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Dlamsto] Ble s7 em Nelson Brissac Peixoto & filésofo, professor do Programa de Comunieagio e Semidrica da PUC/SP eee a ne eee urbanism. Autor dos livros America, paisigens ur- eee ene os ree rece tee eer tee te Preece eee et ey creer Geen Mapear em grande escala Nelson Brissac Acestrutura urbana descontinus e variével das cida- des contemporaneas torna problematico todo mapea- mento. Como castografar esta geometrin de atividades econdmicas em mutacZo, uso indefinido do solo, econo- mia informal sempre se deslocando ¢ bruscas mudangas populacionais? Uma configuragéo urbana em constante alteragao devido & consecutivas operagées de implanta- fo de sistemas de transporte, em geral desauticulados. Profundas desarticulagdes no tecico urbano ¢ social, se- guidas de remangjamento ¢ reconfiguragdes em outros modos, gerando um territério difiso, desprovido de deli- mitagdes precisas entre os diferentes recortes © usos do espaco. Uma zona indefinids movente. © espaco demareado por monumentos, radiais ou fronteiras implica em visio de longe, distincias invarié- veis em relacio a referencias inertes, perspectiva central Aqui se dé 0 contrétio: estar muito préximo, no poder mais ver, ficar sem referéncias. Uma variagio continua de orientagées, ligadas & observacio em movimento. O espago nio € visual: nfo hi horizonte, nem perspectiva, nem limite, contorno ou centro, Nao ha distancia inter- medifria: estamos sempre no seu interior, no meio. E.a questio de uma frota naval: no se vai mais de Ponto a outro, mas se toma todo o espago de um ponto ‘qualquer, Nao se trata mais da travessia de um oceano ou continente, mas de um deslocamento sem destinagéio no cespago € no tempo. Ocupar um espago aberto, com um movimento turbilhiondrio cujo efeito pode surgir de qual- quer ponto, Perde importincia a localizacio geoprafica: trata-se de se espalhar por turbuléncia no espago, ocu- pando-o em todos os pontos! 8 © 2005 ‘Um outro tipo de percepgfo afirma-se aqui, A as- tronomia criow um padrio de localizagéo para quem esté sum espago sem referencias: a observagio das estrelas. Ela estabelece pontos fixos. Aqui, porém, 0 observador esti sempre em deslocamento, sem referncias estéveis Nio se percorre este espago como © marinheiro, com uuma carta astrondmica, mas como o ndmade ou o subma- ino atémico: sem pontos fixos. Ocorre uma perda das escalas fixas. Nao e tem mais como medir os elementos a partir de seu Iugar numa mensio qualquer. As referéncias nfo tém um modelo vie sual, que possa servir a um observador imével externo. “Temos agora miltiplas medidas relativas a igual niimero de observadores em deslocamento. Percursos continuos « sem destinaco em espacos nfo demarcados: tudo 0 que se tem sfo diferenciais de velocidade, retardamentos e aceleragdes. Sobreposigio e deslocamento das escalas Fazer outras conexdes entre locais que parecem afastados e desligados uns dos outros. Impossivel cartografar este espago desprovid6 de de- limitagGes. Os limites tragados pelas regides administrat- vas ou pelas vias de transporte ado servem para contornar esses fluxos imperceptives, estas relacdes de proximidade ¢ distancia, que se fizem independentemente de toca mé- trica, Sao relagGes ndo-localizdveis, Tervtérios que se a= mam ¢ se dissolvem por ajustes paulatinas e locas, dife- rengas que fizem variar uma mesma distancia: dissolagio das escalas que balizavam a percepgio da metrépole, O territério passa a ser a distfneia critica entre as situagbes A questio das grandes dimensées poderia ser colo- cada ass sm que mapa desenhar essas propagacées, 02005 esses movimentos imprevisiveis? Trata-se da relacfo en- treo local e 0 global. Como passar de uma escala a outra? A esxploragio intensa de localidades singulares e vizinhan- as delicadas, lugares particulares cujo afastamento ga- rante a dimensio giobal do mapeamento. Por prolonga- mentos curtos ov mais longos, um fluxo que constréi 