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1. Deus, tinica esperanga e amante da verdade 1 ODeus, tu me conheces, faze que eu te conhega, como ‘sou por ti conhecido.' © Virtude de minha alma, penetra na minha alma, faze que ela seja semelhante a ti, para ue a poseuas “sem mancha nem ruge”,’ Esta éa minha esperanca, por ela feloe nessa esperanga me alegro® quan- do experimento uma sé alegria. Tudo o mais nesta vida, quanto mais se chora, menos merece ser chorado e tanto mais seria de chorar quanto menos por ele se chora. “Amaste a verdade”,* pois, quem a pratica aleanga a luz." ‘Também eu quero pratieé-la no intimo do coragéo, diante de ti na minha confissio, e diante de muitas testemu- ‘has nos meus eseritos. 2. Confissdo diante de Deus e dos homens 2 Ati, Senhor, que conheces os abismos da conscidncia hhumana,! poderia eu esconder algo, ainda que no qui- ssesse confossar-te? Eu poderia esconder-te de mim, mas ‘nunca esconder-me de ti! Agora que meu pranto demons- ‘ra quanto me desagrado a mim mesmo, tu resplandeces| 1061312. scta3.. Seema xuvRo 270 amous olhos emo agradas, e 6s amdvel e desefével, a fim de que eu me despreze e renuncie a mim mesmo para escolher-te a ti, eque ou nfo agrade nem a mim nem a ti, sendo por teu amor, Portanto, Senhor, tu me conheces como sou, e eu jé disse com que finalidade me confesso a ti, B uma confissio feita, nfo com palavras e com a voz 4o corpo, mas com ogrito interior da alma e com o clamor do pensamento, que tous ouvidos jé conhecem. Confessar © que fiz de mal significa o desgosto que tenho de mim ‘mesmo. Mas, quando confesso o bem que fiz, nada posso atribuir a mim préprio, pois tu, Senhor, “abengoas 0 jus- to’ noentanto, faste tu que o tornaste justo, deimpio que era. Assim, esta confissio diante de ti é, ao mesmo tem- po, silenciosa e ndo silenciosa. Cala-se a vor, grita ocora- 0. Tudo que digo aos homens, tu jé ouviste de mim; ede mim nada ouves que tu mesmo nao tenhas dito antes. 8. Sentido de uma confissdo, do 6 do passado, mas do presente & Mas por que deveriam oe homens ouvir minhas con: fissées, como se a eles coubesse curar minhas enfermida- des?! Curiosos de conhecer a vida alheia, sio indolentes em corrigir a propria. K por que desejam saber de mim quem sou, quando ndo se interessam em ouvir de ti quem so? E como poderiam estar certos de que digo a verdade ao falar de mim mesmo, quando homem algum conhece o ue se passa no homom, condo 0 espfrito do homem que nele reside?® Se de ticles ouvem falar de si mesmo, néo Setiim 4 See sie Bos an M4 poderdo dizer: “O Senhor é falso”. Que vem a ser, de fato, ouvir falar de si, endo conhecer-2e a si mesmo? E quem, depois de so conhecor a si mesmo, consegue dizer sem ‘mentir: é falso? B como a “caridade tudo cré”," ao menos entre aquoles que ela unifica unindo-os a si mesma, tam- bbém eu, Senhor, te fago esta confissfo, para que os ho- ‘mens a ougam. N&o posso provar a sineeridade da minhs confissto, mas acreditardo em mim aqueles cujos ouvi- dos se me abram pela esridade. 4 Mas tu, médico de minha vida interior, mostra-me 08 frutos deste meu trabalho. A confissdo de mines fal- ‘tas passadas — que perdoaste e esqueceste para me fa zor feliz, transformando-me a alma pela {6 e pelo teu s cramento — leva, a quem a Ié e cuve, a néo se entregar ao desespero dizendo: ndo posto, Que esta confissio dee- perte nele o amor pela tua misericérdia e pola dogura da tua graga, que fortalece todos os fracos e Ihes permite ‘tomar conseiéneia da prépria fraqueza. Os bons tém pra zer em ouvir as faltas passadas de que agora esto livres, nfo pelo fato de serem faltas, mas porque, tendo existi- do, jd nao existem. Senhor meu