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A REVOLTA CONTRA A IMANÊNCIA:

A Transcendência na Neo-ortodoxia

Introdução: teologia século XX

Logo depois da Primeira Guerra Mundial, retomando Kierkegaard, denunciou


vigorosamente todas as tentativas de amordaçar a Palavra de Deus com a razão.
Contra um cientismo ingenuamente triunfal e um racionalismo seguro de si, Barth
afirmou que todo verdadeiro conhecimento provém de Deus. Este é o
“Totalmente Outro”.
Essencialmente enfraquecido em sua unidade originária, o homem não pode
mais alcançá-lo com suas forças; ao contrário, tudo aquilo que é humano, razão,
filosofia, cultura, religião, encontra-se em substancial oposição a Ele. Somente
pelo sacrifício de Jesus Cristo é que essa oposição é superada e a unidade
restabelecida. Em síntese, é esse o protesto vibrante de Karl Barth contra a
teologia liberal, expresso no célebre comentário à Epístola aos Romanos (Der
Ròmerbrief), obra que impôs ao movimento teológico protestante uma virada
decisiva, reconduzindo-o da degeneração raciona- lista aos trilhos da Ortodoxia,
ou seja, do pensamento genuíno dos fundadores do Protestantismo, Lutero e
Calvino. Por isso, o movimento teológico iniciado por Barth foi chamado “Neo-
ortodoxia”, ou então “Teologia da crise”, ou ainda “Teologia dialética”.

a) Inicialmente, também Brunner, Bultmann, Niebuhr, Gogarteii e Tillich


aderiram ao movimento; mas depois, quando foi questão de escolher uma
nova expressão para a mensagem dos Fundadores, dele se afastaram.
Com efeito, estava claro que aquela mensagem não poderia ser eficaz se
não fosse traduzida em uma linguagem moderna, compreensível para o
homem do século XX.

A grande pergunta da época:


Mas qual linguagem devia-se escolher? A bíblica, a filosófica ou então a
secular?

Nesse ponto, voltou à baila a questão da posição da filosofia


no seio da teologia, dado que, mais ou menos explicitamente,
a linguagem com que se dá expressão à Revelação é sempre
uma linguagem filosófica. E assim eclodiu novamente o
problema da teologia natural, daí nascendo os vários
movimentos em que se fracionou a teologia protestante
contemporânea.
COMO FICOU ESSA FRACIONADA FILOSOFIA NA TEOLOGIA XX?
b) Alguns teólogos, com Barth à frente, repeliram categoricamente a teologia
natural e, com ela, qualquer empenho filosófico. Outros aceitaram a
teologia natural, mas não do mesmo modo: há os que, como Mascall, não
hesitam em seguir a teologia natural de são Tomás; já outros, como
Brunner, aceitam uma teologia natural notavelmente redimensionada e
reduzida. Por fim, vários teólogos (Bultmann, Tillich, Gogarten e Ebeling)
escolheram uma linguagem filosófica diferente da linguagem da teologia
natural, preferencialmente o existencialismo, o personalismo e a
fenomenologia.
c) ... Mas a utilização das novas filosofias e a pretensão de submeter a
mensagem cristã a revisões radicais por meio das técnicas de demi-
tização (Bultmann) e de secularização (Bonhoeffer) levaram ao suicídio e
à liquidação da teologia, como pode ser constatado nos “teólogos da
morte de Deus” (van Buren, Hamilton e Altizer).
d) ... Mas já estão em curso (na Alemanha e em outros lugares) vigorosas
reações que tentam deter o desmantelamento total da teologia. Vários
teólogos, como E. Kásemann, G. Ebeling, W. Pannenberg e J. Moltmann,
esforçam-se por corrigir e superar as posições de Bultmann e Bonhoeffer,
ressaltando o caráter objetivo e histórico da Revelação, evidenciando o
seu componente escatológico e desenvolvendo uma “teologia da
esperança”.

KARL BARTH E A TEOLOGIA DA PALAVRA DE DEUS:

a) Karl Barth nasceu na Basiléia em 10 de maio de 1886. Sua origem suíça


é digna de nota: durante o período nazista, colocou-o em condições de
opor-se a Hitler sem graves consequências; o máximo que o nacional-
socialismo pôde fazer contra ele foi repatriá-lo. Da terra suíça, parece que
Barth herdou também muitas convicções políticas e sociais: o apego à
democracia, uma tendência ao conservadorismo, a desconfiança em
relação aos blocos políticos, uma propensão para a neutralidade (entre
Rússia e Estados Unidos).

b) Seus estudos teológicos, iniciados em sua pátria, mais precisamente em


Berna, foram prosseguidos na vizinha Alemanha, tendo pas- sãdo pelas
Universidades de Berlim, Marburg e Tübingen. Seus professores foram os
mestres mais célebres do último liberalismo teológico: Harnack, Gunkel,
Schlatter e Herrmann.

