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Para uma an álise política das condições histórico-estruturais q ue teriam levado à ex·
periência da UP, ver Boron, A., 1975, pp. 64-121.
30 31
Características básicas da economia chilena de, distribuição regressiva da renda e crescente dependência externa. s
Estas características serviram de base para o diagnóstico que fez a UP
A economia chilena apresentava um conjunto de traços comuns à
da situação inicial prevalecente.
maioriá das economias latino-americanas, embora se encontrasse num
Tal diagnóstico foi delineado do seguinte modo:
nível de desenvolvimento superior à média. Sua população aproxima-
A concentração econômica e da propriedade, no Chile, deíxava
va-se a 10 milhões de_habitantes e seu produto per capita a 700 dóla- em poder de poucos o controle dos centros estratégicos de decisão . A
res. 2 O maior grau de desenvolvimento relativo se manifestava numa imbricação entre poder econômico e poder político dava origem a um
participação mais elevada da indústria e os serviços no produto, em re- núcleo reprodutor da situação vigente. Deduzia-se deste traço uma
lação ao setor agrícola que representava uma quota inferior a 10%. 3
conclusão fundamental: a mudança da situação requeria uma modifi-
Tratava-se de uma economia na qual era claro o caráter secundário do
cação das relações de propriedade e de controle nos centros de coman-
setor agrícola, enquanto que a indústria e o setor terciário tinham uma
importância comparativ~mente maior do que nas restantes economias do da economia...
latino-americanas. Fluía também outra conclusão. No caso de se criarem condições
No Chile, este traço era determinante para estabelecer as carac- políticas favoráveis para uma transformação, a alta concentração im-
terísticas econômicas e políticas de uma estratégia de mudanças. Mar- plicava em que o controle dos centros de decisão estratégicos podia al-
cava tamb~m uma nítida diferença com relação às condições prevale- terar-se mediante a mudança das formas de propriedade de um núme-
ro limitado de grandes empresas oligopólicas e propriedades agrícolas
centes nos países onde se desencadearam os processos revolucionários
extensas, sem que fosse necessária uma intervenção maciça e generali-
clássicos. Nestes a agricultura e as classes rurais constituiam uma pro-
porção muito elevada do produto e da força de trabalho. 4 zada sobre todo o sistema econômico.
Este maior nível de desenvolvimento relativo não suprimia os tra- Para apreciar .as dimens.ões em jogo, convém referir-se sucinta-
ços estruturais que eram similares aos de outras economias subdesen- mente aos diferentes setores econômicos. 6 ,
I
No setor agrícola, em 1965, 2% das propriedades englobavam "\ ,
volvidas _e dependentes: alta concentração econômica e da proprieda-
55,4% da superfície. 7 Nessa data teve início a reforma agrária, alteran- I Jf·~~--:,
do-se parcialmente as formas de propriedade tradicionais e a estrutura e: , ,
2 A população do Chile atingia 9.535.000 habitantes (Instituto Nacional de Estatlsti- de poder imperante no campo. Abrira-se uma brecha que permitia à J;.
ca, 1971 ). Com relação ao produto per capita as estimativas variavam. Segundo um UP avançar rapidamente, mas também se haviam despertado novas
estudo de Odeplán, o produto interno bruto per capita atingiu 700 dólares em 1970 expectativas, que pressionariam por um ritmo mais acelerado. ,.., "' .e•
(Odeplán, 1972). Outro trabalho mais recente estima em 868 dó'8rcs (Odeplán, 1975, N o setor mineiro, outra área de grande concentração, o ·controle ·.,o'l'A
estava em mãos de três companhias estrangeiras que dominavam a 1
p. 30). CEPAL o calculava em 650 dólares para 1969. {CEPAL, 1971 , p. 25).
3 Em 1969 a composição setorial do PIB era a seguinte: indústria, 24,9%; serviços {co- ) .tl·
mércio, bancos, propriedade de moradia, .administração pública, resto) 44,1%, e
agricultura só 9,3% (Odcplán, 1971-a, p. 1'2, Quadro N9 1). 5 Entende-se por concentração econômica a concentração no mercado, isto é, a parti-
4 Na Rússia e em Cuba, por exemplo, a agricultura era o setor mais importante quan- cipação das grandes empresas no total da atividade econômica global ou setorial.
to a popuJação ocupada. Na Rússia, cm 1922, a agricultura ocupava 74% da popula- Não é o mesmo que a concentração da propriedade.
ção ativa. {Marodnjc Khozjajstvo SSSP, 1952-72, Diret(?ria Central de Estatística. 6 Uma revisão mais exa ustiva dos traços estruturais da economia chilena pode ser vis-
Moscou, 19?2, cit. cm Sylos Labini, P., 1975, p. 165, Quadros 2 e 4). ta em Ramos, S., 1972, Cap. li e III; Aranda, S. e Martinez, A., 1970, pp. 55-172; e
Em Cuba, a população ocupada na agricultura, em 1953, atingia 40,9% da po- Odcplân, 1971-c,.. pp. XX I-XXV II.
