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Georg Rusche e

Otto Kirchheimer

,..,

PUNIÇAOE
ESTRUTURA
SOCIAL
2.2 Edição

Instituto
Carioca de
Criminologia
~
lhante. Considero esta manipulação lenta e diária dos mistérios da
mente infinitamente pior que qualquer tortura física; isto porque as
marcas horríveis não são palpáveis para a vista ou para o tato como
as cicatrizes na pele, porque suas feridas não se encontram na
IX.
A reforma moderna do cárcere e seus limites
superfície e porque arranca gritos que os ouvidos humanos não
podem ouvir; por isto eu o denuncio como um castigo secreto que
a humanidade em sua letargia não tem conseguido deter,,48 . 1. Aumento do nível de vida das classes subalternas
A experiência mostrou que a prisão celular foi um fracasso. Um e seus efeitos sobre a política criminal
método adaptado para um indivíduo excepcional, criminoso ou não, As condições de vida das classes subalternas na Europa melhora-
não é adequado para a reabilitação de uma coletividade de indivíduos ram consideravelmente na segunda metade, e especialmente no último
normais. O entusiasmo dos escritores contemporâneos quanto às pos- .quartel do século XIX. A Europa ingressava então num período de
sibilidades oferecidas pelo confinamento solitário para o desenvolvi- prosperidade que duraria até 1914, interrompido apenas por crises
mento do indivíduo esconde a ausência de qualquer tentativa de com- menores. A participação das massas no consumo de bens que lhes
bater as causas reais que conduzem ao crime. Pode ser verdade que eram inacessíveis foi conseqüência, em parte, do incremento dos ní-
este método depunição leve à salvação espiritual de uns poucos, mas veis de remuneração e, em parte, da produção em massa 1LÇla.Pl1.!!ID.
para a maioria dos condenados ele significa apenas doença, loucura e observa que a elevação dos salários na Inglaterra em fins do século
agonia e os mantém mais desesperançados. Os defensores da prisão passado não estava limitada ao salário médio nas cidades, mas benefi-
celular consideravam o estrago infligido na maioria dos condenados ciou também as mulheres e os trabalhadores rurais 2 . Sée faz a mesma
como uma conseqüência inevitável do método, mas na realidade os observação sobre a França, onde os salários cresceram lentamente até
danos foram consideravelmente maiores que os benefícios. O 1860 e muito mais rapidamente depois desta data3 . Na França, à parte
confinamento solitário, sem trabalho ou com um trabalho puramente fatores operativos presentes na Alemanha e na Inglaterra (tais como
punitivo, é um sintoma de uma mentalidade que, como resultado do exce- melhor organização das classes trabalhadoras, progresso tecnológico
dente populacional, abandona a tentativa de encontrar uma política racio- e produção em massa de bens de consumo), outro fator desempenhou
nal de reabilitação, ocultando este fato com uma ideologia moral49 • um papel decisivo na melhoria das condições das classes subalternas,
notadamente a baixa taxa de natalidade e o conseqüente decréscimo de
oferta de mão-de-obra, levando a um aumento dos salários durante o
48 Dickens. American Notes (Scribner's ed., Nova Iorque, 1926), p. 305-6; cf.
período da expansão industrial. Na Alemanha, a industrialização come-
p. 316-17. Seu protesto foi um argumento poderoso nas mãos dos 0P<1sitores çou mais tarde que em outros países do ocidente, mas as condições de
do sistema Pensilvânia e provocou uma discussão acalorada; ver J. Adshead, vida melhoraram de todo modo. Mais facilidades de transporte cria-
Prisons and Prisioners, Londres, 1845, p. Ú9; Sutherland, op. cit., p. 384. ram automaticamente um ajuste entre os níveis de vida nas várias regi-
49 Ver MittelsHi.dt, op. ciL p. 30-31, que parcialmente reconhece o estado ões de um mesmo país. Diferentemente da situação no século XVII,
real dos acontecimentos. Se o isolamento completo por um período de era praticamente impossível encontrar prosperidade econôrnica numa
tempo tem um efeito bom ou prejudicial, escreveu ele, depende da psicologia parte e fome numa região vizinha. Ademais, os governantes começa-
da pessoa, então completamente abandonada a si mesma. Quando a mente
e o espírito se enriquecem com uma certa quantidade de inteligência,
sentimento e cultura ética na solidão, o preso, independentemente do quanto
IVer as observações de Kulischer, op. cit., II, p. 426.
possa estar embrutecido pelo vício e pelo delito, dispõe de tudo o que
precisa para não se perder, além de ter uma razão suficiente para meditação. 2 Clapham, op. cit., II, p. 285, 461 e 464.
Quanto tudo isso falta, entretanto, o indivíduo é confrontado com o vazio. 3 Sée, op. cit., II, p. 508.

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ram a remediar a pobreza durante os períodos de crise. Um sintoma


1 os tomou-se indesejável e descompassado em relação à época.~or:ms,
importante da melhoria do nível de vida é o declínio da emigração no um economista francês, resumiu numa única frase, em 1870, a condena-
exato momento em que a expansão colonial e o desenvolvimento do ção tanto do efeito daninho de leis contra a.usura quanto dos métodos
continente americano ocorriam. irracionais de se lidar com o crime: afInnou que a vida e a liberdade
A influência desse desenvolvimento econômico na criminalidade deviam ser vistas como o bem mais valioso diante da mudança para a
').
tomou-se logo perceptível. Pike,j1ij>toriador da lei penal inglesa, observou modema produção industrial. Concluiu que encurtar os dias de um cida-
que a prosperidade e o aumento'constante do emprego nas fábricas, aju- dão ou prolongar seu encarceramento irracional sem uma razão incontes- ·
dados talvez por outros fatores, suavizaram gradualmente aquele espúito tável num momento em que todos são vistos como produtores responsá-
de violência que inicialmente emergia diante da mais leve provocaçã04 . As veis, pelo menos moralmente, constituiria uma perda de forças para a
estatísticas criminais do período dão a mesma impressão. O número de sociedad.e....I:onge de ser útil, o encarceramento seria um atrasos. Muitas
delitos e condenações decresceu em toda parte, ou pelo menos permane- vezes se destacou que a noção de ser indesejável o desperdício de capital
ceu estacionado, como mostram as seguintes tabelas (note-se que elas social investido em membros da sociedade era uma das forças motivadoras
não são totalmente comparáveis). para os primeiros programas assistenciais. Também se enfatizou a políti-
O valor da for- ca de prevenção criminal que os pensadores do Iluminismo haviam reco-
ça de trabalho huma- mendado, de início, como o melhor caminho para sustar as investidas
na era visto nova- contra os direitos de propriedadé.
mente numa outra A atit!Ip~Ji1J_erªL~I2rogres.sj.sta..9..u~ infltlençiºll.lAs~t e outros
A. Alemanha: B. Inglaterra: Pesso-
as processadas em
ótica. É verdade que reformadores em todas as partes do mundo recebeu sua expressão
Condenações
por pequenos Assizes, Quarter Ses- a população havia principal nlLfilº.~ofia natu.ntl i§t':u:la segl,!!1da m~tªd~oQQ ~~~lJlº XlX .
tu rtos, apenas sion e Summary Couts crescido considera- .!::~i.._.por exemplo, diz que depois de 1850 a filosofia naturalista,
adultos imputá- por delitos contra a velmente no século impelida pelos novos dados das ciências experimentais, tinha "dissipa-
veis penalmente propriedade sem vio- XIX e que o perío- do completamente os véus morais e intelectuais deixados pela Idade
(por 100 mil ha- lência (por 100 mil ha- do dé escassez de
bitantes)
Média", e que "a destruição das velhas ilusões antropomórficas" tinha
bitantes)
trabalho havia apa- dado vez a uma fértil "vitalidade do novo conhecimento experimen-
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rentemente desapa- tal"7. Qs. l efQrmadores acreditayam. g!:!~º l19.ll),em p_Q.c!.~jn:ll1.!.~.r!ciªr.9
1882-84 241 200 recido para sempre; desenvol~i.!llentº-hllJ:llano, as~im com9.p0.9.í? dOIpi!1~.. ~.natur~:?~, e
mas a imensa expan- que o crime pode ser combatido por uma política social adeqt,Iada. A
são da produção in- força do determinismo, eles pensavam, mostraria a inadequação dos
dustrial da era do métodos vigentes de luta contra o crime, com seu caráter puramente
imperialismo só po-
1910-13 173
deria favorecer uma
absorção máxima da 5 E. Worms. Les .mp.j2orts 4Kgmi.t pi.!y~l a.Y.li.cJ.' 4,Ç2..nomi~p()litique. Paris,
Fonte: R.Rabl,Strafzu- 1870,p.19.
messungspraxis und Ki- Fonte: Calculado do anuá- força de trabalho. O
encarceramento ir- 6 Exner, op. cit, p. 24. Deve-se lembrar que o segundo quartel do século
minaltatsbewegung , rio Criminal Statistics.lngla-
(Leipzig, 1936), p.13. terra e País de Gales. racional de indivídu- XIX foi o período florescente do tão propalado Kathedersozialismus, e o
período em que a legislação social trabalhista foi primeiramente introduzida.
7 E.Ferri. Criminal Sociology, trad. J. L Kelly e John Lisle. Boston, 1917,
4 Pike, op. cit, II, p. 387. p.566-69.
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retributivo e seu princípio de estrita equivalência entre a punição e o cri-
me . .r.!ins, o principal representante belga da nova escola, disse que os Os novos reformadores criaram, portanto, a ilusão de que uma prática
magistrados perderam-se em operações aritméticas, em cálculos compli- penal específica é conseqüência de uma teoria penal específica, e que
cados, em fórmulas legais e em distinções acadêmicas, de tal forma que para demolir a teoria é necessário pôr a prática num bom caminho. O
~ eles esqueceriam o impacto social de sua função. gjl1~~~~~I1tinua º caráter sedutor de qualquer teoria penal unilateral repousa na falsa es-
perança de que esta teoria tornará possível uma praxis clara e inequí-
. autor, que nem a legislação francesa de 1810 nem a belga. de 1860 conce-
~iam a lei penal como uma ciência social a ser copstruNª a partir do
voca. Desse modo, estaremos invertendo as coisas, caso atribuamos
e.studo dos fatos sociais8. E, para esses reformadores, a criminologia era um poder imaginário à doutrina sobre a realidade, ao invés de compre-
essencialmente uma ciência social. Liszt, líder da escola de reformadores ender a inovação teórica como uma expressão de uma necessidade ou
alemães, definiu o crime como, de um lado, um produto necessário da de uma mudança já acontecida na praxis social.
sociedade na qual vive o criminoso e, de outro, um produto do caráter do .JAl1to os princípios de proporcionalidade 9,..uanto os métodos re-
criminoso, em parte hereditário e em parte desenvolvido através de sua liu-ªdos,de processo penal foram produto das r;~oiuçõ~~ b~~g~~sa~. A
experiência9. Dtratamento dQSj::Qn~!111d-º-s,_POJ1ill!tQ,não de.ye ser pri- formalização da justiça criminal representou um avanço nos países da
meiramente feito de acordo com o ato do delinqüente, mas sim a partir da Europa central, onde as forças do absolutismo feudal mantinham ainda
'J consideração do ato como um indício de sua personalidade. muito do seu poder, assim como nos países da Europa ocidental, onde
o poder político era há muito objeto de luta entre diferentes grupos ~A._.
Uma comparação entre o processo criminal, que se estava modifi-
JnçL~illmQ,~ncia ciojuctiçiário ea raCiQrHÜi~(l.Ǫo dª lei penªl eram exce-
cando constantemente, e o direito penal estático levou. os novos
l~ntes armas na luta cOJ?tra os resíduos do feudalismo e da burocracia
reformadores, posteriormente, a um julgamento negativo deste último.
-ªº~Q!!l!L~tJ.. A campanha do judiciário prussiano, durante todo o século
_Prins_~ão compreendeu, as~, a verdadeira relação entre direito e pro-
XIX, contra a interferência do governo nos casos de atos ilegais, por
cesso penal, quando explicou o caráter estático da lei substantiva como
exemplo, não era mais do que uma etapa dessa luta l2 . O refinamento
baseado na inércia intelectual e na ineficiência 10. Segundo sua concepção
dos métodos processuais era um dos caminhos mais efetivos de pro-
teórica, a força repressiva negativa assume um aspecto positivo. A puni-
teger a conquista e a extensão do poder econômico através de meios
ção deve desempenhar uma função educativa e representar uma lição
algumas vezes questionáveis, mesmo do ponto de vista das classes
para o futuro, devendo ser, assim, incorporada a um programa amplo
dominantes. NalJ.!w. contra as çlit~_ses subalterna_~,-pºLQ!Jl(QJª-do...a
para elevação do nível moral da sociedade. Muito embora acrítica ao
in~~l1dê1l..ÇÜLd0j].ldiGiáriQ., que na prática atendia às classes domi-
caráter metafísico e retributivo da punição nas doutrinas clássicas pareça
nantes, revelava-se como um obstáculo não tão grande assim, a des-
ser justificada, a mudança de ênfase nos objetivos idealizados da punição
levou os reformadores para mais longe da realidade social.1"l"-º~seus at<!:.
qJlJ~~s.-ªPQsição cláss~cª,QsJ~Qriçº1>m()Q~mºs. ac_eI1tuarnª bar!i<irie.e o. 12 Um quadro brilhante desta luta e seu fundo econômico podem ser

atraso cultural que consideravam ser a conseqüência prática das doutri- encontrados em E. Kehr, "Genesis der preussischen Bürokratie und des
nas retribucionistas. Eles se esqueceram de que, em sua época, os teóri- Rechtstaats", Die Gesellschaft, IX (1932), 101-19. A exposição detalhada
cos clássicos também se opuseram à prática penal desumana vigente II. em A. Wagner, Der Kampf der Justiz gegen die Verwaltung in Preussen
(Hamburgo, 1936), distorce completamente os princípios desta luta. Revendo
o livro no Zeitschrift für die gesamte Staatswissenschaft, XCVII (1937), p.
ÜA . Prins. Criminalité et repression. Bruxelas, 1886, p. 86-87. 370, E. R. Huber diz: "A justiça administrativa é uma instituição que apóia a
9 F. von Liszt. Strafrechtliche Aufsiitze und Vortriige. Berlim, 1905, II, p. 3. integridade da prática administrativa. Por sua própria natureza, não tem
10 Prins, op. cit., p. 113.
nada a ver com a proteção de direitos subjetivos de indivíduos contra o
II Hall, op. cit., p. 184 e 192.
Estado". Esta abordagem é sociológica e historicamente falsa, porque o
conceito de "natureza" não faz sentido neste contexto.
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peito do formalismo do método. Em países como a Inglaterra, foram do judiciário também mudou. A atitude liberal que sempre encontra-
mantidos processos patriarcais informais para pequenos delitos, vale mos entre os juízes na primeira metade do século XIX deu lugar a um
dizer, para os crimes das classes subalternas. O mesmo resultado foi conservadorismo preciso, depois da reconciliação da burguesia com a
alcançado em outros países pelo fato de que um processado sem mei- burocracia e com os interesses agrários, e a ideologia de independên-
os não tinha condições de assegurar a assistência de um defensor. É cia gradualmente se tornou uma camuflagem para a luta contra as
interessante notar, nesse caso, que a instituição da defesa gratuita nunca classes subalternas. A orientação da lei penal foi afetada por essas
se afirmou na Alemanha, França ou Inglaterra de modo que se pudes- mudanças. "A melhora das relações entre os cidadãos e a leí", como
se falar de igualdade entre os vários estratos da sociedade no exerCÍ- _.Richard Schmi<itnomeou essa unificação de interesses no interior das
cio dos direitos legais 13 . Foram criados tribunais especiais ou lei mar- classes dominantes 15, solapou a função políÚca do sistema de garanti-
cial para a repressão rápida e efetiva das tentativas organizadas de as legais que havia estado presente desde fins do século XVIII. Não
revolução social, como ocorre depois da derrota da Comuna de Paris era mais necessário proteger a burguesia contra a arbitrariedade do
em 1871 14 . governo, agora que os dois estavam amplamente identificados. A ul-
O final do século XIX marca o encerramento do período de an- trapassada questão política de proteger o indivíduo no processo crimi-
tagonismo entre os últimos remanescentes do feudalismo e a nova nal tomara-se um problema de mera técnica legal.
classe burguesa, que lutava para assegurar o controle da máquina do Essa mudança nas bases políticas coincide com o desenvolvimento
. governo e da administração. Tornou-se, assim, cada vez menos ne- de uma abordagem ~ociológica da lei penal. Pesquisas estatísticas sobre
cessário continuar o processo de formalização da lei penal como ga- . as relações entre as taxas de criminalidade e flutuações económicas reve-
rantia de posição social e económica. O significado de independência lavam o grau em que o crime é simplesmente um fenômeno social. Ade-
mais,.-CLpmblema dos métodos punitivos p.ão era mais visto como um
problema de manutenção de um proporção justa entre o crime e a pena;
13 Muitas das leis existentes tornam a defesa gratuita acessível somente em
ele era ag9rª ~xarninado a partir d.o r>0I!to~e ~ist~~o ~~~o_~o_criminoso,
situações especiais, tais como casos de reincidência e casos sob jurisdição
de tribunais especiais. Na grande maioria das vezes, nenhuma ajuda legal _a expectativa de reabilitação e as precauções que deveriam ser tomadas.
está disponível para os delinqüentes pobres e, portanto, não há defesa Levada a extremos, essa abordagem significaria que em casos comuns o
efetiva. Para a Alemanha, vejam-se os termos restritivos do parágrafo 140 crime evidencia a necessidade de transferir o delinqüente para uma insti-
do Código do Processo Criminal. Para a França, ver R. Garraud, Traité
d'instruction criminelle, VI (Paris, 1929), p. 131. As condições na Inglaterra
r tuição de caridade bem organizada. O juiz ideal seria aquele plenamente
consciente da responsabilidade da sociedade no delito; absolver .o delin-
são muito similares, a despeito do Ato de Defesa do Prisioneiro Pobre, que,
qüente pobre da culpa de furto, e dar-lhe condições econômicas para
teoricamente, dispõe a defensoria pública gratuita em alguma medida; ver
as observações de Solicitor, English Justice (Londres, 1935), p. 214, e sua recomeçar 16 , Os pensadores mais representativos da criminologia socio-
crítica baseada nas estatísticas de 1935 no The New Statesman and Nation, lógica não foram tão longe assim, entretanto. Eles se contentaram em
XIV (1937), p. 828-29. De acordo com o Criminal Statistics, England and exigir uma limitação da política social e em advogar uma permanente
Wales 1934, p. 150, emitiu-se um total de 237 certificados de ajuda legal nos racionalização da justiça criminal sob a dominação exclusiva dos pontos
tribunais de jurisdição sumária (Courts of Summary) em 1934, ou seja, em de vista !teOlógiCOS] Os criminosos que não necessitam de correção e
1,1 % de todos os casos onde se fez uso da defesa gratuita.
supervis~érr~m ser mantidos fora <;las priS?~ através de um uso
14 Na Inglaterra, a consumação do estado de lei marcial como uma mera
LI> .~ \)\-1' .\~. "->-, ~!~/·\\.>.S\ : ~
situação factual possibilitou a criação de tribunais especiais através de
leis especiais ou de desnecessários decretos de emergência; ver E. C. S. 15R. Schmidt. Aufgaben, p. 265.
Wade e C. G. Phillips, Constitutional Law (ed. rev., Londres e Nova Iorque, 16Ver, por exemplo, J. Vargha, Die Abschaffung der Strafknechtschaft (Graz,
1935), p. 335-39. 1897), II, especialmente p. 460 e 578.
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extensivo de penas alternativas como a liberdade vigiada (probation) e vinculação irreversível entre as teorias dessa escola e o declínio do
fianças (objeções administrativas a este sistema de liberdade vigiada fo- formalismo no direito penal. Se o crime é primordialmente um indicador
ram confrontadas com as vantagens econômicas advindas desses proce- para um conhecimento mais íntimo da personalidade do delinqüente, na
\ v,t,.dimentos). As penas de curta duração foram condenadas. "Não há nada questão do tipo de crime cometido, ou da reincidência, se for o caso, a
mais imoral e mais absurdo", escreveu Liszt, "do que as sentenças curtas avaliação é feita em conjunto com o enfoque mais amplo da política cri-
de encarceramento para aprendizes do crime"l7. Os criminosos aRtos à minal, enfoque que definitivamente enfraquece a concepção formalista de
recuReração deveJiam ser mora1mente_ r~~d!Jcados ç.om a máxima dili- direito penal.
.t" " géncia. A concepção de culpa social envolvia a idéia de garantir a volta do Richard_Schrnidt tem razão em atacar a noção de Radbruch de que
.' maior número possível de forças produtivas para a sociedade 18. A reabi- o liberalismo encMa a punição tão-somente do ponto de vista da seguran-
',~ , litação de condenados é, assim, vista como um bom investimento, e não ça da sociedade, e que a punição estritamente repressiva pertence ao
apenas como uma caridade. Um condenado deveria ser banido da socie- enfoque dos conservadores21. _~çbmidt sublinha que a supressão radical
dade por um período indeterminado somente quando não houvesse ne- de criminosos de origem proletária, o lado mais absolutista de um sistema
nhuma perspectiva de recuperação. Essa idéia de criminalidade como um penal centrado na segurança da sociedade, seria calorosamente bem rece-
fenômeno social que pode ser ajustado por medidas apropriadas recebeu bido por muitos militaristas, fazendeiros, capitalistas e círculos rurais da
uma formulação própria a partir del~ns.: burguesia. Desenvolvimentos mais recentes têm confirmado plenamente
Se o crime ocorreu por acaso, como um vento uivante sobre um pânta- esta interpretação. É significativo que os aspectos menos liberais do pro-
no à noite, a justiça só estará habilitada a responder de forma fortuita. grama de reforma, como a detenção preventiva e todas as outras formas
Este não é o caso. O crime tende a concentrar-se num círculo definido não violentas de render prisioneiros, tenham sido realizados muito mais
que se contrai e se expande sob a influência da prosperidade e da amplamente do que outros, como a reforma carcerária.
miséria. Não vamos tatear no escuro; podemos tentar uma reação com 2. Resultados e limites da reforma carcerária
melhores possibilidades de sucesso 19 .
Antes de discutirmos as tendências mais recentes, precisamos exa-
É interessante notar que os próprios reformadores se esforçaram minar o desenvolvimento da pena de prisão num período relativamente
por manter todas as garantias processuais instituídas desde fins do século próspero, quando a escola reformista estava no auge. No capítulo an-
XVIII, e ao mesmo tempo se mO,straram ardorosos defensores dos prin- terior, deixamos esta questão nas sombras em que o confinamento solitá-
cípios desenvolvidos pela jurisprudência. Os reformados de nossa época rio se encontrava. A nova política assumida pelos reformadores visava
consideraram bem-vinda a separação entre a etapa de determinação da manter tantos delinqüentes quanto possível fora das grades, através do
culpa e a de imposição da sentença; a primeira é para ser confiada a um uso maior de fianças, lançando mão de uma política de liberdade vigiada
juiz competente; a segunda, a um "médico social". Esta separaçãq é o (probation) e, sobretudo, buscando melhorar as condições sociais res-
resultado lógico da tentativa de salvaguardar os interesses tanto do indiví-
duo quanto da sociedadé2o . Entretanto, apesar do apego da escola de
21 R. Schimidt, Strafrechtsreform, p.205-12; cf. Dannenberg, op.cit., p.238.
reforma social-liberal às garantias processuais tradicionais, ocorre uma
Posteriormente, Radbruch assuni.iu essa posição na edição de 1932 do seu Re-
chtsphilosophie, p.16 (nota). É característico que um dos principais ataques
17Liszt. Aufsatze, II, p. 171. do nacional-socialismo contra a escola social-liberal de Liszt seja dirigido
18Este é o ponto sobre o qual T. Herbette, Inspetor Geral de Administração contra o princípio de que o poder discricional do juiz na seleção de medidas
da Prisão Francesa, insiste no Bulletin de ['administration pénitentiaire. preventivas caminha lado a lado com' a estrita adesão do juiz à lei no momento
Mélun, 1886, p.16. de imputar a culpa; ver H. Henkel, Strafrecht und Gesetz im neuen Staat,
19 Prins, op. cit., p. 43. Hamburgo, 1934, p.32. Sobre a conexão entre a escola reformista positivista e
20 S. Glueck. Crime and Justice. Boston, 1936, p. 226; Hentig, op.cit., p.238, a teoria penal alemã recente, ver Hall, op. cit., p.189.
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ponsáveis pela criminalidade. Trataremos desse aspecto mais tarde. . Distribuição em P~rce!:tuais das Sentenças na f\lem~l.Oha
A tabela abaixo mostra as variações da população carcerária na Ano Pena Zucht- Total de Mais de Menos De 3 Prisões Fianças
França entre 1884 e 1932, e na Inglaterra entre 1880 e 1931. de haus senténças 1 ano de 3 meses

A . França: População Carcerária, 1884-1932 B. Inglaterra:


População
carcerária

Fonte: Compilada do Krimina/statistik für das deutsche Reich e do Sta-


tistisches Jahrbuch für das deutsche Reich

A tend.ê ncia a substituir outras formas de punição pelo


t encarceramento foi acompanhada por uma diminuição na duração e na
severidade das sentenças. Isto é claramente demonstrado na tabela
abaixo, que indica a distribuição das sentenças na Alemanha entre 1882
\ e 1934. (Observe-se que o aumento das sentenças para prisão começa
com a crise de 193022 ).
A tendência geral à liberalidade é bastante óbvia. A casa de corre-
ção é substituída por uma sentença de duração média e esta por uma
de curta duração ou por fianças. Essa tendência seria ainda mais evi-
dente se as estatísticas da liberdade vigiada (probation) tivessem sido
apresentadas. Os estudos de RabI mostraram que essa liberalidade foi
aplicada igualmente para todos os tipos de delinqüência23 .