Em 1911, foi promovido a pastor de Safenwill, onde transcorreram


os dez anos decisivos da maturação do seu pensamento teológico.
c) A experiência pastoral mostrou-lhe imediatamente a incongruência entre
o que havia estudado e as exigências da vida cristã. Quando subiu ao
púlpito, percebeu a inutilidade de todos os estudos histórico-críticos da
vida de Cristo e do Evangelho. Aquilo que o povo lhe pedia era o anúncio
da Palavra de Deus e não doutas dissertações sobre aquilo que pertencia
à história e aquilo que pertencia à fé. Pedia-lhe, ademais, um anúncio
correto, atual, que correspondesse aos problemas colocados pela
industrialização, pela socialização, pela luta de classes, pela guerra.

Então, Barth começa a “dedicar-se a um intenso estudo da Bíblia, no qual imerge


ainda mais quando se desencadeia a Primeira Guerra Mundial. Mesmo
resguardado pela neutralidade suíça, Barth não sente de maneira alguma estar
fora da confusão e nem deseja estar.

d) Participa intensamente de cada fase da luta e compreende claramente


que, em meio às explosões das bombas e aos gritos dos moribundos, a
pregação só tem sentido se não ressoa como uma mensagem incolor e
insípida, inadequada para a época, carente de resposta as dramáticas
interrogações espirituais colocadas à humanidade pelo fundir-se da
guerra e de suas atrocidades.
e) Aí encontramos duas das mais importantes características da
teologia que Barth começava então a construir: profunda inspiração
bíblica e ilimitada abertura para todos os problemas do homem moderno.

KARL BARTH: A transcendência como Liberdade de Deus.

a) Durante o começo dos anos 30, Barth envolveu-se profundamente com o


movimento eclesiástico antinazista na Alemanha. Em 1934, ele ajudou a
redigir a Declaração de Barmen, que afirmava que Jesus Cristo é o único
Senhor para o cristão e, assim, fazia uma crítica implícita à elevação de
Hitler à posição de messias pelos cristãos alemães.
Barth encarava a aceitação da ideologia nazista pelos cristãos alemães
como uma forma de Cristianismo de cultura - o resultado esperado da
teologia natural - e apoiava fortemente os dissidentes dentro da igreja do
Estado que se opunham aos nazistas. Devido à sua recusa em saudar
Hitler no início de suas palestras ou de assinar um juramento de lealdade
a Hitler, em 1935 o governo alemão emitiu a demissão sumária de Barth
de seu cargo em Bonn. Ele foi convidado a trabalhar como professor na
Universidade da Basiléia e voltou à sua cidade natal, onde viveu e
lecionou o resto da vida.
b) Ao longo dos vinte e sete anos de ensino na Basiléia, Barth trabalhou em
sua obra A Dogmática da Igreja e em outros livros e artigos, pregou
regularmente no presídio da cidade e adquiriu a reputação de ser um
estudioso de Mozart. Estudantes de todo o mundo iam ouvir suas
palestras e participar de seus seminários. Havia tantos alunos da
Inglaterra e Estados Unidos, que Barth começou a oferecer cursos
semanais em inglês. Em 1962, aos 75 anos de idade, ele se aposentou
do ensino de tempo integral e imediatamente embarcou em sua primeira
viagem fora da Europa. Passou sete semanas viajando pelos Estados
Unidos dando palestras, passeando e conhecendo pessoas. A revista
Time o homenageou com uma reportagem de capa e a Universidade de
Chicago lhe concedeu o título de doutor honoris causa.

Método Teológico:

O método teológico de Barth tinha um polo negativo e outro positivo.

