os meios recursais existentes no âmbito
administrativo guarda relação com a amplitude do controle judicial sobre atos administrativos.
Ainda que esse controle tenha se estendido significativamente ao longo do tempo, especialmente
por força de princípios como os da razoabilidade e da moralidade administrativa, não caberá ao
Judiciário, a princípio, avaliar o mérito de decisão administrativa discricionária em substituição ao
administrador público. Diante da divisão constitucional de poderes, o juiz não refará a ponderação
de conveniência e oportunidade contida nesse tipo de decisão, restringindo-se a verificar questões
de ordem predominantemente formal e legal.1

Ademais, a interposição do recurso administrativo se mostra comparativamente mais vantajosa


que a utilização imediata dos remédios judiciais, pois, na fase de reapreciação da matéria ensejada
pela interposição do recurso dentro do processo administrativo, o interessado estará autorizado a
apresentar alegações complementares e produzir novas provas. Essas possibilidades resultam do
princípio do formalismo mitigado, da indisponibilidade do interesse público e do princípio da
legalidade, que, mesmo em sede recursal, não acarretam uma preclusão geral de atividades
processuais necessárias à busca da verdade material, à proteção do ordenamento jurídico e dos
interesses públicos primários nele consagrados. A flexibilidade de ação que se confere aos
interessados e à Administração na fase recursal e os princípios que as justificam fazem que o
recurso administrativo se distancie de seus congêneres judiciais – caracterizados pela intensa
formalidade, pela rigidez procedimental e pela restrição do rol de alegações e do uso de armas
probatórias.

Por todas essas razões, a interposição de recurso administrativo voluntário é de grande


importância para o particular e para a Administração Pública. Por força dos valores mencionados
e também do direito fundamental de petição, eles não dependem sequer de previsão legal para
que possam ser interpostos. De outra via, sua utilização contribui para evitar que a sociedade e o
próprio Estado sobrecarreguem o Judiciário com causas que poderiam ser resolvidas de modo
pacífico, célere e efetivo no âmbito interno de cada ente público.2

Todos esses aspectos se prestam apenas a destacar as vantagens de não se abrir mão dos
recursos administrativos. Eles não servem, porém, para obstar o direito fundamental de qualquer
cidadão que figure como interessado no processo administrativo questionar atos e decisões a
qualquer momento perante o Poder Judiciário.

Recurso de ofício e recurso voluntário

Os recursos administrativos ora comentados são voluntários, ou seja, interpostos a partir do


desejo e da iniciativa do interessado no processo administrativo. Tais recursos não se confundem
com os recursos de ofício. Embora resulte igualmente na reapreciação da matéria objeto do
processo pela autoridade hierárquica superior, o recurso de ofício se diferencia do recurso
voluntário por quatro fatores centrais, quais sejam:

a) O recurso de ofício é interposto pela autoridade, não pelo interessado, já que o Estado não
pode forçar ninguém a se valer de seu direito de petição e, por via de consequência, de seu direito
de recorrer. Para o interessado, existe apenas recurso voluntário. Diferentemente, para entes
públicos, abre-se em geral a via do recurso voluntário caso eles cumpram os requisitos de
legitimação e, nos casos previstos expressamente no ordenamento, impõem-se que eles
interponham recursos de ofício.

b) O recurso de ofício não depende da vontade nem da autoridade inferior (que prolata a
decisão questionada) ou superior (que julga a decisão questionada), nem tampouco de
interessados envolvidos no processo administrativo. A interposição é automática e decorre da
vontade do legislador consubstanciada em norma.

c) O recurso de ofício depende expressamente de previsão legal,3 já o recurso voluntário,


interposto por desejo do interessado, é aceitável sempre que não haja vedação expressa em lei por
força do direito fundamental de petição. A regra é a existência do recurso voluntário a despeito da
previsão legal.4 No entanto, a legislação poderá estipular um limite de instâncias, como se
vislumbra no art. 57 da LPA.

d) O recurso de ofício é interposto apenas quando a decisão administrativa é parcial ou


totalmente desfavorável à Administração Pública5 ou aos interesses públicos primários que lhe
cabe proteger. Se a decisão for favorável à Administração, não haverá razão para determinar a
reapreciação pela autoridade superior e, eventualmente, alterá-la em detrimento dos interesses do
ente público que havia “ganhado a causa administrativa” em um primeiro momento.

Para além dessas considerações, é importante esclarecer que o art. 56 e seguintes da LPA
tratam do recurso voluntário, ou seja, do recurso que pode ou não ser interposto pelo interessado
no processo administrativo frente a uma decisão que lhe seja desfavorável. O recurso de ofício, na
verdade, não foi tratado pelo capítulo XV pela LPA, mas daí não se deve entender que esse tipo de
recurso tenha sido proibido ou extinto. Ele existirá sempre que previsto em lei específica. Reitere-
se: por sua função de controle, o recurso de ofício depende de previsão normativa expressa.

Como se afirmou na primeira edição dessa obra, a previsão de recurso de ofício em ato
normativo interno da Administração (como resoluções e portarias) não deve ser aceita, a princípio,
por violar o princípio da eficiência, previsto no art. 37, caput da Constituição da República, e o
direito fundamental do administrado à duração razoável do processo e aos meios necessários para
a celeridade processual, por força do art. 5º, inciso LXXVIII, da Carta Magna. Isso tudo leva a crer
que o recurso de ofício, por retardar o processo, deva sempre estar previsto em lei em sentido
formal.

Os fundamentos constitucionais do recurso voluntário

Muitos autores fundamentam a existência do recurso administrativo voluntário no chamado


princípio do duplo grau de jurisdição administrativa.6 Nos termos desse princípio, qualquer
interessado, pessoa física ou jurídica, teria o direito a uma segunda análise do objeto do processo
administrativo para que, eventualmente, fosse a decisão alterada de modo global ou parcial.
Ocorre que um direito ao duplo grau de jurisdição, seja no Judiciário, seja no âmbito da
Administração Pública, não consta expressamente da Constituição da República.7 Por isso, parte-se
aqui do entendimento de que o princípio da recorribilidade das decisões administrativas decorre,
muito mais, de outras normas constitucionais, especialmente as que consagram o princípio da
legalidade e eficiência administrativa (art. 37, caput), bem como as que tutelam o direito
fundamental ao devido processo legal e o direito fundamental de petição (art. 5º, incisos LVI e
XXXIV “a”).

Os recursos administrativos são um instrumento a favor da legalidade administrativa, pois


permitem que mais de uma autoridade zele pelo cumprimento da supremacia da lei e do Direito
sobre o Estado. Ao autorizar a reapreciação da matéria, o recurso também amplia a possibilidade
de anulação de atos ilegais e de revogação de atos contrários ao interesse público. De outra via, os
recursos colaboram com a eficiência da Administração, pois, ainda que causem certa dose de
retrabalho administrativo, permitem o aperfeiçoamento das decisões administrativas, ou seja, a
construção de decisões administrativas mais corretas e mais adequadas à consecução de interesses
públicos primários e de interesses secundários. Sob o ponto de vista do particular, os recursos
representam uma forma de expressão do direito de petição, ou seja, do direito de solicitar uma
nova atuação da Administração contra um ato decisório que considera incorreto, inoportuno ou
ilegal. Permitem os recursos, ainda, que o interessado se proteja contra atos de autoridades que,
eventualmente, demonstrem-se tecnicamente despreparadas ou descomprometidas com o
princípio da boa administração.

O objeto do recurso e a decisão administrativa

Dispõe o art. 56, caput da LPA que o recurso será interposto contra uma “decisão
administrativa”, daí a necessidade de tecer algumas considerações sobre esse conceito e seus
limites, pois nem todos os atos praticados pela Administração Pública configuram decisão em
sentido estrito.

No desempenho de suas incontáveis tarefas administrativas, as entidades que compõem a


Administração Pública praticam uma série de atos, alguns que diretamente modificam direta ou
indiretamente a esfera de direitos, deveres ou faculdades dos indivíduos, outros que simplesmente
buscam a preparar a elaboração dos primeiros ou a executá-los. Nesse contexto, quando se fala de
“decisão administrativa”, quer-se designar o primeiro grupo, ou seja, os mais diversos tipos de
atos, monocráticos ou colegiados, com conteúdo concreto ou abstrato, que tratam de certa questão
da vida e, ao fazê-lo, criam, modificam ou extinguem direitos, faculdades e deveres, de natureza
individual ou coletiva.

Dentro da categoria de decisões administrativas, diferenciam-se basicamente o ato


administrativo, de natureza concreta (mas ora geral, ora individualizado quanto aos destinatários),
dos atos normativos, que possuem natureza abstrata (ou seja, universal quanto ao assunto) e geral
(isto é, universal quanto aos sujeitos).8 Exemplos de decisões administrativas são, portanto, os atos
sancionadores, as medidas cautelares, os atos de licença, de autorização, de admissão, de
promoção, de nomeação e assim por diante. Essas e outras espécies mostram que a decisão
administrativa é multifacetada, plural. Ela configura ora um ato normativo, ora um ato
administrativo, como o de condicionamento de direitos, de restrição de direitos, de imposição de
deveres, de punição etc.

Em todos esses casos, o interessado no processo administrativo poderá recorrer da decisão da


autoridade se constatados vícios de legalidade ou outros inconvenientes em relação ao juízo de
oportunidade e conveniência, como uma afronta à razoabilidade. A configuração da decisão
administrativa é, assim, pressuposto da recorribilidade. Sem decisão não existe recurso.

Por essa razão, os atos de preparação de uma decisão, bem como os atos que a executam não
aceitam recurso, na medida em que não criam, modificam ou extinguem, por si só, direito, dever
ou faculdade. Exemplo disso se vislumbra no tocante aos atos opinativos, como um parecer
elaborado no âmbito de um processo administrativo de revalidação de diploma estrangeiro ou
num processo sancionador. O parecer não é uma decisão, senão uma mera proposta, que pode ou
não ser aceita pelo órgão julgador como motivo de sua decisão. Como então o interessado poderá
se defender contra um parecer elaborado por agente público em situação de parcialidade ou cujo
conteúdo seja claramente ilegal?

Ora, se o parecer não é decisão administrativa, senão um ato opinativo, contra ele não cabe
recurso administrativo. Contudo, o interessado não resta desprotegido, pois recursos poderão ser
interpostos, sem qualquer óbice, contra a decisão administrativa que designa como parecerista
uma autoridade em evidente situação de suspeição ou impedimento, bem como contra a decisão
final do processo administrativo que toma as sugestões e a argumentação do parecer como seus
motivos nos termos do art. 50, § 1º da LPA.9

A mesma lógica vale para os atos materiais ou meramente executórios. Não cabem recursos
contra eles, pois não configuram decisões administrativas. Na verdade, o recurso caberá contra o
ato administrativo ou normativo que estipula o ato material, ou seja, contra a decisão
propriamente dita que ordena ou faculta a prática da atividade fática.

As “razões de legalidade”

Reza o art. 56, caput que o recurso administrativo voluntário será interposto em face de uma
decisão administrativa por razões de legalidade e de mérito.

Em primeiro lugar, é preciso verificar o que significam “razões de legalidade”. De modo


simplificado, a legalidade administrativa divide-se em duas regras básicas: a do “nada contra a lei”
e a do “nada sem a lei”. O “nada contra a lei” (supremacia da lei) exige que nenhum ato
administrativo ou da Administração atente contra dispositivos constitucionais e legais em sentido
estrito, ou seja, que constam de lei em sentido material (de caráter geral e abstrato) e formal
(aprovada de acordo com o processo legislativo cabível).10

O “nada sem a lei” (reserva legal), por sua vez, impede que a Administração Pública, sem
autorização legal, restrinja a esfera de direitos dos indivíduos, inclusive de modo coletivo e difuso.
É o que estipula o art. 5º, inciso II da Constituição da República, pelo qual: “II – ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Além dessa hipótese
geral, o legislador prevê outras várias formas de reserva de lei, por exemplo, quando cuida do
percentual de reserva de vagas para deficientes em concursos públicos (art. 37, VIII da CF).

Com base nessas definições, haverá razão de legalidade para se recorrer de uma decisão
administrativa quando a decisão for contrária à lei e ao direito (art. 2º, parágrafo único, inciso I, da
LPA) ou quando a decisão contiver um mandamento, uma determinação, uma imposição que afeta
negativamente a esfera jurídica da pessoa, física ou jurídica, sem encontrar qualquer respaldo
legal. No primeiro caso, a decisão administrativa afronta norma existente; no segundo, a decisão é
expedida sem base em norma considerada essencial.

Imagine-se que a Administração, ao final de um processo administrativo sancionatório, decida,


em virtude da gravidade do ato praticado pelo acusado, aplicar-lhe uma pena de multa,
contrariando lei específica que determina a mera advertência como sanção para a infração
administrativa verificada no caso concreto. Ora, ao desobedecer à lei que impõe a mera
advertência, sem prever qualquer possibilidade de cominação de multa, a decisão administrativa
se torna um ato naturalmente ilegal, pois contrário à regra da supremacia da lei. Existe, pois,
inquestionável violação da supremacia da lei e da Constituição, cabendo a interposição de recurso
administrativo contra essa decisão por “razões de legalidade” nos termos do art. 56, caput, da LPA
e a despeito de qualquer previsão de recursos em atos normativos internos, como resoluções ou
portarias da entidade.

De outra via, imagine-se que a lei específica permita apenas a imposição de multa na hipótese
de configuração de determinada infração administrativa. A autoridade, porém, considerando a
multa insuficiente, decide impor sanções adicionais por vontade própria. Nesse caso, desponta
uma inegável violação à reserva legal (“nada sem a lei”). A Administração age ilegalmente, pois
invade e restringe a esfera de direitos fundamentais do acusado sem autorização legal para tanto,
isto é, sem que a sociedade, por via do legislador e da lei, permita esse tipo de atuação. Nessa
situação, há “razão de legalidade” que servirá para questionar a manutenção da decisão
administrativa recorrida.

As “razões de mérito”

Nos termos do art. 56, caput, da LPA, um recurso ainda poderá ter como finalidade a alteração
de uma decisão administrativa em virtude de “razões de mérito”. Em outras palavras, autoriza-se
ao interessado solicitar a reapreciação da decisão por considerar que o mérito, ou seja, o juízo de
conveniência e oportunidade que a permeia, não é razoável.

A discussão sobre mérito do ato administrativo, sobre sua oportunidade e conveniência, liga-se
diretamente à ideia de razoabilidade. Por mais que o conteúdo do ato seja legal, o órgão
competente, ao elaborá-lo, deve observar as regras da adequação, da necessidade e da
proporcionalidade. Essas três regras básicas constituem, em última instância, o núcleo do
princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade em sentido amplo.11

A regra da adequação restará descumprida quando a decisão administrativa for inapta a


atingir a finalidade que o órgão decisório espera no momento em que a profere. Desse modo, a
título de ilustração, imagine-se que a autoridade sanitária pretenda evitar a proliferação de uma
doença causada por uma substância presente apenas em bebidas alcoólicas. Para proteger a
sociedade contra esse risco, decide tomar diversas medidas cautelares e, nesse intuito, acaba por
proibir a produção e a comercialização de bebidas alcoólicas e, adicionalmente, de bebidas não
alcoólicas, como refrigerantes, sucos etc. Considerando-se que as bebidas não alcoólicas não
guardam relação com a doença, a extensão da medida preventiva em detrimento de sua produção
e comercialização configura uma restrição inadequada de direitos e interesse públicos primários.
Há, portanto, uma “razão de mérito” a fundamentar a interposição de recurso administrativo.

A regra da necessidade, por sua vez, exige que a decisão administrativa escolhida pela
Administração Pública seja a mais branda possível dentre as adequadas disponíveis.
Permanecendo no mesmo exemplo dado acima, suponha-se que a doença ocasionada pela ingestão
das bebidas alcoólicas possa ser evitada por meio de uma leve alteração de sua fórmula química,
ou melhor, com a substituição de um de seus conservantes. Apesar disso, suponha-se que a
autoridade pública, não se dando por satisfeita, decida tomar medida mais agressiva, cassando os
registros das bebidas alcoólicas e, com isso, impedindo sua produção. Nesse caso, resta clara a
violação da regra da necessidade. Se existir uma forma mais branda de se proteger o interesse
público ou um direito fundamental, não sobrará razão para se utilizar a medida mais agressiva,
mais restritiva ou mais interventiva. Se a mera alteração do produto puder evitar os danos à
sociedade, por que ele deverá ser banido do mercado? A escolha da medida gravosa desnecessária
torna o juízo de mérito irrazoável e constitui, por isso, “razão de mérito” apta a justificar o recurso
administrativo dos interessados.

A terceira regra componente do princípio da razoabilidade é a da proporcionalidade em


sentido estrito. A decisão administrativa será proporcional quando o sacrifício que ela impuser ao
interessado no processo for menor que o benefício público que ela gerar. Se o benefício público
não compensar o sacrifício dos interesses e direitos do interessado, a decisão será
desproporcional. Assim, utilizando novamente o exemplo dado, imagine-se que a doença causada
em virtude do consumo de bebidas alcoólicas afete uma parcela extremamente pequena da
população e essa doença seja muito pouco danosa ao organismo, curando-se naturalmente e em
curto período de tempo. Caso se verifique, nesse contexto, que o prejuízo aos produtores e
consumidores em geral será muito maior que o benefício que a decisão de interrupção da
produção da bebida será capaz de ocasionar, então a decisão administrativa a impor essa restrição
da produção se revelará desproporcional. Essa desproporcionalidade constituirá igualmente uma
“razão de mérito” apta a sustentar a interposição do recurso administrativo nos termos do art. 56,
caput da LPA.

ART. 56, § 1º

Direcionamento do recurso voluntário

Os recursos administrativos voluntários, a despeito dos motivos para sua interposição, serão
encaminhados à autoridade administrativa que proferiu a decisão contra a qual se recorre para
que ela possa realizar um juízo de reconsideração e, somente em caso negativo, será encaminhado
ao órgão superior competente para julgá-lo. Com efeito, nos termos do art. 17 da LPA, o processo
administrativo se inicia perante a autoridade de menor grau hierárquico para decidir salvo
disposição legal em contrário. Será esta, portanto, a autoridade competente para eventualmente
reconsiderar.

A autoridade recorrida, ou seja, a que proferiu a decisão administrativa da qual o interessado


no processo recorre, deve ter a oportunidade de apreciar as razões de fato e de direito que
sustentam o recurso justamente antes de submetê-lo à instância superior. Por força de
mandamento expresso da LPA, a possibilidade de reconsideração constitui uma etapa obrigatória
do trâmite recursal. Essa tramitação se impõe, entre outras coisas, pelo princípio da eficiência e da
economia processual. Não há necessidade de se movimentar outros órgãos, de se alongar
temporalmente o processo e de se ocasionar o dispêndio de mais recursos financeiros e humanos
da Administração Pública, se a própria autoridade que proferiu a decisão é apta para conhecer as
razões de legalidade ou de mérito contidas no recurso e reformar a decisão em atendimento à
solicitação do interessado.

Direcionamento de recursos de ofício e recursos impróprios

As normas contidas no art. 56, § 1º da LPA dizem respeito ao recurso hierárquico voluntário. O
recurso de ofício, interposto pela própria autoridade por força de dispositivo legal, não se sujeita à
reconsideração nos termos da LPA. Por esse motivo, ele deve ser diretamente encaminhado ao
órgão hierárquico superior à autoridade que proferiu a decisão.

Em relação ao direcionamento e ao ente competente para julgar o recurso voluntário, uma


distinção se mostra essencial. Os recursos administrativos voluntários são próprios ou impróprios.
No recurso próprio, o órgão competente para julgamento do recurso, sempre que não houver
reconsideração, será o órgão hierarquicamente superior dentro da mesma entidade pública. Na
prática, o recurso voluntário próprio constitui um mecanismo de controle interno de cada
instituição pública – mecanismo que se baseia não só no direito fundamental de petição, mas
também no princípio da legalidade administrativa. Daí porque ele sequer exige previsão expressa
em lei específica ou em atos internos, como editais de concursos ou processos seletivos, atos
convocatórios de licitações etc.

O recurso impróprio, por sua vez, não é julgado pelo órgão hierarquicamente superior dentro
da mesma entidade, mas sim por uma autoridade pertencente à outra entidade da Administração
Pública conforme determinação prevista em lei.12 Por meio do recurso impróprio, deflagra-se,
portanto, uma forma de controle externo, ou seja, de controle exercido por uma pessoa jurídica
estatal sobre outra, com personalidade própria. É exatamente por essa natureza que o recurso
impróprio depende de previsão legal,13 a despeito de existirem posicionamentos em sentido
distinto no Brasil, como o firmado no polêmico Parecer Normativo AGU 51.14

A título meramente exemplificativo, uma lei específica poderia determinar que o ato decisório
proferido por uma autarquia devesse ser julgado por um órgão ministerial. Nesse caso, profere-se
a decisão no âmbito da Administração Indireta (a autarquia como julgadora a quo), mas o recurso
é encaminhado para julgamento a um ente da Administração Direta (o Ministério dentro da União
como julgador ad quem). Como se vê, o recurso não segue para o órgão superior imediato dentro
da mesma entidade. Ele é julgado por uma pessoa jurídica distinta. No entanto, isso ocorrerá
somente se a autoridade julgadora não exercer seu juízo de reconsideração nos termos do art. 56, §
1º da LPA.

Reconsideração e reforma

A reconsideração, conforme exposto, existe tanto no trâmite do recurso voluntário próprio,


quanto do impróprio. Ela deverá ser realizada sempre, quer seja a autoridade competente para o
julgamento imediatamente superior à autoridade recorrida (recurso próprio), quer seja ela outro
ente com poder de tutela sobre a entidade da autoridade recorrida (recurso impróprio).15 Além
disso, o pedido de reconsideração não depende de previsão legal.16 Todo interessado que considere
a decisão administrativa prejudicial aos seus direitos e interesses tem legitimação para solicitar a
reconsideração da decisão, a não ser que exista uma proibição para tanto – o que, em geral, não
ocorre na prática.

O juízo de reconsideração decorre de um direito do interessado e configura um dever da


Administração Pública. Já a alteração da decisão proferida pode ser discricionária ou vinculada a
depender da situação. O juízo de reconsideração é obrigatório, mas a reconsideração da decisão
em si pode abrir margem de discricionariedade em certas situações, salvo se houver um vício
danoso de legalidade cuja convalidação se revele impossível e cuja confirmação se mostre
inaplicável (nos termos do art. 54 da LPA). Isso significa que a autoridade não poderá restringir ou
ignorar o direito à reconsideração, negando-se a ler e analisar as alegações dos interessados ou
deixando de apresentar os motivos pelos quais, eventualmente, considerará incabível o pedido do
interessado. Contudo, o órgão ad quem poderá deixar de reformar a decisão de modo motivado,
sobretudo quando ela for discricionária e se considerar que o juízo de conveniência e
oportunidade realizada pela autoridade a quo é legal e razoável.