22 Cf. F. Exner. Studien über die Atrafzumessungspraxis deutscher Gerichte


(Leipzig, 1931), p. 23-27.
Fonte: Fox, Mo-
23 R. Rabl. Strafzumessungspraxis und Kiminalitiitsbewegung (Leipzig,
dem English Pri-
son, p. 218-19. 1936), passim.

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pequena mudança no número de
fianças 24 (ver quadros 11 e 12).
O desenvolvimento excepcio-
nal da punição na Itália coincide com
o fato de que o nÚmero de crimes
não mostra a mesma linha decrescen- Ano Fianças Sentenças
te que as outras regiões da Europa25 .
Com a melhoria geral das con-
dições de vida, as condições carce-
rárias também melhoraram. A subs-
tituição do encarceramento com ce-
las individuais para cada condenado,
1927 46.1 16
amplamente difundida, levou à cons-
trução de muitas prisões e ao aban-
dono daquelas vistas como inadequa-
das. A superlotação, com suas con-
seqüências morais e higiênicas, foi
eliminada em parte. A comida me-
lhorou de alguma forma, e voltou-se Fonte: Compilada do Compte général...
a atenção a problemas de saúde. Cor- • Estes dados não incluem infraçóes das
normas alfandegárias, tributárias, de
rentes e outras formas de restrição taxas florestais e de pesca, etc.
física anterionnente necessárias para
a disciplina foram se tomando mais
Fonte: Compilado do Compte général de I'administration de la justice criminelle raras. A conseqüência desses me-
lhoramentos é prontamente vista através das estatísticas de mortalida-
de. Na Inglaterra, por exemplo, o índice de mortes caiu de 1,08 % em
A mesma manifestação na França revela-se na tabela seguinte, 1877 para 0,56 % em 1898, e a taxa de suicídio, de 1,76 % em 1877
que apresenta um survey dos vários métodos de privação de liberdade para 0,7 % em 189626 •
entre 1832 e 1933. As penas mais severas, travaux forcés e réclusion,
24 Compilação a partir da duração do encarceramento e fianças imputadas pelo
diminuíram até a virada.do século, e as sentenças de média duração
pret~ri. tribunali e carti d'assise (exclusivamente para prisões e ammenda). As
também mostraram um declínio em favor das de curta duração. estatlSUCas do Statistica della criminalità não podem ser usadas porque a duração
Depois da virada do século, esse processo chegou aO fim. Uma das penas de prisão não está diferenciada de acordo com a extensão, mas de
maior liberalidade se expressa no uso liberal das suspensões de senten-
ças e no crescimento das fianças (ver quadro 9). A tendência para uma
maior liberalidade é mais claramente revelada na Bélgica (quadro 10).
A Itália é uma exceção a essa tendência. Entre 1893 e 1933,
encontramos um aumento constante de formas mais severas de puni-
ção, um decréscimo no número de sentenças de curta duração e uma
I acordo com o tipo de instituição para a qual foi enviado o prisioneiro, e, também,
porque o último volume, que só foi publicado em 1935, refere-se ao ano de 1928.
25 Escolhemos os dados dos furtos reportados pela polícia, em vez do número
de condenações, porque a política de anistia dos últimos anos torna os dados
sobre condenações inúteis para nossos propósitos.
26 Webb. English Prisons, p. 208-10.

205
204
\ ( .,

!: )_\,~}
,
Foi nessa atmosfera que surgiu a litera-
tura moderna sobre a reforma penitenciária.
A-insistência em tratar o crime comu um pro-
Prisão Prisão de Prisão por blema médico-psicológico, vale dizer, <únsis-
Sentenças
Ano menos de Fianças
suspensas ~ência na necessidade de, se possível, curar o
prisioneiro, ou isolá:)o, caso nenhuma curq
Ano Número
53.6 37.4
_PQssa ser alcançadá~ difundiu-se entre vári-
1887 305
,- os setores da população. De modo que Hugo
35.3 - Haase, ao explicar as demandas do Partido So-
cial-Democrata Alemão no çampo do direito
penal na convenção de 1906, defendeu a po-
62.9 39.2
sição de que a prática comum de, em caso de
furto, inocentar membros das melhores fa-
Fonte: Compilada do Statistique Judiciaire de la Belgique e do Annuaire statistique mílias pela introdução do certificado médico
• Estes dados não incluem violações de regulamentos florestais.
de cleptomania devia ser estendida mais am-
plamente28 . O Rechtsrechtliche Grundsiitze
überden Vollzug von Freiheitsstrafer, umacor- 1933 514
do entre os vários Estados alemães de 7 de
junho de 1923, visando ao tratamento dos de-
linqüentes, foi talvez o exemplo mais notável Fonte~ Compilada do
Ano Fianças de espírito progressista na prática criminal. Statistica de/la crimina/ità

Os criminólogos da escola_ryfoImi~tª rn9Q~IDª-:r:lLantiveram a velha


1893
noção º~ que o nível de vida dentro da prisão deve ser mais baixo do que
<2-nível mínimo fora da prisão . ~nrico ~erri, representativo de um país
pobre cujas classes subalternas raramente participavam da melhoria geral
das condições econômicas européias, expressou uma forte oposição,

\iD Holscher, por exemplo, escreveu em Strafvollzug in Preusen , ed.


Preussischen Justizministeriu (Berlim, 1928), p. 1: "O prisioneiro é condenado,
o juiz sentenciou-o à prisão, o acusado será posto atrás das grades. O que
acontecerá lá? Podemos aceitar apenas uma resposta para esta pergunta: o f.,
direito infringido deve ser expiado; não qu_~_ª-yin~anÇ-ª-JkY-ª-~f;Le](~ta, mas
qJ.lLa reforma e uma mudança_ g~ e~píritº _.§.ej!i~()n~gujçl_a. Esta recuperação
deve ser espontânea e não através da intimidação e de uma disciplina de ferro
que quebra ° espírito, mas através da educação".

Fonte: Compilada do Statistica guidiziaria penale


2sProtoko ll über di e Verhandlungen des Parteitages der
sozialdemokratischen Partei Deutschlands. abgehalten zu Mannheim
vom 23 bis 29 September 1906. Berlim, 1906, p. 376.

206 \-
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em fins do século XIX, a "essa reviravolta do princípio de justiça que Há ainda outra relação entre as condições sociais materiais e a 1\
tomaria as prisões mais convenientes e mais confortáveis do que os possibilidade de reeducação nas prisões, enquanto despertar dos me- I
lares dos cidadãos pobres e honestos, os quais, continuando a ser lhores instintos do prisioneiro, que assume a perspectiva de uma exis- '!
honestos, podem morrer de fome aguda ou crônica, uma vez que a tência material m. elhor·.Nãopoqe haver ql:lalq\l.er b~~e Q~i~ºlqg!c.~ p~a (\ .J
sociedade não lhes assegura comida e abrigo, a não ser quando eles se a reC:llP~~ação quando o prisioneiro sabe que.asociedade não lp.e dá a .
iI· ',,'~~ tomam delinquentes"29. O problema tomou-se menos agudo na virada _possibilidade de uma satisfação normal e legal de suas necessidades. .
do século, porque o progresso da cultura material e a melhoria geral da Os métodos mais progressistas do mundo dificilmente funcionarão
,
"':'r

. vida das classes subalternas possibilitaram uma relativa melhora das para induzi-lo a aceitar voluntariamente o destino de um pobre diabo .
\ condições carcerárias, sem destruir a linha que demarca a vida fora da .0 trabalho carcerário permanece um problema central, a despeito
/. -;."'prisão. Nesse ponto, o desenvolvimento econômico se encaixa nos do fato de haver perdido seu significado econômico rios países de capita-
".' ,;~ objetivos dos reformadores, mas não podemos perder de vista o fato lismo industrial altamente desenvolvido. Em 1894, uma comissão inglesa
'.' de que a insistência deles em sustentaressa linha de demarcação impli- relatou que uma população carcerária não apresenta de modo algum perfil
, ( cou margens estreitas para as possibilidades de recuperação, deixan- favorável para o desenvolvimento do trabalho industrial3l . Isto é verdade,
, do-a à mercê das crises no mercado. Mesmo nos períodos de prospe- a priori, se tomarmos as prisões menores ainda usadas para as sentenças
. ,. ridade, amplos setores da população carecem de forças necessárias na de pequena duração, uma vez. que o número reduzido de internos e o
" luta pela sobrevivência, especialmente nas grandes cidades. As estatísti- rápido rodízio de presos tomam qualquer forma racional de produção
cas criminais não mostram esse grupo destacadamente, mas podemos impossível32 . Não existe a mesma dificuldade em prisões maiores, mas é
t chegar ao problema por um outro caminho. A rubrica "estrangeiros" necessário um investimento em larga escala para que os bens ali fabrica-
,. geralmente revela uma taxa maior de criminalidade do que a média, e uma dos possam competir com os produtos da indústria privada. A oposição
vez que a maioria desse grupo vem dos estratos mais pobres da socieda- ao trabalho carcerário foi tão forte - tanto do mundo dos negóciôs quanto
. \_' de, podemos claramente provar o impacto de uma posição econômica no das trade-unions - que essa atividade ficou limitada a bens manufatu-
desfavorável sobre a criminalidade30 . rados para uso na própria prisão ou nas repartições públicas33 . Ademais,
agora que os carcereiros são funcionários assalariados, eles não têm ne- .
29 Ferri, op. cit, p. 241. Ver também G. Boimeron, Les prisons de Paris (Paris, nhum interesse econômico particular no trabalho do condenado, e este
1898, p. 52), cuja investigação das condições das prisões de Paris em 1891 problema - que foi tão importante nos séculos xvn e XVTII - tem agora
o levou à mesma conclusão. O fato de que sua formulação do problema um quê de passado. O Estado está satisfeito com um retomo parcial de
coincida com as de Béranger (1836) mostra que o problema permanece o
mesmo, a despeito de algumas mudanças nas condições sociais.
º
seus gastos, pelo menos nos livros de contabilidade, e lacl9.pt::pag9gi~0
do trabalho carceráriQ..R.asSOU para o primeiro plano. Um círculo vicioso
30 Isto é particularmente claro para o caso da França, onde a taxa de está criado: a maior parte dos internos era, de fato, composta por operári":
criminalidade entre estrangeiros é o dobro da da população nativa, mesmo
quando excluímos deli~os tais como fraude de passaporte, violações de
ordens de expulsão, etc.; ver Otto Kirchheimer, "Remarques sur la 31Fox. Modern English Prison, p. 89.
statistique criminelle de la France d'apres guerre" , Revue de Science 32 Polenz. "Gefangnisarbeit", Strafvollzug, p. 218; cf. o capítulo especial
Criminelle et de Droit pénal Comparé, I (1936), p. 377-78; E. Hacker, sobre este assunto em A. Mossé, Varietés pénitentiaires, Melun, 1932.
"Statistique comparée de la criminalité", Revue lnternationale de Droit
33 Esta questão foi levantada no Reichtag em junho de 1925: "O que pretende
Pénal, XIII (1936) , p. 305-49, especialmente a tabela da página 329. É sabido
fazer o governo do Reich para proteger o comércio e a indústria da infeliz
que a presença de um grande número de alienados, uma população sem
competição do trabalho carcerário?" (Lubert em Sfrafvollzug,p. 230); ver
reservas e com oportunidades incertas de encontrar emprego, são fatores
também A. Starke, "Die Behandlung der Gefangenen", in Bumké, op~ cit., p.
de crescimento da criminalidade; ver L. Belym, "Un projet de réforme
160; Fox, op. cil, p. 90.
pénitentiaire", Revue de Droit Pénal et de Criminologie, XVII (1937), 249.
208 209
.\

/ "

L
35
os mais ou menos especializados que, pela longa inatividade forçada, dade. Assim, foi introduzido um sistema de pagament0 . Na França,
regrediam do ponto de vista profissional. Dar-lhes meios para sobreviver o condenado recebe parte de seu ordenado em dinheiro, mas a soma é
significa oferecer-lhes instrução profissional; mas isto raramente é feito; determinada por sua sentença e pelos seus antecedentes, de modo que
sobretudo, porque poucas instituições provêm uma suficiente divisão do ele de fato recebe entre um décimo e a metade da soma assinada, um
trabalho. Os condenados são então, geralmente, postos a trabalhar no montante que é indubitavelmente baixo. Uma parte dos salários fica à
, '\ 'i}b . campo, uma solução parcialmente popular nos países fascistas, como disposição do prisioneiro para a compra de suprimentos extras, como
método coercitivo de fazer crescer a produção com um ITÚnimo de inves- em outros países do continente. Essa característica constitui um pon-
':. t.'; ,\.,~. \ :), timento34 ..DJr.abalho ::tg.rícQla~_ou outro tipo de trabalho primitivo, não é . to central de todo o sistema de suprimento carcerário francês.
'& de forma alguma uma resposta para o problema da recuperação, o que
~
A continuidade da tradição é clara. Desdtt Lepeletier St. Fargeau,
normalmente significa que o condenado é solto do jeito que entra na pri- relator de direito penal na Assembléia revolucionária, a ~ossé, autor
() c. \) são, sem nenhum treinamento que possa ampliar suas chances num mundo do mais recente manual penitenciário oficial, toda autoridade aceitava
t~x.~ cada vez mais competitivo. Os investimentos envolvidos, as dificuldades
k o princípio de que a comida da prisão não devia ser substancial, vale
~~V\.~tem encontrar mercado e a opinião pública contribuem para impedir a dizer, ela não devia exçeder à quantia absolutamente indispensável para
i, ~"'- ,~introdução de um programa efetivo de treinamento de mão-de-obra. a saúde. É, portanto, natural que o condenado tivesse a expectativa de
~''J ~à~~'b<' Os salários pagos ao trabalho carcerário enfrentaram a mesma gastar um pouco do seu salário em suprimentos adicionais, com o que
repunha as energias dispendidas durante o trabalho . E:n ger~, 'p~e­
36
. .I ~~ oposição no terreno de sua produtividade em geral. O pagamento de
1"~~
. \:,\'\.1:l ' sa1" . 'filcana
anos Slgru . co Iocar esse trab alh o maiS
. ou menos no mesmo ce correto dizer que as condições precárias das cadelas pnmItlvaS
nível que o trabalho livre. Na Inglaterra, o trabalho realizado por prisi- haviam sido eliminadas, e mesmo as condições alimentares haviam
oneiros costumava ser incorporado ao sistema de progressão, criando melhorado, mas uma grande lacuna ainda separa as ' condições
a possibilidade de encurtar a sentença judicial. Um relatório de um carcerárias da dos estratos mais baixos da população livre.
comissário em 1929 indicava que esse sistema operava meramente A verdadeira natureza do cárcere moderno cria um problema sexual
como um cheque negativo para a má conduta e o ócio, e concluiu que insolt1vel, e~c~t;p~-~~~;-po~cos países como o México e a União Sovi-
alguma forma de salário era necessária para induzir os internos a rea- é~~gue perrnite~ visitas aos prisioneiros. Esta prática envolve não ape-
lizarem a quantidade mínima de trabalho necessária para escapar da
lista negra do ócio, estabelecida para o máximo possível de produtivi-
35 Fox, op. cit., p. 91, sobre um desenvolvimento recente.
36 Mossé. Les prisons. Paris, 1929, 2' ed., p. 140; D'Haussonville, op ..cit, p.
34 Observe-se a contabilidade entusiasmada do trabalho agrícola carcerário 315. Porém, mesmo onde os condenados dependem amplamente do supnme?to
de Wutzdorff numa obra de um oficial prussiano, Strafvollzug, p. 239-40: de comida oficial, como na Inglaterra, o máximo é retido de forma que a corruda
"É impossível não dar aos prisioneiros mais liberdade de movimento dentro não seja destinada a fazer mais do que manter a saúde .0 prisio~eiro. As
da prisão . Sempre haverá um grupo de prisioneiros cuidadosamente descrições das prisões inglesas mostram que muita comida ~estllla~a aos
escolhido para ser mandado para o trabalho fora da prisão, especialmente prisioneiros não chegava até eles devido a uma o~ outra m~mpulaçao; ver
quando se leva em consideração que só o fato de ser permitido sair, em si, Fox, op. cit, p. 114, e a descrição não oficial mas mUlto expressiva em W. F. R.
é uma concessão do sistema penal, de forma que a grande maioria, senão Macartney, Walls Have Mouths (Londres, 1936), p. 122-37. H. Fischer, um
todos os prisioneiros que estão trabalhando fora, pertencem ao segundo observador médico alemão, escrevendo num relatório oficial que. naturalm~nte
ou ao terceiro estágio. Conseqüentemente, eles podem ser vistos como procura enfatizar o lado melhor do sistema penal, co~enta sobre o. carater
liberáveis, e isto pode implicar que eles pensarão duas vezes antes de monótono da rotina carcerária e sobre a desproporçao entre quantidade e
correr o risco de serem colocados novamente no primeiro estágio, ou seja, qualidade; "Gesundheitsfürsorge in den Gefangenenanstalten", in Bumke,
no estrito confinamento por terem fugido ou tentado fazê-lo". op. cit, p. 220-23.
210 211 .
. , ,\ . ,.• 1;
nas dificuldades técnicas, mas também uma manifesta ofensa à moral
oficial e à instituição do casamento, uma vez que condenados casados e essenciais para a saúde do condenado e as que podem proporcionar-
~ã? casados podem ser mantidos juntos. Ademais, a abstinên..fi,a.fQ!:,çada lhe um prazer positiv04o •
e tIda como .!lJ!E!_12~e esse!!cia! c!.a punição37 . .- Os teóricos modernos estão longe de um consenso sobre a ques-
..A~ condiçõe.§ sal)it~ia~ e des(t_üª-~!êm um limite natural nas tão do confinamento solitári041 . Os administradores das prisões fize-
próprias construções, muitas das quais for~-~ herdadas de um perío- ram sua parte, no entanto, construindo e reconstruindo suas institui-
do ante.rior . A melhoria dos_çuidados comas d9~nças é algo difícil
38 ções com o projeto de prisão celular, e hoje em dia a maioria delas está
de avahar. Não há dúvida sobre o progresso técnico ilaprática médica construída dessa forma. O problema do confinamento solitário não é
ca:c~rária, mas esta é necessariamente limitada pelo fato de que o nem de longe o maior ponto de discordância, pois a estrita separação
medIco deve levar em conta não apenas a condição objetiva do paci- à noite é, universalmente; acompanhada de um trabalho organizado
ente, mas também o efeito de seu tratamento em outros internos e na durante o dia, tornado necessário pelas exigências da produçã0 42 . O
disciplina institucional 39 . O~J~{Cercícios físicos foram introduzidos de sistema celular tem sido recolocado como um sinal de progresso por
acordo com as concepções modernas de saúde. Aqui, também, faz-se
uma distinção profunda entre as condições julgadas absolutamente
40 Ver o comentário característico de R. Guttleishc, Strafvollzug und Erziehung

(Freiburg, 1926), p. 53; "Os jogos não devem ser permitidos no pátio de exercício
de uma prisão, pois são incompatíveis com a seriedade do regi~e carcerário e
37 Ver ~. Gentz, "Da~ Sexualproblem im Strafvollzug", Zeitschrift für die
com a posição dos prisioneiros como agentes sem liberdade. E possível que
gesamle ~tra!~echtswlssenschaft, 1930, L, p. 406-27, especialmente p. 408, essas tentativas tenham produzido o efeito de melhoria da saúde e de
. onde o pnncIplO assentado é de que as instituições penais precisam sempre divertimento que iriam domar o prisioneiro para a auto-disciplina, e o prisioneiro
se amoldar aos costumes aceitos pela sociedade na qual estão estabelecidas deveria estar contente com o prazer que todo esforço físico e mental lhe dá".
e p~a. quem elas existem. Sobre o tratamento do problema sexual nas prisões Exercícios atléticos não são permitidos nas prisões francesas, e ocasionalmente
sov1etIcas, ver Lenka von Kroeber, Soviet Russia Fights Crime, Nova Iorque, treinamentos contra incêndio são seriamente propostos como um substituto
1935, p. 15~~55 e 180-~1. Sobre as conseqüências da abstinência forçada e adequado; ver Mossé, op. cit., p. 317. Na Ingl ~terra, o exercício na prisão está
sobre as praticas sexuaIS correntes na prisão, ver o capítulo instruti vo de padronizado depois que o sistema foi usado nas forças armadas; ver Fox, op.
Macartney, op. cit, p. 418-26.
cit, p. 113-14, que se apressa a acrescentar que "jogos organizados não fazem
38 As. condiçõe~ de higiene nas cela~ continuam precárias hoje em dia, a parte do sistema em locais comuns ou prisões". Ferri, o decano da escola
despeito das pnsões novas e remodeladas, especialmente na medida em penal reformista, rejeitou exercícios atléticos porque eles constituíam preparo
que as possibilidades de locomoção, ventilação e luz solar estão implicadas; físico para futuras tentativas de fuga; ver seu relatório no congresso de Londres
ver Gentz, op. cit., "Die praktische Ausgestaltung des Strafvollzuges", em na Revue Internationale de Droit Pénal, III, 1926, p. 60-61.
Frede e Grünhut, op. cit., p. 70; Fischer, op. cit, p. 205,224 e 23l. 4'-.t(!rQJ Criminal Sociology, p. 540-42), por exemplo, condenou o confinamento
39 N . - ,
as pnsoes menores, o problema é, em parte, organizacional, porq,ue solitário como um dos maiores erros do século XIX; cf. Ives, op. cit, p. 181.
elas ~reqüentemente contratam médicos fo ra para pequenos serviços. Para uma posição intermediária, ver o recente tratãdo'de Donnedieu de Vabres,
Este e um método mais insatisfatório dO' ponto de vista da adequação op. cit, p. 357-6l.
do tratamento e do tempo disponível. Mesmo onde a prisão tem um ' 42 Um notável sistema prevalece na França. A lei de 5 de junho de 1875 deu
médico na equipe, entretanto, uma programação médica extensiva aos condenados 'a livre escolha do confinamento solitário, através do
en.fr.enta. grand~s dificu.ldades. É permanente a suspeita de que o qual eles poderiam reduzir a duração da sentença em um quarto. Foi feita
pnSlOneIro esta se fmgmdo de doente. Ver a di sc ussão de todo o uma exceção para o caso de prisioneiros condenados por atividades
?roblema em F. Brucks, "Die innere Orgasation der Gefangenenanstalten anarquistas. Mossé, op. cit., p. 215, considera este sistema automático de
111 Deutschland", em Bumke, op. cit., p. 113-15; Gehrman & Kuttner remissão como um "elemento sólido de conforto moral". Muitos estados
"Parlament und Strafvollzug", Strafvollzug, p. 34-35 . ' têm , hoje em dia, somente um período compulsório de confinamento
solitário no começo da sentença.
212
213

