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1.

A QUEDA DA PREGAÇÃO

O apreço pela pregação, que noutras épocas era tão fascinante para a
igreja, caiu de maneira drástica. A experiência e a observação cuidadosa têm-
nos mostrado que, para número expressivo de cristãos, o momento da
pregação no culto público tem sido o mais fatigante e desinteressante dele.
Não raro muitos dormem, mechem no celular, conversam irreverentemente,
levantam-se para beber água – mesmo estando sem sede. Não há fascínio,
temor, amor ou quebrantamento diante do anúncio da Palavra. Vejamos
algumas possíveis razões para tal fenômeno.

2. POSSÍVEIS RAZÕES

Demandas de uma cultura de superficialidade

As demandas de nossa cultura imediatista e superficial tem exercido


significativa pressão sobre os pregadores os levando a responderem perguntas
que são, por si mesmas, desprovidas de significado, despojadas de qualquer
relevância. Refiro-me às mensagens sobre sucesso, prosperidade e riquezas
que surgem destas expectativas egoístas e pecaminosas. Estas se enquadram
muito bem naquilo que Jesus chamou de “Os cuidados do mundo e a
fascinação das riquezas”.

Judiclay em seu artigo diz que: “O pastor moderno precisa voltar-se para
o estudo profundo das Escrituras e para a pregação expositiva da revelação
divina. Pequenos sermões tópicos, carregados de ilustrações sentimentais, que
se ouvem nos púlpitos, [...] não satisfazem as mais profundas necessidades
espirituais dos ouvintes”

Vãs filosofias

Anglada (Knox, p.10) também analisa que uma das principais causas
para o declínio da pregação é um afastamento, constante e progressiva, “do
Cristianismo das Escrituras”. Filosofias, as mais variadas, tais como o
subjetivismo – a ideia de que tudo é relativo a quem interpreta, o racionalismo –
a ideia de que tudo o que for além da razão é irracional, e o pragmatismo tem
afastado corações da Palavra de Deus. Lamentavelmente essas vãs filosofias
tem dominado a maneira da igreja pensar, levando-a a esquecer-se de que a
Escritura é nossa única “regra de fé e prática”, como postula a Confissão de
Fé de Westminster.

Vale aqui um enfoque especial neste último inimigo citado. Ele pode ser
o mais perigoso justamente porque parece ser o menos letal. O pragmatismo é
em essência considerar mais importante o alvo do que os métodos. “Não
importa se é certo. O que importa é se dá certo” – pensa o pragmático.

Mesmo em igrejas de teologia ortodoxa esse mal tem brotado. Se de um


lado se rejeita o subjetivismo e o racionalismo por eles serem frontalmente
contrários à fé bíblica, tem sido tolerado o pragmatismo devido a pressão do
resultado e do sucesso instantâneo. A pergunta deixa de ser se tal ação ou
evento agrada à Deus e passa a ser se agrada o membro que, no caso, torna-
se em cliente. Como bem disse Anglada (p.10) “a pregação verdadeira é
insuportável para os pecadores não humilhados”. Ora, se o propósito é agradar
os pecadores não humilhados, então a pregação não faz qualquer sentido
nesse meio. Não deveria nos assustar que ela tem se desvanecido no meio de
shows, teatros, e lutas livre, danças sensuais, no meio da igreja.

Quanto a isso John Macarthur se manifesta afirmando “Minha queixa é


quanto a uma filosofia que relega a Palavra de Deus a um papel secundário na
igreja. Eu creio que é anti-bíblico elevar o entretenimento acima da pregação e
da adoração no culto da igreja. E eu me oponho àqueles que acreditam que
técnicas de vendas podem trazer as pessoas ao reino mais efetivamente do
que um Deus soberano. Essa filosofia abriu a porta para o mundanismo na
igreja.”

Uma equivocada compreensão do ministério pastoral

Em muitas congregações os membros querem que o pastor os visite


semanalmente, quando não diariamente. Pensam que estão pagando por isso.
Nesta perspectiva o pastor é um empregado da igreja que deve satisfazer seus
anseios e carências. Porém, o principal trabalho do pastor é pregar e ensinar
as Escrituras. Uma ênfase exagerada no ministério pessoal de aconselhamento
suga o tempo que o ministro tem para preparar para a pregação. Isso já era
sentido nos dias de D. M. Loyd Jones.
Anglada escreve que o referido pregador respondeu argumentando que
“a pregação trata eficaz e insubstituível dos problemas pessoais da
congregação. Ele também observa que a pregação move as pessoas a abrirem
o coração e a falarem acerca de seus problemas com o pregador” (p.11). A
pregação robusta, bíblica e cristocêntrica é o que sustenta a vida espiritual do
povo de Deus.

