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Como Carl Jung inspirou a criação

dos Alcóolicos Anônimos


ESCRITO POR JOSH JONES *

TRADUÇÃO:
VIVIANE VENANCIO
Doutoranda em História Social
Universidade de São Paulo
 vivenancio@usp.br

Deve haver tantas portar para os Alcóolicos


Anônimos no século 21 quanto pessoas para
atravessá-las – de cada religião no mundo até
nenhuma religião. A “irmandade internacional de
ajuda-mútua” tem tido um “efeito de longa
duração na cultura dos Estados Unidos”, escreve
Charles Fox, professor de psicologia da
Universidade de Worcester, na Aeon. De fato, sua
influência é global. Desde sua fundação, em 1935,
o A.A. tem representado uma “terapia
enormemente popular e um testamento da natureza interdisciplinar da saúde e do bem-
estar.”

O A.A. também representou, ao menos culturalmente, uma


síntese notável de ciência comportamental e espiritualidade
que se traduz em uma variedade de diferentes línguas, crenças
e práticas. Ou ao menos é desta forma parece ao se passar pelo
repertório dos 12-Passos do A.A e budismo, yoga, catolicismo,
judaísmo, tradições de fé indígenas, práticas xamanistas,
estoicismo, humanismo secular, e, claro, psicologia.

Historicamente, e frequentemente na prática, no entanto, a


(não)organização de irmandades mundiais tem representado
uma tradição muito mais estreita, herdada do Grupo Cristão de
Oxford evangélico, ou como o fundador do A.A., Billy Wilson, o
chamava, o “G.O.”. Wilson credita o Grupo de Oxford pela metodologia do A.A.: “sai
linguagem enfatiza os princípios do auto busca, confissão restituição e dar-se em serviço
ao próximo.”

A teologia do Grupo de Oxford, ainda que qualificada e equilibrada, também abriu seu
caminho em muitos dos princípios básicos do A.A. Mas para a gênese do grupo de
recuperação, Wilson cita uma autoridade mais secular, Carl Jung. O famoso psiquiatra
suíço teve grande interesse no alcoolismo na década de 1920. Wilson escreveu para Jung
em 1961 para expressar sua “grande apreciação” por seus esforços. “Certa conversa que
o senhor teve com um de nossos pacientes, um Sr. Rowland H. lá no começo dos anos de

*Publicado em 27.05.2019 na Open Culture e disponível em: http://tiny.cc/27ff7y.


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1930,” explica Wilson, “desempenhou um papel fundamental na fundação de nossa


Irmandade.”

Jung pode não ter conhecido sua influência no movimento de recuperação, diz Wilson,
embora os alcóolicos tenham sido responsáveis por “cerca de 13 porcento de todas as
admissões” em seu consultório, nota Fox. Um de seus pacientes, Rowland H. – ou
Rowland Hazard, “banqueiro de investimentos e antigo senador de Rhode Island” – veio
a Jung em desespero, o viu diariamente por um período de vários meses, parou de beber
e depois entrou em recaída. Trazido de volta a Jung por seu primo, Hazard foi comunidade
que seu caso não tinha esperança exceto por uma conversão religiosa. Como Wilson
explica em sua carta:

[V]ocê francamente o disse sobre sua falta de esperança no que diz respeito
a qualquer tratamento médico ou psiquiátrico. Esta sua declaração honesta
e humilde foi sem dúvida a pedra fundamental sobre a qual nossa
Sociedade foi construída.

Jung também disse a Hazard que experiências de conversão são incrivelmente raras e
recomendou que ele “se colocasse em uma atmosfera religiosa e torcesse pelo melhor,”
como Wilson se recorda. Mas ele não especificou qualquer religião em particular. Hazard
descobriu o Grupo de Oxford. Ele pode, até onde cabia a Jung, ter encontrado a Deus
como ele O concebia em qualquer lugar. “Seus desejos por álcool eram o equivalente”,
escreveu o psiquiatra em resposta a Wilson, “em um nível baixo, a sede de nosso ser por
completude, expresso na linguagem medieval: a união com Deus.”

Em sua carta de resposta a Wilson, Jung usa a linguagem religiosa alegoricamente. O A.A.
tomou a ideia de conversão literalmente. Ainda que lute com situação difícil dos
agnósticos, o Grande Livro concluiu que tais pessoas devem eventualmente ver a luz.
Jung, por outro lado, parece muito cuidadoso para evitar interpretações religiosas
estritas de seu conselho a Hazard, que começou o primeiro pequeno grupo que
converteria Wilson à sobriedade e aos métodos do Grupo de Oxford.

“How could one formulate such an insight that is not misunderstood in our days?” Jung
asks. “The only right and legitimate way to such an experience is that it happens to you
in reality and it can only happen to you when you walk on a path which leads you to a
higher understanding.” Sobriety could be achieved through “a higher education of the
mind beyond the confines of mere rationalism"—through an enlightenment or
conversion experience, that is. It might also occur through “an act of grace or through a
personal and honest contact with friends.”

Ainda que muitos dos membros fundadores de A.A. lutassem pela interpretação mais
estrita da prescrição de Jung, Wilson sempre manteve viva a ideia de que múltiplos
caminhos podem levar os alcóolicos ao mesmo objetivo, incluindo até mesmo a medicina
moderna. Ele se inspirou nas opiniões médicas do Dr. William D. Silkworth, que teorizou
que o alcoolismo era parte de uma doença física, “um topo de dificuldade metabólica, a
qual ele então chamou de uma alergia.” Mesmo após sua própria experiência de
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conversão, a qual Silkworth, assim como Jung, recomendou que ele buscasse, Wilson
experimentou com terapias de vitamina através da influência de Aldous Huxley.

Sua busca por entender seu momento de “luz branca” mística em uma sala de
desintoxicação em Nova Iorque também levou Wilson ao livro Variedades da Experiência
Religiosa, de William James. O livro “me deu a percepção,” ele escreveu a Jung, “que a
maioria das experiências de conversão, seja qual for sua variedade, tem um denominador
comum do colapso profundo do ego.” Ele até pensou que o LSD poderia agir como tal
“redutor temporário de ego” depois de ter tomado a droga sob supervisão do psiquiatra
britânico Humphrey Osmond. (Jung provavelmente se oporia ao que ele chamou de
“atalhos” como drogas psicodélicas.)

Nas cartas entre Wilson e Jung, como Ian McCabe argumenta em Carl Jung e os Alcóolicos
Anônimos, vemos admiração mútua entre os dois, assim como mútua influência. “Bill
Wilson,” escreve o editor de McCabe, “foi encorajado pelos escritos de Jung a promover
o aspecto espiritual da recuperação,” um aspecto que tomou uma característica
particularmente religiosa nos Alcoólicos Anônimos. De sua parte, Jung “influenciado pelo
sucesso do A.A…. deu ‘instruções completas e detalhadas de como o formato do grupo
de A.A. poderia ser desenvolvido ainda mais e usado por ‘neuróticos em geral’.” E assim
o foi, ainda que mais no modelo do Grupo de Oxford do que no modelo mais junguiano
mais místico. Poderia muito bem ter sido o contrário.

Publicado em: https://vivianevenanciomoreira.academia.edu/


Data: 28.05.2019.

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