0ú bf( ()~ ~ i():,(ta\ LI Cl\);, ?A'S


fí' .. p\\.5Ões
':um certo progressivismo nos métodos de execução", na expressão A principal vantagem do sistema de progressão é que ele facilita a
de Belym43 . Esse progressivismo se reflete no princípio de que "a disci- manutenção da disciplina. Não tem, entretanto, qualquer valor na recupe-
plina deve ser mantida por medidas construtivas e não meramente repres- ração do preso, uma vez que os padrões requeridos ao prisio~eiro são
sivas, através do encorajamento do prisioneiro a manter um padrão em aqueles da submissão às formas externas de disicplina carcerána. Qua~­
vez de propor punições físicas in terrorem"44. O alvo pode ser atingido do Macartney entrou pela primeira vez na prisão de Parkhurst, o carcerei-
através do método de favores, com um sistema gradual de privilégios ro chefe disse-lhe: "Dez anos é muito tempo. Alguns permanecem mais
para a boa conduta (o tão propalado "sistema de progressão"), reduzindo .tempo. Depende de cada um se vai sair em sete e meio ou se vai cumprir
a duração da sentença de prisão por bom comportamento, ou através de toda a pena. Há dois caminhos a percorrer - um pesado e outro leve,,46.
alguma combinação desses métodos. Numa variação ou noutra, essas N~-º_go<ie haver dúvida de. que, a princip~~Y4~e pr()~llzid~ p~l() tão
medidas podem agora ser encontrados em toda parte. O sistema mais propalado sistema progreSSiVO e o conforrmsmo .
elaborado foi desenvolvido na Inglaterra, onde o prisioneiro recebe uma As qualificações do diretor do pr~sídio e sua equipe são determi-
pontuação diária, da qual depende a duração de sua sentença. Ele pode ser nadas pelas metas do sistema progressiv048 . Como cabeça de um grande
solto a qualquer momento depois de completar três quartos da sentença aparato burocrático, o diretor deve manter um equilíbrio entre o Esta-
imposta pelo juiz.,Q sistemél d~proê:~s~~.9.~bém permite ao condena- do (que demanda um cumprimento rigoroso dos regulamentos ao menor
do certas comodidades e divertimentos que foram regularmente incorpo- custo possível ou, se possível, com lucro), a equipe (que-compartilha '
rados no dia-a-dia das classes subalternas. Já indicamos que em muitos o caráter de toda burocracia, de modo que ela procura aumentar seu
países o nível de subsistência nas prisões é calculado de tal forma que poder e influência) e os prisioneiros. Praticamente em todos os países .'
qualquer alimentação adicional deve ser obtida através de despesas pagas europeus os funcionários subalternos são ainda recrutados entre mem-
com uma parte do salário dos prisioneiros, e que pode perfeitamente ser bros das forças armadas (exército e marinha) reformados não
retirada c()mo punição. O abismo entre o nível de vida das classes subal- comissionados, que recebem uma gratificação do Estado. Este pro-
ternas livres e os bens disponíveis para os condenados mais favorecidos
é maior do que o abismo entre os níveis mais alto e mais baixo na prisão. características próprias para a diferenciação entre as duas formas de d~tenção".
A dificuldade de introduzir distinções reais, dentro dos muros da prisão, As diferenças propostas estão limitadas a favores menores como diferenças
com vistas à tendência contrária à melhora do níveJ de vida dos prisionei- no vestir e material de leitura, salário extra, uso de tabaco, etc.
ros em relação ~o mundo exterior é claramente r~velada nas discussões 46 Macartney, op. cit, p. 73.

sustentadas em 1935 no Congres Pénal et Pénitentiaire Intemational 47 Uma comparação entre as estatísticas francesa e inglesa sobre a disciplina

(Berlim) sobre as diferenciações necessárias à distinção entre medidas carcerária mostra que um sistema de progressão tecnicamente bem
preventivas e penalidades de restrição à liberdade45. desenvolvido ajuda a manter uma disciplina adequada. Na Inglaterra, com.s:u
sistema de redução automática da sentença, 15,3% dos homens em pnsao
foram submetidos a medidas disciplinares em 1932, e isto pode ser facilmente
43 L. Belym. "L'État actueI du systeme pénitentiaire dans l'Europe", Revue de compreendido à luz do fato de que somente 6,87% receberam perdão ou
Droit. Pénal et de Criminologie, xm, 1936, 1085. redução de sentença. Ver o Report of the Commissioners of Prisons and the
44 Fox, op. cit, p. 78.
Direetors of Convie! Prisans for the year 1935, Londres, 1937, p. 30, e o
Statistique pénitentiaire paur l'année 1932, Melun, 1934, p. 24.
l-.-.@ Ver as Actes du Congres Pénal et Pénitentiaire International, Vol. Ib,
48 A literatura alemã sobre a reforma oficial dos anos pós-guerra está repleta
ti Berna, 1936, p. 85-86. As resoluções do Congresso consi4eram que a diferença
fundamental entre punição e medidas de segurança repousa na "diversidade de elogios aos carcereiros, revelando uma falta completa de compreens~o do
><- ,. '. de concepção" mais do que na "diferença de aplicação". "De acordo com caráter burocrático dos administradores; ver, por exemplo, Brucks, op. Clt, p.
103-5. Fox, op. cit, p. 54, mostra com maior clareza na sua avaliação mais ou
.-:; ,'.; estudos acurados", diz o comentário oficial, "encontra-se dificuldade para
v ~., apontar uma distinção teórica definitiva e clara. Mas é ainda mais difícil menos oficial do sistema inglês, enfatizando o "papel decisivo do governador",
.~ .. estabelecê-la na prática, vale dizer, durante o período da execução, as
e fala de uma "combinação de qualidades administrativa, educacional e social""
., '('.':. . (~14') 215
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cedimento era justificado antes da guerra, sob alegação de que o trabalho


49 Quando a intervenção do Estado na esfera indivi~ual cresce, torna-
era muito simples . A fraseologia reformista do pós-guen'a fez com que
esse procedimento soasse mais avançado e mais sofisticad050. Porém, se mais e mais necessário ter órgãos que enxerguem ~em das n?rmas, de
como a característica principal do sistema progressivo reside no direito modo a regular esta interferência. Esta questão é especIalmente lIllportan-
dos condenados a ter ganhos materiais através da submissão voluntária à te na prisão, pois lá a intimidade é assunto de c~ntrole detalh~do do ~sta-
disciplina e não na introdução de métodos pedagógicos de recuperação, do. Mesmo o mais cuidadoso sistema de queIxas e apelaçoes ter~ sua
automaticamente os deveres dos funcionários subalternos da equipe da efetividade minimizáda por dois fatores . Em pri~eiro lugar: ªl.egalidade tl'l\ic,
penitenciária aumentaram sobremane!ra, embora não haja qualquer mu- çle qualquer .ordem administrativa deve s~r ~arant1~a, vale ~Izer, o conde- ~~.kh:~
dança na sua fonnação profissionalnem na sua mentalidade de índole nado deve obedecer, não importa quão lllJusta e Impr6pna poss~ ser a , ' -,
'~rdem. Então, ele pode apelar, e, quando o faz, enfrenta uma nova dIÍicul-
. . I

rruhtar. Nos países onde a ideologia da refonna penitenciária tomou-se


oficial, o mesmo método é usado na seleção dos funcionários penitenciá- -dade, uma vez que não há qualquer detenninação precisa d? ~ue .um
rios. Agora, ªs qualidades consideradas necessárifls Pru:a Q.éldrnilJlsJ:r:'!dor prisioneiro pode ou não fazer. Muito embora a t~e de que os pnslOne~os
de uma penitenciária valorizaram a casta militar. Q~º-nfºJ!llÍsIl!o~aJ2ri-_ ,. são sujeitos de direito e são portadores de proteç~o leg~ t~nha merecIdo
meira virt:!Ide na~ forças~adas, da meSlpa f()rma que na prisão. Curi- ª
certo reconheciment052 ... execução das penas e, na pratIca, con~ola?a
osamente, a suposição oficial do aumento de responsabilidade _ o que por_regulamento_~p_uramente administra~vos, q~e podem se~ arbltrana-
pode ser falso - tomou-se um terreno fértil para a demanda de um paga- mente interpretados e que não passam de lllstruçoes para uso mterno d~s
mento mais elevado. corpos administrativos, alguma coisa como os regulamentos costumeI-
N9 campo da punição, a Igreja atuou coadjuvando a bur~cracia. A ros ingleses (standing orders)53. A "oportunidade liv~e e ampla de fazer
tarefa do capelão-mor nos primeiros tempos, e ainda h'~je ~a~pri;ões queixas", da qual fala Fox54 , não é usualmente,s~clOnada po~ n?nnas
menores, é amealhar trabalho e comida para ex-prisioneiroS e a Igreja, ' legais claras. À parte essa imperfeição, que e I~erente ~o dlreI~o .d.e
1
então, tomou-se um tipo de agência da administração penitenciária, com ' apelação há uma dificuldade ulterior que reduz ainda maiS a posslb~h­
a qual os prisioneiros poderiam obter algum extra. Esta missão é via de dade de ~ma reclamação ter sucesso. A administração deverá apOIar
regra desempenhada de fonna mais efetiva do que a função de consolo seus funcionários, via de regra, de forma que o prisioneiro. c~rre o
do prisioneiro à sentença que recebeu. Sua "identificação com a admims- risco de prejudicar sua posição diante deles: de perder seu dlr:lÍO de
tração, inimiga tradicional dos prisioneiros", apontaSellin, "toma o minis- apelação, e mesmo de ser punido por ter f~Ito UI~a recl~ma~ao sem
tério do capelão ineficaz"51. fundament0 55 . As reclamações podem atraIr uma lllvestlgaçao desa-

49 Pollitz, op. cit, p. 54, diz: "Sua obrigação não vai além de manter a ordem e
52 Ver a discussão em G. F. Falchi, Diritto penale esecutivo, II, Pá?ua,
a disciplina e vigiar para que os prisioneiros façam seu trabalho, e isto ele deve 1935, p. 41 -52; cf. F. Wolff, Strafoollzug und Rechtsstaat, Breslau-Neuklrch,
fazer de uma maneira que reúna tato, economia e cultura, de acordo com o
regulamento. Podem ser encontrados muitos homens corretos com 'este perfil 1933,p.16. . ,. "
53 Ver a interessante correspondência dos comlssanos carceranos com
limitado entre os primeiros funcionários não comissionados. Não se deve
esperar que os guardas, muitos dos quais não são particularmente bem Fenner Brockway e Stephen Hophouse sobre a recusa destes em prover
educados, exerçam uma influência educacio~al, reformadora ou religiosa, isso
uma cópia das ordens estabelecidas; publicado em Hobhouse e Brockway,
nem é para ser esperado". , English Prisons Today. Londres, 1922, p. VI-VIII.
54 Fox, op. cit., p. 121.
50 Schulze, "Der Strafanstaltsbeamté, Strafoollzug, p, 153: "Com o maior dos
55 ' Fox, ibid, p. 122, diz apenas meia verdade, para sermos s~aves, quando
zelos e consciência de seu chamamento, os funcionários da prisão travam
uma batalha pela alma do prisioneiro". deixa de mencionar a possibilidade de punição para as queixas. ,Para um
51 T. SelJin. "Penal Institutions", Encyclopedia 0/ the Social Sciences, XII, quadro mais completo, ver Macar~ney, op. ci.t., p. 180, postenormente
Nova Iorque, 1934, p. 63. apoiado por um autor anônimo do maiS recente Flve Year~ 0/ Fraud, Londres,
s/d" p. 19, Ver também Gentz em Frede e Grünhut, op. Clt., p. 94-95.
216
217
gradável,. em função da tendência de as autoridades apoiarem o funci- bilidades específicas do ex-presidiário como um competidor no mercado
onário implicado. Evidentemente, mesmo esta consideração repousa so- de trabalho. Em vista da relutância comum para empregar ex-condena-
bre o pressuposto de que as autoridades superiores estão interessadas dos, o Estado deveria dar-lhes uma assistência ati va no sentido de ocultar
numa administração adequada das instituições penais, que pode ser ver- seu passado, e a sociedade, por razões de segurança, opõe-se fortemente .
dade em alguns casos e em outros não. a esta ação.;" única alternati,\a que r~sta ao Estado ~ criar empregos. Há
Já abordamos a comutação de sentenças como um método para uma contradição entre os interesses da sociedade na reabilitação do delin-
, obter uma melhor disciplina. Este método tem ainda como outra função qüente, de um lado, e o seu interesse alegado de manter a função dissuasiva
!-\ S manter o ex-condenado implicado com a lei. Uma concepção racional do do encarceramento através da privação de vantagens especiais para o
.lei \ , \ ~~\~x-presidi.ário como uma pessoa que é bastante fraca para manter-se prisioneiro, Não é de se estranhar, portanto, que as numerosas socieda-
\1 \ : \\.;,) l~iNlluma socIedade competitiva tem levado à conclusão de que ele deve des.sl~ amp~9_ aos presos tenham fracassado em seus program~§ de
~o_ " ') "~')J~ceber toda a assi~tência possível no processo de readaptaçã056 . O pre- reabilitação, ou, em outras palavras, em superar as desvantageEs q~e o
',\\ ',r; :~> '" slde?t~,d~ uma sO:ledade alemã de ajuda. a Qrisioneiros, ao dizer que ~ e)(-presidiário deve ter no mundo competitivo60 .
......:
p.resldIanos deven~ ter ª-Qreferê!!9a d_as ª.&v.fiª§....d~ .~l!lP.rego, estava
~ I .•
sImplesmente adffiltmdo a conseqüência lógica do enonne fracasso do 60 O questionário publicado por J. A. Roux sob o título "La crise de la
57 na Revue Internationale de Droit Pénal et de Criminologie,
, i · !,', e,')" sistema . No entanto, um tratamento preferencial é bloqueado em várias libération",
~, :" . (,é, direções. Os empregadores não gostam de contratar ex-presidiários, seja VIIIVIII (1930), 15-125, não trata completamente da inadequação do traba-
lho das sociedades penitenciárias. A tabela abaixo, compilada da Statistique
:;: . ;:. por causado risco, seja devido à carência deles em matéria de qualifica-
pénitentiaire francesa para os anos de 1922 e 1932, fornece um quadro
"-, ção técnica e habilidade para o trabalho intensivo58 . b tratamento prefe-
mais verdadeiro. PLANOS DOS CONDENAoOS-PARÃ-ÃHORA DA LlBERAÇAOI
, ,~ <;, , rencial é somente uma parte de um problema mais amplo, notadamente a Esses dados revelam 1922 1932
) J"", '.':' ,. extensão da compatibilidade com os princípios de uma sociedade compe- imediatamente a des- Perspectiva Homens Mulheres H M
titiva para ajudar a reinstalação do ex-presidiário no processo de trabalho. proporção gritante : Parecem ter recursos 110 86 140 9
i entre o número de ex- Têm empregos 777
Esta questão é claramente refletida porJ3ertraJ,1d: 66 320 73

É necessário caminhar o mais longe possível sem prejudicar os cida-


dãos que obedecem a lei. É necessário colocar os condenados re- l presidiários sem pers-
pectivas para o futu-
ro e o número daque-
Sem empregos 555
Inaptos p/ o trabalho
Mantidos p/ caridade
25
272
3
991 100 :
18 6

cém-libertos numa posição o mais normal possível diante de uma \ les ajudados pelas so- IIInterna dos em mamcomlo
,..' 49 8 89
I
oferta de emprego, mas sem ajudá-los além de suas próprias possi- ciedades de ajuda a: Deportados (estrang.) 368 10 335 17
bilidades, porque isto seria incentivá-los a cometer crimes [para presidiários. Oexérci- i Alistados no exército 1.121 333
beneficiarem-se de ajuda posterior]. Não seria nem justo nem pru- to era de longe o mais L Internados/hospitais 117 12 3
dente apoiá-los em detrimento de outros59 • importante, mesmo depois da lei de 3 de abril de 1928, que limitou a oportunidade para os
ex-presidiários de se alistarem. Deve-se também notar que os ex-presidiários que escolhiam
O argumento de Bertrand desconsidera o fato de que o estabeleci- o exército eram colocados num batalhão especial na Argélia, obviamente semum ambiente
mento de um status nonnal exige medidas especiais para superar as ina- favorável para eles, Ver o trabalho do General P. Mercier, "L'inicitive privée, le patronage
des condamnés et des mineurs délinquants dans ses rapports avec la législation", Bulletin
de lá Société Générale des Prisons, LVI (1932), p. 576-98,
56 A história do ex-presidiário é brilhantemente contada na novela de Hans
FaIlada, Wer einmal aus dem Blechnapf ass, trad. Eric Sutton com o título Fontes oficiais italianas ressaltam o fato de que a cassa di al1lmenda gasta 606,900
de The World Outside, Nova Iorque, 1934.
I libras para o apoio de 13.000 famnias de prisioneiros e 11,500 ex-presidiários, mas
.1 essas lamentáveis somas inadequadalls são realmente para não serem ressaltadas. Ver
57 Muntau."Entlassenenfürsorge", Strafvollzug , p. 279.
o relatório de Carapelle na Câmara dos Deputados, reimpresso sob o título "Il bilancio
58 Ver C. RoIlmann. "Keep YourConvicts", The Forum, XCVII (1937), p. 102-5.
dei Ministero di Grazia e Giustizia per I'esercizio 1937/38", Rivista di Diritto
59 Bertra,nd, qp. cit., p. 635.
Penitenziario (1937), p. 502,
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Nessa discussão estamos tentando analisar os limites das possi- 3. A Guerra Mundial
bilidades da reforma carcerária. Por um lado, esses limites são ineren-
tes a toda sorte de regulamento oficial e controle de vida humana e,
por outro, são o resultado das exigências de segurança da sociedade,
que ainda não aprendeu que as garantias mais simples nem sempre são
I Os efeitos da Guerra Mundial sobre a criminalidade já foram ampla-
mente discutido~, especialmente nos trabalhos d~ EJ.(,l).er YLi~Rmapº, na
Alemartha e na Austria62 . As flutuações nas taxas de 'criminãIldade mos-
tram uma sensibilidade distinta para a totalidade das condições sociais do
as mais apropriada.s., A buro~ri1Jtz-ªçªo da,~c.º-Il-ºiç9~S d~ viela .~_~s. H!!l:i- peóodo. Os dados franceses e alemães para furto revelam um ligeiro
tª-ç9yS _~liberdade pessoal são contomos inevitáveis do encarceramento, declínio em 1914 e 1915, e uma forte tendência ao crescimento em 1916
não importa o q1,lan!o sec.o.l!§ig-ª-re_duzi: l?s. Nossa discussão do pro- \ e 1917. Em 1918, entretanto, os dados franceses indicam pouca mudan-
blema do ex-presidiário revela a contradição interna que subjaz a qual- ça, enquanto os alemães continuam a crescer marcantemente, obviamen-
quer programa de reforma, em maior ou menor grau. Nenhum progra- te relacionados aos rumos que guerra seguia63. As estatísticas criminais
ma de reforma quer abandonar o princípio de que o nível de vida do posteriores revelam mudanças importantes nas proporções: o número de
prisioneiro deve ser pior, de forma a manter os efeitos dissuasivos da f delinqüentes entre as mulheres e os jovens cresce, e ocorrem mudanças
punição. Como resultado, a mera noção de progresso encontra sua entre os vários tipos de delitos. As mudanças caracteósticas na política
principal expressão numa diferenciação mais detalhada dos vários graus penitenciária não foram o resultado de urna prática tão diferente dos tribu-
da existência carcerária. A par da contradiçã.º~D1Ie Qis.su.~são e r:ea.b.i- nais, assim como de leis especiais que alteraram a política de execução e
litação, um r~n~x.9--.9_ª-s.~gQêng?§-ª-l~l!ªgônicas na própria sociedade,
I punição de acordo com as necessidades do programa de guerra. O qua-
há. outra contradição no conceito de reabilitação na sociedade contem~ dro 13 indica que a política penitenciária dos tribunaux correctionels fran-
Rorâne<l. Reabilitação significa adaptação a uma vida ordeira com tra- ceses não eram fundamentalmente diferentes da prática do pré-guerra.
balho regular, e repousa na expectativa de que o tipo de comportamen- .?~l~e.l1~os especiais foram aprovados em todos os países e os
to aprendido na prisão possibilite ao condenado reajustar-se ao mundo inte~e§s~s _l!lÍl.!-t~es tinham uma influência decisiva. Com o estopim da
fora da prisão depois de solto. A consciência, por parte dos condena- guerra, os casos pendentes prescreveram e os condenados foram deixa-
dos, de que esta perspectiva é em grande medida fictícia é uma das dos de lado como forma de recrutamento para o exército. Os condena-
razões para os resultados precários dos programas de reabilitaç;io, como dos cujas sentenças incluíram, como desoma especial, a perda do direito
mostram ªs estatísticas de reincidência, e ainda uma razão por que os \ de servir ao exército, geralmente tinham este direito restituído, de modo
que poderiam ser enviados ao front. A política criminal para aqueles que
administradores rapidamente se voltam para o enfoque dissuasivo.
J?-ession afirmou recentemente, cheio de razão, que "o criminoso visto ficaram em casa estava impregnada pelo mesmo enfoque. A carência
como sujeito de tratamento não difere muito, em suas demandas , de
outras categorias igualmente desajustadas socialmente e marginaliza-
I geral de homens tomou necessário o envio do maior número possível de
pessoas para a esfera produtiva, e o governo estava empenhado em fazer
das"61. Uma tentativa de cura dos sintomas implica um procedimento sua parte para cumprir esta finalidade. O ntinistro da Justiça da Prússia,
duvidoso, primeiramente porque qualquer método que falha em ir além por exemplo, assinou decretos em 1916 e 1917 exigindo que os tribunais
dos sintomas para chegar aos caminhos da doença tem um valor res-
trito, e, em segundo lugar, porque numa esfera mais restrita a incon- I levassem em consideração a utilidade possível do condenado nos servi-