0 mundo lugar por lugar’ ‘As situagées so sempre locais © pontuais, Impossi- vel abarear de outro modo extensées to vastas, descomu- ais, Apenas pela justaposicdo, pelo desdobramento de uma coisa a outra, por linkagens paulatinas e progressivas, vaie se abarcando uma area mais extensa. Ima tessitura que liga lugares vizinhos e os distribui ao longe. Estes cami- nhos entrecruzados produzem um campo ampliado por expansées € prolongamentos imprevistos. Como cartografar um mundo sem fronteiras, sem medida, sem limites? Trata-se de um atlas que vai sendo desenhado por esses entrelagamentos, por conexdes ¢ in- clusées contfnuas, Espairando-se cada vez mais longe. ‘As distancias sio substituidas por novas proximidades, redistribuidas segundo outras conexdes. Proximidades que de modo algum mimetizam a realidade do terreno, mas que permitem novus passagens, outras interagées, ‘As imagens de sobrevdo séo ainda imediatamente espaciais, pressupéem um ponto de vista privilegiado, re- feréncias constantes. F preciso mapas que tragam tanto as alteragGes répidas das coisas quanto as mais lentas e profundas, geol6gicas. Em vez de uma arquitetdnica clés- sica, ligada aos sélidos, fixa, pesada, uma carta das passa- _gens, capaz de compreender reas em convulséo, em trans- formagio continua. Uma nova cartografia surge deste des- dobramento, um novo espaco formado por essas inusita- das rearticulacées. ‘A metr6pole constcui-se num campo desmedidamen- te ampliado, para além de toda experiéncia individual, Nenhum aparato visual pode articular seus pontos. Nao hi qualquer seqiéncia possivel, nenbsuma continwidace do te- cido urbano. Um espao que nenhum gesto pode cerzit, que nenhum dispositivo téenico pode integrar. Como confrontar essas extensées sem contornos nem Mapear em grande escala limites? Trata-se da apreensdo de dimensées que esca- pam por completo experiéncia humana individual, A nogo de ‘scanning? foi introduzida por Carl Andre ¢ Robert Morris como um modo de ver em grande escala, enfatizando a horizontalidade ¢ a distancia. FE. um tipo de ‘observagio que, em vez de fixar-se num objeto, se faz percorrendo horizontalmente uma area, Se faz por varre- dura, A distincia se impSe para cada objeto, o horizonte valendo tanto quanto 0 centro‘, ‘A varredura é também um modo de observagio pré- prio do radar e dos satélites. Sistemas de ver possiilitados por equipamentos avancados de observacio. Para grandes extensies, escalas transcontinentais, planetérias. A. varre- dura ¢ um dispositive que no corresponde mais ao dispo- sitivo ocular, organizacio do espaco feita pelo olho, A visio periférica, lateral, horizontal, em vez do foco centrado, num objeto, serve para enfrentar a grande escala, ‘Um modo de ver jé exigido por configuragées pré- histéricas, como as linhas de Nazca, Essa trama de linhas tracadas numa planicie desértica, pelo simples método de retirar pedras, feita ha cerca de 10 mil anos, provoca im- pacto quando vista do alto, mas & quase invisivel do cho. Aqui sto as condigbes da percepclo nessa escala que inte- ina Mortis. De perto, diz ele, as linkas simplesmen- te ndo se revelam. FE sé a0 nos colocarmos numa linha, de ‘modo que ela se estenda até o horizonte, que elas ganham alguma clareza. Aldi disso, essa definigio s6 ocorre a longa distin- cia, quando o efeito da perspectiva comprime 0 alonga- mento ¢ reforca os lados. E. s6 olhando para frente, em vez de para baixo, por causa da grande extensio das li thas, que as irregularidades desaparecem e 0 padrio ratilineo emerge. Iss0 se d4 quando, posicionados nurma linha, a vemos encontrar 0 horizonte perpendicu- Jarmente, Essaslinhas instigam uma cbservacio do espa- 60, no de objetos ‘Uma vez que essas formas so tio grandes, pratic ‘mente incompreensiveis do solo, elas pressupdem uma overview. Contradigéo intrinseca @ grande escala: a visio do observador é pressuposta, pandptica, capaz de abarcar 9

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