Barth resumiu seu próprio posicionamento ao declarar: “A possibilidade de se


conhecer a Palavra de Deus está na Palavra de Deus e em mais nenhum outro
lugar”. Essa declaração expressa o lado positivo e o negativo de seu método
teológico.
a) Apesar da falta de disposição da humanidade para com Deus e da
impossibilidade de se conhecer a Deus através da razão, natureza e
cultura, em sua liberdade e graça soberanas, Deus se revelou na história
humana e tornou possível o milagre de conhecê-lo. De acordo com Barth,
o acontecimento singular da História no qual Deus se revelou é o advento
de Jesus Cristo. E, em Cristo, Deus revela a si mesmo e não somente
algumas informações ou um modo de vida. Para Barth, isso significa que
“o Deus eterno deve ser conhecido através de Jesus Cristo e não de
qualquer outra forma”.
b) ... Mas como saber que isso é verdade? Barth responde: “A prova da fé
consiste na proclamação da fé. A prova do conhecimento da Palavra [de
Deus] consiste em sua confissão”.
c) Em outras palavras, a fé em Jesus Cristo como verdade revelada de Deus
declara sua própria autenticidade. Para o cristão, esse é o fato
fundamental que não precisa do apoio de mais nada, mas que sustenta
tudo o que há. A fé é uma dádiva de Deus.

A Palavra de Deus e a Bíblia:

Para Barth, a única fonte de teologia cristã é a Palavra de Deus. Essa Palavra,
entretanto, consiste em três formas ou modos.
1. A primeira forma é Jesus Cristo e toda a história dos atos de Deus que
levaram até a vida de Jesus e estão relacionados a ela, bem como à sua
morte e ressurreição. Essa é a própria revelação, o evangelho em si.
2. A segunda forma consiste nas Escrituras, a testemunha privilegiada de
toda a revelação divina.
3. Por fim, a proclamação do evangelho através da igreja constitui a terceira
forma.

As duas últimas formas são Palavra de Deus apenas num sentido instrumental,
pois tornam-se Palavra de Deus quando Deus as utiliza para revelar a Jesus
Cristo.

d) Em decorrência disso, a Bíblia não é a Palavra de Deus numa forma


estática. A Palavra de Deus tem sempre um caráter de acontecimento',
de certo modo, é o próprio Deus relatando seu agir. A Bíblia torna-se
Palavra de Deus em um acontecimento: “A Bíblia é a Palavra de Deus à
medida que Deus faz com que ela seja sua Palavra, à medida que Ele fala
através dela”.

A visão de Barth sobre as Escrituras foi motivo de muita crítica e controvérsia:

Os liberais o acusavam de elevar Os conservadores, por outro lado,


a Bíblia a uma posição especial atacavam a forma como Barth
que quase a igualava à doutrina subordinava as Escrituras a uma
tradicional da inspiração verbal, revelação indeterminada e como
removendo-a, desta forma, de negava explicitamente a sua
uma perspectiva histórico- infalibilidade, sendo que alguns
crítica. chegaram a rotular sua teologia de
“novo modernismo”.

e) Na verdade, ambas as críticas chegaram perto, mas não atingiram o cerne


da questão. Por um lado, Barth, de fato, negava a posição dada às
Escrituras pela ortodoxia clássica. Ele fazia distinção entre a Bíblia e a
Palavra de Deus, afirmando que “aquilo que temos na Bíblia é, de
qualquer maneira, uma série de tentativas humanas de se repetir e
reproduzir essa Palavra de Deus em palavras e pensamentos humanos e
em situações humanas específicas”. Por outro lado, ele advertia
seriamente contra o perigo de se concluir que a inspiração divina das
Escrituras - sua posição especial como testemunha privilegiada de Jesus
Cristo - é meramente um julgamento humano. Barth afirmava que sua
inspiração não é uma questão de quanto valor damos a elas ou como nos
sentimos em relação a elas.
Teologia Cristocêntrica e Trinitariana:
A estrutura da teologia de Barth é completamente Cristocêntrica. O começo, o
meio e o fim de toda doutrina é a figura de Jesus Cristo - sua vida, morte,
ressurreição, exaltação e união eterna com Deus, o Pai. A cada encruzilhada
doutrinária, Barth levantava a seguinte questão:
Pergunta chave na teologia de Barth:
Qual a visão correta disto à luz do agir de Deus em Jesus Cristo?
Essa estrutura Cristocêntrica oferece a coerência e unidade que fazem da
extensa teologia de Barth um sistema.
a) Para o teólogo suíço, Jesus Cristo é a única e singular revelação de Deus
sobre si mesmo, a Palavra de Deus em pessoa;
“a revelação é a interpretação desse Deus acerca de si
mesmo. Se estamos tratando de sua revelação, estamos
tratando do próprio Deus e não... de uma entidade distinta
dele”.
b) Um dos axiomas básicos de Barth é que por trás da realidade deve haver
a possibilidade correspondente.26 Assim, se Jesus Cristo é quem a fé
indica que ele é - a inigualável revelação do próprio Deus então, de algum
modo, ele deve ser idêntico a Deus e não simplesmente um agente ou
representante de Deus.
c) Barth via na doutrina da Trindade a única resposta possível para a
pergunta: Quem é esse Deus que se revela? Ele afirmava: “Assim, é o
próprio Deus, o mesmo Deus sem prejuízo de sua unidade, que, de
acordo com a compreensão bíblica de revelação, é, ao mesmo tempo, o
Deus que se revela, a revelação em si e também o seu impacto sobre os
homens”.
d) Contradizendo diretamente a abordagem de Schleiermacher, Barth
colocou a doutrina da Trindade como ponto de partida para a teologia. Ele
argumentava que:
A doutrina da Trindade é o que, basicamente, define o
caráter cristão da doutrina de Deus e, portanto, distingue
como sendo cristão o conceito de revelação, diferente de
outras doutrinas possíveis sobre Deus e sobre o conceito
de revelação.
De acordo com Barth, portanto, a revelação de Deus é o próprio Deus. Deus é
quem ele se revela ser. Em decorrência disso, Jesus Cristo, como única e
inigualável revelação de Deus, é idêntico a Deus e, portanto, verdadeiramente
humano e verdadeiramente divino: “Jesus Cristo não é um semideus. Ele não é
um anjo. Também não é um homem ideal”.
“A realidade de Jesus Cristo está no fato de o próprio Deus encontrar-se
presente encarnado. O próprio Deus é Sujeito, sendo e agindo de modo
humano”.
Deus como “Aquele que ama em liberdade”