I
sistência e o caráter contraditório dos métodos normalmente compro- 62 F. Exner. Krieg und Kriminalitat in Oesterreich, Viena, 1927; M. Liepmann,

mete os fins. Krieg und Kriminalitat in Deutschland, Berlim, 1930; ver também a bibliografia
em Statistik des deutschen Reiches, CDLXXVIII, Kriminalstatistik für das
. i
Jahr, Berlim, 1936, p. 386-84.
61G. H. Dession. "Psychiatry and Criminal Justice", Yale Law Joumal, XLVII,
1938, 339; ver também as conclusões de F. Tannebaum, Crime and the ! 63 Processo similar 'ocorreu na Inglaterra; ver Criminal Statistics, England
and Wales 1918, p. 7.
Community, Nova Iorque, 1937, p. 475.
221
. , .. 220 \
' ..)
costume antes da guerra, e não o que ele estava cumprindo, pois sua
QUADRO 13. sentença tornou-se muito mais severa pela falta de comida67 .
Política Penitenciária dos Tribunaux Correctionels franceses (em percentuais)
.' Er:lcarceramento '
4. As condições do pós-guerra
O contínuo progressó da Europa terminou com a guerra mundi-
al. O período do pós-guerra foi caracterizado pelo crescimento do
desemprego, pelo declínio dos salários reais e pelo crescimento do
processo de pauperização da classe média, embora não com as mes-
mas taxas em todos os países. Aqui e ali, os efeitos eram menos sen-
tidos nos países da Europa ocidental e da Escandinávia do que nos da
Europa centro-oriental. À parte as fraudes e os delitos sexuais, que
cresceram, o número total de crimes no ocidente e na Escandinávia
Fonte: Comptegénéral, 1919, p. XIX tenderam a cair ou, na pior das hipóteses, permaneceram nos níveis
do pré-guerra até a crise de 1929.
A situação era completamente diferente em países como Polônia,
ços auxiliares da guerra antes de decidir sobre qualquer sentença64 . Na
Hungria e Bulgária, onde as condições econômicas das classes subalter-
França, grâces e libérations conditionelles cresceram de 4,6% para 9,6%
nas eram ruins no período pós-guerra. Na Polônia, o número de furtos
do número total anual de condenações entre 1913 e 1917, como resultado
cresceu em 60% entre 1923 e 1931, enquanto a população aumentou
de uma política similar. A população carcerária declinou consideravel-
não mais que 15%' no mesmo período, as apropriações indébitas au-
mentaram em torn~ de 200%, as fraudes, 170% e os assaltos, 180%68.
mente, da média de 29.032 em 1913 para 18.576 em 1916, e então cres-
ceu para 22.054 em 181865 .
A população da Hungria cresceu cerca de 10% entre 1923 e 1931, mas
As próprias prisões tornaram-se importantes empresas do governo, o número de furtos aumentou 30% e as fraudes, 500%69. Os dados
usando ao máximo a força de trabalho disponível. Os comissários de búlgaros entre 1920 e 1931 são: crescimento populacional em torno de
prisão ingleses, no relatório anual que fechava em 31 de março de 1919, 20%, furto, 45%, fraudes, 400% e falsificações, 270%70. No começo do
informaram que "a fabricação de material bélico continuou a empregar . período pós-guerra, as condições alemãs eram quase comparáveis às
todo interno disponível, e o resultado tem sido satisfatório, apesar das . I . da Polônia, Hungria e Bulgária, como resultado da guerra e da inflação.
dificuldades experimentadas em obter matérias-primas, a remessa da pro- \ O período de estabilização depois de 1923 trouxe um acentuado
dução sob encomenda foi feita em quase todos os casos dentro do prazo descenso da criminalidade, que durou até a depressão.
limite requerido pelas diversas repartições governamentais"66. As tendências do pré-guerra para uma mitigação geral dos métodos
Na Alemanha, um fator adicional deve ser levado em consideração: e a introdução do tão falado sistema progressivo continuaram a operar no
a fome, que foi pior nas prisões que fora delas. Em 1916, um prisioneiro \
escreveu uma carta muito divertida ao tribunal requerendo um novo jul- I 67 Citado por Braune no Zeitschrift für die gesamte Strafrechtswissenschaft,
gamento, sob alegação de que o juiz previu uma pena tendo em vista o XXXVIII, 1916,p. 168.
68 Dados retirados do Concise Statistical Year Book of Poland 1936 e do
lnformations statistiques 1932, Vol. IV, Statistique Judiciaire, Pénitentiaire
64 Ver F. von Liszt. "Strafrechtliche Vorgange", Zeitschrift for die gesamte
et Criminelle.
Strafrechtswissenschaft, xxxvm, 1916, p. 343-57. 69 Dados retirados do Annuaire statistique hongrois.
65 Dados retirados do anuário Statistique pénitentiaire.
70 Dados retirados do A1Ulllaire statistique du Royaume de Bulgarie e do
66 Report of the Prison Commissioners ... 1919, p. 24.
Statistique criminelle.
222 223
t \ ~ Jí t~~h ~', t"\ "t\, ~ \ru,~jl\~~ - ?~~~\.,."
('\'(\~~S ~"1}.5 , .
flexão. A observação da íntima re-
lação entre crime e condições
socioeconômicas ensina àqueles
que lidam com o problema que é
inútil lutar contra o crime intro-
duzindo penas mais duras. Uma
expressão imediata desta observa-
ção apareceu na nova legislação
sobre a fianças e suspensão de
sentenças72 , visando a reduzir a
Fonte: população carcerária ao mínimo.
Compilado de Criminal Fonte: A par de considerações puramen-
Statistics, England Fonte: O. Kirschheimer, Compilado de te práticas de que a reabilitação do
and Wales in Revue de Science Brottsligheten
Criminellle et Oroit Pénal criminoso economiza verbas pú- 1932
Comparé, I (1936), 365 blicas, a teoria da responsabilida- Fonte: A.Amend, Oie Kriminalitãt
de da sociedade pelo crime e a Oeutschlands 1919-1932 (Leipzig,
campo da prática penal. É fácil ver por que não poderia haver qualquer 1937), p. 62 .
dificuldade com a continuidade dos propósitos humanitários nos países crença na possibilidade do pro-
com condições econômicas relativamente favoráveis. As estatísticas ' gresso humano e no dever da SQ-
criminais, que mostram uma situação de estável para pior, não causa- ciedade como um todo nessa missão estavam de pleno acordo com o
vam preocupação. A pressão para uma praxis mais racional e humana espírito dos partidos políticos dominantes n<!blemanhad~ WeimaL...O
_Rf;ichs.n:çh.lliçh.~ GrundsCitze über den Vollzug von Freiheitsstrafer de
era particularmente forte na Inglaterra e na Bélgica. Na França, a te~­
dência para uma melhoria era particularmente forte em se tratando de 7 de junho de 1923, como já indicamos, aponta a reabilitação CO!ll9 q
veteranos de guerra, mas ao mesmo tempo o sistema penal era admi- questão central do sistema penal, pelo menos em tese. A tendência
nistrado de acordo com um ponto de vista puramente burocrático, e a progressista foi mais acentuada pela redução acentuada da população
falta de sentido no sistema de deportação e nas condições escandalo- carcerária e pelo crescimento dos fundos disponíveis que acompanha-
sas dos reformatórios persistiram71. ram o período de estabilização. O quadro 16 mostra o crescimento da
despesa per capita por prisioneiro e o declínio da população carcerária
À primeira vista, é difícil enxergar por que a escola reformista
depois da crise inflacionária.
teve tanto sucesso na Alemanha, onde as condições econômicas eram
instáveis e onde a taxa de criminalidade subiu depois da guerra. O fato QUADRO 16. Despesas com a população carcerária na Prússia
Qy-ºJlú_mero de crimes ter crescido imediatamente depois da gQ~n:~:.
apesar do aumento da severidade da punição, deve ser motivo der~- .

71 Ver a condenação das condições carcerárias francesas feita pelo conservador


Bertrand, op. cit., p. 172-73. Assim como para os reformatórios, o melhor
quadro dos métodos ainda perseguidos hoje em dia não pode ser encontrado
em jornais dispersos e em artigos em periódicos, mas no segundo volume do 1928 36.000 9.180.000 255
livro de Roger Martin du Gard, Les Thibaults, intitulado Le Pénitencier, trad. Fonte: Wackermann, in Strafvollzug in Pr~LJ~§~n, R:.!3 _ .
S. H. Guest sob o título The Reformatory, Londres, 1933.
72 Ver cap. 10.
224
\\/ ;
I I 'J\ ,

L \
Em geral, o desenvolvimento do pós-guerra seguiu as trilhas es-
tabelecidas em fins do século XIX. As teorias reformistas eram ofici-
almente aceitas em toda parte, mas as condições carcerárias permane-

A fiança na prática penal recente
ceram péssimas, especialmente nos países economicamente atrasa-
dos. As estatísticas oficiais polonesas, por exemplo, admitem que os
cárceres estavam ocupados em 89,6% de sua capacidade máxima em
1923, em 100% em 1931, e em 142% em 1934-3673 . Prisões
superlotadas, más condições de vida entre as classes subalternas e
ineficiência do aparato administrativo caracterizam as condições
carcerárias nesses países. Não tem sido feito qualquer esforço, entre- Nos sistemas penais europeus de meados do século XIX ocorreram
tanto, para explicar essas péssimas condições como produto consci- mudanças importantes, marcadas, como vimos, pelo desaparecimento da
entemente almejado de uma ideologia. Pelo contrário, o esforço é no deportação como uma pena típica. A deportação continuou na França até
sentido de provar que as doutrinas reformistas da Eüropa ocidental
são aceitas também nesses países 74 .
I o início de 1937, como uma forma de eliminação dos delinqüentes mais
perigosos, e o pequeno número de condenados envolvidos revela sua
pouca importância. O encarceramento permaneceu como ponto cen-
tral de todo o sistema, mas contou com a competição crescente da
fiança, que é, hoje em dia, uma rival muito próxima, se levarmos em
conta a freqüência de sua aplicação.
Os quadros que apresentamos no capítulo anterior dão uma idéia
clara do progresso da fiança. Os dados a seguir mostram que este
fenômeno não é simplesmente o resultado de novos crimes, como
violações de medidas regulamentares puramente policiais para o trân-
sito, mas a conseqüência de uma política geral de substituição do
encarceramento por penas pecuniárias l .
Já vimos que a doutrina iluminista de proporcionalidade deu à
fiança um ímpeto extra como uma pena específica das classes domi-
nantes. Becc.apa aprovou-a em princípio, mas duvidava que ela pu-
desse ser usada extensivamente, tendo em vista a pobreza entre am-
plos setores da população2 . Esta foi precisamente a razão por que um
sistema generalizado de fianças tomou-se inviável no período
mercantilista3 BenthapLadvogava o uso mais amplo possível desse
73 Concise Statistical Year Book of Poland 1936. método, com argumentos que reapareceram em inúmeras variações
74 A melhor informação disponível sobre as condições carcerárias atuais
na Europa oriental pode ser encontrada no relatório de viagem "Howard I As estatísticas sobre o uso de fianças para crimes específicos na Inglaterra,

League Expedition to Eastem Europe", Howard Journal, V, 1938,8-47. Este França e Itália são dadas a seguir (ver cap. 12).
relatório abrange Hungria, Bulgária, Iugoslávia, Romênia e Grécia. Seria 2 Beccaria, op. cit, p. 87.

ainda mais chocante se os autores tivessem dedicado mais tempo a um J Petty, op. cit., I, p. 68·69, foi bastante cuidadoso para restringir sua
estudo das prisões típicas e menos tempo às instituições mais' avançadas . aplicação aos criminosos "solventes".
226 227
pz,.._ _ _Q
_"U
,.,_A_D_R~
O 17. ~so crescente da fiança na Alemanha durante a primeira metade do século. A fiança tem o mérito da fruga-
.A . DistriBuição de Penas p'or !=urto " lidade econômica perfeita, porque não apenas evita o sofrimento su- f
3. iti
c,;<

Condenações Porcentagem pena de prisão Porcentagem pérfluo como também produz satisfação da parte da vítima. Ademais, R
Ano 100.000 hab. acima 1 ano de 3 m Menos Fianças geralmente propicia uma aplicação minuciosa do princípio de (,',:'
da idade imputável ou mais a 1 ano de 3 m proporcionalidade entre delito e pena4• Diante da objeção de que a . . r"
",,~"~~-,..,--~ '.j '. )...)

90:0 fiança opera plutocraticamente,Montesquieu já havia replicado com a


sugestão de que ela devia ser graduadas. Não obstante, até antes de" -r·)
6.6 meados do século XIX, a pobreza das classes subalternas permane- , \ . ::.'
187 7.1 83.2
184 ceu um obstáculo eficiente para a introdução em larga escala dessa
6.9 81.6
1905-09 181 82.1 medida. Foi necessário estabelecer uma equação entre o dinheiro das
1910-13 173 83.2 classes altas e o tempo das classes subalternas; que perda de tempo
de vida numa prisão destas últimas é equivalente a uma dada soma de
dinheiro? A legislação tomou conhecimento do problema desde fins
do século XVIII. O Allgemeines Landrecht foi o primeiro a estabele-
cer equações precisas 6 . O desenvolvimento subseqüente esteve mais
_~ _ _ 0.4 5:9 conectado ao Landrecht do que a legislação revolucionária francesa,
Fonte: Rabi, op. cit., p. 20. pois tanto o Code Pénal de 25 de outubro de 1791 como o Code Rural
de 28 de setembro de 1791, que começam com a igualdade fictícia,
estabeleciam um sistema rígido de fianças calculadas de acordo com
B. ~istril5uição e Penas por Fraude uma jornada de trabalho normal, e que eram aplicadas mecanicamen-
Condenações Porcentagem pena de prisão Porcentagem º_
te7 . Ç()de..P'énal de l~JO seguiu o mesmo enfoque, embora a seve~
Ano 100.000 hab. acima 1 ano De 3 m Men os
Fianças ridade deste~ódigo i.IP.pliç~_,t~~Jl~1Lçl~gf_s_çimQ no.u_so das fianças ..
da idade imputável ou mais a 1 ano de 3 m
Em geral, a aplicação de fianças na primeira metade do século
9;'~
XIX foi pouco freqüente, pois a necessidade de comutação de penas
para encarceramento complicava extremamente o processo criminal.

4 Bentham, op. cit., p. 194 e 191.


5 Montesquieu. Esprit des lois , Livro VI, cap. XVIII.
6 Allgemeines Landrecht. Parte II, Título 20, parágrafo 85: "Fianças não
deverão ser impostas contra pessoas empobrecidas das classes subalternas,
e onde elas estão previstas na lei, devem ser comutadas para um termo de
prisão equivalente"; parágrafo 88: "Uma fiança de 5 tostões de prata será
considerada igual a 8 dias de prisão"; parágrafo 89: "O juiz pode, entretanto,
9.4 41 .7 47.5 de acordo com a condição econômÍca especial do delinqüente, aumentar a
Fonte: Rabi, op. cit., p. 27. fiança de 10-40 tostões de prata para 8 dias na prisão",
7 Ver a crítica da legislação revolucionária em Chauveau e Hélie, op, cit., I,

p, 240-42; ver também W. Seagle, "Fines", Encyclopaedia of the Social


Sciences, VI, Nova Iorque, 1931, p. 250.
228
229
ças. O cálculo do valor da fiança de acordo com a condição do delin-
Enqua~to justificativa teórica, o argumento corrente era de que o uso qüente e o montante do prejuízo provocado pelo seu crime eram os
e.x~enSIV? de fianças traria um efeito econômico negativo, que interfe-
principais problemas. A fiança não devia exceder a capacidade de pa-
nna na cIrculação de moeda e reduziria a riqueza nacional8 . O declínio gamento do condenado, mas precisava ser superior ao prejuízo cau-
d? desemprego e o aumento do nível de vida na segunda metade do sado com seu ato ilegal. No século XIX, não se encontrou nenhuma
. ' seculo XIX, entretanto, introduziram uma mudança fundamental. Muitas solução que não violasse uma ou outra exigência seriamente. Como
. ' ' ; \; ~'., '&-)-~' das dificuldade: iniciais que obstaculizavam o sistema de fiança per-
resultado, as prisões foram lotadas por pessoas incapazes de pagar a
.,:,. ,I deram força. A e~fase crescente em bens materiais garantia um argu- . fiança que lhes era infligida. Em fins de 1913,49,6% de todos os
;.:'. ;'L'. ment? ~ara a aplIcação extensiva de fianças em substituição às penas homens e 68,2% de todas as mulheres enviaqas às prisões inglesas
"";' 1."- ~,,;.. ~?e pnsao .de curta duração. A moeda tornou-se a medida das coisas, e l2
estavam lá por falta de pagamento de fiança . De um ponto de vista
, - era perfeItamente pertinente que o Estado, que havia estendido os puramente teórico, essas pessoas foram encarceradas por débito, e
'k \e, ...\" , privilégios positivos sob a forma monetária, devesse também introdu-
não porque deviam assim ser punidas, uma vez que iam para trás das
:> ? zir p~i:,il~gio nega~ivo de resgatar riquezas através da punição por grades somente porque não podiam arcar com uma obrigação finan-
delmquencla.JtQn~~Ml~) y m procureur francês, argumentou em mea-
ceira; o Estado, por sua vez, estava disposto a liberá-los no momento
dos do século XIX que virtude e riqueza, vício e pobreza, constituem em que eles pagassem 13 . Era irrelevante o fato de as prisões estarem
p.ares de co~c~itos antitéticos. Uma vez que a virtude é premiada pela lotadas com pessoas sentenciadas a pagar fiança, precisamente por-
nqueza, o VIClO traz o empobreciment0 9 . que elas não eram consideradas rnrecedoras de uma sanção tão grave
A defesa ~or~l do sistema de fianças foi acompanhada por argu- como o encarceramento.
ment~s econômlcos. Uma sociedade, escreveu="Ç1ering, "que sacrifi- Se a tese da conversão da fia.!ls.ª-i~~J~Y.ª-ciª-.~_.sua .e)(.!relIla mas
ca a.vlda ou o te~po de trabalho de seus membros com o objetivo de lógi~a concl~são - c~m~ ~~' ~i;tema francês de contrainte de corps,
pumr, sem que taIS medidas sejam estritamente necessárias, atua con- -que privava de liberdade o condenado, por tempo indeterminado, até
tra seu próprio interesse, tanto quanto o proprietário que maltrata seu que ele efetuasse o pagamento -, chega-se a outros problemas inte.~es­
a~lma
' l"IOAfi - custa nada ao Estado, enquanto produz o má-
' . . lança nao santes e insolúveis 14. Opositores do contrainte de corps têm repetlda-
XImo de efeIt~ penal. O sistema econômico mantém sua força de tra- ' ~ente apontado que aqueles claramente impossibilitados de pagar eram
balho, a fa.rru1la do condenado não é empurrada para a caridade públi-
ca, e a ~ocIedade, representada pelo Estado, recebe recompensas pelo
\' postos em pé de igualdade com os que fraudulentamente recusavam-

I
mal feIto a ele, em vez de pagar os custos da punição II .
. Certas dificuldades ainda pennanecem no caminho de uma com-
pleta racionalização do sistema penal ao longo da introdução das fian- 12Fox. Modem English Prison, p. 199.
\ 13 Um dos mais recentes códigos criminais, o italiano de 1930, que,
alegadamente, não é um produto do espírito capitalista, mantém no Artigo
g E. H.enke. Handbuch des Criminalrechts und der Criminalpolitik, Berlim,
e Stettm, 1823-38, I, p. 482-88. I 136 a noção de comutação desnudada, quando se refere aos afortunados
que podem pagar: "O condenado pode sempre terminar a pena substituta
de encarceramento se pagar a fiança; será feita uma dedução correspondente
9 M . A. Bonneville. Des pénalités au double point de vue de la
répression des méfaits e du soulagement des classes indigentes. ao tempo de prisão já cumprido".
14 Bonneville, op. cit, p. 13-14, o considera um dos logros mais positivos do
Versalhes, 1847, p. 8 eIS.
sistema de contrainte de corps , pois se trata de uma questão de encarceramento
10 Ihering, op. cil, I, p. 375-76.
por débito, e não tem nada a ver com a pena de prisão, seja na teoria, seja na
II Ver, por exemplo, o argumento característico de Michaud op Cl't p
182 e 224. ' . ., . prática.
231
230 ( -- ,
(
lOi .. \:\ , '; )

. 112-·".\ ·.h·
se a pagar l5 . O sistema precisa assumir que aqueles punidos com fian- Podemos ver, portanto, que uma prática legislativa e administrativa cuida-
,I
ça sejam capazes de pagar e, então, justifica-se o encarceramento pelo dosamente projetada pode reduzir as injustiças inerentes à operacionalização
não pagamento. A burocracia francesa estava bem advertida da neces- do sistema de fianças, uma vez que isto afeta as classes subalternas, e não
sidade desse pressuposto. Na discussão para sancionar uma lei, em 22 resolve o problema fundamental.
de julho de 1867, estabelecendo um período máximo de dois anos para O princípio de pagamento de cotas foi introduzido em ànos re-
contrainte de corps, foi feita a proposta lógica de isentar qualquer pes- centes, com vistas a evitar a superlotação carcerária com quem não
soa que provasse sua incapacidade de pagar. A administração lutou pode pagar fiança. Produziu o efeito desejado de manter o maior nú-
pela proposta com o argumento válido de que o pobre seria, então, . mero possível de pessoas fora das grades. Desse modo, 10.542 pes-
imune à punição. Para evitar esse resultado desafortunado, chegou-se soas foram recolhidas a prisões inglesas em 1935 por não pagamento
a um acordo através do qual os condenados que provassem insolvên- de fianças, mas em 1936, como resultado do Money Payments (Justice
cia seriam encarcerados pelo período máximo de um ano l6 . Hoje em Procedure Act 25&26 Geo. 5, c,46), esse número caiu para cerca de
dia, a ficção de que o contrainte de corps é um método de forçar o 7.400 18 • O sistema de pagamento de cotas tornou-se igualmente co-
pagamento de um débito com o Estado foi abandonada na prática. mum na Alemanha depois das leis de 20 de outubro de 1923 e 6 de
U ma lei de 30 de dezembro de 1928 estabeleceu um máximo de seis fevereiro de 1924, que permitiam uma substituição geral de fianças
meses de prisã~ previa uma graduação do peliodo de encarceramento por sentenças de prisão com menos de três meses. A aplicação amena
de acordo com o montante da fiança. de um tal sistema é fortemente condicionada pelo mercado. Esforços
Um estatuto sueco de 1937 indica os limites precisos pelos quais é para reduzir a comutação ao mínimo através de pagamentos por cotas
possível converter o sistema de comutação de fianças em encarceramento, e, portanto, para tornar o sistema de fiança aplicável a pessoas que se
sob relações sociais vigentes. Este estatuto legal progressivo requer um encontram em circunstâncias muito difíceis, só podem ter sucesso
segundo exame do caso antes da comutação, e abre a possibilidade de . quando o estrato afetado recebe um ordenado, ainda que muito baixo.
isenção de sentença, quando o delinqüente é incapaz de pagar a fiança. Isto fica evidente ao se observar a correlação entre o total de conde-
Entretanto, a comutação é mandatória, se o prisioneiro é inadimplente por nações e o encarceramento por falta de pagamento de fiança na Ale-
negligência ou se a sua reabilitação é considerada necessária. Para que manha entre 1925 e 1931.
não houvesse dúvida sobre a intenção da legislatura a esse respeito, um
comentarista oficial diz: "Ela [a retenção da comutação] tem suas bases 18 Report of Commissioners of Prisons ... 1935, p. 8. A tendência a reduzir

na ameaça à segurança pública que pode ocorrer se a fiança infligida aos o .número de encarceramentos por pagamento de fiança retornou com o
Criminal Justice Administration Act de 1914 (4&5 Geo. 5, c. 58).
pobres não puder ser comutada mesmo nos casos de reincidência"17.
IS Mais recentemente, E. Neymark, "La peine d'amende", Revue de Droit

Pénal et de Criminologie) 1928, p. 1070-71.


16 Ver o instrutivo debate em Recueil général des lois et arrêts (Sirey),

LXVII, Paris, 1867, p. 169 (nota).