pulação ativa. Em 1953 teve lugar o último Censo Nacional de População prévio à- 7 De acordo com a lei de Refo rma Agrária aplicada durante o Governo de Frei po-
Rcvolução. Nesse ano a população ocupada foi 807.514, enquanto que a população diam desapropriar-se as propriedades com .uma supcrficic superior a 80 hectares de
ativa (de idade igual ou maior de 14 anos) alcançou 1.972.276. (Censo de População riego básico (HRB)~ Esta unidade de medida (HRB} perm itia referir terras de dife-
1953. Repartição do Censo, República de Cuba, Havana, 1955, pp. 204-205, cit. cm rente qualidade a um lodice comum. Em 1965, de um total de 232.955 propriedades
Domíngucz, J., 1977 .) só 4.876 tinham uma superficic superior a 80HRB e representavam 2% do total de
No Chile, ao contrário, tal proporção era muito inferior. Para 1970, a popula- propriedades. A superficie agrícola, no Chile, medida em HRB era de 2.067.8 18
ção ocupada na agricultura foi de 12,4% da população a tiva. {Odeplân e Cclade, HRB e destes l.144.994 pertenciam às propriedades mencionadas. Ver Barraclough
" Projeções da População do Chile 1960-2000", cm Odcplân, 197 1-b, p . 66, Quadro e Fernández, 1974, p. 37.
50 e p. 294, Quadro 231-1). • N.T. Ricgo são terras irrigadas.
32 33
produção de cobre. Em 1970 as vendas desse minério constituiram ção não chegava sequer a satisfazer suas necessidades essenciais. O
75% . de todas a~ exportações do país. As três empresas norte- Quadro 1-1 revela tal distribuição.
amerJcanas negociaram esse ano 59% das exportações chilenas. 8
. Em ambos os setores, agricultura e cobre, a concentração econô- TABELA 1-1
mica ~ra um fenõi:nen.o a~tigo e vinha junto com uma concentração da
propnedade. Na tndustna manufatureira e na comercialização o fe-
nômeno se propagou mais tarde com características iguais. '
Em 1963, 3% dos estabelecimentos industriais controlávam 51 % DISTRIBl.JIÇÃO DA RENDA PESSOAL NO CHILE, 1967
do valor
9
agregado, 44% da ocupação e 58% do capital de todo o se:
tor. ~lém disso, ~84 sociedades a_nônimas eram detentoras de 78% Percentagem da população Percentagem da renda
do~ ativos do ~onJunto des~as soc1e_dades no país. Ainda mais, nas
~atores 271 sociedades anônimas verificou-se que os dez maiores acio-
nistas ~ontrolavam pelo menos 50% da propriedade em 230 delas. 10 50 17,1
Estas c1~ras não faz~m referência à importância dos diferentes grupos (20) (4,0)
econ?m1cos, nem à mterconexão entre bancos e indústrias. Incluindo- (30) ( 13,1)
se tais fatores, os resultados são mais impressionantes. 30 26,4
Na comercialização atacadista, as cifras também revelam carac- 20 56,5
terística igual: 12 firmas distribuidoras (0,5% do total) controlaram ( 10) (40,2)
44% ~as vendas em 1967. 11
Fina!mente, no sistema banc4rio, a concentração na área privada T otal 100,0 Total 100,0
era tambem alta, embora a presença do Banco do Estado constituísse
um fator limitante. Em 1970, este último canalizou 46 4% dos depósi-
tos e 52% das aplicações totais do sistema bancário.'D~s 26 bancos Fonte: Pesquisa Nacional de CEDEM.em Heskia,l, 1-9 74, p. 18 Quadro J. Trata-se da
privados que distribuíam entre si o resto, três deles controlavam mais renda pessoal líquida, pois descontaram-se a tributação direta, cotizações previ-
denciais e o utros descontos si ndicais . .
de 50% desse saldo. 12
Um segundo traço característico da economia chilena era a con- As medições da renda pessoal revelam que os 10% mais pobres da
centra_ção da .renda. ~ua d_ist_ribuição permitia distinguir uma elite que população recebedora de renda receberam em 1967 1,5% da renda to-
possuia UI? mvel de vida s1m1lar ao dos extratos médio-altos dos países tal, enquanto que os 10% mais ricos obtiveram 40,2%. 13 Os coeficien-
desenvolvidos, enquanto que uma proporção importante da popula- tes de concentração eram consideravelmente mais elevados no Chile
do que nos países desenvolvidos, e similares à média da América Lati-
na. 1'
Além destas proporções relativas, em 1970 cerca de 25% da popu-;
8 A produção de cobre em 1970 atingiu 692.000 ton ., das quais 541.000 foram extrai-
lação encontravàm-se em condições de extrema pobreza. Dois terços
das pel~ c~amada Grande Mineração. O valor das exportações totais (fob) foi de destes viviam em áreas urbanas . is
1.1 12 !111lhoes d~ dólares, o das exportações de cobre, 840 milhões, e o da Grande Mi--
neraçao, 657 milhões. Codelco, .. Indicadores dei Cobre" e Banco Central Bolet{n
Mensual, vários números. ' 13 Estas cifras correspondem a rend as pessoais. Ver Heskia, J., 1974, p. 18, Quadro 1.