Apesar da doutrina da Trindade ser o centro e o coração de sua doutrina sobre


Deus, Barth dedicou a maior parte de um volume inteiro aos atributos ou perfei-
ções do ser de Deus (A Dogmática da Igreja 2/1).
a) Sem de modo algum qualificar o ser de Deus como amor, Barth
prosseguiu enfatizando a liberdade desse amor. Enquanto o amor de
Deus pelo mundo é real e eterno, ele não é necessário. Deus continuaria
sendo amor mesmo que ele não optasse por amar o mundo. Barth estava
claramente pensando na teologia liberal, especialmente naquela
influenciada por Hegel, quando advertiu: “Se não tivermos cuidado nesse
ponto, acabaremos inevitavelmente roubando de Deus a sua divindade”.
b) Indo contra toda a corrente de pensamento liberal sobre Deus desde
Schleiermacher e Hegel, Barth afirmava a transcendência absoluta de
Deus sobre o mundo, considerando-a em termos relacionados à liberdade
de Deus:
“O caráter elevado, a majestade soberana, a santidade, a glória - até mesmo
aquilo que chamamos de transcendência de Deus -, o que é tudo isso senão
a determinação própria, a liberdade, o viver e o amar do ser divino?”

A Doutrina da Eleição:
De acordo com Barth, a cruz de Jesus Cristo é o acontecimento supremo da
entrada de Deus na história da humanidade - o Filho de Deus vai para o “país
distante” para tomar sobre si a ira e a rejeição divinas que a humanidade
tanto merecia.

a) Assim, Jesus Cristo é o homem eleito e rejeitado (maldito), sendo que


todos os seres humanos estão incluídos nele e são por ele representados:

“A rejeição que os homens trouxeram sobre si mesmos, a ira de Deus sob


a qual estão todos os homens, a morte que todos os homens deveriam
sofrer, Deus, em seu amor pela humanidade, transfere tudo eternamente
sobre Aquele através do qual Ele os ama e os elege, Aquele escolhido
por Ele para ir adiante deles e tomar seu lugar.”
b) Como sua teologia de um modo geral, a doutrina da eleição apresentada
por Barth é “cristomonística”.
c) Para ele, Jesus Cristo é o único objeto da eleição e da maldição de Deus.
Nenhum decreto terrível de predestinação dupla divide a humanidade em
salva e maldita. Pelo contrário, todos estão incluídos em Jesus Cristo, que
é tanto o Deus que elege como o ser humano eleito por ele, e os
benefícios de sua obra salvadora estendem-se sobre todos eles.
“na eleição de Jesus Cristo, que é a vontade eterna de Deus, Deus oferece
ao homem... eleição, salvação e vida; e a Si mesmo designa... rejeição,
perdição e morte.”
Assim, para Barth, a predestinação significa que, desde a eternidade, Deus
decidiu absolver a humanidade a um alto preço para si mesmo.