17 Este comentário oficial sobre o estatuto pode ser encontrado no relatório

de M. Heuman sobre a Suécia no Zeitschrift für die gesamte Strafrechtswis-


senschaft, LVII, 1938, 549-51. Ver também o Artigo 49, 3, do novo Código
Penal suíço de 21 de dezembro de 1937 (a entrar em vigor em IOde janeiro de
1942), que é concebido nos mesmos parâmetros do estatuto sueco. Ele prevê,
pelo menos na teoria, que não deve haver comutação se o delinqUente provar Fonte: Report of the Commissioners
.
o f P"sons .. .. 1935, p. 9. Fonte: Compilado do Compte généraJ....
que "é incapaz de pagar a fiança, e não por sua culpa".
232 233
2!?.!..4
23.7 11.8
~ Lesão c I QS 94.4 95.7 51.2
Resistência
à prisão ou 40.0 80.7 63.9 48.4 22.7 16.9 16.4
lesão a policial
Violação de 52.4 42.9 $1.3
,domicíl!2'
Perdas dolosas 63.1 79.3 64.3
15.5 24.4
- furto
Recepção de
.3 0,03
.1
I
I mercadorias 20.4 22.5 30.5 36.9 21.9
roubadas
De 1926 a 1928, no auge do desenvolvimento econômico, o
M

~raugé , 10.54 10.7 46.9 34.2


percentual de fianças impostas e de fianças pagas cresceu, enquanto o Falsificações 32.2 29.9 98.0 78.4
percentual de encarceramento por falta de pagamento caiu. A reversão de selos
"

desse processo começou em 1929, com o início da crise, e continuou ao Aé!uítério 99.5 83.0 70.9 ~8.1
longo de anos. Podemos ver uma proporção inversa entre encarceramento Atentado ao
12.9 31.1 45.7 34.3
pudor
por falta de pagamento de fiança e o número de fianças impostas. Esta
.Aborto 0 ..1 ~ x ·1'.0 .< '. 24;5
última decresceu num período de acentuado desemprego, por causa das
Total de Crimes 49.36" 57.64 b 67.35 C
45.18d 16.72" 16.89 8.099
reduzidas possibilidades de recolhimento de fianças, enquanto o índice
de inadimplência aumentou rapidamente'". a imputada pelo tribunal correctionnel
bibid
A extensão até a qual um sistema de fiança pode ser desenvolvido e
c Código Penal, sem arruaça e embriaguez
o caráter dos delitos aos quais ele deve ser aplicado, independentemente d Reichsstrafgesetzbucn somente
do país, não é algo relativo simplesmente a problemas de costume legal e Códigos Penal e Comercial
ou judicial. Há uma influência decisiva de toda a situação social e das f Sem a rubrica "outras infrações"
g Código Penal e leis especiais
condições dos vários estratos sociais.
O quadro 19 mostra os mais recentes dados sobre o número de Fontes: França, Compte générale de I'administration de Ia justice civile et
sentenciados a fianças em vários países.Há muitas lacunas neste quadro e commercielle et de Ia justice criminelle pendant I'année 1933 (Paris, 1937); Bélgica,
Statistique judiciaire de Ia Belgique 1930 (Bruxelas, 1933); Suécia, Brottsligheten
ãr 1934 (Estocolmo, 1937); Alemanha, Kriminalstatistik des deutschen Reiches für
1933 (Berlim, 1936); Itália, Statistica della criminalità 1928 (Roma, 1935); Polônia,
Concise Statistical Year Book of Poland 1936 (Varsóvia, 1936); Bulgária, Statistique
19 Não pode ser estabeleci da uma relação similar entre encarceramento por
criminelle 1935 (Sofia, 1936).
falta de pagamento de fiança e condições de mercado entre a França e a
Inglaterra, pois a tendência atual nos dois países é manter essa comutação
ao rriínimo.
234 235
Dos 6.461 condenados na Alemanha em 1933 por violação de regu-
as categorias não são sempre idênticas, mas um ponto fica claramente
lamentos relativos a jornada de trabalho, dois foram sentenciados a
assentado. Quanto mais pobre a população de um país, menos freqüente
prisão por menos de três meses e o resto foi afiançado. Dos 378
é o uso de fiança para os delitos característicos das massas. Os dados
condenados por repetidas violações dos mesmos regulatnentos, um
para a Itália, Polônia e Bulgária são inequívocos. O fato de as estatí~tica~
foi sentenciado a um termo de prisão regular e outro a uma forma
alemãs de 1933 diferirem profundamente das desse grupo de patses e
branda de encarceramento chamada Haft 21 •
uma evidência clara de que a freqüência de fianças não é primordialmente
o resultado de medidas legislati vas ou judiciais ou de teorias, mas antes o Essa difusa equiparação entre as violações de leis trabalhistas e
reflexo das condições econômicas e sociais. Em países onde um largo os ilícitos de natureza administrativa é assunto que requer atenção,
estrato da população ainda vive fora da esfera das relações capitalis~a: e pois este tipo de delito, mais que os crimes contra a propriedade,
não lida com moeda e bens de consumo, a fiança tende a ser uma puruçao permite benefícios econômicos. Uma vez que a prática visa a arreca-
para crimes específicos das classes média e alta, à semelhança do que dar fianças leves sem olhar para o lucro advindo da transgressão, a
ocorria na Idade Média. eficácia das leis trabalhistas é prejudicada? pois, nesse caso, não se
aplica o princípio geral de que a punição precisa ser suficiente para
O sistema de fianças (especialmente depois que o pagamento por
negar os lucros do crime. A recompensa é maior do que o risco, ou,
cotas tornou-se comum) ajudou a esvaziar as prisões e reduziu os custos
como sublinhou um inspetor de fábrica inglês citado por Marx:
e o trabalho da administração, que de outra maneira teria crescido imen-
samente com o aumento do número de delitos administrativos. O proces- O lucro a ser obtido por isto [trabalho extra violando o Act] parece
so de racionalização foi particularmente forte em dois tipos de delito: ser de longe uma tentação à qual eles não conseguem resistir; eles
calculam a chance de não serem descobertos; e quando verificam o
1. Casos nos qyais o E~1ª-4º nãº-lHJ~_çis.a ter qualquer preocupa: baixo montante de penalidade e custos que os condenados têm de
J;_ãOcOl11.Q4?linllil.e.YJ-te. A violação dos regulamentos policiais aume~­ pagar, acham que, se forem detidos, ainda assim, teriam uma vanta-
tau constantemente com a crescente complexidade das relações SOCI- gem de ganhos considerável22 .
ais. O único interesse do Estado nesses delitos é compelir à obediên-
A falta de efetivação de uma tal prática criminal é clara a partir
cia impondo fianças suficientemente altas. Se o interesse ou o prazer
do delinqüente em transgredir as normas for restringido ou não, de- das estatísticas francesas. A reincidência é escandalosamenteJ~eCill~n.t~.
pende inteiramente da eficiência com a qual as autoridades irão con- O Tribunal de police, onde os primeiros delitos contra as leis trabalhis-
trolar a observância das normas e reprimir as violações. O fracasso da tas foram julgados, condenou 2.307 transgressores em 1922 e 3.341
tarefa de reprimir com suficiente vigor leva automaticamente a várias em 1932, enquanto o Tribunal Correctionel; a corte que lida com as
transgressões, pois esses delitos meramente técnicos não são acom- ocorrências reincidentes no espaço de menos ?e um ano, assim como
panhados por nenhum sentimento de culpa ou arrependimento. de poucos casos especiais, condenou 296 em 1922 e 2.652 em 1932,
todos sentenciados a fianças 23 .
2. ViolC!:fão de leisJrqjJ-.!ll!!is~q~~€!los empregadores. Na prática
judicial européia, esses delitos são tratados da mesma maneira que ~s
violações dos regulamentos policiais. As estatísticas ~e ~ualqu~r ~at~
I 21 Kriminalstatistik für das Jahr 1933, p. 182. Sob o regime nacional-

socialista, as condições ficaram ainda piores. Um relatório do


mostram que há uma unanimidade marcante em restnngIr a pumçao a
fiança. Na Inglaterra, por exemplo, 97% de todos os condenados em
1928 por violação de leis trabalhistas foram afiançados; em 1934, esse
! Gewerbeaufsichtsamt, citado em Soziale Praxis (1938), p. 241, sublinha a
difusão da prática de escapar do processo legal por violaçoes de leis

I
trabalhistas através de contribuições voluntárias para organizações de
percentual foi de 95 %. Ninguém foi preso por mais de três meses 20 . caridade.
22 Marx. O Capital, I, p. 267.

23 Dados retirados da Statistique criminelle.


20 Criminal Statistics, England and Wales 1928, p. 66; 1934, p. 66.
237
236
T
Pode-se afirmar que as autoridades gostariam de assegurar uma
processo encontrou sua expressão mais completa nos delitos pura-
conduta legal em relação às leis trabalhistas. Entretanto, em outro gru-
mente policiais, como j á vimos. O sistema de fiança é, portanto, seme-
po de delitos, incluindo mendicância e prostit~ição, ~uníve~s atrav~~
lhante a um sistema de licenças, mas difere da prática administrativa
de fianças em alguns países, o Estado sequer tmha a mtençao de pOI
usual que requer a licença antes de ser dada a permissão, pois a taxa é
um fim a uma situação considerada indesejável. Tudo o que se preten-
paga depois do ato, e tão-somente se o ato for apreendido. Isto é
dia era uma medida de supervisão e observância de certas regras for-
igualmente verdade para as violações de leis trabalhistas pelos empre-
mais na prática de certas ocupações. Ditenta(! J1oY~_Pm:Ç~)ltº de todª§
gadores, que na prática têm sido postas no mesmo nível das violações
as prostitutas condenadas na Inglaterra eml928 é:.12~1Jº_@m§~n~_~ de regulamentos policiais.
dadas aJianças, assim como, de todos os condenado~ por vadIagem
(Vagrancy Acts) em 1928 e 1934, 67% e 60% r~spectIvamen~e rece- .Diferentemente do encarceramento, a fiança não precisa ter o
beram essa sentença24 . Tal punição não é obVIamente destmada a efeito negativo de intromissão em toda a vida do sujeito. Tem caráter
ressocializar os grupos envolvidos ou tirá-los de seus negócios. Se distinto, a despeito de todos os esforços em contrário, porque seu
fosse assim, as fianças não seriam imputadas a pessoas repr?va~as efeito em camadas sociais diferentes é mais diverso. O aspecto penal
pela maneira através da qual ganham ~ vida,.uma vez ~ue o dI~he~ro virtualmente desapareceu no caso de delinqüentes ricos que podem
com que as fianças são pagas deve obngatonamente VIr das propnas pagar a fiança sem sentir ou que podem evitá-la, especialmente onde
ocupações - no caso, ocupações condenadas. 25A" Ulllca conc1-
u~a~, as violações de regulamentos policiais ou de leis trabalhistas não re-
portanto, é que o Estado imputa fianças porque desaprova essas atIvI- presentam qualquer estigma social. O principal efeito da punição de
dades mas não está seriamente preparado para acabar com elas. O delitos graves repousa no estigma social e nas fichas policiais. Para a
Estad~ descansa contente com as fianças, pois não está interessado no maioria das pessoas, entretanto, esta forma racionalizada de adminis-
estrato sodal em questão, menos ainda na reabilitação dessas p~ssoas. tração da justiça criminal não produz efeitos importantes, uma vez que
E sobretudo porque a pena de prisão termina sempre por ~e~ maI~ uma necessitaria de restrições maiores e de expor o delinqüente e seus
escolha antieconômica de enfrentar as dificuldades admmIstratlvas e parentes ao vexame27 . Se o delinqüente possui propriedade, mas rece-
financeiras. be um pequeno porém constante rendimento, a fiança constitui uma
perda séria, e tem um caráter penal real se não se pode burlá-la. A
Desenvolveu-se uma comercialização extensa do sistema penal
situação é ainda pior nos freqüentes casos em que o delito é, no todo
com a difusão do uso da fiança. A tendência que aflora em fins do
ou em parte, conseqüência de total miséria. A impossibilidade de uma
século XVIII, de considerar a administração da justiça criminal como
política sensível de fianças para esta última categoria sempre foi dis-
um item em débito no orçamento, não foi destruída por esse processo
. enfraquecI'd a 26 . O cutida. Já lidam.os comum aspecto desse problema, a comutação de
de comercialização, mas ficou, de alguma maneIra,
fianças para encarceramento. O alvo favorito, geralmente colocado
nos estatutos, é a eliminação do encarceramento por falta de paga-
mento de fianças, através da permissão para que o delinqüente traba-
24 Criminal Statistics, England and Wales 1928, p. 67 e 68; 1934, p: 66.
Sobre a imputação de fianças às prostitutas na Inglaterra, ver I. Jennmgs,
"The Criminal Statistics 1935", Howard Journal, V (1938), p. 11-12. considerando a fiança como "pura receita fiscal", e tem advogado o seu uso
25 Por esta razão, as fianças eram raramente imputadas às pr?sti~utas nas como compensação por danos . Isto vai muito além do processo de comer-
cidades americanas; ver Sutherland, op. cit., p. 536. A tendencJa .co.nt,:-a cialização, portanto, e faria do Estado uma agência de coleta livre num grau
fianças é mais forte na França, onde os regulamentos para, a. prostltUlçao maior do que no presente, quando desempenha esta função abrangentemente
são estritamente um assunto administrativo (menos na Alsacla-Lorena). através do tratamento da punição inerente ao sistema legal.
26 Hentig, op. cit., p . 224-25, rec(:ntemente tomou posição contrári a, 27 Ver as observações de Solicitar, English Justice, p. 222.
\ ' ,
'C\-r:, / i- ;/ "
\<~) I \ ~r .1\ ,
'."'): \~~3~ ), " (
\ \,.\
... . 239
lhe para saldar sua dívida28 . Esta solução raramente foi levada adiante
na prática, e por uma boa razão. A imputação de fianças sobre delin-
qüentes pobres pressupõe que o Estado não seja forçado a se envolver
XI.
Novas tendências na política penal sob o fascismo
com o delinqüente e sua situação social, ao contrário do que deve
fazer, ainda que de maneira limitada, quando está diante de um preso e
de sua faIlll1ia. Mas, se o Estado deve receber serviços do condenado,
será obrigado a procurar uma colocação que seja suficiente para mantê- A teoria reformista moderna, como já foi visto, não destruiu a
lo e à sua família e ainda permitir o pagamento da fiança. O aparato noção de que a política de repressão é um caminho satisfatório para
para a administração da justiça criminal não está ajustado para esta combater o crime. A conclusão geral esboçada pela publicação oficial
atividade positiva, nem se espera que seja ajustado sob as concepções sobre estatísticas criminais do Ministério do Interior inglês para o ano
vigentes. Podemos seguramente concluir, portanto, que a aplicação . de 1928 (publicada em 1930) é muito sintomática:
de fianças tem limites naturais nas condições materiais das camadas Se é preciso aventar uma conclusão sumária, talvez seja a de que os
subalternas da população. esforços da comunidade para lidar com delinqüentes com indul-
gência, através de várias leis e práticas experimentadas pela gera-
ção anterior, podem ser bem sucedidos também para a geração atu-
aI, porque entre esta o índice de delitos graves é reduzido; mas se os
mesmos métodos foram bons, e ainda continuarão a ser bons para
a nova geração, é uma outra historia I.
É fácil ver por que estas reflexões ganharam um sentido maior
com o rompimento da crise e conseqüente aumento da criminalidade.
Os efeitos do crescimento do crime sobre a política penal são
r ' ~.
maisvisíveis na Alemanha, país onde a crise foi mais severa, e no qual L ),~r;_
a redução dos salários e o desemprego propiciaram um declínio acentu-
ado no nível de vida de amplos setores da população. Durante a crise, as
f, 7'
prisões alemãs ficaram lotadas pela primeira vez em muitos anos. A admi-
nistração mal pôde acomodar este afluxo, especialmente porque muitas _ r\
instituições obsoletas foram abandonadas durante os anos de crescimen- ,/ L . , , ': ,

to, quando o número de crimes e de condenações tinha sido compara-


tivamente baixo. A crise também tornou cada vez mais difícil encon-
. trar trabalho para os presos. As condições carcerárias automaticamente .
se deterioraram como resultado desses dois fatores, sem qualquer es-
forço consciente por parte da administração.,pziembowski, funcioná-
rio de uma prisão prussiana, escreveu no começo de 1932:
Com muito poucas expectativas, os prisioneiros ociosos hoje em
dia sentem que a ociosidade imposta a eles por necessidade
28 Ver, por exemplo, Artigo 28, b, 1, do Reichsstrafgesetzbuch, e, mais

recentemente, Artigo 49, 1, o novo código suíço já mencionado. I Criminal Statistics, England and Wales 1928 (Londres, 1930), p. LXII.
240 241
'\. -.

nho, para caracterizá-la como uma instituição educacional. Estas


tentativas falharam em seus propósitos. As vozes se elevaram nos
gabinetes dos guardas carcerários e dos altos funcionários, cla-
mando a impossibilidade da educação penal e asseverando que a
velha teoria da dissuasão é a única correta3 .
Assertivas como esta são suficientes para refutar as acusações
de que a República de Weimar era o paraíso do criminoso, uma visão
que foi ocasionalmente expressada antes da mudança política de 1933,
Fonte: Criminal Statistics, England and Wale, 1934, p. XI; Amend, op.cit., pp.62 e 65.
e muito mais freqüentemente depois 4 . •

econômica toma-os vítimas de uma medida que intensifica o sofri- Os últimos reformadores do século XIX, cujas idéias influenci-
mento (... ) Nós sentimos em um grau cada vez maior que, na prisão, aram a prática alemã do pós-guerra, sempre insistiram na manutenção
estamos perdendo o contato com os presos. Eles pedem trabalho, de todas as garantias do processo legal ao lado de uma reforma penal
uma necessidade que toma-se mais urgente cada dia (... ) Como progressiva. O grupo agora no poder não está interessado nisso. A
resultado da atual ociosidade, muitos prisioneiros não ficam sufici- processualística e a lei substantiva que foram fixadas impediriam pre-
entemente cansados para requererem o usual período de descan- cisamente o desenvolvimento de novas relações de poder. A preserva-
so. Eles deitam no escuro por horas, sem dormir, são prontamente
tomados por maus pensamentos sob tais condições. Os presos
3 H. Finke. Der Rechtsbrecher im Lichte der Erziehung (Weimar, 1931), p. 49.
não são, certamente, as únicas pessoas que devem deitar-se cedo
Cf. Eberhard Schmidt, Strafrechtsreform und Kulturkrise (Tübingen, 1931),
para economizar luz, mas a semelhança de suas condições e as do p. 19: "Muitos dos postulados da política reformista alemã correm o risco de
mundo fora das grades termina a~. se tomar slogans baratos e obscuros. Os ideais reformistas, que deveriam ser
O programa de reforma encontrou muitos obstáculos mesmo o fundamento de toda medida preventiva do sistema de gradação, continuam
antes do deslanchar da crise, a despeito de sua aceitação parcial em nesse risco. Já foi corre~amente apontado que, quanto mais freqüente for o
várias leis e regulamentos administrativos. Por volta de 1931, dois uso da terminologia educacional em leis e regulamentos, assim como em artigos
anos antes da mudança política, o fracasso da reforma tinha um reco- de jornais e trabalhos acadêmicos, nenhuma administração penal educacional
e reformista será criada desta maneira".
nhecimento mais ou menos unânime. Finke, um alto funcionário
4 Embora estas queixas fossem menos freqüentes antes de 1933, temos
prussiano, expressou este fato claramente, por trás de todas as ambi-
manifestações como a de W. Sauer, Kriminalsoziologie (Berlim e Leipzig,
güidades características de sua fraseologia:
1933), p. 169, a seguir: "Quando as pessoas ouvem sistematicamente, a
Toda inovação requer um período de maturação durante o qual ela propósito do sistema penal moderno, que um delinqüente profissional, um
fica exposta a todas as forças negativas de desenvolvimento ( ... ) usurpador, um trapaceiro, um fraudador, está bem alimentado, entretido com
nós não estamos mais no estágio intermediário da evolução, por- música e rádio, recebe treinamento vocacional grátis, tem a saúde preservada
tanto, mas nos aproximamos de seu fim, que é um fiasco. As auto- com banhos, férias de verão e serviços odontológicos grátis, então os piores
ridades do pós-guerra têm mostrado grande zelo pelos interesses elementos da população são estimulados ao crime enquanto os melhores
das instituições de caridade e educação, e foram feitas tentativas, perdem qualquer crença que tenham depositado no Estado, qualquer esperança
dez anos atrás, de direcionar a administração penal num novo carni- numa administração da justiça justa e compreensiva - até que finalmente eles
também ficam revoltados e se tomam vítimas da tentação do crime ..Depois d~
mU º--aJ!ç~olítica em 1933, o "paraíso carcerário de Weimar" tomou-se um dos
2 W. Dziembowski. "Rückblick-Ausblick am Jahresanfang 1932", Der tewas favoritos da nova ideologia, repetida ao infinito em livros, periódicos e
Strafvollzug, XXII (1932), p. 3-4. .i2-~~is ..
242 243

.~
-L • f' ' I ,' '' '

nacional saudável" como parâmetros normativos oficiais7 . Esse pro-


ção de normas ex atas e calculáveis do direito penal daria à oposição cesso ajudou consideravelmente a limitar a liberdade de decisão dos
política um ponto de partida, pois permitiria à burocracia judiciária, juízes, de quem se espera que siga a vontade do grupo politicamente
que havia ganho uma considerável independência política na República dominante ao interpretar essas concepções. A influência da acusação,
de Weimar, exercitar um certo controle sobre o executivo. Este poder sempre latente no processo criminal alemão, foi fortalecida pela legis-
havia sido reduzido, desde o começo, através de toda uma série de leis lação em detrimento do poder do juiz e, especialmente, da defesa. As
especiais e da doutrina geral de que atos politicamente relevantes não seguintes observações de Freisler mostram a extensão da restrição à
são objeto de revisão judiciais. A despeito da aceitação formal do prin- defesa (o comentário é interessante porque a intenção do autor é re-
cípio de independência do judiciário, o novo regime na Alemanha efe- querer uma maior liberdade de ação para o advogado de defesa):
tivamente subjugou a autonomia desse poder, tomando impossível aos
juízes defenderem-se dessa pressão externa. Anteriormente, eles podi- Se eu aceitar a causa que tinha direito de aceitar como advogado
am apelar para a lei, que só poderia ser mudada através de uma nova alemão e,mais, em consideração a meus laços especiais que advêm de
legislação. Mas um estatuto que pode ser alterado a qualquer hora sem minhas ligações com certas organizações, e se eu conduzir a defesa
um processo formal é, de fato, nadamais do que uma ordem adminis- vigorosa e propriamente como um defensor público e agir dentro dos
trativa, e uma decisão judicial insatisfatória para aqueles que detêm o marcos do bem comum a que estou obrigado a respeitar, então nenhu-
poder administrativo não passa de um indício de que novos regula- ma autoridade judicial ou administrativa pode desafiar minha respon-
mentos administrativos são necessários. A passagem do princípio de sabilidadeS.
lei geral na aurora do capitalismo para o comando administrativo do A luta no campo da lei substantiva dirigecse assim contra dois
capitalismo monopolista eliminou a influência do poder judiciário so- pontos: contra "o isolamento dos conceitos 'gerais', como culpa, cum-
bre as relações entre indivíduos ou entre indivíduos e o Estado. plicidade e tentativa em crimes concretos", condenados como artifi-
_A_~~12W_~ção entre lei e moXal, um axioma do perí2Qº_g-º~apit@~!p-º ciais e abstrações sem sentido, completamente fora da realidade da
_competitivo, foi substituída por uma convicção moral imediatamente - vida9; e contra uma formulação muito precisa dos atos criminais espe-
derivada da "cons.dên<::!a dQpoyo" (Volksgewissen), uma das desig- cíficos lO . Isto representa um ataque duplo ao poder do juiz de recor-
nações mais freqüentemente usadas pela nova técnica de dominaçã0 6 .
A "consciência do povo" foi introduzida no direito penal através da ~O Art.igQ 2 do Códig9 P_~!la! !!lefllãsLC1.2)J).-ªwa diz.;_"A pena é adequada
formulação de concepções como "bem estar do povo" e "sentimento se alguém comete um ato que a lei o declara punível, ou para o qual exige
punição de acordo com a idéia básica de um estatuto penal ou de acordo
com um sentimento nacional saudável". O Artigo 266, 2, agora diz: "O
5 Ver E. R. Huber. Verfsassung (Hamburgo, 1937), p.253-56.
encarceramento é substituído por Zuchthaus por dez anos em casos
6 Para maior discussão de todo esse problema, ver F. Neumann, "Der particularmente graves. Um caso especial é particularmente grave se o ato
Funktionswandel des Gesetzes im Recht der bürgerlichen GeseUschaft", prejudicou o bem-estar do povo ..."
Zeitschrift für Sozialfor.schung, VI (1937), p. 542-96. Sobre a ruptura do
8 Freisler. "Zur Stellung des Verteidigers im neuen Strafverfahren",
princípio da separação entre lei e moralidade, ver a afirmação característica
Deutsches Strafrecht, IV (1937), 125.
de R. Freisler, "Gedanken zur Techni~ des werdenden Strafrechts", Zeitschr(ft .
für die gesamte Strafrechtwissenschaft, LV (1936), p. 510: "A substituição 9 Esta é a formulação de Carl Schmidt, Über die drei Arten des

do princípio de justiça formalista prévio pelo princípio de justiça material rechtswissenschaftlichen Denkens (Hamburgo, 1934), p. 60.
repousa sobre um reconhecimento do fato de que a lei é pautada na 10 O enfoque fenomenológico foi adotado de maneira a se afastar de uina

moralidade e não pode existir à parte, e que a administração da justiça formulação conceituaI muito precisa. Supõe-se chegar à essência de um ato
criminal não apenas deve reter esta conexão, mas fortalecê-la. Este novo criminal, não idêntico a definições estatutárias; ver G. Dahm e F. Schaffstein,
princípio é protegido através da criação da possibilidade de derivar a lei Methode und System des neuen Strafrechts (Berlim, 1937). Tem havido uma
diretamente da 'consciência do povo' (Volksgewissen)".
245
244