Em síntese, a reconsideração consiste na alteração total ou parcial do conteúdo decisão


administrativa pela autoridade que a proferiu e em virtude da interposição de recurso
administrativo. Vale observar que, caso a autoridade a quo altere o ato administrativo válido por
ela proferido com base na oportunidade e conveniência, falar-se-á mais acertadamente em
reforma, não em reconsideração em sentido estrito. A reconsideração propriamente dita é a
alteração total ou parcial do ato administrativo que decorre do recurso; a reforma, por sua vez,
consiste na alteração total ou parcial que se pauta por razões administrativas outras, não
decorrentes do recurso.17

Prazo de requerimento da reconsideração

Apesar do silêncio da LPA, o prazo para solicitação deve ser de 10 dias, já que, de modo geral,
ela se embute na petição de interposição de recurso administrativo. Esse prazo também deve valer
para os casos em que há instância única e, por isso, a reconsideração é interposta sem recursos
hierárquicos. Nesse sentido se posiciona igualmente Carolina Dalla Pacce: “a Lei Federal n.
9.784/1999 não estabelece expressamente o prazo para formular-se o requerimento de
reconsideração, porém, tendo em vista que o art. 59 dessa legislação determinar que, após a
divulgação oficial da decisão da autoridade administrativa, a parte inconformada dispõe de dez
dias corridos para interposição do recurso administrativo e em razão do pedido de reconsideração
poder ser elaborado diretamente no corpo desse recursos, entende-se que o prazo… deve ser de
dez dias corridos”.18

Prazo de reconsideração e efeitos jurídicos


Além disso, o prazo para a autoridade pública reconsiderar é de cinco dias. Aqui se aplicam as
regras de contagem prescritas pela LPA: exclui-se o dia do início e inclui-se o dia do vencimento.
Além disso, há que se aplicar a regra da continuidade para a contagem: o prazo corre
seguidamente, a despeito de feriados ou datas em que não haja expediente. Caso o dia final recaia
sobre data em que não haja expediente, o prazo se estenderá automaticamente para a data mais
próxima na qual o órgão esteja em funcionamento.

A interposição do recurso administrativo e, por consequência, a abertura do prazo de


reconsideração pela autoridade que proferiu a decisão tem diversas implicações jurídicas.

Se houver recurso administrativo, os efeitos da decisão apenas se iniciarão a partir do final do


prazo de reconsideração, desde que, obviamente, a autoridade não tenha alterado a decisão em
benefício do interessado recorrente. Supondo-se, porém, que a autoridade que proferiu a decisão e
detém competência para reconsiderá-la não o faça estritamente dentro do prazo legal e não
encaminhe o recurso à autoridade superior, o que ocorrerá?

Sobre esse ponto polêmico, já se expressaram Sérgio Ferraz e Adilson Dallari. Em seu
entendimento, o silêncio quanto à reconsideração tornará definitiva a decisão recorrida, ainda que
não tenha havido, por qualquer motivo, o encaminhamento devido à autoridade superior.
Entretanto, esse posicionamento merece algumas relativizações. Entende-se, aqui, que o decurso
do prazo de reconsideração nem sempre ocasionará a preclusão da possibilidade de manifestação
da autoridade e o silêncio, por conseguinte, não deverá ser entendido como uma decisão negativa
do pedido feito pelo recorrente. Nada impede que, um dia ou até mesmo alguns dias após o
decurso do prazo de reconsideração, a autoridade a quo altere a decisão, atendendo ao pedido,
desde que ainda estejam os autos sob sua competência e que se justifique a falta de uma
manifestação no prazo de cinco dias – por exemplo, pelo fato de a próxima reunião do órgão
colegiado que julgou o caso ocorrer em data mais distante a impedir a observância dos breves
cinco dias previstos na LPA. Essa hipótese decorre do princípio do formalismo mitigado que rege
os processos administrativos.

Situação diversa ocorreria se o órgão competente para se manifestar (a quo) silenciasse sobre o
pedido, ou seja, deixasse de exercer o juízo de reconsideração dentro do prazo de cinco dias e
encaminhasse os autos ao órgão superior para julgamento. Em hipótese como essa, a posição de
Sérgio Ferraz e Adilson Dallari vale por completo. A ausência injustificada de manifestação sobre o
pedido de reconsideração combinada com o direcionamento dos autos ao órgão superior, ainda
que configure uma postura indevida, deve ser compreendida como denegação da reconsideração.19
Ao agir dessa maneira, a autoridade recorrida comete uma violação à regra da motivação, mas isso
não prejudica o seguimento do recurso.

Reconsideração e interposição de Mandado de Segurança

Questão importante envolvendo o pedido de reconsideração diz respeito à possibilidade de


interposição de mandado de segurança contra a decisão administrativa recorrida. Essa questão
está expressamente disciplinada pela Súmula 430 do STF, nos termos da qual: “pedido de
reconsideração na via administrativa não interrompe o prazo para o mandado de segurança”. Para
alguns autores, há que se fazer uma distinção entre a reconsideração prevista em lei e a não
prevista em lei, devendo o prazo para interposição do Mandado de Segurança correr apenas nessa
última hipótese. Outros, porém, afirmam que o prazo para se impetrar o Mandado de Segurança, a
despeito da reconsideração, correrá somente a partir da denegação do recurso administrativo, a
despeito da concessão ou não de efeito suspensivo.20 Esse último posicionamento, bem acertado,
parte do pressuposto de que a decisão contra a qual se impetra o Mandado de Segurança é a
decisão da autoridade recursal (ad quem) e não da autoridade recorrida (a quo), razão pela qual
não faria nenhum sentido que o prazo se iniciasse com a decisão inferior e não definitiva.

Encaminhamento à autoridade superior

Conforme determinação do art. 56, § 1º da LPA, expirando-se o prazo de cinco dias ou mesmo
antes dele, cabe a autoridade que não reconsiderou a decisão originária enviar o recurso para a
autoridade imediatamente superior, a qual decidirá motivadamente sobre seus pedidos, de modo
a alterar ou a manter a decisão proferida pelo órgão inferior. O indeferimento do recurso pela
autoridade superior concederá o direito à interposição de novo recurso, respeitando-se sempre o
limite das três instâncias estabelecido pelo art. 57 da LPA ou outros limites contidos em lei
específica.

ART. 56, § 2º

Gratuidade de recursos e depósito prévio

O direito à interposição de recursos não pode ser condicionado à cobrança de despesas


processuais, em consonância com o art. 2º, parágrafo único, inciso XI da LPA, a não ser que exista
autorização expressa para a cobrança em outro diploma legal. Seguindo a linha da gratuidade, o
art. 56, § 2º da LPA, prescreve que a interposição de recursos independe de caução, “salvo
exigência legal”.

Por força dos dois dispositivos da LPA, o direito em questão não poderá ser condicionado na
esfera administrativa, por meio de portarias, resoluções ou instrumentos análogos, a pagamento
de despesas processuais, a concessão de caução em favor da Administração Pública ou a
recolhimento de qualquer outro valor de natureza compensatória. Contudo, a exigência da
cobertura de despesas ou da oferta de caução será aceitável, pela LPA, se expressamente constante
de lei em sentido formal. Resta saber, pois, se essa exceção, em especial quanto a cauções,
especialmente o depósito prévio, é constitucional.

Diversos autores se posicionam contra as cauções e, especificamente, contra o depósito prévio


ou a garantia de instância. Esses depósitos são quantias calculadas em relação ao valor de uma
multa ou da causa administrativa e depositadas temporariamente nos cofres públicos para
viabilizar o exercício do direito de recorrer. Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, normas que
prevejam o depósito de quantias em dinheiro como condição para decisão do recurso são
inconstitucionais, pois entram em choque com o art. 5º XXXIV, alínea “a” da CR, que garante o
direito de petição.21 Para Vittorio Cassone, o depósito prévio e cauções do gênero são, a princípio,
inconstitucionais, pois limitam o direito de defesa dos administrados, além de lhes impor um
gravame desproporcional. Isso, porque não se pode esperar que o particular detivesse uma ou
outra quantia para poder exercer seus direitos fundamentais, ainda mais quando estão em jogo
discussões acerca do pagamento de grandes valores ao Estado – o que ocorre com razoável
frequência em processos administrativos tributários.22

Além disso, para Gomes Moreira, a cobrança de cauções como o depósito prévio, ao restringir o
direito de defesa, gera um incentivo para que o administrado desista da via administrativa e
busque resolve o problema perante o Judiciário.23 Marcelo Harger, de outra via, vê na exigência de
depósito prévio, especialmente na esfera fiscal, um problema de incompatibilidade de interesses
públicos primários e secundários. Ou seja, a imposição do depósito pelo Legislador seria até
compreensível para atender os interesses específicos da Administração, mas, em sentido amplo,
ataca os interesses públicos primários, pois nega o direito fundamental à ampla defesa e, ao
mesmo tempo, furta um dos objetivos fundamentais do processo administrativo: o controle de
legalidade da atuação da Administração Pública.24

Súmula Vinculante 21 e inconstitucionalidade do art. 56, § 2º

Apesar da clareza dos preceitos legais básicos da LPA que regem os processos administrativos
federais desde 1999 e dos sólidos argumentos trazidos pela doutrina especializada há bastante
tempo, a jurisprudência dos Tribunais Superiores demorou a reconhecer a inconstitucionalidade
da exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de recursos administrativos.
Exemplo dessa orientação inadequada se vislumbra em alguns julgados do STJ de 2005 e 2006,
prolatados depois da edição da LPA, como mostra o caso a seguir a respeito do processo fiscal:

Processual civil. Agravo de instrumento. Art. 544, § 1.º do CPC.

Recurso especial. Mandado de segurança. Depósito prévio como requisito de admissibilidade do


recurso administrativo. Inocorrência de inconstitucionalidade.

Princípios do contraditório e da ampla defesa preservados. Precedentes do STF e STJ.

1. (…)

2. O duplo grau não atinge a esfera administrativa, sendo constitucional a exigência de depósito
prévio para fins de interposição de recurso administrativo. Precedentes do STF.

3. A exigência do depósito recursal administrativo não viola os princípios constitucionais do


contraditório e da ampla defesa (art.5º, LV) e do devido processo legal (art. 5º, LIV).

4. Em sede de processo administrativo, o contribuinte, após o lançamento do crédito, tem a


oportunidade de apresentar defesa, bem como produzir todas as provas que julgar necessárias,
estando preservado, assim, o princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa.

5. A exigência do depósito, malgrado legítimo, não impede o acesso à Justiça, inclusive com a
possibilidade de gratuidade integral, conforme prometido pela Carta Magna e extensível às
pessoas jurídicas pela majoritária jurisprudência do E. STJ.

6. O depósito prévio para a interposição de um novo recurso evita a procrastinação e objetiva a


mais rápida percepção dos impostos pela Administração.

7. Agravo Regimental desprovido.

(AgRg no Ag 797.422/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 21.11.2006, DJ
14.12.2006, p. 280).

Pouco tempo após essa decisão, no intuito de se consolidar a gratuidade em favor da ampla
defesa e de se afastar qualquer dúvida sobre as cobranças para a interposição de recursos
administrativos, em 27 de novembro de 2009, o plenário do Supremo, por sugestão da ministra
Ellen Gracie, apresentou a proposta da Súmula Vinculante 21, que acabou por ser aprovada na
sessão plenária de 29 de outubro do mesmo ano. De acordo com seu texto, “é inconstitucional e
exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso
administrativo”.

A Súmula em tela se baseou principalmente na decisão do RE 388.359/PE, julgado em 28 de


março de 2007 e cuja ementa sucintamente dispõe: “Recurso administrativo – depósito – § 2º do
artigo 33 do Decreto n. 70.235/72 – inconstitucionalidade. A garantia constitucional da ampla defesa
afasta a exigência do depósito prévio como pressuposto de admissibilidade de recurso
administrativo” (g.n.). A partir de então, houve uma mudança de posicionamento nos Tribunais
Superiores que acabou por ensejar a Súmula Vinculante 21. Essa modificação de entendimento
ficou bem consignada na ementa da AC 1931 QO/SP, julgado em 10 de junho de 2008:

Recurso extraordinário. Exigência legal de prévio depósito do valor da multa como condição de
admissibilidade do recurso administrativo. Ocorrência de transgressão ao art. 5º, LV, da Constituição
da República. Nova Orientação Jurisprudencial Firmada Pelo Plenário Do Supremo Tribunal
Federal. Cautelar Submetida A Referendo. 1. Recurso extraordinário. Concessão de efeito
suspensivo. Plausibilidade jurídica da tese posta no recurso extraordinário, acolhida por
deliberação do Plenário deste Supremo Tribunal. 2. A exigência legal de prévio depósito do valor da
multa, como pressuposto de admissibilidade de recurso de caráter meramente administrativo,
transgride o art. 5º, LV, da Constituição da República. 3. Decisão cautelar referendada (g.n.).

Da Súmula Vinculante 21 e dos julgados em que ela se baseou extraem algumas conclusões
relevantes. Nas discussões jurisprudenciais não se conferiu destaque ao art. 56, § 2º da LPA, que já
consagrava, desde 1999, a regra geral da gratuidade nos processos administrativos, “salvo
exigência legal”. Esse trecho do art. 56, § 2º da LPA seria, por si só, capaz de afastar exigência de
depósitos prévios contidas em norma de Decreto presidencial ou outros atos normativos da
Administração, fazendo desnecessária a Súmula Vinculante 21.
Nota-se, porém, que o STF pretendeu ir além da previsão contida na LPA e, ao fazê-lo, acabou
por torná-la parcialmente inconstitucional. A Súmula Vinculante 21 em nenhum momento abre
exceção para cobranças baseadas em lei. Não interessa se a exigência de depósito está prevista em
norma contida em lei formal aprovada pelo Congresso ou em ato normativo interno de um ente da
Administração Pública. A despeito da hierarquia da norma, o condicionamento do direito de
recurso a pagamento de valores ou entrega de bens será inconstitucional por obstar a ampla
defesa. Por consequência, como se conclui a partir da decisão da AC 1931, cuja ementa foi
anteriormente transcrita, não mais se mostra compatível com a Constituição a expressão “salvo
exigência legal”, prevista no trecho inicial do art. 56, § 2º da LPA.

ART. 56, § 3º

Súmula Vinculante: definição

As súmulas vinculantes consistem em enunciados do Supremo Tribunal Federal que contêm a


representação de um entendimento pacífico ou predominante acerca de uma determinada
questão jurídica. A criação desse instituto ocorreu em dezembro de 2004, quando a Emenda
Constitucional 45 adicionou o art. 103-A ao texto da Constituição da República.25 Em virtude dessa
modificação no plano constitucional, o legislador, de modo oportuno, também alterou a LPA pela
publicação da Lei 11.417/2006, de modo a incluir um terceiro parágrafo no art. 56, além de inserir
os art. 64-A e 64-B.

Conforme disposição contida no art. 103-A, § 1º da CF, a Súmula Vinculante terá por “objetivo a
validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia
atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a Administração Pública”, acarretando “insegurança
jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica”. Sob o ponto de vista
funcional, as Súmulas Vinculantes uniformizam as decisões dos Tribunais e da Administração
Pública a respeito de uma questão jurídica no intuito de superar divergências de entendimento –
tantos as internas ao Judiciário, quanto entre o Judiciário e a Administração. Ao tornarem públicos
o posicionamento em relação a tópicos controvertidos, as súmulas orientam o comportamento de
todos os entes estatais e da sociedade, colaborando com a promoção da previsibilidade e, por
conseguinte, da segurança jurídica. Reitere-se: o efeito vinculante do mandamento sumular não se
restringe aos órgãos do Judiciário. Ele atinge igualmente a Administração Pública, direta e
indireta, de sorte a orientar a prática de atos e processos administrativos e a prevenir novos
conflitos sobre o tema já pacificado.

Súmulas Vinculantes relevantes para a Administração

A importância prática do art. 56, § 3º da LPA se compreende a partir de um exame das Súmulas
Vinculantes editadas pelo Supremo. Muito dos enunciados até agora aprovados têm como
destinatário direto órgãos competentes para o exercício de funções de ordem administrativa e
dizem respeito, em boa parte dos casos, às relações da Administração com os agentes públicos, a
temas de processo administrativo e a aspectos de remuneração de atividades administrativas,
principalmente serviços públicos e poder de polícia. É o que evidenciam as súmulas abaixo
selecionadas:

• SÚMULA VINCULANTE 3: “Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se


o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato
administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de
concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão”.

• SÚMULA VINCULANTE 4: “Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não
pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de
empregado, nem ser substituído por decisão judicial”.

• SÚMULA VINCULANTE 5: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo


disciplinar não ofende a Constituição”.

• SÚMULA VINCULANTE 12: “A cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola
o disposto no art. 206, IV, da Constituição Federal”.

• SÚMULA VINCULANTE 13: “A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta,


colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor
da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o
exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração
pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal”.

• SÚMULA VINCULANTE 15: “O cálculo de gratificações e outras vantagens do servidor público


não incidem sobre o abono utilizado para se atingir o salário mínimo”.

• SÚMULA VINCULANTE 16: “Os artigos 7º, IV, e 39, § 3º (redação da EC 19/98), da Constituição,
referem-se ao total da remuneração percebida pelo servidor público”.

• SÚMULA VINCULANTE 21: “É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios


de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo”.

• SÚMULA VINCULANTE 38: “É competente o Município para fixar o horário de funcionamento


de estabelecimento comercial”.

• SÚMULA VINCULANTE 41: “O serviço de iluminação pública não pode ser remunerado
mediante taxa”.

• SÚMULA VINCULANTE 42: “É inconstitucional a vinculação do reajuste de vencimentos de


servidores estaduais ou municipais a índices federais de correção monetária”.

• SÚMULA VINCULANTE 44: “Só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de
candidato a cargo público”.

• SÚMULA VINCULANTE 49: “Ofende o princípio da livre concorrência lei municipal que
impede a instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área”.

• SÚMULA VINCULANTE 55: “O direito ao auxílio-alimentação não se estende aos servidores


inativos”.

Procedimento diante de alegação do art. 56, § 3º da LPA

A Súmula Vinculante do STF surge como verdadeiro texto legal, ou seja, como uma norma de
efeito geral e abstrato que não deve ser desrespeitada nem pelo Judiciário, nem pela
Administração. Até 2006, a vinculação da Administração Pública em geral (federal, estadual e
municipal) às Súmulas Vinculantes decorria apenas do art. 103-A, § 3º da CF. Com a edição da Lei
11.417/2006, a sujeição às Súmulas Vinculantes foi reforçada, pois, desde então, a autoridade
administrativa federal poderá ser responsabilizada nas mais diferentes esferas em virtude do
cumprimento dos enunciados sumulados, conforme determina o art. 64-B da LPA.

Além disso, permite o art. 56, § 3º da LPA que, caso a autoridade administrativa decida
contrariamente ao conteúdo de súmula vinculante, o interessado recorra da decisão e exija que a
Administração cumpra a Súmula Vinculante ou justifique a razão pela qual a Súmula suscitada é
inaplicável ao caso concreto. O dispositivo em comento, portanto, cria uma faculdade ao
interessado e que, se utilizada, gerará deveres para o órgão julgador.

Apesar de não haver dúvida quanto ao dever de motivação que a alegação de descumprimento
de súmula gera ao órgão julgador, o procedimento descrito no art. 56, § 3º da LPA se mostra
bastante confuso. Com efeito, de acordo com o dispositivo legal, diante de um recurso com
alegação de violação de Súmula Vinculante, i) a autoridade julgadora (a quo) decidirá no prazo de
cinco dias se reconsiderará ou não; ii) caso não reconsidere, deverá então explicitar os motivos de
aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula e iii) somente após a explicitação desses motivos,
encaminhará os autos ao órgão superior (ad quem).
Há, ao menos, dois problemas básicos no procedimento previsto no art. 56, 3º. Em primeiro
lugar, é de se questionar qual será a utilidade de se motivar a aplicabilidade da Súmula antes de se
enviar os autos à autoridade superior. Se o fundamento do recurso administrativo for o
descumprimento de uma súmula e o órgão julgador reconhecer que ela se aplica ao caso, então a
decisão deverá ser reconsiderada, salvo na presença de algum fator excepcionalíssimo que o
impeça. E se for reconsiderada, os autos não serão, por óbvio, encaminhados à autoridade
superior. Daí, de novo, afigurar-se estranho o mandamento legal quando fala da exigência de se
esclarecer a aplicabilidade depois de negada a reconsideração. Se não há reconsideração diante da
violação de súmula, sobrará apenas esclarecer a sua inaplicabilidade.

Em segundo lugar, o dispositivo se mostra incompleto, pois não cuida da motivação da


autoridade ad quem. No entanto, pelo princípio da motivação, a exigência de se explicar de modo
claro e objetivo a razão de inaplicabilidade da súmula ao caso atinge também as autoridades das
instâncias superiores. Em outras palavras: a expressão “autoridade prolatora da decisão
impugnada”, constante do art. 56, § 3º da LPA, deve ser entendida de modo amplo. Toda e
qualquer autoridade deverá se manifestar expressamente sobre a incidência ou não de uma
Súmula Vinculante sobre o objeto do processo administrativo sempre que o interessado suscitar a
questão.

Incidência de súmula cancelada ou alterada

A Súmula Vinculante não se aplicará quando se constatar que o caso concreto, objeto do
processo administrativo, não se “encaixa” na hipótese abstrata descrita no enunciado. A súmula
também não se aplicará se for cancelada pelo Supremo.

Diante do cancelamento ou da alteração de determinada Súmula Vinculante podem surgir


questões de direito intertemporal. Por exemplo, se uma súmula que existia à época dos fatos ou
mesmo à época em que o processo administrativo se iniciou foi alterada ou cancelada antes que a
decisão administrativa tivesse sido proferida, seria ela aplicável ao caso?

A solução mais acertada à hipótese mencionada baseia-se no art. 2º, parágrafo único, inciso XIII
da LPA. Apesar de ter efeito normativo, a súmula é um ato declaratório e vinculante de uma
interpretação do ordenamento jurídico, configura um entendimento consolidado, uma
uniformização do posicionamento dos Tribunais e que se estende aos órgãos da Administração
Pública por mandamento constitucional expresso. Dada sua natureza de fórmula de interpretação,
a alteração da Súmula Vinculante ou seu cancelamento não afastará sua aplicabilidade ao caso
concreto que surgiram em momento no qual ela vigia. A nova intepretação não atingirá esse caso.
Vale, pois, a lógica geral da LPA, é vedada a retroação da nova intepretação (ou seja, da
interpretação que surgir com a alteração da súmula ou que se criar após seu cancelamento).
Exceção a essa regra geral será aceitável apenas quando a interpretação superveniente (posterior
ao cancelamento ou à alteração da Súmula) for mais benéfica, situação em que a Administração
Pública terá discricionariedade para estendê-la aos casos passados ainda pendentes de julgamento
desde que solicitado pelos interessados.

Art. 57. O recurso administrativo tramitará no máximo por três instâncias administrativas,
salvo disposição legal diversa.

ART. 57

Limitação das instâncias

A recorribilidade das decisões administrativas foi expressamente restrita pelo art. 57. Reza esse
dispositivo que os recursos administrativos tramitarão, no máximo, por três instâncias
administrativas, a não ser que haja regra legal diversa. Esse texto normativo é simples apenas em
aparência. Dele resultam, na verdade, inúmeras discussões de relevo. Em primeiro lugar, é preciso
verificar o que a expressão “instância administrativa” significa. Em segundo lugar, cumpre
esclarecer como se contam as três instâncias. Enfim, há que se discutir o limite de aplicabilidade
da norma contida no art. 57 em vista da possibilidade de exceção aberta pela expressão “salvo
disposição legal diversa”.