Mas, a quem se estende essa absolvição de Deus?


Barth deixou absolutamente claro que Jesus Cristo é a única pessoa
verdadeiramente rejeitada e que, nele, todos os seres humanos são eleitos. As
pessoas podem tentar viver uma existência perversa de rejeição a Deus, mas
“seus desejos e intentos foram anulados por Deus antes do começo do mundo...
o que está reservado à humanidade é a vida eterna em comunhão com Deus”.
E possível que essa afirmação corresponda à doutrina de apokatastasis ou
universalismo?
Ao escrever sobre essa pergunta, Barth recusou-se a dar uma resposta direta:
“Não é isso que ensino, mas também não é isso que não ensino!”

Avaliação:
No geral, portanto, o método teológico de Barth preserva a autonomia da teologia
sobre as outras disciplinas. A teologia continua sendo a ciência irredutível da
Palavra de Deus. A maior força da teologia também é a fonte da maior fraqueza
do método teológico de Barth, uma fraqueza que surge do extremo ao qual ele
leva a autonomia teológica. Sua recusa a todo tipo de justificação racional da
verdade da revelação conduz a uma teologia que vai além da autonomia e acaba
no isolamento.
Se não há pontes inteligíveis ligando a teologia com a experiência humana
comum ou com as outras disciplinas, de que maneira a fé cristã pode ser algo
mais do que esoterismo para aqueles que estão do lado de fora?
Uma coisa é Barth rejeitar a forma como a teologia liberal reduzia a fé cristã
àquilo que podia ser antecipado dentro dos horizontes da experiência humana;
mas outra coisa bem diferente é eliminar qualquer ligação entre crença e
experiência.
a) A acusação de cristomonismo surge também do uso que Barth faz da
pessoa de Jesus Cristo como fundamento e princípio organizador de toda
a sua teologia. Toda doutrina torna-se uma forma de cristologia. Uma
ilustração clara está na doutrina de Barth sobre a eleição. Jesus Cristo é
tanto o sujeito quanto o objeto da predestinação.
Mas onde, exatamente, encaixa-se Deus, o Pai, e os seres humanos dentro
dessa estrutura?
b) A doutrina de Barth sobre as Escrituras é alvo de muitas críticas, tanto por
parte dos teólogos liberais quanto dos conservadores. Os liberais o
acusam de ignorar os resultados do criticismo superior e de tratar a Bíblia
como se fosse verbalmente inspirada. Os conservadores, por sua vez,
acusam Barth de fazer uma distinção radical demais entre a “Palavra de
Deus” e a Bíblia e de negar a infalibilidade doutrinária da Bíblia.
c) Uma das maiores contribuições de Barth para a teologia do século 20 foi
o fato de ter recuperado a doutrina da Trindade da obscuridade em que
ela se encontrava. Teólogos liberais de Schleiermacher em diante haviam
tratado essa doutrina como se fosse uma relíquia da suposta influência
helenística sobre o Cristianismo primitivo e haviam falhado em reconhecer
sua relevância. Sob a influência de Barth, a teologia voltou a considerar
seriamente a doutrina da Trindade, mesmo que ainda não tenha chegado
ao um consenso sobre ela.

Conclusão:
Em termos de fluxo da história teológica do século 20, uma das grandes forças
da teologia de Barth está na sua recuperação da transcendência de Deus.
Somente se o amor de Deus pelo mundo for absolutamente livre é que ele pode
existir pela graça. A graça presente na relação de Deus com o mundo é o centro
do evangelho cristão.
a) Em seu zelo de proteger a liberdade e a transcendência de Deus,
entretanto, Barth pode ter sacrificado muito do aspecto humano do
relacionamento entre Deus e o mundo. Isso fica mais claramente ilustrado
na sua doutrina da salvação. Nela, o triunfante “Sim!” de Deus em Jesus
Cristo anula todo o “Não!” dos seres humanos.
Como G. C. Berkouwer, um dos críticos mais simpatizantes de Barth,
corretamente concluiu,
“na teologia de Barth, o triunfo da graça relativiza a
seriedade da decisão do ser humano, assim como o
kerugma [sic] é ameaçado de tornar-se uma simples
anunciação sem nenhuma exortação vital”.
Podemos ser tentados a dizer que, enquanto Schleiermacher errou ao procurar
falar de Deus, falando da humanidade em alta voz, Barth errou ao falar da
humanidade, falando de Deus em alta voz. Talvez o erro de Barth seja menos
grave, mas teria sido melhor se nenhum deles tivesse ocorrido.

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