L
rer à sua subordinação à lei formal. O significado da reintrodução do para a defesa e proteção das classes dominantes, uma vez que a demarca-
_princípio de analogia e o abandono do princípio de nulla poena sine ção entre práticas sociais lícitas e ilícitas nos países fascistas é determina-
lege está justamente aqui. Eles dão ao governo um método para forçar da em qualquer caso por um acordo direto com a burocracia, enquanto o
os juízes resistentes a chegarem a uma interpretação desejada do esta- resto da classe média deve entender que a redução das garantias legais é
tuto. Como um último recurso, nenhuma objeção pode ser retroativa- uma conseqüência necessária à sustentação de sua posição social.
mente bloqueada pela lei do líder (Führergesetz), se necessária. A deterioração da lei penal substantiva e processual vem acom-
A teoria do direito penal italiano chegou rápido às doutrinas liberais panhada por uma mudança na política penal. A justificativa oficial
tradicionais até bem pouco tempo atrás, e ela ainda se faz refletir no para o afastamento da prática penal inspirada nos princípios de indul-
Código Penal de 1930. O significado prático dessa continuidade teórica gência e clemência típicos do período de Weimar é expressa na se-
não deve ser superestimado. Entretanto, como di~-illL. "o estabelecimen- guinte afirmação de Rietzsch, um funcionário prussiano, em 1933:
to de tribunais especiais para julgar crimes políticos contra o Estado e a Não é nada surpreendente que as queixas sobre o aumento da
formulação particularmente ampla dos tipos de crimes, junto com a sub- criminalidade se tenham tornado freqüentes entre o público e a
missão dos interesses do Estado ao interesse do governo e da administra- imprensa durante os últimos anos, e que a polícia esteja insatisfeita
ção, sem dúvida, facilitaram a manutenção dos princípios penais apenas com a falta de cooperação por parte da administração judiciária. De
para a repressão da criminalidade comum" II. Mais recentemente, os teó- fato, as cifras não deixam dúvida de que a administração criminal e
ricos italianos começaram a imitar os alemães, embora desprezem o processo judicial precisam adotar novos métodos se o crime deve
vigorosamente essa relação e insistam em sua própria originalidade e na ser efetivamente prevenido. Os verdadeiros fundamentos da políti-
tradição nacional l2 . O caráter "ilógico" da teoria penal agora ganha for- ca criminal da época passada estão superadosl 5 .
ça 13. O processo legal perde sua função como uma garantia de direitos do Nem precisamos discutir as falácias óbvias deste argumento.
indivíduo e assume o caráter de "um instrumento legal para a realização Mesmo subjetivamente, ele falha em apresentar a verdadeira base para
. dos objeÍivos punitivos do Estado" 14.
mudar toda a política de sentenças e penas. A nova prática criminal
Em resumo, todas as garantias pelas quais o liberalismo lutou des- não é mais primordialmente motivada por uma visão criminológica,
de fins do século xvm foram destruídas. Tornaram-se desnecessárias mas por uma função educacional específica. !Im dad_Q_~ignifjc:-ª!ivºAa
atual política econômica alemã é a necessidade de .m.:an!er 1:>.a.ÍJw o
oposição violenta a essa completa decomposição da lei criminal, entretanto; nível de vida das camadas subalternas. Para facilitar a aceitação desse
ver, por exemplo, E. Schwinge e L. Zimmerl, Wesensschau und konkretes programa para as massas, faz-se um esforço considerável para culti-
Ordnungsdenken im Strafrecht (Bonn, 1937); e o artigo de E. Mezger no var a distinção moral entre aqueles que são pobres, mas honestos, e o
Zeitschrift der Akademie for deutsches 'Recht, IV (1937), p. 417-21, com o
extrato que se torna criminoso. Às massas são oferecidos os infortú-
mesmo título. Sem considerar suas metodologias, entretanto, ambos os campos
têm a mesma ênfase na justiça material nos gastos com a segurança legal, o
nios de alguns em contrapartida a uma melhora geral em suas condi-
sonho de uma filosofia política do capitalismo monopolista; ver Schwinge e ções materiais e feliéidàde para todos. Esse processo de construção
Zimmerl, op. cit, p. 58; Dahm e Schaffstein, op. cit, p. 281. ideológica desempenhou um papel fundamental em todos os períodos
II Hall, op. cit., p. 186-87. críticos da era moderna, como na Revolução Francesa, como
12 Ver F. Antolisei. "Per un indirizzo realistico nella scienza deI diritto penal e", .J:todcheimer j á demonstrou 16.
Rivista Italiana di Diritto Penale, IX (1937), p. 164.
. 13Ibid., p. 135 e 163. 15 Ritzsch. "Abnahme der Strafen-Zunahme der Verbrechen", Deutsche

14 G. Bettiol. "La regola in dubio pro reo nel diritto e nel processo penale", Justiz, XCV (1933), p. 397.
Rivista Italiana di Diritto Penale, IX (1937), p. 243. 16 Horkheimer, op. Cil, p. 222-24.

246 247
, .
n·;,;. v '- " )~ i '/',

Os pensadores contemporâneos não tiveram sucesso em ocultar


esta função ideológica quando substituíram os argumentos racionais
0paspecto mais chocante do novo sistema penal é o retorno da
penãcapital. Ela é freqüentemente aplicada contra os oponentes políti-
por referências ao "sentimento do povo", à "dignidade do Estado" e à cos pelo tão falado Tribunal do Povo, um órgão administrativo, e está
"impossibilidade metafísica de fundamentar a pena,, 1? Tomou-se mais se tomando cada vez mais comum na prática criminal ordinária2o ,
(clara a fraqueza do aparato intelectual para a anunciação dos novos embora se faça pouco esforço para providenciar-lhe uma justificativa
princípios. Polizeigeneral Daluege, por exemplo, escreveu no teórica. Um teórico já anunciou: "A necessidade de mantê-la no Estado
Hakenkeuzbanner Mannheim em 5 de novembro de 1936: "O Estado nacional-socialista não requer qualquer defesa. A pena de morte é a
não pode estabelecer uma linha de demarcação muito precisa entre a expressão da dominação do todo sobre o individual ( ... )"21.'.-0 ar~
porção honrada da população e o anti -social inimigo do povo, se dese- m~ntode que a peml. _ capital s~JustiJica pgr sellS_efe,ttos .dissuasiyos
ja prevenir a selvageria moral"1 8. Contra o pano de fundo de uma volta e meio vem à baila, mas as estatísticas criminais não são muito
versão caricaturada dos métodos humanitários de Weimar 19 , o nacio- conclusivas.
nal-socialismo projetou um novo sistema, no qual os elementos de
uma doutrina racista, biologista determinista, foram associados aos a. A variação na proporção en-
tre assassinato em primeiro grau
princípios retaliatórios da teoria penal alemã clássica. As garantias da (More!) e segundo grau
lei substantiva e processual, em nome das quais os teóricos lutaram (Totschlag) representa uma mu-
contra os reformadores, tinham sido completamente destruídas. dança na prática do tribunal, e
não no crime em si.
1928 b. Os dados de 1934 não incluem
1932"".-~""QC'.-;2:;:0;;;c· -.......,..,.,.,·~
1 '7
.1 ~
0 "'
- -......,~
17 Ver, por exemplo, G. Dahm e F. Schaffstein, Lib~rales oder autoritiires aqueles que foram executados
Strafrecht (Hamburgo, 1933): "O Estado usa a punição para mostrar seu poder com base na lei de 3 de julho de
a todos. A dignidade do Estado é simbolicamente revelada na punição; 1934, que estabelece "medidas
particularmente a pena de morte mostra de um modo impressionante que o 1936 0.29 0.45 0.74 para o Estado de emergência".
indivíduo pode ser sacrificado para o bem-estar do Estado". E. Kempermann,
Fonte: Compilado de Statistisches Jahrbuch tür das deutsche Reich
"Grundzüge eines standischen Strafrechts", Zeitschrift für die gesamte
Strafrechtswissenschaft, LVI (1937), p. 10, diz até mais caracteristicamente:
"Nós estamos conscientes do fato de que nada pode ser mais apropriado aos inconfundível no sistema de gradação das penas . .1'J!ç!ºjsJº_~J.!1MKista sem_ ..._
propósitos humanitários do direito penal, e que o prosseguiIllen~o_ d.o PIopósito J:X.C_e_ção (.~) Hoje, felizmente, a maior parte dos prisioneiros segue sua disciplina
_2!!!.Jcipal da puniç~o,ah~IT-ª-c!i<;-ª-Ǫ-º.c:Io crime, somente ocorre quando somos . ordenada sem nenhuma dificuldade óbvia, e somente uns poucos abusam de
,,~rdadeiros quanto ao sentido irracional e metafísico da punição". qualquer fraqueza do sistema (... ) Este semi-anárquico estado de coisas não
18 K. Daluege, "Verbrecherbekampfung gestern und heute", pode encontrar cura assim (... ) Ao contrário, é necessário voltar atrás a roda
~ Hakenkeuzbanner Mannheim, novembro 5, 1936. do desenvolvimento (...) Resp~itº~_ orçteJ.!1J!. discipligª_~j:JI§_!l!dO_º_I!1~!ul(!~m
ser restaurados". Ver, no mesmo sentido, H. Frank, "Der Sinn der Strafe",
G!)E. Siefert, Neupreussischer Strafvollzug: Politisierung und Veifall (Halle,
1933), p. 10-17, dá um quadro vívido da nova atitude: "O contrato entre as
Bliitter for Gefiingniskunde , LXVI (19350, 191-92: "O Estado nacional- i \1
socialista, como é um Estado sob um líder autoritário, é determinado, com ,
".í.:.' :;. dasses criminosas e o Estado, garantia de convivência mútua boa, é marxista. todas as suas forças, a manter o estado de guerra contra o mundo do crime até
O descaso para com os princípios de comando e desobediência é marxista;
que este seja extirpado".
também o pacifista, atitude defectiva em relação ao delinqüente que é
20 A pena de morte foi introduzida na Itália peJo Código Penal de 1930, mas ela
considerado vítima de uma culpa social geral; o humanitarismo exagerado em
:: '. foi usada mais raramente do que na Alemanha. De acordo com o Annuario
relação a ele; a indiferença gélida em relação às suas vítimas, roubadas,
.".' humilhadas e assassinadas, seu clamor por vingança é denunciado como uma Statistico, 10 pessoas foram executadas em 1933, 9 em 1934 e 18 em 1935 .
,. .". " s\ anomalia moral; a descrença em Deus e ódio ao sentimento simples e natural ; 21 E. Wolf. "Das künftige Strafsystem und die Zumessungsgründe", Zeitschrift
" . a ênfase no intelectual e no material, que encontra sua expressão primitiva e for die gesamte Strafrechtswissenschaft, LIV (1935), p. 546-47.
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~; / Uma segunda tendência da nova política penal aparece no tratamen- decreto de 7 de outubro de 1937 mostra que a completa subordinação do
to de certos,gelitos que são imediatamente percebidos a partir da posição reformado Gerichtshilfe às necessidades da acusação serve para afastar
;>.ocial do d,elin,qüente e que não indicam qualquer oposição particular ao o mais possível as autoridades judiciárias dos valores de ordem social que
Estado. Eles são isolados de suas bases sociais e considerados uma trai- não se harmonizam mais com a nova política criminal25 . Trata-se de uma
ção à comunidade, uma violação da fidelidade compulsória ao regime. maneira de evitar qualquer discussão sobre a responsabilidade coletiva da
Mesmo contratos trabalhistas são concebidos como um tipo especial de J ,sociedade, que resultaria de uma concepção sociológica do crime. Esta
fidelidade, e a quebra de um contrato é um crime hediondo, uma "decom- concepção sociológica é reconhecidamente incompatível com a teoria
posição da vontade popular para o trabalho (volkische Arbeitswille)". totalitária26 . O conceito de responsabilidade penal fundado nessa nova
Alega-se que esta concepção remete aos ideais traçados pelo antigo direi- base mostra claramente que não se pode utilizar qualquer valoração de
to alemão, mas trata-se apenas de um método para afastar as bases soci- ordem social para determinar o grau de culpabilidade dos "cidadãos mé-
ais da criminalidade das massas22 . dios". A partir da tese de que as exigências a serem feitas à vontade do
A reorganização e supressão do Gerichtshilfe (assistência socialju- indivíduo não podem ser medidas através da potencialidade psíquica do
dicial) é um fenômeno análogo. Na República de Weimar o Gerichtshilfe delinqüente, ,Siegert, por exemplo, esboça a conclusão inicial de que o
é um fator essencial na racionalização da prática penal: ele provia o tribu- "cidadão médio" abaixa a média. "Este perigo pode ser superado", conti-
nal com informação sobre o meio social do delinqüente e sua história nua ele, "quando medimos a potencialidade psíquica do ator contra a
pessoal, que podia, então, ser levada em consideração na determinação da força de vontade do Volksgenosse. As demandas que fazemos a essa
sentença23 . Em 1937, uma comissão para a reforma do processo criminal força de vontade com vistas à sua potencialidade psíquica devem tam-
convocada pela Akademiefor deutsches Recht decidiu que o Gerichtrshilfe bém ser feita sobre a atividade do delinqüente'>27. A razão para substituir
não era necessário em todos os casos, e que onde ele poderia se desejá- o indivíduo médio pelo cidadão superior como padrão é que "cada
vel, como nas áreas metropolitanas, deveria ser considerado como um Volksgenosse terá de dizer a si próprio que um tal padrão rígido será
simples auxiliar para as atividades do processo penal e não um trabalho também aplicado para seu modo de vida, se ele vier a se tomar culpado".
social independente24 . Esta visão representa mais do que uma tentativa da Espera-se que esta mudança nos padrões traga um "redimensionamento
burocracia judiciária de intromissão na burocracia do serviço social. Um da vontade política das personalidades vacilantes"28. Quando pomos esta

22 E. Wolf, op. cit., p. 553 .. Kempermann, op. cit., p. 10, corisidera a


mendl~~,Il_cj,!, a, v-ªgabu[Jdag~m e a fuga d(), serviço compulsório como 25 Ver a discussão em Ermittlungshilfe und Straffalligenbetreuung, editado
violações significativas que levam à destruição de uma disposição específica por R. Freisler (Berlim, 1937), e especialmente o artigo de Freisler, "Sinn und
--º-º-E1it-ªcl9__(,s'1_4ndiscrye). Esses fatos constituem uma tradição. "Eles revelam Wesen einer Ermittlungshilfe fur Staatsanwalt und Gericht", p. 9-22, cujas
uma falta de ética que precisa ser considerada como uma ruptura com a idéias foram seguidas de perto no decreto de 7 de outubro de 1937. O texto do
idéia de missão do Estado, como uma traição à idéia de Estado em geral". decreto foi publicado no Deustche Justiz, XCIX (1937), p. 1546-69.
Esta operação mental está em contradição com a função repressiva imutável 26 Ver E. Mezger. Kriminalpolitik (Munique, 1934), p. 174.
da pena numa dada sociedade, portanto, que não pode ser descartada, 7.7 K. Siegert, "Der Einfl uss der Strafzwecke auf Schuld und Strafmass"
mesmo em teoria; ver a advertência de Freisler contra a aplicação excessiva Zeitschrift füe die gesamte Strafrechtwissenschft, LIV (1935), 431, repetid~
do conceito de traição, "Der Treugedanke im deutschen Strafrecht", em seu Grundzüge des Strafrechts im neuen Staate (Tübigen, 1934), p. 48-
Deutsches Strafrecht, III (1936), 193~209. 49. F. Schaffstein fala do "nível médio questionável" em seu Politische
23 Sobre o Gerichtshilfe antes de 1933, ver F. Hartung, "Soziale Gerichtschilfe", Strafrechtswissenchaft (Hamburgo, 1934), p. 21. A doutrina mais
Zeitschriftfür die gesamte Strafrechtswissenschaft, I (1930), 208-30; W. Gentz, J'
conservadora adere ainda ao parâmetro do "cidadão médio típico"; ver E.
"Aufgaben und Aujbau der Gerischtsshilfe", ibid., 235-47. Schaefer no Das Kommende deutsche Strafrecht, editado por F. Gütner (2'
24 As conclusões da Comissão foram publicadas em Gerischtssaal , ed., Berlim, 1935), p. 50.
CIX (1937), 191. 28 Siegert. "Einfluss der Strafzwecke", p. 43l.

250 251
nova fraseologia juridicista em seu contexto, percebemos sua semelhança
com a Gerichtshilfe e outras medidas destinadas a eliminar as considera- . Uma tendência a aumentar tanto a severidade quanto a duração
ções sociológicas do processo criminal. As demandas sobre o indivíduo da prisão é claramente perceptível na Alemanha. O juiz estásujeito a
crescem na medida em que as condições sociais pioram. O padrão uma ~orte pressão para intensificar as_penas soh a1egação.de. que.a
_autond_ª-~e do Es~_do deve ser defendida31 . O número de solturas tem
normal de capacidade psicológica toma-se insuficiente. O indivíduo
caído constantemente. -- -
não é medido pelas potencialidades de seu vizinho médio, mas por
alguma figura idealizada que foi construída29 . Esta concepção não pode Os dados do
ser mantida na prática, entretanto, como ambas as recentes leis de quadro 22 refletem a
mudança na atitude
anistia (alemã e italiana) mostram. Elas prevêem o perdão em massa
oficial para com os
dos criminosos num grau desconhecido nos países democráticos, ab-
processados e parti-
solutamente inc0!llpatível com a teoria empenhada em impor à coleti-
cularmente a possibi-
vidade um alto nível de moralidade 3o .
lidade decrescente de
uma defesa eficiente.
29 Em sua revisão do Strajzumessungspraxis de Rabi, no Monatschrift júr
Kriminalpsychologie, XXVIII (1937), p. 253-54, K. Lehmann admite que não é
a ideologia, mas as condições sociais as responsáveis pela rejeição a uma I O quadro 23
mostra que o desen-
volvimento carac-

I
exame profundo das bases sociais do crime. Fonte: Compilado de Statistiches Jahrbuch fOr das
terístico na prática deutsche Reich
30 Na Itália, anistias foram proclamadas pelos decretos reais n° 1.403, de 5 de

novembro de 1932, e n° 77, de 15 de fevereiro de 1937. O parágrafo 1 do decreto penal alemã, o de-
de 1932 dá anistia completa a todos os réus primários com sentenças inferio- clínio do uso de fianças e o crescimento do número e dadírração das
res a cinco anos de prisão, e o parágrafo 2 do de 1937 prevê uma redução sentenças de prisão começaram antes de Hitler subir ao poder, em 1933.
correspondente para as sentenças mais severas. O segundo decreto prevê I). crescente êeveridade d-ª.p!ffi!Ç-ªº,J29!úU!!Q,A~m última instância, uma
anistia plena para penas de menos de três anos. Sobre sua aplicação, ver F. P. ~u~ança n,a. política c~llJ~<'>!lsli_~i_ºI?-.ad~p~l~~!i~'e ~~:~~Ô~C~~ Osepi::--
Frisoli, "Considerazioni suIla recente amnestia", Rivista Italiana di Diritto
sodios polítIcos de 1933 slfiplesmente acentuaram o processo, particu-
Penale, IX (1937), p. 29-50. A motivação para esses decretos não deve ser
procurada na força extraordinária do Italia di Vittorio Veneto, como o preâm-
larmente no que tange a um maior uso da pena capital e da servidão penal,
bulo do decreto de 1932 estabelece, mas na desesperança de qualquer luta \
real contra a criminalidade das massas dos períodos de crise. \
I (Joumal Officiel, p. 7914-15), que foi o resultado de um longo debate parla-
Na Alemanha, a par da lei de anistia de 20 de dezembro de 1932 do período pré-
mentar. Esta lei não é muito generosa em sua totalidade, mas contém numero-
hitlerista (RG. Bl. I, 559), foram promulgadas as seguintes leis, que se tomaram
\ sos itens especiais visando o interesse de simpatizantes dos mais variados
aparentemente uma prática regular: 21 de março de 1933 (RG. Bl. I, 368), 7 de
grupos .sociais q~e haviam entrado em conflito com o sempre crescente corpo
agosto de 1934 (RG. Bl. I, 769), 23 de abril de 1936 (RG. Bl. I, 368),1 de março de
normativo que tinha um caráter mais administrativo do que penal. .
1938 (RG. B I. I, 433). Este éonjunto difere da legislação da República de Weimar
no fato de que os decretos não apenas liberaram em bloco todos os pri-
sioneiros com uma certa categoria de penas (um ou dois meses, ou uma fiança
I, 31 Está muito claro para os juízes que é recomendável imputar a pena sugerida
pela procuradoria. Fica acentuado que, com treinamento similar, experiência e

I
equivalente) e dispensaram casos pendentes, mas também beneficiaram os - o que é mais interessante para o problema da independência do judiciário -
atitude diante do crime, a determinação da pena por ambos os braços do
simpatizantes do regime que foram sentenciados a penas de longa duração
Esta~o deve necessariamente coincidir. A duração média das prisões tem
caso seus crimes tivessem sido cometidos "na luta pelo ideal nacional-so-
cialista" . O efeito sobre as estatísticas criminais é discutido abaixo, p. 203-4. cresc!do. em torno ~e um. terço como resultado desta nova política penal, e a
tendencIa para aplIcar tIpOS mais severos de encarceramento progride no
A diferença entre uma anistia totalitária e uma "anistia-compromissada", par-
mesmo grau; ver W. Brinkmann, "Die Ungleichheit der Strafzumessung"
lamentar, toma-se muito clara na lei de anistia francesa de 12 de julho de 1937 Deutsche Justiz, XCVIII (1936), p. 1653-57. '
252

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e na crescente proporção de penas de longa duração.
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J1 A história da fiança é especialmente interessante. Os teóricos
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fiança como uma punição em massa de nosso período, para a qual -
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pagar a fiança33. Como então este pode pagar a dívida num período de
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x o desemprego? Depois de muitas evasivas e circunlocuções, os teóri-


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(/)- do de punição, indicam como o mercado - neste caso uma melhora no
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33
Riet.zsch."Strafensystem", Das hommende deutsche Strafrecht, p. 100-101.
R. Friesler. "Sfrafensystem", Denkeschrift des Zentralausschusses der
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Strafrechtsabteilung der Akademie für deutsches Recht über die Grundzüge
eines allgemeinen deutschen Strafrechts (Berlim, 1934), p. 111.
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34 Loc. cit. e H. Eichler, Grundziige eines deutschen Strafvollstreckungs-