O conceito de instância administrativa e sua contagem

O termo “instância” não é simples de se definir diante da complexidade da organização


administrativa. Ao que equivale uma instância administrativa? A uma autoridade, a um órgão ou a
uma entidade? No Judiciário, a contagem das instâncias é muito mais simples, podendo-se, grosso
modo, falar das comarcas e das seções judiciárias (instâncias locais ou primeira instância), dos
tribunais de justiça no âmbito dos Estados ou dos Tribunais Regionais na Justiça federal (segunda
instância) e dos tribunais superiores (terceira instância).

No âmbito da Administração Pública, essa contagem de instâncias se mostra muito mais


complexa. A Administração Direta e Indireta federal se organiza de maneira bastante diversa e
fragmentada, não correspondendo exatamente à estrutura triangular que se verifica no Judiciário.
A LPA, além disso, não traz pistas sobre a noção de instâncias no direito administrativo. A
definição desse conceito é, porém, condição para a compreensão do art. 57 e dos limites gerais de
interposição de recursos administrativos.

Para se entender a noção de instância é preciso retornar aos conceitos de recursos


administrativos próprios e impróprios. Conforme esclarecido anteriormente, LPA não diferencia
expressamente esses dois tipos de recursos, mas, para a doutrina especializada, os recursos
administrativos próprios são aqueles encaminhados aos órgãos superiores do órgão julgador
dentro de uma mesma entidade pública, ou seja, dentro de uma autarquia, de uma fundação, de
um consórcio ou da Administração Direta, por exemplo. Os recursos impróprios, por sua vez,
correspondem àqueles decididos por autoridade de órgão de outra entidade pública, ao qual a
autoridade prolatora da decisão (a quo) não se vincula diretamente. Por não decorrer de uma
relação hierárquica interna e direta, o recurso impróprio é excepcional e só deve ser aceito caso
haja previsão legal expressa.

Qual a importância dessa distinção, afinal? A diferença entre recursos próprios serve para
mostrar que uma instância administrativa pode corresponder tanto a um órgão dentro de uma
mesma entidade pública como a um órgão dentro de outra entidade que detenha competência
para o julgamento de recurso administrativo impróprio. Em geral, o órgão de primeira instância
dentro de uma entidade da Administração federal é o órgão em que o processo se inicia e este
órgão corresponde, em virtude do art. 17 da LPA, ao órgão de menor hierarquia dentro da
entidade, salvo se norma legal determinar a competência de órgão superior para iniciar o
processo. A primeira instância administrativa é a do órgão competente para iniciar o processo
administrativo e apresentar a primeira decisão administrativa sobre a matéria.

A segunda instância do recurso administrativo próprio corresponde a do órgão imediatamente


superior para julgar a matéria, ou seja, o órgão com poder hierárquico sobre aquele órgão que
iniciou o processo administrativo. No geral, a segunda instância é a do órgão que se encontra na
faixa do organograma superior à do órgão julgador inicial. Há, porém, exceções, já que certas
entidades contam com órgãos superiores especializados em certas matérias e com competência
recursal para tratá-las, de sorte a afastar a competência genérica do órgão imediatamente
superior.

No caso do recurso impróprio, a competência recursal recai sobre órgão pertencente à outra
entidade, ou seja, uma pessoa jurídica estatal correspondente à Administração Direta. A despeito
de não se localizar dentro da mesma entidade pública que proferiu a decisão, ele equivalerá a uma
instância administrativa.

Em resumo: não havendo previsão específica, o recurso é apenas próprio e, portanto, as


instâncias administrativas restringem-se à entidade pública no qual o processo corre. Cada
instância corresponderá a um órgão. A primeira instância é a julgadora e geralmente a de menor
hierarquia. A segunda e a terceira instâncias correspondem aos órgãos internos hierarquicamente
superiores, salvo competência recursal privativa de certos órgãos especializados. Daí ser possível
afirmar que a progressão nas instâncias geralmente seguirá a escala hierárquica constante do
organograma da entidade estatal.

Caso exista previsão de recurso hierárquico impróprio, o órgão ad quem de segunda ou terceira
instância pertencerá a outra pessoa jurídica indicada pela lei que reconhece esse tipo recursal. Na
falta de disposição normativa expressa, valerá sempre a regra da progressão hierárquica,
partindo-se do órgão mais baixo hierarquicamente para o mais alto.

Exceções à regra de limitação de instâncias

Nos termos do art. 57, os recursos estão limitados a três instâncias. Assim, diante de uma
decisão administrativa pode o interessado propor apenas dois recursos: o primeiro que leva a
matéria do processo para reapreciação em segundo grau, caso não haja reconsideração do órgão
julgador (a quo); e o segundo recurso que transfere a apreciação da matéria do segundo para o
terceiro grau. Não havendo disposição legal específica, não há possibilidade de interposição de um
terceiro recurso hierárquico. Por força da LPA, nas entidades pertencentes à Administração
federal não se pode extrapolar a regra de limitação das três instâncias. Esgotado o limite legal,
restarão ao interessado recorrer somente ao judiciário.

Todavia, o art. 57 da LPA permite que essa limitação da regra da recorribilidade seja alterada,
ou seja, reduzida ou ampliada. Aqui se deve frisar o adjetivo “legal”, pois ele é de extrema
relevância para o âmbito de validade do art. 57 e também para a defesa dos interessados. O limite
das três instâncias contido na LPA (instância julgadora mais duas instâncias recursais) somente
aceita modificação por outra lei federal em sentido formal e que trate de processos administrativos
específicos, por exemplo, no âmbito de agências reguladoras.26 Atos normativos da Administração
federal, isto é, meros atos internos da entidade estatal a regular processos administrativos não
servem para alterar a limitação de instância para o trâmite de recursos administrativos.

Por consequência, por exemplo, o ato normativo interno de uma agência reguladora que
busque, sem previsão legal, limitar as instâncias administrativas violará a LPA e a reserva legal
nela prevista. E havendo uma norma administrativa contrária ao art. 57, ela deve ceder, ou seja,
será inválida, devendo a autoridade aplicar a LPA e garantir ao interessado o modelo de três
instâncias.

Diga-se, ainda, que não importa a data do ato normativo. Normas contidas, por exemplo, em
resoluções, portarias, regulamentos anteriores à edição da LPA em 1999 e que restrinjam ou
superem as três instâncias sem base em lei material e formal mostram-se inválidos em face do
mandamento contido no art. 57.

Imagine-se, por exemplo, um processo administrativo regulado por uma resolução interna de
certa universidade federal e que limite o direito de alunos ou servidores recorrerem
administrativamente a duas instâncias. Suponha-se, em adição, que essa limitação não tenha base
legal explícita ou implícita, ou seja, tenha sido determinada, de modo inovador na ordem jurídica,
pela própria resolução. Nessa situação, a limitação de instância será inválida. Prevalecerá a regra
das três instâncias contida na LPA. A norma em hipótese seria válida apenas caso encontrasse
fundamento em uma norma legal, por exemplo, na LDB. Afinal, como dito, o art. 57 da LPA criou
uma hipótese de reserva legal para a alteração da regra das três instâncias no sistema de recursos
administrativos de todas as entidades e órgãos que compõem a Administração Pública da União.

Limitação recursal, reconsideração e revisão

A regra de limitação de instâncias deve ser interpretada de modo restritivo. Ela vale apenas
para os recursos administrativos. Qual a implicação dessa afirmação? Uma vez exauridas as três
instâncias, não detém o interessado no processo administrativo o direito de recorrer para outro
órgão qualquer. No entanto, ele está autorizado a solicitar a reconsideração da decisão uma vez e,
ainda, valer-se da revisão, nos termos do art. 65 da LPA.

A reconsideração, como esclarecido anteriormente, é de extrema utilidade nos casos em que


não existe possibilidade de recurso hierárquico – como se vislumbra em muitas agências
reguladoras estruturadas por lei com base no modelo de instância decisória única – ou nas
situações em que o número de instâncias determinado em lei já tenha sido exaurido. Em relação à
primeira hipótese, Carolina Dalla Pacce ressalta de modo bastante oportuno que “o recurso
administrativo, enquanto manifestação do devido processo legal, não se subordina ao
reconhecimento constitucional do duplo grau de jurisdição, de modo que, embora não haja
pluralidade de instâncias, existirá a possibilidade de impugnação do ato administrativo decisório
por meio da interposição de pedido de reconsideração”.27

A revisão, por sua vez, pode ser interposta a qualquer tempo quando a sanção se revelar
inadequada em razão das circunstâncias fáticas ou em vista de fatos novos. Não interessa, em
nenhuma dessas hipóteses, o fato de o recorrente já ter esgotado as três instâncias ou o limite
especial de instâncias definido em lei específica. A disciplina e a função da revisão diferem das dos
recursos hierárquicos, daí porque o esgotamento de instância não interfere no uso posterior de
revisão – que, aliás, pode ser suscitada pela própria autoridade julgadora.

Art. 58. Têm legitimidade para interpor recurso administrativo:

I – os titulares de direitos e interesses que forem parte no processo;

II – aqueles cujos direitos ou interesses forem indiretamente afetados pela decisão


recorrida;

III – as organizações e associações representativas, no tocante a direitos e interesses


coletivos;

IV – os cidadãos ou associações, quanto a direitos ou interesses difusos.

ART. 58 , CAPUT

Legitimidade para interposição de recurso

A princípio, não seria necessário que o legislador tivesse repetido o rol de legitimados para a
interposição de recurso administrativo no art. 58 da LPA. Bastaria que tivesse feito remissão ao
art. 9º da lei. No entanto, uma análise atenta do art. 58 mostra que este dispositivo não é
integralmente idêntico ao art. 9º, apresentando algumas diferenças de redação bastante
significativas na prática processual.

ART. 58, I

Titulares de direito e interesses

O art. 58, inciso I reconhece a legitimidade recursal das pessoas físicas e jurídicas, de direito
público ou privado, titulares de direitos e interesses juridicamente tutelados de natureza
individual em jogo no processo administrativo. Esse dispositivo é praticamente idêntico ao art. 9º,
inciso I da LPA.

Aqui é importante frisar novamente alguns aspectos tratados no capítulo acerca dos
interessados (comentários ao art. 9º da LPA). A legitimidade recursal, frise-bem, não atinge apenas
os titulares de direitos, mas também os titulares de interesses individuais juridicamente tutelados.
Não é preciso, portanto, ser titular de direito subjetivo para recorrer. Basta que o recorrente, que
já participava do processo, demonstre que um interesse juridicamente tutelado seu tenha sido de
certo modo prejudicado pela decisão administrativa, hipótese em que necessitará se valer do
recurso para exigir ou que a Administração Pública cumpra determinada norma do ordenamento
jurídico ou que refaça seu juízo de ponderação e, com isso, resguarde ou promova o bem jurídico
do interessado.

Aplicam-se à hipótese do art. 58, inciso I, as regras a respeito da atuação do representante nos
termos do art. 9º, inciso I da LPA. Tanto o titular do direito ou interesse quanto terceiro que haja
como seu representante poderão interpor recurso em seu nome. O representante, porém, age em
nome do titular do direito ou do interesse, não se submetendo, portanto, aos efeitos da decisão
administrativa. Representante não se confunde com substituto nos termos do art. 58, incisos III e
IV, a seguir comentados.

Recurso conjunto: aplicação analógica do art. 8º da LPA

O art. 8º da LPA aplica-se analogicamente aos recursos administrativos. Desse modo, em favor
da eficiência administrativa e no intuito de se evitarem decisões conflitantes, os diversos titulares
de direitos individuais estarão autorizados a interpor conjuntamente um único recurso
administrativo quando os pedidos formulados tiverem conteúdo e fundamentos idênticos.

ART. 58, II

Terceiros indiretamente afetados pela decisão

A LPA também concede plena legitimidade recursal àqueles cujos interesses e direitos possam
vir a ser direta e indiretamente afetados pela decisão administrativa final. Imagine-se que duas
pessoas físicas assinem contrato de compromisso de compra e venda de uma casa, que, antes da
alienação efetiva, seja tombada pela União. Nesse caso, o compromissário-comprador ainda não
tem direito de propriedade sobre a casa, mas tem interesse jurídico, devidamente documentado,
no objeto tombado, razão pela qual poderá participar do processo administrativo de tombamento,
inclusive propondo recursos.

Questão mais difícil consiste em saber quando há interesse do terceiro para participação no
processo administrativo e apresentação de recursos. No direito processual, em regra, afirma-se
que o interesse protegido é o interesse jurídico e não outro, por exemplo, interesses econômicos,
sociais, pessoais etc. No entanto, é preciso frisar que um interesse poderá apresentar diversas
naturezas concomitantemente. Isso significa que um interesse econômico ou qualquer outro
poderá ser ao mesmo tempo jurídico. Daí se retira a seguinte conclusão: não interessa se o
interesse é econômico, social ou de qualquer outro gênero. Ao aceitar recurso daquele que alega
interesse no objeto do processo administrativo, à autoridade não compete questionar se ele é
econômico, social etc. Ela deve tão somente verificar se o interesse, a despeito de seu conteúdo,
está juridicamente protegido. Essa sim é a questão-chave.

Esse posicionamento pode ser mais bem entendido ao se lançar mão de um exemplo. Imagine-
se que determinada agência reguladora passe a tratar de assunto referente à prestação de serviços
públicos que tenham implicação na utilização do território municipal. Nesse caso, mesmo que os
Municípios atingidos não participem do processo administrativo federal, ou melhor, não se
caracterizem como interessados no processo em questão, eles poderão dele participar ao
demonstrar, por exemplo, que o processo administrativo federal tem o potencial de atingir sua
autonomia municipal. Aqui, a participação dos Municípios pela interposição de recurso baseia-se
em um interesse juridicamente protegido, qual seja: o interesse de que a autonomia municipal não
seja afrontada, pois se trata de característica fundamental da federação brasileira nos termos do
art. 1º e 18 da CF.

Em suma, a LPA permite que terceiro interponha recurso contra decisão administrativa federal
desde que comprove que algum de seus direitos ou interesses juridicamente protegidos possa ser
afetado caso mantida a decisão inicialmente proferida. Não interessa para efeitos de interposição
de recursos, o fato de o recorrente não ter participado do processo administrativo até o momento
da decisão final. Em outras palavras: ainda que não tenha atuado como interessado ao longo da
primeira instância, terá ele legitimidade recursal desde que cumpridos os requisitos do art. 58, II.

A figura do “terceiro” e as pessoas não nacionais

Quanto à figura do “terceiro”, prevista no art. 58, inciso II da LPA, resta saber se há alguma
limitação em relação ao tipo de pessoa abrangida por aquela expressão. Essa discussão é
relevante, uma vez que a lei não fez diferenciação entre pessoas nacionais e estrangeiras. Tal
discussão aparece também em outros ordenamentos jurídicos, principalmente no âmbito da União
Europeia, em que é importante discutir se pessoas físicas e jurídicas de outros países-membros
podem ou não participar de um processo administrativo nacional. Para o Brasil, essa discussão
tem ganhado peso principalmente em razão da expansão do Mercosul e de grandes projetos
governamentais, sobretudo na área de infraestrutura, que atingem o território e a população de
países vizinhos.

Acerca da problemática, tendo em vista o texto legal e a igualação do brasileiro e do


estrangeiro, não é possível afirmar que a LPA exclua a participação de pessoas físicas ou jurídicas
estrangeiras em processos administrativos federais, deve-se, porém, condicionar tal participação
às mesmas regras que valem para as pessoas físicas e jurídicas nacionais. Melhor dizendo, para
participar nos processos administrativos, as pessoas jurídicas e físicas de direito estrangeiro
devem comprovar serem titulares de direito ou de interesse juridicamente protegido pelo
ordenamento brasileiro. Em havendo essa comprovação, não se pode negar a legitimidade
recursal nos termos do art. 58, inciso II da LPA.

Além disso, como dito nos comentários ao art. 9º da LPA, para as pessoas jurídicas de direito
externo, como organizações internacionais, além da referida garantia do status de interessada em
processos para a defesa de direitos ou interesses individuais reconhecidos no ordenamento
brasileiro, abre-se a hipótese de atuação como legitimada extraordinária (substituta) para a defesa
de direitos e interesses difusos e coletivos que lhes caiba tutelar por força de norma institucional.

Dificuldade maior surge quando o não brasileiro é atingido pela decisão administrativa e
pretende interpor recurso diante da lesão de direito e interesse não protegido pelo ordenamento
jurídico brasileiro, mas sim pelo ordenamento jurídico de seu país de origem. Nesse caso, a
participação é questionável, pois o direito e interesse que fundamentam a atuação recursal não
estão previstos no ordenamento pátrio.

Apesar da falta da legitimidade recursal, a pessoa física ou jurídica não nacional poderá ser
aceita na qualidade de interveniente em favor de certo recorrente ou da própria Administração
Pública, numa espécie de amicus curiae, de acordo com decisão discricionária da autoridade
competente, pautada pelos critérios do art. 138, caput do CPC e dependente, naturalmente, de que
algum interessado interponha um recurso, que ele seja conhecido para que o processo
administrativo prossiga na instância superior.

Em relação aos residentes fronteiriços, como também se disse ao longo dos comentários ao art.
9º da LPA, aplica-se a Lei de Migração (Lei 13.445/2017), que determina o princípio do
“fortalecimento da integração econômica, política, social e cultural da América Latina, mediante a
constituição de espaços de cidadania e de livre circulação de pessoas” e a “integração e
desenvolvimento das regiões de fronteira e articulação de políticas públicas regionais capazes de
garantir efetividade aos direitos do residente fronteiriço” (art. 3º, XVI). Em virtude desse último
dispositivo, que impõe a articulação de políticas públicas nessas áreas fronteiriças, a decisão pela
intervenção do não nacional deixa de ser discricionária e se transforma em vinculada. Em outras
palavras, a autoridade que conduz o processo administrativo está obrigada a aceitar a participação
dos residentes fronteiriços, ou seja, das pessoas nacionais de país limítrofe ou apátridas que
conservam a sua residência habitual em município de país vizinho (art. 1º, § 1º, IV, da Lei
13.445/2017). Além disso, nesses casos, a decisão final do processo administrativo há que conciliar,
na medida do possível, o necessário respeito ao ordenamento pátrio com a efetivação dos direitos
do residente fronteiriço.

Recurso de participantes em audiências e consultas públicas?

A redação do art. 58, inciso II da LPA não deixa claro se os participantes em audiências e
consultas públicas estão legitimados a interpor recurso da decisão administrativa expedida no
processo do qual participaram. A rigor, os participantes não configuram necessariamente
interessados, como declara o art. 31, § 2º da LPA. Por isso, eles somente terão real legitimidade
recursal, caso seus interesses e direitos individuais sejam afetados indiretamente pela decisão
administrativa. Além disso, os participantes poderão recorrer administrativamente nos termos do
art. 58, inciso IV da LPA, ou seja, em processos envolvendo direitos e interesses difusos –
possibilidade que será debatida mais à frente.
Caso o participante não comprove a existência de direito ou interesse individual atingido pela
decisão administrativa e desde que não se trate de processo envolvendo direito e interesse difuso,
não poderá ele recorrer administrativamente. Isso, pois os participantes não possuem o mesmo
status jurídico dos interessados, disciplinados pelo art. 9º da LPA. Como mencionado, essa
diferença no tratamento jurídico encontra sua base jurídica no art. 31 § 2º, o qual esclarece que a
participação em mecanismos de democratização do processo administrativo não confere a
qualquer pessoa, por automático, a condição de verdadeiro interessado.

A princípio, aos participantes eventuais, ou seja, aqueles que colaboram em eventos de


democratização do processo administrativo (audiências, consultas públicas etc.) se concede apenas
o direito de acesso aos autos, o direito de formulação escrita ou oral de crítica ou sugestão, o
direito de consideração da colaboração e o direito a uma resposta fundamentada (comum ou
individualizada) da Administração Pública em relação aos fatos e informações trazidas ao
processo. Como visto, o direito à interposição de recurso administrativo não integra esse rol. A
legitimação para tanto somente se confere ao participante que seja igualmente interessado, ou
melhor, titular de direitos ou interesses juridicamente tutelados que venham a ser direta ou
indiretamente afetados pela decisão administrativa (art. 58, incisos I e II, respectivamente) ou
substituto processual nos processos que tratem de direitos e interesses coletivos ou difusos (art. 58,
incisos III e IV da LPA).

ART. 58, III

Requisitos gerais

O art. 58, inciso III, da LPA reproduz o art. 9º, inciso III. Tal como ocorre em relação à abertura
do processo, permite-se a interposição de recursos por organizações e associações representativas
para defesa de direitos ou interesses coletivos. Essas instituições ou entidades poderão agir no
processo administrativo como substitutos processuais, inclusive para recorrer da decisão tomada
pela autoridade federal.

A admissibilidade do recurso, nesse caso, dependerá da observância de alguns requisitos.

Em primeiro lugar, é preciso que haja direito coletivo em discussão. Conforme esclarecido nos
comentários ao art. 9º, inciso II, da LPA, o direito e interesse coletivo, previsto no art. 129, inciso
III, da CF e em outros diplomas legais, diferencia-se do individual em virtude de um critério de
titularidade. Diferentemente dos individuais, os interesses ou direitos coletivos são de uma
pluralidade de titulares. De outra parte, os direitos e interesses coletivos se distinguem dos difusos,
pois, ainda que, em ambos, uma coletividade partilhe a titularidade, no primeiro caso os titulares
são determináveis, e no segundo, não.

Em segundo lugar, deve-se verificar se o direito coletivo discutido no processo administrativo


se encontra no âmbito de atuação da organização ou associação que pretende interpor o recurso.

Em terceiro lugar, além do caráter representativo, as entidades em questão devem estar


legalmente constituídas e em funcionamento regular, ou seja, possuir personalidade jurídica nos
termos do art. 44 do Código Civil e nenhuma proibição de atuação – por exemplo, por conta de
uma sanção de suspensão de atividades com base na Lei Anticorrupção (art. 19, II).

Em quarto lugar, deve-se analisar se a interposição do recurso é medida útil para a proteção do
direito coletivo que cabe à organização ou associação recorrente proteger. Em outras palavras, o
recurso deve ser hábil para que a entidade representativa cumpra seu papel na defesa de direitos
coletivos que se situem na sua área de atuação. Aplica-se aqui, por analogia, a ideia contida no art.
5º, inciso V, b, da Lei 7.347/85, que trata da ação civil pública.28 Assim, o recurso interposto por
entidade representativa cujo escopo não guarde relação com a proteção dos direitos coletivos que
se propõe defender no processo administrativo não poderá ser conhecido.

Como se disse ao longo dos comentários ao art. 9º da LPA, aqui igualmente válidos, a LPA não
cogita de “idade mínima” da entidade representativa. Exigência semelhante à prevista no art. 5º, V,
a, da Lei 7.347/1985, pela qual as associações devem ter sido constituídas há pelo menos um ano
para que possam propor ação civil pública, não encontra respaldo na lei em comento.

Associações representativas

As associações são pessoas jurídicas de direito privado nos termos do art. 44, inciso I, do CC. O
art. 53 do Código esclarece que as associações configuram a união de pessoas que se organizam
para atingir fins não econômicos. Não existe entre seus membros o interesse em dividir resultados,
tampouco obrigações recíprocas.

A interposição de recurso administrativa pela associação nos termos da LPA depende da


verificação da representatividade em relação aos direitos e interesses coletivos discutidos no
processo administrativo e seu regular funcionamento.