9 S_obre este aspe_cto existem numerosos tr~balhos. Ver Aranda, S. e Martínez.A., op. 14 O coeficiente de Gini para a distribuição pessoal da renda, atingiu, no Chile, em
c1~ .• p. 70; Gas1c, 1971; Corfo, Daros Basicos de la Industria Manufacturera, vários 1968, 0. 506, enquanto que era, no Brasil em 1970, 0.577; México, 1969, 0.583; Argen-
numeros; Lagos, R., 1966. tina, 1961, 0.437; Reino U nido, 1960, 0.354; Alemanha Federal, 1970, 0 .394; RDA,
10 Garretón, O. e Cisternas, 1970. 1970, 0 .204. Ver Serra, J. e León, A., 1976, Quadro 1.
11 70 empresas (2,7%) realizaram 76º 0 das vendas. (Instituto Nacional de Estatística). 15 Num estudo iniciado em 1972, as co ndições de extrema pobreza foram definidas de
12 Banco Central, Bole1{n Mensual, setembro 197 1. acordo com a moradia. Estas condições eram: acúmulo de moradores; moradias em
34 35
~-
"'1 il .lõ;~ ... ~--1.li,,,!i...l.- ~
\
nao provocou um aumento da capacidade chilena para criar ou propa- le· Ca uto, o. e Pizarro, P., 1970, pp. 173-_21~; Pacheco~ 81t~r, ~-· 1973. ._
E~ta situação qualificada como crise do capitalismo no _Chile, nao so era reconhec!
gar as novas tecnologias e, assim, adquirir autonomia. 11 O setor in- 19 da pelos que ~poiavam a UP, como também estava subJacenle no pr_ograma econ~-
mico ro osto pela Democracia Cristã em 1970. E~ i 96_5,? economista de'!'ocrata-
cristã~ J:rge Ahumada havia realizado um diagnósuco s1m1\ar, e~bora ~a intrpr~-
tação da causalidade não fosse igual à dos defenso.re~ da teo~Ja d~ . epen encia
zona urbana sem equipamento, com mau sistema de eliminação de dejetos· "callam- . Em \969, R. Tonic realizou tambem um d1agnost1co qu~ con-
pas", • ranchos, cabanas, ambulantes com ou sem equipamento etc. Ver l~stituto de lAh umad a, J ·• 1966) · de mudar o sistema socio-econ ômico
'd de · 1mperan
· te. Ton1c , R ·•
Economia, Universidade Católica, 1974. • clu1a pe1a necess1 a
• Ca llampas são casebres de favelas.
16 Bucher, L., et. ai., 1973, p. 37.
20 ~~~ -é uma tendência histórica salientada - entre outros- por A. Pinto·:---~ cas_o eh!·
leno manifesta um relativo adianto da organização social e das formas 1nshtuc1o na1s
17 Ver Furtado, C., 1973, pp. 118-123.
37
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. "b · ~ d renda melhorou: lc-
durante um longo periodo, acelerou-se na década de sessenta, nos cin- Além do lento crescimento, a d istn u1çao da . édias No período
co anos que antecederam o Governo da UP. veme~~ Pg~~eç·:'..!ª:i:e~:~!~ i:g:~[2~;:0d:i~~l ~sp~Htica: tais grup~s
Analisemos primeiro a capacidade de crescimento e de redistri- 19 65 · , . s de rendas menores consegu1-
buição da economia chilena. A taxa de crescimento do produto atingiu consegui ram ~elhorar, enq~anto q~e ~e sua posição relátiva. 2s, Entre
um promédio anual de 4,4% no período 1961-70. 21 Nos últimos qua- ram apenas evitar um detenoram~~rfos cam oneses e numerosos tra-
tro anos da década, essa cifra desceu a 3% prornédio anual. O nível de estes últimos encontrav~-se ºJr: 1_2 il~stra ~!aramente o aumento da
1961-70 conseguiu-se graças a um crescimento rápido nos biênios balhadores autônomos. 0 ua . "Em re ados" durante a década .
1961-62 e 1965-66. Nos dois períodos, os governos estimularam a ati- participação na ren~a d.a ca~~or.~~ . ~5f64) 0 Governo de Ales-
0 0
vidade econômica mediante uma expansão -do gasto público, especial- de ses_senta._26.No pnme1:ro ~ mqu _m ·ncondicio~al ao setor privado,
mente em moradias e obras públicas. Mas, nas duas ocasiões, os ciclos sandn seguiu u~a _política e apoiog~dores No segundo qninqtlênio
expansivos foram curtos e às medidas iniciais se sucederam medidas beneficiandoi. unicamente, ~s empre · • m extratos médios
políticas restritivas que reduziram o ritmo do crescimento. ( 1965-70) o Governo
,
de Frei procurou sustentar se e
d' 'b · - em favor dos emprega os.
d Nos dois
Nos ciclos mencionados, o Estado foi decisivo corno fator de ex~ e cons~guiu uma re á1s~n mçao trabalhadores autônomos perderam
pansão. O setor privado não foi capaz de manter um ritmo de cresci- periodos tanto oper nos como
mento estável. Seu potencial de expansão era fraco, e corno sua pre- posições' ou, no máximo, só as conservaram.
sença era dominante no sistema, este mostrava uma dinâmica escassa. TABELA 1-2
Como exemplo, a taxa de poupança não rmperou os 15% promédios
durante a década de sessenta. 22 Neste lapso, a participação do setor
privado na poupança decresceu e foi compensada por uma expansão DISTRIBUIÇÃO DA RENDA NO CHILE SEGUNDO
da poupança pública. 23 CATEGORIA OCUPACIONAL 1960-70
A fim de suprir esta insuficiência, o Estado chileno ampliou seu 1970
1960 1964
poder financeiro e, aléQI disso, recorreu-se ao financiamento interna-
cional sob a forma de investimentos diretos e créditos. A divida exter- 33,ü%
na aumentou substancialmente durante o período 1961-70, demons- 27,1% 36,1%
Empregadores 17,1% 12,4%
trando-se com isso que não se tratava de uma necessidade conjuntural Trabalhadores autônomos 21,2%
29.,5% 26,5% 34,-2%
para aliviar dificuldades-momentâneas, mas sim de uma necessidade Empregados 20,3% 20.4%
Operários 22,2%
estrutural do modelo de desenvolvimento chileno. 24 Em suma, a fra- 100,0% 100,0% 100,0%
queza do setor privado provocou um aumento do endividamento ex- Total
terno e do financiamento público .