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cd.ci rechts (Berlim, 1934), p. 33-34.
254 255
1 .(..,.,
grande diferenciação na punição não será resolvido. As estatísticas
A reintrodução extensiva do confisco de bens no sistema penal, oficiais revelam que o custo per capita da administração da prisão
uma prática que foi mantida ao mínimo sob o liberalismo, está menos em 1931 era de 1.228 marcos (reichmarks), enquanto que em 1934
ligada ao "pensamento legal ariano"35 do que à transição do capitalis- era apenas de 721 marcos 39 . Sob estas condições, a possibilidade
mo concorrencial para o monopolista. A proteção da propriedade do de uma diferenciação apreciável entre os prisioneiros toma-se alta-
capitalista individual precisa subordinar-se à tarefa de proteção dos mente questionável, pois o nível de vida está tão baixo que a velha
grupos monopolistas que controlam o Estado, tanto contra o estran- fórmula de manter a saúde do prisioneiro e sua força de trabalho
geiro quanto contra qualquer possível ruptura dentro do próprio gru- perdeu muito de seu sentid0 4o . O fato de que o limite mais baixo
po monopolista36 . quase foi alcançado, tornando uma maior diferenciação pratica-
mente impossível, recebeu um reconhecimento quase oficial. O
Se o prolongamento da punição não é factível, Q aumento da
Denkschrift da Akademie für deutsches Rechts diz: "Desde que a
severidade pode ainda ser alcançado, piorando as condições
dieta dos prisioneiros hoje não é mais do que a quantidade requerida
carcerárias através da introdução de penas suplementares. Os ino-
[para a saúde], é necessário na prática abandonar qualquer idéia de
vadores viram-se limitados, entretanto, pois descobriram que a ten-
dar alimento substancialmente mais ou menos pobre aos internos
dência no passado fora de que formas diferentes de encarceramento
das Zuchthiiuser,,41. O- - novo regime construiu
--.---------.--.---.--.-, uma- ideologia
...---- .... -.-.. em
.. -.-.........-.-...._-. . I;
deram no mesmo. Entretanto, eles procuraram novas formas, como
torno deste processo de deterioração. A posição assumida pelas !
o Kerker, que era para ser claramente diferenciado da brandura da
representações italiana e alemã no Congresso Penitenciário em Berlim~ --l
Zuchthaus, e tentaram restabelecer a diferença, rapidamente em
em 1935, não vai além do velho princípio de que o nível de vida'nas ' I
extinção, entre esta e a prisã0 37 . Um funcionário logo apontou que
prisões não deve estar acima do nível mais baixo da população livre42 . J
o problema de tornar a pena mais severa fica complicado pelo fato
de que se deve deixar uma margem de interpretação livre para os Próximo do declínio dos padrões carcerários, uni produto da
casos disciplinares que podem receber uma pena adicional dentro deterioração geral das condições de vida, a principal marca da nova
da prisã0 38 . Mesmo que alguns métodos engenhosos possam ser política é a superpopulação carcerária. Resultado, em parte, do
vislumbrados para superar estas dificuldades, o problema de uma declínio econômico, como em todos os países, a superlotação na
Alemanha foi depois estimulada pela prorrogação da duração das
35 Freisler, ibid., p. 109.
36 Schoetensack et aI., Ergiinzungen zu den Grundzügen eines deutschen
39 "Was bedeutet Strafverblissung?" Westdeutscher Beobachter, 17 de
Strafvollstrechkungsrechts (Berlim, 1936), p. 25, falam sobre a aplicação
eventual desta pena severa, mas estão apenas se referindo a confiscos julho de 1935.
40 Schoetensack et aI., op. cit., p. 96-97.
aplicados diante de traição. Isto dá um quadro falso, pois, complementando
os confiscos contra aqueles que traem o monopólio do poder político, 41 Ibid., p. 97.

devemos também considerar os confiscos contra os estrangeiros para a ;~2:yer as conclusões do relatório de O. Weissenrieder, Actes du congres pénal
proteção dos monopólios econômicos, como está previsto numa série de .,. 1935; m, p. 205. De nada adiantou a discussão sobre o nível de vida na
leis especiais. A extensão desta última está bem descrita na fala de Goering prisão durante a depressão (p. 121-218); os representantes das chamadas
"Zur Durchführung des Vierjahresplans", pronunciada em 10 de outubro nações mais pobres, como a Grécia, a Alemanha e a Itália falaram sobre uma
de 1936, publicada no Deutsche Justiz, XCVIII (1936), p. 1629. política de manutenção do nível de vida dentro da prisão abaixo do das classes
37 Friesler. Denkschrift ... allgemeinen deutschen Strafrechts, p. 131;
mais pobres, enquanto os oradores dos países mais ricos cautelosamente
Schoetensack et aI., op. cit., p. 75.
38 Rietzsch. Das komniende deutsdche Strafrecht, p. 131; Schoetensack et

aI., op. cit., p. 75.


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evitavam uma afirmação categórica de princípios, apontando a impossibilidade (
de comparação entre ambos.
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256
fato é claramente visível através da intensa prática judicial, e as publi-
cações oficiais não o escondem47 . ção nos anos de 1934 e 1935 5°; mas esses dados são duvidados por
várias razões. Sobretudo, como uma parte da perda de emprego é
A superlotação é acompanhada por uma inabilidade para encon-
absorvida pela rubrica "outras razões", não podemos falar de um
trar trabalho produtivo suficiente para os prisioneiros. A crise limitou
declínio da desocupação carcerária como um todo. Aquele percentual
o trabalho nas prisões mesmo nos países com menos condenados 48, e
de queda que se deve ao uso do trabalho do condenado para sanea-
a situação ficou ainda pior nos países cujas prisões estavam su-
mento de áreas afetadas por malária não pode corresponder à consi-
perlotadas, como mostra o quadro 2649 : um declínio acentuado no
deração da força de trabalho ocupada e precisaria ser excluído dessa
nível de desemprego por "falta de trabalho" nos cárceres italianos em
classificaçã051 . Tal trabalho forçado tem se tomado comum na Alema-
1933, declínio sobre o qual os relatórios oficiais indicam uma acelera-
nha, também52 . Não tem nada a ver, mesmo aproximadamente, com a
QUADRO 26. Emprego do trabalho carcerário em percentuais regra que estabelece que "tanto quanto possível, o trabalho deveria ser
instrutivo e de forma que possibilite os prisioneiros a ganharem sua
sobrevivência depois da liberdade"53.
Na Alemanha, a escassez de trabalho e matéria-prima deu recen-
temente um certo impulso ao emprego de condenados na recuperação
de materiais usados, que deve fazer algum sentido do ponto de vista
de uma economia de guerra, mas que dificilmente pode ser considera~
do um treinamento vocacional para o prisioneir054 . É evidente que o
problema da reabilitação foi arquivado, juntamente com os esforços
de preparar o condenado, pelo menos fisicamente, para entrar na luta
Fonte: Statistica degli Istituti di prevenzione ... , p. 26, e Statistique pénitentiaire pela subsistência depois de sua liberação.

"superlotação ocasional", mas precisa admitir que o isolamento à noite 50 D' Arienzo, op. cit., p. 333, afirma que o desemprego por falta de

não pode ser universalmente imposto. Ver o survey crítico das condições oportunidade de trabalho decresceu de 3,5% em 1934 para 1,5% em 1935.
carcerárias italianas de L. Belym, "La Statistique pénitentiaire d'Italie et la 51 Loc. cit.
crise du régime cellulaire", Revue de Droit Pénal et de Criminologie (1932) , 52 Freisler. "Strafensystem", p. 106. A teoria para esse trabalho forçado foi
547-67, que fala do "caráter claramente repressivo do sistema carcerário assentada em 1932 por Sauer, op. cit., p. 159, que considerou a intensificação
italiano". do trabalho como uma pena adequada, quando acompanhada de uma dieta
47 Ver O. Weissenrieder, "Überbelgung trtoz Sinken der Kriminalitat", planejada de acordo com as calorias requeridas para uma alimentação reduzida.
Blatter for GefangniskU1'}de, LXVII (1936), 316-19. Ele evita cuidadosamente 53 Artigo 10 dos regulamentos assentados pela Comissão Internacional
apresentar qualquer dado concreto para a atual superlotação carcerária, Penal e Penitenciária em 1929 e recomendados pela Assembléia da Liga
mas admite abertamente o fato , e, o que é ainda mais interessante, as parcas das Nações em 1934 como um programa mínimo; Series for League of
perspectivas de mudança na política criminal e penal contemporânea. Cf. Nations Publications IV, 11, Penal and Penitentiary Questions, p. 5.
os dados da Polônia, citados anteriormente.
54 Ver, por exemplo, Heider. "Eine zeitgemasse und wirtschaftlich wertvolle
48 Ver por exemplo, o capítulo relevante de Mossé, Varités pénitentiaires.
Gefangenenarbeit, die keine Konkurrenz sein kann", Blatter für
49 Na Polônia, em 1930, somente 124 de 346 prisões tinham oficinas, e Gefangniskunde, LXVIII (1937), p. 124-30; Langehan. "Der Vierjahresplan
nestas havia apenas 2.217 dias de trabalho de um total de 10.190 dias de und die Gefangenenarbeit", ibid., p. 294-96; R. Freisler. "Arbeitseinsatz
prisão; ver Statistique judicia ire, pénitentiaire et criminelle. des Strafvollzugs im Dienste des Vierjahresplans", Deutsche Justiz, C
(1938), p. 584-86.
260
261
I

1.
penas de prisão e pelo escasseamento do uso de lIlecanismos de re-
dução da pena e outras formas de relaxamento da prisã043 .
QUADRO 24. Número de pessoas recolhidas às prisões
A. Itália

Fonte: Calculado do Statistique pénitentiaire e do Statistica penitenziaria

Nem mesmo os observadores italianos podem esconder o cresci-


mento considerável de condenações à prisão nos últimos anos. Entretan-
to, quando De Castro toma o ano de 1926 como seu ponto de partida e
calcula o aumento de condenações como sendo de 6% entre 1926 e
259.643 1933 44 , está interpretando o crescimento real, pois o ano de 1926 é pre-
Fonte: Compilada do Annuario statistico e do Statistica degli Istituti di Prevenzione cisamente o do começo de crescimento acentuado. O survey do universo
di Pena e dei Reformatori, 1928-1933 (Roma, 1936) da população carcerária preparado para a Liga das Nações pela Howard
Os dados italianos não incluem penas administrativas, como a deportação. O quadro League em 1936 dá as cifras alemãs de 1935 como sendo de 156,9 por
seria ainda pior se não fosse pela lei de anistia de 1932, que já discutimos. 100 mil pessoas, excluindo prisioneiros em campos de concentraçã045 .
A Itália também apresenta dados desfavoráveis frente à França,
quando examinamos a capacidade das prisões em relação ao tamanho
da população carcerária.
Esta superlotação, tão crônÍca na Itália que mesmo os autores
italianos têm de adrniti-Io 46 , chegou a um ponto em que as regras
sobre isolamento à noite não puderam ser seguidas. A mesma situação
prevalece na Alemanha. Nenhum dado oficial foi publicado, mas o

comparado com a média francesa de 59 (incluindo as deportações) para 1932,


a média britânica de 29,9 para 1935, e a italiana de 131,9 (excluindo detenções
1932131.06931 2.505 216
administrativas) para 1935.
Fonte: Compilada do Statistique pénitentiaire
44 D. de Castro, "L' andamento della criminalità in ltalia negli ultimi anni", La

Nenhuma estatística é válida para a população carcerária alemã. O total


43
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Scuola Positiva, XVI (1936), p. 245 .
45 Ver Blatter for Gefangniskunde, LCVIII (1937), p. 135-37.
aproximado de 113 mil (excluindo aqueles dos campos de concentração e 46 Ver T. d' Arienzo, "La vita penitenziaria attraverso le statistiche dal 1928
outras formas de detenção administrativa) informado recentemente por Friesler
1
aI 1933", Rivista di Diritto Penitenziario (1936), 307-43, especialmente as
no Deutsche Justiz, C (1938), uma média de 136 por 100 mil pessoas, deve ser páginas 324-25. Ele procura conciliar as condições mencionando uma
258
259
r

· Vimos que as dificuldades com o sistema de punição progres-


os aspectos legais da separação entre funcionários regulares e juízes
SIVO repousam n~ fato_de ~ue. ele poderia levar a nada mais do que
supervisores, enfatizando os problemas puramente técnicos da ju-
uma melhora da sItuaçao dIscIplinar. A literatura nacional-socialis-
risdiçã0 57 .
t~ sobre penalogia revela um desejo de impor limitações severas ao
sIstema de favores obtidos pelos prisioneiros, assim como uma Na Alemanha, por outro lado, tem sido feito um esforço para
ten~ê.ncia para o crescimento de exigências para promoção de um retirar as garantias legais teoricamente inerentes aos direitos subje-
estagIO a outro. O declínio do sistema de favores, vivamente en- Jivos dos condenados. A função da lei na administração penal mu-
fraquecido pela deterioração das condições materiais torna-se até dou a garantia dos direitos do condenado, assegurando que os fun-
~ais aparente. q~ando é examinadojunto com as seve;as restrições cionários não negligenciem o caráter repressivo da puniçã0 58 . Os
Imp~~tas ao dIreIto de reclamação. A Alemanha foi mais longe que parágrafos 147 e 153 do regulamento de 14 de maio de 1934 para
a ItalIa nesse aspecto. A teoria de que o condenado tem direitos as prisões limitam severamente o direito de apelação, tanto no con-
subjetiv?s e de que a administração penal deve seguir uma pauta de
i teudo quanto na forma 59 . Sobretudo, esse direito é enfraquecido
!, pelo fato de que as queixas não são ouvidas por uma instância
regras amda prevalece na Itália. A legislação mais recente tem ten-
ta~o li~itar os poderes discricionários da administração penal atra- I burocrática rival , como a da burocracia judiciária na Itália, mas
ves da mtrodução de um sistema de juízes supervisores, cujos de-
veres devem ser cuidadosamente separados do trabalho dos funci-
onários regulares da prisã0 55 . Até quando esta teoria é levada à
I
I
por um alto funcionário da administração penal. Isto significa que
as queixas são inúteis, a menos que não se queira levar em conta o
argumento de um representante do ministério da Justiça alemão,
prática é ~lgo duvidoso, pois não há opinião pública crítica para ! para quem "a desconfiança na unilateralidade de uma decisão feita
controlar I~tO, nem esse controle pode ser exercido pelo Parlamen- através dos canais administrativos não tem base, ao contrário, o
to, por entidades de sociedades privadas ou pela imprensa56 . Ao conhecimento do especialista e o senso de responsabilidade garan-
~e~mo tempo, vale a pena notar que Ugo Conti, o representante tem uma investigação e uma decisão apropriadas"6o.
ItalIano no Congresso Penitenciário de Berlim, em 1935, suavizou No campo da delinqüênciajuvenil, ao contrário, não se assis-
te a nenhum sensível afastamento dos princípios aceitos de um
modo geral. As propostas de negar qualquer diferença de trata-
55 Ver a afirmativa significativa de G. Novelli, "L' autonomia deI diritto
mento entre adolescentes e adultos não encontraram qualquer res-
penitenziario", Rivista di Diritto Penitenziario, (1933), p. 21: "Toda a história
posta no campo do processo judicial (exceto no que se refere à lei
da execução penal expressa-se no esforço progressivo para limitar a esfera da
administração discricionária, assim como em trazê-Ia sob a dominação do
estatuto". Cf. NoveIli, "L'intervento deI giudice neIl' esecuzione penale", ibid. 57 Actes du congres pénal... 1935, II, p. 1-9.
0:36!, p. 1059-7?. Ver também FaIchi, op. cit., cujos esforços foram 58 H. Eichler, "Vor einer Neuordnung des detschen StrafvoIlzugs", Blatter
pnmeIramente dedIcados a desenvolver a posição legal das relações entre Jür Gefangniskunde, LXVIII (1937), p. 7, escreveu: "Deve-se garantir por
administração e condenados. meios regulamentares que o que quer que se deseje como punição
Só Os relatórios sobre a administração carcerária no parlamento italiano são satisfatória deverá ser prontamente imputado ao prisioneiro. O perigo de
meramente documentos oficiais, não revelando qualquer apreciação crítica; escorregar numa liberalidade que não se conforma com os desígnios da
ver, por exemplo, o relatório publicado na Rivista di Diritto Penitenziario punição deve ser evitado. Isto é precisamente o oposto da Magna Carta,
(,1937):~. 509-14, ~~b o título "ll bilancio deI Ministerio di Grazia e Giustizia per graças à qual o liberalismo requer um regulamento estatutário".
I eserclZlO 1937/8 . Uma apreciação mais realista será encontrada em E. D. 59 Ver os princípios assentados em Schoetensack et a!., op. cit., p. 109-11.
Monaschesi, ''The Italian Serveillance Judge", Journal of the American Institut
60 Eichler. "Strafvollzug: II. Rechtsweg", Handworterbuch der
ofCriminal Law and Criminology, XXVI (1935-36), p. 819-20.
Kriminologie, II (Berlim, 1936), p. 703.
262
263
penal militar) e muito pouco no campo da puniçã061 • A proposta de
instituir uma pena de prisão curta parajovens (chamada Jugendarrest)
- fi'b . 62
nao 01 em sucedIda . A crescente severidade e brutalidade do trata-
mento penal de adultos tem produzido o efeito de acentuar a distância Política penal e cifras criminais
entre os métodos punitivos ordinários e o tratamento da delinqüência
juvenil, pois a opinião vigente apóia-se em princípios educacionais. A
seção dedicada à delinqüênciajuvenil nos regulamentos do Reichsjustiz- Durante o percurso de nossa pesquisa, deparamo-nos freqüen-
ministerium de 22 de janeiro de 1937 revela a contradição imanente temente com a concepção de que a política penal é um tipo de válvula
entre a ideologia da comunidade racial (Volksgemeinschaft) e as ne- usada para regular o fluxo da criminalidade. A introdução de novos
cessidades da moderna sociedade capitalista. O parágrafo 25 prevê métodos ou graus de punição, especialmente nos tempos atuais, tem
que as oficinas devem ter o caráter de escolas profissionalizantes, que sido sempre acompanhada do argumento de que crescimento da cri-
o trabalho manual deve prevalecer, e que as máquinas de produção em minalidade é o resultado de uma liberalidade excessiva, e vice-versa,
massa não devem ser usadas. Portanto, revela o caráter dual do regi- que a taxa de criminalidade pode se inclinar para baixo através da
me, temeroso de admitir que a educação das classes subalternas, nos intensificação da punição. Nenhum esforço sério foi feito, entretanto,
tempos atuais, não seja nada além de uma educação dirigida à incor- _para provar esta relação através de uma investigação precisa. A dis-
poração dessas classes ao sistema capitalista de produção. cussão fica comumente limitada a observações gerais sobre a cone-
xão entre o mal-estar social e político, o enfraquecimento da autorida-
de do Estado e a freqüência do crime. Não há dúvida de que a quebra
da ordem social tende a inflar a criminalidade, e que a estabilidade
política e social indica tendência inversa, mas a criminologia quase
nunca se interessou pelos meios idôneos para combater as contradi-
ções de fundo, circunscrevendo a própria atenção à eficácia dos apa-
ratos tradicionais de controle social: ela opera nos termos dos órgãos
de polícia e justiça num dado Estado no qual muitos homens obede-
cem às leis.
Não parece ocioso, portanto, examinar o material estatístico de O
L '
, . 1 f t d
Jorma a estudaLª. ~~t~J1s-ªº- em que apo ItIcll p_e.na a~tª .a _-ªxª_ e
1 <\'\8;
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cr,i minalidade. Devemos limitar-nos aos dados da Inglaterra, França, C/O,,
61 Parágrafo 4 do Ausführungsve,rordnung des Rechsjustizministeriums de
Alemanha e Itália. Nossa preocupação é tão-somente com os possí- C:.C,.1u ;::
22 de janeiro de 1937, publicado no Deutsche Justiz, XCIX (1937), p. 97. Ver
veis efeitos dissuasivos da punição sobre os criminosos potenciais, e
auo Kirchheimer, "Recent Trends in German Treatment of Juvenile
Delinquency", Journal of the American lnstitute of Criminal Law and não com os efeitos sobre o delinqüentes atuais.
Criminology, XXIX (1938), p. 362-70. O quadro 27 contém dados comparativos para a criminalidade e ·~i')r..:!:
62 Sobre essa discussão, ver K. Peters, "Die Behandlung der os métodos de punição na Inglaterra para os anos de 1911 e 1928. ,
Halberwachsenen im Kommenden Strafrecht", Zeitschrift für die gesamte Porém, antes de iniciarmos a análise dessas informações, precisamos ..',t:-',.
Strafrechtswissenschaft, aVI (1937), p. 495-522; W. Gallas, "Strafe und indicar as razões para sua escolha. As estatísticas oficiais inglesas '--
Erziehung im Jugendstrafrecht", ibid., p. 635-41; E. Kohlrausch, "Für das para 1928 tomam como ponto de partida o número de crimes conhe- \/
Jugendgericht", ibid., p. 459-84.
cid os da polícia, e não o número de processos judiciais. Os resulta-
264
265
dos mostram uma grande tendência de queda em crimes específi- se dos dados policiais e das estatísticas de denúncia mostra que
cos, a despeito da liberalidade da política penal; mostram também esta condição não está de forma alguma atendida na Europa. As esta-
o au~ento do ín~i~e p:ra outros tipos de crime. Conseqüentemente, tísticas criminais inglesas de 1934, por exemplo, dão um número de
o edItor do relatono nao estabeleceu qualquer posição conclusiva delitos indicativos conhecidos pela polícia em tomo de 227.285, en-
sobre as relações entre uma política penal liberal e a taxa de quanto o número de pessoas processadas gira em tomo de 72.206 5 .
criminalidade, embora esteja inclinado a esconder qualquer cone- Os dados italianos são ainda mais significativos, pois eles estão vincu-
xão entre ambas I . lados basicamente aos delinqüentes e não aos delitos. Em 1933,3.012
de cada 100 mil pessoas (514 das quais por furto) foram arroladas
~Y~\"~i'\I "'::" Sellin fez recentemente uma elaborada defesa do uso de ci-
, G,,--:; fras policiais como um ponto de partida para uma discussão deste nos registros das autoridades, enquanto o número correspondente de
""~problema , mas preferimos os dados judiciais por várias razões.
2 processados era de 1.793 (120 por furto)6. Somente as estatísticas
\', 'eS, Alguns dos fatores que podem contribuir para um aumento do núme-
'. ,~\: ro de crimes conhecidos pela polícia, sem indicar um aumento real na
l francesas deram informação detalhada (até 1931) sobre as razões para
as discrepâncias, de forma que possamos diferenciar entre denúncias
.;'),~ criminalidade, já podem ser observados no volume de estatísticas in- -que as autoridades consideraram ser totalmente falsas ou insustentá-
gl~sas de}928. Elas incluem o crescimento da eficiência policial, ou r veis, e outras consideradas válidas mas que, por alguma razão, não
seJ.a, u~ ~rescente empenho da parte da polícia em registrar como foram processadas.
crzr:z es IncIdentes que se tomaram conhecidos dos policiais, estão re- Quando examinamos o quadro 27, observamos um declínio
lacIOnados a eles, e que provavelmente indicam crimes", mas nunca nas condenações por furto e apropriação indébita e um crescimen-
foram claramente provados como tais. Incluem também a colabora- to no número de detenções feitas sem condenação. Nessas catego-
ção da população, empenhada em denunciar certos crimes (especial- rias de crime há um declínio geral no recurso ao encarceramento e
ment~ os ,delitos sexu~s) e, finalmente, uma difusão sempre crescen- uma tendência a oscilar entre sentenças de dois meses. O uso de
te do mstItuto da segundade3 . O argumento mais importante para não fianças saltou acentuadamente. Et1}.!Y.$Jlm9.,__º-maJ~Ql[ti_c_ª R.epal mais
,s~ ~sa~ o~ ,dados_p.9~iciajs, no entanto, é que poucas estatístic~s poli- liberal- à parte do crescimento médio das sentenças para pena de
CIaIS dIstmguem cUIdadosamente os casos de crimes registrados dos prisão - acompanha uma q!leda apI~ç_iável natªxaQ~çIiminalidacle,
qu~ não ~ão. Uma vez que o número de crimes não registrados é A tendência no caso de apropriação indébita é diferente. Há uma
mUlto maIOr, e uma vez que as razões para a falta de registro variam acentuada variação entre as sentenças de curta e média duração,
enorme~ente, os registros policiais (ou os registros de queixas à pro- sem um aumento no número de fianças ou um decréscimo nas
curadona nos países continentais) podem ser usados somente como condenações. _Uma política pelJfllIllais§yvera não produz qualquer
um ponto d~ partida, se as condições assentadas por Sellin ("por cri- ' efeito na taxa de criminalidade, que permanece estacionária. No
mes conhecIdos para a polícia nós entendemos, naturalmente o resí- caso de ass!édio sexual ou receptação de mercadorias roubadas,
duo de crimes registrados que, sob investigação, serão apuràd'os com finalmente, a tendência a uma política mais liberal é acompanhada
fundamentação") puderem ser plenamente preenchidas 4 . Uma análi- de um crescimento acentuado da taxa de criminalidade. Os dados
para todos os delitos indiciados, julgados diante de cortes sumári-
ICriminal Statistics, England and Wales 1928, p. XXX, as, revelam a tendência ainda visível de delitos contra a proprieda-
T. Sellin, Research Memorandum on Crime in the Depression, Bulletin 27
2

do Social Science Research Council. Nova Iorque, 1937, p. 71-84.