Na qualidade de legitimadas extraordinárias, para abrir processo administrativo e interpor


recursos administrativos, as associações devem estar legalmente constituídas, ou seja, elas devem
ser pessoas jurídicas nos termos do art. 44 do Código Civil. No entanto, como já mencionado, ao
contrário do que ocorre para a interposição da ação civil pública, nos termos do art. 5º, inciso V, a,
da Lei 7.347/85, não se exige que a associação representativa tenha sido constituída há pelo menos
um ano para que possa interpor o recurso administrativo.

Organizações: problemática

A LPA menciona a expressão “organização”, mas não resta claro ao que a lei se refere. Trata-se
de Organização Internacional nos termos do direito internacional público, de Organizações Sociais
nos termos da Lei 9.637/1998, de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP)
conforme a Lei 9.790/1999, de Organizações da Sociedade Civil (OSC) nos termos da Lei
13.019/2014, de Organizações Religiosas nos termos do Código Civil ou de organizações em sentido
amplo?

A LPA não traz uma resposta à dúvida, restringindo-se apenas a afirmar que as organizações
poderão interpor recurso administrativo para defesa de interesses ou direitos coletivos. No
entanto, a finalidade da norma sugere que não interessa o tipo de organização. Considerando-se
que o legislador utilizou o termo em sentido atécnico, ele é capaz de abranger todas as
organizações anteriormente mencionadas ou mesmo outras entidades, não tipificadas de modo
expresso pelo Código Civil, mas que, como pessoas jurídicas legalmente constituídas, tenham por
finalidade a proteção de direitos ou interesses coletivos.

Assim como se apontou em relação ao art. 9º da LPA, quanto ao art. 58, III, tampouco há
restrição quanto a pessoas jurídicas de direito estrangeiro ou pessoas jurídicas de direito público
externo, como organizações internacionais. Elas poderão interpor recurso administrativo desde
que demonstrem sua representatividade em relação a direitos e interesses coletivos perante o
ordenamento jurídico brasileiro.

ART. 58, IV

Associações

O recurso administrativo para a defesa de interesse ou direito de natureza difusa também pode
ser interposto por associações. Aqui, portanto, valem os comentários realizados em relação ao art.
58, inciso III, da LPA. As associações legitimadas para a interposição do recurso devem cumprir
basicamente os requisitos já discutidos e mencionados previamente, quais sejam: (i) constituição
nos termos da legal; (ii) regular funcionamento (que inexistirá, por exemplo, quando a entidade
tiver sido apenada administrativamente com a sanção de suspensão de atividades) e (iii)
representatividade em relação aos direitos ou interesses difusos que são objeto do processo
administrativo em que pretendem atuar como substituto processual. Da legislação não consta,
porém, qualquer requisito de idade mínima, de tempo de experiência ou de existência. A
legitimação recursal não pode ser negada com base em requisitos desse gênero sem base em lei.

Cidadãos
Ao tratar da legitimidade para a abertura de processos administrativos com o objetivo de
proteger ou defender direitos e interesses difusos, o art. 9º, inciso IV da LPA fez menção às
“organizações” e às “pessoas” em sentido amplo. Contudo, ao tratar da legitimidade recursal para a
defesa de interesses e direitos difusos, a palavra “pessoas”, contida no art. 9º, desapareceu, tendo o
legislador a substituído por “cidadãos”.

Essa diferença redacional parece ter sido impropriamente inserida no texto. Anteriormente se
defendeu o posicionamento de que o termo “pessoas” no art. 9º, inciso IV da LPA, necessita ser
interpretado em sentido amplo, de modo a incluir pessoas físicas e jurídicas. Não se afigura
possível manter esse posicionamento em relação à atribuição de competência recursal para defesa
de interesses e direitos difusos em vista da palavra “cidadãos”, preferida pelo legislador ao redigir
o dispositivo legal em debate. O conceito de “cidadão” é muito mais restrito que o de “pessoas”.

Para fins de aplicação do art. 58, inciso IV da LPA, o cidadão é a pessoa física de nacionalidade
brasileira, ou seja, brasileiro nato ou naturalizado e maior de 18 anos – requisito etário decorrente
do art. 10 da LPA, que trata da capacidade para processos administrativos. Todas essas pessoas
estão aptas a interpor recurso administrativo contra decisão administrativa que afronte direito ou
interesse de natureza difusa. A princípio, não gozam as organizações de nenhuma prioridade em
relação aos cidadãos dentro da sistemática do art. 58, inciso IV da LPA. A interposição de recurso
por uma organização não impede que um cidadão, também como substituto processual, ajuíze
outro recurso contra a mesma decisão administrativa.

Art. 59. Salvo disposição legal específica, é de 10 (dez) dias o prazo para interposição de recurso
administrativo, contado a partir da ciência ou divulgação oficial da decisão recorrida.

§ 1º Quando a lei não fixar prazo diferente, o recurso administrativo deverá ser decidido no
prazo máximo de 30 (trinta) dias, a partir do recebimento dos autos pelo órgão competente.

§ 2º O prazo mencionado no parágrafo anterior poderá ser prorrogado por igual período,
ante justificativa explícita.

ART. 59, CAPUT

Prazo de interposição

O prazo geral de interposição de recurso administrativo é de dez dias corridos, contados a


partir da data de ciência ou de divulgação oficial da decisão. A contagem do prazo se faz de acordo
com as normas previstas no capítulo XVI da LPA. O termo inicial recai no dia posterior ao da data
da ciência ou divulgação oficial. Os dez dias são corridos, não úteis e o seu termo final recai em
data de expediente normal na repartição pública em que o processo administrativo tramita. Não
havendo expediente normal na data do termo final do prazo, então se deve estendê-lo até o
próximo dia útil de expediente normal, tal como determina o art. 66, § 1º da LPA.

Redução do prazo

Em vista da necessidade de proteção efetiva dos administrativos, o prazo de dez dias não
deverá ser reduzido por atos normativos expedidos pelas entidades da Administração Direta ou
Indireta. Alterações do prazo de interposição do recurso, na medida em que afetam o exercício de
direitos fundamentais dos interessados, exigem previsão expressa em norma de lei em sentido
formal.

Mesmo nesse caso, ou seja, na hipótese de se fixar prazo especial em outra lei, deverá o
legislador respeitar o princípio da razoabilidade e da ampla defesa, de um lado, e o direito à
duração razoável do processo e o princípio da eficiência, de outro. Desse modo, se desejar reduzir
o prazo de recurso, deverá fazê-lo apenas até o limite em que a ampla defesa do interessado não se
torne impossível ou reste expressivamente comprometida.

A redução do prazo que tornar impossível o exercício dos direitos recursais e, por
consequência, restringir de modo desproporcional a defesa dos interessados será inconstitucional.
Igual conclusão vale para a ampliação excessiva dos prazos por lei no intuito de tornar o processo
incompatível com a duração razoável e com o princípio da eficiência.

Prorrogação do prazo de interposição?

Apesar de o art. 59, § 2º, da LPA ter autorizado a prorrogação do prazo para decisão do recurso
administrativo, não há nenhuma norma que trate sobre a prorrogação do prazo de interposição do
recurso. Daí resulta a utilidade de se debater se a norma do art. 59, § 2º poderia ser aplicada
analogicamente para casos de interposição de recursos. Para tanto, devem ser apreciadas as
normas sobre contagem de prazos contidas na própria LPA.

O capítulo XVI da lei em comento, que trata exclusivamente de prazos processuais, não trouxe
nenhuma norma geral sobre a possibilidade de prorrogação de prazos. Na verdade, o art. 67
apenas declara que os prazos não se suspendem, a não que por motivo de força maior.
Configurada essa hipótese excepcional, a suspensão ocorrerá de modo automático, vinculado,
gerando, por consequência, uma extensão do prazo em benefício do interessado prejudicado pela
causa de suspensão. Isso demonstra que a extensão do prazo, que decorre automaticamente da
suspensão por motivo de força maior, não deve ser confundida com a prorrogação discricionária e
a pedido do interessado. Suspensão e prorrogação configuram situações distintas, ainda que
ambas estejam relacionadas com o fenômeno da extensão dos prazos.

Diante da ausência de uma norma geral sobre a prorrogação dos prazos contidos na LPA,
cumpre verificar se a omissão legal deve ser entendida como uma regra de proibição ou de
autorização da prorrogação. Partindo-se do art. 67, que estabelece a proibição da suspensão de
prazos, chega-se à conclusão de que extensões processuais não previstas expressamente não se
harmonizam com a sistemática da LPA. Essa posição é compatível com a existência de hipóteses
específicas de prorrogação. Em outras palavras, como o legislador autorizou a prorrogação
somente em casos pontuais, deu a entender que não existe prorrogação fora das hipóteses
expressamente mencionadas na lei.

Por isso, diante do decurso do prazo administrativo para interposição do recurso


administrativo, ficará preclusa a possibilidade de rediscussões de mérito a pedido do interessado,
ou seja, solicitações de reexame do juízo de oportunidade e conveniência da decisão tomada pela
Administração. Todavia, questões de legalidade poderão ser sempre suscitadas, haja vista o
princípio da legalidade administrativa e da autotutela, que autorizam a Administração anular a
qualquer momento atos ilegais, salvo nas hipóteses do art. 54 da LPA.

A despeito dessa regra geral, caso não existam prejuízos para outros interessados, para
terceiros ou para os interesses públicos, nada impede que a autoridade administrativa, ante o
princípio do formalismo mitigado, decida devolver ou estender o prazo recursal em benefício do
interessado, permitindo uma espécie de prorrogação excepcional. Entende-se aqui que essa
possibilidade valerá tão somente quando: (i) a lei não excluir de modo expresso a prorrogação do
prazo de recurso; e (ii) a devolução do prazo, exaurido sem manifestação voluntária do
interessado, não gerar prejuízos administrativos ou a terceiros.

ART. 59, § 1º

Prazo de decisão e contagem

Por determinação expressa do art. 59, § 1º da LPA, em simetria ao art. 49, o prazo para decisão
de recursos administrativos é de trinta dias. Esse prazo se sujeita às regras gerais de contagem
estabelecidas no capítulo XVI da LPA. Os trinta dias se iniciam no dia posterior ao do recebimento
dos autos e contam-se de modo corrido, ou seja, a despeito da existência de expediente ou de dia
útil. O termo final recairá necessariamente em dia de expediente normal. Assim, caso haja
excepcional redução de expediente ou fechamento do órgão no dia do termo final, o prazo deverá
ser automaticamente estendido até o próximo dia de expediente normal. A título de exemplo, o
prazo que se exaurir no sábado, dia geralmente sem expediente, prolongar-se-á até segunda-feira,
caso nela haja expediente normal.
30 dias para julgamento por órgãos colegiados?

O art. 59, § 1º estabelece um prazo de trinta dias genérico, não fazendo nenhuma distinção
entre órgãos monocráticos ou colegiados. Porém, é bastante frequente que o órgão ad quem,
competente para julgar o recurso administrativo, tenha natureza colegiada. Em situações como
essa e em casos mais simples, para evitar o desrespeito ao prazo já prorrogado nos termos do art.
59, § 2º da LPA, a autoridade que preside o órgão poderá, após elaboração de parecer técnico,
deliberar o recurso ad referendum dos membros do colegiado. A autoridade que conduz o órgão
decide de modo monocrático e, no momento posterior oportuno, sua decisão é levada ao colegiado,
que a confirmará ou rejeitará.

Em situações mais complexas ou sensíveis, a deliberação monocrática sujeita ao crivo posterior


do colegiado se mostrará arriscada, restando ao presidente do órgão ad quem tomar as
providências para que seus membros se reúnam em tempo hábil, de modo a respeitar o prazo
prorrogável de trinta dias quando houver essa flexibilidade para estipulação das datas de reunião.
Contudo, se as datas de funcionamento do colegiado forem estipuladas por lei e não for possível –
ou for evidentemente irrazoável – a organização de reunião extraordinária, então o julgamento do
recurso deverá ser postergado à próxima reunião ordinária. Nesse contexto específico, dada a
impossibilidade de solução alternativa a viabilizar o respeito estrito à norma da LPA, a extensão
do prazo e o julgamento do recurso fora dos trinta dias prorrogáveis se mostrarão
excepcionalmente aceitáveis.

O termo inicial: data de recebimentos dos autos

O prazo de trinta dias inicia-se com o recebimento dos autos pela autoridade competente para
julgamento do recurso. Vale aqui lembrar que todo recurso administrativo é inicialmente
direcionado à própria autoridade que proferiu a decisão, que terá cinco dias para reconsiderar a
decisão e, não o fazendo, encaminhará os autos para a autoridade competente para julgamento do
recurso hierárquico, ou seja, a órgão superior dentro da mesma entidade (no caso de recurso
hierárquico próprio) ou órgão de outra entidade pública com poder de tutela sobre a julgadora (no
caso de recurso impróprio previsto em lei).

Somente depois da data de recebimento pelo órgão responsável para julgar o recurso, o prazo
será iniciado. Note-se bem: não é preciso que os autos cheguem até a autoridade para que o prazo
se inicie, basta que os autos entrem no órgão responsável pelo julgamento, a despeito da indicação
da autoridade que irá ou não julgar o recurso.

Alteração do prazo de decisão

Permite o art. 59, § 1º da LPA que o prazo de trinta dias seja afastado quando a lei fixar prazo
diferente. O destaque, nessa disposição, incide novamente sobre o termo “lei”. Ao utilizá-lo, o
legislador pretende esclarecer que reduções ou ampliações do prazo de decisão do recurso
administrativo são aceitáveis desde que contidas em dispositivo de lei em sentido formal. Por
consequência, atos normativos da Administração Pública federal, como resoluções, portarias ou
deliberações outras sob qualquer nomenclatura, não podem alterar os trinta dias impostos pelo
art. 59, § 1º da LPA.

Silêncio diante do prazo de decisão

Na falta de norma específica da LPA, o descumprimento do prazo para proferir a decisão


administrativa não gera nenhuma preclusão, ou seja, a decisão deverá ser prolatada mesmo que o
prazo, já prorrogado, tenha transcorrido. Melhor dizendo: ainda que o órgão competente não
tenha decidido dentro do prazo total (30 dias mais 30 dias), o recurso não poderá deixar de ser
julgado, pois a lei em comento não prevê nenhuma consequência geral (negativa ou positiva) ao
silêncio da Administração.

Com efeito, mais uma vez, a LPA se omite a tratar dos efeitos do silêncio dos órgãos
competentes para julgar um pedido apresentado pelo interessado. Diante dessa lacuna, vale o
entendimento defendido nos comentários aos artigos que cuidam dos prazos na legislação em
comento. Se o ato for discricionário no conteúdo ou na ação, o interessado solicitará ao órgão de
controle interno ou externo a estipulação de prazo para que o órgão competente definitivamente
exercite seu dever de decidir sob risco de sofrer punições desde a esfera disciplinar, passando pela
civil (por danos causados) até a esfera penal (por exemplo, por eventual prevaricação). Se o ato
pleiteado for vinculado na ação e no conteúdo, ou seja, se for possível uma única decisão
administrativa diante dos requisitos legais pelo interessado, então o órgão de controle poderá, a
pedido, impor diretamente a expedição da própria decisão, sem ter que assinalar prazo adicional
para o exercício da competência de julgamento.29

ART. 59, § 2º

Prorrogação do prazo de decisão

Vale discutir se o prazo de decisão aceita prorrogação e o que ocorrerá caso a autoridade não o
descumpra. Diferentemente do que ocorrem com os prazos para interposição de recurso pelo
interessado, os prazos para decisão pelo Estado podem ser estendidos por igual período em vista
de disposição expressa do art. 59, § 2º da LPA, mas desde que exista justificativa plausível para
tanto e que inexista uma norma especial em sentido contrário, ou seja, a vedar qualquer
prorrogação.

A regra do art. 59, § 2º da LPA faz todo sentido, pois não há como a autoridade deixar de decidir
o recurso. Sua omissão, nesse caso, configuraria uma renúncia de competência, ou seja, uma
atitude ilegal por força da disposição expressa do art. 2º, parágrafo único, inciso II da LPA.
Nenhuma autoridade pode deixar de exercer os atos que lhe competem, salvo disposição legal. A
autoridade competente para julgar o recurso deve sempre fazê-lo sob pena de ser compelida a
tanto pelos órgãos de controle e, eventualmente, responsabilizada nas mais diversas esferas, desde
a disciplinar até a penal.

Para evitar os constrangimentos externos e punições, adiante da impossibilidade de observar


os trintas dias previstos na LPA, restará ao órgão competente a possibilidade de prorrogar o prazo
de decisão no máximo por igual período. Diferentemente do que se sustentou na primeira edição,
não há solicitação de prorrogação. Ela é decidida pela própria autoridade que tem competência
para julgar, mas sempre de modo motivado e transparente. Isso significa que a prorrogação
deverá ser registrada nos autos com as devidas justificativas, dando-se dela ciência a todos os
interessados.

Punições em virtude da perda de prazo

Ainda que o prazo não afaste o dever de decidir, seu descumprimento doloso ou culposo
sujeitará a autoridade a sanções diversas.

O não julgamento do recurso administrativo no prazo assinalado em lei ou dentro do prazo de


prorrogação aplicável poderá configurar infração aos deveres funcionais, sujeitando a autoridade
infratora a sanções disciplinares. Vale lembrar que, no âmbito da União, a presteza e a
pontualidade configuram deveres funcionais de todos agentes públicos estatutários; deveres
expressos no art. 116, incisos V e X da Lei 8.112/1990 e cujo descumprimento culposo ou doloso
exige a aplicação de sanções administrativas cabíveis na lei.

Além disso, se o retardamento do processo for doloso – como frequentemente se vislumbra nos
“engavetamentos” propositais de processos administrativos com o objetivo de prejudicar o
interessado – poderá a autoridade ser condenada por ato de improbidade administrativa nos
termos do art. 11 da Lei 8.429/1992, que cuida de condutas violadoras de princípios gerais.

Sanções penais poderão ser igualmente cominadas, em especial pela prática de crime de
prevaricação nos termos do art. 319 do CP. Assim, caso se comprove que a omissão ou a demora da
autoridade em julgar o recurso administrativo tinha por escopo a satisfação de interesse ou
sentimento pessoal em detrimento do interessado no processo administrativo, poderá a autoridade
ser condenada criminalmente.
Concebível é também a responsabilização civil do Estado e dos agentes públicos responsáveis. A
demora ou a omissão ilegal da autoridade, caso tenha causado danos materiais ou morais, poderá
resultar em indenização apurada tanto no âmbito de mecanismos alternativos de solução de
controvérsias (art. 44 da Lei 13.140/2015), quanto em ação civil própria baseada no art. 37, § 6º da
Constituição da República.

Referido dispositivo constitucional reconhece a responsabilidade civil extracontratual e


objetiva de pessoas jurídicas de direito público e pessoas privadas prestadoras de serviços públicos
cujos agentes causem danos a terceiros em virtude de ações ou omissões ilegais na execução de
suas competências funcionais. Ademais, prevê a responsabilidade pessoal dos agentes
responsáveis pelo comportamento danoso desde que comprovada culpa ou dolo.

Art. 60. O recurso interpõe-se por meio de requerimento no qual o recorrente deverá expor os
fundamentos do pedido de reexame, podendo juntar os documentos que julgar convenientes.

ART. 60

Forma de interposição e direcionamento

Nos termos do art. 60 da LPA, o recurso é interposto mediante requerimento. Essa regra vale
principalmente para os recursos voluntários, ou seja, para os interpostos pelo interessado de
acordo com um juízo próprio de conveniência diante do conteúdo da decisão administrativa que o
afetou. Questão importante diz respeito ao direcionamento desse requerimento. Deve ser ele
encaminhado ao órgão superior ou para a autoridade que proferiu a decisão recorrida?

A resposta para essa indagação não se encontra no art. 60, mas sim no art. 56, § 1º da LPA. Ali
determina o legislador que se encaminhe o recurso para a autoridade que decidiu o processo e de
cuja decisão se recorre. Essa regra de direcionamento tem uma função, qual seja, permitir que a
decisão seja reconsiderada no prazo de cinco dias. Se houver reconsideração, o recurso não terá
prosseguimento à instância superior. Se não houver reconsideração, então a autoridade que
proferiu a decisão recorrida o encaminhará ao órgão superior dentro da mesma entidade (nos
recursos próprios) ou para a autoridade competente em outra entidade (recurso impróprio).

Direcionamento incorreto

A autoridade que recebe recurso encaminhado de modo incorreto deve agir de duas maneiras:
ou redireciona, de ofício, o recurso recebido para a autoridade verdadeiramente competente para
recebê-lo e exercer o juízo de reconsideração ou instrui o recorrente acerca do correto
direcionamento, orientando-o de modo a efetivar o direito ao recurso.

Esses deveres são impostos à Administração pelo art. 3º, inciso I da LPA. Nele se ancora o
princípio da cooperação,30 pelo qual toda autoridade tem o dever de auxiliar o particular a exercer
seus direitos e cumprir seus deveres. Por força desse mandamento, não se configurará a preclusão
dos direitos recursais quando o erro de encaminhamento resultar de informação falha ou de
recusa de informação por parte da autoridade administrativa. Se o recurso não foi interposto no
prazo determinado perante o órgão competente em razão da orientação errônea, incompleta ou
inexistente da Administração Pública, o prazo recursal deverá ser devolvido.

Conteúdo do recurso

O art. 60 também esclarece que o conteúdo do recurso deve apresentar os fundamentos do


pedido de reexame da decisão administrativa. Esses fundamentos consistem em aspectos fáticos e
jurídicos capazes de demonstrar ser a decisão administrativa inoportuna (questões de mérito e
razoabilidade) ou inválida (questões de legalidade). O recorrente deverá, portanto, apresentar os
fatos e os fundamentos jurídicos do seu pedido, de sorte a comprovar a causalidade entre os
fundamentos utilizados e o pedido de reexame, ou seja, cabe-se lhe evidenciar que o provimento
do recurso administrativo lhe gerará alguma utilidade jurídica.

Além dos fundamentos fáticos e jurídicos necessários a demonstrar a ilegalidade ou a


irrazoabilidade da decisão contra a qual se recorre, integral ou parcialmente, deve o recorrente
comprovar sua legitimidade recursal direta ou indiretamente. Para tanto, basta, a princípio,
mencionar umas das hipóteses de legitimidade recursal contidas no art. 58 da LPA, já comentadas.

Recursos interpostos por pessoas não legitimadas nos termos do art. 58 da LPA, recursos
incapazes de gerar uma utilidade para o recorrente e recursos meramente procrastinatórios não
devem ser conhecidos. Não conhecer significa não receber e, por conseguinte, não processar nem
julgar o mérito do pedido apresentado pelo recorrente.

Não se confunde o conhecimento ou recebimento com o indeferimento. Para ser deferido ou


indeferido, é preciso que o recurso tenha sido previamente conhecido e processado. O
indeferimento ocorrerá em virtude da existência de fundamentos recursais ou de fundamentos
ilegais ou inaplicáveis ao caso concreto. Ressalte-se: os termos “conhecimento” ou “recebimento”
do recurso administrativo dizem respeito a um juízo sobre os requisitos formais para sua
interposição e processamento. Já o “deferimento” e o “indeferimento” indicam que o pedido foi
examinado em seu conteúdo e, por resultado, respectivamente aceito ou rechaçado.