Od 1· Citados em Stalhngs, B., 1975.
Fonte: Cálculos não publicados de H. Varela, ep an.
. ômico chileno funcionava
em relação ás mudanças no nivel da estrutura econômica, dissociação que tende a se Pode.:se concluir que o sistema econ médios 'e não era capaz
agravar nos dois últimos decênios": Pinto, A., 1970, p. 5. dando acesso gradutd a certo~ g~upo_s urbanos de massa de trabalha-
21 Corresponde à taxa de crescimento do gasto do PIB: Odeplán, 1971-d.
22 Refere-se à poupança nacional como percentagem do PNB: Ver Odeplán, 1971-d, p. de absorver as demandas_ redisttnbut11:i~~ ::~ elevada teria permiti-
27, Quadro 19. Por_seu lado, a inversão interna bruta sobre o PIB atingiu 17% em dores. Uma taxa de cresc1men o econ
média no período 1960-68 e, descontando as variações de existências tal relação foi
15,8%. Odeplán, 1970, p. 44. 1 . d a renda interna desceu no primeiro qain-
23 A poupança pública, como proporçâD da poupança interna, passou de 18,6% em 25 A participação do trabalho assa an a o n 61 46 8% em 1964 e tornou a su-
1961 para 39,6% em J969. Odeplán, 1970, p. 26, Quadro 18. 1
qilên io da década de sessenta, d~ 51 i60 e:; ; Y,'!:
37
19'70~ Odeplán 1971-a, p. 17·
24 A dívida em moeda estrangeira subiu de 954 milhões de dólares em 1961, para 2.975 bir durante o Governo dedFrde1, atmg~n ~ãtic; d~ transferir os operários de maiores
26 Em parte, este aumento po e ever-se a p
milhões em 1970. Destes últimos, 700 correspondiam a créditos concedidos mas não
utilizados. Odeplãn, 1970, p. 436, Quadros 318 e 320. rendas para a catego ria de empregados. 39
38
do Incorporar novos grupos . .
grandes contin c~m maior rapidez. Mas a irrupção de
cil de inte gen!es de operários urbanos organizados era muito difi- vemo Frei contribuiram para eliminar parte dos obstáculos que, até
renda limft~i ~~sistema. S~a pressão Pª!ª melhorar a distribuição da então, obstruíam sua organização. 29
gualdade. Ao mes!~o~esso e acum_ulaçao que se sustentava na desi- A ampliação da participação política e o fortalecimento das orga-
de descontentes.. empo, o cresclillento lento aumentou o número nizações trabalhistas criaram uma forte exigência sobre o sistema. As
novas aspir!!ções foram conduzidas e estimuladas pelos partidos poU-
ticos e pelas próprias organizações trabalhistas, que adquiriram maior
A pressão social e política dos trabalhadores autonomia. Como resultado disso, intensificou-se o conflito social. )O
Um indicador do nível do conflito é o número de greves ocorridas
, ~correram, simultaneamente, uma rápida ampliação do sistema no período anterior ao governo de Allende. Em 1960, o número de
pol~~ico_e uma aceleração do processo de organização social. Um fator greves foi de 257 e o número de grevistas 88.500. Em 1964 estas cifras
ex~ icativo deste av~nço é o alto grau de urbanização alcançado no elevaram-se a 564 e 138.500 respectivamente. Durante o Governo de
<:_hlle. A _c oncentraçao da população cm cidades facilitou a organiza- Frei, o fenômeno tornou-se mais agudo, culminando, em 1970, com
çao pofítlca e social. 11 1.819 greves e 656.000 grevistas. 31 Intensificaram-se também outras
ri ~ois indicador~s revelam a amplitude do referido processo. Em formas de conflito, tais como as "tomadas" (ocupação) de fábricas e
1
loomeirol9~iar, o numero de votantes inscritos cresceu de um nível terras, na cidade e no campo.
, em , par_a 236 em 1970. i~ A participação de eleitores sobre o
totafl dda popul~çao, 9ue se mantivs:ra estável em torno de 15% no TABELA 1-4
per o o 1920-60, subiu para 28,3% em 1971. º'
:enômeno similar aconteceu na organização trabalhista Sua cx- TOMADA DE PROPRIEDADES_, ÁREAS E FÁB.RICAS
pansao acen_tuou-se no período 1965-70, particularmente entr~ cam _ · 1968-70
0
neses como Ilustra o quadro 1-3. A reforma agrária e a política do Óo-
1968 1969 1970
TABELA 1-3
Propriedades 16 121 368
NÚMERO DE SINDICALIZADOS POR TIPO Areas urbanas 15 26 352
DE SINDICATO 1958. 70 Fá bricas 5 24 133
S indicatos Sindicatos Sindicatos Total
Industriais Profissionais • Agrícolas
Fon te: Diretoria Geral de Carabineiros. Informe ao Senado, Congresso Nacional, San-
(Operários) (Empregados) tiago, 1971.