Preguiça pastoral.

A verdade é que há muitos pastores que não levam a sério o trabalho da


pregação. Ao invés de uma exposição bíblica apenas tagarelam embromações
pseudo-bíblicas. Não se debruçam sobre as sagradas letras e, obviamente,
quando sobem ao púlpito não trazem uma mensagem da parte de Deus, não
há profecia, nem relâmpagos ou trovões. Anglada acertadamente analisa que
em não havendo boa pregação que sustente a alma inevitavelmente outras
formas de nutrição serão procuradas. Se a pregação não tem alimentado,
talvez outra coisa consiga.

3. UM GRANDE PROBLEMA

Não podemos simplesmente achar que esse quadro é normal ou


aceitável. Há “igrejas” por todas as partes e a internet fervilha fenomenalmente
de “pregadores” que não expõe a Bíblia. Isso é muito sério. O declínio da igreja
está intimamente associado ao declínio da pregação. É pela pregação que a
igreja fica de pé ou cai. Judclay expõe que um exame cuidadoso da história da
igreja mostrará que quando há real e poderosa pregação do evangelho, a igreja
floresce e a cultura circundante é transformada.

Ele cita Stuart Olyott que diz: “Se alguém gastasse uma semana lendo
toda a Bíblia e, na semana seguinte, se familiarizasse com os principais
acontecimentos da história da igreja, o que observaria? Que a obra de Deus no
mundo e a pregação estão intimamente ligadas. Onde Deus age, ali a
pregação floresce. Em todos os lugares em que a pregação é menosprezada
ou está ausente, ali a causa de Deus passa por um tempo de improdutividade.
O Reino de Deus e a pregação são irmãos siameses que não podem ser
separados. Juntos, eles permanecem de pé ou caem”.
Portanto, refletirmos sobre a teologia da pregação não é exercício de
somenos. Deus forma seu Povo por meio da Sua Palavra. Onde não há a
Palavra de Deus não pode se dizer que há Povo de Deus. O pastor não pode
se dar ao luxo de pregar suas ideias ou depender de sua eloquência – coisa
que Loyd Jones chamou de abominação. A preguiça no ministério pastoral de
pregar a Palavra tem sido um terrível empecilho na obra de Deus.

4. O QUE MOTIVA A VERDADEIRA PREGAÇÃO

John Stott em La predicacion questiona (tradução livre): “Em um mundo


que ou não está disposto a escutar ou não é capaz disto, como podemos estar
convencidos de continuar pregando e nos preparando para fazer isso de
maneira efetiva¿ O segredo não está em dominar certas técnicas, mas sim em
estar dominado por certas convicções. Em outras palavras, a teologia é mais
importante que a metodologia. As técnicas formam apenas oradores. Só a
teologia forma pregadores” (2000, p.87).

É preciso recuperarmos a noção cristã reformada a respeito da Bíblia:


ela é a Palavra de Deus: autoritativa, infalível, inerrante e inspirada. Mas para
isso, precisamos ouvir o que a própria Palavra de Deus tem a dizer sobre si
mesmo. Precisamos de uma teologia bíblica da Palavra de Deus.

5. A PALAVRA DE DEUS

Dever e Gilbert afirmam que uma das afirmações mais contundente da


Bíblia é esta: Deus fala! Talvez hoje leiamos isto e pensemos que isto é óbvio e
translúcido. Todavia, afirmam os autores, era isso que diferenciava o Deus de
Israel dos falsos deuses das nações vizinhas. “Falar era uma coisa que deuses
pagãos nunca faziam. Eles nunca falavam. Apenas um Deus falava, e era
Jeová, o Deus de Israel (Fiel, p.28)”.

A Bíblia mostra em várias partes a primazia da Palavra de Deus. Em Gn


1: tudo é formado pela Palavra de Deus. Em Gn 2: a vida humana é gerada
pelo sopro de Deus. No livro de Êxodo a maneira como Deus se revela não por
uma imagem gloriosa de si mesmo, por um olhar aterrador de sua majestade:
antes, Deus dá ao povo a Sua lei, Suas Palavras que revelam quem Ele é.
Na construção do templo a primazia da Palavra também é nítida: na
parte mais sagrada, no Santo dos Santos, diferente dos povos pagãos, não há
uma imagem de Deus, há, ao contrário, a Lei de Deus, os dez mandamentos,
dentro de uma caixa banhada em ouro. A compreensão que o povo de Deus
tinha de seu Senhor não derivava do que eles viam, mas do que eles ouviam
de e sobre Deus.