Juntada de documentos e novas provas

De extrema relevância prática é a norma, contida no art. 60, a autorizar a juntada, no


procedimento recursal, dos documentos que o recorrente considerar convenientes. Ao permitir a
juntada de documentos, a legislação evidencia que o administrado pode levar novos fatos e novas
provas para a instância superior. Essa característica própria dos recursos administrativos já foi
ressaltada anteriormente. A juntada de novos elementos ao processo, bem como a realização de
complementações e revisões instrutórias são sempre possíveis na instância recursal desde que se
mostrem necessárias ou imprescindíveis para a verificação da verdade material e, por
conseguinte, para a elaboração de uma decisão justa e legal.

Exatamente por isso, há que se conferir uma interpretação ampliativa ao art. 60: o interessado
poderá juntar tanto documentos novos, quanto solicitar a produção de novas provas no plano
recursal, desde que naturalmente elas não se mostrem ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou
meramente protelatórias. A mesma regra vale para o órgão julgador, que pode desejar
complementar a instrução para chegar a uma decisão mais acertada. Assim, apenas para ilustrar,
nada impede que deseje realizar uma audiência ou consulta pública ainda que o processo esteja
em fase recursal. Essa decisão de complementação instrutória naturalmente haverá de ser
ponderada à luz dos princípios da verdade material, do princípio da eficiência e do direito
fundamental à duração razoável do processo administrativo.

Essa flexibilidade do processo administrativo para reabertura da instrução no plano recursal


resulta, em última instância, do princípio do formalismo mitigado e também do princípio da
eficiência, que exige da administração a elaboração de decisões verdadeiramente eficazes – não
apenas céleres. A favor dessa relativização do formalismo quanto à instrução, já se manifestaram
outros comentaristas da LPA, como Ferraz e Dallari,31 bem como Fortini, Pereira e Camarão.32

Art. 61. Salvo disposição legal em contrário, o recurso não tem efeito suspensivo.

Parágrafo único. Havendo justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação


decorrente da execução, a autoridade recorrida ou a imediatamente superior poderá, de ofício
ou a pedido, dar efeito suspensivo ao recurso.

ART. 61 , CAPUT

Efeitos do recurso

Assim como os recursos do processo judicial, os recursos do processo administrativo também


apresentam dois efeitos: o devolutivo e o suspensivo. O primeiro, devolutivo, é efeito necessário e
o segundo, suspensivo, efeito eventual. O significado desses efeitos e o momento em que eles
surgem geram algumas dificuldades que serão comentadas a seguir.
Efeito devolutivo parcial e integral

Afirma-se que o recurso tem efeito devolutivo, pois ele acarreta a reabertura da discussão
acerca do objeto do processo. Ele devolve o caso ao debate. Ao interpor um recurso voluntário que
respeite os requisitos de conhecimento, o interessado recolocará o assunto para que as
autoridades o analisem mais uma vez e profiram uma nova decisão, que poderá tanto manter
intacta a decisão da instância inferior, quanto alterá-la parcial ou totalmente.

O efeito devolutivo não se restringe ao recurso administrativo em sentido estrito, ou seja, ao


recurso administrativo voluntário hierárquico. Ele se opera igualmente nos recursos de ofício (que
consistem em recursos automáticos previstos por lei para certas decisões que afrontem interesses
públicos primários ou interesses da Administração), nos meros pedidos de reconsiderações
(desacompanhados de recurso hierárquico) e nas revisões. O efeito devolutivo é, portanto,
inerente ao princípio da recorribilidade; é efeito necessário que não se sujeita ao crivo da
autoridade. Não existe recurso ou revisão sem efeito devolutivo, nem efeito devolutivo sem
recurso ou revisão.

Afirmar que o efeito devolutivo é necessário não implica dizer que seja ele sempre integral. O
efeito devolutivo é inerente ao recurso, mas sua abrangência é variável. O grau, a medida, a
extensão da devolução da matéria à rediscussão dependerá do tipo de recurso. A princípio, os
recursos administrativos, por sua característica generalista, não estão submetidos a restrições
quanto à matéria. O legitimado para a interposição do recurso voluntário decidirá quais questões
levará à instância superior. No caso do recurso de ofício, a regra também é a devolução global da
matéria.

Ocorre que, com a evolução do processo administrativo e sua discutível especialização, os


recursos administrativos têm sido classificados e tipificados, aproximando-se, em parte, dos
recursos judiciais. Essa tendência negativa tem levado à criação de recursos específicos, por
exemplo, os embargos de declaração em certos tipos de processo administrativo, como o
concorrencial.33

Ao se restringir o objeto do recurso, como nos casos dos embargos de declaração, o legislador
ou a própria Administração Pública, por ato normativo próprio, limitam a devolutividade plena do
recurso, ou seja, a matéria que o legitimado para sua interposição poderá “devolver” à
reapreciação da Administração Pública. Diante disso, verifica-se que o efeito devolutivo,
conquanto existente, poderá ser reduzido em certos casos. E isso revela que as questões
rediscutidas em sede recursal são delimitadas não somente pela vontade daquele que interpõe o
recurso, mas também pela vontade do legislador em determinados tipos de processo
administrativo.

Efeito suspensivo

Além do efeito necessário, conhecido como devolutivo, podem os recursos produzir um efeito
suspensivo da exequibilidade da decisão administrativa questionada. Quando isso ocorrer, sua
definitividade e sua executoriedade ficarão suspensas até que o recurso seja julgado.

Ao contrário do efeito devolutivo, o efeito suspensivo pode ser denominado de efeito eventual.
Isso, pois o art. 61 da LPA consagra a regra da não suspensividade, já reconhecida expressamente
pelo STF.34 As decisões e o processo administrativo não se suspendem por força da interposição de
recurso administrativo, a não ser que requisitos específicos contidos no art. 61, parágrafo único ou
em lei específica autorizem a suspensão em determinadas situações.

A excepcionalidade do efeito suspensivo tem a ver com suas próprias consequências práticas.
Como dito, ele impede a execução da decisão administrativa, inclusive das condenatórias. Além
disso, obsta o decurso de prazos prescricionais e prejudica, do ponto de vista lógico, a apreciação
do ato administrativo decisório pelo Judiciário. Justamente por isso, Sérgio Ferraz e Adilson Dallari
consideram o efeito suspensivo um instrumento para aliviar a sobrecarga gerada pela
Administração Pública aos juízes.35
Será desnecessário buscar o controle pelo Judiciário, quando o próprio interessado ainda
aguardar que a Administração Pública se posicione sobre a decisão proferida no processo
administrativo e questionada em recurso. Note-se, porém, que não existe uma regra escrita que
proíba a apreciação concomitante da questão administrativa pelo Judiciário. Nos termos do art. 5º,
XXXV da CR, a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário “lesão ou ameaça a direito”.
Conforme esclarece Maria Sylvia Di Pietro, a Constituição atual diferencia-se da Constituição de
1967, pois esta continha norma que permitia o condicionamento da ação judicial à exaustão das
vias administrativas.36 Norma constitucional semelhante não existe hoje. Daí se dizer que a não
apreciação de decisão que se encontra suspensa em virtude da interposição de recurso
administrativo decorre muito mais de um aspecto lógico, do que propriamente jurídico.

Primeira hipótese para concessão do efeito suspensivo

A LPA reconhece três grupos de situações abstratas em que o efeito suspensivo poderá ser
concedido, quebrando-se a regra geral do efeito meramente devolutivo. A primeira situação está
contida no art. 61, caput da LPA. A segunda e terceira situações constam do art. 61, parágrafo único
e serão comentadas no momento oportuno.

Segundo reconhece o art. 61, caput da LPA o efeito suspensivo poderá ser concedido se houver
disposição legal que o autorize. Essa autorização deve ser, portanto, expressa em outra lei federal
sem sentido formal ou, ao menos, resultar dela a partir de uma interpretação sistemática, lógica ou
teleológica. Fora dessas situações, o reconhecimento do efeito suspensivo por mero ato normativo
da Administração (resoluções, portarias, decretos, deliberações etc.) não se sobreporá à regra
contida no art. 61, caput da LPA. Sem base direta ou implícita em lei, esses diplomas internos não
são capazes de autorizar validamente a concessão do efeito suspensivo. Ressalte-se: como o artigo
em comento prevê uma reserva legal, o duplo efeito somente existirá quando lei abstrata e geral
aprovada pelo Congresso Nacional o mencionar de modo expresso ou fornecer-lhe alguma base de
validade, ainda que implícita.

Efeito suspensivo e mandado de segurança

De acordo com o art. 5º, I da Lei 12.016/2009, não se concederá mandado de segurança quando
se tratar de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente
de caução. Isso significa que o mandando não será conhecido caso a decisão administrativa nele
questionada estiver ainda em prazo para questionamento por recurso que aceita efeito suspensivo
ou quando já estiver em curso esse recurso no âmbito da Administração Pública.

Apesar disso, Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari entendem que o dispositivo da lei deve ser
interpretado de modo amplo, de modo a incluir também recursos recebidos em efeito apenas
devolutivo. Afinal, enquanto o recurso não estiver decidido, “independentemente dos efeitos em
que recebido”, ainda não se poderá falar de uma “vontade clara e definitiva da Administração”. “A
tese oposta levaria a uma interpretação ad absurdum (o que o sistema jurídico repele)”, pois
tornaria o “recurso administrativo uma inutilidade, um remédio que ninguém utilizaria,
frustrando, inclusive, um de seus propósitos fundamentais habituais: o da prevenção dos litígios
judiciais”.37

Efeito suspensivo, reconsideração e Mandado de Segurança

A Súmula 430 do STF dispõe que “pedido de reconsideração na via administrativa não
interrompe o prazo para mandado de segurança”. Essa determinação não se compatibiliza como a
sistemática recursal da LPA, dado que, no geral, a reconsideração se encontra embutida no recurso
administrativo hierárquico. Desse modo, se a Lei de Mandado de Segurança atual afirma que não
haverá como se impetrar o remédio judicial na existência de duplo efeito do recurso
administrativo e se a LPA permite que o duplo efeito seja conferido diretamente pela autoridade
julgadora que é a mesma que exercer o poder de reconsideração (art. 61, parágrafo único), então é
plenamente possível que o prazo se interrompa ainda que esteja em curso a reconsideração
quando a autoridade a quo já se manifestar pela concessão do efeito suspensivo.
Ao contrário do que dispõe a Súmula do STF, a interrupção do prazo para o Mandado de
Segurança não é só decorrente da sistemática recursal da LPA, mas também da realidade
administrativa brasileira, que, não raro, extrapola em muito o prazo estrito de cinco dias para a
realização do juízo de reconsideração.

ART. 61, PARÁGRAFO ÚNICO

Hipóteses de concessão do efeito suspensivo

Como se disse, existem três possibilidades para que o efeito suspensivo seja concedido. A
primeira se encontra no próprio art. 61, caput da LPA e diz respeito à concessão por força de
dispositivo contido em lei específica – hipótese que, aliás, sequer necessária constar da lei em
comento por força da regra básica de que a norma especial afasta a norma geral. Outras duas
hipóteses constam do art. 61, parágrafo único, que reconhece a possibilidade de concessão de
efeito suspensivo aos recursos administrativos desde que exista receio de prejuízo de difícil
reparação ou receio de prejuízo de incerta reparação.

Difícil reparação

Em primeiro lugar, a autoridade competente, em qualquer situação, pode conceder o efeito


suspensivo ao recurso administrativo caso considere que a eficácia e a execução da decisão
gerarão prejuízo de difícil reparação. Existem aqui três questões a serem esclarecidas, a saber: o
que é prejuízo? Quais são os destinatários do prejuízo? O que significa difícil reparação?

Prejuízo deve ser entendido como qualquer alteração fática que tenha implicações para a
esfera de direitos ou de interesses juridicamente tutelados de alguém. Prejuízo significa dano,
redução ou limitação de patrimônio, restrição de direitos e liberdades fundamentais. Medidas que
não causem limitação de direitos ou de interesses reconhecidos pelo ordenamento jurídico não
configuram prejuízos nos termos da lei. Por conseguinte, não é prejuízo a restrição da liberdade de
cometer ilícitos ou de praticar atividades não protegidas pela lei, positiva ou negativamente.

Resta saber quem é o destinatário do prejuízo. Seria ele apenas o interessado diretamente
envolvido no processo? Parece que não. A concessão do efeito suspensivo é possível quando o
prejuízo atinja o interessado, quando atinja a Administração Pública ou terceiros. O prejuízo, nos
termos da lei, não se restringe à esfera dos interessados no processo administrativo. A autoridade
pública competente poderá conceder o duplo efeito, por exemplo, ao verificar que a decisão traz
elevados riscos para a sociedade ou para determinado grupo de terceiros (como consumidores ou
usuários de um serviço público), razão pela qual não será adequado correr o risco de liberar a
execução da decisão administrativa antes que recursos administrativos sejam julgados.

Enfim, é preciso discutir o que significa prejuízo de “difícil reparação” e como ele se diferencia
do prejuízo de “incerta reparação”. A discussão, nesse ponto, mostra-se muito mais semântica e
terminológica. Prejuízo de difícil reparação representa impacto negativo que atinge a esfera de
direitos ou interesses de alguém por força da execução da decisão administrativa e cuja reversão
exige esforços excessivos.

Imagine-se, por exemplo, que a decisão administrativa autorize a derrubada de parte de uma
floresta. Mesmo que a autorização de desmatamento possa ser revertida por reflorestamento ou
processos alternativos, fato é que, em qualquer caso, a reconstituição efetiva da floresta será
extremamente onerosa, além de exigir grande lapso temporal para se efetivar. Ademais, os efeitos
negativos para a qualidade do ambiente serão automáticos e praticamente impossíveis de se
recuperar no curto e no médio prazo. Diante desse cenário, mostra-se inquestionável a dificuldade
de reparação do prejuízo, razão pela qual deve ser concedido efeito suspensivo ao ser recebido o
recurso administrativo.

Incerta reparação

As três questões apresentadas em relação ao prejuízo de “difícil” reparação também valem para
a compreensão do prejuízo de “incerta” reparação. O que significa prejuízo? Quais seus
destinatários? Como se caracteriza a incerteza da reparação?

Conforme dito, prejuízo é qualquer restrição ou dano a direito e interesse juridicamente


tutelado pelo ordenamento jurídico pátrio. Não é necessário que esse dano, essa restrição
decorrente da decisão administrativa prolatada em primeira instância, atinja os interessados do
processo. Os prejuízos que justificam a concessão do efeito suspensivo podem atingir terceiros,
sejam eles cidadãos, pessoas jurídicas ou os próprios órgãos estatais. Por ilustração, uma decisão
em processo administrativo federal do qual participe uma empresa e a União poderá ser suspensa
em virtude de recurso administrativo caso se considere a existência de prejuízo de incerta
reparação contra um Município, consumidores ou outros cidadãos que não participem do
processo.

A terceira questão diz respeito à diferença entre prejuízo de reparação difícil e de reparação
incerta. A dificuldade diz respeito a um juízo acerca onerosidade da medida de reversão do
prejuízo. A reparação pode se tornar difícil pode exigir esforços extremos ou recursos financeiros
muito elevados. De outra parte, a incerteza exige um juízo acerca da possibilidade da ação
reparatória. Por conta de fatores temporais, climáticos, biológicos ou de outra ordem, prevê-se que
a reversão dos efeitos negativos gerados pela medida questionada no recurso provavelmente se
tornará inviável, de sorte a recomendar a concessão do duplo efeito.

Pressuposto da concessão: causalidade

Não basta a configuração do risco de prejuízo de difícil ou de incerta reparação para a


concessão de efeito/suspensivo. A autoridade competente, no juízo quanto ao duplo efeito recursal,
deve verificar se existe uma relação de causalidade entre a suspensão da eficácia da decisão
administrativa recorrida e o impedimento do prejuízo. Trata-se, aqui, de uma análise de
razoabilidade. É preciso perguntar: o prejuízo de incerta ou difícil reparação alegado pelo
recorrente desaparecerá em razão do efeito suspensivo? Se a resposta for negativa, então o efeito
suspensivo será inadequado para atingir os objetivos contidos no art. 61, parágrafo único, não
havendo razão para concedê-lo.

Efeito suspensivo parcial

A partir da discussão do efeito suspensivo diante do princípio da razoabilidade surge outra


questão: é possível sua concessão parcial? Pode ele atingir apenas parte dos mandamentos
contidos na decisão administrativa recorrida? Em vista do formalismo mitigado que prevalece no
âmbito do processo administrativo e em virtude do princípio da razoabilidade, essa solução é
perfeitamente concebível, desde que exista uma pluralidade de mandamentos caracterizados pela
divisibilidade, ou seja, pela possibilidade de execução autônoma. Diante dessas condições, a
autoridade competente poderá suspender parte deles, de odo que somente a parte não coberta
pela suspensão produza seus efeitos na realidade. Para tanto, caberá à autoridade demonstrar que
os requisitos de concessão do efeito suspensivo se aplicam para algumas determinações da decisão
recorrida, mas para outras não. Isso pressupõe, como dito, a divisibilidade dos mandamentos.

Momento da concessão e órgão competente

O momento da concessão do efeito suspensivo é extremamente relevante. Para analisar a


questão, parte-se do pressuposto de que a decisão administrativa final em qualquer processo
administrativo não produzirá efeitos imediatos com sua edição ou publicação, mas somente
quando o prazo para interposição do recurso administrativo se exaurir. As decisões somente se
tornarão exequíveis e poderão ganhar eficácia quando o limite temporal de interposição tiver
decorrido sem qualquer recurso administrativo.

Uma vez interposto o recurso, deverá a autoridade a quo fazer o juízo de reconsideração no
prazo de cinco dias. Até a realização de efetiva da reconsideração, a decisão não estará apta a
produzir efeitos, ou seja, ela não será exequível e, portanto, sua eficácia ficará contida. A
exequibilidade surgirá com o decurso do prazo de reconsideração (cinco dias) ou com o ato
administrativo que negar a reconsideração antes desses cinco dias. Nessa situação é que entrará
em questão a apreciação do recurso e a concessão do efeito suspensivo. Ao negar a reconsideração
ou deixar o prazo transcorrer sem manifestação, a autoridade a quo poderá analisar a
possibilidade do efeito suspensivo e manifestar-se a respeito antes de encaminhar o recurso ao
órgão superior. Isso fica evidente no art. 61, parágrafo único da LPA: é perfeitamente aceitável que
o duplo efeito seja concedido já com a manifestação da autoridade recorrida no momento em que
se encerra a fase de reconsideração.

Alternativamente, dada a informalidade que caracteriza o processo administrativo e por força


de expressa disposição do parágrafo em comento, o efeito suspensivo também poderá ser
concedido pela autoridade ad quem. Ou seja, mesmo que não tenha sido concedido no
encerramento da fase de reconsideração, o órgão superior, ao examinar o caso à luz dos requisitos
do art. 61 da LPA, poderá suspender a decisão a qualquer tempo.

Note-se bem: o entendimento aqui defendido é que o duplo efeito pode ser conferido ao recurso
não apenas no momento em que a autoridade superior recebe o processo, mas também
posteriormente, devendo-se, nesse caso, realizar-se a devida ponderação acerca dos impactos da
suspensão posterior da decisão que já havia se tornado exequível. Essa possibilidade apenas
desaparecerá quando a decisão já tiver sido executada e se demonstrar impossível ou inútil sua
reversão antes do julgamento final do recurso.

Art. 62. Interposto o recurso, o órgão competente para dele conhecer deverá intimar os demais
interessados para que, no prazo de 5 (cinco) dias úteis, apresentem alegações.

ART. 62

Dever de intimação dos demais interessados

O art. 62 consagra o direito à ampla defesa e ao contraditório em sede recursal. O direito ao


conhecimento dos fatos e atos processuais e a possibilidade de comentá-los e combatê-los não se
exaurem com o proferimento da decisão administrativa de primeira instância. A ampla defesa e o
contraditório são princípios de aplicação imprescindível e inafastável durante todo o trâmite
processual. Mesmo em sede de recurso, reconsideração ou revisão, não pode a Administração
Pública abrir mão desses princípios. Não lhe é lícito alegar, por exemplo, que os argumentos dos
interessados já são conhecidos, mesmo porque as alegações em sede recursal não se confundem
necessariamente com anteriores, ou seja, aquelas apresentadas antes da decisão administrativa.

Também é importante notar que a omissão dos demais interessados ao longo do processo
administrativo não é motivo suficiente para que a autoridade deixe de intimá-los em caso de
interposição de um recurso administrativo. Imagine-se, assim, que os interessados tenham
deixado de apresentar provas, de acompanhar diligências, de apresentar alegações finais, ou seja,
que tenham praticamente abandonado o processo. Constituiria a omissão desses interessados uma
razão para que a autoridade administrativa, adiante da interposição de um recurso, deixasse de
intimá-los? A resposta é negativa. Aplica-se aqui o art. 27, parágrafo único da LPA. A omissão de
um interessado na prática de determinados atos processuais não afasta seu direito à ampla defesa
e ao contraditório em relação a atos futuros do processo.

Momento da intimação e procedimento recursal

O momento da intimação e o órgão competente para realizá-la foram igualmente disciplinados


pelo art. 62 da LPA. A expressão “interposto o recurso” contém a norma sobre o momento da
intimação. Dela se extrai que nenhuma análise de mérito do recurso será feita antes que os outros
interessados se manifestem. Assim que interposto o recurso e verificados o cumprimento dos
requisitos básicos de conhecimento, deve a autoridade intimar os outros interessados, dar-lhes
ciência dos argumentos e material juntados pelo recorrente para que formulem suas alegações,
juntem as provas que considerarem convenientes ou solicitem complementações instrutórias.

Órgão competente

O órgão competente para a realização da intimação equivale ao que conhece o recurso, ou seja,
o órgão que profere a decisão da qual se recorre, que recebe o recurso, realiza o juízo de
reconsideração e também procede à análise dos aspectos formais da interposição nos termos do
art. 63, comentado a seguir. Em outras palavras: a autoridade competente para realizar a
intimação dos demais interessados diante da interposição de recurso administrativo é a
autoridade que proferiu a decisão recorrida. Caso não haja reconsideração, o recurso,
acompanhado das contrarrazões dos outros interessados, será remetido ao órgão superior
competente, que, a partir de então, assumirá os deveres de condução do processo e de garantia da
ampla defesa e do contraditório.

Prazo e conteúdo das alegações

Como dito, recebido o recurso administrativo, deve a autoridade competente, ato contínuo,
intimar os demais interessados para que apresentem suas alegações, respeitando uma série de
requisitos formais e materiais contidos tanto no art. 62, quanto no art. 63 da LPA.

O requisito formal do art. 62 diz respeito basicamente ao prazo para a manifestação. Esse se
exaure em cinco dias corridos após a intimação. A contagem desse prazo deve obedecer às regras
contidas na própria LPA. O termo inicial dos cinco dias recairá sobre o dia posterior ao da
intimação. Os cincos dias se contarão de modo contínuo, a despeito de dias úteis ou de expediente.
O termo final, por sua vez, ocorrerá apenas em dia de expediente normal.

Ainda que não previsto na LPA, nada impede que lei específica altere o prazo previsto no art.
62, principalmente para aumentá-lo. Em outras palavras: lei específica poderá autorizar a
apresentação de alegações em prazo maior, como 10 ou 15 dias. Alteração como essa deverá levar
em consideração a duração razoável do processo, a eficiência administrativa, bem como a
razoabilidade para elaboração das contrarrazões e o direito à ampla defesa. Ante a ausência de
disposição na LPA e diante dos impactos da alteração debatida sobre inúmeros princípios e
direitos fundamentais, entende-se essencial que ela ocorra por meio de lei em sentido formal.