1958 154.650 119.666 O equ~líbrio existente entre as exigências sobre o sistema e sua ca-
1964 2.030 276.346 pacidade de resposta alterou-se significativamente com a massifica-
142.958 125.926
1970 1.658 2'70.542
197.651 239.323 114.112
ção do conflito social. A lentidão do crescimento econômico, por um
551 .089
• Não inclui sindicalos do setor publico.
Fonte: Ili Mensagem do Presidente S I d Ali _, tro Eleitoral cit. em Boron , A. , 1975, p. 85, Quadro 1. Ver também Valenzuela, A.,
1973, pp. 792-4. ava or enue ao Congresso Nacional Santiago,
1973.
29 Até 1967 a sindicalização camponesa esrcve, praticamente, proibida. A lei vigente de
1947 imp unl!a numerosas restrições: s6 podiam constituir sindicato os que trabalha-
27 1 vam numa mesma propriedade; deviam reunir-se mais de 20 operários; para ser diri-
::%c7e; ~ ; ;1~:P~~~:~;àopu;~a na cresdceu de 68,2% do total em 1960, para 74,2%
28 E . • • · 4, 0 ua ro 232 gente era preciso saber ler e escrever etc. Ver Chonchol, J., 1970, p. 283.
3.;39'.~1{ iu,:~:~~o ~~ ~º;;;~
i;;ctaritto5 _era ~e 1.105.029, cm 1970 atingiu
30 Sobre este tema ver Garcés, J., 1972·
31 Para 1%0-67, Instituto N acional de Estatlstica, Síntesis Estatística , vários números;
40 . . n cs inscritos em 1973. Diretoria de Regis- para 1968-70, OEA, América em Cifras Siúmci6n Social, 1972.
41
lado, e a extensão do desco~tentamento social, por outro, realimenta-
ram-se mutuamente. A maior pressão popular limitava a capacidade sumiu uma importância ascendente nas esferas redistribuiiva e produ-
de acumulação do setor privado e a tensão social foi alterando seu. Liva. · . · d · ·
comportamento. A "incerteza" a que se referiam seus representantes Em matéria redistributiva, o Estado expa~d1~ a oferta, e serviços
c~press?u-se por um~ prcf~rência P<;>r atividades de alta liquidez; redu- e gerou novas fontes de trabalho. A despesa pubhca em saude, educa-
z!u seu mteresse cm mvcstir em proJetos de maturação lenta e propor- ção e habitação, para setores médios e operários, a~mentou. Por outro
cwnou um comportamento especulativo bem como a evasão de capi- lado O subsídio para produtos de consumo esse!lcial (e o controle de
tais." Seu potencial de crescimento diminuiu e com isso reduziu-se seus 'preços)
.
implicou numa
))
maior despesa púbhca em favor dos gru-
ainda mais, sua capacidade para enfrentar as 'novas exigências. ' pos de rendas menores. . _ . .
O modelo de desenvolvimento econômico vigente requeria uma O Estado chileno interveio, também, na produçao. Par~ dinamizar
elevada con~ntração da renda para gerar uma taxa de poupança mo- u economia estendeu suas atividades em 'três direções: reativação ec9-
de~ta e precisava t~bém de "segurança" para atrair o capital estran- nômica, m;diante o uso da despesa pública em re!°u_nerações, oltras
geir~. As duas condições s~punham uma contenção das exigências tra- públicas e habitação; transferências de rec~rs?s p~bhc~s par~, finan-
balh!s!as e uma democracia restringida. Uma vez não cumpridos .tais ciar investimentos do setor privado: e matenahzaç~o de m_ves~imentos
requ1S1tos, acentuaram-se as contradições, dando lugar a uma opção produtivos propriamente estatais. Ambas as funç~e~, r~d1stnbut1v~ e
de transformação mais profunda. 32 produtiva, permitiram minorar as tensões entre ex1genc~as sobre o sis-
Néste contexto existiu um fator que atenuou o conflito: a expan- tema econômico e sua ~apacidade de resposta. Co!1c~m1tantemente, .ª
são das funções econômicas do Estado. importância do Estado na ec~nomia cresceu até atingir seu nível máxi-
mo de 1970. , . . ã ·d
Nesse ano, o Chile era o país da :4-me!1c~ Latma_(~om exceÇJ o _e
O Estado como atenuador do conflito sócio-econômico C uba) onde o EstadQ possuía maior mfluenc1a_ na _at1~idade eçonô~i-
ca. Esta situação podia medir-se através de vános m~i_c adores. Assim,
Uma característica histórica fundamental da economia chilena foi por exemplo, segundo a CEPAL, em 196~, a _part1c1pa~ão do setor
a constante expansão da atividade econômica do Estado. Isso ocorreu
público no investimento fixo alcançou 58,6%, ~1fra super1or à dos r~s-
sob Governo de diferentes ideologias; os progressistas fortaleceram tantes pafses latino-americanos, exceto a Bolfv1a ~ue, nesse.ano, atl~-
seu papel mais do que os conservadores, mas a intervenção estatal au- giu igual nível. A relação mencionada era de 40,8% ~o México; 3~,8~
mentou sempre.
no Brasil; 37,1% na Argentina; 34,1 % no Peru e 28,6% na Co_lombia.