3 Criminal Statistics, England and Wales 1928, pp. IX-X. 5 Criminal Statistics, England and Wales 1934, p. 101.
4 Sellin, op, cit, p. 74. 6 Dados retirados do Annuario statistico ,

266 ,267
I
:'di',
QUADRO 27. Taxa de Criminalidade e M étodos

% por cada 100 ações


Taxa de De 14
crim inalidade b Acusação dias a 1 14 dias
(variação) Retirada provada Total de Total de meses mês e mais
DELITO ANO 1911-28(%) da queixa e não exec. condenações prisões
Furtos 1911 12.0 33.0 - 56.0
simples -3.8
1928 10.0 47.0 36.0
2 1 .7 23.3 8.0
Furto 1911 -63.8 22 .0 27.0 51.0 80 .0
a pessoa 11.0 12.0 1.0
1928 21.0

Apropriação 1911 10.0


indébita -31 .2 24.0 33 .0 25.0 16.0 2 .0
1928 8 .0
9.7
Fraude 1911 15.0
+0.7
1928 11.0 71:0 0.3 -
55 .0 0.5 8.0 26.0 22.0 37 .0 6.5
Receptação 1911 22.5 19.5 58.0 43.0 0 .3
+9 .5 0.1 64.7 34.0 29 .0 15.0 19.0 3.0
1928 19.5 30.5 50.0 33.9

Sedução de 1911 16.1 10.2


menores +41 .9
de 16 anos 1928 17.0 27.0

Total de 1911 12.0 32 .0 56.0 57.0 3.5


ilícitos -9.5 0.5 52.0 30.5 27.0 16.5 21.0 5.0
penais 1928 10.5 46.0 43.5 42.0 2.5

foram incluídos (Assizes, Quarter Sessions, e Summary Juridiction). Para todos os outros
Fonte: Calculado do Criminal Statitics, England and Wales, 1911 e1928. dados, no entanto, somente o Summary Jurisdiction foi considerado, pois nenhum deta-
a) Os dados sob o título "Condenações" não totalizam 100%, porque somente métodos lhe semelhante está disponível para Quarter Sessions e Assizes. Este último não mudaria
mais sofisticados foram incluídos. Cadeia policial, reconhecimentos , e a rubrica "outras o quadro em qualquer situação, pois muitos poucos casos são julgados nestes tribunais.
fO,rmas de disposição" foram omitidas, pois não tinham qualquer importância numérica. No b) Calculado levando em conta o crescimento da população.
calculo da taxa de criminalidade, todos os procedimentos para o total de ilícitos penais
269
268
Desacato à autoridade - Teve um declínio na taxa de
de. Uma queda de 9,5% na taxa de criminalidade é acompanhada
criminalidade e durante todo o período está acompanhada por um
por um programa penal mais ameno, com a exceção da variação
crescimento constante do uso da suspensão de sentenças e fianças.
entre sentenças de curta e média duração. Umª~º1Jlparaç.1í-º.§nt.@_
os vários dados leva à conclusão de ql!_~_a 2-ºIft.i~(~!!l,!i§)i.1~_~~al~㺠_ Vadiagem - A taxa de criminalidade caiu até 1922, mas
temum efeito negativo sobre a criminalidade. Pelo contrário, uma retornou em 1932 aos níveis de 1900. Há um leve crescimento da
política consistente para reduzir o número de condenações em fa- liberdade condicional (parole) durante todo o período, e um de-
vor de sentenças probatórias, com uma cobrança de fianças mais créscimo ininterrupto das sentenças a detenção de menos de seis
intensa, e de sentenças de média (em vez de curta) duração coinci- dias . As penas de longa duração e as fianças foram desprezadas. '
dem com uma queda notável em todas as taxas de criminalidade. Entre 1922 e 1932 há uma mudança ma~cante entre penas com
duração de três meses a um ano em favor de sentenças a detenção
Quando estudamos o quadro 28 para os tipos individuais de
de menos de 3 meses.
,crime, observamos o seguinte:
Lesões dolosas - Uma taxa de criminalidade imutável é acom-
Furto - Entre 1900 e 1910 há uma ligeira queda deste delito,
panhada por uma tendência à liberalidade distinta na política penal,
com uma política penal imutável; ou, mais precisamente, um cres-
expressa na aplicação mais freqüente da suspensão de sentenças e
cimento insignificante na severidade das penas e na suspensão de
de fianças quando todos os graus de encarceramento tendem a
sentenças. Em torno de 1922, houve um crescimento acentuado
decrescer.
dos furtos, a despeito de um crescimento paralelo das penas de
prisão mais severas e uma tendência de se passar das penas Atentado ao pudor- Entre 1900 e 1910 há uma queda apreci-
detentivas mais leves às de fiança. O período entre 1922 e 1932 é ável da taxa de criminalidade, um crescimento da suspensão de
marcado por uma queda no índice de furtos diante de uma política sentenças e uma variação entre penas de longa duração e fianças
criminal mais severa, que se manifesta seja pela tendência de subs- para duração média. O período entre 1910 e 1922 revela de fato
tituir penas longas por curtas, seja pelo declínio destas em favor um leve. crescimento da criminalidade e no rigor da política penail/
da fiança ou da suspensão de sentença. O creSCImento do crime segue até 1932, mas a política penal tor-
nara-se mais liberal novamente.
Fraude - !:lá um crescimento ininterrupto deste crime, em
presença de uma prática não uniforme na política penal. Depois de Em conclusão, QS dados franceses também não dão bas~ para
um tremendo salto no uso de fianças entre 1900 e 1910, este tipo ~ue se assuma que a política de punição afeta a criminalidade. Com
de sanção retornou em 1922 a seu nível original. O aumento do _ certos tipos de crime que mostram declínio ou estabilidade, há
encarceramento por menos de um ano, entre 1910 e 1922, ésegui- uma inegável tendência para a liberalidade na punição, especial-
do por um retrocesso parcial no período seguinte, quando penas mente na direção de um decréscimo no uso de penas de longa du-
de longa duração retornam para o nível de 1910 depois de uma ração e uma tendência a substituir penas de curta duração pela
queda em 1922. A suspensão de sentenças estava crescendo como suspensão de sentenças e pelas fianças. Fez-se uma tentativa para
um todo, especialmente no período depois de 1922. conter, com penas mais severas, o crescimento de fraudes t: apro-
priação indébita, mas tal iniciativa não foi levada a cabo com um
Apropriação' indébita - Este crime cresceu até 1922, a des-
mínimo de consistência ou continuidade. As estatísticas não per-
peito de uma tendência ao uso estrito de suspensão de sentenças,
mitem a conclusão de que esta tentativa - se alguém realmente
fianças e penas de curta duração em favor de penas de média e
puder falar de uma tentativa em vista da ausênCia de uma política
longa duração. Entre 1922 e 1932, a política penal se inverteu, mas
penal uniforme - foi coroada de sucesso.
a criminalidade continuou crescendo.
271
270
QUADRO 28.
Taxa de criminalidade e método de execução penal na França" o cuidadoso estudo de RabI provou convincentemente que a
política penal alemã não vem tendo qualquer influência na taxa de
criminalidade, tanto antes quanto depois da guerra 7 . O quadro 17,
retirado do livro de RabI, apresenta os dados para furto, provavel-
mente o mais evidente de todos os tipos de crime. Eles conduzem
às mesmas conclusões que já indicamos para França e Inglaterra.
Há um declínio na taxa de furtos desde o começo do século até o
estopim da guerra, acompanhado por uma substituição de penas
longa para curta duração. A inflação do período pós-guerra levou
a um tremendo salto do número de crimes, que se buscou enfren-
tar com um aumento proporcional na severidade das penas em
1920 e 1921. A taxa de criminalidade continuou a aumentar entre
os anos de' 1922 a 1924. O período de estabilização trouxe uma
queda da criminalidade para o nível do pré-guerra, e a política
penal mostrou uma tendência pronunciada de suavização. A crise
trouxe uma nova onda de criminalidade em 1932 e uma ligeira
severidade nas penas, A conclusão é inegável. Umave~IJ:13:is, ve-
mos que a taxa de criminalidade não é afetada pela política penal,
mas _está intimamente dependente do desenvolvimento econômico.
Os dados alemães sobre fraude (quadro 17) propiciam outro
excelente exemplo da inutilidade do emprego das políticas penais
como arma contra as variações socialmente determinadas nas ta-
xas de criminalidade. Foram feitas duas tentativas para conter o
crescimento constante do número de fraudes: uma em fins do sé-
culo XIX e outra entre 1920 e 1924. Em nenhum momento a cres-
cente severidade das penas foi eficaz, como os dados sobre

Fonte da tabela da página anterior: Calculado do Compte général...


a) O total dos dados criminais inclui crianças com menos de 18
anos que retornam aos cuidados de seus pais ou de terceiros,
ou são enviadas para a Colonie Pénitentiaire. Tais casos são
omitidos das porcentagens, entretanto, o que não totaliza 100
por esta razão. Uma vez que a Alsácia-Lorena não foi incluída
nas estatísticas francesas entre 1900 e 1922, tais dados tam-
bém foram omitidos para 1932.

7 RabI, op. cit, p. 37-48.


272
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criminalidade para os anos subseqüentes mostram sem qualquer O número de sentenças suspensas cresceu . A política penal per-
sombra de dúvida. manece inconsistente até 1922, mas a taxa de criminalidade cai
As experiências italianas a esse propósito têm um interesse nitidamente. O número de delitos, então, cresce e, ainda assim, a
especial, pois, naquele país, diferentemente da Inglat~rra, França e política penal não muda.
Alemanha; não havia qualquer política penal geral hberal, mas o Em geral, os dados italianos revelam a pequena importância
oposto. das fianças. Há uma tendência distinta para o crescimento das pe-
Quando observamos o quadro 29 para os tipos individuais de nas de prisão de média e longa duração, enquanto o uso da suspen-
crime, vemos o seguinte: são de sentenças não mostra qualquer extensão significativa abai-
Furto simples - furtos simples declinaram antes de 1922, e xo do nível de 19108 . A tendência na direção de uma liberalidade,
então cresceram acentuadamente depois de 1928, quando a políti- ocorrida em outros países, especialmente a crescente preferência
ca penal mostra uma tendência constante a aumentar a severidade. por fianças e acordos, está se dissipando. As penas de média e
Furto em circunstâncias agravantes - entre 1906 e 1910, um longa duração tendem a crescer, como em todo lugar, mas este
declínio na taxa de criminalidade é acompanhado por uma certa fenômeno tem um caráter completamente diferente na Itália, pois
suavização das penas, expressa no crescimento do recurso à sus- não é acompanhado por uma extensiva utilização das fianças e sus-
pensão de sentenças e pelo decréscimo das pen_as de longa d~ra­ pensão de sentenças, como na Inglaterra e França. A política penal
ção. Em 1922, inverte-se o processo em relaçao tan~o ao cn~e repressiva não tem sido acompanhada por um declínio significati-
quanto à punição, enquanto em 1928 vemos o re~ur~o a susp~nsao vo na taxa de criminalidade. Furtos e fraudes, por exemplo, tende-
de sentenças tornar-se mais freqüente, com um hgeuo cr~sc~men­ ram a crescer.. Embora furtos com agravantes tenham caído, este
to das penas de curta duração, e uma pequena queda no mdlce de fato não prova a validade de uma política repressiva, pois os anos
de 1922 e 1928, nos quais a queda ocorreu, assistem a uma libera-
criminalidade.
lidade na política de punição. Os atentados ao pudor não apresen-
Fraude - entre 1906 e 1910, a taxa de criminalidade caiu, a
tam qualquer quadro consistente. A categoria de assalto, sozinha,
despeito de uma tendência clara à liberalidade na punição. Os anos poderia ser atestada como um suporte precário para uma política
seguintes mostram um processo inverso. de repressão, pois há uma certa coincidência entre intensificação
Violência, resistência e desacato à autoridade - os dados de das penas e um declínio na taxa de criminalidade, mas aqui tam-
1910 revelam um crescimento neste crime e um decréscimo na bém o argumento falha quando observa que o grupo numerica-
severidade da punição. Tanto em 1922 quanto em 1928, encontra- mente mais significativo de crimes nesta categoria - violência, re-
mos uma apreciável queda no número de delitos, apesar de uma sistência e desacato à autoridade - declina no mesmo momento em
mudança da pena de prisão e fianças para suspensão das penas. que as penas se tornam mais leves,- Em suma, uma política penal
Lesões graves e injúria - os dados de 1922 e 1928 mostram ....r.elalLvamente mais severa não produz nenhum efeito sob.re a
uma queda clara neste crime e uma política penal mais severa. .cLÍminali.d.f!d_~ em. compa[aÇ.llo cgm uma pol(tic~~~is.'y.!?_~ral.
Violência privada e ameaças - uma diminuição nas cifras da Neste ponto, é necessária uma palavra de cuidado contra os
criminalidade é acompanhada por uma intensificação da punição, dados recentes da Alemanha e da Itália. Esses dados parecem re-
sob a forma de pena privativa de liberdade de longa duração.
Atentados ao pudor - há um leve crescimento neste crime
entre 1906 e 1910, acompanhado por uma prática penal irregular. 8 Os dados para suspensão de sentenças em 1910 eram 25%; em 1931,
10,2% e em 1935, 13,9%. Ver o Annuario Statistico.
• ';-. . I" ,'. 274 275
(
)
1
i
QUADRO 29.
Taxa de criminalidade e métodos de execução penal na Itália" I
I
.!
!
Fonte: Calculada do Statístíca della crímínalítà.
a) Não há estatísticas disponíveis para a distribuição das penas depois de 1918.

velar uma queda acentuada e constante na taxa de criminalidade


num período de prática penal mais severa. As estatísticas oficiais
alemãs dão a seguinte taxa de criminalidade por 100 mil habitantes
acima da idade imputável: 1932, 1.125; 1933,973; 1934,761 (a
mais baixa jamais obtida desde a primeira publicação oficial de es-
tatísticas alemãs em 1880). Estes dados estão no Statisches
J ahrbuch für das deutsche Reich.
Na verdade, tais informações não indicam um declínio na taxa
de criminalidade e, portanto, indiretamente, o sucesso de uma po-
lítica repressiva, pois não levam em consideração as anistias que
se tornaram cada vez mais freqüentes desde 1933 para todos os
tipos de pequenos delitos e para todos os simpatizantes do regime
político, sem observância da gravidade do delito cometido. Uma
vez que todos os casos pendentes em certas categorias são arqui-
vados como resultado de decretos de anistia, as estatísticas não
dão um quadro acurado do desenvolvimento da criminalidade. O
mais grave nesta omissão pode ser visto através dos dados seguin-
tes: o número total de delinqüentes condenados por violação do
Reichsgesetze em 1933 foi 383.315 , Como um resultado da lei de
anistia de 23 de abril de 1936 (RG. Bl. I, 378), 254.675 casos
envolvendo crimes menores e 3.532 casos envolvendo atos come-
tidos "no calor da luta pelo movimento nacional-socialista" foram
arq.uivad.os 9 . Nem todos estes casos chegariam aos tribunais mes-
mo sem a lei de anistia, e um número ainda menor teria terminado

9 Estes dados foram retirados do relatório oficial, "Zahlenmassige

Auswirkung des Straffreiheitsgesetzes von 23-4 1936", Deutsche Justiz,


XCVIII (1936), p. 1441.
276 Os .\.'. " "2.77
,,---.,
em alguma tipo de condenação, com certeza, mas a falácia no qua- bertinagem e de boa vida - e uma criminalidade mais ou menos
dro estatístico é óbvia. Portanto, nenhum cálculo preciso pode ser necessária, inspirada pela fome, a vingança e o amor. Pensava que
feito a partir daí. o primeiro grupo pode ser contido aumentando a repressão, ~as
Na Itália existe uma situação simples. O número oficial de era profundamente cético quanto a um sucesso semelhante com a
segunda categoria 12. As dificuldades deste enfoque são evidentes.
pessoas condenadas por delitos nos anos recentes é, a saber: 1931,
281.157; 1932, 273.430; 1933,209.959; 1934, 250.651; 1935, A distinção entre crimes por necessidade ou por luxúria é um puro
252.255 (dados do Annuario statistico para 1935, p. 275) . A que- julgamento de valor, e as respostas variariam segundo o ponto de
da abrupta em 1933 prova que a lei de anistia de 5 de novembro de vista do juiz, do promotor ou do defensor, e do conselheiro médi-
1932 destruiu o quadro atual da taxa de criminalidade. co, e de acordo com a posição social do acusado. Ademais, a dife-
renciação é somente possível para os motivos e não propriamente
~s~i_!l:1~__~~~~~__p~~_qtl~_saJ~.nd~Q1_~~aeJ!1~as~~-ªindª-.!!!ªi~ _ ll_m­ para os atas criminais.
pIas as çonclusões a que Perri çhegou em fins do século XIX, com
Qase nas experiências italianas l0, de q_u ea política pe.naLe suas
variações não têm qualquer influência efetiva sobre a taxa de
~riminalidade. As mudanças na praxis penal não podem interferir
seriamente na operação das causas sociais para a delinqüência. Se
os efeitos da política penal pudessem ser isolados, vale dizer, se
eles pudessem ser examinados num período de completa estabili-
dade social e política, seria possível descobrir uma certa medida
de influência. Esta necessidade extrema de isolamento, entretanto,
revela por si só a irrelevância social\bs métodos punitivos como
um fator determinante na taxa de criminalidade II. -º.TaJd~ fez um
esforço para salvar a teoria da influência possível da pena sobre a
criminalidade em limites bem definidos, embora estivesse conven-
cido da causa essencialmente social da criminalidade. Buscou dife-
renciar criminalité de luxe - inspirada pelo desejo artificial de li-

,,,
_\~~Ferri. Criminal Sociology, p. 220-25.
F. Schaffstein, "Der Erziehungsgedanke im deutschen Strafvollzug",
II

Zeitschrift für die gesamte Strafrechtswissenschaft, LV (1936), p. 281-82,


taticamente aceita esta posição quando diz que os efeitos de uma política
penal amena não podem ser encontrados num crescimento da taxa de
criminalidade, mas em sua influência sobre as últimas décadas. Sua tese
está, portanto, reduzida ao lugar-comum de que um dado tipo de processo
social e cultural é um fator causal nos últimos acontecimentos. Ver também 12 G. Tarde. Penal Philosophy, trad. R. Howell, Boston, 1912, p. 476. Os
a posição absolutamente agnóstica de Michael and Adler, op. cit., p. 175; exemplos que ele escolhe para ilustr ar sua tese são pobremente
suas conclusões estão baseadas em dados muito precários (p. 180-82). selecionados.
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XIII.
Conclusão

Em nossa discussão sobre as políticas penais do fascismo e


do nacional-socialismo, analisamos os esforços para introduzir uma
política punitiva mais severa justificada por motivos
socioeducacionais e enfatizamos os limites desse programa. Tais
limites foram impostos, primeiramente, pela crise económica, que
automaticamente levou a uma intensificação da punição, e também
pela racionalização exigida pela sociedade industrial modema, pois
uma plena execução do programa penal fascista implicava gastos
tremendos. Como resultado,--º-programa en~ontrQll asua majs_
completa realização no campo da criminalidade política. As neces-
sidades do grupo politicamente dominante em sua luta para manter
o poder sobrepuseram-se a todas as outras considerações e leva-
ram a um grau de repressão sem precedentes somente nesta esfe-
ra. Esse programa foi sustentado apenas parcialmente pelas autori-
dades carcerárias tradicionais. A maior parte foi tocada por esfe-
ras administrativas especiais e por órgãos do partido, que foram
muito além da pior administração carcerária em matéria de cruel-
dade e maus-tratos gerais a prisioneiros.
Um dualismo interessante se revela em outros campos da lei
penal. A grande massa de delitos menores contra a ordem social
existente está crescendo constantemente, junto com as dificulda-
des económicas e o aumento dos regulamentos burocráticos, e
que não foi acompanhado por uma intensificação correspondente
do programa repressivo. O sistema de fianças, o epígono da lei
penal capitalista racional, está no seu auge, apesar dos ataques ide-
ológicos que sofre. Leis de anistia periódicas absolvem uma massa
de pequenos delinqüentes em números sem precedentes. Note-se,
entretanto, que muitos atos de delinqüência menores (categorias
completas ou simplesmente casos individuais) são vistos como um
atentado ao bem-estar da nação e classificados junto aos crimes

281
mais graves. Eles são tratados com mais severidade do que antes,
e ainda não vimos o significado ideológico desta política.
O sistema social existente, com suas necessidades de racio-
nalização, não apenas restringe a extensão de uma política penal
repressiva como estabelece limites estreitos para a reforma do pro- t
grama. O sistema penal de uma dada sociedade não é um fenôme-
\
no isolado sujeito apenas às suas leis especiais . É parte de todo o \
sistema social, e compartilha suas aspirações e seus defeitos. A
taxa de criminalidade pode de fato ser influenciada somente se a
sociedade está numa posição de oferecer a seus membros um cer-
to grau de segurança e de garantir um nível de vida razoável. A
passagem de uma política penal repressiva para um programa pro-
gressista de reformas pode, então, transcender o mero humanita-
rismo para tornar-se uma atividade social verdadeiramente cons-
trutiva. Na medida em que a consciência social não está numa po-
sição de compreender, e consequentemente de agir sobre a neces-
sidade de relacionar um programa penal progressista e o progresso
em geral, qualquer projeto de reforma penal continuará caminhan- I

do sobre incertezas, e os inevitáveis fracassos serão mais uma vez I


atribuídos à fraqueza inerente à natureza humana e não ao sistema I
social. A conseqüência fatal é um retorno à doutrina pessismista
de que a natureza perversa do homem só pode ser contida através
I
da degradação do nível das prisões abaixo do das classes subalter-
nas livres. A futilidade9_a punição severa e o tratamento cruel po-
dem ser testados mais de mil vezes, mas enquanto a sociedade não 1
estiver apta a resolver seus problemas sociais, a repressão, o ca-
minho aparentemente mais fácil, será sempre bem aceita ~.Ela pos-
sibilita a ilusão de segurança encobrindo os sintomas da doença
s_ocial com um sistema legal e julgamentos de valor moral. Há um
paradoxo no fato de que o progresso do conhecimento humano
tornou o problema do tratamento penal mais compreensível e mais
perto de uma solução, enquanto a questão de uma revisão fundamen-
tal na política penal parece estar hoje mais longe do que nunca, por
causa de sua dependência funcional a uma dada ordem social.

282

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