O objeto das alegações

Implicitamente, o art. 62 contém um requisito material relativo às contrarrazões de recurso.


Para que possam ser consideradas devidamente, é preciso que as alegações dos demais
interessados contenham motivos reais e pertinentes aptos a convencerem o órgão julgador da
necessidade de se rejeitar o recurso por falhas formais ou por aspectos de mérito.

Dado o formalismo mitigado característico do processo administrativo, é possível que nas


próprias razões contra recurso interposto, os outros interessados realizem pedidos e ainda que
não tenham eles mesmos tomado a iniciativa recursal. Portanto, não é imperativo que as alegações
se restrinjam a rebater o recurso administrativo. Além dessa função de defesa, elas também
poderão conter pedidos independentes como se fosse um verdadeiro recurso.

Deslocamento instrutório excepcional

Nada impede que, em sede recursal, a Administração Pública decida realizar diligências e
novos atos de instrução, ou seja, novos atos necessários à produção de dados e informações
pertinentes à elaboração de decisão administrativa mais correta e justa. No entanto, é preciso que
essa complementação instrutória seja imprescindível e residual. Se a complementação desejada
for significativa, mais correto será devolver o processo para o órgão originário de instrução com a
indicação das provas a serem produzidas.

Em outras palavras, a busca de novas provas e a realização de novas diligências em sede


recursal – a pedido dos interessados ou da própria autoridade – necessita ser mínima e ficar
restrita à averiguação de fatos que não tenham sido devidamente esclarecidos anteriormente.
Trata-se de competência instrutória residual, não de substituição plena das autoridades que se
incumbiram da fase de produção de provas. Além disso, todos os atos probatórios na fase recursal
devem guardar relação com fatos relevantes para a decisão, isto é, somente devem ser realizados
quando imprescindíveis.
O caráter residual e imprescindível da complementação instrutória pelo órgão recursal é
requisito para a legalidade dos atos que a instrumentalizam. Exatamente por isso, o órgão superior
competente deverá zelar para que não se produzam nem se determinem provas repetidas ou
impertinentes em ferimento à regra da subsidiariedade e à duração razoável do processo
administrativo.

Resumo do procedimento recursal

A análise dos artigos comentados até o momento permite que se trace um resumo da fase
recursal no processo administrativo. Essa fase pode ser dividida nas seguintes etapas: 1)
interposição do recurso; 2) abertura do prazo de cinco dias para manifestação dos outros
interessados; 3) juízo de reconsideração; 4) análise dos requisitos formais para conhecimento do
recurso hierárquico na ausência de reconsideração; 5) deliberação eventual sobre o efeito
suspensivo; 6) reconhecidos os requisitos formais de conhecimento e não havendo reconsideração,
encaminhamento do recurso para o órgão superior competente dentro da mesma entidade
(recurso próprio) ou fora dela (recurso impróprio); 7) eventuais atos instrutórios complementares;
8) análise final do recurso em segunda instância; 9) eventual novo pedido de reconsideração e de
recurso para terceira instância; 10) julgamento do recurso em terceira e última instância.

Art. 63. O recurso não será conhecido quando interposto:

I – fora do prazo;

II – perante órgão incompetente;

III – por quem não seja legitimado;

IV – após exaurida a esfera administrativa.

§ 1º Na hipótese do inciso II, será indicada ao recorrente a autoridade competente, sendo-


lhe devolvido o prazo para recurso.

§ 2º O não conhecimento do recurso não impede a Administração de rever de ofício o ato


ilegal, desde que não ocorrida preclusão administrativa.

ART. 63 , CAPUT

Conhecimento ou recebimento x deferimento

O art. 63 da LPA trata das causas que impedem o conhecimento do recurso. Conhecimento ou
recebimento são sinônimos. Um recurso há que ser conhecido ou recebido quando os requisitos
formais para sua interposição são cumpridos. Ausentes os requisitos formais, não poderá o
recurso ser recebido. Isso significa que o ato de conhecer ou não é vinculado e que a autoridade,
ao praticá-lo, não analisará o mérito do recurso, não adentrará as razões que o interessado alega
no intuito de ver a decisão administrativa parcial ou integralmente revertida.

Como esclarecido em outros momentos, o ato de recebimento do recurso é distinto do de


deferimento. Ambos configuram uma decisão administrativa, mas o ato de recebimento é prévio e
condicionante do ato da análise do mérito do recurso e de deferimento ou indeferimento. Somente
o recurso conhecido ou recebido poderá ser deferido ou indeferido. Descumpridos os requisitos
formais para a interposição do recurso, não será ele conhecido e, portanto, as razões materiais que
o sustentam não serão apreciadas.

Existe, porém, uma exceção muito importante a essa regra geral. O art. 63, § 2º da LPA
determina que o não conhecimento do recurso não impede a Administração de rever de ofício o
ato ilegal. Mesmo que não conhecido o recurso, deve o órgão competente agir quando, por meio
das razões recursais, tomar conhecimento de ato patentemente ilegal e danoso. Essa possibilidade
será comentada em mais detalhes oportunamente.
ART. 63, CAPUT, I

Intempestividade do recurso

A interposição do recurso fora do prazo legal é causa de não conhecimento, ou seja, impede que
o órgão ad quem aprecie suas razões sem que isso viole a regra da ampla defesa, tal como já
reconheceu o STF.38 Essa regra não é absoluta. Em alguns tipos de procedimentos administrativos,
especialmente naqueles bipartites, ou seja, situações que não envolvam conflitos entre dois ou
mais interessados, o recurso intempestivo pode ser conhecido, desde que não haja prejuízo para a
Administração Pública. Aplica-se, aqui, o princípio do formalismo mitigado, salvo nos processos
mais complexos, ou seja, naqueles de natureza contenciosa. Em resumo: em processos mais
simples e não havendo prejuízos para interesses públicos primários, os prazos administrativos não
devem ser interpretados com formalismo excessivo. Esse posicionamento é contrário, portanto, ao
de Carvalho Filho, para quem “os prazos recursais são peremptórios e os interessados devem
observá-los rigorosamente”.39

Conhecimento excepcional após decurso do prazo

Em algumas situações, o recurso interposto fora do prazo não configurará um verdadeiro


recurso intempestivo e, assim, poderá ser conhecido sem quaisquer dificuldades. Isso se
vislumbra, por exemplo, quando o interessado recorrente demonstra que a interposição do
recurso se tornou impossível por ocorrência de força maior. Poderá, ainda, alegar o não
cumprimento do prazo em razão de uma conduta praticada pela própria Administração que tenha
impedido a conclusão do recurso. Por fim, a Administração está autorizada a conhecer o recurso,
mesmo após o decurso do prazo, se considerar que seu recebimento se mostra mais vantajoso para
a proteção de interesses públicos que o não conhecimento. Em vista desses cenários é possível
novamente afirmar que os prazos administrativos não são sempre peremptórios. Por força de
motivos específicos e excepcionais, poderá o recurso ser recebido mesmo depois de decorrido o
prazo para sua interposição.

ART. 63, CAPUT , II

Interposição perante autoridade incompetente

Outro requisito de conhecimento do recurso é sua interposição perante autoridade competente.


O art. 63, caput, inciso II da LPA revela que o recurso não pode ser dirigido a qualquer autoridade.
Por força do art. 56, § 1º da LPA, ele será interposto perante a autoridade que originariamente
proferiu a decisão, a qual poderá ou não reconsiderar no prazo de cinco dias. Não havendo a
reconsideração, a autoridade recorrida deverá encaminhar o recurso ao órgão superior
competente para julgar a questão em segunda instância e assim por diante.

Diante do art. 63, caput, inciso II da LPA surge a seguinte questão: pode o recorrente interpor o
recurso diretamente perante a autoridade da instância superior, ignorando a autoridade que
julgou o caso? A resposta é negativa. O órgão recorrido tem um dever de analisar novamente a
matéria e a faculdade de reconsiderar a decisão, caso entenda possível. Essa medida se impõe ante
o princípio da eficiência administrativa, previsto no art. 37, caput da CF. Destarte, não cabe ao
recorrente direcionar o recurso imediatamente ao órgão superior, impedindo que a autoridade da
instância inferior exercite seu poder de reconsiderar. O reexame pela autoridade recorrida é etapa
necessária do trâmite recursal adotado pela LPA, não competindo ao interessado afastá-la por
vontade própria, salvo, por óbvio, quando houver norma especial que afaste o procedimento
estabelecido nas normas básicas em comento.

Dever de orientação e redirecionamento

O art. 63, caput, inciso II da LPA deixa claro que recurso direcionado a autoridade não
competente não será conhecido. Essa solução deve ser lida com cautelas. Em termos práticos,
quais são as soluções que a autoridade incompetente deverá tomar caso receba recurso que, em
verdade, deveria ter sido direcionado a outro órgão? Deverá ela declarar o não conhecimento do
recurso simplesmente?
Na realidade, ao receber recurso que deveria ser dirigido a outro órgão não deverá a
autoridade simplesmente declarar o não recebimento por violação de pressuposto formal. O art.
3º, inciso I da LPA reconhece o direito de o interessado ser orientado adequadamente para que
possa exercer seus direitos e cumprir seus deveres perante o Estado. Nesse sentido, a autoridade
incompetente, ao receber o recurso e notar que interessado o direcionou de modo incorreto,
deverá não apenas deixar de conhecê-lo (em vista da sua falta de competência). Além disso, caberá
a ela prestar ao recorrente as informações necessárias para o exercício de seus direitos recursais,
ou seja, deverá indicar a autoridade competente para recebimento e exame do mérito do recurso
e, em sendo possível, redirecioná-lo diretamente para essa autoridade.

Dever de devolução do prazo

Uma vez configurada a causa de não conhecimento do recurso prevista no art. 63, caput, inciso
II da LPA, prevê o art. 63, § 1º a possibilidade de devolução do prazo para o recorrente. A
devolução será imprescindível quando o envio direto do recurso, pela autoridade incompetente à
competente, não se mostrar possível ou desejado. A questão da devolução será comentada mais à
frente.

ART. 63, CAPUT , III

Falta de legitimação do recorrente

O recurso administrativo não pode ser interposto por qualquer pessoa. O grupo de sujeitos
autorizados a recorrer é formado pelo rol de legitimados dados pela legislação. Com efeito, nos
termos do art. 58 da LPA, são legitimados para interposição de recurso administrativo: 1) os
titulares de direitos e interesses que forem parte no processo; 2) aqueles cujos direitos e interesses
forem indiretamente afetados pela decisão recorrida; 3) as organizações e associações
representativas, no tocante a direitos e interesses coletivos; 4) os cidadãos ou as associações,
quanto a direitos ou interesses difusos. Para detalhes sobre essas quatro hipóteses de legitimação
recursal, deve-se retornar aos comentários do art. 58 da LPA.

ART. 63, CAPUT , IV

Exaustão da esfera administrativa

O art. 57 da LPA limita o direito recursal dos interessados a três instâncias administrativas. Isso
significa que o pleito do interessado poderá ser apreciado, no máximo, por três órgãos de níveis
diferentes. Esgotadas essas três instâncias, poderá o interessado recorrer apenas ao Judiciário para
discutir eventuais questões de legalidade do processo administrativo. As questões de mérito
administrativo, ou seja, as decisões tomadas pela Administração dentro dos limites legais da
conveniência e oportunidade não serão mais passíveis de alteração, nem mesmo no Judiciário.

Imagine-se, porém, que o interessado, diante do indeferimento integral de seu recurso, pela
terceira instância administrativa, decida novamente recorrer. Nessa situação, aplica-se o art. 63,
caput, inciso IV da LPA, ou seja, a causa de não conhecimento do recurso por força do esgotamento
das instâncias. Não poderá o recurso ser recebido, nem processado, nem apreciado no mérito.

Observe-se, a propósito, que lei específica poderá reduzir ou aumentar o número de instâncias
recursais no processo administrativo por autorização expressa contida no art. 57 da LPA. Por
decorrência, em alguns casos, haverá instância única ou duas, quatro, cinco ou mais instâncias.
Para se verificar o esgotamento da esfera administrativa nesses casos especiais, basta que se
defina, com base na lei específica, qual o número exato de instâncias e se confirme se o recurso já
foi julgado pela última instância.

Possibilidade de reconsideração pela última instância

Dúvida surge em relação à possibilidade de reconsideração pela última instância. A regra do


art. 63, caput, inciso IV exclui a possibilidade de reconsideração pela última instância? A princípio
não parece haver óbices para essa possibilidade como já se sustentou anteriormente. Mesmo que o
recurso já tenha sido julgado em última instância, ainda detém o interessado a chance de solicitar
a reconsideração da decisão – salvo disposição expressa em contrário. Isso é possível, pois a
reconsideração é realizada pelo próprio órgão julgador, de modo que não ocasiona qualquer
superação de instância.

ART. 63, § 1º

Indicação da autoridade competente e devolução do prazo

O interessado, por diversos motivos, poderá dirigir o recurso a uma autoridade incompetente,
ou melhor, a um órgão incompetente para conhecê-lo e apreciá-lo. Essa situação, nos termos do
art. 63, caput, inciso II da LPA, configura causa de não recebimento. Por força do art. 63, § 1º da
LPA, a autoridade para a qual o recurso foi erroneamente dirigido não poderá, por ausência de
competência, conhecê-lo. Deverá, ao contrário, orientar o administrado acerca do órgão
competente para receber o recurso e devolver o prazo recursal para que o interessado deva
encaminhar o recurso para a autoridade competente para seu processamento.

Note-se, contudo, que essa solução é subsidiária. Tal como se afirmou anteriormente, o dever
de orientação sempre existe por força do princípio da cooperação, mas a devolução do prazo se
fará desnecessária quando a autoridade incompetente estiver em condições de, diretamente,
enviar o recurso ao órgão competente. Em outras palavras: ao receber recurso administrativo que
está fora de sua competência, a autoridade deve, sempre que possível, reencaminhar os autos para
o órgão que tem verdadeira competência para recebê-lo, informando o interessado sobre o
ocorrido. Somente se o redirecionamento do recurso não for possível, por exemplo, porque não se
sabe quem é a autoridade competente, deverá então o interessado, após localizar o órgão
competente, solicitar que o prazo seja reaberto nos termos do art. 63, § 1º da LPA, comprovando,
para tanto, o encaminhamento errôneo.

Para fins de redirecionamento automático do recurso ou devolução do prazo, não interessa, a


princípio, a culpa ou não do interessado. Não há que se discutir, portanto, quais os motivos pelos
quais o recurso foi dirigido para a autoridade incompetente. Eventual má-fé do recorrente no
processo administrativo poderá dar causa a aplicação de sanções pertinentes quando previstas em
lei específica. Na LPA, não há normas que cuidem de punições por má-fé dos sujeitos processuais.

A quantificação do prazo devolvido

Questão interessante relativa à devolução do prazo em razão do encaminhamento do recurso


para a autoridade incompetente se refere à sua quantificação. Quantos dias devem ser devolvidos
para o interessado-recorrente? O prazo integral de dez dias previstos no art. 59, caput da LPA ou
um prazo restante? Se o recorrente tiver interposto o recurso no dia do termo final do prazo,
quantos dias terá para redirecionar o recurso?

Essa questão foi tratada, entre outros, por Carvalho Filho, que, em analogia com normas do
processo civil, defende o posicionamento de que o interessado terá apenas o prazo residual para o
redirecionamento do recurso. Sendo o prazo padrão de 10 dias e considerando-se que o recorrente
o ajuizou em cinco dias, teria de volta mais cinco dias para apresentá-lo perante o órgão
competente.40 Esse posicionamento é questionável, principalmente quando se imagina uma
situação em que o recorrente tenha interposto o recurso no último dia do prazo. Nesse contexto,
quantos dias deveriam ser devolvidos? Um ou nenhum? A regra do prazo residual não resolve
bem essa questão.

Dessa situação se extraem duas conclusões importantes. Em primeiro lugar, como dito e
frisado, a devolução do prazo deve ser excepcional, pois, se a autoridade incompetente pode
redirecionar o recurso de ofício para a autoridade competente, não há razões para que se fale em
devolução do prazo. Em segundo lugar, se a devolução do prazo for necessária, não caberá nem
sustentar a oferta de novo prazo integral (dez dias), nem do prazo residual. A autoridade
competente deve, na verdade, fixar um prazo próprio, de até dez dias, levando em conta as
providências necessárias à superação do incorreto direcionamento. Esse posicionamento parece
mais adequado e flexível do que a regra do prazo residual, pois não prejudica aqueles que se
valeram dos dez dias para interposição do recurso e nem beneficia aquele que interpôs o recurso
de modo mais veloz.

ART. 63, § 2º

A irrelevância do não conhecimento diante da ilegalidade patente

Há que se abrir uma exceção ao caráter prévio e condicionante do ato de recebimento do


recurso em relação à sua análise de mérito. O processo administrativo não é idêntico ao processo
judicial. O Poder Público se guia por um princípio de formalidade mitigada, de um lado, e de
legalidade administrativa, de outro. Qual a consequência disso?

A despeito do cumprimento dos requisitos de recebimento ou conhecimento de um recurso


administrativo, requisitos esses contidos no art. 63, caput da LPA, a autoridade deverá sempre
levar em conta as razões do recurso para afastar atos processuais claramente ilegais. Mesmo que
não observados requisitos de recebimento, ao ter conhecimento da prática de um ato
inequivocamente ilegal e danoso ao examinar um recurso que não poderá ser conhecido, deverá a
autoridade, apesar do não recebimento, tomar as providências para restaurar a legalidade, quer
pela convalidação do ato, quer pela sua anulação. A violação de requisitos formais de
recorribilidade não serve para afastar o dever de corrigir eventuais violações ao ordenamento
jurídico ocasionadas pela decisão recorrida. Essa solução foi tratada expressamente pelo art. 63, §
2º da LPA.

Reitere-se: o não conhecimento ou não recebimento do recurso administrativo por falhas


formais não pode ser utilizado pelo agente público competente para julgá-lo como uma escusa
para ignorar a legalidade administrativa. O não conhecimento não afasta o dever de a
Administração Pública zelar pela correta aplicação do ordenamento jurídico. A mera ciência dos
atos ilegais, a despeito do prosseguimento do recurso, deverá levá-la a agir, extirpando o ilícito
apontado. Exceção a essa regra haverá apenas quando a ilegalidade não for danosa (“pas de nullité
sans grief”), quando for danosa, mas convalidável ou quando o prazo de cinco anos para anulação
do ato benéfico ilegal em relação a interessados de boa-fé já tiver transcorrido – hipótese em que
se operará a confirmação do ato viciado por força do art. 54, caput da LPA.

Art. 64. O órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou
revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua competência.

Parágrafo único. Se da aplicação do disposto neste artigo puder decorrer gravame à


situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas alegações antes da
decisão.

ART. 64, CAPUT

Possibilidades de decisão do recurso

O art. 64, caput da LPA pretende enumerar as hipóteses de decisão dos recursos
administrativos. Essas hipóteses abrangem os recursos administrativos em sentido amplo, ou seja:
recursos voluntários, recursos de ofício, recursos próprios, recursos impróprios, bem como a
reconsideração. Em todas essas modalidades recursais é, a princípio, possível confirmar,
modificar, anular ou revogar a decisão da instância inferior ou instância recorrida. Em relação ao
instituto da revisão, as possibilidades decisórias são bem mais restritas, como se demonstrará nos
comentários ao art. 65 da LPA.

As quatro possibilidades de decisão de recursos administrativos também podem ocorrer de


modo integral ou parcial. O órgão superior está autorizado, por exemplo, a anular apenas parte do
ato administrativo decisório, deixando outra parte intacta. Ocorrendo a alteração parcial, será
preciso verificar se a parte intacta da decisão recorrida continuará exequível. Se a alteração
parcial comprometer por completo a exequibilidade da parte da decisão não alterada, então o
recurso deverá, em regra, retornar para a autoridade competente pela decisão recorrida para que
esta o refaça.

Importante notar, em complemento, que a decisão poderá ser alterada em sede recursal dentro
de diferentes limites. Decisões discricionárias e decisões vinculadas são tratadas de forma distinta.
No primeiro caso, a discricionariedade possibilitará a autoridade julgadora do recurso a escolher
um novo caminho, uma nova decisão de acordo com seu juízo de conveniência ou oportunidade.
No segundo caso, sendo a decisão recorrida um ato de natureza predominantemente vinculada,
então deverá a autoridade julgadora se manifestar basicamente sobre o cumprimento dos
requisitos para a prática desse ato. Debates sobre revogação do ato não caberão nesse contexto.

Disso se extrai a conclusão de que os poderes recursais seguem os limites de competência para
a prática da decisão recorrida. Não compete ao órgão julgador do recurso assumir poderes de
decisão mais amplos que os conferidos à própria autoridade recorrida. Os detalhes dessas
possibilidades de alteração da decisão serão detalhados a seguir.

Confirmação

Ao julgar o recurso, a autoridade poderá manter integralmente a decisão expedida pela


autoridade interior. A essa solução se dá o nome de confirmação. Não existe, portanto,
confirmação parcial. A decisão confirmatória mantém a parte dispositiva da decisão anterior em
sua integralidade. Todavia, é possível que os motivos da decisão confirmatória se mostrem
diversos da decisão recorrida, mas conduzam à mesma solução. Nessa situação, os motivos novos
ou divergentes que sustentam a decisão deverão ser anunciados pela autoridade competente para
julgar o recurso por força da regra da motivação, aplicável expressamente às decisões de recursos
administrativos em razão do art. 50, caput, inciso V da LPA.

Se os motivos que levam a confirmação da decisão recorrida forem os mesmos empregados


pela autoridade recorrida, o órgão julgador poderá se valer do expediente contido no art. 50, § 1º
da LPA. Em outras palavras, sua motivação poderá consistir em mera declaração de concordância
com os fundamentos contidos na decisão anterior, que, assim, tornam-se parte integrante da
decisão do recurso.

Modificação

Toda decisão que não mantenha integralmente os mandamentos contidos na decisão recorrida
tem efeito modificativo. Para alterar a decisão anterior, o órgão superior competente pelo
julgamento do recurso deverá apresentar seus argumentos. Não se trata de modificar por mero
capricho, prazer ou simplesmente sob o argumento de hierarquia. A decisão modificativa da
decisão anterior é sempre motivada, ou seja, exige que a autoridade exponha os fatos e
dispositivos legais que a levaram a chegar a uma conclusão que não se harmoniza com a decisão
proferida pela autoridade da instância inferior.

Anulação

A anulação é decisão terminativa do processo como um todo ou de parte dos mandamentos


contidos na decisão recorrida. A autoridade superior pode, assim, acabar com o processo ou
apenas afirmar que a autoridade anterior decidiu, em parte ou integralmente, de modo ilegal,
razão pela qual sua decisão se torna inválida perante o ordenamento jurídico e não pode ser
mantida.