A expansão da máquina estatal cumpriu a função reguladora e Resultado similar obtinha-se ao comparar as despesas tot_ais do Go-
moderadora do conflito sócio-econômico. Para procurar uma corres- verno Central como proporção do produto interno. N~ período, 196~-
pondência entre a limitada capacidade de crescimento da ecqnomia 68 tal relação atingiu J6,1% no Chile; 27% na ,:\rgentl~a e no Brasil
por um lado, e as pressões dos trabalhadores, por outro, o Estado as~ 22% . na Venezuela 20%· no Peru 16,6%; no México 14,7%; na Colom-
bia º'e para os restantesº'as cifras
. eram am. da menores. 35
50 "Duas das principais divergências que forain fatais para o êxito do programa de es- 52 Esta situação foi analisada pelo candidato presidencial da DC, nas eleições de 1970,
tabilizacão, foram o fracasso das tentativas para elevar a taxa de poupança nacional Radomiro Tomic; "A contradição entre o programa de desenvolvimento social de
e os aumentos de remunerações nominais acima dos níveis programados". Ffrcnch- orientação comunitária e o programa de desenvolvimento cconõmico, traduzido na
Davis, R., 1975, p. 59. prática por uma polltica de garantias e estlmulos ao capital nacional e estrangeiro,
51 "A partir de 1968 o governo viu-se obrigado a abandonar suas metas de estabiliza- isto ~. num robustecimento do capitalismo era insuperável e não pôde ser superada" .
i;ão e orientou todo o seu esforço para evitar que o processo se extravasasse". Moli-
Tomic, R ., 1969, p. 16.
na, S., 1972, p. 101. 53 Essa fração constituiu Q_,. partido MAPU que p~ssou a fazer parte- da UP.
50 51
Assim, a direita unida procurou um caminho que a levasse à res- nomia chilena, permitia esteqder a atividade estatal,. sem alterar signi-,
tauração de seu poder e rejeitou um entendimento com uma DC que se ficativamente o funcionamento do sistema econômtco. Um ponto de
propunha, então, aprofundar as mudanças inicíadas. A esquerda, for- partida que se aproxima .ª? ~o capit~li~mo de Estad? é, sem dúvida,
talecida, defendia uma solução ainda mais radical. As condições eco- condição vantajosa p~ra tmctar a soctahzação dos metos de p~odução.
nômicas e políticas conduziram, em definitivo, a um esquema eleitoral Além disso a elevada concentração tormwa possível adqumr o con-
com três forças. Nessas condições tornou-se possível o triunfo de trole dos ce~tros básicos de decisão econômica, através de um número
Allende. s• reduzido de empresas e organismos.
A tentativa de modernização do sistema vigente através de refor- Mas estas mesmas características do setor estatal constituíam
mas parciais não conseguiu ser um substituto de uma mudança inte- uma limitação, já que - por suas vastas dimensõ~s e complexidade -
gral; foi, antes, um catalizador. ss era difícil modificá-lo com rapidez, para que servtsse cabalmente aos
objetivos que se propunha a UP. Uma alteração subst~ntiva num pra-
Condicionantes econômicos (/e um programa de transformações zo breve podia ocasionar sérias desarticulações no co~J~nto do apare-
lho produtivo. Por isso, era preciso reconhecer suas ng1dezes e dtstor-
Ao assumir, Allcnde herdou um conjunto de tendências favorá- sões e superá-las gradualmente. Não h~via alte~~ativa: to~o o poten-
veis, e outras desfavoráveis, para a implementação de seu programa. cial do aparato econômico estatal devta ser ullhzad~ de u~edt~to,. e
Para explicar o processo que se desenvolveu durante os três anos do uma transformação radical prévia estava fora de questao, pots pnvana
Governo UP, é imprescindível identificar as características específi- o novo Governo de mecanismos de ação insubstituíveis.
cas, próprias da realidade chilena, que demarcavam a situação inicial,
condicionando os possíveis caminhos a seguir. Com esse propósito,_ Outro aspec~o limitador da mâqui~a estatal residia no _fato de t~r
enumeraremos os principais condicionantes econômicos, para referir- sido desenvolvida para apoiar, financetrame~te, o setor pnvado, dei-
mo-nos, depois, aos sociais e políticos. xando para este último ·a iniciativa empresanal. A capactdadc de g~s-
tão estatal se restringia a poucas grandes empresas_. E~ conseq0êncta,
0 Estado não podia, de imediato, suplantàr o setor pnvado e absorver
a responsabilidade de dirigir um grande número de firmas num prazo
1 - O Estado na economia
muito curto.
Era essencial, e~tão, preservar o papel do mercado, como meca-
A magnitude e diversidade do aparelho estatal eram fatores favo- nismo de orientação para um número importante de empresas, e, tam-
ráveis para assumir a direção das grandes empresas privadas . A exis- bém, para assegurar que os empresários m~dios n~o alt~assem subs-
tência de organismos como a Corporação de Fomento (CORFO), a tancialmente seu comportamento em relaçao aos mvestlmentos, ma-
Corporação do Cobre (CODELCO), a Corporação da Reforma Agrá- nutenção e substituição de seus equipamentos.
ria (CORA), e Banco do Estado, e outros, de grande influência na eco-
Por outro lado, o gasto público representava um.a proporção ele-
vada do PIB, mas sua composição e nível n~o se podta~ alt~ra_r subs-
tancialmente no curto prazo. Finalmente, até 1970? nao e~tslla_ uma
54 Para uma análise geral das condições políticas que precedem e condicionam o pro- participação dos traba!h~dores ~as decisõe~ econôm_tcas nactonat~, re-
cesso da UP, ver Garcês, J., 1971. Sobre o esquema tripolar ibid., p. 67.