Deus, a quem todos o8 dias a minha conscigncia se confessa, mais confiante na tua miserieérdia do que na sua inocéncia, mostra-me qual o fruto desta confisséo, feita também aos homens na tua presenga, néo do que fui, mas do que sou agora. Com- preendi e 6 recordei o fruto da confiasio do passedo. Mas ‘muitos, quer me conhecam quer no, desejariam saber 0 que sou agora, no préprio momento em que escrevo mi- has confissées, Jé ouviram falar de mim, mas seus ou- vidos ndo me auscultam o coraséo, onde, de fato, ou ver- dadeiramente ou mesmo. Desgjariam, pois, ouvir-me eon- fessar quem sou no meu intimo, que oolhar, os ouvidos, a xuvRo 272, intuieso néo podem atingir. Quorem ouvirme, dispostos a acreditar em mim, mas como poderao estar certos de me conhecerem realmente? Acaridade, que os torna jus- ‘0s, dirclhes-6 que eu, a0 confessar-me, néo minto. f ela que os faz aereditar em mim. 4, Agostinho se confessaré também aos homens, para que com ele agradegam a Deus 15 Mas que fruto podem esperar destas confissbes? De- sejam agradecer eomigo, owindo quanto atua graga me sproximou de ti, ou querem orar por mim, sabendo quan- to estou ainda trdpego pelo peso dos pecados? A esses rmostrarel quem sou. Jé no 6 pouco, Senhor meu Deus, {que “muitos rendam gragas por née e que muitos in- tercedam por nés. Que o coragdo fraterno ame em mim ‘aquilo quo ensinas @ amar, @ deplore em mim o que en- sinas a deplorar. Que este sentimento brote de um cora- ‘fo fraterno e néo de um estranho, “de filhos de estran- geiros, cuja boca diz coisas vas e exja mio é mio da ini- Giidade" Que o faga um coragdo fraterno, quo so ale- ‘gr0 comigo quando me aprova se entristece quando me desaprova, porque me ama, quer me aprove ou néo. ‘ esses que me revelarei, para que respirem, alivia- dos, diante do bem que fiz, ¢ euspirem por minhas cul- as. As boas ages s80 obras e dons teus, as mis aio culpa minha e eyjeitas a teu julgamento. Respirem de alivio pelo bem, suspirom pelo mal. Subem & tua pro- senga hinos e lagrimas destes coragbesfraternos que si0 “os teus turfbulog" E tu, Senhor, alegre com o perfume $0. satis scapes. 273 46 do teu santo templo, “tem piedade de mim, segundo a tua grande misericérdia”,* por causa do teu nome.’ Tu, que nunca abandonas as obras eomegadas, completa 0 ‘que em mim ha de imperfeito® 6 _ Este poderd ser ofruto de minhas confissées, em re- Iago, nfo Aquilo que eu era, mas ao que sou agora, Por isso, farei a minha confissdo com intima alegria mescla- da de temor,’ com secreta tristeza e esperanga, néo 86 diante de ti, mas também diante de todos os homens de {8 que se associam a minha alegria e participam de mi- ‘nha condigéo mortal, meus concidaddas e peregrines como ‘eu, que me precederam, que ho de seguir-me, ou que me acompanham no caminho da vida. So esses os teus ser- vos e 0s meus irmios que quiseste fosser teus filhos fossem senhores meus, a quem me ordenas servir, se quero viver contigo e de ti. Tal preceito teria sido insuficiente para mim, se teu Verbo o tivesse ordenado com palavras ‘sem ter dado o exemplo pela aglo, Eeis-me obediente com ats e palavras, ¢ 0 faco a sombra de tuas asas.*E grande seria 0 perigo, so minha alma néo estivesse a ti sujeita e ‘minha fraqueza nfo te fosse conhecida, Sou como erian- 2, mas 6 sempre vivo o meu Pai, e idéneo o meu tutor; de fato, 6 ele quem me gerou e quem me pratege. Es todo 0 meu bem, tu, onipotente, que estas comigo antes mes- mo de eu estar contigo. Revelerei, pois, Aqueles a quem me mandas servir, nio o que fui, mas o que é sou eo que ainda néo sou. "Mas ndo me julgo a mim mesmo”.* Assim ‘peo que me escutem.

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