A anulação, vale lembrar, é um poder-dever da Administração regido pelas normas do capítulo


XIV da LPA, mas não deve ser empregado de modo precipitado ou leviano. Em primeiro lugar, é
preciso confirmar a existência de uma ilegalidade no tocante à forma (procedimento preparatório,
forma de edição ou forma de divulgação da decisão), ao conteúdo, à finalidade, ao motivo ou aos
sujeitos competentes para decidir. Em segundo lugar, confirmada a ilegalidade, deve-se examinar
se ela produz ou produzirá danos. Sem a potencialidade de danos, nenhuma ilegalidade é danosa
e, por conseguinte, não necessita a autoridade com ela se preocupar por mero formalismo ou
preciosismo. Em terceiro lugar, uma vez comprovada a ilegalidade danosa não convalidável,
caberá verificar se ocorreu a decadência do poder anulatório. Em quarto lugar, cumpre analisar a
possibilidade e a conveniência e oportunidade de convalidação. Para tanto, é preciso que o vício
seja sanável. Em quinto lugar, caso todos os requisitos necessários sejam cumpridos e não se
realize a convalidação, aí sim será anulado o ato administrativo.

A decisão de modificação não se confunde com a de anulação pelo fato de que, no primeiro
caso, a decisão recorrida permanece, mas tem parcela de seus comandos modificadas. Isso
pressupõe que haja possibilidade de outras decisões igualmente legais. A anulação, de outra via,
impõe-se quando a solução adotada seja ilegal e danosa, não tenha se operado a decadência do
poder anulatória e não tenha sido convalidado eventual vício sanável.

Em síntese, a existência de uma ilegalidade no processo não deve conduzir necessária e


automaticamente à anulação do processo como um todo em virtude do princípio da eficiência, da
economia processual, do direito fundamental à duração razoável do processo administrativo.
Ademais, a depender do contexto e da divisibilidade do objeto processual, a autoridade pública, ao
julgar o recurso, poderá anular somente uma parcela do ato viciado, mantendo incólumes as
parcelas não atingidas pela ilegalidade.

Revogação

A decisão proferida pela autoridade administrativa inferior também pode ser revogada desde
que cumpridos alguns requisitos. Enquanto a anulação ocorre em razão de falhas de ilegalidade, a
revogação se dá em virtude de uma reanálise facultativa da conveniência e oportunidade da
decisão. Ela será possível em situações nas quais a decisão recorrida, apesar de válida, não se
mostrar favorável aos interesses públicos primários ou, ainda que o for, existirem outras soluções
mais razoáveis ao caso. A análise do mérito, ou seja, da conveniência e da oportunidade da decisão
recorrida diz respeito, assim, ao exame de sua razoabilidade, ou seja, de sua adequação,
necessidade e proporcionalidade à luz dos complexos interesses públicos envolvidos.

Por sua natureza, a revogação atinge apenas alguns tipos de decisões recorridas. Dela estão
excluídas as decisões cujo conteúdo seja vinculado ao cumprimento de requisitos preestabelecidos
na legislação, as decisões já executadas, bem como decisões consideradas irrevogáveis por lei ou
por contrato administrativo. No geral, revogáveis serão as decisões discricionárias que ainda não
tiverem produzido seus efeitos. Ao praticar a revogação da decisão questionada no recurso, o
órgão público poderá ou substituí-la por outra (revogação substitutiva) ou simplesmente afastá-la
(revogação extintiva).

Diante da possibilidade de revogação substitutiva, torna-se difícil entender a razão que levou o
legislador a diferenciar a modificação da revogação ao tratar das possíveis escolhas da autoridade
competente para julgar o recurso administrativo. Não parece, a princípio, que haja qualquer
diferença significativa entre uma e outra. A decisão modificativa não deixa de ser uma forma de
revogação que pressupõe uma margem de discricionariedade na confecção da decisão originária.
Se a decisão da autoridade inferior for menos favorável aos interesses públicos e privados
envolvidos no processo e, por isso, não concretizar da melhor maneira o princípio da
razoabilidade, poderá ser essa decisão, como dito, revogada, com ou sem substituição por outra. A
substituição parcial ou total da decisão recorrida por força da revogação nada mais é que uma
modificação.

Mandado de segurança contra decisão ministerial

Em relação às decisões de Ministros de Estado, na qualidade de autoridade superior para fins


de julgamento de recursos administrativos interpostos contra autoridades de escalão inferior,
como os Secretários, é preciso registrar a problemática da competência para fins de controle
judicial.

Prescreve o art. 105, I, alínea ‘b’ da Constituição, que compete ao Superior Tribunal de Justiça
processar e julgar, originariamente, os mandados de segurança contra ato de Ministro de Estado.
Nessa categoria de “ato ministerial”, há que se incluir qualquer decisão a respeito do
conhecimento ou do (in)deferimento de recursos administrativos, não apenas os atos praticados
pelos Ministros em instância primária. Disso resulta que um Ministro poderá figurar como
autoridade impetrada em mandado de segurança que questione a decisão administrativa, ainda
que não tenha ele próprio praticado a decisão contra a qual se recorreu e a despeito de seu
posicionamento quanto ao recurso. Exceção a essa afirmação deverá se aplicar somente nos casos
em que o Ministro negue conhecimento ao recurso por não ser ele a autoridade competente para
julgá-lo. Se o Ministro não dispuser de competência para tratar da matéria e rever a decisão
anterior, naturalmente não se enquadrará no conceito de autoridade impetrada.

Fora dessa hipótese excepcional de não conhecimento por falta de competência para
julgamento do recurso administrativo, o mandado de segurança poderá ser impetrado contra a
decisão ministerial e, assim, direcionado ao STJ nos termos do art. 105 da CF, tal conforme
demonstra o julgado a seguir.

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO MANDADO DE


SEGURANÇA. MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO CONTRA A AUTORIDADE QUE DECIDIU O
RECURSO HIERÁRQUICO. ART. 64 DA LEI 9.784/99. LEGITIMIDADE PASSIVA DA AUTORIDADE
IMPETRADA. COMPETÊNCIA PARA CORRIGIR A SUPOSTA ILEGALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL
PROVIDO.

I. Agravo Regimental interposto contra decisão que indeferiu, liminarmente, a inicial do


Mandado de Segurança impetrado contra o Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e
Gestão, ao fundamento de que a autoridade que, efetivamente, teria praticado o ato impugnado,
não integra o rol previsto no art. 105, I, b, da Constituição Federal.

II. Na hipótese, o Mandado de Segurança foi impetrado contra ato do Ministro de Estado do
Planejamento, Orçamento e Gestão, consubstanciado no improvimento de recurso hierárquico,
interposto contra decisão da Secretária de Patrimônio da União, que revogara o aforamento
concedido à impetrante, em relação à Ilha dos Bagres, localizada no estuário do Porto de Santos/SP.

III. No ato apontado como coator, a autoridade impetrada – o Ministro de Estado do


Planejamento, Orçamento e Gestão –, ao examinar a manifestação da parte ora agravante, sem
qualquer ressalva relacionada à sua competência para o exame da questão, conheceu do recurso,
e, no mérito, negou-lhe provimento. Nesse contexto, tendo a autoridade impetrada, nos termos do
art. 64 da Lei 9.784/99, poderes para, em sendo o caso, prover o recurso administrativo, anulando ou
revogando a decisão recorrida, proferida pela Secretária do Patrimônio da União, resta configurada
sua legitimidade para figurar no polo passivo da presente impetração e responder pelo ato
impugnado. Precedentes do STJ: MS 12.892/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA
SEÇÃO, DJe de 11/03/2014; RMS 36.836/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA
TURMA, DJe de 27/06/2012; MS 12.406/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA
SEÇÃO, DJe de 17/10/2008; AgRg no REsp 892.950/DF, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS
MOURA, SEXTA TURMA, DJe de 14/09/2009.

IV. Agravo Regimental provido, para, reconhecendo a legitimidade passiva da autoridade


impetrada, determinar o regular processamento do Mandado de Segurança.

(STJ, AgRg no MS 21.629/DF, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, Rel. p/ Acórdão Ministra
ASSUSETE MAGALHÃES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/09/2016, DJe 17/04/2017)

ART. 64, PARÁGRAFO ÚNICO

Possibilidade da reformatio in pejus

A proibição da reformatio in pejus está prevista expressamente no art. 617 do CPP. Nos termos
desse dispositivo, a pena, no processo criminal, não pode ser agravada quando somente o réu
houver apelado da sentença. Se, portanto, o réu se mostrar insatisfeito com a sanção penal que lhe
tiver sido aplicada em primeira instância e contra ela recorrer, terá o direito de não ver sua pena
aumentada na instância recursal. Se, em contraste, a parte que acusar também recorrer, não
estará o órgão recursal proibido de agravar a pena.
De modo semelhante ao que ocorre no processo, a doutrina administrativa sempre tratou da
proibição da reformatio in pejus no processo administrativo. Contudo, não havia, até então, uma
regra geral de proibição ou não dessa possibilidade de tornar a decisão na instância recursal pior
para o recorrente. Ao redigir o art. 64, parágrafo único e também o art. 65, parágrafo único da LPA,
o legislador esclareceu esse tema polêmico.

O art. 64 da LPA deixa claro que a decisão sempre poderá ser alterada para pior, ou seja, não
consagrou a proibição da reformatio in pejus nos processos administrativos de competência de
entidades da Administração Direta e Indireta da União.41 A autoridade que julgar o recurso não
estará impedida de alterar a decisão e agravá-la caso considere haver motivos para tanto.

Essa regra geral faz todo sentido, pois o art. 64 trata de processos administrativos em sentido
amplo, não apenas de formas de processo sancionatório – ao contrário do dispositivo do CPP
mencionado. Imagine-se, portanto, um processo para concessão de uma licença ambiental e outro
para a aprovação de um ato de fusão entre duas empresas de grande porte. Nesses processos
ambientais e concorrenciais, não se objetiva a aplicação de sanção administrativa. Os interessados
buscam somente uma licença ou autorização que lhes permita praticar atos ou desenvolver
atividades privadas. Se a primeira instância do ente administrativo competente para esses
processos decidir pela concessão de licença ou de autorização parcial e, em virtude da restrição
sofrida, o interessado recorrer, poderá o órgão ad quem, por força do art. 64, parágrafo único da
LPA, negar a licença como um todo, piorando a situação dos recorrentes, por exemplo, com o
objetivo de mais bem resguardar interesses públicos primários. Por força do artigo em comento,
não há restrições para que a decisão de segundo ou terceiro grau seja menos benéfica ao
administrado que a de primeiro grau. Essencial é que existam motivos a justificar a modificação
de um mandamento mais benéfico em um mais restritivo de direitos ou interesses do recorrente
ao longo do processo.

Vedações especiais da reformatio in pejus

A possibilidade geral da reformatio in pejus nos processos administrativos federais, prevista no


art. 64, parágrafo único da LPA, sofre alguns condicionamentos e limitações. Exemplo disso se
vislumbra no art. 65, parágrafo único da LPA, em que o legislador, ao tratar de processos
administrativos sancionatórios, proibiu a reformatio in pejus na hipótese de a pessoa física ou
jurídica condenada interpor pedido de revisão da sanção com base em fatos novos ou
circunstâncias relevantes.

Além da exceção do art. 65, parágrafo único da LPA, nada impede que determinadas leis
específicas criem hipóteses de vedação da reformatio in pejus. Ao fazê-lo, contudo, será preciso
respeitar a lógica do instituto. A reforma da decisão em detrimento do administrado somente
deverá ser vedada quando o recurso é interposto isoladamente por ele, em paralelo ao que ocorre
no processo penal. Se houver recurso de ofício da própria autoridade, por exemplo, não se poderá
falar em vedação da reformatio in pejus. Afinal, não fará nenhum sentido a previsão legal de
recurso de ofício, se a decisão não puder ser alterada em seu favor do recorrente estatal, mas
apenas em favor do interessado privado. Frisando: diante da autorização contida na LPA, uma
vedação da reformatio apenas poderá resultar de previsão expressa em lei especial e desde que
não haja recursos da autoridade ou de interessados contrapostos.

Defesa do recorrente

Para compensar os efeitos restritivos da reforma para pior e garantir a ampla defesa e o
contraditório ao longo de todo o processo administrativo, diante de elementos que possam levar à
modificação para pior da decisão recorrida, é preciso que o órgão julgador conceda ao recorrente
a possibilidade de se defender, ou melhor, de apresentar alegações. A função dessa regra contida
no art. 64, parágrafo único da LPA é clara, ainda que sua concretização, na prática, mostre-se
relativamente obscura. Quando deverá o recorrente apresentar essas alegações? Como poderá
apresentar alegações se a autoridade ainda não tiver decidido agravar a decisão?

O momento para a apresentação das alegações e os passos a serem tomados pela autoridade
federal na hipótese de agravamento da decisão não constam de modo explícito da LPA. Para
solucionar o problema, Carvalho Filho sugere que a autoridade deva, antes de decidir, apresentar
os elementos que pretende utilizar para justificar a reforma da decisão em detrimento do
recorrente.42

Defende-se aqui igual entendimento. Com efeito, após receber o recurso, permitir que outros
interessados no processo apresentem alegações contrapostas e eventualmente realizar
complementações instrutórias, o órgão julgador terá em mãos elementos suficientes para saber se
a decisão será ou não agravada. É a partir desse momento que deverá dar conhecimento para o
recorrente que, então, apresentará suas alegações no intuito de tentar evitar a reformatio in pejus.
Somente após a análise dessas alegações é que o órgão competente estará autorizado a decidir o
recurso e, diante de fundamentos novos, modificar a decisão recorrida no sentido de agravá-la em
detrimento de direitos ou interesses do próprio recorrente.

Nenhum sentido faria que as alegações do recorrente contra o risco de reformatio viessem
posteriormente à decisão do recurso. Alegações posteriores se confundiriam com outro recurso ou
com um pedido de reconsideração, razão pela qual o posicionamento mais adequado é o da
apresentação das alegações anteriormente ao julgamento do recurso. Contudo, o intérprete da LPA
poderia indagar: se a autoridade não sabe o que vai decidir, sobretudo em órgãos colegiados, como
saberá se deverá ou não dar ao interessado o direito a alegações em sede recursal conforme
determinado pelo art. 64, parágrafo único?

Uma solução para a pergunta, como já dito, consiste em obrigar a autoridade a indicar, ao
recorrente, os elementos de que dispõe e que considera suficientes para o agravamento da decisão
recorrida. Na verdade, aqui vale uma correção: em vez de simplesmente indicar os elementos,
parece mais adequado que a autoridade recursal apresente ao interessado um prejulgamento,
uma decisão potencial da questão recursal e que, por agravar a decisão anterior, abrirá espaço
para alegações do recorrente.

Se o julgamento previsto não representar um agravamento da decisão recorrida que foi


contrário ao recorrente-administrado, a autoridade não terá o dever de abrir o prazo para
alegações e, assim, poderá transformar o prejulgamento em decisão definitiva.

Art. 64-A. Se o recorrente alegar violação de enunciado da súmula vinculante, o órgão


competente para decidir o recurso explicitará as razões da aplicabilidade ou inaplicabilidade da
súmula, conforme o caso.

ART. 64-A

Dever de respeito às súmulas vinculantes

As súmulas vinculantes representam enunciados interpretativos com validade que se estende


tanto aos órgãos do Poder Judiciário, quanto aos órgãos da Administração Pública em todos os
níveis da federação brasileira. O art. 103-A, caput da CF é claro ao mencionar a sujeição de todos os
órgãos da Administração Pública Direta ou Indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios a referidos enunciados. Conforme ensina Rodolfo Mancuso, a súmula vinculante do
STF “acaba por condicionar as relações entre a Administração e seus agentes tanto quanto entre
ela e os cidadãos em geral”.43

Sendo assim, se o interessado verificar que a autoridade proferiu decisão em desrespeito à


súmula vinculante poderá, em sede de recurso, exigir que a decisão seja modificada, de sorte a se
adequá-la ao enunciado sumular do STF.

Dever de justificar a inaplicabilidade da Súmula

Em vista da alegação de aplicação de uma súmula vinculante ao objeto do processo


administrativo, a autoridade competente para julgar o recurso deverá proceder como a autoridade
judicial que se depara com situação análoga. Transportando-se os ensinamentos de Mancuso sobre
o processo judicial para o processo administrativo, a autoridade recursal deverá realizar três
operações ante a alegação de descumprimento de súmula vinculante,44 quais sejam: 1) verificar o
conteúdo do enunciado sumular e delimitar sua extensão; 2) aferir se o caso concreto que é objeto
do recurso enquadra-se ou não na hipótese abstrata prevista na súmula; 3) anular ou modificar a
decisão recorrida caso considere a súmula aplicável.

Toda essa operação, por força do art. 64-A da LPA, deverá ficar explícita na decisão. A
autoridade recursal, aplicando ou não a súmula vinculante, está obrigada a declarar como
entendeu o enunciado sumular e a razão pela qual enquadrou ou não o caso concreto na hipótese
da súmula. A motivação quanto à aplicabilidade da súmula é de extrema importância,
especialmente porque ela servirá para fins de apresentação de reclamação perante o STF, ato
previsto no art. 64-B da LPA, comentado a seguir.

Art. 64-B. Acolhida pelo Supremo Tribunal Federal a reclamação fundada em violação de
enunciado da súmula vinculante, dar-se-á ciência à autoridade prolatora e ao órgão competente
para o julgamento do recurso, que deverão adequar as futuras decisões administrativas em casos
semelhantes, sob pena de responsabilização pessoal nas esferas cível, administrativa e penal.

ART. 64-B

Reclamação por violação de súmula vinculante

Em termos gerais, o instrumento da “reclamação” já estava previsto na redação original da


Carta Magna, especificamente no art. 102, inciso I, alínea “l” da Constituição. Por força desse
dispositivo, possui o STF de competência para processar e julgar a “reclamação para a preservação
de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões”.

Com a Emenda Constitucional 45, de 08 de dezembro de 2004, o processo de “reclamação” foi


especificado para casos de violação de súmula vinculante. Nos termos do art. 103-A, § 3º da CF,
inserido pela Emenda mencionada, “do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a
súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal
Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial
reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o
caso”.

Mais tarde, a possibilidade do uso da reclamação diante de atos administrativos e atos da


Administração que descumprem súmulas vinculantes do STF foi, de certo modo, limitada com a
edição da Lei 11.417/2006 – que regulamentou o art. 103-A da Constituição, alterou a LPA,
incluindo os art. 64-A e 64-B, e disciplinou a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de
súmula vinculante pelo STF.

O art. 7º da Lei 11.417/06 esclareceu duas questões importantes e que merecem destaque. A
uma, deixou claro que o interessado poderá utilizar os mais diversos meios admitidos em direito
para afastar a decisão administrativa que não aplicou ou aplicou incorretamente uma súmula
vinculante. A duas, limitou o uso da reclamação perante o STF.

Por determinação do art. 7º, § 1º da lei, a reclamação somente será admitida após o
esgotamento das vias administrativas. Isso significa que, perante o descumprimento de súmula,
deve o administrador recorrer à instância administrativa competente até que esgote o limite de
três instâncias administrativas – regra geral prevista no art. 57 da LPA – ou o número máximo de
instâncias previsto em lei específica – duas, quatro ou mais instâncias. Caso as instâncias
administrativas não tenham sido esgotadas, o interessado poderá, ainda assim, recorrer ao Poder
Judiciário. Contudo, não poderá se valer especificamente da reclamação perante o STF.

Efeitos da reclamação: anulação do ato e adequação das decisões

Como mencionado, o interessado poderá lançar mão da ação de reclamação perante o STF
somente quando esgotadas as vias administrativas e não modificada a decisão que deixou de
aplicar ou aplicou incorretamente uma súmula vinculante.
Conforme determinação do art. 7º, § 2º da Lei 11.417/2006, se o STF acolher a decisão e
considerar que a súmula deixou de ser aplicada ou foi aplicada de modo errôneo, deverá o
Tribunal anular o ato administrativo decisório, determinando que outro seja produzido em seu
lugar, com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso. Além disso, nos termos do art. 64-B da
LPA, o STF ainda deverá dar ciência para que o órgão administrativo competente para o
julgamento do recurso administrativo tome as providências necessárias para adequar as futuras
decisões administrativas em casos semelhantes sob pena de responsabilização nas esferas cível,
administrativa e penal.

Em síntese: os resultados do acolhimento da reclamação são de dois: anulação do ato concreto e


recomendação do STF ao órgão administrativo para acertar suas posturas supervenientes.

Art. 65. Os processos administrativos de que resultem sanções poderão ser revistos, a qualquer
tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis
de justificar a inadequação da sanção aplicada.

Parágrafo único. Da revisão do processo não poderá resultar agravamento da sanção.

ART. 65, CAPUT

Conceito de revisão

A revisão consiste em uma espécie de recurso administrativo com finalidade bastante limitada.
Ela demonstra diversas características próprias. Em primeiro lugar, quanto ao âmbito de
aplicabilidade, restringe-se aos processos sancionatórios. Em segundo lugar, quanto à
competência, não é necessariamente hierárquica. Em terceiro lugar, quanto aos fundamentos do
pedido, aquele que a solicita deverá comprovar fatos novos ou circunstâncias relevantes capazes
de revelar a inadequação da decisão condenatória. Em quarto lugar, quanto à interposição, a
revisão pode ser tanto voluntária, ou seja, interposta pelo particular, quanto oficial, proposta pela
própria entidade pública. Em quinto lugar, no tocante ao momento de proposição, não prevê a LPA
qualquer limite temporal. Em sexto lugar, a revisão é recurso marcado pela devolutividade
parcial, haja vista que o órgão revisor não poderá agravar a sanção, ou seja, ele não detém total
liberdade para elaborar nova decisão. Cada um desses aspectos será comentado em mais detalhes
a seguir.

Âmbito de aplicabilidade da revisão

A revisão no processo administrativo federal configura recurso de um determinado tipo de


processo administrativo, qual seja: os processos sancionatórios, ou melhor, os processos que, por
meio da cominação de uma sanção, restringem os direitos ou os interesses de uma pessoa física ou
jurídica condenada pela prática de uma infração administrativa. São processos punitivos,
dependentes da configuração do ilícito administrativo (disciplinar, contratual, relativo às normas
de polícia ou de qualquer outra ordem). Não havendo punição, não há que se falar em revisão no
sentido do art. 65 da LPA.

Questão interessante diz respeito a outras medidas de restrição do interessado ao longo do


processo administrativo, como as medidas preventivas ou cautelares. Conquanto não configurem
uma decisão verdadeiramente sancionatória, elas são igualmente restritivas de direito e se
sujeitam à revisão em vista de fatos novos. Por essa razão, deveria ter o legislador ampliado a
redação da LPA de modo a reconhecer, explicitamente, a possibilidade de interposição de recurso
de revisão contra atos de restrição de direitos de natureza preventiva ou cautelar, impostos pela
autoridade contra o acusado no processo administrativo sancionatório. A redação do art. 65 seria
mais adequada se definisse a revisão como recurso voltado contra as medidas condenatórias em
geral, tomadas antes, ao longo ou ao final do processo; recurso esse fundamentado em fatos novos
ou alterações circunstanciais que tornam a medida restritiva inadequada.

Competência para julgamento da revisão

Em relação à competência para o julgamento, a revisão se aproxima muito mais da


reconsideração que do recurso voluntário hierárquico. Enquanto este último é decidido pelo órgão
hierarquicamente superior, os pedidos de reconsideração ou de revisão das decisões
administrativas são apreciados pela própria autoridade que proferiu a decisão final. No caso da
revisão, a autoridade competente é, mais especificamente, a que proferiu a decisão sancionatória.
Se ela se recusar a revisar, o interessado poderá então recorrer ao órgão superior.