55 ''A reforma, pode-se argumentar, pode contribuir não 'para 'a estabilidade polltica,
gionais nem empresanats. Sua mcorporaç~o aos dtfer.entes nívets de
mas para uma maior instabilidade e, definitivamente, para a própria revolução. A decisão iria requerer uma fase de adaptaçao e aprendtzagem que, de
reforma pode ser um catalizador da revolução, mais do que um substituto dela. His- inicio ocasionaria alguns desajustes.
toricamente, tem sido mostrado com freqilência, as grandes revoluções sucederam a Em suma, o aparato estatal na economia con~titu~a uma b_ase de
períodos de reforma, não a períodos de estagnação e repressão. O próprio fato de operação essencial, mas impunha restrições provementes d: sua mad~
que um regime faça reformas e outorgue concessões estimula pressões por maiores
mudanças, que se podem acumular na direção de uma revolução" (tradução do au- quação para uma função de liderança; _e s~a tra~sformaçao requena
tor) Huntington, S., 1968, p. 363. alguns anos. Por conseguinte, uma amphaçao mUltO acelerada do mcs-
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te, o nível de importações e, conseqüentemente, o nível de atividade
mo poder~a terminar numa série de desajustes e na perda temporária econômica interna eram vulneráveis a uma pressão norte-americana.
)
de mecanismos de contrólc. . Além d isso, era preciso levar em conta o caráter estratégico de algu-
mas peças e inatérias-prímas provenientes dos Estados Unidos, das
quais não se pôdia prescindir de imediato. As atividades mais depen-
2 - A dependência dos EEUU e suas conseqüências dentes eram o cobre e o petróleo. 11 Por último, e não menos importante,
no funcionamento da economia o Chile era um dos poucos paises latino-americanos importadores de
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O programa da UP se encontrava demarcado dentro destes limi-
de salitre, onde emergiu o proletariado chileno. Em 1912 formou-se o
tes. Os fatores que lhe outorgavam viabil!dade t~mbém lhe impu~ham Partido Operário Socialista, que em 1921 tomou o ~orne de Partfdo
restrições. O caminho político a ser seguido devia levar cm considera- Comunista do Chile, depois de criada a III Internac1onal. Este fato é
ção estas características, se qu~ria avançar, com eficácia, na direção de relevante, porquanto o Partido Comunista do Chile lançou suas bases
__ \..- seu objetivo.
antes da revolução soviética, e sua origem foi eminentemente proletá-
ria e não de pequena burguesia.
As raízes da UP O Partido Socialista foi criado em 1933. Na época da vitória da
UP já tinha, pois, 37 anos. Nasceµ da fusão de vários gru~os polfticos
·Não é possíy~l compreender as difi~uldades qu~ a_dir~ção polltica que tinham adquirido significaçã~ dura~te a crise econ~m1ca dos anos
enfrentaria mais tarde sem ressaltar dois traços pnnc1pa1s da UP que 30. Tais grupos possuíam ideologias variadas, desde social democratas
já estavam inseridos n~ situação inicial: a) a UP e os partidos-eixo da até anarquistas. 62 Este traço inicial permaneceu vivo no PS, que sem-
coligação (PS e PC) não eram formações políticas novas, possu~am pre mostrou posições diferentes em seu sei?. ·.
uma longa prática de ação p~Htica conjunta e um profundo enra~za- Em suma, os partidos de esquerda chilenos possuíam tradição,
mento popular, e b) no seio da UP existiam disparidades estratégicas solidez e legitimidade, o que lhes conferia uma maior probabilidade
com respeito à via institucional. de êxito.
O primeiro traço era uma condição favorável, enquanto que o se- Outro elemento novo que fortaleceu a UP foi a incorporação de
gundo constituía uma limitação. Vamos analisá-los separadamente. setores cristãos. Ainda que de escassa importância quantitativa inicial,
A UP foi precedida por três alianças políticas das forças de es:- tinham grande significação qualitativa pela composição de seus
querda: a Frente Popular, cm 1938, na qu_al, junt~ .c<;>m o Partido _Ra- membros e por sua potencialidade de crescimento. O partido MAPU,
dical (majoritário) agruparam-se os partidos socialista e comunista, proveniente da DC, integrou-se na Unidade Popular desde sua cria-
conseguindo a vitória presidencial; a Fre(!te do Povo, em 1952, que
ção. Um novo grupo, a Esqu~rda Cristã, de fg~al orige~, ~g!cgou-s.e
agrupo o PC, uma fração do PS e o Partido Democrático, para levan- em 1971. Tais setores se defimram como socialistas e comc~diram cm
tar a primeira candidatura presidencial de Allende; 61 e a Fr_ente de reunir forças junto aos outros partidos progressistas. Representavam
Ação Popular (FRAP); criada em 1956, e int~gr~da pelos ~aru~o~ so- contingentes relevantes de intelectuais e abriám as portas para at~air
cialista e comunista, que sustentou duas candidaturas pres1dcnc1a1s de novos setores médios e proletários refratários ao pensamento marxista
Allende, em 1958 e 1964. tradicional. Estes grupos trouxeram novas dimensões, idéias e valores
Houve uma diferença fundamental entre a experiência da Frente ao projeto político da UP: .