O profeta Ezequiel teve grandiosas visões da glória de Deus. Muitos


estudiosos se debruçaram sobre o significado dos simbolismos presentes nesta
revelação. No entanto, não esse não é o ponto máximo do texto. Depois de ver
tais coisas, Ezequiel cai ao chão e “ouve a voz daquele falava com ele”. O
extraordinário desse momento místico não foi o que Ezequiel viu, mas o que
ele ouviu.

A Palavra de Deus tem primazia sobre tudo o que existe. Por isso, ela é
o elemento definidor de nosso relacionamento com Deus. Em Gênesis, antes
da queda, Deus caminhava na viração do dia com Adão e Eva, e conversava
com eles. A tentação da serpente maligna foi justamente colocar em dúvida a
Palavra de Deus – assim como ele fez com Cristo no deserto.

Também foi a partir da Palavra de Deus que Abrão rumou para a terra
que Deus ainda lhe revelaria: “Ora, disse Deus a Abrão” Gn 12.1. Isso fica
ainda mais patente quando Deus fala para seu povo: “Aplicai o coração a todas
as palavras que hoje testifico entre vós (...). Porque esta palavra não é para
vós coisa vã; antes, é a vossa vida” Dt 32.46-47. Foi também ao ouvir a
Palavra de Deus que o menino Samuel pode conhecer a Deus e ter um
relacionamento com Ele (1 Samuel 3.7). O ponto supremo de Deus se
relacionando com Seu povo foi quando Sua Palavra se encarnou e habitou
entre nós. Hebreus 1.1 diz que hoje Deus nos fala através do Filho.

Podemos avançar em nossa reflexão de Deus concordando com o que


Jonathan Leeman, editor do ministério 9 Marcas, afira: “A palavra de Deus é a
maior força do universo”. Se em tudo a Palavra tem primazia é porque nada é
mais poderoso que ela. Nenhuma filosofia, ideologia, cosmologia, religião, bala,
tiro ou canhão, é mais poderosa que uma simples letra saindo da boca do Todo
Poderoso. A Bíblia atesta que os “céus proclamam a glória de Deus”, mas
também diz que pela Palavra de Jeová os céus foram feitos (Sl 33.6). A glória
de Deus se revela na criação pelo fato de tudo que existe ter sido criado
simplesmente pelo falar de Deus.

Gn 1 ensina que Deus disse “Haja” e tudo houve. As milhões e milhões


de espécies que existem no mundo, as infinitas galáxias que jazem sobre
nossa cabeça neste universo de tamanho não medido, tudo foi feito pela falar
do Eterno Deus. O próprio autor de Hebreus escreve: “pela fé entendemos que
tudo o que existe foi criado pela Palavra de Deus”.

Dever e Gilbert demonstram que Gn 2.7, o relato da criação da alma


humana por meio do sopro de Deus, é uma outra forma de se referir à Palavra
de Deus. Isso se sabe porque em Sl 33.6 está escrito que “os céus pela sua
palavra se fizeram, e pelo sopro da sua boca, o exército deles”. No paralelismo
hebraico, uma mesma ideia é comunicada em duas frases diferentes. Deste
modo, palavra e sopro são sinônimos. Deus fez tudo pela sua palavra.

Quanto ao sopro de Deus, há uma interessante referência ao Messias


como ferindo a terra com a vara que sai da sua boca. Logo após diz que Ele
destruirá o perverso com o sopro dos seus lábios. Trata-se novamente de um
paralelismo. A vara que castigará os ímpios e injustos e por meio da qual os
mansos e justos serão vindicados é aquilo que sai da boca do Messias: a Sua
Palavra.

Certamente com esse texto nos seus pensamentos Paulo diz que Jesus,
o Messias, no seu retorno destruirá o homem da iniquidade, aquele é uma
espécie de incorporação do mal, que age no poder do diabo, apenas com o
sopro da Sua boca: com as Suas Palavras.

Em Apocalipse, João nos relata a visão de Cristo vindo em glória com


todos os seus anjos, montado em um cavalo branco, com uma espada que sai
da sua boca, para julgar todos os seus adversários. Por certo isso não é literal,
antes, se trata de uma simbologia. O que está sendo comunicado é que Cristo
julgará todos os seus inimigos por meio das Sua Palavra, “mais afiada que
espada de dois gumes”.

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