Deve-se ainda discutir qual será a autoridade competente para examinar revisão de decisão
sancionatória proferida em instância recursal. Aqui existem duas hipóteses fáticas distintas. O
recurso administrativo interposto durante o processo sancionatório poderá ter sido indeferido em
todas as instâncias recursais, de modo que a decisão da primeira instância administrativa tenha
restado intacta. Nesse caso, a revisão pode ser dirigida à autoridade de primeira instância, ou seja,
a quem proferiu a decisão sancionatória que, posteriormente, foi integralmente confirmada nas
instâncias superiores.

No entanto, há situações em que a decisão sancionatória de primeiro grau é parcialmente ou


integralmente alterada em instância recursal. Isso ocorre quando o acusado recorrente obtém
parcial ou total provimento do recurso administrativo interposto e, com isso, consegue mitigar a
sanção imposta na primeira instância administrativa. Imagine-se, ainda diante dessa situação, que
fatos novos tenham surgido e a sanção se demonstre, no presente, totalmente inadequada. Em que
instância administrativa deverá o condenado interpor a revisão da decisão administrativa
sancionatória?

A solução mais adequada, nessa última situação, consiste na interposição do recurso perante a
última autoridade responsável pela alteração da decisão originária. Desse modo, por ilustração,
imagine-se que o interessado, insatisfeito com a gravidade da sanção que lhe foi imposta, tenha
recorrido e logrado uma alteração parcial da sanção em seu favor no segundo grau administrativo.
Se quiser interpor eventual pedido de revisão, deverá fazê-lo perante a instância de segundo grau.

Imagine-se, entretanto, que o interessado, não feliz com o provimento parcial do recurso
administrativo em segundo grau, decide interpor novo recurso voluntário, levando o caso à
reapreciação por uma terceira instância. Se isso ocorrer e, no futuro, o interessado condenado
desejar ainda apresentar o pedido de revisão da sanção, deverá fazê-lo perante a terceira instância
apenas se esta tiver alterado a decisão de segundo grau. Se a última instância tiver mantido a
decisão da segunda instância, deverá o condenado apresentar o pedido diretamente perante a
segunda instância, não perante a terceira.

Fundamentos do pedido

Para que se possa formular pedido de revisão, cabe à pessoa interessada, anteriormente
condenada em processo administrativo, sancionador de qualquer natureza, alegar a existência de
fatos novos ou de circunstâncias relevantes capazes de comprovar a inadequação da sanção.

A primeira discussão que essa disposição suscita diz respeito à diferença entre “fatos novos” e
“circunstâncias relevantes”. A segunda discussão envolve o significado de “inadequação da
sanção”.

Fatos novos e circunstâncias relevantes

Fatos novos, nos termos do art. 65, caput, da LPA, são dados e informações que não existiam,
mas, se existissem, teriam reduzido a punição ou obstado totalmente sua imposição. Os fatos
novos dizem respeito a elementos probatórios, a evidências, provas essenciais para a condenação
e para a dosimetria da sanção. Se esses elementos eram de impossível conhecimento, sua
comprovação futura no âmbito administrativo – por meio da revisão – exigirá que a sanção seja
alterada, evitando-se, assim, que uma restrição injusta da liberdade ou da propriedade dos
cidadãos seja mantida.

Diferentemente dos fatos novos, as circunstâncias relevantes não dizem respeito a evidências
probatórias novas, ou seja, que surgiram após a decisão. Elas configuram eventos, dados ou outras
informações externas ao processo e que constroem um cenário novo no qual a sanção se torna
inadequada. Os fatos novos são internos; as circunstâncias relevantes, externas ao processo. Ao
contrário dos fatos novos, a circunstância se refere a elementos ambientais que podem não ter
ligação direta nenhuma com o processo, mas que exigem a alteração da sanção por motivos de
interesse público. Um exemplo pode esclarece melhor esse aspecto.

Em relação a elas, não importa, portanto, o fato de terem surgido antes ou depois da decisão.
No entanto, se existiam antes, apenas serão aplicáveis para fins de revisão da condenação se eram
desconhecidas do órgão julgador.

Imagine-se, a título de ilustração, que uma empresa condenada por prática de infração a
normas de direito do consumidor seja condenada à proibição de fabricação do produto X nos
termos do art. 56, inciso V, do CDC. Alguns meses depois, em razão de uma crise econômica de
proporções inesperadas, todas as outras empresas que fabricavam o mesmo produto X vão à
falência. Nesse contexto, para proteger os próprios consumidores e evitar o banimento do produto
do mercado, o órgão responsável pela imposição da sanção de suspensão de atividade produtiva
poderá, de ofício ou a pedido da empresa condenada, revisá-la (substituindo-a por uma mais
branda ou simplesmente a extinguindo), de sorte a permitir que a condenada volte a fabricar e a
comercializar o produto até então proibido por força da sanção originária.

Veja-se que, no caso hipotético, o evento que permite a revisão não se relaciona diretamente
com a instrução do processo condenatório. Não se trata de prova ou evidência nova, mas sim de
uma alteração do cenário externo que torna a sanção administrativa totalmente inadequada. Tem-
se aqui, portanto, a chamada “circunstância relevante” nos termos do art. 65, caput, da LPA.
Distorções concorrenciais, problemas de saúde pública, de defesa do consumidor e outros cenários
em que a sanção administrativa imposta comprovadamente se mostre nociva à tutela de interesses
públicos primários constituirão circunstâncias relevantes nos termos da legislação em comento.

Inadequação da sanção

Não basta a existência de um fato novo ou de circunstâncias relevantes para que o pedido de
revisão da sanção administrativa seja proferido. É necessário que aquele que a solicita comprove o
nexo de causalidade entre o fato novo ou a circunstância relevante, de um lado, e a inadequação
da sanção administrativa previamente imposta, de outro. Em outras palavras, o fato ou o evento
da realidade que, no presente, descobre-se ou ocorre deve ser o fator que transforma a sanção em
uma restrição inadequada das liberdades ou da propriedade do condenado.

Adequação, em sentido estrito, significa a capacidade da sanção para atingir as finalidades que
dela se espera. A sanção não será adequada para atingir as finalidades estatais se ela configurar
uma restrição de direitos fundamentais sem uma motivação suficientemente forte para tanto. Por
conseguinte, o fato novo, ou melhor, uma prova ou evidência nova que antes não existia, mas que,
no momento atual, demonstra ser a sanção injusta ou exagerada é capaz de ensejar a revisão
prevista no art. 65 da LPA.

De outra via, uma circunstância ou um evento relevante da realidade, não relacionado com a
instrução do processo sancionatório, também poderá acarretar a inadequação da sanção. Isso
ocorrerá, tal como no exemplo dado, quando a sanção, diante das novas circunstâncias
extraprocessuais, mas desconhecidas do órgão julgador, acabar produzindo danos irrazoáveis
para a Administração Pública e para a sociedade. É o caso, mais uma vez para exemplificar, da
sanção administrativa de extinção de pessoa jurídica ou de suspensão de atividade empresarial
que, por consequência, acabam gerando problemas graves de desemprego, de fornecimento de
bens essenciais a consumidores ou distorções expressivas ao funcionamento da concorrência.

Legitimidade para interposição

A iniciativa da revisão cabe tanto ao interessado quanto ao órgão que impôs a sanção. Na
prática, diante de fatos novos, ou seja, provas e evidências novas, a revisão será, em regra,
solicitada pelo condenado. A Administração Pública, na presença de fatos novos, deve agir
subsidiariamente, a não ser que ela tenha conhecimento exclusivo desses fatos.
De outro lado, havendo circunstância relevante que justifique a inadequação da sentença,
deverá a própria Administração Pública agir de ofício no sentido de revisar a decisão condenatória
imposta contra pessoa física ou jurídica com base em poder disciplinar, poder de polícia ou
relações contratuais. Nada impede, porém, que o próprio condenado demonstre à Administração a
inadequação da sentença em vista de um novo contexto fático. Com base nessas alegações e tendo
em vista os interesses públicos primários que lhe cabem tutelar, a Administração deverá decidir se
a revisão da sanção administrativa produzirá efeitos mais benéficos que sua manutenção.

Momento de interposição

O art. 65, caput, da LPA evidencia que o pedido de revisão poderá ser interposto a qualquer
tempo. Não existe limitação temporal para a alteração de decisões sancionatórias no âmbito dos
processos administrativos da Administração Indireta e Direta federal. Essa regra faz todo sentido,
pois permite que o Estado corrija, a qualquer tempo, restrições ilegais impostas em detrimento da
liberdade e da propriedade de pessoas físicas ou jurídicas condenadas, ou que evite efeitos
extraprocessuais da sanção em detrimento dos interesses públicos primários.

Com efeito, o Poder Público não pode se acomodar diante das restrições ilegais de direitos
fundamentais e a afrontas a interesses públicos primários, razão pela qual não faria sentido impor
à revisão qualquer limitação de ordem temporal. Disso se conclui que o legislador não está
autorizado a afastar a regra do art. 65, caput, da LPA, por exemplo, ao criar norma específica que
busque restringir temporalmente o direito de revisão de decisões sancionatórias de qualquer
gênero. Restrições temporais a esse direito são, na verdade, inconstitucionais. A norma do art. 65,
caput, tem natureza principiológica e sequer precisaria constar de modo expresso na lei.

Essa vedação de se impor qualquer limitação temporal ao instituto da revisão por sua relação
com a proteção de direitos fundamentais e de interesses públicos primários vale, inclusive, para
processos administrativos estaduais e municipais. Assim, inconstitucional se afigura, por exemplo,
o art. 68, § 1º, da LPA mineira (Lei 14.184/2002), pois esse dispositivo restringiu o exercício do
direito de revisão de decisões sancionatórias administrativas ao período de cinco anos posteriores
a essa decisão.

ART. 65, PARÁGRAFO ÚNICO

Vedação da reformatio in pejus na revisão

Tal como esclarecido nos comentários ao art. 64, parágrafo único, a LPA não trouxe uma
proibição geral da reformatio in pejus. Isso significa, em regra, que a autoridade pode reformar as
decisões administrativas da instância anterior e, geralmente, inferior de modo a agravar a situação
do recorrente. Contudo, exceção a essa regra foi prevista no art. 65, parágrafo único, ora
comentado.

Esse dispositivo impede que, no pedido de revisão, o órgão julgador competente modifique a
decisão anterior no sentido de prejudicar o requerente da revisão, ou melhor, para agravar a
decisão que já lhe era originariamente desfavorável. Ao órgão julgador se abrem somente três
possibilidades: (i) negar provimento ao pedido e manter a sanção; (ii) substituir a sanção por outra
mais branda ou (iii) extinguir a sanção.

Note-se que, pelo fato de a revisão caber apenas em processos sancionatórios, a proibição
excepcional da reformatio in pejus prevista no art. 65, parágrafo único, da LPA, circunscreve-se,
como regra geral, a esse tipo específico de processo administrativo.

Reformatio in pejus em revisões de ofício?

O art. 65, caput da LPA reconhece que a revisão da decisão condenatória em vista de fatos
novos ou de circunstâncias relevantes poderá ser solicitada pela pessoa condenada
administrativamente ou pela autoridade administrativa de ofício. Diante dessa possibilidade de
revisão de ofício, é preciso discutir se se aplicará ou não a proibição da reformatio in pejus.
Conforme esclarecido, a vedação da reformatio in pejus é instituto que se origina em processos
sancionatórios penais. Nos termos do art. 617 do CPP, a vedação da reformatio in pejus subsiste
apenas quando o recurso de apelação contra a decisão condenatória for interposto apenas pelo
condenado. Se o recurso for interposto, ao mesmo tempo, pelo denunciante, não poderá o réu se
valer da proibição da reforma de decisão.

Ao se aplicar uma analogia com o processo penal, chegar-se-ia à conclusão de que a proibição
da reformatio in pejus no direito processual administrativo, apesar de prevista no art. 65,
parágrafo único da LPA, não valeria. Isso, porque, na hipótese em debate, o pedido de revisão não
foi apresentado pelo condenado, mas pela autoridade pública. Contudo, essa analogia com o
processo penal não se aplica por algumas justificativas.

A autoridade administrativa pode considerar que a sanção aplicada, ante os fatos novos ou
circunstâncias relevantes, tenha-se transformando em um ato de restrição ilegal ou
desproporcional dos direitos e das liberdades do condenado no processo administrativo. Pode
também considerar que a sanção administrativa, se mantida, poderá causar prejuízo a toda a
sociedade, tornando-se imprescindível sua revisão. Em todas essas situações, a revisão da sanção
acarreta um benefício simultâneo ao condenado e aos interesses públicos que cabe ao Estado
tutelar. Destarte, a revisão de ofício, prevista no art. 65, não pode ser vista como equivalente do
recurso de apelação mencionado no art. 617 do CPP. Ao contrário do que ocorre no processo penal,
a vedação da reformatio in pejus será igualmente aplicável quando o pedido revisional for
apresentado, no âmbito do processo administrativo, por vontade e iniciativa exclusivas do órgão
público.

NOTAS DE RODAPÉ

1.
Essa posição não é, porém, unânime. Há vozes na doutrina a defender a substituição do administrador
público pelo juiz em certos casos. A respeito dos problemas da judicialização das políticas públicas, cf.
MARRARA, Thiago; GONZALEZ, Jorge Agudo (org.). Controles da Administração Pública e judicialização
de políticas públicas. São Paulo: Almedina, 2016, especialmente o texto de DI PIETRO, Maria Sylvia
Zanella. O que sobrou da discricionariedade administrativa? Reflexões sobre o controle da
Administração e a judicialização das políticas públicas.

2.
Nesse sentido se manifestam outros comentadores da LPA. “O princípio da revisibilidade permite que a
própria Administração Pública reveja as decisões proferidas em primeira instância, corrigindo-as se
necessário, tudo no intuito de evitar que o processo deságüe no Poder Judiciário”. Cf. FORTINI, Cristiana;
PEREIRA, Maria Fernanda Pires de Carvalho; CAMARÃO, Tatiana Martins da Costa, Processo
administrativo – comentários à Lei 9.784/1999. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 80.

3.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito administrativo, 21º ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 463.

4.
Nesse sentido, GRAZIANO, Mariana Novis. O recurso administrativo no âmbito do Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (CADE), Forum Administativo – Direito Público n. 78, 2007. p. 20.

5.
Nesse sentido, FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo, 2. ed. São Paulo:
Malheiros, 2007. p. 225.
6.
FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo, 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p.
216. Esses autores sustentam “a existência de um direito constitucionalmente assegurado a um segundo
exame, que deve ser integral, por força dos princípios do devido processo legal, da impessoalidade e da
imparcialidade, em face da natural e inevitável falibilidade humana e, também, muito acentuadamente,
por entender que o recurso jamais significa um desdouro, uma diminuição ou qualquer coisa de negativo
com relação à pessoa do recorrido”.

7.
A respeito do duplo grau no âmbito administrativo, cf. DALLA PACCE, Carolina. A sistematização dos
recursos administrativos na legislação federal. Dissertação de mestrado, Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, 2015. p. 44.

8.
A respeito da definição, cf. MARRARA, Thiago. Manual de direito administrativo, v. I. Kindle Direct
Publishing, Amazon, 2017, capítulo 2.

9.
Art. 50, § 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de
concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste
caso, serão parte integrante do ato (g.n.).

10.
Cf. MARRARA, Thiago. Manual de direito administrativo, vol. I: fundamentos, organização e pessoal.
Kindle Direct Publishing, Amazon, 2017, capítulo 3.

11.
Em detalhes sobre o princípio, cf. SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos
Tribunais, 798, 2002. p. 23 e seguintes e MARRARA, Thiago. O conteúdo do princípio da moralidade:
probidade, razoabilidade e cooperação. RDDA, v. 3, n. 1. p. 104 e seguintes.

12.
Nesse sentido, cf. FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo, 2. ed. São Paulo:
Malheiros, 2002. p. 225-226.

13.
Sobre a necessidade de previsão legal para instrumentos de controle externo, cf., ainda, MARRARA,
Thiago. Controle interno da Administração Pública: suas facetas e seus inimigos. In: MARRARA, Thiago;
GONZALEZ, Jorge Agudo. Controles da Administração e judicialização de políticas públicas. São Paulo:
Almedina, 2016.

14.
A respeito, cf. MARRARA, Thiago. Manual de direito administrativo, v. I: fundamentos, organização e
pessoal, 1. ed. Kindle Direct Publishing, Amazon, 2017, item 6.4.

15.
Não se deve confundir a reconsideração administrativa com a reconsideração no processo judicial.
Sobre esta última, cf. DIAS, Maria Berenice. Reconsideração versus revisão: uma distinção que se impõe,
Revista de Processo v. 29, n.113, 2003. p.129-32.

16.
Nesse sentido, FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo, 2. ed. São Paulo:
Malheiros, 2007. p. 223.

17.
Não se deve confundir a reconsideração e a reforma com outra espécie de alteração, a saber, a
chamada conversão do ato administrativo. Esta consiste na transformação de um ato administrativo
ilegal em ato legal pela alteração de sua categoria. Di Pietro oferece um bom exemplo de conversão: a
alteração de uma concessão de uso de bem público feita sem licitação, portanto ilegal, em permissão
precária de uso de bem público. A outorga de uso de bem público que era ilegal, pois a concessão
pressupõe licitação, torna-se legal, pois a permissão de uso não exige o certame. Cf. DI PIETRO, Maria
Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2005. p. 237 e seguinte.

18.
DALLA PACCE, Carolina. A sistematização dos recursos administrativos na legislação federal.
Dissertação de mestrado, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2015. p. 67.

19.
FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo, 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p.
224.

20.
Nesse sentido, cf. FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo, 2. ed. São Paulo:
Malheiros, 2007. p. 231 e seguintes.

21.
Cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2005. p. 641.

22.
Cf. CASSONE, Vittorio. Due processo of Law, razoabilidade e proporcionalidade: a questão do depósito
prévio de 30% para recurso ao Conselho de Contribuintes, IOB-Repertório de Jurisprudência: tributário,
constitucional e administrativo, v. 2, n. 12, 2000. p. 297-300.

23.
GOMES MOREIRA, João Batista. Direito administrativo – da rigidez autoritária à flexibilidade
democrática. Belo Horizonte: Fórum, 2005. p. 368.

24.
HARGER, Marcelo. Nova perspectiva a respeito do depósito recursal como condição de admissibilidade
do recurso em processo administrativo fiscal, BDA, v. 13, n. 9, 2002. p. 722.

25.
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois
terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a
partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do
Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal,
bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

26.
Para um panorama do modelo recursal adotado pelas várias agências reguladoras federais, cf. o
trabalho de DALLA PACCE, Carolina. A sistematização dos recursos administrativos na legislação federal.
Dissertação de mestrado, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2015. p. 127 e seguintes.

27.
DALLA PACCE, Carolina. A sistematização dos recursos administrativos na legislação federal.
Dissertação de mestrado, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2015. p. 54.

28.
O Art. 5º determina que “têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (…) V – a
associação que, concomitantemente: a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei
civil; b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à
ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico”.

29.
Em mais detalhes sobre o assunto, cf. os comentários ao capítulo XVI da LPA.

30.
Em mais detalhes sobre o princípio da cooperação, cf. MARRARA, Thiago. O princípio da publicidade:
uma proposta de renovação. In: MARRARA, Thiago (org.). Princípios de direito administrativo. São Paulo:
Atlas. p. 280 e seguintes.

31.
FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo, 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p.
297.

32.
FORTINI, Cristiana; PEREIRA, Maria Fernanda Pires de Carvalho Pereira; CAMARÃO, Tatiana Martins.
Processo administrativo – comentários à Lei 9.784/1999, 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 202.

33.
Sobre os recursos no processo administrativo concorrencial, cf. MARRARA, Thiago. Sistema Brasileiro
de Defesa da Concorrência. São Paulo: Atlas, 2015, capítulo 2; GRAZIANO, Mariana Novis. O recurso
administrativo no âmbito do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), Fórum
Administrativo, v. 7, n. 78, 2007. p. 7-25 e NERY JUNIOR, Nelson. Embargos de Declaração no processo
administrativo da concorrência junto ao CADE: nulidade absoluta do processo administrativo e efeito
modificativo dos embargos. Contraditório e ampla defesa: cerceamento de defesa. O tempo no processo
administrativo: decurso de prazo, Revista de Processo, v. 30, n. 124, 2005. p. 179-206.

34.
Nesse sentido, a seguinte ementa: “Desapropriação – Reforma agrária – Vistoria. Descabe confundir
com vistoria simples manifestação de agrônomo em laudo pericial. Recurso administrativo – Efeito.
Segundo o artigo 61 da Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999, “salvo disposição legal em contrário, o
recurso administrativo não tem efeito suspensivo”. A regra incide em se tratando de processo
administrativo para desapropriação que vise ao implemento da reforma agrária. Desapropriação –
Interesse social – Decreto – Oportunidade e alcance. A ausência de eficácia suspensiva do recurso
administrativo viabiliza a edição do decreto desapropriatório no que apenas formaliza a declaração de
interesse social, relativamente ao imóvel, para efeito de reforma agrária, decorrendo a perda da
propriedade de decisão na ação desapropriatória, não mais sujeita, na via recursal, a alteração”. STF, MS
25477 / D F, Min. Marco Aurélio, j. 11.02.2008, LEXSTF v. 30, n. 354, 2008. p. 215 e seguintes.

35.
FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo, 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p.
235 e seguintes.

36.
Cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2005. p. 640.
37.
FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo, 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p.
291.

38.
Nesse sentido, o seguinte julgado: “EMENTA: CONSTITUCIONAL. AGRÁRIO. REFORMA AGRÁRIA:
DESAPROPRIAÇÃO. DEVIDO PROCESSO LEGAL. C.F., art. 5º, LV. Lei 9.784, de 29.01.99, art. 5º, art. 63, I. I. –
Inocorrência, no procedimento administrativo da desapropriação, de ofensa ao devido processo legal –
C.F., art. 5º, LV – dado que o não conhecimento do recurso administrativo decorreu do fato de o mesmo
ter sido apresentado a destempo: Lei 9.784/99, art. 59 e art. 63, I. II. – M.S. indeferido”. (STF, MS
24.095/DF, Tribunal Pleno, Min. Carlos Velloso, j. 01.07.2002, DJ 23.08.2002. p. 71).

39.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo administrativo federal, 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2007. p. 317.

40.
CARVALHO FILHO, José dos Santos, Processo administrativo federal, 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2007. p. 319.

41.
A maioria dos comentadores não vêem inconstitucionalidade no dispostivo em questão, ainda que
alguns, como Sérgio Ferraz e Adilson Dallari, pretendam restringir as hipóteses de reformatio in pejus. Cf.
VICHI, Bruno de Souza. Do recurso administrativo e da revisão (arts. 56 a 65), in: FIGUEIREDO, Lúcia
Valle (coord.). Comentários à lei federal de processo administrativo (Lei n. 9.784/99). Belo Horizonte:
Fórum, 2004. p. 256; FORTINI, Cristiana; PEREIRA, Maria Fernanda Pires de Carvalho; CAMARÃO, Tatiana
Martins da Costa. Processo administrativo – comentários à Lei n. 9.784/1999. Belo Horizonte: Fórum, 2008.
p. 219; CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo administrativo federal, 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2007. p. 326 e FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo adminsitrativo, 2. ed. São Paulo:
Malheiros, 2007. p. 246.

42.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo administrativo federal, 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2007. p. 326.

43.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2007. p. 321.

44.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2007. p. 324.

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