Popular em 1938 e as que se seguiram. ~a primeir~, o Partido Radical As divergências estratégicas existentes entre os part1do_s da UP re-
foi majoritário e dominante e os partidos marx1st!1s, elementos. de percutiram no interior da aliança e afetaram o desenvolvimento dos
apoio. A partir de 1956, ao contrário, com a formaçao da FRAP, im- acontecimentos posteriores. .
pôs-se um projeto político autônomo dos partid~os de esquerd~. Es~c As maiores disparidades com a linha_geral da UP provinham do
último projeto culminou, em 1969, com a formaçao da UP; que mclutu PS. Para explicá-las é preciso referir-se a dois precedentes históricos,
também o Partido Radical, mas desta vez com hegemonia de comu- nesse partido: a definição da linha política da "Frente de Traba~ha~o-
nistas e socialistas. res" em 1957 e a ênfase colocada na via armada em 1967. 63 A pnmetra
Também é importante levar em conta a prolongada vida poli~ica
do PS e do PC. Suas primeiras expressões remontam a 1900, nas mmas
62 "A seu seio (oPS) afluem as diversas correntes do pensamento r~volucionár!o da ~:
poca - marxistas, anarquistas, social-democrata~, naciona}-popuhstas, trotsk1sta_s...
61 Naquela ocasião, o Partido Socialista sofreu uma divisão e um setor apoiou o ca~di-
Altamirano, C., 1977, p. 21. C. Altam1rano foi Sccrctáno Geral do PS a partir de
dato populista Carlos lbanez, que foi_eleito Presidente. Esse setor do PS (o Parl!do
1971. ·
Socialista Popular) retirou-se .d 9 Governo poucos meses depois e só em 1957 voltou 63 A primeira ficou definida no chamado Congresso da Unidade, cm 1957, e a segunda,
a unificar-se com o setor que apoiou Salvador Allcndc. no Congresso XXII do Partido Socialista cm 1967.
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definição teve sua origem nos resultados frustrantes das alianças com ria no Parlamento, a UP também não esclareceu como se relacionaria
os partidos de centro ao longo do período 1938-52. De sua participa- com a DC para enfrentar de maneira positiva a função legislativa.
ção na Frente P?pular e no Governo, que lhe sucedeu (o de J. A. Rios, Supôs-se que, chegado o momento, conseguir-se-ia alguma forma
~o PR), setores importantes do PS concluíram que suas posições poll- de entendimento, como no passado, arite cáéia projeto importante.
tlcas unham pouco peso. Esta convicção levou-os, primeiro, a retirar- Mas a DC, quando foi Governo, conseiuiu acordos no Parlamento,
se do Governo de J. A. Rios (1941-46) e a não apoiar o candidato radi- por sua capacidade de manobrar em direção da esquerda e da direita.
cal que lhe sucedeu ( 1946-52). Desta experíêncía surgiu a tese da Fren- A .UP não tinha essa possibilidade e só podia mover-se em direção ao
te_ de.Trabal~adores, linha p~lítica que procurou recuper_ar a autono- centro . Em 1970, primava na UP uma atitude rígida contra os acordos
mia dos partidos representativos da classe operária. O PC, ao contrá- políticos, embora existissem, nesse momento, condições favoráveis
rio, persistiu numa política de alianças amplas, inspirada na linha da para consegui-los, condições provenientes da primazia conjuntural
"liberação nacional" com que se pretendeu enfrentar o facismo nos dos setores progressistas na DC, encabeçados pelo candidato desse
anos 1930 e 1940. As diferentes linhas provocaram um distanciamento partido, R. Tomic. A exclusão de um entendimento estratégico com a
dos dois partidos no período que se seguiu à Segunda Guerra Mun- DC repercutiu, também, no plano tático, limitando os acordos especí-
dial, que s~ foi superado em 1956 com a criação da FR;\P. Contudo, ficos. ·
estas definições marcaram no PC uma atitude mais inflexível em rela- As divergências dentro da UP e as rigidezes em relação à DC eri-
ção àquelas alianças políticas que deformaram seus objetivos. A pró- gir-se-iam cómo obstáculos para o êxito da via institucional.
pria incorporação do PR à U P encontrou, inicialmente, resistências no
PS.
O segundo precedente das disparidades estratégicas da UP foi a
discussão sobre as opções ou caminhos para o acesso ao poder, que
teve lugar no Congresso do PS de 1967. Os textos aprovados indica-
ram a via armada como via correta para a realidade chilena. 6~ Nestas
definições influiram a revolução cubana, as derrotas sofridas por
Allende em 1958 e 1964 e, por último, a própria linha do PS, refratária
às alianças, que, em certa medida, isolou a esquerda .
. Mas estas disparidades não conseguiram alterar, em 1970, a con-
cepção fundamental da via institucional, cuja vigência não foi um
acordo político de última hora, mas sim o resultado de uma prolonga-
da praxis política, reflexo da própria realidade chilena. A luta não sig-
nificou que a via armada adquirisse coerência e vigência, mas sim en-
fraqueceu a capacidade para implementar a via institucional.
.u.n:a última consi~eração é necessária: a UP não contemplou a
poss1b1hdade de uma aliança política com a DC, pois se tratava de um
partido antagônico, que propunha um modelo de reformas que era in-
compatível com o projeto da esquerda. No entanto, sendo uma mino-
64 ··A violência revolucionária é inevitável e legitima ... Constitui a única via que con-
duz à tomada do poder ... (As formas pacíficas ou legais) o PS as considera com o ins-
trumentos limitados de ação, incorporados ao processo político que nos leva à luta
armada", cit. em Altamirano, C., 1977, p. 28.
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